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Violência estatal e exclusão
from Revista Universidade e Sociedade 65
by ANDES-SN | Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
Resenha
FRANCO, Marielle. UPP - A redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro. São Paulo: N-1 Edições, 2018. 160 p.
Violência estatal e exclusão: os desafios da política de segurança pública no Rio de Janeiro
Maciana de Freitas e Souza Bacharela em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) E-mail: macianafreitas@hotmail.com
Em tempos tão difíceis ao pensamento crítico e à defesa das liberdades públicas, é importante compreendermos as permanências da violência de Estado no Brasil. O livro UPP - A redução da favela a três letras traz um importante debate sobre a atuação das forças policiais no estado no Rio de Janeiro e a relação entre violência e racismo.
Marielle Franco, graduada em Ciências Sociais pela PUC-RJ, mestra em Administração pela Universidade Federal Fluminense, nascida no Complexo da Maré, era militante dos Direitos Humanos e foi eleita vereadora com mais de 46 mil votos na cidade do Rio de Janeiro. No dia 14 de março de 2018, foi executada juntamente com seu motorista Anderson Gomes, no bairro do Estácio. O livro UPP - A redução da favela a três letras: uma análise da política de segurança pública do estado do Rio de Janeiro, resultado da sua dissertação de mestrado, produzido pela editora N-1, tem por objetivo apresentar uma análise crítica sobre a atuação das Unidades de Polícias Pacificadoras e o processo de militarização nas favelas fluminenses. Apresenta nota dos editores, prefácio de Frei Betto e Lia de Mattos Rocha, professora de Sociologia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O livro possui ainda posfácio pela professora Vera Malagutti Batista.
É válido ressaltar que a escassez de políticas públicas e o racismo estrutural acentuam as desigualdades sociais. Nesse contexto, as contribuições de Franco (2018) evidenciam que as políticas de segurança pública na realidade brasileira moldam-se às novas necessidades de mercado. Em tempos de avanço do projeto neoliberal, podemos notar ações repressivas em sentido contrário aos marcos normativos de direitos humanos.
Desse modo, a implementação das UPPs nas favelas do Rio de Janeiro no período de 2008 a 2013 “[...] se firmam como uma política de fortalecer o Estado Penal, com o objetivo de conter os insatisfeitos ou ‘excluídos’ do processo, formados por uma quantidade significativa de pobres, cada vez mais empurrados para os guetos da cidade” (FRANCO, 2018, p. 27). Marielle Franco apresenta no texto que a implementação das UPPs se constitui como mais uma medida estatal responsável por oferecer o controle especialmente sobre a juventude negra e periférica. Dessa maneira, as ações em curso têm fortalecido um verdadeiro Estado Penal, pelo fato de priorizar medidas punitivas em detrimento do cumprimento dos direitos fundamentais para a população. Desse modo, percebe-se uma dinâmica de controle social e vigilância nesses espaços em sentido contrário às leis existentes em termos de direito à vida segura.
Nesse contexto, a expansão do Direito Penal realizada dispensa as soluções efetivas. “[...] A escolha feita pelo Estado, seja quando sob a prerrogativa da garantia de direitos, opta por baixos investimentos e poucos equipamentos e/ou marca a sua presença com o uso da força e da repressão, principalmente por meio da ação policial” (FRANCO, 2018, p. 25). Assim, as práticas neoliberais revelam matrizes autoritárias e denota o seletismo penal principalmente à população jovem e negra, como apresentam os dados estatísticos do Atlas da Violência.
Portanto, adotando uma perspectiva crítica, Franco prima por uma compreensão sobre os efeitos do processo de militarização na realidade fluminense como elemento que acentua as desigualdades e violências diversas praticadas contra a juventude negra, bem como contribui para o aumento do número
de policiais militares mortos. Por isso, assinala que “não há como hierarquizar a dor ou acreditar que apenas será doído para as mães de jovens favelados. O Estado bélico e militarizado também é responsável pela dor que paira sobre as dezesseis famílias dos policiais mortos desde o início das UPPs” (FRANCO, 2018, p. 107).
Desta maneira, para o autora, a violência de Estado se manifesta de forma continuada. Isso porque uma série de outras violações de direitos passam a fazer parte do cotidiano familiar em decorrência da violência perpetrada. Para Franco, a atuação seletiva das agências estatais “não se trata de excessos, nem de uso desmedido da força enquanto exceção: as práticas policiais nesses territórios violam os direitos mais fundamentais e a violação do direito à vida também está incluída nessa forma de oprimir” (FRANCO, 2018 p. 105).
Desse modo, Marielle Franco (2018) considera que as políticas de segurança pública na realidade brasileira, historicamente, são criadas para servir aos interesses do grande capital, sem considerar os princípios democráticos, não sendo capaz de superar as causas da violência. Destarte, as ações em curso, com o aumento dos confrontos armados, colocam em risco a vida dos(as) jovens negros(as). Ao primar por uma política de “guerra às drogas”, o Estado tem violado os princípios fundamentais de uma sociedade democrática e apresentado um controle social cada vez maior sobre a juventude negra e periférica. No mais, é um importante livro para compreender as permanências do autoritarismo em nosso cotidiano em face do poder estatal. Marielle Franco nos deixa a mensagem que o respeito aos direitos humanos é uma tarefa ética/política que deve ser mantida e que a luta em defesa de uma sociedade mais justa continue sendo trilhada.
Marielle, presente! Hoje e sempre!