InformANDES SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDES-SN
Entre os dias 16 e 18 de junho, milhares de pessoas de todo o Brasil se reuniram em Brasília (DF), para o II Encontro Nacional de Educação (ENE), que representou um marco na ampliação da organização na luta em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade. A marcha “Em defesa da Educação Pública” marcou a abertura do Encontro e levou cerca de 3 mil Multicampia: A realidade multicampi traz desafios para a organização sindical dos docentes e estrutural das universidades. 6 e 7
Informativo Nº 59 Brasília (DF) Junho de 2016
pessoas à Esplanada dos Ministérios. Nos dois dias seguintes, docentes, estudantes e técnicos de todos os níveis de ensino e representantes de movimentos sociais e populares ligados à luta em defesa da educação pública e gratuita participaram de ricos debates na Universidade de Brasília (UnB), que foram consolidados na Declaração Política do II ENE. 10 a 14
Homenagem: Márcio Antônio de Oliveira, Presente! Confira homenagem ao ex-presidente e fundador do ANDES - SN. 8 e 9
Entrevista: Paulo Rizzo, presidente do ANDES-SN faz um balanço de sua gestão e fala dos desafios para o próximo período. 15 e 16
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Editorial
E por falar em junho...
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ossas reflexões sobre a intensificação de manifestações reacionárias que vivenciamos no Brasil e mundo afora deve contemplar a avaliação da crise de longa duração do Capital. Torna-se necessário, entretanto, não só analisar os movimentos do Capital em busca de sua perenidade, mas também a intensificação das lutas dos trabalhadores e da juventude em diversos cantos do país e do mundo. No Brasil, em particular, tende-se a minimizar esse ascenso, com base na comparação com a década de 1980, sobretudo em relação ao movimento do novo sindicalismo e as lutas contra a ditadura. Para compreendermos os junhos, de 2013, de 2016 e os que virão, é necessário recordarmos os danos que o neoliberalismo e a adesão dos estados nacionais aos seus imperativos causaram. Desestruturação produtiva que impactou direitos sociais e trabalhistas, cujo objetivo maior, talvez não tão comentado, seja impactar negativamente na organização da classe trabalhadora. No Brasil, a década neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, intitulada pelos
seus defensores de social liberalismo, foi sucedida de uma década e meia de políticas neoliberais travestidas de neodesenvolvimentistas e do que tenha sido talvez o elemento político mais grave – a cooptação dos movimentos sociais e a criminalização dos movimentos autônomos. Tivemos que reaprender, reaprender que nossas organizações têm que refletir as características das novas configurações da classe trabalhadora – desempregada, subempregada, precarizada e, quando portadora de um contrato de trabalho, submetida às mais bárbaras condições de intensificação e superexploração do trabalho. Uma juventude que nasceu sob a égide da insegurança e da perda de direitos e da ausência de futuro, trabalhadores e trabalhadoras que vivem mais e envelhecem convivendo com a perda de direitos e a ausência de futuro. Reaprender significa que nossas organizações devem refletir sobre o que fazer, apostando na vitalidade da luta da juventude, sem, entretanto abandonar a história. Aprender, sobretudo, com as últimas duas décadas e construir a partir da compreensão de que só a luta autônoma dos traba-
lhadores e trabalhadoras é capaz de trazer mudanças. Unidade não se forja no discurso e na intenção, mas na sua conversão em uma prática cotidiana de luta que agregue, mais e mais, lutadores e lutadoras que estejam dispostos a construir a história. Junho chegou com o recrudescimento da perspectiva reacionária, xenófoba, machista e homofóbica e, sobretudo, anticomunista. Junho chegou com a intensificação e aceleração das políticas neoliberais de retirada de direitos e com o avanço das políticas que garantam sobrevivência do capitalismo, ainda que às custas da barbárie ambiental e social. A burguesia brasileira repactuou entre suas frações a adota uma nova estratégia. Não aceitam mais a conciliação de classes como uma das opções e adotaram o discurso e a prática que radicaliza e acelera os ataques à classe trabalhadora. Não por acaso, junho de 2013. Não por acaso, junho de 2016 chegou e com ele a intensificação das lutas, em quatro cantos do mundo e do Brasil. Marcio Antonio de Oliveira, mais do que nunca, presente!
EXPEDIENTE O Informandes é uma publicação do ANDES-SN // site: www.andes.org.br // e-mail: imprensa@andes.org.br Diretora responsável: Marinalva Silva Oliveira // Redação: Renata Maffezoli MTb 37322, Bruna Yunes 9045 DRT-DF, Mathias Rodrigues MTb 10126 // Edição: Renata Maffezoli // Fotos: Renata Maffezoli, Mathias Rodrigues e Bruna Yunes // Diagramação: Renata Fernandes DRT 7160-DF
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movimento estudantil do paraguai
Internacional
Ocupação Estudantil no Paraguai derruba ministra da Educação
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Trabalhadora (CCT), os estudantes cansaram das promessas não cumpridas pelo governo e da situação precária em que vivem nas escolas. “A realidade das escolas públicas do Paraguai é deplorável, com tetos prestes a desabar, paredes e pisos com sinais de fissuras. No interior do país, muitas escolas funcionam com chão de terra, teto de palha. Em casos extremos, crianças e os jovens assistem às aulas debaixo de árvores. Tudo isso, somando-se aos salários baixos dos professores”, explicou. Trancoso contou que após anos sofrendo com o descaso com a educação pública no país, os estudantes decidiram radicalizar a luta. “O movimento estudantil secundarista e superior não aflorava desta maneira, com tanta força e mobilização, desde o fim da ditadura miliar [19541989]. No ano passado, houve a Primavera Estudantil com o slogan #UnaNoTeCalles, que foi um passo importante para o pro-
cesso de ocupações no Paraguai”, relatou. Os estudantes ocuparam o campus principal da Universidade Nacional de Assunção e exigiram a saída do reitor, denunciado por corrupção e, também, ligado ao período ditatorial. Fazia parte da pauta de reivindicações, aumento do repasse de verbas à educação e a reforma do Estatuto da Universidade. Após um mês da assinatura do acordo com o presidente Horacio Cartes e a posse do novo ministro da educação Enrique Riera, a situação das escolas não mudou muito, e os estudantes pressionam o governo a cumprir as promessas, de acordo com Enrique Trancoso. “Os alunos seguem em alerta para que o acordado seja cumprido. São poucas as ocupações que ainda permanecem, como é o caso do Colégio Nacional de San Juan do Distrito Colónia Natividade 25 de dezembro, em que os estudantes pedem a saída do diretor”, disse. movimento estudantil do paraguai
nspirados no movimento de ocupação dos estudantes chilenos e brasileiros, os estudantes secundaristas paraguaios ocuparam mais de 120 escolas públicas em todo o país, em maio deste ano. A mobilização deu resultado e, em oitos dias, o saldo das ocupações foi a saída da ministra de Educação, Marta Lafuente, o compromisso do governo federal em fornecer merenda e material escolar, além de estabelecerem uma mesa de diálogo permanente entre estudantes, o Poder Executivo e o Legislativo. A inquietação dos estudantes teve início em 2015 com a realização de diversos protestos contra a precarização da educação pública. Na época, a então ministra da Educação, Marta Lafuente, se comprometeu a atender as pautas dos estudantes, que exigiam a entrega gratuita de kit escolar e livros, garantia de almoço, transporte público gratuito, melhorias na infraestrutura e transparência no uso das verbas públicas destinadas as escolas. Após meses sem respostas e denúncias de que a ministra estava envolvida em um esquema de superfaturamento na licitação de compra de bebidas e alimentação, os estudantes reagiram novamente. No dia 3 de maio, eles ocuparam primeiramente o Colégio Nacional República Argentina, um dos maiores da capital paraguaia, Assunção, e depois centenas de escolas pelo país até o dia 11 de maio. Segundo Enrique Trancoso, representante da Confederação da Classe
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Vice Brasil
Tânia Rego/Fotos Públicas
Jornalistas livres
Rovena Rosa / Agência Brasil
RS Ocupação
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Movimentos Sociais
Estudantes ocupam e resistem por todo o Brasil
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cupar e resistir. Este tem sido o lema de diversos estudantes em todo o Brasil, que ocuparam ou ainda ocupam, escolas do ensino básico, tecnológicas e instituições públicas de ensino superior pelo país afora. Cansados de não serem ouvidos em relação às suas reivindicações, estudantes brasileiros descobriram o poder político da ocupação. O movimento de ocupação de escolas surgiu em 2006 no Chile, na luta dos estudantes pela gratuidade da educação pública, e serviu de exemplo para o movimento brasileiro, cuja ascensão começou no ano passado, em São Paulo, na luta contra o projeto de “reorganização” da rede paulista de ensino que fecharia centenas de escolas. Após 25 dias de intensa mobilização, o projeto foi suspenso. Um mês depois, foi a vez dos estudantes em Goiás se organizarem e ocuparem cerca de 30 unidades, em decorrência do anúncio de privatização das escolas estaduais por meio de Organizações Sociais (OS). As ocupações ganharam força e continuaram em diversos estados, com pautas que vão desde melhores condições estruturais nas instituições públicas até uma alimentação digna. Em comum a todas elas, está a luta em defesa de uma educação pública, gratuita e de qualidade. Em 2016, os estudantes de São Paulo, voltaram a ocupar unidades escolares em protesto pela falta de refeições nas escolas e denúncias de desvios de verbas públicas destinadas à merenda escolar. Eles também ocuparam a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) exigindo a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigasse o caso. O movimento foi vitorioso e levou os deputados a assinar e protocolar o requerimento que pedia a instalação da CPI da Merenda. A reação na forma de ocupações se estendeu para o ensino superior e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), estudantes ocupam a reitoria desde o dia 10 de maio, contra os cortes de verbas para a educação pública e gratuita e exigem a adoção de políticas de cotas e de permanência estudantil. Na Universidade de São Paulo (USP), os estudantes de Letras também ocupam o prédio do curso contra os cortes no
repasse de verbas para a universidade. Na Universidade Federal de Goiás (UFG), os estudantes ocuparam por mais de dez dias o prédio do campus Catalão contra o cancelamento de bolsas de assistência à moradia, entre outras pautas. No dia 3 de junho, eles desocuparam o local, após terem suas reivindicações atendidas. A luta contra as parcerias público-privadas também chegou ao Mato Grosso. Mais de 16 escolas públicas estão ocupadas contra a entrega das escolas estaduais à iniciativa privada. Os estudantes reivindicam também uma CPI da Educação, que investigue escândalo de desvio de verbas para merenda e nas obras de reforma e construção de escolas.
Efeito Cascata Após as ocupações em São Paulo e Goiás, no ano passado, surgiu um efeito cascata. No Rio de Janeiro, o processo das ocupações foi um marco na luta secundarista do estado. No dia 21 de março, os estudantes do ensino básico e tecnológico iniciaram um processo de ocupações das escolas estaduais fluminenses em solidariedade à greve dos professores da rede básica de ensino - iniciada no dia 2 de março-, e por melhorias no sistema de ensino, além de mais recursos para a educação pública. Após grande pressão, algumas das pautas de reivindicações específicas dos estudantes, como a eleição direta para diretor e a extinção do Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro (Saerj) foram atendidas pelo governo. Durante todo o processo, mais de 70 escolas foram ocupadas em todo o estado. Até o fechamento desta edição, 15 escolas técnicas e a Secretaria de Educação do Estado (Seeduc) do Rio de Janeiro continuam ocupadas, com forma de pressionar o governo a atender o restante das pautas. Na porta da Secretaria, policiais militares de plantão restringem a entrada de pessoas, de alimentos e água. No dia 20 de maio, os estudantes já haviam ocupado a Seeduc, mas durante a madrugada o batalhão de choque invadiu o prédio e retirou os jovens com força desproporcional. Vários ficaram feridos e dois desacordados e precisaram de atendimento médico. Segundo Rafael Araújo, presidente da
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Movimentos Sociais Associação dos Estudantes Secundaristas do Rio de Janeiro (Aerj), mesmo com todos os obstáculos impostos pelo estado, a força e a mobilização dos estudantes resultaram em uma grande vitória. “O governo do estado no início da greve afirmou que seria impossível atender as reivindicações, principalmente a da votação para diretor, e nós conseguimos reverter essa posição após as ocupações. A partir daí se desdobraram os outros eixos, como o fim do sistema de avalição meritocrática, que é o Saerj; o fim da coleira eletrônica que é o Riocard, que limita o passe livre dos estudantes, entre outros. É um processo de vitória muito importante, a maior vitória dos estudantes desde a conquista do passe livre em 1998”, disse. Outra luta que se consagrou vitoriosa foi a dos estudantes da Universidade Estadual do Amapá (Ueap) que decidiram ocupar o campus da instituição no dia 4 de maio para pressionar o governo a abrir negociação com a comunidade acadêmica, já que os docentes e técnicos - em greve desde o dia 17 de março-, ainda não tinham sido atendidos pelo governo estadual. Os estudantes reivindicam o repasse integral dos 2% do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) do estado para a universidade, conforme previsto na legislação estadual, em média, R$ 1,2 milhão. Atualmente, o repasse é de R$ 200 mil, o que faz com que a universidade não tenha verba o suficiente para pagar os serviços terceirizados de limpeza, e segurança, e o aluguel do prédio. Segundo Fabio Freitas, representante do movimento estudantil na Ueap, em menos de 20 dias após a ocupação, o governo estadual abriu o diálogo e os recebeu. “Na última reunião foi acordado o repasse de R$ 700 mil mensais da quantia arrecadada de ICMS até dezembro de 2016. Se o governo descumprir o acordo voltaremos a ocupar”, disse. No Ceará, 67 escolas do ensino básico estão ocupadas em todo o estado. Os estudantes se solidarizaram aos professores, em greve desde o dia 25 de abril, e iniciaram as ocupações. O movimento estudantil luta também por reformas estruturais nas escolas, e maior aporte financeiro para a merenda escolar, que hoje é de R$ 0,30 por aluno diariamente. No campo da gestão democrática, os alunos ainda reivindicam eleições diretas para diretor nas escolas profissionalizantes de todo o estado. No Rio Grande do Sul, mais de 140 escolas foram ocupadas desde o dia 16 de maio. A cada dia amplia-se o movimento,
que surge para cobrar medidas do governo do estado em relação às péssimas condições de ensino e trabalho nas escolas. Os estudantes reivindicam autonomia financeira das escolas – para evitar atrasos nos repasses -; o aumento do repasse estadual para a merenda, que hoje é de apenas R$ 0,27; eleições para direção, concurso para docentes e coordenadores nas instituições. Eles lutam contra as parcerias público-privadas que tem se ampliado nas instituições de ensino. Os estudantes da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) ocupam o prédio do campus Carreiros. No dia 31 de maio, após um ato na instituição, com centenas de pessoas, os estudantes deliberaram em assembleia pela ocupação do prédio, tendo em vista o histórico de descaso da instituição e a negativa sistemática de todas as pautas apresentadas, entre elas: aumento de verbas para a alimentação dos estudantes, construção de alojamentos e creches. “Após anos de descaso, por parte da reitoria, com relação as nossas demandas, resolvemos mais uma vez ocupar o campus, que já havia sido ocupado também no ano passado. Independente do resultado, neste curto período em que estamos ocupando, a reitoria já sinalizou que abrirá efetivamente um diálogo”, afirmou Liliane Castro, estudante do Curso de Letras da Furg. Em Minas Gerais, os estudantes do campus de Monte Carmelo, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), ocupam o
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prédio da reitoria desde o dia 2 de junho como forma de reivindicar melhorias nos campi da instituição. Eles reivindicam contratação de professores, pavimentação das vias internas do campus, tratamento de água e a criação de um Restaurante Universitário (RU). De acordo com Larissa Rahmeier, representante da Direção da União Nacional dos Estudantes (UNE) – Oposição de Esquerda, as ocupações são instrumentos de resistência dos estudantes há muitos anos por conta dos ataques sucessivos a educação, que ocorrem desde a ditadura militar. Segundo Larissa, a luta dos estudantes chilenos e a Jornada de Junho, em 2013, foram fontes de inspiração aos estudantes. “Os ventos de luta do Chile e a Jornada de Junho no Brasil, onde milhares de jovens saíram às ruas resultando em vitórias reais, inspiraram os estudantes a protagonizarem a primavera secundarista com mais de 200 escolas ocupadas em São Paulo. Os cortes nas áreas da educação têm atingido, e muito, a vida dos estudantes e esse movimento tem se disseminado. Chegamos a ter setes estados brasileiros com escolas ocupadas, simultaneamente, e também diversas ocupações realizadas pelo movimento universitário, que já tinha experiência com ocupações. Vimos que a saída para reivindicarmos os nossos direitos é ocupando as ruas, escolas, universidades. Precisamos lutar para impedirmos o retrocesso e a aplicação de políticas neoliberais”, disse.
“Revolução dos Pinguins” Em 2006, aconteceu a “Revolução dos Pinguins” no Chile - nome escolhido em referência ao uniforme dos secundaristas. A mobilização ganhou ampla adesão dos estudantes secundaristas do país que saíram as ruas em manifestações e ocuparam as escolas para exigir melhorias na educação, o passe escolar gratuito e unificado, fim da Lei Orgânica Constitucional de Ensino (Loce) - promulgada na ditadura do general Augusto Pinochet, fim da municipalização do ensino, gratuidade para a prova do vestibular, entre outras demandas. Em 2011, há uma nova Revolução dos Pinguins, que mobiliza diversos outros movimentos sociais, estudantes secundários e universitários e professores, que lutavam pelo reconhecimento da educação como um direito social.
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Movimento Docente
Realidade multicampi traz desafios à organização docente
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multicampia – a organização de uma instituição de ensino em dois ou mais campi – é uma realidade presente há décadas no Brasil. Baseada em uma estrutura que surgiu no século passado nos Estados Unidos e se consolidou na década de 1960 com a Universidade de Quebec, no Canadá, a multicampia teria como objetivo, ao menos no discurso dos gestores, a expansão geográfica das atividades de ensino, pesquisa e extensão, historicamente concentradas em capitais e grandes regiões metropolitanas. Na prática, porém, o processo de expansão multicampi das Instituições de Ensino Superior (IES) brasileiras, foi implantado por interesses particulares de segmentos sociais dominantes em determinados períodos, mesmo que, algumas vezes, em resposta a demandas de setores sociais organizados da sociedade civil. A multicampia, na forma como tem sido implantada, tem aprofundado no interior das IES a precarização do trabalho, bem como tem imposto desafios organizativos, em especial no que diz respeito à participação democrática no movimento sindical. Amauri Fragoso de Medeiros, 1º tesoureiro e encarregado de Relações Sindicais do ANDES-SN, explica que o Sindicato Nacional não se opõe, por princípio, à ex-
pansão das IES por meio da multicampia, ou por meio de um processo de interiorização dessas instituições. O questionamento do ANDES-SN em relação a essa alternativa é a forma como a expansão multicampi se dá, por ser uma expansão sem financiamento público necessário à qualidade do trabalho acadêmico, sem o devido planejamento e sem um diagnóstico das necessidades regionais e locais. Fragoso também cita, como problemas, a falta de garantia de condições adequadas de trabalho – de docentes e de servidores técnico-administrativos – para o cumprimento do tripé ensino, pesquisa e extensão, a fragmentação geográfica do local de trabalho, e a falta de políticas reais de acesso e permanência estudantil. O tesoureiro do ANDES-SN lembra também que a multicampia sempre esteve presente na história do Sindicato Nacional. “O debate em relação à multicampia não é recente no ANDES-SN, aliás, ele existe desde a criação do sindicato, na década de 1980. A Universidade Federal da Paraíba (UFPB) é exemplo disso. Naquela época, havia uma seção sindical na capital, João Pessoa, e outro em Campina Grande”, cita o docente. Mas foi durante as últimas décadas, em especial durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) que a multicampia teve expressivo avanço no Brasil, com a criação, inclusive, de universidades com modelos de multicampia horizontal – aquela em que os diversos campi têm os mesmos poderes e direitos da sede. Universidades com sedes já constituídas também ganharam novos campi, principalmente com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e E x p an s ã o d as Universidades Federais (Reuni). Houve, também, a criação de univer-
sidades cujos campi ultrapassam divisas estaduais, casos da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). “A multicampia se intensifica, em especial a partir do primeiro governo de Lula, e provoca distensão na forma de representação sindical, e no debate de como tomar decisões na base da categoria”, comenta Amauri. A expansão da rede federal por meio do Reuni, entretanto, foi bastante problemática, como sempre denunciou o ANDES-SN. Sem planejamento, e sem o investimento financeiro necessário, o crescimento quantitativo da educação superior não foi acompanhado de crescimento qualitativo. E, nesse processo, a precarização afetou em maior escala os novos campi e universidades do interior do país. Na prática, significou más condições de trabalho e estudo, adoecimento, e êxodo de docentes e estudantes para os grandes centros urbanos – o oposto da interiorização tida como argumento favorável à multicampia.
Desafios da organização sindical O ANDES-SN tem como princípio a organização da categoria por local de trabalho. Mas, em um contexto de instituições de ensino multicampi, o que isso significa? O local de trabalho é a instituição, ou a cidade em que se localiza o campus? Para Amauri Fragoso de Medeiros, há diferentes respostas a serem dadas. “Há instituições com mais de uma seção sindical, a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), por exemplo, tem três seções sindicais. Já em outras instituições com vários campi, como a Universidade de São Paulo (USP), há apenas uma seção sindical”, diz o tesoureiro do ANDES-SN. Segundo Amauri, a orientação do Sindicato Nacional às seções sindicais de instituições de ensino multicampi é que haja, no regimento, mecanismos que deem representatividade aos docentes dos campi onde não se localiza a sede da seção sindical ou da instituição. O docente cita o exemplo da Unilab, que tem campi nos estados do Ceará e da Bahia, com sede em Redenção (CE).
Movimento Docente Os docentes da Unilab decidiram por criar uma seção sindical com sede no Ceará, mas com mecanismos regimentais para que os docentes da Bahia participem ativamente tanto da diretoria quanto da organização cotidiana da categoria no Sindicato dos Docentes da Unilab (Sindunilab – Seção Sindical do ANDES-SN). Outro desafio da organização sindical multicampi é a realização de assembleias e a tomada de decisões pela categoria. O princípio seguido pelo ANDES-SN é de que as assembleias da categoria devem ser presenciais e simultâneas, e, a partir disso, as seções sindicais decidem de que forma deliberar suas ações. “Em relação às assembleias, há seções sindicais realizando assembleias presenciais e simultâneas entre os campi, por meio de conferência online. Esse modelo, e outros, estão em discussão no ANDESSN. É necessário que a assembleia seja presencial e simultânea”, comenta Amauri Fragoso de Medeiros. Uma seção sindical que organiza suas assembleias por meio de vídeo conferências é a Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal do Pampa (Sesunipampa – Seção Sindical do ANDESSN). Criada em 2008, a Unipampa tem dez campi espalhados pelo Rio Grande do Sul, alguns, como São Borja e Jaguarão, bastante distantes entre si (714 km). Caiuá Cardoso Al-Alam, vice-presidente da Sesunipampa-SSind, considera positivo o método de realização de assembleias por vídeo conferência, mas admite que há problemas, como a falta de diálogo ao vivo entre os docentes dos diversos campi. “Realizamos nossas assembleias por vídeo conferência, a partir de reuniões presenciais em cada campus. Durante a assembleia, garantimos uma divisão das falas entre os campi, para garantir que todos sejam ouvidos”, explica o docente. Já na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), instituição fundada em 1983 e que conta com 24 campi e 29 departamentos espalhados pela Bahia, a Associação dos Docentes da Uneb (Aduneb – Seção Sindical do ANDES-SN) não realiza assembleias por vídeo conferência. É o que explica Vamberto Ferreira Miranda Filho, diretor de Subseções Departamentais da Aduneb-SSind. “O ANDES-SN defende, como princípio, a organização por local de trabalho. Mas o que é o local do trabalho? Para nós, é a Uneb. Não acreditamos em uma organização que tenha uma seção sindical por campus ou por departamento. Mas não existe uma fórmula pronta a nível nacional
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para responder a essa questão”, afirma o docente. “Na organização sindical, temos algumas dificuldades. As nossas assembleias são realizadas na sede do sindicato. Tentamos garantir o deslocamento dos docentes dos campi do interior para a capital, para que participem dos debates e das deliberações do sindicato. Também utilizamos, exceto em assembleias, instrumentos como vídeo conferências para debates, mesas, etc”, completa Vamberto. A Aduneb-SSind também se vale de outros instrumentos organizativos na tentativa de dar representatividade a todos os campi da instituição. São eles: o projeto “Aduneb na Estrada”, que é a itinerância da diretoria executiva, visitando os campi e realiza debates, junto com a Diretoria Estadual da Aduneb-SSind. A diretoria executiva é formada por sete membros, mas também há a Diretoria Estadual, que reúne a Diretoria Executiva e um representante do Sindicato de cada departamento da universidade, eleitos para compor a diretoria Estadual da Aduneb-SSind democraticamente.
Dificuldades de uma universidade multicampi O diretor da Aduneb-SSind ressalta pontos positivos da organização de uma instituição de ensino em diversos campi. “Existe um ponto muito positivo na multicampia da Uneb, que é a interiorização do acesso ao ensino superior no estado da Bahia. A Uneb já nasce multicampi, a partir de experiências na capital e no interior do estado. Outro ponto positivo é a descentralização das questões administrativas da universidade e a autonomia dos departamentos”, diz Vamberto Ferreira Miranda Filho. Mas há muitos problemas que decorrem da forma de organização. Para o docente baiano, a questão orçamentária é central. “O principal problema da tentativa de construir uma universidade dessa forma é o orçamento, que é muito aquém do necessário para manter as atividades de ensino, pesquisa e extensão nos 29 departamentos e 24 campi da Uneb. Essa tem sido a luta central da Aduneb-SSind nos últimos anos, já que, sem recurso, não há universidade”, completa. Caiuá Cardoso Al-Alam também cita o orçamento como questão central para a construção da multicampia nas instituições de ensino superior. O vice-presidente da Sesunipampa critica o fato de que a Unipampa só tenha recebido metade do orçamento previsto para o ano, e as difi-
culdades funcionais que disso decorreram. “A questão funcional da multicampia é muito difícil, o funcionamento da instituição acaba sendo moroso, vagaroso e muito caro. Em um momento como esse, de sucessivos cortes orçamentários esses entraves aumentam. Tivemos viagens cortadas ou precarizadas, e diversas atividades funcionais inviabilizadas, porque sem orçamento, não há multicampia realmente integrada”, afirma Caiuá. Por conta dos cortes orçamentários, a reitoria da Unipampa cancelou todas as viagens intermunicipais a partir de março. Até o Conselho Universitário da instituição passou a se reunir apenas de três em três meses. Docentes lotados em um campus, mas que lecionam na pós-graduação em outros campi, também tiveram as viagens cortadas. Alguns deixaram os programas de pós-graduação, outros decidiram bancar do próprio bolso as viagens. “A multicampia é cara, e, com cortes, é inviável”, critica o vice-presidente da Sesunipampa-SSind.
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Homenagem
Companheiro Márcio Antônio de Oliveira, Presente!
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eferência histórica nas lutas em defesa da educação pública e gratuita, dos direitos da classe trabalhadora e em defesa da memória e da justiça às vítimas de crimes da ditadura empresarial-militar, Márcio Antônio de Oliveira, docente aposentado do departa-
mento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), faleceu no último dia 13 de junho. Márcio foi presidente do ANDES-SN entre 1992 e 1994, secretário-geral do Sindicato Nacional nos períodos de 1986 a 1988, 1996 a 1998, 2004 a 2006 e de 2010 a 2014, e era 2º secretário da Associação dos Professores de Ensino Superior de Juiz de Fora (ApesJF – Seção Sindical do ANDES-SN) desde 2014. O docente também compunha a diretoria eleita para estar à frente do Sindicato Nacional durante o próximo biênio (2016/2018). "É uma perda muito grande. O Márcio foi um construtor ativo do ANDES-SN, desde sua fundação até os dias de hoje. Ele sempre teve muita disposição de lutar, e compunha inclu-
sive a diretoria eleita do ANDES-SN para o biênio 2016-2018. Foi presidente do Sindicato Nacional de 1992 a 1994 e cumpriu outras funções na diretoria. Márcio foi fundamental para manter os princípios do ANDES-SN atuais e lembrados", ressaltou Paulo Rizzo, presidente do ANDES-SN. Em reportagem publicada no InformANDES de janeiro de 2016, Márcio relembrou algumas das lutas das quais participou pelo Sindicato Nacional ao longo das últimas décadas, como o processo da Assembleia Constituinte. “Foi um movimento muito profundo e detalhado e não tínhamos interesse apenas na educação, fizemos uma plataforma comum, junto às entidades e partidos políticos, para a Constituinte que abrangia educação, saúde, segurança, direitos dos cidadãos, etc. Tivemos uma vitória neste sentido na Constituinte de 1988, onde está prevista a gratuidade do ensino nas instituições oficiais”, afirmou. Márcio Antônio de Oliveira assumiu a presidência do ANDES-SN em 1992, em pleno processo de lutas contra o governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), que sofreu impedimento de mandato em dezembro de
Homenagem
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1992. “O embate foi muito forte com o governo e em 1991 protagonizamos uma greve que resultou na rejeição de um projeto que excluía docentes e servidores das IFE e diversas outras categorias de servidores público federais (SPF) dos reajustes propostos pelo governo”, contou. Para Oliveira, a sua gestão também foi marcada pela legitimação do direito de greve no serviço público e pelo início do processo de construção da carreira docente do professor federal.
Luta contra a ditadura empresarial-militar Em 2013, no 32º Congresso do Sindicato Nacional, Márcio Antônio de Oliveira participou da criação da Comissão da Verdade do ANDES-SN, que nos últimos 4 anos, realizou debates e seminários, investigando os fatos ocorridos na ditadura empresarial-militar no âmbito da educação. A Comissão da Verdade do ANDES-SN lançará, durante o 61º Conad, o Caderno 27 do ANDES-SN - “Luta por justiça e resgate da memória”. Defensor veemente da revisão da Lei da Anistia, o docente contou, em entrevista ao InformANDES de abril de 2014, como sofreu com a repressão. Ironicamente, o professor que colocava o marxismo no programa de suas disciplinas na década de 70, assistidas de perto por agentes do regime, apenas foi considerado subversivo depois da promulgação da Lei da Anistia. “Eu dei aula e nunca deixei de falar certas coisas,
pra não acharem que estava aprontando de forma secreta. Eu dava aula de marxismo, mas procurava sempre tratar como mais um tema. Eu não chamava os militares de golpistas - eu não era doido - mas falava que era um governo autoritário, com leis de exceção, não reconhecido por órgãos internacionais”, afirmou Oliveira. Em 1981, durante uma visita do presidente João Baptista Figueiredo a Ouro Preto (MG), um militante foi preso pela acusação de carregar explosivos para tentar matar o ditador. Como
ele seria julgado em Juiz de Fora, a ApesJF se reuniu para declarar solidariedade ao preso político. “Mas, ao invés de escrevermos uma carta tranquila, usando as prerrogativas da Lei da Anistia, fizemos uma nota chamando a prisão de palhaçada. A ApesJF foi acusada de subversão, e eu, presidente da entidade, acusado de chefe da subversão. Foram dois anos de acusação. Não tinham uma argumentação sólida e ainda assim fomos considerados culpados pelo primeiro juiz que julgou, só sendo absolvidos depois”, contou o docente.
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Matéria Central
Três mil vão às ruas em Brasília em defesa da educação pública e gratuita Luciana Castro / Fasubra
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ais de três mil pessoas de todo o Brasil saíram às ruas de Brasília (DF) para participar da Marcha em Defesa da Educação Pública, que marcou o início do II Encontro Nacional de Educação. O Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) também se somou à manifestação, que ainda se encontrou na Esplanada dos Ministérios com outro ato, dos produtores de agricultura familiar contrários a qualquer retrocesso nos direitos, principalmente na Previdência Social. Ao final da marcha, já no Ministério da Educação e Cultura (MEC), as entidades presentes entregaram uma carta endereçada ao ministro interino Mendonça Filho, contra os ataques à educação pública e gratuita.
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Andrew Costa / Coletivo Poxavila
II ENE: duas mil pessoas debatem projeto de educação pública e gratuita em Brasília
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Estudantes de Sociologia da Universidade Alberto Hurtado, Mauro Puerro, membro da Secretaria Executiva Nacional (SEN) da CSP-Conlutas, e Olgaíses Maués, diretora do ANDES-SN, ambos representantes do Comitê Nacional “Em defesa dos 10% para a educação pública, Já!”, que organizou o Encontro. No período da tarde, os participantes se reuniram em Grupos de Trabalho (GTs), divididos de acordo com
os seis eixos do II ENE. Já no dia 18, pela manhã, foram realizados painéis temáticos autogestionados pelas entidades que promoveram o encontro. O ANDES-SN realizou painel sobre a dívida pública, com a presença de Maria Lúcia Fatorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida (veja mais no box). A plenária que encerrou o II ENE foi realizada na tarde do dia 18. Gabriela Wenzke/Adufpel Ssind.
pós meses de preparação e de intensos debates nos mais diversos estados do país, mais de duas mil pessoas se reuniram em Brasília (DF) nos dias 16, 17 e 18 de junho para participar do II Encontro Nacional de Educação (ENE). O encontro foi aberto com uma marcha na Esplanada dos Ministérios, no dia 16, que contou com a participação do Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe), o qual integrou a manifestação com um ato contra os ataques aos servidores e serviços públicos. Já nos dias 17 e 18, os participantes debateram, na Universidade de Brasília (UnB), as propostas e ações para ampliar a luta na defesa da educação pública e gratuita. No dia 17 pela manhã, teve lugar a mesa “Por um projeto classista e democrático de educação, contra o Ajuste Fiscal e a dívida pública”, com as explanações de José Villarroel, estudante chileno e representante do Centro de
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Paulo Rizzo, presidente do ANDES-SN, lembra que o I ENE, realizado em agosto de 2014 no Rio de Janeiro (RJ), foi a primeira reunião dos lutadores da educação desde a extinção do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, em 2003. “Naquele momento, nós estávamos na luta contra o Plano Nacional de Educação (PNE) e em defesa dos 10% do PIB para educação pública e gratuita de maneira imediata. A partir de então, o movimento em defesa da educação pública e gratuita tem crescido, principalmente do ano passado para cá, com novos protagonismos, como os estudantes secundaristas que ocupam suas escolas contra o sucateamento e a privatização”, avaliou Rizzo. Para o docente, o II ENE foi extremamente importante e profundamente democrático, possibilitando a todos os participantes contribuir com os debates, desde as etapas preparatórias regionais, que tiveram início ainda em 2015, até o encontro nacional. “Saímos daqui com uma disposição grande para ampliar a luta em defesa da educação pública e gratuita em todos os níveis”, comenta. Paulo Rizzo cita, ainda, algumas deliberações do II ENE como os primeiros passos para esse novo processo de organização da luta. Em 11 de agosto, dia do estudante, será realizado o Dia Nacional em Defesa da Educação Pública. Além disso, o Encontro indicou às entidades presentes a proposta de construção de uma greve da educação brasileira e,
Fotos: Gabriela Wenzke/Adufpel Ssind.
Balanço positivo
em unidade com outras categorias, a construção de uma greve geral contra o ajuste fiscal e as medidas que retiram direitos dos trabalhadores. Outro encaminhamento foi a mudança de nome do Comitê Nacional “Em Defesa dos 10% do PIB para Educação Pública, Já!”, que agora passa a ser chamado de Coordenação Nacional das Entidades em Defesa da Educação Pública e Gratuita.
Deliberações do II ENE A plenária final do encontro marcou a leitura e divulgação da Declaração Política do II ENE, que sistematiza as discussões realizadas nos grupos de trabalho encaminhadas de maneira consensual e
unitária, sobre cada um dos seis eixos temáticos do II ENE. A declaração traz uma breve introdução, na qual avalia a conjuntura de aprofundamento dos ataques do capital aos direitos dos trabalhadores, e ressalta o crescimento da resistência dos oprimidos, que protagonizam greves, lutas e ocupações no Brasil e no mundo. Também dedica o II ENE a Márcio Antônio de Oliveira, ex-presidente do ANDES-SN, que faleceu no dia 13 de junho.
Avaliação Em relação à avaliação, foi ressaltado o caráter punitivo, gerencialista e meritocrata do atual sistema avaliativo da educação
A dívida pública e o financiamento da Educação Na manhã do dia 18, o ANDES-SN organizou o painel “O sistema da dívida pública e o financiamento da Educação”, com a presença de Maria Lúcia Fatorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida. A palestrante, que foi ovacionada ao final de sua explanação, fez um panorama da dívida pública externa, interna, da União
e dos estados, e explicou a relação entre o sistema da dívida, o ajuste fiscal e a retirada de direitos sociais. Maria Lúcia citou como os exemplos mais recentes e devastadores deste esquema da dívida pública o PLP 257/16, encaminhado do Congresso pelo governo federal no início do ano, que prevê o congelamento de salários, suspensão de concursos públicos, cortes nos gastos públicos, entre outros ataques, e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241/16, anunciada em junho pelo governo interino, que prevê o congelamento do orçamento da União por 20 anos.
“O esquema da dívida é o mesmo no mundo todo. Se gera uma dívida de forma ilegal, aplica-se juros para fazer essa dívida crescer de forma absurda, e depois cria se o aparato legal para justificar a retirada de direitos sociais, em nome do pagamento de juros e amortizações da dívida”, destacou. “Quem tinha dúvida que o ajuste fiscal era para pagar dívida pública, depois do PLP 257 isso ficou explícito. O próprio texto de justificativa do projeto diz que a finalidade da proposta é assegurar a manutenção do sistema financeiro, retomar o crescimento econômico e assegurar a sustentabilidade da dívida. Isso está escrito no PLP que traz danos ao serviço público, acaba com direitos dos servidores e da população que depende desses serviços”, denunciou.
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Fotos: Sergio Gaspar/Simpere
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social para pessoas trans, assim como o combate ao Projeto Escola Sem Partido.
Financiamento Em relação ao eixo de financiamento reafirmou a necessidade de investimento de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação pública e gratuita imediatamente. O II ENE repudiou, ainda, a transferência de recursos públicos para a educação privadaprevista no Plano Nacional de Educação (PNE), propondo a extinção dos programas baseados nessa lógica e a incorporação dos estudantes à rede pública de ensino, além da estatização das instituições privadas.
Tarefas brasileira. Em contraposição, foi apontada a necessidade de aprofundar a autonomia das instituições de ensino, construindo um processo de avaliação diagnóstico, democrático e que possibilite o avanço da educação com qualidade.
Trabalho e formação dos trabalhadores da educação No eixo de trabalho e formação dos trabalhadores da educação, foi defendida a educação pública, gratuita, laica e de qualidade, assim como a importância da unidade e articulação entre os trabalhadores da educação. Também foi defendida a incorporação de movimentos sociais como atores centrais na formulação do trabalho educativo. Foi ressaltado, também, o repúdio ao Projeto Escola sem Partido, à precarização do trabalho e à Educação à Distância (EaD).
Acesso e permanência Quanto ao acesso e permanência, foi constatado que as políticas de assistência estudantil se resumem ao Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), que não é política de estado e se limita a estudantes de ensino superior. Entre as demandas levantadas estão: moradias estudantis, creches, passe livre, inclusão de pessoas com deficiência, universalização do ensino e o fim do vestibular.
Gestão Já os debates sobre o eixo de gestão culminaram na análise de que é necessário avançar no que toca à autonomia e democracia nas instituições de ensino, com paridade na participação de conselhos, eleições democráticas para reitorias e diretorias de escola. Ressaltou-se, ainda,
o caráter antidemocrático e privatista da imposição da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) como gestora dos Hospitais Universitários Federais.
Gênero, sexualidade, orientação sexual e questões étnico-raciais No eixo de gênero, sexualidade, orientação sexual e questões étnico-raciais, os debates apontaram para a necessidade de reconhecimento das demandas de negros e negras, mulheres, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, pessoas com deficiência e LGBTs nos espaços da educação. A transversalidade das pautas de combate às opressões ficou explícita com a presença de tais demandas em cada um dos eixos do II ENE. Foram apontadas demandas como a defesa das políticas afirmativas de reparação, a defesa do uso do nome
A Declaração Política do II ENE termina apontando tarefas para a construção da luta em defesa da educação pública e gratuita. Reafirma posição contrária à terceirização, ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 257/2016, à Contrarreforma da Previdência, e ao presidente interino Michel Temer, chamando a construção de uma greve da educação, e também de uma greve geral contra o ajuste fiscal e o PLP 257/16. Também é reafirmado o repúdio ao PNE 2014-2024, de caráter privatista. Os participantes do encontro conclamam a realização de um Dia Nacional de Lutas em Defesa da Educação Pública e Gratuita em 11 de agosto, dia do estudante. Por fim, o II ENE ressalta a importância da manutenção da organização e dos debates de maneira unitária, em nível municipal, estadual e nacional, com vistas a seguir construindo um projeto classista e democrático de educação rumo à terceira edição do encontro, em 2018.
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O encontro foi muito produtivo para nós da Sesunipampa, que estamos tendo contato com várias seções sindicais de todo o país, e também com o movimento estudantil e com os trabalhadores da educação. Fizemos uma discussão longa sobre o financiamento das universidades, a dívida pública, e como mudar o panorama da educação rumo à uma educação pública, gratuita e de qualidade. Hector Cury - Sesunipampa Ssind
O debate foi muito rico. A mesa de abertura foi de uma riqueza dificilmente traduzível em palavras. Eu destacaria a intervenção do Mauro Puerro pela contundência e, ao mesmo tempo, precisão de conceitos e fundamentação. E, no Grupo de Trabalho do qual participei, a discussão também foi muito profunda, significativa e consequente, tratando do trabalho docente e da formação do trabalhador em educação. Antonio Rodrigues Belon - ADLeste Ssind
Os eixos trabalhados no II ENE foram fundamentais para organizarmos as estratégias de resistência e combate a essa política que nos oprime e retira e aumenta a dívida pública que não contraímos. É fundamental organizarmos atividades de resistência a todas essas medidas que atacam os trabalhadores, a educação pública e o serviço público. Precisamos nos organizar para barrar o PLP 257, o Projeto Escola Sem Partido, e a BNCC. Luciene Medeiros - Adufpa Ssind
O ENE foi importante, pois mostrou que não estamos sozinhos na formulação de uma educação democrática e emancipatória, criando um plano unificado de ações em defesa da educação pública. Participei do GT sobre Gênero, Sexualidade, Orientação Sexual e Questões Étnico-Raciais com muitas pessoas, e o debate mostrou a necessidade de pautar esse tema no cotidiano escolar. O espaço da creche foi muito importante, pois possibilitou às mães militantes participarem do encontro. Kate Lane - Aduff Ssind
Os pontos levantados no II ENE esclarecem bastante a problemática que estamos enfrentando. A dívida pública é um tema fundamental para ser levado à discussão nos estados, uma vez que as políticas que os governadores estão implementando se antecipam à aprovação do PLP 257/16. O entendimento sobre o caráter da dívida pública é fundamental para que tenhamos estratégias para derrotar o discurso do governo. Eliana Filgueira - Aduern Ssind
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Entrevista
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"Nós temos ainda muitos desafios"
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frente da diretoria do ANDES-SN durante o biênio 2014/2016 Paulo Rizzo, do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), conduziu o Sindicato Nacional em momentos de grandes enfrentamentos aos ataques dos direitos dos trabalhadores, em especial dos docentes. No setor federal, em 2015, os docentes federais protagonizaram a mais longa greve do Sindicato Nacional, contra o aprofundamento da desestruturação da carreira docente e em defesa da educação pública de qualidade, ameaçada por diversas frentes como a PEC 395/14, o Marco Regulatório de Ciência e Tecnologia, entre outras medidas. Já no setor estadual e municipal, em reação aos cortes orçamentários e ao desmonte das instituições, docentes de todo o país vêm protagonizando sucessivas greves e mobilizações, o que levou o sindicato a ter como
ressalta Rizzo “greve em sua base todos os meses desde o final de 2014”. Ao encerrar seu mandato, Rizzo faz uma análise do período, apontando avanços da organização e da luta e os muitos desafios que ainda se impõem aos docentes e à classe trabalhadora em geral. Confira na entrevista. Andes: Como você avalia esses dois anos de gestão à frente do ANDESSN? Paulo Rizzo: Durante a nossa gestão houve o aprofundamento da crise do capital, em escala mundial e, sobretudo, no Brasil, tendo como uma das consequências o ajuste fiscal, que destrói as políticas públicas para ampliar os subsídios públicos para garantir a lucratividade privada. E, ao mesmo tempo, foi um período de intensas lutas e greves, dos trabalhadores e da juventude, e, também, no Sindicato Nacional. Tivemos lutas e greves em todas as universidades estaduais do país e também nas federais – com a mais longa greve da história. A gestão foi marcada pela luta intensa, em que o Sindicato Nacional foi capaz de, mantendo seus princí-
pios, atuar de forma significativa nas lutas da categoria e da classe trabalhadora.
Durante esse período, houve um crescimento da mobilização tanto nas Estaduais, Municipais, quanto nas Federais, com diversas greves - inclusive a mais longa greve da história do Sindicato Nacional no setor das Federais. Ao que você atribui essa intensificação da mobilização?
PR: Esse foi um período de intensificação da retirada de direitos, de congelamento de salários, de medidas que desestruturam a carreira, de acordos que governos não cumpriram. E foram razões que levaram os professores a se mobilizarem em todo o país. E a existência do ANDES-SN é importante porque ele consegue dar a solidariedade a todas as lutas, unificar os procedimentos e ações em relação ao enfrentamento aos governos e realizar a unidade da categoria – em que a maior expressão foi a greve das federais de 2015, que foi a mais longa da história do sindicato. Com o aprofundamento do ajuste fiscal, o governo federal tinha a meta de reduzir a folha salarial para 3% do PIB, e foi completamente intransigente tentando impor um arrocho salarial e também a desestruturação da nossa carreira. E em todas as lutas, nas estaduais, municipais e
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federais, defendemos o caráter público da educação.
Das várias frentes de luta do Sindicato Nacional, quais você destaca como as que mais contabilizaram avanços ou conquistas significativas?
PR: Nós tivemos diversos enfrentamentos ao longo dessa gestão. Iniciamos enfrentando os processos de privatização, seja a implantação da Ebserh, ou do Funpresp. E eu destacaria como uma frente em que a intervenção do ANDES-SN teve um impacto positivo a luta contra o Funpresp. A luta do ANDES-SN teve boa repercussão na base e houve uma baixa adesão ao fundo de pensão, a ponto de que o próprio fundo teve que reconhecer o impacto de nossa campanha. E hoje somos Amicus Curiae da ação impetrada pelo PSOL no STF de inconstitucionalidade da adesão automática ao Funpresp. É uma luta que se destaca porque mostra que é possível obter resultados a partir da mobilização, e nos coloca em uma perspectiva de enfrentamento à nova etapa da Contrarreforma da Previdência, cuja intenção é privatizar a previdência.
Diante desta conjuntura de retirada de direitos e de desmonte dos serviços públicos, qual foi o papel cumprido pelo ANDES-SN?
PR: O ANDES-SN teve papel importante na organização da categoria dos docentes e também na ação de articulação com outros segmentos da classe trabalhadora, em destaque o Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais, em que temos tido uma atuação marcante para garantir a unidade desse Fórum, assim como na CSP-Conlutas e no Espaço de Unidade de Ação – nos quais se realizam lutas contra o processo de retirada dos direitos dos trabalhadores.
Como você avalia a relação entre ANDES-SN e CSP-Conlutas no processo de reorganização da classe trabalhadora? Quais os desafios futuros para fortalecer a central na base do Sindicato Nacional?
PR: A CSP-Conlutas é uma central nova, que se caracteriza por uma organização peculiar, porque é uma central sindical e de movimentos populares. Com isso, se busca congregar as diferentes formas de organização da classe trabalhadora. Outra característica é que não tem uma diretoria formal, e sua direção é composta pelas entidades filiadas. O ANDES-SN participa da Secreta-
Entrevista ria Executiva Nacional (SEN), das reuniões periódicas da Coordenação Nacional e dos setoriais, então somos parte integrante da elaboração política e dos planos de luta da central. Faço uma avaliação de que temos dado uma contribuição importante para a central e para o Espaço de Unidade de Ação, no que diz respeito às suas deliberações e à organização das lutas. Em relação à reorganização da classe, a CSP-Conlutas é pequena, e precisamos avançar na construção de um plano mais amplo, com setores que estão rompendo com as burocracias. Então há muito o que se fazer nesse sentido, mas o ANDES-SN sempre entendeu que o processo de reorganização deve ser baseado nas lutas, e não baseado em alguma formulação prévia. Por isso jogamos toda atenção nesses espaços de unidade de ação de lutas da classe trabalhadora. Terminamos a gestão participando de espaços como o Fórum dos SPF, Comitê Nacional "Em defesa dos 10% do PIB para a educação pública, já!", transformado pelo II ENE em Coordenação Nacional das Entidades em Defesa da Educação Pública e Gratuita!, Espaço Unidade de Ação, a Frente contra o PLP 257, Fórum das Centrais Sindicais contra o PLP 257, Fórum em defesa da Previdência, etc. Esses espaços, na medida em que mobilizem os trabalhadores, vão estar contribuindo para a reorganização.
Nesses dois anos, houve ainda uma intensa disputa no cenário político, que resultou no afastamento da presidente Dilma Rousseff. Como você avalia esse processo e o posicionamento do ANDES-SN frente à crise política?
PR: A crise política, no nosso entender, é resultado da crise econômica e da atual etapa da crise estrutural do capital em todo o mundo. Enquanto a economia estava crescendo, havia certo equilíbrio entre as forças políticas que realizam o poder no Brasil. Com a crise econômica esse equilíbrio deixou de existir. Vivemos o esgotamento de uma etapa da política de conciliação de classes no Brasil, que beneficiou o capital. A burguesia brasileira rompe com o governo Dilma porque ele não consegue mais cumprir sua função de conter o descontentamento popular. A crise foi aprofundada a partir dos escândalos de corrupção divulgados pela Operação Lava Jato, que demonstram uma amplidão de comprometimento de grande parte dos políticos e de quase todos os partidos. Essa crise não encontra solução com o governo interino de Michel Temer, que, em poucas semanas já demonstra sinais de desgaste grande. No
61º Conad devemos debater as perspectivas de enfrentamento para saída da crise sob a ótica dos trabalhadores. Entendendo que o ANDES-SN não é um partido político, portanto não participa da construção de alternativas partidárias. Mas, participando das lutas dos trabalhadores, contribui para a construção de uma alternativa à crise, que creio que passa pelo chamado a todas as centrais sindicais para construir a greve geral contra o ajuste fiscal, a contrarreforma da Previdência, o PLP 257 e demais ataques a retirada de direitos.
Na sua avaliação, quais serão os principais desafios da próxima gestão, tanto nos aspectos políticos quanto organizativos?
PR: Há desafios em relação à organização
do ANDES-SN e é preciso intensificar essa organização de base, assumindo desafios como a multicampia com a presença do sindicato em todos os lugares. Ao mesmo tempo, acho que nós temos o desafio de aprofundar os trabalhos de relações internacionais porque os projetos que estão em curso no Brasil de descaraterização do caráter público da educação, estão presentes em todo o mundo. E, por último, nós temos o desafio de enfrentar projetos que retiram liberdade de opinião, de expressão, de ensino, como o “Escola Sem Partido” e todas as formas de criminalização dos movimentos sociais, pois vivemos sob a ditadura do Capital, o que nos impõe manter viva a luta por liberdades democráticas, a qual faz parte da história do ANDES-SN desde a sua criação, em 1981.