InformANDES - julho de 2017

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InformANDES SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR - ANDES-SN

Informativo Nº 72 Brasília (DF) Julho de 2017

Aposentadoria: para onde vai o dinheiro dos fundos de pensão?

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revidência privada é dinheiro fácil para o Capital e prejuízo para o trabalhador. O InformANDES detalha o caminho dos recursos investidos, por trabalhadores e trabalhadoras, em Fundos de Pensão. Além dos rombos registrados nos últimos anos, cujas contas estão sendo pagas pelos trabalhadores, denúncias recentes mostram, por exemplo, como o dinheiro que deveria servir de complemento à aposentadoria de milhares é utilizado para pagamento de propinas, compra de ações de grupos empresariais específicos e negociatas políticas.8 a 11

Ebserh

Internação Compulsória

Contrarreforma Trabalhista

Quase seis anos após a lei que criou

Ação do prefeito de São Paulo, João

Apesar da resistência dos

a Empresa Brasileira de Serviços

Dória Jr, amplia o debate sobre as

trabalhadores, maioria dos senadores

Hospitalares, segue o desmonte dos

ferramentas do Estado burguês para

foi favorável à contrarreforma

Hospitais Universitários e o ataque ao

gentrificação e higienização social dos

que altera mais de cem pontos da

tripé ensino, pesquisa e extensão 4 e 5

grandes centros urbanos 12 e 13

legislação brasileira 16


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Editorial

A intensificação das lutas contra as reformas, os ataques à educação pública e o 62º Conad

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classe trabalhadora, mais uma vez, foi às ruas, no dia 30 de junho, em um importante dia de lutas contra as reformas que retiram direitos da classe trabalhadora e pela derrubada do ilegítimo governo Temer. Se, por um lado, a Greve Geral do último dia 30 não teve a mesma força do dia 28 de abril, por outro, este dia mostrou a enorme disposição dos(as) trabalhadores(as) em construir a luta de forma unitária e organizada, apesar de algumas burocracias sindicais, não comprometidas com a mobilização de suas bases buscarem acordos políticos futuros que as beneficiem, como, por exemplo, a manutenção do imposto sindical, confundindo as bases e enfraquecendo a Greve Geral. Entretanto, esses movimentos e a truculenta repressão das polícias militares não foram suficientes para desmobilizar a militância, que invadiu as ruas de norte a sul do país, com grandes atos, manifestações e ações diretas. Foi dado um recado claro ao governo e aos parlamentares, mas também às burocracias sindicais, acerca das intenções de continuar fortalecendo e intensificando as lutas. A pressão sobre o governo aumenta a cada dia, com as denúncias de corrupção contra o ilegítimo presidente, desgastando-o junto à população e à base aliada, pouco

disposta a correr riscos nas próximas eleições. Daí, a necessidade premente de unidade em torno de bandeiras que aglutinem cada vez mais setores da classe trabalhadora, pressionando “de baixo para cima” direções vacilantes e criando uma sinergia em torno de objetivos comuns, aproveitando as frestas criadas pelas cisões no interior da burguesia, que procura a qualquer custo manter a estabilidade do sistema para levar a cabo as contrarreformas. É nessa conjuntura acirrada que o ANDES-SN irá realizar o seu 62º Conad, na cidade de Niterói (RJ), com o objetivo de continuar avançando na unidade e reorganização da classe trabalhadora, em defesa da educação pública e contra a retirada de direitos, em um momento de intensos embates frente aos governos estaduais, municipais e federal, com greves, paralisações e atos contra ataques à autonomia, aos direitos e as condições de trabalho dos docentes das Instituições de Ensino Superior Públicas. Em várias unidades da federação, os governos estaduais acentuam seu projeto privatista, resultado da contrarreforma do Estado, que se materializa em um acelerado processo de sucateamento das Instituições Estaduais de Ensino Superior Públicas. A

greve dos docentes da UEPB é um retrato fiel e dramático dessa realidade. Além disso, no contexto da atual crise econômica e política - brasileira, produto da crise estrutural do Capital, a educação é um dos direitos sociais mais atacados, com a transferência de recursos públicos para o setor privado, acentuando o caráter mercantilista do conhecimento, por meio do mecanismo da dívida pública, que intensifica a exploração da força de trabalho e a apropriação privada do fundo público. A absurda transferência de recursos públicos para o pagamento da chamada dívida pública contrasta com vergonhoso desfinanciamento da educação pública. Por isso, é imperativo continuar construindo e fortalecendo um projeto classista e democrático de educação, tema do III Encontro Nacional de Educação, importante ferramenta de luta contra os ataques à educação pública, previsto para ocorrer em 2018. Portanto, os debates e as deliberações do 62º Conad devem armar a categoria para enfrentar a difícil quadra histórica que se apresenta, reforçando o caráter democrático de nosso sindicato, emblema de uma entidade que pode se orgulhar de sua trajetória classista, marcada pela coerência e autonomia frente a partidos, governos e reitorias.

EXPEDIENTE O Informandes é uma publicação do ANDES-SN // site: www.andes.org.br // e-mail: imprensa@andes.org.br Diretor responsável: Giovanni Frizzo // Redação: Bruna Yunes Drt-DF 9045, Mathias Rodrigues MTb 10126, Renata Fernandes Drt-DF 13743, Renata Maffezoli Mtb 37322 // Edição: Renata Maffezoli // Diagramação: Renata Fernandes // Ilustração da capa: Rafael Balbueno


Movimento Docente

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Docentes das Estaduais do Rio continuam com salários atrasados Com três salários mensais e décimo-terceiro atrasados, docentes contarão com fundo arrecadado em campanha de solidariedade

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um cenário de desvios bilionários dos cofres públicos e de denúncias diárias de esquemas de corrupção, o trabalhador brasileiro continua pagando a conta dos desfalques no Fundo Público. No estado do Rio de Janeiro, mais de 200 mil servidores públicos, entre eles, os docentes das universidades estaduais – Uerj, Uezo e Uenf - estão com salários de três meses atrasados, além do décimo terceiro salário, somando assim a ausência de um quarto da remuneração anual. Em total descaso, o governador Luiz Fernando Pezão não se reúne com a categoria, não define um calendário com proposta para pagamento, ainda que parcelado, nem informa qualquer previsão para resolver a situação, além de desrespeitar a decisão judicial que obrigava o governo a regularizar os salários dos servidores. Contraditoriamente, o governo concede isenções fiscais à iniciativa privada, como em abril, quando enviou à Assembleia Legislativa do estado (Alerj) o projeto de lei em que o Estado abre mão de R$ 650 milhões de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), em favor da fabricante de bebidas Ambev. Para Cláudio Rezende Ribeiro, 2ª vice-presidente da Regional do Rio de Janeiro do ANDES-SN, o governo fluminense tem se antecipado na retirada de direitos, proposta pelo governo federal. “O governo do estado do Rio de Janeiro tem sido a política de ponta de ajuste fiscal que o Governo Temer quer implementar no Brasil”. Além dos ataques aos trabalhadores da educação, há um estrangulamento no setor de pesquisa e extensão. “A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) não recebe financiamento para a pesquisa e as bolsas estão atrasadas”, explica Ribeiro. No dia 30 de junho, durante a Greve Geral, a Associação dos Docentes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Asduerj Seção Sindical do ANDES-SN) promoveu uma aula pública com o tema "Universidades contra as reformas", em frente ao Palácio Guanabara, o ato seguiu com marcha até o Largo do Machado.

“Notamos que as pessoas passavam apoiando o ato, e, durante a marcha, também percebemos o apoio da população. Ainda assim, o governador simplesmente continua alegando não ter como pagar os servidores”, conta o diretor do Sindicato Nacional.

ANDES-SN cria fundo de apoio aos docentes Por deliberação do 36º Congresso do ANDES-SN, realizado no início do ano em Cuiabá (MT), o Sindicato Nacional iniciou uma campanha de solidariedade para ajudar financeiramente os docentes das universidades estaduais do Rio de Janeiro. Para isso, foi aberta uma conta bancária na qual professores e professoras de todo o país, as seções sindicais e demais entidades do movimento sindical e popular podem colaborar com qualquer valor. Docentes sindicalizados das Estaduais do RJ, interessados em contar com o apoio financeiro,

foram cadastrados e contarão com aporte, a título de empréstimo. O montante arrecadado nesta primeira campanha do fundo será dividido entre os 62 docentes que solicitaram o apoio. Os mesmos deverão devolver o valor ao fundo, após a regularização nos pagamentos dos salários, e os recursos serão utilizados na realização de ações políticas e ajuda financeira dos docentes, caso a situação se repita no Rio, ou ocorra em outro estado. O fundo de solidariedade vem sendo administrado pelas seções sindicais da Iees fluminenses e, neste caso, pela Regional RJ do ANDES-SN. “No Rio de Janeiro, a falsa-crise tem sido a justificativa utilizada para descontar do trabalhador os prejuízos de todos os desfalques utilizados para beneficiar o capitalismo. O fundo poderá minimizar a crítica situação vivenciada pelos docentes do estado, e o recurso será devolvido quando eles receberem seus salários ”, disse Cláudio.

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Movimento Docente

Ebserh aprofunda precarização dos Hospitais Universitários Além de não ter apresentado melhorias, empresa segue interferindo diretamente na autonomia das universidades

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o final de 2011, a então presidente Dilma Rousseff sancionou a lei 12.550, que criou a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). A empresa apresentada como solução para modernizar e tornar mais eficiente a gestão dos hospitais universitários (HUs), hoje é responsável pela administração de 39 dos 50 HUs federais. No entanto, como já antecipavam o ANDES-SN e as demais entidades que se opuseram, primeiro, à criação da Ebserh e, depois, à adesão das universidades à empresa, a realidade é bem oposta ao que foi ‘vendido’ para a população. Além de não ter apresentado melhorias, a Ebserh aprofundou a precarização dos serviços públicos, promoveu o desmonte de uma série de atendimentos prestados à comunidade, segue atacando a autonomia universitária, interferindo no tripé ensino – pesquisa - extensão, e, com

isso, tornou evidente seu real propósito, denunciado pelos movimentos desde a edição da medida provisória Medida Provisória (MP) 520/10: a privatização e mercantilização da saúde pública. “Precisamos ter muito cuidado com nossa memória, pois não podemos esquecer que nós fomos golpeados no dia 31 de dezembro de 2010, quando, então o presidente da República, no seu último dia de mandato, editou a MP [520], que criou a Ebserh, deixando bem claro que o SUS tinha sido negociado no processo eleitoral da Dilma Rousseff. Isso é inaceitável. Não podemos esquecer quem construiu a Ebserh e com qual propósito. A saúde pública sempre esteve sobre ataque, porque a doença dá dinheiro e mobiliza o PIB. Existe uma disputa pela saúde enquanto mercadoria”, denuncia Jacqueline Lima, professora do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás (UFG) e 1ª vice-presidente da Regional Planalto do ANDES-SN. A diretora do ANDES-SN aponta que é neces s ário fazer uma análise da precarização dos HUs, que antecedeu a criação da Ebserh, quando houve, inclusive, o remanejamento de vagas de profissionais, que deveriam repor os quadros que se aposentaram nos hospitais, e foram realocados em outras áreas dentro das universidades. “Inicialmente, precisamos resgatar o processo que ocorreu de aprofundamento do sucateamento

dos hospitais universitários mesmo antes da publicação da medida provisória, como a não reposição de pessoal, não investindo em reformas, aquisição de equipamentos e material permanente, falta de medicamentos, que levaram a uma piora nas condições de trabalho. Nós passamos pelos processos de pré-Ebserh, de sucateamento, o leilão de código de vagas nas nossas universidades pelos reitores e diretores”, conta. Foi nesse cenário de hospitais universitários em situação caótica, ocupando inclusive as manchetes de jornais impressos e telejornais de grande circulação nacional, que a Ebserh foi apresentada como uma alternativa para solucionar os problemas e otimizar a gestão dos recursos. Porém, segundo Jacqueline, que representa o ANDES-SN na Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, os relatos colhidos nas universidades é de que o quadro só piorou. Os problemas começam com falta de insumos básicos, como algodão e gaze, e vão até cancelamento de cirurgias e a suspensão de atendimentos ambulatoriais. Com isso, além do ensino, da pesquisa e da extensão, a vida da população, que necessita dos atendimentos dos hospitais universitários, está ameaçada. Um dossiê produzido pelo Fórum de Saúde do Trabalhador do Paraná, do qual faz parte a Associação dos Professores da Universidade Federal do Paraá (Apufpr Seção Sindical do ANDES-SN), e divulgado no ano passado aponta que os fatos levantados, no âmbito da UFPR, “confirmam a já sabida incompatibilidade da Ebserh com a vocação de um Hospital Universitário, além de configurar o abandono pelo Estado e o favorecimento do setor privado em áreas vitais como as da saúde e da educação”. Segundo o documento, a contratação da empresa impôs duas graves consequências: descaracterizou e feriu mortalmente o Sistema Único de Saúde (SUS), ao introduzir mecanismos da gestão privada, podendo comprometer, assim, o cumprimento de seus princípios doutrinários - universalidade, integralidade e igualdade do acesso; e afrontou flagran-


Movimento Docente temente a autonomia universitária, com sérios prejuízos à qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão. A gestão da Ebserh não prioriza os compromissos acadêmicos com a formação esperada de um hospital-escola. “A gestão não é democrática, a comunidade não é ouvida, o acesso às informações é dificultado e, ainda, os critérios de circulação de alunos e docentes nas dependências do hospital é burocratizado”, denuncia o dossiê. A diretora do ANDES-SN ressalta que infelizmente a realidade apontada no documento elaborado em relação à UFPR reflete a situação dos demais hospitais universitários sob gestão da Ebserh pelo país. “No panorama geral, dos hospitais que aderiram à Ebserh continuam com problema de recursos humanos, a questão da estrutura física também não foi resolvida e em algumas unidades passaram pelo que chamamos de maquiagem, com reformas superficiais, além da ampliação irrestrita dos processos de terceirização e até de quarteirização”, comenta Jacqueline. Ela cita como exemplo a lavandaria do Hospital Universitário da UFG, que foi fechada e o serviço terceirizado para uma empresa situada em Brasília (DF), a 200 quilômetros de distância do HU. Outra grande queixa mencionada pela docente é em relação aos insumos hospitalares de péssima qualidade. “As luvas de procedimentos, por exemplo, são de baixa qualidade e temos que três a quatro luvas em cada mão, porque rasga com facilidade. Materiais para fazer punção, que precisam ter qualidade, porque senão causam incômodo para o paciente, pois temos que furar o paciente mais vezes também são de péssima qualidade. Em relação ao material médico hospitalar e medicamentos, além de serem ruins, muitos estão em falta”, relata. “Na UFG, por exemplo, as mulheres em tratamento de câncer de mama ficaram aproximadamente seis meses sem quimioterápico, que é um medicamento que deve ser utilizado a cada 21 dias. São situações que denunciamos, porém a universidade e o conselho universitário tentam minimizar ou fechar os olhos a essas situações”, acrescenta. Outro problema denunciado em relação à Ebserh foi o fechamento de serviços de alto custo e pouco retorno financeiro, como atendimentos ambulatoriais por equipes multidisciplinares e o tratamento de doenças negligenciadas, que acometem populações vulneráveis ou mais pobres,

como anemia falciforme, que predomina na população negra. “Com o fechamento dos serviços ambulatoriais, nós vamos perder os óbitos da Ebserh. A partir do momento que você expulsa do hospital aquelas pessoas que estavam recebendo tratamento há 10, 15 anos, esses pacientes vão para a rede [pública], e sabemos que vão receber tratamento precário, se e quando conseguirem. Muitas delas vão a óbito ou vão piorar o quadro e nós não teremos as estatísticas dos óbitos causados pelo modelo de gestão da Ebserh. E isso é importante refletirmos”, aponta a docente.

Ataque à autonomia Além de todos os problemas apontados, outra grande crítica à implantação da Ebserh é o ataque direto à autonomia universitária e a indissociabilidade do tripé ensino, pesquisa e extensão previstos na Constituição Brasileira. A maioria dos HUs do Brasil possuíam um processo democrático de eleição das suas diretorias e esse processo foi extinto, os gestores estão sendo indicados, dependendo do HU e do processo de como se deu a adesão, pelos reitores, em alguns lugares pela própria empresa, em outros pela relação familiar com políticos locais. “Existe uma questão político partidária na escolha dessas pessoas, existem inclusive arranjos para se colocar pessoas que sejam quadro das universidades, mas ligadas a operadoras de planos de saúde”, denuncia Jacqueline. Recentemente, a Ebserh exonerou Fátima Siliansky, docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que ocupava a superintendência do hospital universitário da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), depois que a docente manifestou posicionamento crítico à Ebserh durante uma audiência pública na Câmara dos Deputados. “Ela manifestou seu posicionamento em defesa da saúde pública e a necessidade de se rever a existência da Ebserh e voltar o processo de autonomia universitária e foi exonerada sem o acordo nem do Conselho Universitário nem da reitoria da Ufal”, conta a diretora do ANDES-SN.

Luta em defesa da Saúde Pública Jacqueline ressalta que a luta contra a Ebserh e contra os demais processos de privatização da saúde pública tem se intensificado ao longo dos anos. “As ações que estão acontecendo são a organização da classe trabalhadora, dos movimentos sociais na identificação e denúncia dos

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problemas, mas também temos nos organizado politicamente e judicialmente para tentar reverter esse processo que entendemos ser um grande retrocesso para nosso país e para a saúde pública, além de ferir o direito constitucional ao acesso universal à saúde pública, gratuita e de qualidade”, completa.

Histórico Em 31 de dezembro de 2010, no seu último dia de mandato, o então presidente Luis Inácio Lula da Silva editou a Medida Provisória 520, que criava a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. Desde o início de 2011, o Executivo, que passou às mãos de Dilma Rousseff pressionou o Congresso para aprovar a MP. Apesar da grande pressão dos movimentos sindical e social para que os deputados vetassem a proposta, a MP acabou sendo aprovada na Câmara, no entanto, perdeu validade quando estava em debate no Senado e não chegou a ser votada pelos senadores. Em resposta à derrota, o governo encaminhou o PL 1749/2011 à Câmara dos Deputados, para ser apreciado em caráter de urgência. Embora os movimentos tenham intensificado a mobilização contra o projeto, o governo conseguiu que os deputados aprovassem o PL em 20 de setembro. O mesmo foi então encaminhado para votação no Senado, como PLC 79/2011, sendo aprovado no final do ano. Em 15 de dezembro de 2011, Dilma Rousseff sancionou, com vetos, a Lei 12.550, que criou a Ebserh. A presidente retirou da lei os parágrafos 2º e 3º, do artigo 9, que tratavam da composição dos conselhos administrativo e consultivo da nova empresa. Desta forma, exclui a participação da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e da Federação dos Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (Fasubra) do Conselho Administrativo da Ebserh e também do Conselho Consultivo, que previa ainda a participação do Conselho Nacional de Saúde (CNS), do Conselho Federal de Medicina (CFM), do Conselho Federal de Enfermagem (CFE) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).


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Mundo do Trabalho

30 de junho: Trabalhadores param mais uma vez o país em defesa de seus direitos Adufes SSind.

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ilhares de trabalhadoras e trabalhadores pararam novamente o Brasil no dia 30 de junho, em mais uma Greve Geral para barrar as contrarreformas da Previdência e Trabalhista, pela revogação da Lei das Terceirizações e pelo Fora Temer. A paralisação foi convocada em conjunto pelas Centrais Sindicais. E, apesar do pouco empenho de algumas entidades na construção do movimento, todos os estados e o Distrito Federal registraram atos. A segunda Greve Geral começou, ainda na madrugada, com piquetes em frente a garagens de ônibus, fábricas, indústrias, universidades, institutos federais e órgãos públicos e, também, com o trancamento de vias em diversas cidades. Os metroviários paralisaram os serviços em Porto Alegre (RS), Belo Horizonte (MG) e em Brasília (DF). Os ônibus também não circularam em várias cidades, como Aracaju (SE), Campina Grande (PB), Fortaleza (CE), Belém (PA), Salvador (BA), Recife (PE), Goiânia (GO) e na capital federal. Ao longo do dia 30, foram realizadas aulas públicas, panfletagens, apresentações culturais e manifestações que levaram milhares de pessoas às ruas contra as medidas em curso no Congresso Nacional e pela saída de Michel Temer da presidência da República. Para Eblin Farage, presidente do ANDES-SN, as ações realizadas na segunda Greve Geral mostraram mais uma vez a indignação dos trabalhadores e trabalhadoras com as medidas que vêm sendo impostas pelo governo, e a grande adesão dos docentes demonstrou a disposição da categoria para a mobilização. “Apesar do recuo de algumas das centrais sindicais em construir de fato Aduff SSind.

uma Greve Geral, tivemos importantes movimentos de paralisação e mobilização no dia 30. Em várias capitais e em várias cidades pelo país, conseguimos fazer desde travamentos de BRs até grandes atos. Para a nossa categoria, foi muito importante, pois todas as seções sindicais que realizaram assembleia votaram pela adesão à greve no dia 30. E, onde as seções sindicais do ANDES-SN estão localizadas, os docentes participaram ativamente das manifestações. Isso foi muito positivo, pois demonstrou a disposição da nossa categoria de realizar e intensificar a luta e, de fato, aderir à greve”, avalia Eblin. Para a presidente do ANDES-SN o desafio para o período próximo é continuar investindo na organização coletiva e pressionar ainda mais os parlamentares a se posicionarem contrários às reformas em curso no Congresso Nacional. “Agora, mais do que nunca, temos que pressionar também as centrais que já estão negociando com o governo os nossos direitos, para que elas abandonem as negociações e de fato se esforcem para construir grandes mobilizações para derrubar essas contrarreformas”, comentou. Em relação aos novos episódios de violência e criminalização dos atos e manifestantes, Eblin avaliou que diferente do dia 28 de abril, dessa vez, em vários locais, a polícia agiu de forma mais "preparada",

no sentido de antecipar as ações programadas e impedir os atos e piquetes, cerceando o livre direito à manifestação. “A violência da polícia mais uma vez demonstrou que, nesse país, não temos mais direito nem a manifestação, porque a polícia, segue, de fato, cumprindo o papel de braço armado desse estado a serviço do Capital”, concluiu.

Repressão Em relação à violência policial, a ação da PM não foi diferente do habitual. Durante todo o dia da Greve Geral, foram registrados casos de violência contra manifestantes em alguns atos e militantes foram detidos em São Paulo, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. No Rio de Janeiro, além da repressão policial durante a manifestação no centro da capital fluminense, que fez com que os organizadores alterassem o percurso da marcha, um sindicato foi invadido por policiais. Na capital paulista, duas militantes da Central de Movimentos Populares (CMP), foram detidas pela polícia militar. Elaine Gonçalves da Silva e Antonia Glaucia de Araújo estavam comprando o café da manhã em uma padaria na Região Central quando foram abordadas e detidas por policiais sem maiores justificativas, aponta o movimento. Mais cedo, as


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Mundo do Trabalho

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invadido, sem identificação, a sede do local pela manhã, pouco antes do ato que aconteceu no município. Um dos dirigentes do Sindicato, Zé Roberto, relatou, em conversa com o jornal Brasil de Fato, que a PM adentrou o local por volta das 9h e tentou levá-lo detido, mas a mobilização dos trabalhadores presentes a impediu. “Foi um artifício para desmobilizar os trabalhadores que participam agora de um grande ato em Nova Iguaçu. Querem tentar impedir e barrar, a todo o momento, a nossa luta”, disse o dirigente. No final da tarde, a PM impediu que a manifestação marcada de forma unificada pelas centrais sindicais, sindicatos e movimentos sociais seguisse o percurso programado no centro do Rio de Janeiro. Após duas horas, manifestantes conseguiram seguir, mas alterando a rota inicial. Em Porto Alegre, a PM só garantiu a saída do metrô após muitas bombas

de gás lacrimogêneo. Sete garagens de ônibus do transporte público foram bloqueadas no início da manhã. Na garagem da Carris, a única empresa pública de transporte da prefeitura, a entrada só foi desbloqueada após muita repressão da tropa de choque da Brigada Militar, que atirou bombas contra os manifestantes. Após a dispersão, os participantes do ato seguiram em caminhada pela avenida Bento Gonçalves, uma importante via da capital gaúcha, onde foram encurralados pela tropa de choque, revistados, e três pessoas foram detidos, um deles o dirigente da CSP-Conlutas, Altemir Cozer, e dois dirigentes da CTB. Eles foram levados ao Palácio da Polícia e, posteriormente, ao Instituto Penal Pio Buck, na zona leste da capital, e depois liberados. Adufpel SSind.

duas tinham participado do trancaço que ocorreu no cruzamento da Avenida São João com a Ipiranga. Elaine e Antonia foram encaminhadas para o 3º Distrito Policial para averiguação e depois foram liberadas. No início da noite, a Polícia Militar reprimiu e deteve manifestantes que participavam de um ato de estudantes, que saiu da Praça da Sé e se dirigia à Avenida Paulista, em São Paulo. Segundo relatos, seis pessoas foram levadas para o 78º Distrito Policial, no bairro dos Jardins. Em São José dos Campos, interior de São Paulo, 21 trabalhadores – entre professores, representantes dos químicos, dos metalúrgicos, trabalhadores sem-teto e sem-terra –, que participaram do ato contra as reformas foram detidos e levados para o 1º DP da cidade. A detenção ocorreu após lojistas alegarem que se sentiam constrangidos com o protesto, o que poderia ser enquadrado no artigo 197, crime de constrangimento. Todos foram liberados algumas horas depois e após os lojistas não reconhecerem nenhum dos ativistas. As mobilizações feitas no estado de Santa Catarina foram palco de grande repressão da Polícia Militar, que usou balas de borracha e bombas de gás, de acordo com relatos dos manifestantes. Dois militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram detidos pela PM, segundo eles, sem apresentação de justificativas, durante o trancamento da BR 101, na altura do município de Navegantes. Após cerca de três horas, os advogados souberam que os dois militantes foram levados para uma delegacia no município de Itajaí. No Rio, representantes do Sindicato dos Comerciários de Nova Iguaçu denunciaram que a Polícia Militar teria

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Aposentadoria: para onde vai o dinheiro dos fundos de pensão?

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esvio de recursos para benefício ilícito, investimentos em ações por interesses políticos, falência de fundos, aumento arbitrário da alíquota de contribuição. Estes, e outros problemas, têm sido recorrentes nos mecanismos de funcionamento dos Fundos de Pensão – modalidade fechada da Previdência Privada. Com isso, direitos sociais são especulados na roleta do mercado e o dinheiro retirado do salário dos trabalhadores faz um longo percurso, sendo usado para aquecer o sistema financeiro ou como moeda de troca de favores em casos de corrupção e compra de favores, sem nenhuma garantia de retorno do investimento feito. A Previdência Privada foi regulamentada no Brasil por meio da Lei Complementar 109/2001 e desde então têm se alastrado pelo país. Com a possibilidade de aprovação da contrarreforma da Previdência Social – Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/16 – e a consequente retirada de direitos e proteções sociais, os investimentos privados ou em fundos de pensão despontam como uma suposta alternativa "viável" aos trabalhadores que desejarem receber uma aposentadoria decente. Ainda que a Previdência privada não tenha sido ofertada, oficialmente, como saída para os trabalhadores brasileiros caso ocorra a aprovação da PEC 287/16, a base aliada do governo de Michel Temer já demonstrou suas reais pretensões. O deputado Arthur Maia (PPS-

BA), que foi relator da PEC 287/16 na Comissão Especial da Câmara, afirmou em palestra, no dia 7 de março, que “aposentadoria é subsistência. Quem quiser ter uma vida melhor faça outro tipo de pensão”. O deputado, coincidentemente, recebeu duas doações da Bradesco Vida e Previdência, que mantém planos de Previdência privada, para a sua candidatura nas eleições de 2014, totalizando R$ 299.972,00. O montante representa 8% do que o parlamentar declarou na sua campanha. As doações foram feitas ao seu partido, e repassadas ao candidato, segundo a prestação de contas divulgada no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Além da Bradesco Vida e Previdência, Arthur Maia recebeu doações de outras instituições financeiras, como os bancos Itaú Unibanco (R$ 100 mil), Safra (R$ 30 mil) e Santander (R$ 100 mil). As três instituições também têm serviços de Previdência privada, mas as doações foram feitas em nome geral das instituições.

O que é a Previdência privada? Existem dois tipos de Previdência privada, as abertas e as fechadas, que também são chamadas de Fundos de Pensão. A diferença entre as duas é simples. De acordo com a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), os Fundos de Pensão fechados são aqueles restritos a uma alguma categoria de trabalhadores, como o Petros da Petrobras, o Postalis dos Correios, ou o Funpresp dos servidores públicos federais. Já a Previdência privada aberta é aquela oferecida pelo sistema financeiro aos trabalhadores em geral. A própria Abrapp, em seu site, explicita a real função dos Fundos de Pensão, que é fazer girar o sistema financeiro. “Em face da acumulação de

poupança, os Fundos de Pensão, além da atividade-fim, que é nitidamente social, possuem uma função econômica relevante como investidores”, diz a associação. “No Brasil, os fundos de pensão têm sido historicamente o sustentáculo do mercado de ações, mantendo extensas carteiras que são administradas de forma conservadora, assim contribuindo para a estabilidade desse mercado. Além dos investimentos no mercado acionário, os fundos de pensão brasileiros financiaram os principais shopping centers do País e grande número de prédios comerciais, tendo sido, por muitos anos, fator de estabilidade no mercado da construção civil”, completa a Abrapp, em sua página.

Lucro para poucos Sara Granemann, docente da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisa assuntos relacionados à Previdência há anos. Para ela, a tentativa dos governos e dos grandes grupos empresariais de retirar direitos da Previdência pública e fortalecer a Previdência privada faz parte da mesma lógica que tem transformado direitos sociais, como educação e saúde, em mercadorias.


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No Chile, Fundos de Pensão enriqueceram poucos e levaram milhões à pobreza O Chile foi o grande laboratório de implantação das políticas neoliberais no mundo, durante a ditadura de Augusto Pinochet (1974-1990). Em 1980, o governo militar decretou o fim da Previdência Pública e a obrigatoriedade de adesão dos trabalhadores à Associação de Fundos de Pensão (AFP), acabando ainda com a contribuição patronal à Previdência. 37 anos depois, a privatização da Previdência levou o Chile a uma encruzilhada. De um lado, um pequeno grupo de gestores das AFP enriqueceu com as comissões que recebem por seu trabalho, de aproximadamente 3% dos valores movimentados pelos fundos – além dos grandes empresários locais, que se beneficiam da inversão desses valores em ações no mercado financeiro. Do outro lado, os trabalhadores chilenos viram suas aposentadorias diminuírem drasticamente. Da promessa de Pinochet, de que as AFP garantiriam aos aposentados cerca de 70% do último salário da ativa, sobrou apenas, em média, uma aposentadoria que representa 30% do último salário – e que deve cair para 15% nos próximos anos, de acordo com o governo. Lá, assim como no Brasil, os Fundos não garantem retorno financeiro aos trabalhadores que se aposentam. Hoje, os trabalhadores chilenos lutam pelo fim do sistema privado de Previdência, controlado pelas AFP, e pelo retorno de uma Previdência Pública, universal e por repartição. Segundo a docente, vários pensadores e vários teóricos, por exemplo, Ernest Mandel e István Mészáros, já disseram que o capitalismo está chegando a um momento de dificuldade para vender as mercadorias que produz. Por exemplo, está difícil vender a quantidade de carros que a indústria produz - ou ainda que a indústria teria capacidade de produzir -, e isso serve para outras mercadorias. Sara explica que, quando o Capital entra em crise por não conseguir vender suas mercadorias, ele não consegue ter lucro, pois o mesmo está embutido na produção da mercadoria, naquela parte de trabalho não pago. Se a mercadoria não é vendida porque não há pessoas assalariadas o suficiente para comprar, os capitais têm de, sem deixar de produzir essas mercadorias, procurar produzir outras mercadorias que ajudem a solucionar a crise. “Como os capitais têm tentado equacionar essa crise do tempo presente? Transformando o que há bem pouco era direito em mercadorias. E isso se dá na Educação, na Previdência, na Saúde, no Transporte, etc. Os capitais estão precisando contrarreformar a Previdência, porque ela só se transformará em mercadoria se a Previdência pública for destruída e desmontada. Se a Previdência pública for boa e ampla, a Previdência privada não cresce”, completa Sara Granemann. De acordo com a docente da UFRJ, os capitais tentam, ao transformar a Previdência em mercadoria, se apropriar de uma fatia ainda maior da riqueza

gerada pelos trabalhadores. “Uma parte da jornada do trabalhador se transforma em excedente, e outra parte é o que se transforma em salário. Os capitais, de modo genial, conseguiram que os trabalhadores não só dêem seu trabalho excedente, mas também que, com a Previdência, devolvam ao sistema uma parte de seu salário. Ou seja, os capitais conseguiram aumentar a exploração dos trabalhadores”, afirma. A docente ressalta ainda que a contrarreforma Trabalhista – Projeto de Lei da Câmara (PLC) 38/17 – está articulada com a contrarreforma da Previdência nessa tentativa de transformar a aposentadoria dos brasileiros em mercadoria. Para Sara, a diminuição do número de contratos de trabalhos formais, que acontecerá com a aprovação do PLC 38/17, será mais um “incentivo” para que os trabalhadores acreditem que a Previdência privada lhes é mais benéfica, já que muitos planos aceitam valores mensais menores do que a Previdência pública e afirmam garantir retorno em menor tempo.

Para onde vai o dinheiro? A Previdência privada brasileira, seja ela aberta ou por meio de Fundos de Pensão, investe o dinheiro da aposentadoria dos trabalhadores de duas formas: comprando títulos públicos ou comprando ações de empresas. Fundos de Pensão, como Petros, Postalis, Funcef (da Caixa

Econômica) e Funpresp (dos servidores públicos federais), por exemplo, compram ações de grupos como JBS-Friboi, EBX, etc. Esse dinheiro, que entra nos grandes grupos empresariais por meio da compra de ações, tem um custo baixíssimo para as empresas. Em troca, as empresas dão, aos fundos, títulos que garantem direito a uma parte de seus lucros futuros. “Isso é um grande risco para os trabalhadores, porque os lucros são futuros, e do futuro não há controle. A Previdência privada está entregando o dinheiro


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poupado pelos trabalhadores para que se torne capital desses grandes grupos empresariais. Entregando esse dinheiro sem custo algum. Se a empresa quebrar, os trabalhadores ficarão sem receber, e o capitalista que pegou esse dinheiro não paga juros altos. Só vai pagar, como remuneração do papel, uma parte eventual do lucro que possa ter. Então, os capitais encontraram, com a Previdência, uma forma de pegar grandes quantidades de dinheiro sem pagar os juros por isso. Se eles fossem pegar um empréstimo no banco, por exemplo, teriam que pagar o preço pelo dinheiro, ou seja, juros altos”, critica Sara Granemann. “Do ponto de vista dos trabalhadores, esse modelo tem muitos riscos, porque se não houver a lucratividade prometida – se acontecer uma crise, uma denúncia de corrupção com delação premiada, como ocorreu recentemente, eles podem perder o dinheiro. É dinheiro barato para o capital e risco para o trabalhador”, completa a docente da UFRJ. A outra forma de investimento da Previdência privada é a compra de títulos públicos. Cada vez que esses títulos têm sua venda autorizada pelo Estado, eles se tornam títulos da dívida pública. “Cada vez que um Fundo de Pensão ou um plano de Previdência privada aberta compra títulos públicos, para que o Estado possa honrar a taxa de juros - uma das maiores do mundo- desses títulos, é necessário desmontar o estado social e reduzir direitos sociais. Com isso, retiram dinheiro da educação, fazem ajustes fiscais, como a Emenda Constitucional (EC) 95 do Teto de Gastos, etc. Se o Estado não fizer isso, os títulos não serão 'confiáveis'. Por isso, costumo dizer que a Previdência privada é ruim quando dá certo e ruim quando dá errado”, explica Sara Granemann.

Corrupção explícita A recente divulgação da delação premiada dos irmãos Batista, donos do grupo JBS-Friboi, tornou públicas as negociatas que existem entre os Fundos de Pensão e os grandes grupos empresariais no Brasil. De acordo com Joesley Batista, a JBS-Friboi pagava propina a executivos dos fundos Funcef e Petros para que esses investissem dinheiro

Matéria Central em empresas do grupo. Joesley também disse que pagava propina a membros do governo federal e do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) para que intermediassem a negociação. Segundo a delação, em 2008 foi montada uma operação para que Petros e Funcef comprassem cotas do Fundo de Investimento em Participação Florestal, ligado ao grupo JBSFriboi. Cada um dos fundos pagou R$ 275 milhões, do dinheiro da aposentadoria dos trabalhadores da Petrobras e da Caixa Econômica Federal, para a JBS-Friboi. Em troca, Guilherme Lacerda, então executivo da Funcef, e Wagner Pinheiro, então executivo da Petros, teriam recebido cotas de 1% do valor, além de propinas em forma de apartamentos. Em março deste ano, antes da divulgação da delação, os trabalhadores de Petros e Funcef já sofriam com os prejuízos desse esquema de corrupção. O Fundo de Investimento em Participação Florestal, agora chamado de Eldorado Celulose, anunciou, no balanço de 2016, que havia perdido 65% do seu valor. Na prática, isso significou um prejuízo R$ 1 bilhão para o Funcef e de mais R$ 1 bilhão para o Petros, que serão pagos pelos próprios trabalhadores ligados aos fundos.

Trabalhadores pagam a conta Entre 2013 e 2015, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Fundos de Pensão da Câmara dos Deputados investigou os indícios de fraude e má gestão dos quatros fundos de previdência complementar de funcionários de estatais e servidores públicos. O relatório final, apresentado em abril de 2016, sugeriu ao Ministério Público o indiciamento de 353 envolvidos (entre pessoas e instituições), apontadas como responsáveis por um prejuízo de R$ 6,6 bilhões aos quatro fundos de pensão – Previ, Postalis, Petros

e Funcef. Além dos desvios apurados pela CPI, os fundos de pensão apresentaram nos últimos períodos resultados negativos. De acordo com a Previc, dez fundos de pensão acumularam em 2016 80% do déficit registrado, sendo nove patrocinados por estatais, das quais oito são federais. Trabalhadores e aposentados da Petrobras (Petros), do Correios (Postalis) e da Caixa Econômica Federal (Funcef) já foram chamados a pagar a conta dos rombos. Os contribuintes do Funcef, por exem-


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plo, começaram a pagar, em maio do ano passado, uma tarifa adicional de 2,73% sobre suas contribuições - para os já aposentados, isso significa receber 2,73% a menos nos benefícios. Já o déficit bilionário do Postalis também criou uma despesa expressiva para os trabalhadores e aposentados dos Correios, que terão de fazer uma contribuição extra de 17,92% dos benefícios, por um período de 23 anos (até 2039). No caso da Petros, o rombo de R$ 16,1 bilhões será dividido igualitariamente entre a Petrobras e trabalhadores, aposentados e pensionistas, ao longo de 18 anos, com início em 2017.

Operação Greenfield No último mês de maio, o Ministério Público Federal (MPF/DF) enviou a primeira ação penal elaborada no âmbito da Operação Greenfield. Ao todo, foram denunciadas 14 pessoas, incluindo ex-diretores da Funcef (Fundo de Pensão dos Funcionários da Caixa Econômica Federal), empresários ligados à empresa Engevix, responsável pela criação e gestão Fundo de Investimento em Participações (FIP) Cevix, além de políticos e um ex-superintendente da Caixa Econômica Federal. O relatório da operação, divulgado no site do MPF, menciona diversas vezes a CPI da Previdência.

O grupo é acusado da prática de crimes como gestão fraudulenta e temerária, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, além de outros previstos na Lei 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro. Com base em provas reunidas durante a investigação, o MPF aponta a existência de um prejuízo de R$ 402 milhões para os cofres do fundo de pensão, em valores atualizados até 2015. O montante contribui para o rombo total da instituição, estimado, atualmente, em R$ 18 bilhões. A denúncia apresentada pela força-tarefa, que apura as suspeitas de irregularidades na aplicação de recursos das chamadas Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) em empresas privadas, traz uma descrição detalhada da forma como eram criadas as condições para a prática dos crimes. Um ponto em comum – verificado pelos investigadores, tanto no caso mencionado na ação penal quanto em outros ainda em andamento, foi a chamada sobreprecificação dos ativos dos FIPs. Viabilizada por meio de avaliação econômico-financeira irreal e tecnicamente irregular, a prática é comparada ao superfaturamento de obras públicas. Ambas as estratégias têm o objetivo de fazer com que o poder público (no caso das obras) e os Fundos de Pensão (no caso da compra das cotas) paguem valores acima do que efetivamente vale o "produto" negociado. Como consequência, frisam os autores da ação, tem-se, de um lado, prejuízo ao investidor institucional e, do outro, o enriquecimento ilícito do grupo econômico criador do FIP. Ainda em relação a características comuns, verificadas na maioria dos investimentos investigados, o MPF menciona

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a existência de cinco núcleos criminosos: o empresarial, formado por dirigentes de fundos de pensão, o dos políticos, o de empresas avaliadoras e o dos gestores e administradores dos FIP.

Luta contra o Funpresp O ANDES-SN tem lutado durante os últimos anos contra a Previdência privada e, especificamente no caso da categoria docente, contra a criação de Fundos de Pensão por parte dos governos federal, estaduais e municipais. O Funpresp, fundo criado para os servidores do poder executivo federal, entre eles os docentes federais, é alvo de uma grande campanha do Sindicato Nacional, chamada “Diga Não Ao Funpresp”. Além da produção de uma cartilha, a entidade ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) como Amicus Curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a adesão automática dos servidores. Uma das principais críticas do Sindicato ao Funpresp é em relação aos riscos que o dinheiro da aposentadoria dos docentes podem sofrer por conta do investimento desses valores no sistema financeiro. A própria ficha de adesão dos servidores ao Funpresp explicita esses riscos, ressaltando que quem adere ao fundo declara “estar ciente de que investimentos e aplicações financeiras estão normalmente expostos a riscos de mercado, bem como de que a rentabilidade obtida no passado não representa garantia de resultados futuros”. Sara Granemann, docente da UFRJ, reforça a crítica ao Funpresp. “O que essa ficha quer dizer? Quer dizer que a Previdência privada pode ter tido no passado muito rendimento mas isso não significa nada para a aposentadoria. Não há garantia qualquer sobre rentabilidade futura. Eles colocam isso na ficha para não haver contestação jurídica. Você tem que assinar dizendo que sabe que tudo que poupa pode virar pó. Se as pessoas lessem e refletissem, não compravam o plano”, afirma.


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Movimentos Sociais

Ação em São Paulo explicita estratégia de higienização urbana

Internação compulsória volta a ser usada como mecanismo de ‘limpeza social’ dos centros urbanos Mídia Ninja

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om o argumento de combate ao tráfico de drogas, 900 policiais, munidos de bombas e gás lacrimogêneo e com auxílio de helicópteros invadiram na madrugada do dia 21 de maio o centro de São Paulo, conhecida como “Cracolândia”, em uma megaoperação policial para combater o tráfico de drogas na capital paulista. Centenas de pessoas foram revistadas e constrangidas pela polícia. Estabelecimentos comerciais fechados. Prédios demolidos. Vida, dignidade e poucos pertences dos moradores revirados e destruídos. Moradores em situação de rua e usuários de substâncias ilícitas foram compulsoriamente internados ou removidos dos locais onde encontraram abrigo. A operação resultou em 52 prisões arbitrárias de supostos traficantes. Dez quilos de crack foram apreendidos. O programa da prefeitura de São Paulo, chamado de “Redenção”, consiste em retirar os moradores de rua das áreas centrais de São Paulo e impedir a migração desses moradores para outros pontos centrais da cidade, além de internar compulsoriamente os usuários de drogas. Depois do dia 21 de maio, diversas ações foram realizadas na região, sempre com violência, como a do dia 17 de junho, em que resultou em muitos feridos. Um deles, Heitor Fonseca, 28 anos, ficou cego do olho esquerdo de uma bala de borracha disparada por um policial militar enquanto fumava crack. Segundo Vanessa Furtado, professora do curso de Psicologia da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e 1° secretária da Regional Pantanal do ANDES-SN, as ações efetuadas pela prefeitura de São Paulo não levaram em consideração o cuidado àquelas pessoas em situação de rua

e muito menos teve como objetivo central o combate efetivo ao tráfico de drogas. Ela lembra que nem todas as pessoas em situação de rua fazem uso abusivo e/ou nocivo de substâncias ilícitas. “As ações respondem ao apelo imediatista e moral de uma parcela da sociedade que se incomoda com a ‘sujeira’ que essas pessoas representam nas ruas. Outra coisa que tem que se levar em conta é que uma política como a de redução de danos não é imediatista, demanda tempo. Portanto, as

Barbárie Após os fatídicos episódios, a população e diversas entidades se manifestaram contra a ação da prefeitura de São Paulo. Entre elas, a Organização das Nações Unidades e o Conselho Federal de Psicologia, este último classificou a ação na Cracolândia de “barbárie” e que a abordagem da gestão de João Dória (PSDB) foi "inadequada e ineficiente".

soluções mágicas vendidas pelos modelos de internação são meramente midiáticos, como no caso de São Paulo, e visando ao lucro mais que ao tratamento”, criticou a docente.

Histórico A diretora do Sindicato Nacional explica que o modelo de política de internação compulsório e/ou involuntária remete ao passado escravagista e, ainda, à história da segregação das pessoas consideradas “loucas, anormais, doentes mentais”. “O histórico deste modelo asilar perpassa toda a Idade Média, já foi utilizado como sinônimo de tortura, depois com viés humanista, como o caso do modelo implementado por Pinel, na França, sob o discurso do cuidado dos hospitais psiquiátricos, as casas de internação inglesas denominadas workhouse, e no Brasil, não foi diferente. O início dessas instituições


Movimentos Sociais asilares destinadas aos mentecaptos se deu em 1841, com a abertura do Hospício Dom Pedro II no Rio de Janeiro, com a vinda da Família Real. Para lá foram enviadas todas as pessoas que vagueavam pela rua, consideradas anormais, deficientes, prostitutas, bêbadas, ou seja, desde esta época a política de recolhimento dessas pessoas das ruas já se fazia presente no Brasil”, contou. De acordo com Vanessa, no início do século XX, logo após a promulgação da Lei Áurea, começou a ganhar força o movimento denominado a Liga de Higiene Mental Brasileira (LBHM), formado por homens, médicos com especialização em psiquiatria recém-chegados da Europa de posse do conhecimento dessa “nova ciência”. “A LHMB detinha o discurso de poder sobre quem era 'louco' e quem era 'normal', suas ações impactavam não apenas nos cuidados à saúde dessas pessoas, como também, ditavam hábitos e costumes a seres seguidos dentro de uma determinada norma, por ela estabelecida, sob pena de ser diagnosticado com louco. Sob a batuta do discurso (pseudo) científico, os componentes desse movimento tinham o poder de internar pessoas nos hospícios. Em geral, estas pessoas eram negras e pobres, que viviam nas ruas das capitais brasileiras, refúgio da maioria dos escravos e escravas libertas pela Lei Áurea. Portanto, não é de se surpreender que eram justamente os hábitos dessas pessoas que eram considerados anormais”, explica. A grande questão, de acordo com a docente, para o movimento higienista brasileiro, fortemente influenciado pelo modelo alemão, era a limpeza da raça brasileira, ou seja, o branqueamento da população brasileira, pois alegavam que era a mestiçagem a grande causadora dos inúmeros casos de loucura no país. “Assim, grosso modo, o programa da LBHM tinha como um dos objetivos primordiais o extermínio da população negra e indígena”, acrescenta. As casas de saúde que cuidavam de “loucos” se espalharam pelo Brasil. Ali, eram internadas quaisquer pessoas - desafetos políticos, jovens estupradas e grávidas, enfim, a mesma lógica até meados da década 70. “Contudo, não se pode desconsiderar o trabalho realizado pela médica Nise da Silveira(primeira mulher formada em medicina no Brasil), no Rio de Janeiro e do médico psicólogo Manuel Bonfim pouco antes de Nise. Mas, foi na década de 70, que um movimento contra hegemônico na psiquiatria ganhou corpo e são seus frutos as políticas públicas de

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atendimento em meio aberto às pessoas em sofrimento psíquico e que fazem uso de substâncias”, detalha Vanessa. Segundo a diretora do ANDES-SN, este preâmbulo histórico é fundamental para se compreender como, ainda hoje, essas ideias permeiam as práticas em saúde mental no Brasil e, mais especificamente, as políticas adotadas no centro-sul do país, com os usuários de substâncias e moradores de rua, em sua maioria, pobres, negros e/ou nordestinos. Após o movimento da antipsiquiatria, em 2001 foi elaborada e aprovada a Lei 10.216, que versa sobre o atendimento às pessoas em sofrimento psíquico e que prevê o atendimento a essas pessoas preferencialmente em meio aberto. “Esta lei ainda prevê o modelo de internação, mas com a ressalva de que, só seja lançada mão deste recurso, caso todos os outros tenham se esgotado. Assim, a internação compulsória está prevista nesta lei, como os casos de internação que são determinados pela justiça, porém, não sem antes ter a avaliação de profissional da área de medicina. O que ocorre, na prática, é que muitas equipes de saúde e psiquiatria se veem obrigadas a realizar a internação determinada pela justiça, sob pena de punição judicial. Desta forma, este tipo de internação agrava ainda mais a situação da população pobre no Brasil, uma vez que essas pessoas não têm recursos para recorrer à decisão judicial, tampouco, a contrapor-se contra o discurso científico detentor da verdade e razão”, ressalta.

política do estado seja pela do município. Passada a Copa, bem como o tempo de internação, as pessoas retornaram aos seus hábitos de antes”, contou. Para a docente é preciso pensar no que está por trás da ação higienista na Cracolândia. “No que tange a realidade paulistana há obviamente interesses financeiros em pelo menos dois aspectos: a especulação imobiliária e a indústria de venda da saúde às comunidades terapêuticas, em sua maioria administradas por igrejas das religiões neopentecostais, que elegem seus vereadores e deputados que legislam a favor dessas comunidades, e que se tornaram os manicômios do século XXI, com as mesmas práticas desumanas que o movimento da luta antimanicomial tentou combater do meio para o fim do século XX, e indústrias farmacêuticas que têm na saúde mental um dos grandes filões de sua produção”, explica a docente. Vanessa Furtado afirma que ao se aprofundar ainda mais a análise de ações higienistas como estas, chega-se ao ponto de que a lógica do encarceramento é o modo como o sistema capitalista lida com as expressões da questão social. “O combate efetivo às drogas também é complexo e este nenhum político se dispõe a fazer, então quem paga, mais uma vez, é a população pobre das periferias do país, é uma questão de classe”, conclui a docente.

Cracolância: lugar estratégico

Os 10 quilos de crack encontrados na região da Cracolândia são uma fatia ínfima no mercado de drogas se comparado ao que foi interceptado pelas polícias federais do Espírito Santo e Goiás nos últimos anos. No dia 24 de novembro de 2013, um helicóptero - pertencente à empresa Limeira Agropecuária, do então deputado estadual de Minas Gerais Gustavo Perella -, com 450 quilos de cocaína foi capturado e até hoje, ninguém foi condenado. No último mês de junho, mais de 500 quilos de cocaína foram apreendidos dentro de um avião, que havia decolado de uma fazenda de propriedade do grupo do ministro da Agricultura Blairo Maggi, que alegou desconhecer o proprietário da aeronave e a razão pela qual a mesma estava em sua propriedade.

Não é de hoje o interesse de empresários pela região. O local é estratégico em São Paulo, pois está próximo a metrôs, linhas de ônibus e trens. De acordo com Vanessa, durante a Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, uma grande pressão foi feita nos trabalhadores da saúde mental, para acolhimento e internação de pacientes usuários de substâncias, isso tanto por parte da prefeitura, à época administração de Fernando Haddad (PT), como por parte de outros órgãos do estado. Na época, Vanessa atuava como psicóloga de um Centro de Atenção Psicossocial para Usuários de Álcool e outras Drogas (CAPSad) III em São Paulo. “Lembro-me que até uma política estadual fora criada e o juizado foi para dentro do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras drogas (Cratod) a fim de expedir as liminares de internação. Muitas das pessoas que atendíamos em nossa unidade foram internadas nessa época seja pela

Política contra drogas?


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Revolução Russa: pioneira no rompimento com o sistema da dívida

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ANDES-SN tem, entre suas bandeiras históricas, a defesa da auditoria da dívida pública, por considerar que o sistema da dívida pública é um mecanismo de transferência de dinheiro público para a iniciativa privada, o que faz com que o Estado diminua o investimento em áreas importantes, como saúde e educação. E a primeira experiência mundial de rompimento com esse sistema veio com a Revolução Russa de 1917, que nesse ano completa seu centenário.

O Manifesto Financeiro de 1905 O processo de rompimento com o sistema da dívida russa teve seu ápice com um decreto do governo soviético de janeiro de 1918, mas originou-se anos antes, com a aprovação do Manifesto Financeiro por parte dos sovietes em 1905, como conta José Menezes Gomes, docente da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e coordenador do núcleo alagoano da Auditoria Cidadã da Dívida. “Em 1905 foi lançado o Manifesto Financeiro, com o qual o movimento

operário combativo tinha diagnosticado que a dívida da Rússia era uma tentativa do governo czarista de financiar as guerras e de favorecer a industrialização. Esse manifesto indicava que a dívida era dos czaristas e dos grupos econômicos ligados ao poder, e que essa dívida não poderia ser paga porque não foi feita para atender nenhuma demanda social. Em 1918, foi concretizado o desejo do manifesto de 1905, no que é o primeiro caso conhecido de um processo de endividamento externo e público que foi derrotado”, afirma o docente. O manifesto, que assustou os grandes grupos econômicos europeus na época, inicia com uma leitura de conjuntura que aponta qual a real utilidade da dívida pública, e termina com uma forte posição de rechaço à mesma. “O governo está à beira da falência. Transformou o país num monte de ruínas juncado de cadáveres. Esgotados, esfomeados, os camponeses já não conseguem pagar os impostos. O governo serviu-se do dinheiro do povo para dar crédito aos proprietários. Agora não sabe o que fazer dos proprietários que lhe servem de penhor. [...] Por isso decidimos não tolerar o pagamento das dívidas

resultantes de todos os empréstimos que o governo do czar contraiu desde que está em guerra aberta contra o povo”, assina o Soviete dos Deputados Operários, e algumas outras organizações.

O decreto de 1918 O decreto que aboliu a dívida pública na Rússia soviética trouxe grandes consequências ao mercado financeiro europeu, sacudindo as bolsas de valores. Para o docente da Ufal, essa é a demonstração prática de que o sistema da dívida serve para manter estados rentistas que, com crises internas, viram a possibilidade de passar a exportar não só mercadorias, mas também capitais. “Em 1918, há uma suspensão de todos os empréstimos, o que gerou um grande impacto nas bolsas europeias. A Revolução Russa representou um enfrentamento às várias formas de capital, mas, principalmente, da forma financeira”, explica José Menezes Gomes. “O que estava em jogo não era apenas a propriedade privada dos meios de produção, mas também o sistema financeiro europeu. A Rússia vivia um processo de financeirização, os empréstimos eram


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usados para investir em algo, mas depois serviam para pagar os juros das próprias dívidas. O caso russo é semelhante ao de outros países coloniais. Os empréstimos externos são manifestação dos ciclos de crise nos países centrais, buscando novos mercados e gerando um processo de endividamento nos países dependentes”, completa. O docente afirma que os resultados práticos do rompimento com o sistema da dívida demoraram a aparecer na Rússia devido à Guerra Civil (1918 a 1921) travada no país após a Revolução. Mas, depois desse período, foi a verba que deixou de ser destinada ao sistema financeiro internacional que possibilitou investimentos em áreas fundamentais. “Em 1918, a Rússia vivia uma guerra civil e as consequências da Primeira Guerra. E o financiamento de guerra é a principal fonte de lucro dos bancos em um Estado rentista, como eram os países centrais europeus na época. A suspensão da dívida amenizou situações na Rússia, mas eles estavam em guerra. Depois disso, a Rússia ficou isolada, junto com as demais repúblicas da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e o bloco comunista do Leste Europeu, do sistema financeiro. Ela não fazia parte do Banco Mundial e do FMI, e não tinha acesso a uma moeda

estrangeira”, diz Menezes.

Reendividamento russo Entretanto, a partir da década de 1970, a URSS, apartada do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), passou a tomar empréstimos de moeda estrangeira por meio do Euromercado de Moedas, uma entidade privada. Para o docente da Ufal, esse foi o primeiro passo para a reconquista do capital rentista na região, o que se consolidou com a fim da URSS em 1990 e a consequente responsabilização da nova República Russa por todas essas dívidas. “Se de 1918 até a década de 70, o problema da dívida pública não foi central para a Rússia, nesse momento passou a ser. No socialismo, a dívida que você tem é com demandas sociais. Mas, a partir dos anos 70, a URSS e o Leste Europeu passaram a contrair empréstimos desse Euromercado de Moedas, que tinha juros flutuantes, e quem garantia os empréstimos de toda a URSS e dos demais países do bloco era a Rússia. Essa era a forma de captação de dinheiro para ter acesso à moeda estrangeira e tentar fazer um processo de industrialização tardia. E esses empréstimos recompõem a dívida pública na URSS”, conta o docente da Ufal. Ele ressalta que o processo começou a deixar a URSS dependente da política econômica dos Estados Unidos, já que a esses

cabia a definição da taxa de juros. “Quando os EUA sobem a taxa de juros de 5% para 18%, os empréstimos do bloco socialista sofreram o impacto. Com a queda da URSS, houve uma reconquista do capital rentista nos países socialistas, que já havia começado na década de 70. A partir do momento em que se pagava 5% de juros e passa a pagar 18%, você tem que retirar dinheiro de saúde e educação, e isso significou uma aceleração da queda da URSS. Foi uma arma financeira invisível a qual os socialistas se submeteram. A URSS não tinha mais autonomia, porque estava submetida à política econômica dos EUA”, lamenta. José Menezes Gomes encerra reafirmando a importância da experiência pioneira russa no rompimento com a dívida, e afirma que tal política é necessária, também, no Brasil do século XXI. “Depois da Rússia em 1917, no Equador foi realizada uma auditoria em 2007 e se constatou que 70% da dívida era ilegal, e esse valor foi transferido para gastos sociais. A dívida pública não explica todos os problemas econômicos do mundo, mas explica uma boa parte. Ela é um componente importante porque mostra o que é o rentismo, o que são as pessoas que ganham dinheiro com o capital fictício às custas de investimentos em áreas como educação e saúde”, conclui.


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Mundo do Trabalho

Congresso aprova lei que acaba com direitos trabalhistas

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pós diversos protestos da população brasileira, dizendo não à retirada de direitos, o Senado Federal aprovou, no dia 11 de julho, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 38/17 – da contrarreforma Trabalhista. Com 50 votos a favor e 26 contrários, e sem alterações, a medida foi encaminhada à sanção do presidente ilegítimo Michel Temer. O texto, votado em abril na Câmara dos Deputados, altera mais de 100 pontos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), retirando direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores. O PLC 38/2017 representa um retrocesso sem precedentes na legislação trabalhista e foi considerado inconstitucional por diversas entidades ligadas ao trabalho, como a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas), o Ministério Público do Trabalho Público do Trabalho (MPT), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Nacional), a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat) e o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) que, em nota, alertaram que a contrarreforma está contaminada “por inúmeras, evidentes e irreparáveis inconstitucionalidades e retrocessos de toda espécie, formais e materiais”. Um das alterações centrais é a prevalência dos acordos coletivos de trabalho, definidos entre as empresas e trabalhadores, sobre as leis trabalhistas definidas na CLT - o chamado "acordado sobre o legislado". Isso poderá ser aplicado ao parcelamento das férias em até três vezes, a jornada de trabalho (de até 12 horas diárias), redução de salário, alterações no plano de cargos e salários – o qual poderá ser mudado constantemente, já que não haverá necessidade de homologação no ministério do Trabalho ou qualquer órgão público nem registro em contrato de trabalho -, banco de horas e trabalho em casa. Poderão ser negociados também o enquadramento do grau de insalubridade e a prorrogação de jornada em ambientes

CLT

insalubres, sem licença prévia do Ministério do Trabalho. No caso de mulheres grávidas, o PLC aprovado prevê a possibilidade de gestantes trabalharem em condições insalubres, como exposição a produtos químicos, barulho, calor, frio ou radiação em excesso, desde que a insalubridade seja de grau mínimo ou médio, e que elas apresentem um atestado médico permitindo. Atualmente, isso é proibido. Mulheres que estão amamentando poderão trabalhar quaisquer locais insalubres, independentemente do grau, desde que tenham o atestado médico. A contrarreforma ainda cria o trabalho intermitente, permitindo que os trabalhadores sejam pagos por período trabalhado, sem que haja a garantia de uma jornada mínima. Se for chamado pelo patrão para trabalhar por cinco horas no mês, receberá apenas por essas cinco horas. Se não for chamado, não receberá nada. Se o trabalhador faltar ao serviço no dia acordado com o empregador, terá de pagar multa de 50% do valor que receberia naquele dia. A situação fará com que muitos trabalhadores recebam menos que um salário mínimo por mês, o que, até a aprovação do PLC 38, era ilegal. O texto também retira a exigência de os sindicatos homologarem a rescisão contratual no caso de demissão e torna a contribuição sindical optativa. As mudanças devem entrar em vigor 120 dias após a publicação da lei no Diário Oficial da União. Para Eblin Farage, presidente do ANDESSN, a nova lei precariza as relações de trabalho e privilegia o empresariado. “A ação dos senadores demonstrou que prevaleceu os interesses do grande Capital, que se expressa, entre outras coisas, nas grandes propinas pagas. A nós trabalhadores e, em especial, aos segmentos vinculados ao serviço público, é necessário ampliar a mobilização e construir grandes atividades de enfrentamento para defender os nossos direitos e lutar contra a precarização dos serviços públicos que atendem a toda a população. É necessário construir uma nova Greve Geral”, afirmou.

jornada de trabalho

FGTS

Veja a lista dos senadores que votaram a favor do PLC 38 Aécio Neves (PSDB-MG) Ana Amélia (PP-RS) Antonio Anastasia (PSDB-MG) Airton Sandoval (PMDB-SP) Armando Monteiro (PTB-PE) Ataídes Oliveira (PSDB-TO) Benedito de Lira (PP-AL) Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) Cidinho Santos (PR-MT) Ciro Nogueira (PP-PI) Cristovam Buarque (PPS-DF) Dalirio Beber (PSDB-SC) Dário Berger (PMDB-SC) Davi Alcolumbre (DEM-AP) Edison Lobão (PMDB-MA) Eduardo Lopes (PRB-RJ) Elmano Férrer (PMDB-PI) Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) Flexa Ribeiro (PSDB-PA) Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN) Gladson Cameli (PP-AC) Ivo Cassol (PP-RO) Jader Barbalho (PMDB-PA) João Alberto Souza (PMDB-MA) José Agripino (DEM-RN) José Maranhão (PMDB-PB) José Medeiros (PSD-MT) José Serra (PSDB-SP) Lasier Martins (PSD-RS) Magno Malta (PR-ES) Marta Suplicy (PMDB-SP) Omar Aziz (PSD-AM) Paulo Bauer (PSDB-SC) Raimundo Lira (PMDB-PB) Ricardo Ferraço (PSDB-ES) Roberto Muniz (PP-BA) Roberto Rocha (PSB-MA) Romero Jucá (PMDB-RR) Ronaldo Caiado (DEM-GO) Rose de Freitas (PMDB-ES) Sérgio Petecão (PSD-AC) Simone Tebet (PMDB-MS) Tasso Jereissati (PSDB-CE) Valdir Raupp (PMDB-RO) Vicentinho Alves (PR-TO) Waldemir Moka (PMDB-MS) Wellington Fagundes (PR-MT) Wilder Morais (PP-GO) Zeze Perrella (PMDB-MG)


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