AMABILIDADE URBANA NO BAIRRO DO RECIFE - UMA ANÁLISE DA OCUPAÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS - RECIFE, 2017

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AMABILIDADE URBANA

no Bairro do Recife (2011-2016)

ANDREA DIAS COSTA Recife, 2017





UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO

Andrea Dias Costa

AMABILIDADE

URBANA

no Bairro do Recife (2011-2016)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco,para a obtenção do grau de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo, sob orientação do Prof. Fernando Diniz Moreira.

Recife 2017




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A minha mãe, Jussara, pela paciência e perseverança. Ao meu pai, Fábio, por ter me tornado curiosa e inquieta, como ele. Aos meus irmãos Renato e Érika, pelo companheirismo e lealdade. A Fernando, pela generosidade e suporte na orientação desse trabalho. Aos meus amigos Melina, Maíra, Rafael, Duda, Ciça e Luise pelo apoio e amizade. A Davi, por ter sido meu exemplo ao longo do curso. Em especial, a Melina, Maíra, Rafael e Alice, por estarem tão presentes nos momentos finais. A Mônica Mercês e Renata Caldas, pelas orientações e pelo entusiasmo. A Rafa e Izah Ribeiro, pela inspiração constante. A Artur e Elyne, pelo amor e carinho a qualquer hora. Por fim, um agradecimento especial a cada uma das maravilhosas pessoas que conheci durante esse trabalho no bairro do Recife: estar em contato com tantos mundos diferentes me ensinou mais do que possam imaginar. Muito obrigada!


_______________________________ AGRADECIMENTOS



______________________ RESUMO Este trabalho busca compreender as transformações recentes na forma de fruição dos espaços públicos no Bairro do Recife, a partir da expressão amabilidade urbana, cunhada pela arquiteta e urbanista Adriana Sansão Fontes. A amabilidade urbana é a qualidade que surge da articulação entre as características físicas do lugar, acrescidas de intervenções temporárias que ocorrem sobre este espaço, somadas ainda às pessoas que o utilizam e que através dele se conectam, sendo um conceito formado, portanto, pelas dimensões física, temporal e social. Para nosso estudo, foram investigadas seis manifestações, entre 2011 e 2016, ocorridas nesse local: o skateboarding no Marco Zero; partidas de futebol na Avenida Rio Branco; ilustrações de Grafitti estampadas nos edifícios; a dança na rua, representada pela intervenção Pontilhados; os ensaios de Maracatu de Baque Virado nas ruas; o Som na Rural, plataforma cultural itinerante. Cada uma dessas intervenções é capaz de desencadear a amabilidade urbana, e por essa razão, julgo necessário investigar cada uma delas pelo ponto de vista da arquitetura e urbanismo, compreendendo como é possível estimular novas formas de ocupação, que promovam espaços públicos mais humanos e democráticos.

______________________ ABSTRACT This work seeks to understand the recent transformations on the way public spaces are being used by local population at Bairro do Recife, through the expression urban amiability. Coined by the architect and urbanist Adriana Sansão Fontes, this concept translates the quality that arises from the physical characteristics of the place, plus temporary interventions that take over this space, added to the people who use it and from it connect, being a concept formed, therefore, by the physical, temporal and social dimensions. For this study, there have been chosen six interventions, between 2011 and 2016, in the same neighbourhood: skateboarding in Marco Zero; football matches at Avenida Rio Branco; graffiti drawings stamped on the local walls; street dance, though the play Pontilhados; Maracatu rehearsals on the street; Som na Rural, a cultural itinerant platform. Each one of these is able to release the urban amiability, and therefore, I consider necessary analise them through architecture and urbanism point of view, understanding how it’s possible to stimulate new uses and to promote more human and democratic public spaces.


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// Introdução; _____________________10 cap. 1 |

cap. 2 |

cap. 3 |

O ESPAÇO PÚBLICO________________15 1.1

A Dimensão Sensorial; __________17

1.2.

A Dimensão Física; _____________23

AMABILIDADE URBANA ;____________33 2.1.

Intervenções Temporárias; _______34

2.2.

Condição Efêmera; _____________44

2.3.

Espaços Coletivos; _____________48

2.4.

Amabilidade Urbana ____________51

O BAIRRO DO RECIFE 3.1.

Antecedentes; _________________59

3.2.

Retrato Atual; __________________67


_____________________________ ÍNDICE

cap. 4 |AMABILIDADE URBANA NO BAIRRO DO RECIFE_______91

4.1.

Apropriações Espontâneas; _________________________93 4.1.1. O Skateboarding no Marco Zero: novas velocidades. 4.1.2. O Futebol na Av. Rio Branco: conexão pelo esporte.

4.2.

Arte; ____________________________________________117 4.2.1. O Grafite: transformando a arquitetura local. 4.2.2. Pontilhados: histórias do bairro contadas pela dança

4.3.

Festas; __________________________________________143 4.3.1. Ensaios de Maracatu: a música invade as ruas. 4.3.2. Som na Rural: cultura local itinerante. // Conclusão______________________________________164 // Referências Bibliográficas ___________________168 // Lista de Figuras_______________________170

// Entrevistas (anexo)


___________________________________________ INTRODUÇÃO Os espaços públicos urbanos são os catalisadores das transformações culturais e sociais em uma cidade. No entanto, nas últimas décadas esses locais têm sofrido o efeito negativo da violência e da insegurança, bem como de políticas de desenvolvimento que priorizam o lucro imediato. Como fruto desses processos, diversas cidades tem perdido qualidade em seus espaços públicos, afastando sua população da permanência nas ruas. Assim, a contemplação, a experimentação e a troca cultural entre os indivíduos atividades essenciais em uma cidade - foram comprometidas, cedendo lugar à alta velocidade e ao imediatismo do viver contemporâneo. Felizmente, vêm surgindo, em anos recentes, correntes de resistência à essa crise dos espaços públicos. Em cidades como Copenhague, Nova York e Barcelona, é possível reconhecer diversas intervenções de natureza lúdica e efêmera que propõem reverter esse quadro. Essa tendência, que tem se espalhado por todo o mundo, pode ser vista também na cidade do Recife. Por toda a cidade, é possível encontrar grupos de jovens que se opõem a essa maneira rígida de vivenciar a cidade, propondo novas maneiras de fruição do espaço público. Mas, afinal: quais os benefícios dessas intervenções temporárias? Quais as marcas que deixam para os espaços públicos onde ocorrem? Buscando atender a essas questões, recorrerei ao conceito de amabilidade urbana, cunhado pela arquiteta fluminense Adriana Sansão Fontes, expressão que traduz o legado duradouro, a nova propriedade adquirida por um espaço público, que recebeu a ação de uma uma intervenção efêmera. Em sua obra Intervenções Temporárias, Marcas Permanentes (2013), Fontes apresenta uma análise lúcida acerca desses eventos, demonstrando passo a passo como se dá a amabilidade urbana. Ainda na mesma obra, a autora utilizará uma sistema próprio de classificação das intervenções temporárias, dividindo-as entre apropriações espontâneas, manifestações artísticas e festas locais, fornecendo dois estudos de caso para cada grupo. Assim, a autora apresenta análises de 10


amabilidade urbana para seis casos: três na cidade do Rio de Janeiro, dois em Barcelona e um em Girona. Seguirei a proposta original da autora, enumerando dois exemplos para cada grupo. No entanto, diferente do proposto por ela, escolhi abordar unicamente exemplos de intervenções temporárias ocorridos na cidade do Recife. Para um recorte ainda mais preciso, levei em conta a relação afetiva existente na cidade do Recife com o bairro que carrega seu nome, bem como os novos investimentos que tem surgido recentemente nesse mesmo local. Desse modo, acredito que a análise da Amabilidade Urbana no Bairro do Recife possa fornecer uma boa compreensão das novas relações quem tem surgido tanto nos espaços públicos desse local, como de outros locais da cidade. Serão seis manifestações, divididas em dois grupos. No primeiro grupo [ apropriações espontâneas ] serão analisados o skateboarding na Praça Rio Branco (Marco Zero), praticado por dezenas de jovens diariamente; e as partidas de futebol de rua, incentivadas pela ONG LoveFútbol, que ocorrem toda segunda-feira, na Avenida Rio Branco, recentemente bloqueada para automóveis. No segundo grupo [ manifestações artísticas ] veremos registros de Grafite e como essa arte se consolidou na arquitetura do bairro; e a intervenção Pontilhados, produzido e protagonizado pelos bailarinos do Grupo Experimental de Dança, que conta a história do Bairro do Recife a partir da dança. No terceiro e último grupo [ festas locais ] serão analisadas as apresentações de Maracatu de Rua que ocorrem por todo o bairro, como trabalho de diferentes grupos locais; e o Som na Rural, plataforma de divulgação da cultura local, idealizada e produzida por Roger de Renor. No primeiro capítulo, veremos o tema dos espaços públicos, tanto pelo ponto de vista sensorial, quanto pelo ponto de vista físico. No segundo capítulo, serão estudados os conceitos que culminaram na elaboração da expressão amabilidade urbana e como esse fenômeno ocorre. No terceiro capítulo, será traçado um panorama do Bairro do Recife, desde sua origem no século XVI, até os dias atuais. Por fim, no quarto e último capítulo, elaboro uma análise da

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Amabilidade Urbana no Bairro do Recife, decorrente das intervenções temporárias ocorridas no local. Para auxiliar na elaboração desse trabalho, utilizei como base a obra de Fontes, apoiando-me ainda em autores como William Whyte, Richard Sennett, Jane Jacobs, Jan Gehl, Francesco Careri e Paola Jacques acerca dos espaços públicos e suas transformações. Além disso, foram realizadas entrevistas com figuras populares da cidade do Recife, algumas delas responsáveis pela elaboração dessas intervenções, outras fundamentais para a compreensão do bairro como um todo. Dessa maneira, ao final desse trabalho, será realizada uma análise da amabilidade urbana aplicada à realidade local, a fim de estimular mais atividades lúdicas, interação com a população local e um ambiente mais humano e democrático.

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01_______ O ESPAÇO PÚBLICO A cidade é, por excelência, a grande invenção do ser humano, representando o lugar das trocas humanas e culturais. A relação com a cidade onde vivemos surge a partir dos vínculos que cultivamos com a cultura local, presente em suas ruas, calçadas, praças e parques. Esses lugares, onde temos a oportunidade de nos aproximarmos do outro e conhecer algo além da nossa realidade doméstica, são denominados espaços públicos. O que é, afinal, o espaço público? Qual sua relevância para a cidade contemporânea? Qual sua função para os habitantes dessa cidade? O que classifica um espaço público como bom ou ruim? Como primeiro eixo deste trabalho, busco atender a essas questões, ratificando a importância social desses locais, compreendendo suas diferentes conotações possíveis, desde o âmbito fisico até uma análise subjetiva do termo. Oficialmente, podemos compreender o espaço público como o lugar de propriedade pública, sob controle da administração do poder público. Seria, portanto, um local de responsabilidade do Estado, que teria como obrigação garantir sua manutenção. Sua importância reside na função de dispositivo de manifestação da cidadania, pela população local que o utiliza. Levando em conta sua conotação física, podemos defini-lo como o conjunto de vazios presentes no cenário urbano, onde também é possível encontrar, como em muitos casos, as zonas verdes da cidade. Esses locais são dotados, normalmente, de equipamentos nomeados mobiliário urbano, que têm como função geral promover melhores experiências para seus usuários, além de uma infra-estrutura básica que permita sua habitabilidade, como sistemas eficientes de iluminação, esgotamento sanitário, etc. (ALOMÁ, 2013) Num cenário ideal, esses espaços seriam aqueles onde realizaríamos as mais importantes atividades de nossa existência humana na cidade, entrando em contato com nossos sentidos, com o espaço onde vivemos, e colocando em 15


prática nossos mais íntimos desejos e vontades. Porém, na cidade contemporânea, não é o que ocorre. A violência, o medo, o desrespeito chegaram a um nível crítico nos grandes centros urbanos, extrapolando até os positivos avanços tecnológicos e políticos da sociedade. Este capítulo oferece algumas das teorias mais aceitas na atualidade, acerca da natureza do espaço público, divididas em dois eixos: espaço público sensorial e espaço público físico. Considero necessária esta divisão para facilitar a discussão em um momento posterior desse trabalho, verificando-se sua aplicabilidade em casos concretos de espaços públicos 1. No primeiro eixo, serão discutidos aspectos sensoriais do espaço, por meio de um olhar antropológico, presente desde escritos situacionistas, permeando a obra de Walter Benjamin e outros filósofos - trazidos a esse estudo através da obra de Francesco Careri - bem como provocações em torno da relevância do corpo dentro do espaço público, que vão desde escritos de Richard Sennett até proposições de Oiticica, retratados a partir do olhar de Paola Berenstein Jacques. No segundo eixo, serão analisados os espaços públicos a partir de sua dimensão física. Serão discutidos e comparados os espaços públicos segundo as visões de William Whyte e Jane Jacobs, retomadas ainda na obra de Jan Gehl, que abarca em sua obra diversos conceitos empregados pelos dois autores previamente mencionados.

No terceiro capítulo desse estudo, tendo em vista os tópicos ja abordados neste primeiro capitulo e somados às discussões do segundo capitulo, será realizado um paralelo entre modelos ideais de espaços públicos e casos presentes na área de estudo: o bairro do Recife. 16 1


1.1. A dimensão sensorial do espaço Para compreender a psicologia da rua, não basta gozar-lhe as delicias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espirito vagabundo, cheio de curiosidades mal-sãs e os nervos com o perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flanêur, e praticar o mais interessante dos esportes - a arte de flanar. É fatigante o exercício? (DO RIO, 1908 apud ABRANCHS; PETRIK, 2011)

Partindo de uma visão estética do espaço, aqui compreendendo o termo estético como uma sensibilidade ou harmonia sensorial presente no espaço, podemos iniciar essa compreensão a partir do rompimento da passividade do corpo dente do espaço público, como já sugerido pelos situacionistas, com seu conceito de deriva.

Figura 1:A Deriva de Guy Debord, The Naked City, 1957.

O grupo revolucionário de artistas e pensadores, encabeçado por Guy Debord, caracterizava os espaços públicos como mal-utilizados e empobrecidos em significado. Propunham, assim, a realização de um novo tipo de experimentação, de forma instintiva. Contrários ao funcionalismo que tomara conta do pensamento acerca da cidade moderna, realizaram uma série de ações e manifestos, a fim de estimular novos hábitos e modos de fruição desses espaços. Essas ações representariam uma resistência à passividade da sociedade da época diante do domínio público e foram eternizadas pelos escritos de Debord. (FONTES, 2013; JACQUES, 2008)

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O termo situacionista surge a partir do argumento de que cada pessoa deveria gerar as situações que gostaria de viver em sua própria cidade, extrapolando as funções pre-determinadas pelo planejamento urbano padrão. Um situacionista inventa sua maneira de fruir da cidade, atentando às singelas oportunidades que surgem em seu caminho e modificando seus gestos à medida que caminha pelo espaço. O espaço público dos situacionistas consiste em um espaço fértil para o jogo, para a experimentação. A partir dessa visão, o grupo liderado por Debord defenderia ainda princípios como a psicogeografia - o aprofundamento das relações comportamentos e emocionais do indivíduo diante do espaço públicoe a deriva - andar sem rumo, apropriar-se da cidade a partir de um caminhar não-automatizado: flanear. (JACQUES, 2008) (CARERI, 2015) Nesse trabalho, parto dos mesmos ideais difundidos por Debord, defendendo o retorno ao espaço público e uma relação mais fluida entre eles e os indivíduos que o ocupam. Reafirmo ainda a teoria defendida por Fontes de que, na atualidade, a ferramenta que mais se aproxima dessa ruptura proposta pelos situacionistas, possivelmente seria a das intervenções temporárias, enxergando a efemeridade da era contemporânea como ponto de partida para mudanças efetivas no espaço público. É importante admitir que, embora seja esse um trabalho investigativo no campo da arquitetura e urbanismo, algumas das teorias apresentadas aqui advêm do campo das ciências sociais e até mesmo da filosofia, como é o caso dos pensamentos de Walter Benjamin acerca da cidade moderna. Segundo seu ponto de vista, como foi apresentado por Moreira (2000), os espaços públicos da cidade seriam os locais onde a cultura moderna mais intensamente se manifestaria, representando o símbolo máximo da modernidade. Segundo Benjamin, a modernidade pode ser entendida como o período onde as comunicações se tornam mais eficientes e os fluxos mais intensos. A cultura tradicional se dissolve, formando uma nova cultura urbana, que resulta em novos comportamentos na cidade. A partir de estudos realizados na cidade de Nápoles, como mencionado por Moreira, Benjamin cunhou o termo porosidade. Esse termo sugere a inexistência de uma clara delimitação entre público e 18


privado, entre antigo e novo. Essa permeabilidade, segundo Benjamin, promove oportunidades de improviso e movimentos inesperados, transformando a cidade em uma espécie de teatro (MOREIRA, 2000). Ainda tomando como base as ideias expostas por Walter Benjamin e associando-as aos princípios dos situacionistas já expostos anteriormente, é interessante analisar sua concepção de cidade-labirinto, que surge a partir da própria existência do flanêur, cujos princípios foram inicialmente difundidos por Baudelaire: essa embriaguez anamnésica, que acompanha o flanêur vagando pela cidade, não só se nutre do que é perceptível na rua, mas também se apropria do simples saber dos dados inertes, que passam a ser então algo vivido, uma experiência 2. Figuras 2 e 3: Guide to Getting Lost, The Flaneur Society, 2010.

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A deriva, difundida por Benjamin e pela Internacional Situacionista, pode parecer, ao primeiro olhar, um exercício inócuo. No entanto, acredito que se trate de um poderoso instrumento de transformação urbana, que estimula que Walter Benjamin, Paris, capitale du XIX siècle, 1989, apud Paola Berenstein Jacques, Estética da Ginga (2011, p. 93) 19 2


os usuários sejam também agentes construtores de sua identidade, refletindo-a nos espaços públicos. Da mesma forma, um grupo contemporâneo, entitulado The Flaneur Society, nos Estados Unidos, lançou em 2010 o Guide to Getting Lost, em confirmação à teoria de que esses ensinamentos seguem vivos até os dias atuais (figuras 2 e 3). Seguindo a mesma linha de pensamento, o sociólogo americano Richard Sennett afirma que o ambiente urbano, em virtude de pressões culturais de grupos dominantes que o regem - desde a Grécia antiga até a cidade moderna - interfere não só no desenho urbano, mas ainda no comportamento dos indivíduos no espaço. Criou-se um distanciamento das sensíveis questões presentes na relação corpo e cidade que perdura até os dias atuais, gerando indivíduos passivos à cidade, que se anulam diante de sua atmosfera coletiva a fim de proteger-se. (SENNETT, 1994) Mas como escapar da passividade corporal? O que estimulará a maioria de nós a voltar-se para fora em direção ao próximo, para vivenciar o outro? Esse pensamento, presente em toda a obra do autor, norteia os questionamentos aqui apresentados. Como primeiro ponto, é importante assumir que existe, de fato, uma cultura de isolamento nos dias atuais, decorrente dos temores presentes na urbe e da passividade, como bem aponta Sennett, diante da passagem do tempo. Suas teorias, que descrevem a principio a cidade moderna, se aplicam perfeitamente ao contexto local - cidade do Recife - sobre o qual se debruça esse trabalho. Mas, afinal, como libertar-nos desse comportamento repetitivo, retornando a uma consciência do espaço que nos envolve? Como compreender o que nos trouxe, como indivíduos, a tal condição de dispersão, que nos afasta até mesmo de nós mesmos, dentro de um contexto mais amplo? Em Carne e Pedra, Sennett estuda o comportamento dos indivíduos no espaço urbano de acordo com suas experiências corporais e sensíveis. Sua leitura, inclusive, atinge um caráter erótico - no sentido de gerar atração, desejo dessas interpretações do espaço pelos corpos. Segundo ele, a forma dos espaços públicos nada mais seria do que um reflexo das experiências 20


corporais, individual e coletivamente. Sendo assim, se esses espaços se manifestam de maneira pouco atrativa, algo em nosso comportamento físico precisa ser alterado. É possível que, assim, ressurja a identificação com o lugar que nos cerca. Segundo Richard Sommer, o espaço pessoal refere-se a uma área com limites invisíveis que cercam o corpo da pessoa, e na qual os estranhos não podem entrar. Trata-se de um território portátil que o indivíduo leva consigo, e que, em certas condições, pode reduzir ou mesmo desaparecer, em casos onde este permita. (SOMMER, 1973 apud FONTES, 2013) Seguindo a lógica de Sennett, podemos facilmente identificar esta desconexão entre a identidade de um povo e seu espaço coletivo na atualidade, dentro do contexto brasileiro, como, por exemplo, na proliferação dos shopping centers, tanto no Brasil, quanto no Recife. Como diria ainda Leitão: Seriam os shopping centers, na forma que apresentam e na função que desempenham no Brasil, um efeito da negação da rua, espaço fundamental da vida urbana - seja em seu sentido urbanístico, seja em seu papel na definição da paisagem social - na cidade brasileira? (LEITÃO, 2009, p. 31)

Figura 4: Shopping RioMar, Recife, 2014.

O planejamento do espaço público a partir de uma percepção mais humanizada e levando em consideração hábitos dos indivíduos também foi tema das discussões de William Whyte, principalmente em seu Social Life of Small Urban Spaces (1980), que analisa a vida social de alguns espaços em Nova Iorque. A partir de um acompanhamento desses locais, o autor deu-se conta de sua ineficácia em atender ao que deveria ser sua função primordial: fornecer bons locais de encontro e interação. 21


Whyte conclui que a maneira como nos comportamos em ambiente público evidencia o nível de qualidade de vida que possuímos no âmbito urbano em que nos situamos. As atividades ao ar livre e a boa utilização dos espaços públicos são um forte sinalizador do bem-estar de uma cidade. Trazendo essa constatação para a realidade da cidade do Recife, prontamente vemos posta a problemática: trata-se de um exemplo típico de centro urbano que se rendeu aos encantos da cultura do shopping center, automóveis e condomínios fechados. Com isso, a criação de espaços públicos artificiais, supostamente seguros e confortáveis, leva ainda mais à precariedade dos espaços públicos, como apontado pelo urbanista Jan Gehl. (LEITÃO, 2009; GEHL, 2014) Whyte realizou análises de determinados espaços públicos da cidade, debruçando-se sobre eles durante alguns meses. Realizando fotografias, filmagens e entrevistas, elaborou hipóteses das razões pelas quais determinados espaços não funcionavam como previsto para o uso dos habitantes locais. Sua análise foi capaz de desconstruir diversos pensamentos positivistas em torno da criação de locais de permanência, contribuindo para outras reflexões futuras de profissionais que trabalham no planejamento da cidade e de seus espaços.

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1.2. A dimensão física As cidades têm a capacidade de fornecer algo para cada um de seus habitantes apenas porque - e apenas quando - são produzidas por todos e para todos. (JACOBS, 1961)

Segundo Jane Jacobs, a essência para construção de uma cidade igualitária, que atenda a todos os seus habitantes de forma democrática, encontra-se na atenção dedicada ao domínio público dos centros urbanos. A razão para isso, de acordo com a autora, reside no fato de que toda socialização urbana ocorre nas ruas, calçadas, praças e largos de uma cidade. (JACOBS, 1961) No consagrado Morte e Vida das Grandes Cidades, a jornalista questiona o já consolidado modelo de planejamento urbano das cidades modernas dos Estados Unidos, através de uma lógica que se aplicará perfeitamente a outras cidades fora do país, como as cidades brasileiras. Reforçando a necessidade de lançar um novo olhar a esses locais, Jacobs propõe outro tipo de planejamento, a partir de um reconhecimento empírico de seus espaços públicos e opinião crítica às políticas tradicionais. Na primeira parte de seu livro, a autora tece seus primeiros diagnósticos a respeito dos espaços públicos, sinalizando suas deficiências, não por meio de uma análise de cima para baixo - modelo fortemente criticado por Jacobs, ao longo de sua obra - e sim, através de um olhar humanizado, desde o ponto de vista do transeunte. Um de seus conceitos mais difundidos foi o de olhos da rua, amplamente reproduzido até os dias atuais. Com essa expressão, a autora visa alertar para a ilusão que criou-se em torno da solução contra a violência urbana (policiamento e vigilância 24 horas), alegando que nada mais protege as pessoas, do que as próprias pessoas. A solução para o problema da violência urbana seria, assim, através de mais presença humana, possível a partir da intensificação do mix de usos, que geram atividade, trazendo mais pessoas às ruas. (JACOBS, 1961) 23


Ainda tratando de definir o espaço público, podemos entendê-lo, também, como um conjunto dos locais onde não há domínio particular ou loteamentos privados. Comumente, são áreas destinadas à circulação (ruas, becos, avenidas), além de recreação, lazer e estar (praças e parques). Tais espaços contribuem para a melhoria da qualidade no ambiente urbano, favorecendo, como afirmado pelo urbanista dinamarquês Jan Gehl, a funcionalidade e a melhoria das condições ambientais e sanitárias, além de proporcionar boas condições de convívio e atributos estéticos ao lugar. São, portanto, considerados como pontos de encontro, configurando-se como locais onde as pessoas têm livre acesso, podendo exercer diversas funções. As áreas públicas centrais apresentam, em sua maioria, características comuns de uso, como acessibilidade, transparência, conforto e permanência. As praças e largos são locais de convívio que podem contribuir para a formação e confraternização da sociedade, representando espaços importantes para manifestações culturais, sociais e políticas. Esses espaços nasceram da necessidade de locais para abrigar as festividades, encontros, atividades de troca e etc, tratando-se de lugares de fácil acesso para a sociedade realizar as mais variadas funções. Defensor de um desenho urbano que atenda aos principais interesses populares, Gehl formula uma série de conceitos a fim de promover a composição ideal dos espaços públicos. Seus conceitos são encontrados separadamente ao longo de sua obra, posteriormente condensados ao final de sua obra, através da formulação de doze conceitos-chave, divididos em três grupos: proteção, conforto e prazer. (GEHL, 2010, p. 239). Como primeiro grupo, Gehl avalia a questão da proteção nos espaços públicos. O ponto 1 do autor anuncia sua preocupação com a segurança no tráfego. Normalmente, cidades abarrotadas de carros não estão devidamente abastecidas pelo transporte público. Portanto, para atingir um nível mínimo de 24


segurança do tráfego, faz-se necessário criar condições adequadas são só para os motoristas, mas para todos os modais - com ênfase no pedestre-, para que essa seja uma livre escolha do usuário. Como ponto 2, além de razões relativas à própria mobilidade, a preocupação com o pedestre envolve ainda outra questão, que é a sensação de insegurança diante do crime e violência urbanos, que pode ser amenizada pelo mix de usos e boa iluminação urbana. O ponto 3 diz respeito à proteção contra experiências sensoriais desagradáveis, que abrangem não só condições climáticas, mas também o ruído, na análise de Gehl. Quando não são fornecidos abrigos para condições desse tipo nos espaços públicos, torna-se justificável seu esvaziamento. Acrescento ainda, a esse terceiro ponto sugerido pelo autor, as visões desagradáveis, capazes de gerar outro tipo de angústia, como no caso de alguns bairros do Recife, onde o isolamento promovido pelos grandes edifícios gera imensos muros que, além do próprio medo de estar na rua, promovem ainda mal-estar visual. O segundo grupo retratado por Gehl abrange a temática do conforto. Apesar de tratar-se de um tema já incluído, de alguma forma, nos itens do grupo anterior, os pontos agora retratados fazem jus às oportunidades que o usuário terá de realizar suas atividades no ambiente urbano. Assim: O ponto 4 de sua teoria fala da importância de fornecer bons espaços de caminhada. A preocupação com a formulação desses locais - os materiais, inclinações, dimensões mínimas, desenhos de fachadas etc. - é fundamental para sua qualidade espacial. Para cada caso e cidade, existirão alternativas adequadas. Os pontos 5 e 6 surgem atrelados: oportunidade para a permanência em pé e para sentar-se. Apesar da freqüência com que se move pela cidade, em algum momento o usuário necessitará de pausas. Trata-se, por exemplo, de incluir pequenos suportes, espalhados pela cidade, que promovem esse instante de repouso, além, como já foi dito anteriormente, de sombra, bom tratamento de piso, fachadas dinâmicas etc. Por sua natureza semelhante, esses pontos, provavelmente, poderiam ser vistos como um só. Os pontos 7, 8 e 9 fazem jus às oportunidades para ver, ouvir, conversar, brincar e praticar exercícios físicos. 25


Mesmo consciente da natureza dinâmica do ambiente urbano, como já foi dito no parágrafo anterior, é preciso promover locais de pausa. É preciso ainda analisar a eficácia desses espaços, garantindo que sejam, de fato, bons lugares para a interação humana. A presença de mobiliário adequado, o controle do nível de ruído,a presença de atrações nos espaços públicos, além de usos de comércio e lazer, são todos aspectos que deverão estar presentes. O terceiro e último grupo definido por Gehl faz jus ao prazer. Primeiramente, o autor demonstra sua preocupação com o aproveitamento do espaço, desde suas condições climáticas ao bom dimensionamento das ruas. Assim, o ponto 10 traz, possivelmente, a maior preocupação do autor ao longo de sua obra: a preocupação com a escala humana. O autor buscou analisar se as vias, edifícios, parques e calçamentos preocupam-se com estes indivíduos e suas experiências. Sendo assim, se isso reflete-se positivamente na forma como os indivíduos se comportam no espaço público, existe um bom trabalho de escala humana. Já os pontos 11 e 12 surgem como itens indispensáveis: oportunidades de aproveitar o clima e experiências sensoriais positivas. Esses dois últimos pontos de Gehl refletem observações que o autor já explicara anteriormente, nos pontos 3 (proteção contra experiências sensoriais desagradáveis) e 6 (oportunidades para sentar-se). Assim, de maneira resumida, temos:

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1. Proteção no tráfego;

2. Proteção contra sensação de insegurança diante do crime e violência urbanos;

3. Proteção contra experiências sensoriais desagradáveis;

4.

Oportunidade para caminhar;

5. Oportunidade para permanecer de pé;

6. Oportunidade para sentar-se;

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7. Oportunidades para ver;

8. Oportunidade para ouvir e conversar;

9. Oportunidade para brincar e praticar exercícios físicos;

10. Escala Humana.

11. Oportunidades de aproveitar o clima

12. Experiências sensoriais positivas.

Figuras 5-16: Exemplos de espaços públicos adequados, Pessoas, 2013. 28

GEHL, Cidades para


A partir da explanação de cada um dos pontos, acrescida das observações realizadas, proponho portanto uma revisão dos pontos mencionados pelo autor, defendendo que seria possível condensá-los em cinco: Segurança no tráfego / Prevenção contra Crimes / Espaços para caminhada / Espaços para pausas / Oportunidades para interação humana e experimentação sensorial. Estes cinco itens se resumiriam ainda num só ideal: a preocupação com a escala humana. 1. 2. 3. 4. 5.

segurança no tráfego proteção contra criminalidade espaços para caminhada espaços para pausas e interação oportunidades sensoriais

ESCALA HUMANA

Por fim, tomando como base tanto o aspecto sensorial quanto a dimensão geográfica dos espaços urbanos coletivos, é possível perceber que existe uma real demanda por habitantes humana, tanto no sentido de seres que frequentem ativamente o espaço, quanto na concepção de seres que permaneçam naquele local, como residentes. Várias cidades ao redor do mundo têm feito progressos notáveis em termos de recuperação e requalificação de seus espaços públicos. Isso inclui uma lista enorme de casos a serem citados, mas poderia ser dado um destaque às cidades de Copenhague, que desde os anos 60 tem se requalificado e mais recentemente, o caso na Times Square, em Nova York, de 2000 até os dias atuais.

Figura 17: Times Square, New York, antes e depois da reforma de Gehl.

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//// Diante das teorias aqui discutidas, é possível notar o grau de relevância do domínio público, que há décadas tem sido objeto de preocupação entre planejadores urbanos, arquitetos, políticos, economistas, empresários e demais agentes da sociedade. O espaço público representa, portanto, o local para onde convergem todas as teorias e conceitos apresentados. Países com boa qualidade de espaços públicos trazem exemplos da importância desses locais para a troca de experiências e construção coletiva de um modelo de cidade justo e inclusivo. Em diversos casos, os próprios governantes se mesclam à sociedade civil dentro das vivências no território urbano, partilhando inclusive os meios de transporte: existe maior equilíbrio nos direitos de ir e vir de todos os cidadãos. A participação do poder público é fundamental para a articulação dos diversos interesses presentes nas cidades, e as diferenças dentro da própria sociedade interferem diretamente nos espaços públicos, tanto na dimensão física quanto na dimensão sensorial. Assim, a exigência por melhores condições do domínio publico é um papel que parte de ambos os lados. Assim, é possível afirmar que cidadania e espaço público surgem como conceitos atrelados um ao outro. As transformações no espaço público não são de baixo pra cima nem de cima para baixo: é um processo horizontal. Um palco com seus atores. Não se faz cidade se for apenas para uma parte da população.3 Hoje em dia, a gente vê a cidade como uma projeção de cinema, uma fita, através da janela do carro: é um simulador. E todos os problemas da cidade só são percebidos quando se está na rua.4

3

LEITÃO, Lúcia. Arquiteta e urbanista, em entrevista realizada no dia 29 de abril.

4

CUNHA, Francisco. Arquiteto e urbanista, em entrevista realizada no dia 28 de abril. 30


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AMABILIDADE URBANA [ Intervenções Temporárias + Condição Efêmera + Espaços Coletivos ]

Nos últimos anos, tem sido notável a revolução nas formas de ocupação do espaço público: a dureza do funcionalismo na metrópole contemporânea tem impulsionado diretamente a busca por situações de alívio dentro do próprio cotidiano e ampliando os espaços de debate nos dias atuais. No capítulo anterior, foram debatidas algumas questões referentes ao espaço público, enveredando ainda por um cenário de crise diante da realidade moderna. Neste capítulo, já não mais será analisado esse declínio, e sim o potencial de reversão diante dele. Em sua obra Intervenções Temporárias, Marcas Permanentes (2013), a arquiteta Adriana Sansão Fontes destaca a força implícita nesses movimentos efêmeros de apropriação de espaços públicos, tomando como base eventos de dimensão intermediária que ocorrem nesses locais. Assim, o objetivo deste capítulo é pontuar, à luz dos conceitos empregados por Fontes, como se dão as transformações por meio das intervenções temporárias e quais seus efeitos colaterais no espaço onde ocorrem. Desse modo, para sua análise, a autora parte de quatro tópicos básicos: intervenções temporárias/ condição efêmeras/ espaços coletivos/ amabilidade urbana. Essa última expressão é o resultado do processo de transformação de um local, após a ocorrência de uma intervenção temporária, representando a grande contribuição de Fontes ao debate acerca dos espaços públicos na atualidade e a expressão que entitula o presente trabalho. Seguirei, portanto, a lógica e o ordenamento de Fontes, dividindo este capítulo entre os quatro conceitos trabalhados, de forma a explaná-los isoladamente, até atingir o principal aspecto definido pela autora: a amabilidade urbana. Assim:

Intervenções Temporárias + Condição Efêmera + Espaços Coletivos =

AMABILIDADE URBANA Figura 18: Esquema de Manifestação da Amabilidade Urbana.

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2.1 Intervenção Temporária: o evento

Diferentemente dos usos cotidianos na cidade, as intervenções são ações que contém a intenção de transformação do espaço, são o que Henri Lefebvre (2004) denomina como 'os instantes de ruptura e iluminação que revelam as possibilidades transformadoras do cotidiano’ 1. Elas funcionam, nesse sentido, como motores de relações de proximidade e intimidade, tanto com o próprio espaço, quanto na relação entre os indivíduos [amabilidade], atuando reativamente contra esse desfavorável estado de alienação pura. (FONTES, 2013, p. 69)

A fim de delimitar precisamente a natureza das intervenções temporárias que iria abordar, Fontes utilizou oito características-chave, que definem quais os atributos que deverão, necessariamente, estar presentes em todas as ações. A escolha pelos quatro termos se deu à luz de quatro fontes de análise distintas [ Everyday Urbanism / Event Places / Post-it City / Temporary Urbanism] , que serão explanados progressivamente ao longo desse sub-capítulo e sustentam sua análise de amabilidade urbana. São elas:

Figura 19: As oito dimensões-chave da intervenção temporária.

1

Referência a: Lefebvre, Henri (1992). Rhythmanalysis: Space, Time and Everyday Life. Londres: Continuum, 2004. 34


EVERYDAY URBANISM / EVENT PLACES

1. Transitória, 2. Pequena, 3.Particular

Utilizando como ponto de partida a expressão Everyday Urbanism (equivalente a urbanismo cotidiano), cunhada por Crawford, Fontes buscou abordar as "diversas atitudes diante da cidade, que contemplam a vitalidade do cotidiano, aproveitando as potencialidades existentes e encorajando o uso dos espaços de forma alternativa, empírica” (CRAWFORD, 1999, apud FONTES, 2013). Segundo Crawford, são essas experiências empíricas que formulam a cidade, mais até do que o desenho formal da cidade (espaço construído). É possível perceber, inclusive, um alinhamento com o pensamento de William Whyte, que defendia a interpretação do espaços segundo os hábitos cotidianos das pessoas, antes de arriscar-se a produzir novos espaços ou ainda reformar os que já existem. Trata-se de um olhar tático acerca da ação transitória (FONTES, 2013, p. 50). Como segunda fonte e dando sequência à sua investigação, Fontes apropriase do termo Event Places, utilizado por Sabaté, Frenchman e Schuster, que define os espaços públicos nos quais as características culturais e significativas das cidades se encontram, sejam elas de forma física ou abstrata - através da identidade, cultura ou história. Os autores fazem uma análise da relação entre lugar e evento, defendendo que exista uma relação simbiótica entre eles, que aponta particularidades nesses acontecimentos. De acordo com eles, eventos memoráveis, ainda que em pequena escala, são capazes de registrar marcas duradouras nos lugares específicos onde ocorrem, transformando lentamente a configuração urbana desse local. (FONTES, 2013, p. 52)

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Figura 20: Everyday Urbanism: ComĂŠrcio informal no Bairro do Recife.

Figura 21: Event Places: Som na Rural recriando a atmosfera da Rua da Aurora.

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POST-IT CITIES

4. Subversiva, 5. Ativa. Como terceira fonte, Fontes recorre a La Varra e suas Post-it Cities (em uma tradução livre: cidade ocasional). Esse metáfora com os blocos de papel utilizados para recados rápidos foi a forma encontrada pelo autor - e por outros, que utilizariam o termo tempos depois -

de definir a rede fragmentada e

temporária de estruturas funcionais que ocupa os interstícios do tecido urbano e promove a escrita temporária de seus espaços públicos (FONTES, 2013. p. 52). Como um texto cheio de ‘post-its’, a cidade contemporânea está ocupada temporariamente por comportamentos que não deixam rastro - como tampouco o deixam ‘post-its’ nos livros - que aparecem e desaparecem de modo recorrente, que têm suas formas de comunicação e de atração, mas que cada vez são mais difíceis de ignorar (LA VARRA, 2008, apud FONTES, 2013)

A imagem de um post-it pode ser associada, portanto, à espontaneidade e informalidade, devido à maneira como se disseminam no espaço. Numa escala de cidade, isso estaria representado pelas ocupações temporárias nos espaços públicos, de forma subversiva ao funcionalismo a que estão submetidos normalmente. Do mesmo modo, essa ocupação via post-its sugere uma dimensão ativa, um impulso lúdico, capaz de re-descobrir e ressignificar lugares e poetizar o espaço urbano. Assim, as intervenções temporárias seriam, de certa forma, uma imagem desses post-its, sendo capazes de colocar o espaço em ação, movimentando-o.

Figuras 22 e 23: Post-It City: Home Street Home, intervenção de Laura Marte, Barcelona. 37


Fontes utiliza como exemplo de Post-it City - ou cidade ocasional - a instalação artística Home Street Home, da artista plástica Laura Marte, ocorrida em diversas ruas de Barcelona em 2007. A instalação trabalha com as inúmeras possibilidades de interação social espontânea, decorrentes da presença de móveis velhos nas calçadas da cidade. Esses objetos, que eram descartados uma vez por semana entre oito e dez da noite, tornavam-se, nesse intervalo ,mobília para um espaço efêmero, que se moldavam de acordo com os desejos da artista, antes que fossem recolhidos pela prefeitura. Essa brincadeira, capaz de diluir a fronteira entre o útil e o obsoleto, entre o privado e o público, durante algumas horas, pode ser considerada um exemplo de intervenção temporária que deixa marcas invisíveis no espaço público, segundo Fontes. Robert Kronenburg diria que a utilização não-oficial de determinados espaços chama a atenção sobre o valor dos mesmos e os conduz a investimentos e melhorias mais formalizadas. Portanto, é possível afirmar que essas ações efêmeras e subversivas são, de fato, capazes de despertar um novo sentido aos locais onde ocorrem. (KRONENBURG, 2008 apud FONTES, 2013) Além da própria atitude subversiva, a intencionalidade é outro ponto indispensável para classificar uma intervenção temporária, como já foi dito anteriormente: é preciso que as ações sejam movidas por anseios estéticos e transformadores da maneira de se utilizar os espaços públicos, por trás das ações executadas. Desse modo, o urbanismo cotidiano e a cidade ocasional contribuições de Crawford e La Varra, respectivamente - passam a divergir do foco de interesse de Fontes, uma vez que os conceitos proferidos pelos autores abrangem também ações movidas por interesses comerciais e econômicos, onde a intenção de transformação social não é exatamente o foco de atuação (FONTES, 2013, p. 56).

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TEMPORARY URBANISM

6. Interativa, 7. Participativa, 8. Relacional Fontes se utiliza ainda de uma quarta fonte: Robert Temel e o temporary urbanism (urbanismo temporário). Trata-se de um autor que baseou-se no everyday urbanism de Crawford - que abrangia um contexto urbano norteamericano - adaptando seu trabalho para sua realidade europeia. Para Temel, o grande mérito das intervenções temporárias é seu poder de contaminar outras pessoas (FONTES, 2013, p. 56). O autor afirma ainda que, em oposição aos grandes planos, o temporário oferece a possibilidade de se aprender com os erros e trilhar novos caminhos facilmente, devido a sua escala reduzida de ação. Usos e ocupações temporárias são vistos no debate atual, portanto, como ferramentas de potencialização, revelando novas possibilidades dos espaços. Atuam na forma de autoobservadores da sociedade, pois, por estarem à margem do planejamento urbano, ocupam ou se apropriam de áreas que por alguma razão estão vazias (…) para a revitalização das áreas residuais e dos espaços ociosos da cidade, movimento com potencial elástico, que permite o contínuo fazer e desfazer. (FONTES, 2013, p. 56)

Temel acrescenta ainda sua definição de temporário: para ele, trata-se de um conceito localizado entre o efêmero e o provisório. Enquanto o efêmero é algo que se esvai facilmente e não pode ser prolongado, o provisório é normalmente tratado como uma solução de curto prazo, susceptível à permanência prolongada, no caso de que não haja uma solução de melhor qualidade. Assim, o temporário representaria algo de curta duração - tal qual o efêmero - porém sem a conotação de substituto precário - tal qual o provisório. Para o autor, o urbanismo temporário é passível de ser aplicado ao mesmo tempo que o planejamento urbano formal. Desse modo, enquanto se aguarda a aplicação de um plano definitivo, designado pelo urbanismo tradicional, é possível realizar experimentações, que permitiriam até uma pré-transformação do espaço, como uma espécie de teste motivado pelo do it yourself ( faça você mesmo).

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Figura 24: Temporary Urbanism: Intervenção As Portas, no Central Park, NY.

Dando continuidade ao ordenamento proposto por Fontes, existe ainda o aspecto relacional. Como sugere o nome, consiste no aspecto das relações sociais que surgem diante da ação das intervenções temporárias. Nesse momento, acrescento à sequência delimitada por Fontes, para acrescentar ainda outra expressão: Urbanismo Tático. Muito similar ao temporary urbanism, o urbanismo tático consiste numa estratégia de ação com base na experimentação espacial, com o objetivo de empregar soluções que beneficiem os usuários do espaço público, porém também de ordem funcionalista, não apenas lúdica. Desse modo, é possível admitir que a participação na construção das situações subversivas é um forte componente para as intervenções temporárias. Segundo a arquiteta e urbanista Circe Monteiro: O urbanismo tático é você construir com as pessoas, prototipar um espaço, fazer análises. Você pode ver esses movimentos por vários olhares: do ponto de vista do urbanismo (formal), são sempre soluções temporárias, não-duradouras, às vezes menosprezadas justamente por conta disso. E tem esse outro lado, da criação de uma consciência, uma possibilidade de criação de um espaço que não existe ainda, que é um “vir-a-ser”, mas que agora você ja enxerga como algo que possa acontecer. Assim, você cria uma série de sementes que desabrocham num determinado momento. Ou seja: uma pessoa que atuou aqui, ali, de repente sai e ela propõe alguma atividade.2

2

MONTEIRO, Circe. Arquiteta e urbanista. Entrevista realizada em 12 de abril de 2016. 40


Entre os Usos Cotidianos e os Grandes Eventos Fontes reconhece que todo e qualquer acontecimento, seja de uso cotidiano ou um grande evento, representa necessariamente uma ação temporária. No entanto, em sua pesquisa, foram levados em consideração apenas os eventos de porte intermediário, que embora não promovam transformações imediatas perceptíveis, podem, segundo ela, ser sementes de novos processos de transformação no futuro. O diferencial entre a intervenção temporária e os usos cotidianos consiste na intencionalidade de que haja uma transformação naquele espaço após sua ocorrência. Afinal, as intervenções são justamente cortes na continuidade das ações cotidianas. Já as diferenças entre as intervenções temporárias e os grandes eventos, consistem, em primeiro lugar, na própria dimensão desses eventos; em segundo lugar, diferem no quesito da participação, onde nos grandes eventos, os indivíduos atuam unicamente como espectadores, e nas intervenções temporárias, a participação dos indivíduos é pré-requisito.

Figura 25: Intervenções Temporárias: entre os usos cotidianos e os grandes eventos.

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Apropriações Espontâneas, Arte e Festa na Cidade Contemporânea Tendo sido apresentadas as oito características-chave das intervenções temporárias (transitórias, pequenas, particulares, subversivas, ativas, interativas, participativas e relacionais), bem como sua escala (situada entre os usos cotidianos e os grandes eventos), Fontes define ainda os três tipos de intervenção temporária que trabalhará ao longo de sua obra: Apropriações Espontâneas/ Manifestações Artísticas/ Festas Locais. A escolha pelos 3 grupos se deu pela compreensão de que, em cada um deles, todas as dimensões que Fontes desejava abordar em sua pesquisa estariam presentes. Cada um dos eixos de análise é capaz de gerar, à sua maneira, uma ruptura no tempo-espaço do cotidiano, contribuindo assim para a criação de novos espaços de convivência, dentro dos espaços públicos que já existem. Desse modo, em sua obra, a autora utilizou dois casos para exemplificar cada tipo de intervenção temporária, totalizando seis casos. O primeiro grupo abrange as apropriações espontâneas, que promovem uma nova maneira de fruição do espaço público, através de comportamentos antagônicos à cidade pré-formulada e estandardizada, onde todos possuem funções definidas a cumprir. As apropriações espontâneas representariam, assim, casos em que os corpos dos indivíduos sugerem empiricamente movimentações criativas no espaço público. Para esse grupo, Fontes aborda o caso do Skateboarding, tanto na praça XV (Rio de Janeiro), quanto na praça do MACBA (Barcelona).

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Figura 26.: Skateboarding na Praça XV, Rio de Janeiro.

Figura 27: Skateboarding na Praça do Macba, Barcelona.

O segundo grupo retrata as manifestações artísticas de caráter autoral e dimensão reduzida, como já mencionado por Fontes. Essas ações representam uma resistência à espetacularização e devem agregar a qualidade de manifestação sitespecific, ou seja: devem utilizar elementos culturais inerentes ao local onde ocorrem, de modo a transmitir uma mensagem especifica àquele espaço público determinado. Pallamin sinaliza as inúmeras potencialidades na relação entre arte e espaço público: a arte urbana possui o papel de confrontar a estandardização da cultura, representando uma resistência ao tratamento desta como uma mercadoria (PALLAMIN, 2002 apud FONTES, 2013). Para esse grupo, Fontes aborda o Arte de Portas Abertas (Rio de Janeiro) e Girona em Flor (Girona).

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Figura 28: Festival Arte de Portas Abertas, no bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro. Figura 29: Festival Girona em Flor, na cidade de Girona, Espanha.

O terceiro grupo trabalhado por Fontes é o das festas locais, que utiliza um sentido abrangente do termo, desde que os eventos se encaixem na dimensão intermediária já delimitada pela autora. Esses eventos devem ser produzidos por agentes locais, da sociedade civil, distanciando-se do modelo de festa realizado pelo poder público. Segundo Adriá-Pujol (2007) apud Fontes (2013), são as festas que dão a congruência necessária ao espaço público, normalmente caracterizado por frágeis tentativas de

promover socialização

entre os indivíduos durante os usos cotidianos. A festa da Penha (Rio de Janeiro) e a A festa de Gracia (Barcelona)

Figura 30: Festa da Penha, no bairro da Penha, Rio de Janeiro. Figura 31: Festa de Gracia, no Bairro de Gracia, Barcelona.

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2.2 Condição Efêmera : contexto temporal

Interessa-me buscar o avesso dessas previsões, o efêmero como sinal de liberdade e válvula de escape para o indivíduo. Afinal, seria a transitoriedade algo tão desfavorável? Já diria Castello3 que, transformada em um valor positivo, a hipervelocidade pode revelar sua potência, e que, no lugar do conhecimento pronto e transmitido como norma, podem surgir a inquietação e a imaginação. (FONTES, 2013, p. 12)

Ao sinalizar a condição efêmera da sociedade como um dos fatores condicionantes para as intervenções temporárias e para a consequente manifestação da amabilidade urbana, Fontes defende que essa efemeridade é justamente o reflexo do momento contemporâneo nas cidades, devendo ser fortemente levado em consideração. Assim, à maneira de como investigou as características inerentes às intervenções temporárias, a autora buscou ainda analisar quais os fatores que caracterizam esse contexto temporal. O objetivo de sua análise, que se ancora em diversos autores no campo da sociologia, é destacar os principais conceitos, dentro da efemeridade, que auxiliem na compreensão da amabilidade urbana no cenário urbano. Fontes alega que, apesar da existência de aspectos negativos no cenário contemporâneo - sensação de hostilidade, individualismo, relações superficiais - dentro dessa condição de impermanência é possível enxergar novas e positivas formas de engajamento. As intervenções temporárias, que ocorrem dentro dessa condição passageira, leve e libertária, funcionam como catalisadoras das relações entre espaço e indivíduo, tanto quanto dos indivíduos entre si, trazendo enormes benefícios ao espaço público, representados principalmente pela questão da amabilidade. Para esse contexto temporal, a autora enfatiza as contribuições de alguns autores: Lipovetsky (1989), Harvey (1993), Lefebvre (1999), Sennett (1997), Bauman (2001) Ascher (2002) e Augé (1994). Busco nesse momento sintetizar as contribuições dos autores investigados por Fontes, de modo a extrair a

3 A autora

refere-se ao jornalista José Castello, em artigo do caderno Prosa e Verso de O Globo de 03/03/2007. 45


essência estruturadora de suas respectivas obras, que deverão ser de grande utilidade para as seções seguintes desse estudo. Segundo Lipovetsky, a sedução e o efêmero tornaram-se, em menos de meio século, os princípios organizadores da vida coletiva moderna ou ainda como um sinal de liberdade e válvula de escape do indivíduo. Desse modo, o autor defende que o efêmero possa ser enxergado como uma ferramenta dos novos tempos, trabalhando a favor da sociedade atual (LIPOVETSKY, 1989 apud FONTES, 2013, p. 72). Harvey contribui para esse pensamento, ao enunciar que a aceitação pósmoderna do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico se deve à impossibilidade de lidar racionalmente com o profundo caos da vida moderna. Essa condição pós-moderna é entendida pelo autor como um momento onde existe maior compreensão das diferenças, e uma abertura para a co-existência de um grande número de mundos possíveis, fragmentários em um mesmo espaço. ( FONTES, 2013, p. 73) Fontes recorre ainda à observação de Sennett (1997) de que os sentidos dos indivíduos da pós-modernidade encontram-se enfraquecidos, e seus corpos passivos se mostram insensíveis ao mundo real. Esse fato se deveria, em grande parte, à alta velocidade dos dias atuais. (…) Hoje, como o desejo de livre locomoção triunfou sobre os clamores sensoriais do espaço através do qual o corpo se move, o indivíduo moderno sofre uma espécie de crise táctil: deslocar-se ajuda a dessensibilizar o corpo. Esse princípio geral vem sendo aplicado a cidades entregues às exigências do tráfego e ao movimento acelerado de pessoas, cidades cheias de espaços neutros, cidades que sucumbiram à força maior da circulação. (SENNETT, Carne e Pedra, 1997, p. 214)

Segundo Fontes, as certezas modernas foram pouco a pouco substituídas pelas apostas pós-modernas que representam o momento atual, onde a imagem do indivíduo se parte em uma coleção de instantâneos. Aponta ainda que existe, no momento atual, uma espécie de revalidação do caráter nômade, que deixou de ser visto como algo negativo (errante ou marginal), passando a ser entendido agora como uma expressão de autonomia e liberdade, refletindo 46


os tempos líquidos da pós-modernidade. Desse modo, a cidade atual deverá adaptar-se a esse novo comportamento transitório, móvel e inconstante dos indivíduos. (FONTES, 2013, p. 73) A questão da velocidade também foi discutida por Fontes através do pensamento de Ascher (2002), que atribuía às novas formas de mobilidade a razão para as modificações na maneira de configurar o espaço urbano. Segundo ele, a arquitetura e a estética dos espaços urbanos passam a ser vistas diferentemente, conforme a velocidade de deslocamento, que se tornaria o principal meio de enfrentar as necessidades urbanas em evolução. Nesse momento, retorno ao pensamento de Gehl (2010), a respeito da velocidade na composição dos espaços: A arquitetura de 5km/h baseia-se numa cornucópia de impressões sensoriais os espaços são pequenos, os edifícios mais próximos e a combinação de detalhes, rostos e atividades contribui para uma experiência sensorial rica e intensa. Ao dirigirmos um carro a 50, 80, 100km/h, perdemos a oportunidade de observar detalhes e pessoas. A tais velocidades, os espaços precisam ser grandes e gerenciáveis, e todos os sinais têm que ser simplificados e ampliados, para que os motoristas absorvam a informação. (GEHL, Cidades para Pessoas, 2010, p.44)

Segundo Augé, em substituição ao termo pós-modernidade - que representaria apenas uma ruptura momentânea- os novos tempos deveriam ser chamados de supermodernidade. O autor alega que as transformações advindas da alta velocidade da super-modernidade afetaram as grandes categorias através das quais o homem constrói sua identidade: o tempo ( aceleração e multiplicação dos acontecimentos), o espaço (mudança dos parâmetros de escala) e o ego (individualização das experiências). (AUGÉ, 1994 apud FONTES, 2013) Nesse momento, Fontes recorre novamente a Crawford (1999), alegando que o urbanismo formal não encontrou ainda uma maneira de incorporar plenamente esse dinamismo dos dias atuais, essa ordem efêmera da cidade construída na prática, sempre tolhendo essas novas manifestações presentes da cidade existente, em prol de soluções genéricas (FONTES, 2013, p. 80). Por fim, Fontes sintetiza a argumentação de cada um desses autores, reduzindo-os ao formato de conceitos de ordem temporal. Esses conceitos 47


auxiliam na compreensão e ate mesmo na previsão para projetos futuros de espaços públicos, de modo que esses abarquem essas novas características inerentes ao contexto contemporâneo. Para abarcar as ideias de aceleração e de instantaneidade - que demonstram a rapidez para elaborar intervenções temporárias - a autora escolhe o termo dinamismo. Já para referir-se às praticas efêmeras e nômades - dentro de sua propriedade de fazer-desfazer - a autora elege o termo reversibilidade. A fim de classificar essa oposição à rigidez da cidade formal, a autora empregou os termos flexibilidade e imprevisibilidade. Já para sinalizar a fluidez da cidade contemporânea - que, apesar de fragmentada, possui uma ampla rede de fluxos conectores - a autora escolhe o termo conexão. Desse modo, podese dizer que a condição efêmera encontra-se apoiada nesses cinco pilares, como retratado no esquema abaixo.

Dinamismo Reversibilidade

Condição Efêmera

Flexibilidade Imprevisibilidade

Figura 32: Os cinco conceitos-chave extraídos da condição efêmera da contemporaneidade.

Conexão

2.3 Os Espaços Coletivos: Contexto Físico

O espaço público hoje é um conjunto de comportamentos que cristalizam em um lugar que não tem necessariamente uma natureza jurídica pública, embora tenha a capacidade de oferecer a seus habitantes potenciais o marco para um ato de compartilhar coletivo, mesmo que temporário. (LAVARRA, 2008 apud FONTES, 2013) As ruas são o apartamento do coletivo. O coletivo é um ser constantemente em movimento, sempre agitado, que vive, experimenta, conhece e inventa tantas coisas entre as fachadas dos imóveis quanto o faz o indivíduo no abrigo de suas quatro paredes. ( BENJAMIN, 1989 apud JACQUES, 2011) 48


Uma vez explanado o objeto de estudo - intervenções temporárias - e seu contexto temporal de atuação - condição efêmera - chegou o momento de explorar as características principais que compõem seu contexto fÍsico de atuação - os espaços coletivos. A justificativa para utilização do termo coletivos (no lugar de públicos) dá-se pelo fato de que as intervenções podem ocorrer não só dentro do domínio público (no sentido de propriedade pública), mas também dentro de espaços residuais, áreas vazias inativas e outros locais não necessariamente públicos. Os espaços coletivos podem ser vistos como todos os lugares onde a vida coletiva se desenvolve, representa e recorta, e que podem ser públicos e privados ao mesmo tempo, descartando assim a clássica denominação de espaço publico, uma vez que interessa refletir sobre as fronteiras e interfaces entre ambos. Em suma, Fontes define que o espaço coletivo é o espaço público na contemporaneidade (FONTES, 2013, p. 112). Ante tal definição, é importante ainda recordar que outras terminologias vêm surgindo na atualidade, propondo diversas maneiras de analisar esses espaços que a cidade contemporânea gerou. Como exemplo, poderíamos citar o espaço incivil sugerido por Teresa Caldeira (2000), que representaria, como dito por Fontes, uma atitude blasé diante do espaço de urbano, uma espécie de desinteresse por esse espaço de trocas entre os indivíduos. Já Bauman (2001) classifica os espaços públicos da contemporaneidade entre dois grupos: os espaços de passagem e os espaços de consumo, onde ambos dispensariam um grande envolvimento por parte dos indivíduos que o ocupam (FONTES, 2013, p. 114). É possível perceber que em quase todas as definições analisadas por Fontes para espaços contemporâneos de convivência, existe uma percepção dura, segundo o prisma da segregação e hostilidade. A autora, no entanto, busca manter-se na contramão dessas predições, fundamentando-se na concepção otimista dos espaços coletivos, que podem ser transformados a partir da amabilidade urbana.

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Desse modo, a autora se prende aos conceitos utilizados por dois autores: o espaço coletivo segundo Solá Morales(2002), que alega que o importante nas atuais intervenções na cidade é a atenção aos espaços, nem públicos nem privados, mas coletivos, fazendo desses lugares intermediários, espaços estéreis e partes estimulantes do tecido urbano multiforme, pois a cidade se dá onde publico e privado se mesclam; e o espaço relacional de Gausa (2001), que representa um espaço de situações mestiças, aberto à transformação e gerador de ação e mistura, não destinado somente ao passeio, mas também ao estimulo pessoal e compartilhado (FONTES, 2013, p. 117). Um espaço autenticamente coletivo, aberto ao uso, ao desfrute, ao estímulo, à surpresa; à atividade. À indeterminação do dinâmico, do intercâmbio entre cenários ativos e passantes-usuários-atores-ativadores. ( GAUSA, 2001, apud FONTES, 2013)

Fontes se detém finalmente nos dois conceitos, por entendê-los como definições mais próximas de seu espaço amável (aquele onde a amabilidade urbana se demonstra). Desse modo, seu trabalho compreende os espaços coletivos tanto como contexto, quanto como finalidade: sua busca é por criar cada vez mais espaços relacionais - como definidos por Gausa- ou ainda amáveis, seja a partir da qualificação de espaços coletivos hostis, devolvendolhe sua esfera de utilização pública, quanto através da coletivização do privado, ou seja: da ativação daqueles espaços privados circunstancialmente inutilizados. Para que essa transformação ocorra, portanto, Fontes definiu três mecanismos nos quais o espaço coletivo deve se apoiar para que se torne, de fato, o espaço propício para receber intervenções temporárias, que lhe devolverão marcas permanentes, através da amabilidade urbana. A autora sinaliza ainda que a identificação desses mecanismos se deu num sentido inverso, práticateoria. Ou seja: a partir dos estudos de caso que desenvolveu, encontrou os três conceitos mencionados a seguir:

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Dissolução dos Domínios

Espaços Coletivos Figura 33: Os três conceitos-chave do espaço coletivo.

Formação de Identidade

Reconquista do Espaço

2.4 Amabilidade Urbana : o resultado

Figura 34: Esquema de Manifestação da Amabilidade Urbana.

A amabilidade urbana é o último ponto do processo definido por Fontes (2013). Simboliza a criação de vínculos resultantes da ação de uma intervenção temporária, podendo tanto se referir à relação pessoa-espaço (possibilitando um novo olhar do indivíduo e intensificando os atributos do lugar) quanto à relação pessoa-pessoa (gerando novas conexões e trocas, alem de aprendizado e conhecimento dentro do espaço público). De acordo com Fontes, trata da expansão da idéia da intimidade para os espaços urbanos contemporâneos.

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A amabilidade urbana se manifestará quando houver a fusão de um espaço potencialmente atraente, sob condições temporais adequadas, atrelados a uma intervenção temporária bem sucedida. Ou seja: Esse espaço potencialmente atraente [ onde ocorre a dissolução dos domínios/ formação de identidade/ reconquista do espaço], dentro de um contexto temporal [ dinamismo/ flexibilidade/ reversibilidade/ imprevisibilidade/ conexão ] receberá uma intervenção temporária [ transitória/ pequena/ relacional/ participativa/ ativa/ interativa/ subversiva/ particular ], resultando na amabilidade urbana. O termo amabilidade, de forma literal, representa o ato ou comportamento de algo que seja amável. Sinaliza qualidades como cortesia, afeto, generosidade. Pode ser utilizado para evocar aproximação, abertura, seja em seu uso convencional, seja dentro do espaço urbano. Desse modo, a amabilidade urbana seria uma característica inerente ao espaço amável, que convida à permanência, gera sensações agradáveis e facilita conexões e encontros entre os indivíduos. Oferece, portanto, o contraponto ideal ao individualismo tão característico dos dias atuais. Dessa forma, pode-se afirmar que a amabilidade urbana é uma qualidade física e social, simultaneamente, decorrente da união entre contexto físico (espaço coletivo) e contexto temporal (efemeridade contemporânea) acrescidos da ação de uma intervenção temporária, que serve como catalisadora do processo de amabilidade. Num esquema, poderia estar representada da seguinte forma:

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Figura 35: Esquema de Interrelação entre os tópicos abordados.

Ao iniciar sua busca pelo termo adequado, Fontes deparou-se com a expressão espaço feliz, presente na obra de Gaston Bachelard A Poética do Espaço (1957). Essa terminologia representa um espaço de posse, amado, íntimo. Como foi dito por Bachelard, todo espaço verdadeiramente habitado traz a essência da noção de casa, no sentido essencial de abrigo. De maneira semelhante, o foco da busca da autora estava em verificar os espaços positivos, em detrimento dos espaços de hostilidade. Propõe ainda uma comparação entre o termo amabilidade e outros que igualmente retratem a relação positiva entre pessoas e espaço: apropriação, vitalidade, urbanidade e cordialidade. Primeiramente, a expressão apropriação do espaço representa o reconhecimento de um local como próprio, apto, adequado para algo, um reconhecimento naquele local. No entanto, esse conceito não abrange as relações entre pessoas, tendo sido, portanto, descartado. Já o termo vitalidade pode designar tanto as funções vitais e capacidades do ser humano (LYNCH, 1999 apud FONTES, 2013), quanto a vida intensa nos espaços públicos

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(Jacobs, 2000). Por essa fácil derivação de sentido, o termo foi igualmente descartado. Outro termo de significado similar seria o de urbanidade, um conceito de caráter mais social que físico, que representa polidez na maneira de se comportar com outros indivíduos. Esse termo, que até morfologicamente poderia remeter à questão espacial, também fora descartado por Fontes, uma vez que representa mais um jogo de aparências e papéis urbanos dentro da cidade, do que contatos físicos mais próximos e íntimos, como a amabilidade busca retratar. Talvez o termo que mais se assemelhasse ao significado buscado fosse o de cordialidade, que representa uma delicadeza, uma generosidade no modo de tratar - de forma mais íntima do que sugerido pelo termo urbanidade semelhante à amabilidade urbana. No entanto, a fim de encontrar um termo que transmitisse uma certa excepcionalidade da intervenção física enquanto corte no tempo, a autora optou pela expressão amabilidade urbana. Essa propriedade é manifestada por meio da triangulação (a mesma descrita por Whyte, em 1980): um estímulo externo fazendo com que duas pessoas estranhas iniciem uma conversação ou contato. Esse estimulo poderia representar uma pessoa, um grupo, um objeto, um fenômeno natural etc. Segundo Gehl, a triangulação definida por Whyte pode ser considerada uma das maiores responsáveis pela qualidade urbana de um espaço público. Assim, como já mencionado no capítulo 1 desse estudo, é gerada uma quebra de barreiras do espaço pessoal4 no cotidiano. Diante de um estimulo externo entendida nesse estudo como uma intervenção temporária - esses limites invisíveis poderiam ser reduzidos, chegando até mesmo a desaparecer, tornando os indivíduos agora parte do espaço coletivo (Fontes, 2013, página 34).

O espaço pessoal refere-se à área de limites invisíveis que cerca o corpo dentro do espaço urbano, e na qual estranhos não podem entrar. 54 4


////

Por fim, retomando a questão conceitual, poderíamos sintetizar da seguinte forma: enquanto a intervenção temporária representa uma ruptura positiva no tempo/ espaço contínuos da vida cotidiana, a amabilidade representa a ruptura de hábitos individuais cristalizados no espaço coletivo, e surge como um importante legado das intervenções temporárias praticadas nos espaços coletivos. Mas, afinal, como a amabilidade se manifesta na cidade contemporânea? Como se aplicam, na prática, todos os conceitos analisados nesse capítulo? A amabilidade é diferente para cada tipo de intervenção temporária? E como funciona essa amabilidade, levando em consideração as especificidades de cada espaço público? Embora pareça um conceito abstrato, a amabilidade pode ser facilmente percebida através de determinadas ações e comportamentos que surgem no espaço coletivo, após a presença de uma intervenção temporária. Seguindo os passos de Fontes, e trazendo a amabilidade para um contexto local, meu principal objetivo com esse trabalho é verificar, através da análise de seis casos locais, como essa amabilidade se apresenta na cidade do Recife. Assim, para a parcela empírica desse trabalho, escolhi seis casos de intervenções temporárias ocorridas no Bairro do Recife (Recife Antigo), por acreditar que tem crescido nesse bairro o sentimento de re-apropriação e de retomada do seus espaços coletivos. Desse modo, a análise aprofundada e a justificativa pela escolha de cada uma das seis intervenções será definida num capítulo posterior, após um diagnóstico da situação atual do Bairro do Recife, assunto do capítulo seguinte.

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A partir dos conceitos apresentados nesse capítulo, atrelados aos estudos de caso locais que serão vistos mais adiante, esse trabalho poderá ser de grande contribuição para o campo do planejamento urbano, tanto no bairro do Recife, quanto em outros locais da cidade. Assim, sabendo quais as condições necessárias, é possível prever que nos futuros projetos de espaço público locais, sejam aplicados esses conceitos, de modo a estimular a proliferação da amabilidade urbana.

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03_______ O BAIRRO DO RECIFE

A fim de salientar a importância estratégica dos espaços públicos num contexto local, esse trabalho utiliza como zona de estudo o Bairro do Recife, na capital pernambucana. O Recife Antigo, como é mais reconhecido pela população, representa grande valor patrimonial para a cidade, mantendo, assim, forte vínculo afetivo com seus cidadãos. Assim, nesse capítulo, apresento um panorama do bairro, apontando como se deu a evolução de seus espaços públicos, fornecendo informações valiosas para o capítulo final desse estudo, que tratará da Amabilidade Urbana no Bairro do Recife. 3.1 Antecedentes A relevância do Bairro do Recife se justifica por sua longevidade, tendo sido o local de origem da cidade, no século XVI. Inicialmente utilizada como extensão da cidade de Olinda, ocupando uma exígua porção de terra, a Ilha do Recife prontamente teve um tratamento portuário, uma tendência que se consolidaria nos séculos seguintes. Durante o século XVII, iniciou-se efetivamente a ocupação portuguesa, com o surgimento da primeira fileira de casas, seguindo o traçado da costa. Ainda no século XVI, os holandeses transformaram o Recife em um centro estratégico de seus domínios na América. A permanência dos holandeses reafirmou a importância do bairro como porto principal da região. Já o legado construtivo holandês foi certamente transformado pelos primeiros colonizadores, tendo sido basicamente o legado cultural, sua grande herança à cidade. O século XVIII se caracteriza como o período dos aterros, que modificaram consideravelmente a geografia da ilha. É interessante observar que a área de expansão do bairro tornou-se, nos anos seguintes, justamente a mais frequentada e emblemática para o bairro, onde seria posteriormente demarcado o polígono de tombamento da ilha. 59


Fig. 36: Recife em 1631

Fig. 37: Recife em 1648

Fig. 38: Recife em 1733

Fig.39: Recife em 1776

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Imagem 40: Recife em 1808.

Imagem 41: Recife em 1854.

Imagem 42: Recife em 1906.

Já no século XIX, o potencial portuário do Bairro do Recife se reafirmaria, graças à abertura dos portos brasileiros às nações estrangeiras (1808), à elevação da cidade do Recife a Capital do Estado de Pernambuco (1827) e à ascensão da produção algodoeira local. Nesse período, as demandas por aprimorar esse potencial portuário geraram diversas inquietações e debates que, nos anos seguintes, culminariam nos primeiros planos de reformas da ilha do Recife. No entanto, até o século XIX, veremos apenas iniciativas pontuais de reforma do bairro (MOREIRA, ZÁRATE, 2010). 61


O início do século XX foi o período no qual se deram as reformas de maior escala no tecido urbano do bairro - recebendo influência dos ideais haussmanianos da Reforma em Paris - que reformularam o traçado viário, demolindo antigos sobrados e dando origem às Avenidas Marquês de Olinda e Rio Branco, com novos conjuntos arquitetônicos ecléticos. Antes da reforma, o bairro vivia seu apogeu em termos de ocupação, com uma população aproximada de 13 mil pessoas. Depois disso, a população do bairro pouco a pouco terminaria se reduzindo até pouco mais de 3 mil pessoas, em 1920. Nas décadas seguintes, o porto continuou sua expansão. Entre 1920 e 1960, novos aterros foram efetuados, além de armazéns e outras estruturas de estocagem. Essas transformações gerarão impacto até mesmo na geografia do espaço, com o corte do istmo e a consequente transformação do bairro em uma ilha. Nessa época, diversas edificações abrigaram bancos, centros de contabilidade e bolsa de valores, tendo o bairro se transformado em um centro financeiro, além de porto da cidade. Assim, até o final da década de 70, haverá um rápido crescimento do porto e usos adjacentes a ele, o que certamente contribuiu para uma rápida degradação espacial do bairro, com o aumento da marginalidade e esvaziamento dos edifícios. Esse processo de abandono dos centros históricos já vinha ocorrendo em outras cidades brasileiras, e ainda nessa mesma década, surgiriam estudos para resgatar esses locais degradados, protegendo sua memória. Entre os anos 70 e 80, foram lançadas diversas medidas protecionistas, numa tentativa de reverter o processo de decadência do Bairro do Recife: em 1979, houve uma regulamentação, por meio do Plano de Preservação dos Sítios Históricos (PPSH). O plano, de caráter normativo, surgiu como fruto da parceria entre estudos realizados pela FIDEM e pelo Governo do Estado de Pernambuco, inspirados pelo Plano Bolonha 1, onde há: a) adoção do conceito de sítio histórico, ou seja, onde não apenas os monumentos isolados são valorizados, e sim todo um conjunto urbano; b) estabelecimento de regras para

Segundo Pontual, no final da década de 1960, o centro histórico de Bolonha recebe um plano de reabilitação que visava imprimir uma dinâmica econômica e uma integração física e social ao lugar que passava por problemas de abandono e degradação desde o início do século XX. (PONTUAL, 2007 apud VALENTIM, 2016) 1

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futuras intervenções; c) atribuição de responsabilidade aos municípios, de criar planos detalhados e específicos para seus sítios históricos. (PONTUAL, 2007 apud VALENTIM, 2016). As medidas ocorridas entre 1970 e final de 1980 mostram uma tentativa clara do poder público de combater o declínio do bairro do Recife e sua preocupação em reativá-lo. Sendo assim, o lançamento do PPSH pelo Governo do Estado foi essencial para a determinação dos limites do polígono de tombamento municipal, limites estes que direcionaram as medidas de intervenção apresentadas no Plano de Reabilitação do Bairro do Recife. No entanto, ainda que seja possível concatenar claramente essas medidas, foi apenas a partir de meados da década seguinte que seriam tomadas as primeiras providências efetivas de re-ativação do bairro. Em 1980, foi declarado o tombamento municipal de parte da Ilha do Recife decreto-lei 11.692/1980, no intuito de propor uma ocupação cultural e um retorno ao bairro; e em 1987, surge o Plano de Reabilitação do Bairro do Recife, numa primeira tentativa de elaborar propostas para reverter o esvaziamento populacional e a derrocada do bairro. O plano explicita um desejo de aliar o antigo ao novo, e de atender aos setores marginalizados, como as prostitutas, os funcionários do porto e os moradores da favela do Rato2 . Nesse momento, proprietários de imóveis e agentes financeiros passariam a receber benefícios para estimular a recuperação dos edifícios desse bairro. (PONTUAL, 2007). É importante salientar que, diante dessa fase de declínio e esvaziamento de suas ruas, nasce a compreensão de que é no domínio público onde ocorre, efetivamente, a construção da identidade de um povo. Dessa maneira, a partir dos anos 90, com o respaldo de investigações realizadas nas duas décadas anteriores, são finalmente iniciadas, de forma continuada, as primeiras ações de retomada do bairro que originou a cidade do Recife. A partir dos anos 1990, se darão as primeiras ações efetivas de resgate do Bairro do Recife.

2

A Favela do Rato atualmente representa a Comunidade do Pilar.

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No ano de 1993, na gestão de Jarbas Vasconcelos, é apresentado à cidade o Plano de Revitalização do Bairro do Recife (PRBR), regido pela lei 16.920/93. Esse plano, cuja maior motivação foi a de propor novos usos, gerando maior dinamismo para o bairro, foi o início de um processo mais contínuo para revitalizar a área (MOREIRA, ZÁRATE, 2010). Um dos pontos essenciais para seu sucesso foi o estabelecimento de parcerias entre a iniciativa privada e a pública, que descentralizassem a responsabilidade da gestão municipal e estadual. Foram criadas, dentro do plano, diretrizes estruturadoras de projeto, os pólos. Desse modo, surgiriam o Pólo Bom Jesus, Pólo Alfândega e o Pólo Pilar. Nos dois primeiros núcleos, concentravam-se grande parte do conjunto arquitetônico histórico do bairro, enquanto no terceiro pólo, já existia uma zona mais degradada, onde mora até hoje uma população diferenciada, que vive às margens das atividades que ocorrem no bairro. O Plano de Revitalização do Bairro do Recife, que tem continuidade até hoje, seguiu adaptando-se às novas circunstâncias que surgiram na contemporaneidade. É possível dizer ainda que esse plano passou por três períodos marcantes para o bairro: O primeiro período, entre 1993 e 1996, foi marcado pelas ações de exploração econômica e turística do pólo Bom Jesus. É possível dizer que houve uma inclinação ao fachadismo3, mas ainda assim, essa iniciativa foi capaz de combater o abandono do local, recuperando um bom número de imóveis do local, a partir de recursos públicos. ( MOREIRA, ZÁRATE, 2010).

Figs. 43 e 44: Rua do Bom Jesus no século XVIII (ainda como Rua dos Judeus) e em 2016. O fachadismo consiste em uma preocupação unicamente com a aparência externa do edifício, sem preocupar-se com a integridade de sua estrutura interna. 3

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O segundo período, entre 1997 e 2000, devido a mudanças na gestão, a agenda de reformas municipais foi modificada e a revitalização bairro do Recife foi deixada de lado, realizando apenas eventos culturais festivos na área. Apenas poucos projetos foram continuados, como a reforma da Torre Malakoff, a construção do terminal marítimo de passageiros e a reforma da Praça Rio Banco (Marco Zero), que recebeu uma obra em mosaico, idealizada e composta pelo artista Cícero Dias e esculpida em tons de granilite, transformando a praça em um espaço para grandes eventos.

Figs. 45 e 46: Torre Malakoff em 1880 e nos dias atuais.

Figs. 47- 48: Praça do Rio Branco antes e depois da reforma.

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Por fim, no terceiro período, entre 2001 e 2004, o Pólo Alfândega foi o foco das intervenções, com auxílio do programa Monumenta, principal fiador das reformas. Além dessas reformas, houve ainda a continuação do Programa para Desenvolvimento do Turismo no nordeste (PRODETUR/NE II), a chegada do Porto Digital, o Projeto Luz no Recife Antigo, o programa de Requalificação Urbanística do Pilar, o programa Morar no Centro etc. (VIEIRA, 2006 apud MOREIRA, ZÁRATE, 2010). No início do século XXI, com a implementação do Porto Digital, o governo do estado buscou atrair empresas de tecnologia da informação (TI), afim de transformar o Bairro do Recife em um parque tecnológico para a cidade. A teoria era de que, no processo de instalação das empresas, haveria uma recuperação dos imóveis, além do crescimento do tecnopólo, que segue até os dias atuais, porém com outra dinâmica para o sítio histórico do Recife. Figs. 49: Edf. Vasco Rodrigues, base do Porto Digital no Bairro do Recife.

De acordo com a ex-secretária de meio-ambiente4 Cida Pedrosa, as modificações realizadas na primeira fase do PRBR, na década de 90, foram positivas em muitos sentidos, mas deixaram sequelas sócio-ambientais no processo, como a relação dicotômica entre a Rua do Bom Jesus e a Rua da Moeda. Segundo ela, o processo de reconfiguração do pólo Bom Jesus e sua transformação em ponto de boemia teria expulsado de forma abrupta as prostitutas e indigentes - antes concentrados na Rua da Guia- para a Rua da Moeda. Esta, nos anos seguintes, se tornaria o novo pólo da boemia,

Cida Pedrosa foi secretaria de Meio Ambiente pela gestão 2012-2016 do prefeito Geraldo Júlio, ocupando o cargo entre 2012 e 2014. Entrevista realizada em 11 de agosto de 2016. 4

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ofuscando a rua do Bom Jesus e a Praça do Arsenal, comprometendo novamente o local de concentração dessa população marginalizada.

3.2 Retrato Atual: Os espaços públicos do Bairro do Recife Apesar dos avanços das duas últimas décadas, o bairro do Recife ainda apresenta muitos problemas em seus espaços públicos. Retomando as discussões apresentadas no primeiro capítulo acerca da dimensão física dos espaços públicos e tomando como base as imagens ilustrativas dos 12 princípios de Gehl para determinar bons espaços públicos, proponho agora um quadro comparativo entre exemplos de locais adequados (coluna da esquerda) e os exemplos presentes na área estudada (coluna da direita). Através das imagens, é possível tirar algumas conclusões acerca da qualidade urbanística da área analisada, atualmente.

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A proteção no tráfego ainda é uma problemática. A Zona 30 auxilia no processo, mas o pedestre ainda é figura secundária. Avenida Alfredo Lisboa.

1

A proteção contra violência não será resolvida enquanto ainda as ruas desertas e os imóveis desocupados forem regra no bairro. Rua do Apolo.

2

A proteção contra sensações desagradáveis envolve desde o controle de ruídos até o sombreamento. adequado. Pier dos Armazéns do Porto.

3

Os espaços de caminhada aumentaram em quantidade, mas não em qualidade. Travessia para o Marco Zero.

4

5

As oportunidades para permanecer de pé ocorrem quando há vitalidade no piso térreo das edificações. As calçadas são estreitas e há pouco o que se ver. Rua do Apolo.

6

As oportunidades para sentar-se dependem da presença de mobiliário e sombreamento. Mesmo em calçadas largas, não existe equipamentos adequados. Cais da Alfândega.

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As oportunidades para ver consistem na desobstrução das v i s a d a s . Ta p u m e s e fi t e i r o s bloqueiam a calçada e as visadas. Avenida Rio Branco.

As oportunidades para ouvir e conversar requerem pouco ruído, mobiliário adequado e usos térreos que atraiam à permanência. Do contrário, tornam-se inabitados. Rua Domingos José Martins.

As oportunidades para brincar consistem na facilidade de interação que existe entre usuários e espaço público. Um potente medidor para esse caso são as crianças. O contraste entre crianças que brincam livremente e o caso da praça do Arsenal, cercada por gradil.

As escala humana tem base na priorização do pedestre. Os carros, porém, são muito mais valorizados no bairro, que ainda repele os transeuntes com imensas fachadas cegas. Avenida Barbosa Lima. No Recife, falar em oportunidades de aproveitar o clima é o mesmo que falar em sombreamento. O sol intenso impede a permanência em locais muito abertos e descobertos. Praça do Marco Zero. A boa experiência sensorial é a união entre várias condicionantes agradáveis aos sentidos. Não há mobiliário e sombreamento, há objetos danificados e a poluição do rio gera mau odor. Cais da Alfândega

Figs. 50-61 (coluna da esquerda): Espaços públicos adequados, segundo Jan Gehl (ver cap. 1) Figs. 62-73 (coluna da direita): Espaços públicos do bairro do Recife.

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novos espaços

Apesar do estado lamentável de boa parte das ruas do bairro, como visto no quadro, nos últimos cinco anos, foram realizadas diversas ações de caráter governamental para requalificação do bairro. Algumas iniciativas de responsabilidade municipal, como projetos de mobilidade (pedestrianização do bairro, estruturação de rotas ciclísticas, bicicletas de aluguel), outras envolvendo a esfera estadual e de maior investimento ( reforma dos Armazéns do Porto, inauguração de centros culturais). Anunciadas pelo atual prefeito, Geraldo Júlio, como um dos projetos-base de sua gestão, as reformas do Bairro do Recife começaram a ser implementadas em março de 2013, tendo como marco de início do projeto Recife Antigo de Coração. A ideia da iniciativa era dar um tratamento distinto às ruas do bairro, no ultimo domingo de cada mês, possibilitando que se tornasse um espaço apenas para pessoas. A iniciativa foi tão bem sucedida, que em 2014, passou a ser realizada todos os domingos do mês.

Figs. 74-75: Projeto de Bulevar para a Avenida Rio Branco.

Figura 76: Projeto de reforma para a Praça Tiradentes.

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Figs. 77: Recife Antigo de Coração, 2016.

Nesse mesmo ano, após o carnaval, foi iniciado o bloqueio definitivo da Avenida Rio Branco, depois do carnaval daquele ano. O projeto, que tinha como objetivo a implantação de um bulevar com atividades culturais, de lazer e zonas de permanência, ainda não foi iniciado. Hoje, o que existe é uma pintura no asfalto, que sinaliza que aquele espaço é distinto dos demais, além de cones e plantas que isolam a área. Sem muito comércio tampouco, o espaço ainda não parece haver encontrado um ponto de equilíbrio. Será que havia ocupação no nível da rua que permitisse essa abertura da Avenida Rio Branco para as pessoas? Será que a melhor a se fechar não era a Marquês de Olinda, que tem mais usos?5

Segundo Francisco Cunha, deveria ter sido feito um estudo mais aprofundado, para assegurar-se de que aquela seria, de fato, a via correta a ser pedestrianizada. Retomando os ideais de Jacobs (1961) e Gehl (2010), o arquiteto referiu-se à necessidade de usos que motivem circulação de pessoas na área. Hoje, no espaço, existem poucos estabelecimentos onde haja troca, efetivamente. Há como maioria instituições, escritórios de empresas, e até fachadas cegas, mas pouca presença de comércio e serviços. Atrelado ao lançamento da Avenida Rio Branco, surgem as bicicletas de aluguel do BikePE (uma versão estadual das bikes Porto Leve, lançadas pelo Porto Digital meses antes). Operacionalizada pela Serttel, o BikePE, criada numa parceria Governo do Estado + Banco Itaú, vem como mais um incentivo para ocupar as ruas do bairro do Recife e outros locais da cidade. Seu 5

CUNHA, Francisco. Arquiteto e Urbanista, em entrevista realizada em 28 de abril de 2016. 71


funcionamento depende de um cadastramento virtual e pagamento mensal ou anual da taxa de R$10, no caso de portadores de cartão VEM6. Hoje, os dois sistemas de aluguel de bikes ja estão integrados, o que permite ao usuário deixar em qualquer posto, de ambas as redes. Mais adiante, em junho do mesmo ano, seria realizada a implantação da primeira Zona 30 do Recife. A medida, hoje muito popular na Europa, foi iniciada na cidade alemã de Buxtehude em 1983 como projeto piloto, e promete uma redução significativa no numero de acidentes de trânsito, melhor qualidade de passeio ao pedestre, estímulo ao uso de bicicletas e redução na poluição. No Bairro do Recife, a Zona 30 abrange, hoje cerca de vinte e duas ruas. Calcula-se que, por dia, passem pela Avenida Marquês de Olinda e Rua Madre de Deus 30 mil veículos e, apesar de tratar-se de um projeto inovador do ponto de vista urbanístico e social, o cidadão recifense parece não concordar com a medida. O dado não surpreende, tendo em vista a forte dependência do automóvel pelo cidadão comum na cidade. Em todo caso, apesar de seus benefícios, a implantação da Zona 30 ainda não solucionou alguns problemas, como espaços de travessia de pedestres, que ainda são poucos e perigosos.

Fig. 78: Bloqueio da Avenida Rio Branco. Figs. 79 e 80: Bikes de Aluguel do Bike PE e PortoLeve

VEM: Vale Eletrônico Metropolitano é o cartão utilizado por estudantes e trabalhadores dentro do transporte público. 72 6


Fig. 81: Mapa com o perímetro abarcado pela Zona 30, no Bairro do Recife. Fig. 82: Informativo com Mapa da Zona 30.

restrição de grandes eventos

A praça Rio Branco, que em 1999 sofrera uma reforma para ampliar-se e virar cartão postal do bairro, há muitos anos vinha recebendo uma série de eventos e shows, que obstruíam o acesso ao local. Desde a inauguração dos armazéns do Porto e do Centro de Artesanato, a Secretaria de Controle Urbano, em parceria com Secretaria de Turismo, determinou que o número de eventos no bairro cairia vertiginosamente, já que nas condições atuais, passava-se cerca de 2 terços do ano com o espaço ocupado com algum tipo de estrutura, desde palcos a camarotes. Atualmente, apenas são realizadas no local três festividades: Carnaval, Baile do Menino Deus e Paixão de Cristo do Recife.

Fig. 83: Marco Zero com estruturas de palco para shows. Fig. 84: Marco Zero depois do controle de eventos, o novo letreiro.

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Atrelada a essa iniciativa de controle, foi realizada também a instalação de um letreiro com o nome RECIFE, para estimular ainda mais o fluxo de turistas, que vão até lá tirar fotos e contemplar a vista. Com o mesmo propósito, foi realizada em 2014 a requalificação das obras do Parque das Esculturas, que, apesar de não estar no território de estudo, representa um pano de fundo para quem se encontra no Marco Zero.

Fig. 85:Parque das Esculturas visto a partir do Marco Zero.

Desmontar aquelas estruturas do Marco Zero, os palcos de shows, que ficavam boa parte do ano lá, e que transformaram a Rio Branco numa praça para pessoas, e não para eventos. Hoje é um espaço bem diverso e isso foi uma grande conquista. 7 reforma dos armazéns

Vinculada ao grande complexo do Porto Novo Recife, a reforma dos Armazéns do Porto busca atender às demandas de lazer da população, com a criação de um centro de artesanato, pólo gastronômico e de lazer. Inaugurado definitivamente em 2015 ( apenas o Centro de Artesanato desde 2012), fruto de recursos do governo do Estado, o projeto tinha como principais características a revitalização dos galpões existentes, remodelando-os para que tivessem uma proposta de integração dos espaços públicos com os espaços privados de serviços. Desse modo, foi liberada uma faixa de calçadão de livre acesso à população, diante dos armazéns, dando vista para o mar.

7

Cida Pedrosa, secretária de meio-ambiente, em entrevista realizada em 11 de Agosto de 2016. 74


Figs. 86, 87, 88 e 89:Armazéns do Porto reformados.

A iniciativa de revitalização, inspirada diretamente nas zonas portuárias de Puerto Madero, em Buenos Aires, possui restaurantes como principal uso. O projeto traz um saldo muito positivo para o bairro, uma vez que abre eixos de visada que por anos estiveram fechados à população, graças à criação do calçadão. Uma das críticas ao projeto, no entanto, recai sobre o fato de que a fachada posterior do edifício dá as costas para o bairro, desconstruindo a ideia de permeabilidade prometida no projeto original. Outro pronto crítico é em relação ao Armazém 14, que segue sem definição e com aparência de abandono até os dias atuais.

Fig. 90: Armazém do Porto visto a partir da Av. Alfredo Lisboa. Fig. 91: Armazém 14 sem utilização.

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centros culturais

Para complementar os espaços culturais de visitação já existentes no bairro do Recife, como a Torre Malakoff (2000), Sinagoga Kahal Zur Israel (2002), Museu a Céu Aberto (2007), surgiriam, no ano de 2012, dois novos espaços culturais no bairro. O primeiro deles, parte do projeto dos Armazéns do Porto, é o Cais do Sertão Luiz Gonzaga, na Avenida Alfredo Lisboa, inaugurado em abril de 2014. O suntuoso projeto foi negociado ainda na gestão do ex-governador Eduardo Campos, e custou cerca de 100 milhões ao Governo do Estado de Pernambuco, com o auxilio de recursos do Ministério da Cultura. O espaço, assinado pelo Brasil Arquitetura, traz imagens do sertão pernambucano, com um acervo de figurino, cenografia e sonoplastia surpreendentes em seu interior. Infelizmente, o projeto do edifício, esteticamente imponente, foi aprovado sem janelas e passagens: uma caixa. Além disso, prometia integrar os espaços públicos do bairro às margens do rio, mas falhou nesse intuito. Hoje, o edifício segue inacabado, sem previsão de término. Seu acesso é difícil e sua presença funciona como uma grande muralha entre a avenida e o rio, com acesso de pedestres inadequado e perigoso. Figs. 92-95: Cais do Sertão.

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Já o segundo, de iniciativa municipal, é o Paço do Frevo, situado entre a Rua da Guia e a Praça do Arsenal, inaugurado em abril de 2014. Idealizado com uma proposta distinta do Cais do Sertão - situado em um casarão reformado, diante de uma praça, com muitas aberturas e piso térreo permeável- esse espaço dedica-se à difusão, pesquisa, lazer e formação nas áreas da dança e música do frevo, visando propagar sua prática para as futuras gerações. Com quatro andares, neste espaço é possível aprender mais sobre a cultura dos passistas de frevo, através das palestras, cursos, oficinas e apresentações que ocorrem nesse espaço. No térreo existe ainda um café, que através de suas janelas se comunica diretamente com a rua.

Figs. 96-99: Paço do Frevo.

A prefeitura vem diminuindo, gradativamente, a programação oficial, porque o bairro em si já é uma programação. Nosso interesse é deixar a rua para as pessoas utilizarem da maneira que elas acharem melhor. Se tiver alguém pintando a céu aberto, no outro dia haverá mais um pintando. Isso para mim está diretamente conectado à questão da violência. 8

8

Camilo Simões, secretário de turismo. Entrevista em 19 de agosto de 2016. 77


É importante lembrar de outros espaços recreativos do bairro, patrocinados por instituições presentes em todo o país. A Caixa Cultural, instalada desde 2012 no antigo edifício da Bolsa de Valores da cidade, ainda hoje recebe inúmeras atrações culturais. O espaço, que segue o modelo presente em outras sete cidades, abriga diversas exposições temporárias, também realiza palestras e cursos, em um auditório para 96 pessoas e duas salas-multimídia. O Centro Cultural dos Correios, na Avenida Marquês de Olinda, é um dos nove centros que essa instituição financia pelo pais, foi inaugurada em 2009 em um edifício do início do século XX. Dispõe de seis salas de exposição, auditório, sala com peças históricas e uma agência postal. Também vale mencionar o extinto Santander Cultural, que introduziu esse modelo de uso no bairro e já possuía mais de 20 anos no local quando fechou suas portas, em julho de 2014.

Fig. 100: Caixa Cultural. Fig. 101: Centro Cultural dos Correios. Fig. 102: Santander Cultural.

os acessos

O bairro do Recife possui privilegiada localização geográfica: situado numa ilha, comunica-se diretamente com o oceano Atlântico e, através de suas quatro pontes, comunica-se com diversos bairros da cidade, além da vizinha Olinda. O polígono levado em consideração para esse estudo9 abrange apenas a porção meridional da ilha, onde se situam três de suas pontes, que conduzem aos outros bairros que integram o centro expandido da cidade.

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Polígono relativo à porção tombada da Ilha do Recife, segundo o IPHAN.

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A primeira delas é a ponte giratória, que comunica a ilha ao bairro de São José, Joana Bezerra, e posteriormente à zona sul da cidade. A ponte Mauricio de Nassau, extensão da Avenida Marquês de Olinda, comunica o bairro com Santo Antônio, e posteriormente Coelhos, Ilha do Leite e Zona Oeste/ Norte da cidade. Por fim, a ponte Buarque de Macedo comunica a Ilha do Recife a Santo Antônio, Boa Vista, Santo Amaro e demais bairros da zona norte. novos usos

Diante de tantos projetos de requalificação de espaços públicos ocorrendo simultaneamente na cidade, é possível prever uma maior utilização também daqueles no bairro do Recife. A inserção de usos de alto padrão, como os restaurantes nos armazéns,

apesar de serem usos que atendem a apenas

uma parcela da população, são de importância para a sustentabilidade econômica do bairro, devido aos recursos que geram para o local. O Paço Alfândega, inaugurado em 2000 dentro do plano PRBR como centro de compras, anunciou recentemente uma serie de reformas em uma reação às transformações de uso do bairro. Sua configuração original será modificada, transferindo os restaurantes do andar superior para o piso térreo. Serão ainda inseridas empresas de coworking, novos mirantes para o entorno e lojas de produtos gastronômicos. O designer alemão responsável pelo projeto adianta que as reformas do edifício ampliarão a integração entre o centro de compras e o bairro, incorporando os espaços externos ao interior do edifício.10 Ainda é possível prever a criação de novos usos para seus imóveis, que se adequam à nova vitalidade no Bairro, como é o caso do Hostel Azul Fusca, único estabelecimento do setor hoteleiro no bairro, além da Afrika Boardshop, loja de artigos para patins e skate, que chega ao bairro para suprir a demanda gerada pela popularização desses esportes no bairro. No entanto, apesar das modificações positivas e de todas as futuras promessas de reconfiguração desse bairro, ainda existem diversas problemáticas a serem resolvidas, como a questão da habitação, por exemplo. Informações extraídas de reportagem do jornal local Diário de Pernambuco: "Paço Alfândega terá visual e conceito novos". Disponível em: < http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/economia/2016/08/20/internas_economia,660974/pacoalfandega-tera-visual-e-conceito-novos.shtml > 10

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No polígono estudado, mais da metade dos imóveis estudados tem ocupação parcial ou nula. Aqueles que são utilizados abrigam, em sua maioria, empresas de tecnologia e informática, sendo os outros usos institucionais, culturais, de comércio, serviços e restaurantes.

Fig. 102: Paço Alfândega.

Fig. 103: Azul Fusca Hostel.

Fig. 104:Afrika Boardshop.

o problema da moradia no bairro

Hoje, é ínfimo o numero de pessoas que habita as ruas do bairro do Recife. A moradia permanente é escassa. Com exceção da comunidade do Pilar - que abrange cerca de 500 habitantes atualmente - o número de moradores não chega a 50 habitantes. A moradia é o único uso 7/7, ou seja: que movimenta um bairro sete dias por semana.11

Desse modo, é possível dizer que a ausência desse tipo de uso impede a geração de um sentimento de comunidade e apropriação - no sentido de afinidade - e sua manutenção fica comprometida. Por essa mesma razão, o fluxo de pessoas no bairro durante os dias laborais é tão distinto daquele no fim de semana: de segunda a sexta, frequentam o bairro: funcionários de empresas, donos de estabelecimentos comerciais como restaurantes, farmácia, casas lotéricas, vendedores ambulantes etc. Já no fim de semana, um novo público substitui o anterior. São agora pessoas que vêm ao bairro para divertir-se entre os centros culturais e restaurantes nas proximidades do Marco Zero.

11

LEITÃO, Lúcia. Arquiteta e Urbanista, em entrevista realizada no dia 29 de abril de 2016. 80


A semelhança entre esses dois fluxos de pessoas é que, em decorrência da quantidade de imóveis fechados, todos circulam dentro de um roteiro prédeterminado: entre a Rua do Bom Jesus, Avenida Rio Branco, Marquês de Olinda e Pólo Alfândega. não existe muita variação de caminhos entre as ruelas do bairro, já que a ação acontece em apenas uma parcela reduzida dos imóveis, mais concentrados nos locais já citados. Em 2014, a Prefeitura do Recife lançou o Manual do Investidor no Bairro do Recife, no qual encorajava a compra e aluguel de imóveis no perímetro de tombamento, garantindo reduções fiscais e inúmeras facilidades. Os efeitos dessa publicação, no entanto, foram pouco efetivos: afinal, mesmo com as reduções de impostos, como saber se valeria realmente a pena investir num estabelecimento dentro de um bairro desabitado? Ao mesmo tempo, quem vai habitar um bairro onde não há usos de subsistência?

Fig. 105: Mapa de Oportunidades de imóveis disponíveis para investimento.

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Vem sendo discutida para o bairro a implantação do sistema de IPTU progressivo, aos moldes do que vinha sendo feito na cidade de São Paulo na gestão do ex-prefeito Fernando Haddad, mas a medida ainda não foi aprovada. O objetivo seria estimular a recuperação dos imóveis estagnados, pressionando seus proprietários a movimentá-los.

novos projetos

Além de projetos unicamente de caráter público, houve ainda uma série de iniciativas entre o governo, empresas privadas e grupos de pesquisa, com a motivação de discutir os espaços públicos do bairro do Recife, através da proposição de iniciativas que pudessem até ser aplicadas ao restante da cidade. Aqui, foram exemplificadas algumas ações recentes, uma em parceria com o C.E.S.A.R (Playtown) e e outras duas com o Inciti (Urban Thinker Campus e Parque Capibaribe). O Playtown buscou discutir e lançar outras maneiras de projetar os espaços públicos, tendo como palco de atividades o Bairro do Recife. O foco desse trabalho não foi de projetar mobiliário urbano padrão ou sugerir diretrizes de projeto. O objetivo foi a aplicação do conceito de Playable City12, através da realização de três eventos complementares - Workshop Cidade Lúdica, Hackathon e Laboratório de Imersão - Além dos três eventos oficiais, ocorreram dois outros momentos para estimular a interação entre os participantes e o Bairro do Recife: a oficina de lambe-lambe e a oficina de fotografia analógica. O objetivo da programação, num primeiro momento, foi a troca de ideias sobre possíveis modos de transformar o espaço do bairro, tornando-o mais agradável e convidativo, além de lúdico e moderno. Num segundo momento, foram criados protótipos de artefatos (equipamentos, arte, mobiliário, etc.) em pontos estratégicos do bairro, promovendo uma experiência única de vivência e pertencimento com a cidade13. Estes artefatos foram idealizados pelos

O Playtown surgiu a partir do projeto Playable City, ocorrido em 2014, entre as cidades de Recife e Bristol. Ver: Recife Playable City 2014. Disponível em < https://vimeo.com/91674946> 12

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disponível em <http://www.playtownrec.com.br/playtown/>. Acesso em 15 de setembro de 2016.

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participantes e posteriormente desenvolvidos por empresas de tecnologia especializadas14. Ao final das três etapas, foram selecionados sete projetos, entregues à Prefeitura do Recife, em forma de termos de referência, para serem licitados. Segundo o secretário Camilo Simões, o caso do Playtown foi pioneiro na cidade. Após lançamento do edital, cinco cidades se inscreveram para receber os recursos federais para desenvolvimento do projeto, tendo sido Recife foi a capital contemplada. Para o secretário, foi um momento único na historia da cidade, que sentirá não só os efeitos de melhoria nas ruas do bairro, mas também por protagonizar a aplicação de um projeto de alto investimento federal, mesmo sem possuir um produto final previamente determinado. Resultado de um convênio firmado com o Ministério do Turismo no ano passado, no valor de R$ 2 milhões, com contrapartida de R$ 150 mil do poder público municipal, o Playtown terá sua primeira etapa, de fomento, criação e seleção de ideias, executada a partir do próximo dia 5 de maio, pelo CESAR. (Diário de Pernambuco, em abril de 2016)

Outro caso recente foi o Urban Thinkers Campus. Organizado e produzido pelo Inciti, o evento foi construído como um espaço crítico que parte do principio da urbanização como uma oportunidade para transformação e desenvolvimento social. É uma plataforma criada para encontro de ideias e pensamentos, para a conferência da ONU - Habitat III, realizada em outubro de 2016 em Quito, no Equador. O primeiro UTC foi realizado em outubro de 2014, na Itália, e entre 2015 e 2016 aconteceram ainda 28 UTCs em todo o mundo. A edição brasileira do UTC aconteceu em Recife com o tema Cidades Inclusivas: jovens e tecnologias abertas no espaço urbano. Em novembro de 2015. Durante quatro dias, representantes do setor público e privado, e pessoas de diversos grupos sociais e organizações estiveram dividindo seus pensamentos e ideias para a inclusão social, gerando uma narrativa urbana ligada às tecnologias abertas, com foco nas cidades como territórios inclusivos. No caso do Playtown, o FabLab tendo sido o responsável pela prototipagem e impressão 3D dos artefatos. 14

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Figs.106-109:- Urban Labs, Rua domingos José Martins. novembro de 2015.

Sediado no Inciti, na Rua do Bom Jesus, o UTC teve diversos momentos distintos, com assembleias e palestras internas, além de atividades externas, na Rua Domingos José Martins, que aconteceram em paralelo aos debates, os chamado Urban Labs. Para fazer a cidade, tudo passa pela rua, pelo cotidiano, pelos rituais…pela cultura de rua. Não se faz cidade dentro de casa (…) a gente se preocupou em fazer um bom evento externo, para que outros não-participantes oficiais do evento pudessem ter uma boa experiência: flanelinhas, vendedores ambulantes etc.15

Nesse trabalho, serão focadas as atividades desenvolvidas no domínio público, na rua. Nesse espaço, foram realizados workshops sobre mobiliário urbano, além de ter sido montada um pequena concha acústica, criando um novo lounge em plena rua, além de novas discussões em torno do espaço público. Os encontros aconteceram durante toda a duração do UTC. O Inciti, que tem a arquiteta e urbanista Circe Monteiro como coordenadora, defende a ideia de ações com base no urbanismo tático. Segundo ela, o termo representa a ideia 15

ÉDIPO, Rodrigo. Coordenador de comunicação do Inciti. Entrevista realizada em 12 de abril de 2016. 84


de realização de projetos construídos juntamente com as pessoas, simulando novos espaços com base na demanda dos que serão diretamente afetados. Esse poderoso instrumento ainda é visto com ressalvas pelo planejamento urbano oficial, mas é preciso enxergar além: o urbanismo tático, que em sua maioria produz protótipos para possíveis soluções futuras, têm o poder de gerar essa consciência na sociedade, estimulando a criação de um espaço que ainda não existe. O que antes era apenas um vir-a-ser, agora já se tornaria perceptível, graças a essas ações pontuais. (…) As pessoas estão procurando espaços públicos na cidade do Recife.16

O Inciti trabalha em parceria com a Prefeitura do Recife desde o início do projeto Parque Capibaribe, em 2013, recebendo apoio logístico e na divulgação. O grupo coordenou ainda o Cidades Sensitivas e o Laboratório de Cidades Sensitivas (LabCEUs), que aconteceram em parceria com o Ministério da Cultura (MinC), com alcance nacional.

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MONTEIRO, Circe. Arquiteta e urbanista, em entrevista realizada em abril de 2016. 85


//// Como foi visto nesse capítulo, o bairro do Recife atravessou, nos últimos séculos, inúmeras fases de transformação, e hoje novamente é tido com uma das pautas centrais para a cidade. Depois de uma rápida ascensão entre os séculos XVII e XVIII, seguida de um esvaziamento acelerado no século XX, nos últimos 25 anos, esse bairro tem sido um grande desafio para a gestão pública e o planejamento urbano local, que têm buscado restaurar seu caráter de símbolo para a cidade. Atrelado a isso, houve um despertar para essa questão dos espaços públicos nos últimos anos, que atingiu também a cidade do Recife. Decorrente de uma conjuntura de fatores - carência de espaços públicos de qualidade e uma maior pressão pela sociedade civil para recuperação desses locais - esse bairro tem exibido reações e mudanças. É também possível notar o surgimento de outros movimentos em toda a cidade, que defendem os espaços de convivência e de amabilidade urbana. A população local, que antes não tinha opções suficientes de lazer no espaço público, está descobrindo novas possibilidades. Podemos citar exemplos positivos de reativação dos espaços públicos, em vários pontos da cidade, como os inúmeros grupos que implantam atividades lúdicas aos domingos, no calçadão de Boa Viagem, ou as manifestações que ocorrem no Parque da Jaqueira. Mais recentes, podem ser citadas as ocupações como o OcupeEstelita, OcupeMPPE e OcupeCineOlinda, além dos foodtrucks e parklets, que se multiplicaram pelas ruas da cidade. Em alguns bairros, esse sentimento de retomada tomou proporções maiores, como o caso da Associação por Amor às Graças, que realiza uma série de eventos em prol da manutenção do caráter de bairro que ali existe. Entre 2014

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e 2016, ocorreram eventos como a Buscada das Capivaras17, em parceria com o Parque Capibaribe, e mais recentemente, o Café na Calçada das Graças 18. Essas iniciativas são fundamentais para que a amabilidade urbana se propague na cidade. Além disso, são capazes de propor novos espaços de convívio na cidade, representando uma resistência à cultura do shopping center, que desde 1980, com a inauguração do Shopping Center Recife, ganhou espaço na capital pernambucana. Esses espaços cerrados representam o maior concorrente dos espaços públicos atualmente, ameaçando sua ocupação efetiva. É interessante analisar que esses centros de compras, num claro apelo comercial, aplicam imagens de espaços públicos da cidade em sua fachada exterior, como a Praça do Marco Zero, inclusive.

Fig.110: Shopping RioMar, Recife.

Retornando aos espaços públicos no bairro do Recife, é notável que tem se desenvolvido no espaço uma consciência por parte da população, bem como uma maior variedade de usos que movimentam esses espaços. No entanto, concluo esse capítulo ressaltando o papel crucial da moradia permanente para devolver a vitalidade do local, e do papel do poder público como moderador desse processo. Ocupação das margens do rio, ao fundo da Rua das Pernambucanas, promovendo atividades recreativas e passeios pelo rio Capibaribe. Informações disponíveis através do: <http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cidades/ geral/noticia/2014/11/30/barqueata-marca-o-dia-do-rio-no-recife-158639.php> 17

Evento de reunião de moradores e visitantes, que propõe a ocupação de ruas do bairro no terceiro domingo de cada mês. A segunda edição do evento ocorreu em 23 de outubro de 2016. Informações disponíveis em < https:// www.facebook.com/events/602817073238280/> 87 18


Os centros das cidades tornaram-se socialmente mais homogêneos e segregadores, ou foram convertidos em lugares de visitação e cerimonial, em decorrência de seu crescimento e do processo de suburbanizacão, que levou consigo a possibilidade de permanente heterogeneidade. (FONTES, 2013, p. 67)

Tomando como base a crítica feita por Fontes, e entendendo que o mesmo processo de conversão em lugares de visitação e cerimonial vem ocorrendo também no Bairro do Recife, mostra-se cada vez mais necessária a introdução de pessoas que habitem o bairro de forma permanente, numa tentativa de contenção desse caráter de cartão-postal e visando geração de um sentimento de comunidade. Neste sentido, o fato de os edifícios do bairro serem antigos e não projetados para moradia, não pode ser vista como fator impeditivo, uma vez que, em diversas cidades do mundo, é possível encontrar exemplos de edifícios antigos restaurados e readaptados internamente, sem sofrer descaracterização de sua fachada. Como exemplo, pode ser citado o caso na cidade de Valladolid, onde um edifício abandonado foi re-estruturado para funcionar como uso misto, com moradia nos andares superiores e comércio no térreo.

Figs.111-112: Caso de Reativação de edifício na calle Santiago, Valladolid, 2013-2015.

Assim, mesmo com o lançamento do Manual do investidor no Bairro do Recife, que sinaliza imóveis desocupados e declara reduções nos impostos sobre eles, o maior problema não reside nos impostos, e sim nas questões burocráticas legais que envolvem todo o processo de aquisição ou locação de um desses prédios. Atrelados a esse fato, existe ainda o receio de se investir num bairro88


fantasma, onde não há outras pessoas residentes e usos de substância. Nesse caso, talvez o papel da prefeitura municipal possa ir mais além: é preciso facilitar e desobstruir os obstáculos jurídicos para adquirir uma dessas edificações, encorajando proprietários ou locatários em potencial. Habitar significa deixar rastros. (Walter Benjamin) Um dia, você terá morado aqui. Vai conhecer essas ruas de cor. Terá morado nesses edifícios…e vivido historias com o povo. Uma vez que tiver morado nessa cidade, cruzado essa rua dez, vinte, mil vezes…fará parte de você…depois de ter vivido lá. Estava para acontecer comigo, mas eu ainda não sabia.19

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Monólogo do personagem Xavier, em L’augerge Espagnole, filme de Cédric Klapisch, 2002. 89


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04_______ A AMABILIDADE URBANA NO BAIRRO DO RECIFE Como já mencionado anteriormente, a autora Adriana Sansão Fontes, em seu livro Intervenções Temporárias, Marcas Permanentes, defende que esses eventos podem ser classificados entre três grupos: apropriações espontâneas, manifestações artísticas e festas locais. Para a autora, existe ainda um efeito colateral definitivo, uma nova propriedade adquirida pelo espaço público após a ocorrência de uma dessas ações, algo que a autora denomina como amabilidade urbana. Assim, a partir da introdução aos principais conceitos de espaço público - capítulo 1 retomando os conceitos da amabilidade urbana - capítulo 2- e tendo em vista as características inerentes ao bairro do Recife - capítulo 3 - apresento agora o último capítulo desse estudo. Retomo conceitos já apresentados, reforçando a ideia de que há uma escala específica de intervenção temporária, que oferece maior possibilidade de êxito na transformação dos espaços: trata-se de eventos que se situam num porte intermediário, entre os usos cotidianos (pequenos, espontâneos e constantes) e os grandes eventos (grandes, projetados, eventuais). Essa diferenciação é essencial para a compreensão da escolha dos casos que serão estudados, que não se referem a usos constantes, e sim a intervenções esporádicas. Segundo o direcionamento já apresentado no capítulo 3, volto a relacionar, nesse momento, as oito características-chave que serão comuns a cada um dos casos tratados: pequeno - particular - subversivo - ativo - interativo - participativo - relacional, As informações contidas nesse capítulo seguem a mesma estruturação expressa na obra original de Fontes. Dessa forma, à luz de sua sistematização de dados e informações, serão expostos a seguir: dois casos de apropriações espontâneas, dois casos de manifestações artísticas e dois casos de festas locais, totalizando seis casos de análise, divididos em sub-capítulos. À diferença de sua obra - que aborda casos entre o Rio de Janeiro, Barcelona e Girona, com um capítulo exclusivo para

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cada tipo de intervenção- as manifestações aqui relacionadas ocorreram todas no bairro do Recife e serão condensadas em um só capítulo. 1 Cada um dos sub-capítulos poderá ser compreendido como uma unidade independente, onde serão expostas as características específicas de cada exemplo e comparados seus resultados, no espaço onde ocorrem. Essa explanação se repetirá de forma sistemática para cada exemplo dos itens 4.1, 4.2 e 4.3. No primeiro grupo - apropriações espontâneas- serão analisados: o skateboarding na Praça Rio Branco (Marco Zero), praticado por dezenas de jovens diariamente; as partidas de futebol de rua, incentivadas pela ONG LoveFútbol, que ocorriam toda segunda-feira, na Avenida Rio Branco, até o início deste ano. No segundo grupo - manifestações artísticas - veremos as ilustrações do Graffiti e como essa arte se consolidou na arquitetura do bairro; o espetáculo Pontilhados, que conta a história do Bairro do Recife a partir da dança, produzido e protagonizado pelo Grupo Experimental de Dança. No terceiro e último grupo - festas locais - serão analisadas as apresentações de Maracatu de Rua que ocorrem por todo o bairro, criando novas atmosferas em suas ruas; o Som na Rural, plataforma de divulgação da cultura local, idealizada e produzida por Roger de Renor. A escolha de cada uma dessas manifestações se deu de maneira semelhante, levando em consideração casos com maior notoriedade para os frequentadores do bairro do Recife, nos últimos cinco anos. Foram selecionadas manifestações de diversas naturezas, que pudessem oferecer um interessante panorama do bairro, mesmo sabendo da existência de outras formas de apropriação ocorridas no local. Também foram considerados argumentos levantados por Fontes em sua obra, que serão revisitados ao longo desse capítulo, fortalecendo a escolha por cada manifestação aqui estudada.

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04 .1

___________ APROPRIAÇÕES

ESPONTÂNEAS 93


Segundo Fontes, o termo apropriação pode referir-se a duas dinâmicas distintas: por um lado, pode representar as práticas do cotidiano ( apropriação no sentido de utilizar para o uso básico, comum); por outro, pode representar as expressões subversivas, contrárias à regulação e ao controle urbano. Para esse estudo, será considerada a segunda definição, aquela na qual as apropriações representam expressões subversivas. Já em relação ao termo espontâneas, considerarei seu sentido de voluntárias. Tratar de apropriações espontâneas do espaço público significa olhar para as expressões subversivas, contrárias à regulação, ao controle urbano e ao planejamento (…) essas formas de apropriação são elementos de inconstância gerados pela própria cidade, normalmente à margem das lógicas de poder e de produção, e que expressam novas formas de conflito e resistência. (FONTES, 2013, p. 131)

Nesse sub-capítulo, serão analisados: o skateboarding na Praça Rio Branco (Marco Zero), praticado por dezenas de jovens diariamente; e as partidas de futebol de rua, incentivadas pela ONG LoveFútbol, que ocorriam toda segundafeira, na Avenida Rio Branco, até o início deste ano. A praça Rio Branco e a Avenida Rio Branco, como sua nomenclatura sugere, são espaços articulados entre si. Esses dois locais representam uma espécie de esqueleto do Bairro do Recife1, de onde se derivam os demais espaços do

Figura 113: Praça do Rio Branco e o contexto do Bairro do Recife. Figura 114: Avenida Rio Branco e o contexto do Bairro do Recife.

1

Considerando, nessa afirmação, o polígono de tombamento do Bairro do Recife pelo IPHAN. 94


bairro, oferecendo portanto grande potencial para gerar atividades complementares. Por fim, é possível afirmar que esses dois exemplos de apropriações espontâneas aqui relacionadas se encaixam às oito dimensões de intervenção temporária: 1. Pequenas - Ocupam apenas fragmentos e trechos pouco utilizados do bairro em questão. 2. Transitórias - Trazem consigo um aspecto dinâmico, leve, que os classifica como eventos de instantes. 3. Particulares - Ocorrem em espaços com características específicas, que sejam atraentes aos praticantes. 4. Subversivas - Rompem usos pré-estabelecidos do espaço, criando usos alternativos. 5. Ativas - Reconquistam espaços sub-utilizados, reativando-os. 6. Interativas - Ambas geram forte interação entre os praticantes e a plataforma onde ocorre a prática, ou mesmo entre os praticantes em si. 7. Participativas - É organizado de baixo para cima, através de produções populares e independentes do poder público. 8. Relacionais - Proporcionam conexões entre praticantes do esporte e demais usuários do local.

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4.1.1 SKATEBOARDING NO MARCO ZERO

Todos os fins de tarde, a cena se repete: entre vendedores ambulantes, barqueiros e transeuntes, chegam os primeiros skatistas na Praça Rio Branco (Marco Zero). Por volta das cinco da tarde, o espaço já se encontra tomado por dezenas de jovens que se apropriam do espaço noite adentro. Em seus shapes2, chegam isoladamente ou em crews 3, cumprimentam-se de forma rápida e prontamente se dispersam pelo espaço da praça, desviando uns dos outros e dos demais frequentadores do espaço. O skateboarding é uma das atividades que mais sinaliza a feição contemporânea da intervenção temporária. Devido a seu caráter móvel, termina por extravasar as fronteiras das pistas e piscinas, locais préestabelecidos para a práticas. Esse esporte permite imprimir uma nova velocidade na cidade, entre o ritmo de um pedestre e o de um automóvel. São capazes ainda de demarcar um espaço, tempo, e uma postura social, dando forma aos espaços urbanos e representando, portanto, uma forma de fazer arquitetura. (FONTES, p. 132) O esporte teria chegado ao Brasil nos anos 70, e já no final dessa década receberia os primeiros campeonatos4. Já no Recife, sua popularização se deu no início dos anos 80. Mas afinal: o que faz do Marco Zero um local tão atrativo aos praticantes? Que emoções essa prática gera nos outros usuários? Quais as consequências dessa ação para o espaço onde ocorre? Houve mudanças nesse espaço, decorrente da prática desses esporte? A fim de responder a essas questões, serão feitas a seguir algumas considerações acerca da prática do skateboarding nesse local, investigando quais os fatores que mais atraíram os praticantes até ele. 2

Nome atribuído aos skates, pelos praticantes.

3

Nome atribuído aos grupos de skatistas praticantes.

Fonte: História do Skate no Brasil. Disponível em <http://www.cbsk.com.br/paginas/historia-do-skate-nobrasil> 4

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Um dos elementos fundamentais para o skate é a amplitude do espaço, que permite a realização de manobras mais complexas, evitando ainda o choque entre praticantes. Desse modo, levando em consideração que a reforma da praça transformou-a em um grande pavilhão circular, com cerca de 10m de raio, esse espaço naturalmente seria considerado interessante para a prática. Hoje, o Marco Zero pode ser considerado como o local mais atraente para os praticantes do skateboarding, após sua reforma no ano 2000, que a transformou em uma esplanada. A Praça do Marco Zero representa, atualmente, um ponto turístico em si, devido à presença de uma Rosa-dosVentos esculpida em seu piso circular. Seu acesso é aberto a pedestres, patinadores e skatistas, além dos carroceiros que ocupam o espaço. Representa ainda uma zona de mirante para o oceano e para o parque de esculturas de Brennand. Além disso, como já visto no segundo capítulo desse estudo, a restrição de grandes eventos tornou a praça Rio Branco mais transitável para os skatistas,. Antes, utilizavam-se dos raros trechos de calçadas lineares bem conservadas, ou ainda na pista de asfalto. Fazendo uma análise mais específica do piso do local onde ocorrem as manobras, é fácil entender o que leva tantos jovens a encontrar-se ali. A superfície nivelada e ampla representa um caso raro de suporte retilíneo de qualidade na cidade do Recife, sendo ideal para os rolamentos dos skates. O mosaico de granilite bem-assentado, por mais que ainda contenha algumas juntas e leves rachaduras, ainda é a melhor opção ofertada na cidade. Outra opção seria patinar no asfalto, sob o risco de atropelamentos e outros acidentes no trânsito.

Figura 115-116: Skatistas no Marco Zero à noite. 98


Essa praça representa uma ponto estratégico para a cidade do Recife, se comunicando com diversos bairros do entorno e com a vizinha Olinda. Essa centralidade, segundo os grupos de skatistas entrevistados, representaria um fator decisivo para a permanência nesse local, já que possibilita a interação de jovens de diferentes regiões da cidade. A praça é cercada pela Avenida Alfredo Lisboa e pelos novos Armazéns do Porto, que hoje representam o Centro de Artesanato de Pernambuco (CAPE) e o novo pólo gastronômico. Dessa praça, derivam-se ainda três avenidas: Marquês de Olinda, Rio Branco e Barbosa Lima. Ao chegar ao local, esses jovens imediatamente começam suas manobras, enquanto aguardam a chegada de outros companheiros. Não existe um ponto de encontro, sendo tudo realizado de forma bastante espontânea. Um elemento dificultador para esses usuários, no entanto, é o acesso. Devido a um calçamento irregular e vias de carro muito movimentadas, para acessar a praça do Marco Zero é preciso chegar a pé ou de ônibus, quando o ideal seria fazê-lo com o próprio skate. Um dos pontos interessantes identificado em conversas com grupos de skatistas do local é a relação com a arquitetura. É possível notar que existe uma identificação com os edifícios, ainda que não haja uma consciência clara dos tipos arquitetônicos, da morfologia do espaço e do conjunto paisagístico. A visada aberta, proporcionada pela ausência de obstáculos físicos, permite uma maior apreciação dos edifícios que cercam a praça. Essa amplitude visual permite o surgimento de um sentimento de apreciação e identidade com o local. Além do próprio acolhimento gerado pela presença dos edifícios, existe ainda um fator cenográfico atraente no local. Esses jovens frequentadores do local têm como hábito filmar e fotografar suas manobras. Sendo assim, quanto mais interessante o entorno, melhor para o registro video-fotográfico. Além da produção de vídeos, é comum a presença de aparelhos de som e de dançarinos de hip-hop próximo aos locais onde os skatistas se concentram, sem falar na relação direta com o grafite.

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É possível afirmar que o skateboarding esteja diretamente atrelado à cultura de rua como um todo. Por essa razão, a existência de centros culturais no entorno do local é estimulante para que haja uma troca entre essas atividades. O skateboarding é capaz de trazer à tona diversos temas: diversidade, multiculturalismo, vitalidade, conflito entre grupos sociais, segregação, entre outros. Assim, como diria Borden (2001), a apropriação não é a simples reutilização, e sim o trabalho criativo desse espaço-tempo. Dessa forma, a utilização do Marco Zero pelos skatistas, enquanto performance urbana, implica em certa desconstrução e transformação criativa do local. ( BORDEN, 2011 apud FONTES, 2013). Existem diversas outras ocupações que ocorrem simultaneamente ao skateboarding - grupos de turistas a passeio, vendedores ambulantes, movimentações da igreja evangélica distribuindo sopa aos desabrigados, sem contar com performances de dança, protestos e etc. - mas não existe, de parte dos skatistas, nenhum tipo de manifestação em oposição a sua presença. Outra interessante relação se dá entre skatistas e moradores de rua (…). Como ambos buscam lugares onde não incomodem nem sejam incomodados, acabam se apropriando dos mesmos espaços. (FONTES, pág. 161)

As colisões, segundo os praticantes, são raras - apenas um ou dois casos foram comentados durante as entrevistas realizadas - e a convivência com outros personagens no cenário é amistosa. No entanto, nos últimos anos, houve diversos conflitos entre esses ocupantes e a prefeitura local. Depois de diversos alertas feitos de maneira esporádica pela polícia local, em dezembro de 2014 teve inicio uma distribuição de panfletos com o objetivo de refrear a prática do esporte do local, com a alegação de que sua presença estaria danificando o piso, podendo ainda intimidar os pedestres e causar acidentes. Em contra-partida, Thales Silva, um dos jovens skatistas que frequentam da área, garante que existe um cuidado redobrado dos praticantes para que suas Figura 117-118: Skatistas no Marco Zero durante a tarde. 101


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manobras não causem acidentes, conscientes de que, a cada conflito, a reputação do esporte é posta em xeque. Como já observado por Adriana Fontes a respeito dos jovens que ocupam a praça XV, no Rio de Janeiro, é praticamente uma unanimidade entre os skatistas a consciência do preconceito da sociedade em relação à prática do skateboarding, tida como algo marginal ou até mesmo infantil (Fontes, p.159). Os jovens entrevistados são uníssones ao afirmar que, apesar da existência de diversas pistas de obstáculos pela cidade, como as rampas na avenida Boa Viagem, parque Dona Lindu, parque da Jaqueira e etc., faltam espaços horizontais livres e amplos para a construção e aperfeiçoamento de manobras. Segundo Peran (2008), o skater de rua interfere e poetiza no espaço, à diferença do skater de pista. Desse modo, à exceção de algumas ruas asfaltadas de pouco movimento - como a faixa local da Avenida Visconde de Jequitinhonha, nas proximidades do parque Dona Lindu - é possível dizer que não há locais próprios para a prática. (PERAN, 2008 apud FONTES, 2013) Na cidade de São Paulo, a Praça Roosevelt foi inteiramente adaptada para a permanência de jovens skatistas, que já vinham ocupando o espaço, apesar de inúmeras intervenções do poder público. A partir da persistência desses jovens, seria constatada nos anos seguintes a forte contribuição para a revitalização e aumento da segurança na área. Outro exemplo seria o parque Ibirapuera, onde é possível encontrar locais amplos, próprios para a patinação livre,

sem

obstáculos e completamente nivelados. Já em cidades europeias, é comum encontrar jovens patinando em diversos locais da cidade, em harmonia com ciclistas e pedestres. No caso do Recife, se faria necessário, primeiramente, um tratamento geral dos calçamentos para que isso acontecesse.

Figs. 119-120: Skatistas no Marco Zero. Figs. 121-122: Skatistas na Praça Roosevelt. 103


A AMABILIDADE URBANA NO SKATEBOARDING Apesar da associação constante do esporte à marginalidade, é preciso levar em consideração sua importância para a segurança urbana e diversidade cultural local. Além disso, suas contribuiçõese à sociedade e ao espaço público em si são inegáveis, graças a ressignificação das funções do espaço onde ocorre - nesse caso, a praça do Marco Zero. A amabilidade urbana aqui se manifesta, uma vez que essa prática revela novas maneiras de utilizar a área, produzindo novas conexões com seus usuários. A Praça Rio Branco, que antes possuía maior caráter de permanência, contando com mobiliário e sombreamento de árvores, após sua reforma em 2000 tornou-se um grande pavilhão de uso indefinido. Por muitos anos, o que existia era unicamente uma esplanada sem uso, onde o papel do skateboarding foi o de revelar novas possibilidades, criar novos usos e velocidades e militar em prol da democratização de usos desse espaço. Além disso, criou novos usos no bairro, que estimulam sua vitalidade. Desse modo, as campanhas do poder público de restrição do espaço pelos skatistas, iniciadas no ano de 2014, soam precipitadas e pouco sensíveis às contribuições sociais desse esporte para a área. Segundo Shaftoe: A sociedade não encontrará a tolerância enquanto seguir marginalizando ou excluindo grupos sociais diferentes. A solução se encontra em maior contato entre cidadãos de diferentes núcleos, onde possíveis conflitos certamente ocorrerão, devendo ser considerados como positivos, uma vez que permitem intercâmbios culturais e aprendizagem no contexto urbano.( SHAFTOE, 2008) apud FONTES, 2013).

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4.2.2 FUTEBOL NA AV. RIO BRANCO Mais uma segunda-feira comum no Bairro do Recife, e entre 7h e 19h, o fluxo de funcionários de empresas e instituições do entorno toma conta das ruas do bairro. Após esse horário, as ruas costumam apresentar pouca atividade, com excessão da avenida Rio Branco, que parece fervilhar. O motivo são as partidas de futebol que ocorrem nessa avenida, propondo uma nova forma de entretenimento e lazer no bairro. As partidas, que se organizaram por iniciativa da ONG LoveFútbol entre 2014 e 2016, deram início à ocupação sistemática dessa via, durante todas as segundas-feiras, das 20h até a meia-noite. A movimentação se iniciou com a criação de um grupo no facebook, convidando simpatizantes do esporte dos quatro cantos da cidade a ocuparem a área. Assim, de maneira espontânea, a chegada desse grupo rapidamente acabava atraindo outros personagens do local, como vendedores ambulantes, flanelinhas e moradores da comunidade do entorno (Pilar), gerando espontaneamente novas atmosferas em torno do jogo. Considerado o esporte das multidões, o futebol é uma modalidade única, apresentando um imenso potencial de transformação dentro da sociedade, com ênfase para pequenas comunidades, onde o lazer é escasso. Trata-se de um forte aliado na formação de crianças, adolescentes, jovens e adultos, podendo garantir a inclusão social de comunidades menos favorecidas. não só através da participação ativa da população no jogo em si, como também no seu envolvimento como espectadores. (GIULIANOTTI, 2010) Mas de onde surgiu a ideia de reunir, no Bairro do Recife, grupos tão distintos em torno desse esporte? E por que na Avenida Rio Branco? Assim sendo, houve mudanças nessa via, decorrente da prática desse esporte? Postos os questionamentos, adentrarei em uma análise dos fatores que estimularam essa apropriação e como se dá a amabilidade urbana nesse local, após tais intervenções. 105


Bloqueada pela prefeitura no ano de 2014 para carros, tornando-se de uso exclusivo de pedestres, a Avenida Rio Branco será em breve transformada em um bulevar aos moldes de grandes centros ao redor do mundo. O acesso ao local está encerrado atualmente, devido ao início das obras do projeto executivo, que deverá ser inaugurado no final de 2017. Como visto no capítulo 3, a avenida Rio Branco em sua configuração original surgiu em meados do século XX, decorrente do Plano de Melhoramentos e Reforma do Porto e do Bairro do Recife (1909-1926), como visto no terceiro capítulo. Propunha a modernização portuária, alargamento de vias transversais e criação de grandes avenidas. Assim, ainda no século XX, surgiria essa grande avenida, com cerca de 270m de comprimento e calha de 16m. Tratando-se de um espaço livre - como se tornou desde o inicio de 2014 após o bloqueio para carros - essas dimensões tornam-se extremamente convidativas para a prática de atividades. A avenida Rio Branco, juntamente ao Marco Zero, representa o eixo central do bairro do Recife. Como já foi enunciado, o bairro se caracteriza como uma porção bem-localizada na cidade, que estimula a convergência e o encontro de grupos de diversas partes da cidade. Assim, de modo semelhante à ocupação dos skatistas na praça Rio Branco, essas partidas amistosas de futebol ao longo da via tem como forte fator estruturante a centralidade. A via não foge à regra do cenário típico de ruas do Bairro do Recife, maliluminadas e com pouca circulação de pedestres. No entanto, sua posição estratégica e seu conjunto arquitetônico revelam uma grande potência de atratividade. Esses edifícios de arquitetura eclética possuem um aspecto monumental atrativo aos frequentadores, e dessa forma, por mais que exista ainda uma tendência ao fachadismo - a maioria desses edifícios não permite livre-acesso desde a Avenida Rio Branco - é possível encarar sua presença como um aspecto positivo. Como diria Whyte (1980), é preciso que existam convites a se estar na rua. Desse modo, o bloqueio da via em si já é, por si, uma atração. 106


Desse modo, a introdução de jogos amistosos de futebol no espaço surge como uma estratégia perfeita. Aliando-se a comoção - nacional e regional - em torno desse esporte ao convite lançado através de um ambiente livre e plano, inevitavelmente as partidas estariam fadadas a atrair diversos grupos sociais distintos. O futebol, não por acaso, é o esporte mais popular do mundo. A razão para isso se dá pela simplicidade do jogo e pela quantidade ínfima de equipamento necessário: fundamentalmente, só é necessária a bola. As traves são improvisadas como possível e quando preciso, joga-se descalço. O campo não exige uma materialidade específica, bastando que a superfície seja plana. Segundo Rafael Araújo, atuante na ONG, a partir da proibição do uso de carros na Rio Branco, criou-se a ideia de aproveitar o espaço para praticar o futebol de rua e também resgatar o convívio entre as pessoas. Para Breno Lacet, coordenador de projetos, a paixão. pelo esporte funciona como um catalisador para a realização de mudanças dentro de comunidades carentes. No caso da Av. Rio Branco, os diversos eventos e festividades uniriam verdadeiras multidões, estreitando os laços entre os estrangeiros e a população local. Após o término do campeonato, as partidas ganharam força, mantendo-se como uma rotina às segundas-feiras à noite, no mesmo local onde acontecera pela primeira vez: na avenida Rio Branco. A LoveFútbol se encarregaria de disponibilizar as barrinhas e os coletes para os jogadores e de estimular a presença de todos os participantes. Diante de uma sub-utilização da Avenida Rio Branco, diversos grupos passaram a ativá-la, de maneira esporádica. É possível encontrar eventualmente feiras, grupos de corridas, ensaios de maracatu, shows, mesas redondas etc. Aos domingos, devido ao Recife Antigo de Coração, é possível encontrar um maior adensamento graças aos visitantes que frequentam a área. No entanto, por se tratar de segundas-feiras à noite, o fluxo de turistas é pequeno. Mas as partidas de futebol rapidamente atrairiam outros participantes 107


A LoveFútbol é uma organização internacional sem fins lucrativos, e sua filial no Brasil encontra-se exclusivamente em Recife. Dessa forma, a equipe local executa ações a nível nacional, como por exemplo, ações que ocorrem no Rio de Janeiro ou até mesmo em Sao Paulo, são coordenadas desde o Recife. Essa ONG faz parte de uma rede ainda maior chamada Street Football World, que recebe recursos de investidores, com base em leis de incentivo e fomento à cultura, o que garante a viabilização dos projetos. Atua criando novas plataformas para o jogo, normalmente em cidades pequenas onde a infraestrutura é precária e faltam espaços públicos de lazer.

Figs. 123-124: Imagens promocionais LoveFútbol, Recife (acima) e México (abaixo). 108


da própria região, como transeuntes, artistas do grafite, skatistas, vendedores ambulantes, flanelinhas e moradores da comunidade do entorno (Pilar). Durante a copa do mundo, em junho de 2014, esses amistosos se consolidaram no bairro. Nesse período, o bairro do Recife contava com milhares de visitantes, de diversas partes do mundo. Assim, atraídos pela magia do esporte, se aproximariam os primeiros grupos de estrangeiros, ansiosos em participar dos jogos. A adesão foi tamanha, que durante o mundial, formaram-se diversos jogos paralelamente, um verdadeiro fenômeno em meio aos festejos. Os encontros tornaram-se mais escassos devido à ausência de uma nova liderança dentro da comunidade local, que assumisse a responsabilidade dos organizadores da LoveFútbol e desenvolvesse novos encontros. A realização das partidas no bairro de Recife ganhou enorme notoriedade da mídia durante o mundial. O sentimento generalizado de amizade e união que inundava o país à época, tomava conta também da cidade do Recife e receberia destaque não só nos jornais locais 5, mas também de canais abertos internacionalmente, que difundiriam as partidas em diversos países6. No Brasil, o futebol é o esporte mais comum de se ver nas ruas. Dos grandes centros às pequenas comunidades, sem excessão, haverá, em algum momento, uma partida acontecendo. Possui, portanto, grande importância para a história contemporânea do Brasil. Essa modalidade inglesa (Football) teria se popularizado a partir de 1895, e gradativamente, transformou-se em paixão nacional. A identidade nacional desenvolveu-se em paralelo a esse esporte. Assim, as mais diferentes manifestações culturais o incorporaram, em maior ou menor intensidade. Além disso, é o esporte com maior número de adeptos ao redor do mundo, desde os países mais desenvolvidos, até os subdesenvolvidos. Reportagem no NE10: <https://www.youtube.com/watch?v=G7yPi9_XCx4>. Acesso em 13 de Novembro de 2016. 5

Reportagem da KICK TV: <https://www.youtube.com/watch?v=HO3HkSQffTs>. Acesso em 13 de Novembro de 2016. 6

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Figs. 125-128: Partida de futebol na Avenida Rio Branco.

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111


AMABILIDADE URBANA ATRAVÉS DO FUTEBOL

Desde que os amistosos se iniciaram na avenida Rio Branco, os personagens do bairro - barqueiros, vendedores ambulantes, trabalhadores, skatistas criaram uma forte identificação com o evento, lamentando seu recente término. O Futebol Solidário, como ficou conhecido o evento, ocorreu gratuitamente, durante dois anos, onde os organizadores solicitavam aos participantes que levassem um quilo de alimento e materiais esportivos usados, a serem doados para o projeto Gol Solidário, que dá suporte escolinhas de futebol e disponibiliza cestas básicas para famílias carentes no município de Escada7 . Desse modo, é possível afirmar que o benefício das partidas excedeu em muito a mera prática do esporte. Mesmo sabendo dos inúmeros benefícios do esporte para o desenvolvimento pessoal, é possível dar um destaque ao futebol, uma vez que esse tem como grande beneficio a geração de um sentido de cooperação, de trabalho em equipe. Dessa forma, seria possível afirmar que esse espirito colaborativo durante as partidas na avenida Rio Branco, que uniram diferentes grupos sociais, seria capaz, ainda, de criar uma nova consciência de compartilhamento, de troca, de pensamento coletivo, qualidades imprescindíveis para a criação de um ambiente urbano saudável.

Figs. 129: Grupo de jogadores se reúne após partida, para foto do time. 7

Informações disponíveis em: < https://www.youtube.com/watch?v=G7yPi9_XCx4> 112


4.1.3. CONCLUSÕES PARCIAIS_apropriações espontâneas. Um dos aspectos mais interessantes dessas apropriações espontâneas está na relação que construíram com os habitantes do bairro: os comerciantes informais da área, bem como os barqueiros e demais grupos que se encontram diariamente na área. Assim, retomando a expressão Everyday Urbanism (equivalente a urbanismo cotidiano), cunhada por Crawford e explanada no capítulo 2, saliento a grande potência escondida por trás dessa relação entre esses grupos que contemplam a vitalidade do cotidiano, aproveitando as potencialidades existentes e encorajando o uso dos espaços de forma alternativa, empírica (CRAWFORD, 1999 apud FONTES, 2013).

Por fim, nesse momento, será apresentado um quadro-resumo, comparando os dois casos de apropriações espontâneas, acrescidos de algumas análises, que introduzem à conclusão final desse trabalho. O quadro a seguir retoma os tópicos já discutidos acerca dos casos de referência, comparando-os entre si e demonstrando quais as transformações ocorridas nos espaços públicos em que ocorreram, de acordo com os conceitos de amabilidade urbana presentes no terceiro capítulo desse estudo.

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SKATEBOARDING

O LOCAL

O ENTORNO

CULTURA DE RUA

PARTIDAS DE FUTEBOL -

- Dimensões Amplas (4.320m²),

- Dimensões Amplas (3140m²), superfície plana, médio fluxo.

- Suporta diversas atividades

- Local central em relação à cidade e ao bairro;

- Local central em relação à cidade e ao bairro;

- Rico conjunto arquitetônico.

- Rico conjunto arquitetônico.

- Popular no Brasil e no mundo; - Relação com outras culturas urbanas (Hip Hop, Grafite)

- Promove a inclusão social de

SOCIAL

-

superfície plana, pouco fluxo. simultaneamente.

- Presença massiva no Brasil - Difunde os beneficios do esporte.

- Prática aberta e democrática.

jovens;

- Promove a inclusão social de

públicos; Cria novas velocidades na cidade; Promove a tolerância entre diferentes grupos sociais. Lazer gratuito.

- Ressignifica os espaços

- Ressignifica os espaços A FUNÇÃO

Avenida Central do Bairro

- Principal Praça do Bairro

jovens;

públicos;

- Promove o encontro entre

diferentes camadas sociais

- Lazer gratuito.

- Parque Dona Lindu, Parque de - Comunidades da cidade do OUTROS LOCAIS

-

Santana, Jaqueira, Avenida Boa Viagem (Recife); Praça XV (Rio de Janeiro)/ Praça Roosevelt (SP)

Recife.

- *Prática habitual na maioria das cidades e comunidades brasileiras

Tabela 1: Quadro síntese dos principais pontos das apropriações espontâneas ( skateaboarding e futebol de rua).

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SKATEBOARDING

PARTIDAS DE FUTEBOL

Dinamismo: Nova atitude e velocidade através do skate.

Dinamismo: Nova atitude e velocidade através do futebol de rua.

Reversibilidade: Skateboarding é móvel e impermanente.

Reversibilidade: Futebol é móvel e impermanente.

Flexibilidade: Abertura para diversas possibilidades de uso e ativação do espaço.

Flexibilidade: Abertura para diversas possibilidades de uso e ativação do espaço.

Imprevisibilidade: Gera inúmeras formas de apreensão do lugar.

Imprevisibilidade: Gera inúmeras formas de apreensão do lugar.

Conexão: Articula os jovens e cria uma relação também com os transeuntes. Existe uma Retomada do espaço.

Conexão: Articula os jovens que estão em partida e na plateia, agita o comércio de ambulantes do entorno.

Conceitos Revelados

Dissolução de Domínios:

Dissolução de Domínios:

(Espaços Coletivos)

Os jovens dividem a praça com comerciantes, visitantes e frequentadores dos bares.

Os jovens dividem a praça com comerciantes, visitantes e frequentadores dos bares.

Formação de Identidade

Formação de Identidade

É criada uma nova forma de lazer e interação, adequada à realidade contemporânea

É criada uma nova forma de lazer e interação, nãocustosa, adequada à realidade contemporânea.

Reconquista do Espaço

Reconquista do Espaço

O Marco Zero volta a ser uma zona de lazer e permanência segura, graças à presença dos jovens.

A Avenida Rio Branco, sub-utilizada, volta a ser uma zona de lazer e permanência segura, graças às partidas.

Conceitos Revelados (Condição Efêmera)

Tabela 2: Quadro síntese dos conceitos revelados pelas apropriações espontâneas (skateboarding e futebol )

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A arte existe porque a vida não basta. Ferreira Gullar

04 .2

___________ MANIFESTAÇÕES

ARTÍSTICAS


Figura 130: Percursos onde é possível deparar-se com o Graffitti. Figura 131: Percurso traçado pela performance Pontilhados. Podemos afirmar sem rodeios que a arte é necessária. Ela dispõe de certa força, comprovada constantemente por meio de sua mutabilidade e capacidade de reagir diante de novas circunstâncias. Ultrapassando o seu caráter espetacular, a função da arte, que se resumia tradicionalmente em monumentos e símbolos representativos, acaba sendo redefinida diante da opinião pública. (BÜTTNER, 2002 in FONTES, 2013)

Para Büttner, a arte deve assumir uma função social na cidade, buscando sempre romper com o contexto onde ocorre, e descobrir novos pontos de vista. De maneira semelhante, segundo Pallamin (2002) apud Fontes (2013), a arte é capaz de trazer significado ao espaço. Para ela, as práticas artísticas podem criar situações inéditas de visibilidade, apontar ausências notáveis ou resistências às exclusões no domínio público , desestabilizar expectativas e criar novas convivências (FONTES, p. 211). Quando falamos de normatividade e atmosferas, acho que é importante notar que estamos muitas vezes insensíveis às atmosferas que nos cercam. Detalhes arquitetônicos e intervenções artísticas podem tornar as pessoas mais conscientes de uma atmosfera já existente. Ou seja, a materialidade pode realmente tornar a atmosfera explícita ela pode chamar a sua atenção e amplificar a sua sensibilidade para um ambiente particular (OLAFUR in: BORCH, 2014; FERRAZ, p. 95).

Para esse subcapítulo, serão analisadas: as ilustrações do Graffiti e como essa arte se consolidou na arquitetura do bairro; a intervenção Pontilhados, que

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conta a história do Bairro do Recife a partir da dança, produzido e protagonizado pelo Grupo Experimental de Dança. Essas manifestações possuem em comum o fato de que se espalham pelas ruas do bairro. No caso do Graffitti, é impossível prever onde será realizada a próxima intervenção, se tratando de uma arte dinâmica e multifacetada. É possível determinar apenas locais onde podemos encontrá-las mais condensadas atualmente, como a Rua da Moeda, a Travessa Tuyuty, Rua do Apolo e Rua Barão Rodrigues Mendes. No caso de Pontilhados, se trata de uma intervenção-performance que ocupou as ruas do bairro, em diversas apresentações, realizadas entre 2015 e 2016, com mais de 10 apresentações, sem contar com os ensaios in loco desenvolvidos pelos bailarinos, que interagiam com as ruas e arquiteturas do bairro, sendo traçado um percurso de caminhada, por onde bailarino e publico deveria seguir, até chegar no parada final: O Marco Zero. É possível afirmar que esses dois exemplos de manifestações artísticas se enquadram às oito dimensões de intervenção temporária pela seguinte razão: 1. Pequenas - Permeiam as ruas de forma discreta e silenciosa, de forma visual. 2. Transitórias - O Grafitti é uma arte efêmera por si só e possui um aspecto rotativo entre seus desenhos. Enquanto isso, a dança, por sua natureza dinâmica, é naturalmente transitória. 3. Particulares - Ocorrem em espaços específicos, que sejam atraentes aos praticantes (tanto grafiteiros quanto dançarinos) 4. Subversivas - Rompem usos pré-estabelecidos do espaço, criando visões alternativas de se relacionar com o espaço público. 5. Ativas - Reconquistam espaços sub-utilizados, reativando-os. 6. Interativas - São criados novos elos de interação entre os praticantes e as superfícies onde realizam seus atos. É criada uma vinculação entre o local e o artista. 7. Participativas - São organizadas por grupos locais, de baixo para cima, através de produções simples e independentes do poder público.

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8. Relacionais - Nos dois casos, as manifestações geram novas interações com o publico que a percebe, criando novas sensações e despertando a imaginação.

4.2.1 O GRAFITTI: TRANSFORMANDO A ARQUITETURA LOCAL Em um bairro como o Recife Antigo, dotado de um conjunto arquitetônico rico e valoroso, soaria como desperdício encontrar tantas edificações abandonadas ou mal-gerenciadas. Felizmente, para muitos artistas locais do Grafitti (ou grafite, simpelsmente), esses mesmos edifícios representam uma tela em branco: lá, eles podem extravasar todo a a sua criatividade, criando um verdadeiro manifesto nas paredes. Uma caminhada pelas ruas históricas do bairro é suficiente para dar-se conta da quantidade de intervenções artísticas no bairro, especialmente na Rua da Moeda e adjacências. O grafite é uma arte fundamentalmente urbana, uma manifestação artística surgida nos Estados Unidos, na década de 1970. Consiste em um movimento organizado nas artes plásticas, em que o artista cria uma linguagem intencional para interferir na cidade, aproveitando os espaços públicos para realizar experimentos no desenho e fazer críticas sociais. No Brasil, o grafite chegou ao final dos anos de 1970, majoritariamente em São Paulo. Hoje, já pode ser encontrado em muitas cidades brasileiras, onde o estilo desenvolvido pelos brasileiros é reconhecido entre os melhores do mundo. Só no Recife, existem mais de 50 grafiteiros reconhecidos, dentre eles Johny Cavalcanti, Arbos, Azul de Barros, Derlon, entre outros artistas. Esse estilo de arte, que se apropria de edifícios abandonados ou área com tapumes para deixar suas marcas, sempre foi vista sob uma ótica de atividade marginal, muito embora tenha importante papel social. Recentemente, tem conquistado mais adeptos e respeito das autoridades, expandindo sua zona de atuação e ganhando evidência. Nesse capítulo, veremos qual a importância estratégica do grafite para a cidade do Recife nos dias atuais e qual o legado que deixa para as ruas do bairro. Será analisado ainda seu potencial de transformação social, e como é capaz de deflagrar a amabilidade urbana. 120


Figura 132-146: Grafites nas ruas do Recife Antigo.

• Grafiteiro/writter: o artista que pinta. • Bite: imitar o estilo de outro grafiteiro. • Crew: é um conjunto de grafiteiros que se reúne para pintar ao mesmo tempo. • Tag: é a assinatura de grafiteiro. • Toy: é o grafiteiro iniciante. • Spot: lugar onde é praticada a arte do grafitismo. 121


O Bairro do Recife possui grande valor para os artistas do grafite local. Além das intervenções nos muros e edifícios, esse bairro também abrigou inúmeras exposições evidenciando esse estilo de arte. Esses eventos se realizaram tanto dentro de centros culturais - como a exposição Grafitti na Torre Malakoff e a exposição do grafiteiro OZI - 30 Anos de arte Urbana, na Caixa Cultural quanto através de trabalhos realizados na rua, em ações coletivas específicas,. Como exemplo, pode ser citado o caso do Recifusion, que ocorreu na avenida Rio Branco durante 3 anos consecutivos (2013 a 2015).

Figura 147-148: Representatividade do Grafite na Caixa Cultural/ Torre Malakoff.

Sendo assim, desde a travessa do Tuiuty, próxima ao posto de gasolina da ponte giratória até a torre Malakoff, existem inúmeros percursos onde pode-se encontrar dezenas de artistas. O aspecto envelhecido, descascado e sombrio de uma edificação abandonada representa exatamente a superfície cheia de significado buscadas por esses profissionais. A oportunidade de trazer novamente vitalidade a essas ruínas é atraente, e o grande desafio desses profissionais é criar uma composição que trabalhe em sintonia com os desenhos de colegas que já estiverem impressos nessas paredes. A localização central do bairro do Recife contempla diversos bairros da cidade, e levando em consideração que no centro da cidade existe grande concentração de artistas do grafite, as ruas do Recife Antigo tornam-se um ponto estratégico. Além disso, um dos maiores interesses dos artistas é a 122


Figura 149-150: Percursos do Grafites nas ruas do Recife Antigo.

Figura 151: Grafites nas rua da Moeda.

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visibilidade de suas obras. Assim, se tratando de um bairro predominantemente voltado ao turismo, as condições mais uma vez se mostram propícias. A arquitetura do bairro chama a atenção desses jovens, e embora muitos lamentem o estado de degradação dos edifícios, reconhecem que se trata de uma grande oportunidade para eles, que se apropriam de suas fachadas deixando suas marcas, indo desde desenhos abstratos, até mensagens mais concretas - pedindo por paz, tolerância, respeito. Além disso, os edifícios do bairro, predominantemente ecléticos, apresentam saliências, relevos e reentrâncias, que enriquecem a volumetria das intervenções-desenhos. A marcação dos espaços de pintura é levada a sério e conduzida por um código de ética entre os artistas de rua. Suas rajadas de tinta atuam como a conquista de um território até então negado, e como uma especial de costura, comunica as pessoas. O grafite é uma cultura naturalmente transgressora, de cunho político e social, além de arte urbana. Nas periferias, muitos artistas pintam os muros deixando mensagens de força e esperança para a comunidade. Assim, principalmente a partir dos anos 90, o grafite deixou de ser ação de um grupo pequeno apenas, para tornar-se uma ferramenta de inclusão social, uma espécie de instrumento de protesto dos marginalizados pela sociedade. Seus riscos são majoritariamente realizados com estêncil e tinta em spray, embora alguns artistas utilizem outros materiais para conferir textura e volumetria às suas obras. Alguns projetos espalhados pela cidade visam tirar jovens do mundo da marginalidade para transformá-los em artistas do spray. É interessante perceber ainda que os movimentos do Hip Hop e do skate caminham juntos no sentido da rebeldia contra o funcionalismo urbanístico e transgressão contra as ordens rígidas de ocupação. Além disso, é comum encontrar oficinas de arte-educação envolvendo grafite. Como pode ser visto em trecho do documento anexado (figs. 152 e 153), o grafite vai muito além da busca por paredes para riscar. Esse manifesto, realizado no Brasil entre alguns dos maiores nomes do grafite nacional, 124


Figura 152-153: Primeiro Manifesto do Grafite no Brasil.

1° MANIFESTO DO GRAFITE São Caetano do Sul, 15 de Março de 1+9+8+9= 27

"O grafite tem por objetivo tirar o monopólio das galerias no q. tange à exposição de trabalhos artísticos. Entendo que uma nação para ser grande, o seu povo tem que ser um povo esclarecido. A arte sempre se antecipou em todos os grandes movimentos na história. Nos vivemos no Brasil, um grande país, mas c/ pessoas retrógradas no poder. É chegada a hora da arte entrar nas mentes e tentar mostrar p/ quem quiser, nas ruas, o que sentimos na pele. Este é um lado. A arte precisa mudar também. Proponho que os artistas se unam e cheguem a um denominador comum que é fazer o grafite sair das paredes e invadir outros ramos da arte, como a musica, a escultura, teatro, cinema, etc… e ser um movimento mesmo. Vejo isso como uma necessidade publica, ou seja, o povo brasileiro não tem nenhuma arte “alternativa”, que tenha reconhecimento notório no mundo. Esta pode ser a primeira. Nossa arte de de baixo pra cima, isso é importante. Temos uma parte da opinião publica ao nosso favor; Como está a arte no Brasil de hoje?Na mão das velhas e eternas raposas? Não posso ficar batendo palma p/ louco dançar! Proponho que uma pessoa, neutra convoque uma reunião em lugar neutro p/ que discutamos e cheguemos ao denominador comum mencionado.(…)”

125


Fig. 154: Oficina infantil no Recifusion Fig. 155: Johny Cavalcanti, idealizador do Recifusion. Fig. 156: Painel do artista Kobra representando Luiz Gonzaga. Fachada da Prefeitura do Recife. 2016.

evidencia uma preocupação com a arte confinada em galerias, defendendo que é preciso que haja uma reforma na maneira de conduzi-la. O grafite, para esse grupo, tem como obrigação posicionar-se diante da situação sócio-política do país. Independente de qual fosse o cenário onde se formulou esse menifesto, podemos trazê-lo para os dias atuais, percebendo que o grafite segue com as mesmas aspirações. Dar voz ao povo, resistir diante das injustiças, fornecer visibilidade à cultura da periferia, renovar o circuito das artes, tirar jovens de situações de risco seguem como as molas propulsoras dos grupos que atuam nessas intervenções artísticas. No Recife, existem iniciativas de destaque, como o Recifusion, idealizada e produzida pelos artistas Johny Cavalcanti e Leo Gospel, além do Rede Resistência Solidária, idealizada em 2005 por Galo de Souza. O primeiro é um evento que reúne artistas de todo o mundo, propondo oficinas, debates, 126


workshops e oficinas para evidenciar e valorizar a arte do grafite. Já o segundo, se trata de uma campanha de resgate de adolescentes que enveredaram pela pichação, para que aprendam valores de cidadania e técnicas do grafite, tirando-os da marginalidade. Além disso, recentemente foi aplicada na parte posterior do edifício da Prefeitura do Recife um memorial a Luiz Gonzaga, realizado pelo artista Kobra. Sem sede fixa, o grupo itinerário já atendeu centenas de jovens. Realiza mutirões em vários locais da Região Metropolitana do Recife (RMR), sempre nos últimos domingos de cada mês. Já existem, inclusive, pinturas em alguns pontos bastante conhecidos, como no Parque Treze de Maio, no Aeroporto Internacional dos Guararapes e no Teatro do Parque, além de diversos lugares da periferia. 1

No Brasil, o grafite tem se consolidado cada vez mais, em grandes centros como São Paulo (fig. 157) e é possível notar mais e mais casos de artistas que conquistam fama no exterior, como é o caso d'Os Gemeos, que foram convidados a realizar uma intervenção na fachada do Tate Modern Musem, em Londres. A capital londrina também dá visibilidade à arte, atém de outros grandes centros europeus, como Paris e Berlim.

Fig. 157: Grafite na Praça Roosevelt, antes e depois de ser apagado. São Paulo, 2014.

1

Disponível em: < www.unicap.br/webjornalismo/sprayzando/> . Acesso em 05 de janeiro de 2017. 127


A AMABILIDADE URBANA NO GRAFITE Do mesmo modo que o skateboarding, o grafite é comumente associado ao crime e à marginalidade. Essa visão, precipitada e taxativa, faz com que essa arte continue segregada nos dias atuais. No entanto, é preciso levar em conta seu potencial de inclusão social, de transformação urbana e de resgate dos espaços públicos. Do ponto de vista da amabilidade urbana, o grafite pode ser compreendido como um novo e potente elo entre pessoas e espaço público, além de um elo entre as próprias pessoas. Essa arte urbana representa toda a dinâmica da sociedade atual, tratando-se de uma imagem efêmera diante de construções permanentes. Não por acaso, muitas paredes ocupadas pelo grafite no bairro do Recife, tornam-se pontos turísticos não-oficiais, juntamente àqueles já consolidados, além de cenários para filmagens, ensaios fotográficos e cartõespostais.

Fig. 158: Grafite nas paredes dos edifícios do Recife

128


4.2.2 PONTILHADOS: HISTÓRIAS DO BAIRRO CONTADAS PELA DANÇA Dance, dance. Otherwise, we are lost. (Pina Bausch)

Revisitar as origens do bairro do Recife, contar histórias de personagens que ali viveram, suas alegrias e tristezas para dezenas de pessoas, através de passos de dança. Através de uma performance realizada por 15 bailarinos, permeando diversas ruas do bairro e conduzindo o público a trilhar com os próprios pés esse percurso, Pontilhados é uma performance capaz de anunciar uma nova atmosfera espacial no bairro, homenageando sua historia e misturando passado e presente. A dança e o teatro, juntamente às demais artes - arquitetura, escultura, pintura, música, literatura e cinema - possuem um grande potencial de transformação humana. A dança,devido aos seus vigorosos movimentos, representa uma linguagem estética única, capaz de transformar tanto o indivíduo que realiza, quanto aquele que aprecia a sua dinâmica movimentação. O Estado de Pernambuco é rico em cultura popular, e no campo da dança, podem ser citados alguns estilos de destaque para a identidade local, como o frevo, coco, cavalo marinho, caboclinho, maracatu rural, mamulengo, ciranda e pastoril2. Além disso, atualmente, é possível assistir à mescla desses estilos com outros que têm se popularizado, como o Hip-Hop americano e a dança contemporânea, que comprovam que se trata de uma linguagem cada vez mais unificada. Para esse estudo, escolhi como segundo caso de intervenção temporária artística a intervenção Pontilhados, acreditando em sua capacidade ímpar da dança de desenvolver novos espaços e tornar o indivíduo livre dentro do 2

Disponível em: < http://dancas-tipicas.info/regiao-nordeste.html > 129


espaço público, criando novos comportamentos através da sua própria liberdade física. A intervenção Pontilhados representa a terceira parte de uma trilogia de performances que surgiu a partir da pesquisa Ilhados. São elas: Ilhados: Encontrando as Pontes; Compartilhados; e Pontilhados, sendo esta dançada no Bairro do Recife. A escolha pelas ruas do bairro foi uma decisão da bailarina, coreógrafa e diretora do grupo, Mônica Lira, por acreditar que dentro desse bairro, se encontra a raiz da historia da cidade. Assim, é nas próprias ruas do bairro onde a autora retrata suas histórias e mitos, a partir de rupturas nas ações do cotidiano. Contada a partir do ponto de vista de mulheres que possam ter vivido no bairro - prostitutas, guardadoras de carro, noivas, madames - utilizando como suporte marcos da arquitetura local, a intervenção é capaz de conduzir seus espectadores a um outro lugar, mesmo que estejam caminhando sobre mesmas ruas que sempre conheceram. Essa sobreposição clara de atmosferas se torna possível graças às habilidades artísticas dos bailarinos, além do aspecto dinâmico da performance, que não costuma exceder 60 minutos. Para intensificar a experiência, fones de ouvido são distribuídos entre os espectadores, onde uma narração feminina prende ainda mais a atenção do público. Intercalada por uma trilha sonora meticulosamente planejada, a voz nos convida, eventualmente, a subir ou baixar o olhar, ora contando histórias reais, ora lendas urbana. O sincronismo entre a voz, os movimentos e as edificações impressiona - e assim cria-se um novo elo com as ruas e edifícios do bairro. O suporte desses bailarinos são as ruas de paralelepípedos, becos e edificações do bairro: se inicia a perfomance no próprio Espaço Experimental, na Rua Tomazina, para em seguida uma bailarina tomar a frente da Igreja Madre de Deus, enquanto um grupo se reune no largo entre ela e o Shopping Paço Alfândega; as margens do rio Capibaribe; a ponte Mauricio de Nassau; o 130


edifício Chanteclair; as avenidas Marquês de Olinda e Rio Branco; o edifício do Paço do Frevo; a Praca do Arsenal, a Rua do Bom Jesus, para, por fim, chegarmos ao Marco Zero, onde se realizará o último ato do grupo no centro da rosa-dos-ventos, seguido do solene encerramento, onde a primeira bailarina a se apresentar entra num barco e some em meio às águas. Seria possível afirmar que, durante a realização da performance, para aqueles que a assistem acompanhados da sonoplastia pelos fones, as ruas passam a ser tomadas por uma espécie de encantamento, que modifica completamente a maneira de compreender o local. Suas ruas já não são apenas as mesmas ruas de sempre: passam a ser portais para um tempo passado, onde aqueles personagens representados pelos bailarinos de fato existissem. Para aqueles que ocasionalmente tenham assistido fragmentos da performance, por estarem de passagem pelo percurso da performance, a sensação é distinta, mais ainda assim, mágica. Afinal, por que haveriam pessoas dançando no meio das ruas? A atração é imediata. O estranhamento se mistura à curiosidade e simplesmente são fisgados pelos bailarinos em ação.

Fig. 159: Percurso da performance Pontilhados.

131


132


Figs. 160-175: Performances de Pontilhados, em sequĂŞncia. 2016. 133


Fig. 176: O processo de triangulação através de intervenções temporárias. A TRIANGULAÇÃO DE WILLIAM WHYTE Segundo Whyte, trata-se de um processo no qual um estimulo externo aproxima dois indivíduos no espaço, de forma que duas pessoas estranhas iniciem uma conversação. Sendo assim, a presença de personalidades urbanas em um espaço público pode facilmente desencadear a triangulação, tornando-o mais amigável.

Para diversos autores, esse fenômeno de quebra que ocorre diante de acontecimentos inesperados ou raros - como um espetáculo de dança por entre as ruas - serve para provocar alívios dentro do tenso espaço urbano. Um transeunte que esteja entre um compromisso e outro, apressado, poderá ser surpreendido de tal forma que inicie uma conversa com algum estranho na rua, sinalizando aquele fato. Pontilhados foi idealizado, desde o início, para ser um espetáculo aberto, inclusivo, dançado na rua. A venda de ingressos é realizada para aqueles espectadores que queiram ter acesso aos fones de ouvido com sonoplastia adaptada, mas o objetivo de fato é que essa obra seja vista por todos, indiscriminadamente. Apesar disso, a ação tem sido alvo de especulação e o grupo tem recebido inúmeros convites do poder público local, que quer promovê-lo a uma atração turística, o que contraria o interesse original do grupo de artistas, que já negou a proposta sucessivas vezes. A intenção é manter a aura de almas penadas vagueando pelo bairro em busca de respostas, contando suas histórias através da dança. 134


A REDUÇÃO DO ESPAÇO PESSOAL O espaço pessoal refere-se à área com limites invisíveis que cerca o corpo, e na qual os estranhos não podem entrar. (SOMMER, 1973 apud FONTES, 2013). Desse modo, a presença de uma intervenção temporária no espaço público faz com que a rotina do cotidiano se rompa, abrindo brechas que permitam novas interações entre as pessoas, que se reúnem em torno daquele novo fato, para analisá-lo e discuti-lo.

Fig. 177: A redução do espaço pessoal por meio de intervenção temporárias.

Assim, retomo agora a teoria de Sennett, presente no primeiro capítulo desse estudo, onde o autor chama a atenção para os indivíduos, cidadãos comuns, que vagueiam pela cidade contemporânea, insensíveis à qualquer outra realidade diferente da sua, que possa estar diante de seus olhos. Para ele, a ideia da alta velocidade é um dos geradores dessa passividade. Desse modo, o autor lança provocações em relação à passividade no cenário urbano, evocando novas relações entre os corpos dos indivíduos, ao afirmar que as relações entre os corpos humanos no espaço é que determinam suas relações mútuas, como se veem e e se ouvem, como e tocam e se distanciam ( SENNETT, 1994). No Recife, é possível encontrar diversos grupos de dança, utilizando-a como modalidade esportiva e de lazer, tal qual o ciclismo ou o skateboarding. Alguns grupos podem ser vistos em meio aos skatistas do Marco Zero, ou em parques como o Dona Lindu e a Jaqueira. Como prática artística, podem ser citado o coletivo RecBeats, vinculado à cultura de rua como um todos, promovendo diversas atividades que promovem a street dance e o hip-hop; além do workshop Espaços no próprio corpo: aproximação à arquitetura através da dança, promovido pela bailarina e coreógrafa alemã Katerina Valdivia Bruch, que buscou promover vínculos entre a dança e os espaços urbanos, em maio de 2016.

135


Fig. 178: RebBeats, coletivo local de HipHop, que ensina sobre o valor da dança de rua. 2016. Fig. 179: Espaços no próprio corpo: aproximação à arquitetura através da dança, por Katerina Bruch. 2016.

Na cidade de São Paulo, o grupo Lagartixa na Janela, coordenado pela dançarina, coreógrafa e educadora Uxa Xavier, lançou um projeto entitulado Mapa para Dançar em Muitos Lugares, promovendo encontros que levavam crianças para as ruas de São Paulo, buscando ensiná-las sobre como apropriar-se dos espaços públicos da cidade, fugindo à obviedade do cotidiano. De mesmo modo, a bailarina e coreografia Pina Bausch (1940-2009) costumava realizar com seus bailarinos diversas experimentações nas ruas da cidade de Wuppertal, na Alemanha. A cidade alemã, onde reside até os dias atuais sua escola de dança, foi palco de belas imagens, capturadas em video por Wim Wenders no documentário Pina.

Fig. 180: Ação do grupo Lagartixa na janela, coordenado por Uxa Xavier. 2015. Fig. 181: Cena do documentario Pina, de Wim Wender. 2012.

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AMABILIDADE URBANA ATRAVÉS DA DANÇA Observar os gestos corporais devolve dentro do indivíduo sua consciência humana. Portanto, a dança, quando levada às ruas, é capaz de criar uma atmosfera única de contemplação, absorvendo invariavelmente o observador, que se projeta naquela gesticulação, como se ele próprio estivesse a se libertar do fardo dos movimentos repetitivos da vida cotidiana. Nesse caso, o princípio da triangulação3 é facilmente evidenciado, reduzindo o espaço pessoal4 e as distâncias entre os indivíduos, modificando suas relações5. Proporcionando o devido espaço à prática da dança dentro do espaço público, poderíamos, talvez, libertarmo-nos da passividade corporal. Assim,como diria Oiticica: É preciso esclarecer que meu interesse pela dança, pelo ritmo, me veio de uma necessidade de livre expressão, já que me sentia ameaçado na minha expressão por uma excessiva intelectualização (…) é, portanto, para mim, uma experiência de maior vitalidade, indispensável, principalmente como demolidora de preconceitos, estereotipasses etc. (OITICICA, 1961 apud JACQUES, 2011)

A dança na rua provoca pequenas aberturas dentro da rotina do espaço urbano. Assim, o espaço publico que recebe uma intervenção de dança ganha uma nova propriedade: como um filtro que se sobrepõe às ruas, de forma imaginaria somos capazes de reconstruir o espaço com base naqueles fantasmas que ora passaram por aquele local, propondo uma nova forma de movimentar-se sobre ele.

3

Como observado por WHYTE (1980) e reafirmado por GEHL (2015).

4

Como exposto por FONTES (2013).

5

Como pontuado por SENNETT (1994). 137


Fig. 182: Perfomance de Pontilhados na Avenida Brio Branco. 2016.

138


4.2.3. CONCLUSÕES_manifestações artísticas Retomo agora a expressão Post-it City, já mencionada no segundo capítulo. A imagem figurativa de um post-it pode ser associada a essas intervenções artísticas no cenário urbano, por sua espontaneidade e pela leveza como vêm e vão, deixando mensagens lúdicas e belas, movimentando o espaço. Assim, como disse La Varra: Como um texto cheio de ‘post-its’, a cidade contemporânea está ocupada temporariamente por comportamentos que não deixam rastro - como tampouco o deixam ‘post-its’ nos livros - que aparecem e desaparecem de modo recorrente, que têm suas formas de comunicação e de atração, mas que cada vez são mais difíceis de ignorar (LA VARRA, 2008, apud FONTES, 2013)

Desse modo, a fim de sintetizar as informações vistas nesse capítulo e destacar os conceitos revelados por cada uma dessas intervenções temporárias artísticas, será apresentado agora um quadro-resumo, que introduz à conclusão final desse estudo.

139


GRAFITE: ARTE URBANA

DANÇA: PONTILHADOS

- Valor afetivo para os artistas. O LOCAL

- Edifícios Abandonados = telas em branco para o grafite

- Bairro central em relação à cidade; O ENTORNO

CULTURA DE RUA

SOCIAL

-

repletos de memória Ruas, becos e edifícios marcantes como suporte.

- Bairro central em relação à cidade;

- Bairro de Potencial turístico e rica - B a i r r o d e v a l o r h i s t ó r i c o , arquitetura. potencial turístico e rica arquitetura.

- Dança saindo dos palcos - Popular no Brasil e no mundo; fechados e tomando as ruas; - Irreverente e dinâmico. Rompimento com ordens pré- Relação com outras culturas estabelecidas urbanas( Hip-hop, Skate ) - Momentos de contemplação

- Promove a inclusão social de A FUNÇÃO

- Percurso por pontos do bairro

-

jovens; Ressignifica os espaços públicos; Nova feição às fachadas esquecidas Pontos Turísticos não-oficiais

- Promove reflexões sobre o

-

comportamento do corpo no espaço urbano e novos modos de fruir a cidade e os edifícios; Ressignifica os espaços públicos; Nova feição às ruas e fachadas esquecidas

- E d i f í c i o s , t ú n e i s e v i a d u t o s . - Apresentações espontâneas/ abandonados em toda a cidade;

OUTROS LOCAIS

- Pode ser encontrado principalmente na periferia dos grandes centros urbanos.

workshops em espaços públicos locais. Grupos e bailarinos de dança contemporânea em todo o mundo

Tabela 3: Quadro-síntese dos estudos de referência das manifestações artísticas.

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Conceitos Revelados (Condição Efêmera)

Dinamismo: Nova atitude diante das estruturas cristalizadas do ambiente urbano.

Dinamismo: Nova atitude e movimentos do corpo no ambiente urbano.

Reversibilidade: Os desenhos podem ser apagados.

Reversibilidade: A dança é móvel e fluida, não deixando rastros físicos no espaço onde acontece.

Flexibilidade: É possível promover a interação de diversos artistas, sobrepor adaptar a outros desenhos. Imprevisibilidade: Gera inúmeras formas de apreensão e interpretação do lugar, que renascem a cada intervenção. Conexão: Articula os jovens e cria uma relação também com os transeuntes. Existe uma retomada do espaço.

Conceitos Revelados (Espaços Coletivos)

Flexibilidade: Expande o pensamento para novas e infinitas possibilidades de recriar os espaços públicos. Imprevisibilidade: As perfomances são programadas, mas as reações das pessoas em cada contexto e sua interação pode variar. Conexão: Desperta reflexões sobre as ações no corpo no espaço público e gera novas conexões entre transeuntes.

Dissolução de Domínios:

Dissolução de Domínios:

Os jovens utilizam-se de edifícios privados, além equipamentos urbanos públicos.

Os bailarinos utilizam vias públicas, mas também edifícios particulares para realizar sua performance.

Formação de Identidade

Formação de Identidade

É criada uma nova identidade urbana, compatível com o espirito contemporâneo das cidades.

É introduzida uma nova linguagem urbana aos espaços onde ocorrem as performances.

Reconquista do Espaço

Reconquista do Espaço

Os edificios saem do estado de abandono e se tornam painéis de arte ao ar livre.

É devolvida aos usuários a oportunidade de repensar seus movimentos no espaço público.

Tabela 4: Quadro-síntese dos conceitos revelados pelas manifestações artísticas.

141


142


04 .3

___________ FESTAS

LOCAIS 143


No bairro do Recife, é possível encontrar diversas formas de manifestações artísticas que apontam sua vitalidade perante a cultura local. Além disso, no bairro ocorrem inúmeras celebrações, com destaque para o carnaval multicultural, que reúne grandes multidões para assistir aos artistas locais e convidados. Embora esses grandes eventos, sem dúvida, estimulem a presença de pessoas em determinadas épocas do ano, as festas locais a que se refere Fontes originalmente em seu estudo, pertencem a uma outra dimensão: necessariamente, consistem em festejos locais, de porte intermediário, entre os usos contemporâneos e os grandes eventos: As diferenças entre as intervenções temporárias e os grandes eventos, consistem, em primeiro lugar, na própria dimensão desses eventos; em segundo lugar, diferem no quesito da participação, onde nos grandes eventos, os indivíduos atuam unicamente como espectadores, e nas intervenções temporárias, a participação dos indivíduos é pré-requisito. (capítulo 2, Amabilidade Urbana )

Desse modo, é possível afirmar que os eventos locais de pequeno porte têm o poder de gerar nas pessoas o sentimento de comunidade. Assim, os preparativos para uma festa de rua demandam envolvimento da população, e esse fenômeno, mais até do que o próprio evento, contribuindo para um estreitamento dos laços entre cidadãos e estimulando a sensação de pertencimento àquele local. No entanto, para que haja festas locais nesses padrões, é necessária a participação de uma comunidade residente que, como já pudemos ver no capítulo 3, é o principal problema do bairro do Recife, nos dias atuais: Hoje, é ínfimo o numero de pessoas que habita as ruas do bairro do Recife. A moradia permanente é escassa. Com exceção da comunidade do Pilar - que abrange cerca de 500 habitantes atualmente - o número de moradores não chega a 50 habitantes. Segundo a arquiteta e urbanista Lucia Leitão, a moradia é o único uso 7/7, ou seja: que movimenta um bairro sete dias por semana. Desse modo, é possível dizer que a ausência desse tipo de uso impede a geração de um sentimento de comunidade e apropriação - no sentido de afinidade - e sua manutenção fica comprometida. (capítulo 3, Bairro do Recife)

Essa carência de ocupação efetiva (moradia permanente) dificulta a floração do sentimento de pertencimento, e portanto, da manutenção orgânica dos

144


espaços. Com isso, as festas comunitárias, produzidas pelos próprios residentes, inexistem no bairro. Desse modo, buscando adaptar os princípios expostos por Fontes, abordo aqui o tema festas locais a partir de outros tipos de manifestações festivas que ocorrem no bairro, igualmente capazes de difundir alegria e despertar um sentimento de identificação com a cultura local naqueles presentes: os ensaios de Maracatu e o Som na Rural, que já estiveram presentes em diversas localidades do bairro. Aqui, retomo o conceito de Event Places, cunhado por Sabaté, Frenchman e Schuster: essa expressão define os espaços nos quais características culturais e significativas de uma se cidade se encontram. Assim: (…) Eventos memoráveis, ainda que em pequena escala, são capazes de registrar marcas duradouras nos lugares específicos onde ocorrem, transformando lentamente a configuração urbana desse local. (capítulo 2, Amabilidade Urbana )

Fig. 183: Locais onde costumam acontecer ensaios de grupos de Maracatu. Fig. 184: Locais onde ocorreram intervenções do Som na Rural e ruas afetadas no entorno.

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Por fim, é possível afirmar que esses dois casos de festas locais aqui relacionados se encaixam às oito dimensões de intervenção temporária, ainda que divergindo da proposta original de Fontes1: 1. Pequenas - Ocupam trechos do bairro em pequenas reuniões, não atingindo as dimensões de grandes eventos, como o carnaval. 2. Transitórias - São manifestações dinâmicas, que acontecem por meio de instrumentos musicais facilmente transportáveis/ uma plataforma itinerante. 3. Particulares - Ocorrem em espaços públicos de pouco movimento, durante a tarde/ noite. 4. Subversivas - Rompem usos pré-estabelecidos do espaço, criam usos alternativos. 5. Ativas - Reconquistam e trazem movimento a espaços públicos sem fluxo de pessoas. 6. Interativas - Geram forte interação entre os organizadores, público e a plataforma onde ocorre a ação (rua ou praça). 7. Participativas - É organizado de baixo para cima, através de produções populares e independentes do poder público. 8. Relacionais - Proporcionam conexões entre praticantes do esporte e demais usuários do local

1

De festas organizadas por personagens residentes daquela localidade, comunidade local. 146


4.3.1 ENSAIOS DE MARACATU A aposta em alguma particularidade local, associada ao envolvimento da sociedade, permite que a intervenção tenha a cara do lugar, que lhe será sempre específica. (FONTES, pág. 66)

Em uma tarde qualquer, durante um fim de semana, um visitante que estiver no bairro do Recife a fim de conhecer seu famoso circuito cultural, pode, repentinamente ser tomado de assalto. Escuta batidas compassadas e fortes, pesadas e envolventes. Em seguida, escuta uma espécie de chocalho. Parecem muitos. Novos sons se somam e esse visitante resolve ajustar sua rota. Acompanhar aquele som tornou-se prioridade. Vira em uma, duas ruas. O som vai se tornando mais forte. Dessa vez parece vir de dentro do peito. Por fim, chega à origem do som: um grupo de cerca de 20 pessoas se reune, cada um com um tipo de instrumento diferente. Um grupo de maracatu, em uma rua qualquer do bairro, com pouco movimento de carros, ensaia seus batuques. O relato acima é uma exemplificação de como ocorrem, normalmente, os encontros da população frequentadora do bairro do Recife com os grupos locais de Maracatu. Esses grupos, que na realidade possuem seu próprio cronograma, onde associações próprias onde definem data e local de ensaio, parecem surgir repentinamente, como se fossem entidades escondidas nas ruas do bairro do Recife. O arrebatador som das alfaias anuncia de longe a realização de um ensaio, e existe um impulso imediato para aproximar-se da fonte. O Maracatu Nação ( ou de Baque Virado), como são chamados os grupos urbanos que produzem esses sons, sempre começam em ritmo compassado, que depois se acelera, embora jamais alcance um andamento muito rápido. Possivelmente, dentre todas as manifestações citadas nesse estudo, os ensaios de maracatu são aqueles que nutrem uma relação mais íntima com os espaços públicos do Bairro do Recife. Trata-se de uma manifestação cultural equivalente a um festejo, remetendo diretamente ao bairro, ainda que não seja uma produção da população residente. 147


Fig. 185-186: Instrumentos utilizados durante um ensaio de Maracatu.

148


A razão para a realização de tantos ensaios de Maracatu Nação no Bairro do Recife se dá justamente por tratar-se do local onde esses grupos farão suas apresentações, durante o carnaval. Desse modo, os músicos passam a conhecer melhor as ruas, amoldando-se a elas, antes do dia de sua performance formal. Segundo membros de associações de Maracatu Nação, praticamente todas as ruas e travessas do bairro já receberam algum ensaio, eventualmente. E não é difícil encontrar, em uma mesma tarde, mais de um grupo ensaiando, mesmo estando a poucas ruas de distância, o que transforma completamente a atmosfera do bairro. Por tratar-se de uma região turística, os ensaios de Maracatu fortalecem ainda mais seu caráter de apresentações independentes. O som ecoa facilmente pelas vias silenciosas, gerando uma espécie de labirinto sonoro que torna-se um jogo para os frequentadores do bairro. A arquitetura dos edifícios em ruínas parece criar uma cenografia propícia para as apresentações musicais dos grupos. Já as ruas e becos do bairro esvaziados, com seu fluxo reduzido de automóveis, parecem se adequar às necessidades das associações de Maracatu, que necessitam de espaços para organizar-se em círculo, em torno do mestre2. Durante os ensaios, os músicos buscam conforto, trajando como uniforme unicamente as camisas com o brasão de sua escola ou associação e calçados confortáveis. Trata-se de um aquecimento para as roupas mais elaboradas que deverão trajar dali a alguns meses. Já o piso acidentado não representa uma dificuldade para os músicos, já acostumados a tantos outros obstáculos, como as multidões que tomam conta das ruas do carnaval. Atualmente, o bairro do Recife já tornou-se marcado por essas apresentações, que traduzem o espírito da cultura local e contagiam o público. É interessante observar ainda que quando chegam os grupos para ensaiar, o comércio ambulante tenta acompanhá-los, sabendo que onde há apresentações, haverá 2

Ou puxador, como é chamado aquele que conduz os instrumentistas, como um maestro. 149


também público para assisti-las - e possivelmente consumir algo para comer ou beber. A linguagem do Maracatu detém tamanha credibilidade perante os agentes municipais que mesmo bloqueando parcialmente algumas ruas durante suas performances, não há retaliação do poder público - no caso raro de grupos maiores, existem até agentes que coordenam o trânsito em tono deles. O mais antigo registro que existe do Maracatu Nação é de 1711, nas ruas de Olinda. Essa vertente do movimento teria surgido durante a escravidão, entre os séculos XVII e XVIII, representando naturalmente uma cultura de subúrbio. Originalmente, encontra-se associado à dança, e as canções possuíam letras mais elaboradas. Hoje, a parte cantada encontra-se reduzida a poucas estrofes, que são repetidas ao longo das canções.3

Fig. 187-188:Ensaios realizados em ruas do Bairro do Recife.

3

Disponível em: < http://www.cultura.pe.gov.br/canal/patrimonio/ >. Acesso em dezembro de 2016. 150


Por quase dois séculos, esse Maracatu foi condenado à marginalidade e quase esquecido. Felizmente, foi resgatado pelo movimento Manguebeat, durante a década de 1990, trazendo de volta o som do Maracatu Nação e mesclando-o aos acordes de guitarra do rock e até mesmo com a cadência do hip-hop. Os principais difusores desse estilo musical foram Chico Science, o grupo Nação Zumbi e o Mestre Ambrósio. É interessante reforçar ainda que a Rua da Moeda é um dos pontos favoritos de reunião para ensaio dos grupos de Maracatu, não ao acaso: no centro da rua, encontra-se uma estátua de Chico Science. Antigamente, o Maracatu Nação fazia parte do ciclo de festividades natalinas, para em seguida migrar para o carnaval, onde se consolidou nas últimas décadas. Hoje, é uma das expressões mais importantes do ciclo carnavalesco no circuito Recife-Olinda, tendo recebido em 2015 o título de patrimônio imaterial da cultura popular. 4 A origem do Maracatu Nação data dos tempos de escravidão. Desse modo, é impossível ignorar sua função social de resgate de grupos marginalizados da sociedade. Desse modo, além de patrimônio cultural e atrativo turístico para o

Disponível em: < https://leledeoya.wordpress.com/maracatu-de-baque-virado-maracatu-nacao/ >. Acesso em 06 de janeiro de 2017. 151 4


estado de Pernambuco, o Maracatu possui ainda elevada importância social, auxiliando jovens a encontrar novos caminhos por meio do batuque. As associações de Maracatu são espaços multiculturais, onde costumam acontecer muitos eventos, desde oficinas de dança e música até festejos que reúnem o maracatu a outros gêneros da cultura popular. Apesar de tratar-se de um gênero artístico iniciado em Pernambuco, acima de tudo, o Maracatu é representante essencial da cultura popular brasileira. Desse modo, é possível, atualmente, encontrar grupos em todas as regiões do país, com maior incidência em outros estados do Nordeste e no Rio de Janeiro. Em Pernambuco, os grupos de Maracatu Nação normalmente apropriam-se das ruas do Bairro do Recife, como também das ladeiras de Olinda. Já no interior, é possível encontrar muitas associações de Maracatu Rural, que utiliza sua própria linguagem, divergindo do Maracatu que estamos habituados a ver no carnaval. Fig. 189: Ensaio de Maracatu pelas ruas do Bairro do Recife.

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A AMABILIDADE URBANA ATRAVÉS DO MARACATU

Nas apresentações de Maracatu Nação que ocorrem durante o carnaval, os músicos e dançarinos utilizam ornamentos e trajes mais elaborados, com mais cores e texturas. Essa condição de teatralidade, embora seja de grande valor cultural, transfere essa intervenção para a categoria de grandes eventos, como discutido no segundo capítulo desse estudo. O carnaval, como já mencionado previamente, possui uma ordem de grandeza mais elevada, de proporções internacionais. Nessas condições, a amabilidade urbana não se manifesta precisamente, pois se trata de um elo mais intimista e sutil. Assim, as alegorias utilizadas nas festas carnavalescas altera a proporção das performances, dando-lhes um caráter de espetacularidade, e transformando-nos em meros espectadores. No caso dos ensaios, nos vemos mais próximos dos músicos, dos instrumentos, sem a separação por ornamentos: a conexão é mais direta. É possível apreender o ambiente, pois não há multidões. Olhamos em direção aos músicos enquanto esses nos olham de volta, e o vínculo torna-se mais estreito. Assim, retomando o conceito de triangulação de Whyte, vemos como a presença de uma intervenção temporária não só conecta a intervenção temporária ao local, mas também às pessoas, e às pessoas entre si.

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4.3.2 SOM NA RURAL Com bandeirolas coloridas, um tapete quadriculado e um carro antigo decorado de forma psicodélica, o produtor cultural Roger de Renor fez do Som na Rural a mais famosa plataforma itinerante de difusão cultural atualmente. Velho conhecido da cena cultural na cidade, Roger criou esse novo modelo para divulgação de novos talentos musicais, convidando-os a realizar apresentações nos espaços públicos de toda a cidade e até mesmo da vizinha Olinda. O veículo, que já estacionou, literalmente, em diversos bairros do Recife, encontra no centro da cidade sua área de maior influência, com ênfase no Bairro de Santo Antônio e no Bairro do Recife. Nesse momento, é possível retomar dois dos conceitos mencionados por Fontes, para embasar sua teoria em torno das intervenções temporárias e da amabilidade urbana: os event places e o everyday urbanism. A primeira expressão qualifica aqueles lugares que conservam uma grande carga de memória associada e um evento ou situação já ocorridos dentro dele. Já a segunda expressão se refere às diversas atividades que celebram a riqueza das atividades cotidianas, apontando nessas um potencial em si, conectando e mantendo unida a vida diária (SABATÉ, FRENCHMAN, SCHUSTER, 2004; CRAWFORD, 1999 apud FONTES, 2013) Desse modo, é correto afirmar que o Som na Rural, ou simplesmente Rural como foi carinhosamente apelidado pelo público o equipamento - encontra-se num espaço interessante, entre ambas as categorias acima mencionadas. Por um lado, deixa marcas significativas para os locais onde acontece; por outro, nutre uma valiosa relação com os vendedores ambulantes do bairro, que também tornaram-se simpatizantes da intervenção.

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Fig. 190:Som na Rural realizado na Mariz e Barros. 2016. Fig. 191: Som na Rural no Urban Labs. 2015.

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Dentro do Bairro do Recife, o Som na Rural já realizou dezenas de apresentações, nos últimos cinco anos. Do extremo norte - praça do Arsenal ao extremo sul - rua da Alfândega - a Rural já viajou diversas ruas do bairro, dentro do polígono tombado. Apesar de ter como proposta fixar-se em um ponto específico durante toda a noite, a presença da Rural é um fenômeno local, que transforma toda a atmosfera do entorno, incentivando as pessoas a sair de suas casas, ocupar e valorizar os espaços públicos. Em uma só noite, já chegou a reunir aproximadamente duas mil pessoas ao ar livre 5. O S.N.R. procura criar parcerias com artistas locais, que se apresentam sobre seu tapete quadriculado, como também com outros produtores culturais que estejam realizando eventos na mesma noite. Desse modo, surgiram ricos encontros, como o Urban Labs + Som na Rural, na Rua Domingos José Martins, em novembro de 2015; Open Rua + Som na Rural, na Rua da Alfândega, em agosto de 2016, além de prévias carnavalescas por todo o bairro. A Rural de Roger representa um dos eventos mais democráticos que existem no Recife. Diversos grupos sociais e tribos se misturam nesse espaço, onde todos têm espaço pra dançar e falar ao microfone. A Prefeitura do Recife já contactou os produtores de eventos vinculados à Rural, sugerindo convites

para transformar essa plataforma itinerante em

alegoria carnavalesca. Além da prefeitura, outros investidores ja demonstraram interesse pela plataforma, como a Rede Globo, que cogitou gravar cenas para uma série de televisão. No entanto, Roger prefere o formato atual da ação e garante estar feliz com o rumo que os eventos tem tomado, sempre de forma independente e sem aceitar investimentos do poder público ou de grandes emissoras. O papel do Som na Rural é, acima de tudo, misturar pessoas. Segundo Roger, seu objetivo é levantar o olhar das pessoas, que vivem confinadas dentro de locais fechados, para que voltem a contemplar e frequentar os espaços Como foi o caso da noite de 27/08/2016, fruto da parceria entre essa plataforma itinerante e os djs da festa Ai meu Corassaum. 156 5


Fig. 192-193: Ai meu Corassem + Som na Rural no #OpenRua. 2016. 157


públicos da cidade do Recife, convivendo com outras realidades. Atualmente, as programações de lazer da cidade são sempre em espaços confinados, repletos de camarotes e áreas V.I.P., que setorizam o ambiente e criam tensões. Essa diferenciação de públicos dentro de eventos pagos é, segundo a urbanista Lúcia Leitão, um reflexo da segregação social já tão cristalizada aos hábitos da sociedade local: Afinal, como uma sociedade que se constituiu sob o manto da domesticidade, poderia construir espaços de uso e função públicos? Por que razão ou com que interesse essa sociedade patrocinaria o espaço do encontro com um outro cujo convívio sempre lhe pareceu indesejável? (LEITÃO, 2009, p.108)

A partir dessa constatação, pode-se afirmar que o Som na Rural busca trabalhar o antídoto desses hábitos de isolamento. Através de uma proposta inusitada e divertida, desperta a curiosidade de grupos sociais de todas as classes. Assim, aquela Rural, no intervalo do evento, não é mais um carro: é uma plataforma que estimula o convívio social e a difusão da cultura nos espaços públicos. Além disso, essa plataforma é ainda capaz de ativar o comércio informal do bairro, movimentando a pequena economia nos locais onde acontece que, tão logo recebem a intervenção, são preenchidos por dezenas de ambulantes. Além disso, existe um apelo constante dos organizadores para que os frequentadores conservem o local limpo e organizado.

158


Fig. 194: Som na Rural recebe o grupo local Sagaranna. Fig. 195: Som na Rural em processo de montagem da estrutura.

159 159


O Som na Rural costuma estar presente em ações locais significativas para os espaços públicos da cidade, desde ocupações6 até a inauguração de novos locais de permanência, como Jardim do Baobá7. Dentre outros espaços públicos da cidade, pode ser destacada a Praça do Diário, como uma das locações onde mais vezes se fixou a Rural. Seu vínculo, portanto, é com a cidade do Recife como um todo, não especificamente com o Bairro do Recife: não se trata, portanto, de uma intervenção site-specific8. Além disso, a Rural possui fama nacional, e sua essência itinerante já lhe transportou a diversas outras cidades, desde grandes centros como Brasília e São Paulo, até cidades do interior do nordeste. É possível apontar a existência, no Brasil, de plataformas com propostas que se aproximam da Rural, como OFusca, no Rio de Janeiro, e ABrasilia, no distrito federal.

Fig. 196: Projeto “oFusca”, Rio de Janeiro, 2015.

6

Esteve presente durante vários dias do Ocupe Estelita e Ocupe MinC, entre 2014 e 2016.

Um dentre os novos espaços públicos propostos pelo projeto Parque Capibaribe. Evento realizado em 10 de abril de 2016. 7

Tipo de intervenção que abarca as características físicas e culturais do local onde ocorre, e que perde seu sentido caso seja transferida para outro local. 160 8


A AMABILIDADE URBANA DO SOM NA RURAL

Recentemente, a Rural tornou-se um instrumento de mudanças sociais na cidade do Recife. Além de alavancar a carreira de novos talentos da cena local, essa plataforma é capaz de reativar espaços obsoletos da cidade, fornecendo novas opções de lazer para a juventude, vinculadas à cultura pernambucana. Além disso, é possível afirmar que a presença da Rural é um combate à desertificação dos espaços públicos, apresentando resistência contra seu abandono, reduzindo a sensação de insegurança, estimulando o comércio informal da área e estimulando a micro-economia. O Som na Rural fornece uma nova cara aos espaços, deixando marcas permanentes nos locais onde acontece e criando novos vínculos entre esses espaços e as pessoas que o frequentam. Sendo assim, trata-se de uma intervenção temporária bem-sucedida, capaz de gerar intencionalmente mudanças no espaço, revelando-lhe novas possibilidades de uso e estimulando a permanência nas ruas.

Fig. 197: Festa Ai meu Corassem + Som na Rural no #OpenRua, entre a Madre de Deus e o Paço Alfândega. Fig. 198: Local da festa, em um dia comum.

161


4.3.3 CONCLUSÕES PARCIAIS_festas locais.

Como já foi defendido ao longo dessa seção, as festividades de rua são capaz de criar novas atmosferas no cenário urbano, pelo simples fato de estarem nos espaços públicos. Desse modo, retomando os principais pontos referentes às festas locais, proponho o seguinte quadro-síntese:

ENSAIOS DE MARACATU

O LOCAL

O ENTORNO

- Todo o conjunto de ruas do

- Todo o conjunto de ruas do

-

- Locais com programações

Bairro do Recife Locais silenciosos e de pouco fluxo de pessoas

SOCIAL

culturais acontecendo paralelamente

- Local central em relação à

- Bairro de potencial turistico e diversidade cultural.

- Bairro de potencial turístico e diversidade cultural.

cidade e ao bairro;

CULTURA DE

A FUNÇÃO

Bairro do Recife

- Local central em relação à

- Símbolo da musica local e RUA

SOM NA RURAL

-

patrimônio da cultura popular brasileira; Relação com o Manguebeat e o Carnaval.

- Promove a cultura local; - Ressignifica os espaços públicos;

- Cria novas atmosferas; - Promove a relação entre

diferentes grupos sociais.

cidade e ao bairro;

- Relação direta com os

personagens urbanos (ex: guardadores de carro)

- Resistência ao abandono dos -

espaços públicos

- Promove a cultura local; - Ressignifica os espaços públicos;

- Cria novas atmosferas; - Promove a relação entre

diferentes grupos sociais;

- Reduz a sensação de insegurança;

- Estimula o comércio informal.

OUTROS LOCAIS

-

Ladeiras de Olinda; Interior de Pernambuco; Demais estados do nordeste; Rio de Janeiro.

-

Espaços públicos do Recife; Interior de Pernambuco; São Paulo Brasilia.

Tabela 5: Quadro-síntese dos estudos de referência das festas locais.

162


ENSAIOS DE MARACATU

SOM NA RURAL

Conceitos Revelados

Dinamismo:

Dinamismo:

(Condição Efêmera)

Estimulam à contemplação e celebração nas ruas.

Estimulam a reunião de pessoas e celebração nas ruas.

Reversibilidade: Instrumentos soltos, nao deixam rastro no local.

Movimenta a micro-economia Reversibilidade:

Flexibilidade: Estruturas recolhíveis e Abertura para diversas desmontáveis. possibilidades de uso e ativação do espaço. Flexibilidade: Abertura para diversas Imprevisibilidade: possibilidades de uso e ativação do espaço. Podem concentrar-se em diversas ruas, não há Imprevisibilidade: agendamento. Eventos abertos, sem controle Conexão: ou limite de pessoas. Cria novas conexões entre Conexão: o espaço e as pessoas, Articula os jovens, agita o Novas atmosferas. comércio de ambulantes do entorno. Novas armosferas. Conceitos Revelados

Dissolução de Domínios:

Dissolução de Domínios:

(Espaços Coletivos)

Não há limites espaciais, espaço compartilhado, o som invade os edifícios.

Não há limites espaciais, espaço compartilhado, o som invade os edifícios.

Formação de Identidade

Formação de Identidade

Consolidação da identidade cultural pernambucana e enaltecimento das ruas do bairro.

Nova forma de lazer e interação. Consolidação da cultural pernambucana e enaltecimento das ruas do bairro.

Reconquista do Espaço

Espaços públicos sem Reconquista do Espaço circulação de pessoas voltam a ter vida. Espaços públicos sem circulação de pessoas voltam a ter vida. Tabela 6: Quadro-síntese dos conceitos revelados pelas festas locais.

163


// CONCLUSÃO

164


Como foi possível estabelecer ao longo desse trabalho, a amabilidade urbana vai muito além de um fenômeno passageiro para o cenário urbano. O potencial de transformação urbana das intervenções temporárias é inegável, como pudemos comprar ao longo de seis casos recentes, ocorridos no Bairro do Recife. Esses eventos modificam completamente a atmosfera dos espaços públicos onde ocorrem, criando novas conexões entre as pessoas. As intervenções temporárias representam, ao meu ver, uma forte tendência nas formas de apropriação dos espaços públicos daqui por diante. Elas seguem a ordem evolutiva da sociedade, que tem se tornado cada vez mais dinâmica e versátil. É preciso ter em mente que, mais do que voltar-se unicamente para questões formais, a arquitetura e o urbanismo devem explorar os aspectos imateriais e as relações humanas presentes dentro dos espaços públicos. Assim, é possível determinar que a incorporação de diferentes atividades sociais humanas - esportes, música, artes plásticas, dança, festas etc. - dentro da construção dos espaços públicos da cidade pode ser a resposta para um planejamento urbano democrático e inclusivo. Desse modo, é possível intensificar a qualidade da experiência dentro de um determinado lugar, através de uma atmosfera criada. Explorando diferentes campos, a arquitetura e o urbanismo pode recriar atmosferas dentro dos espaços urbanos sub-utilizados, de modo que espontaneamente surjam novas maneiras de fruição desses locais. No caso do bairro do Recife, área escolhida para esse estudo, o cenário não é diferente. O bairro, que desde os anos 90, tem recebido estímulos e investimentos em busca de uma requalificação, ainda não encontrou seu ponto de equilíbrio. Praticamente não possui habitantes, e portanto, não há senso de comunidade. As atividades do bairro ainda são pouco diversificadas, e em determinados horários, torna-se perigosa a permanência em suas ruas. Os investimentos realizados no local, hoje, são focados no turismo e na tecnologia digital, campos que possuem maior atividade na área. No entanto, talvez a solução para esse bairro esteja nas entrelinhas - em suas próprias ruas e becos, praças e largos. Portanto, por que não examinar o bairro a partir da escala do observador? Ao longo do primeiro capítulo desse estudo, foram discutidas questões essenciais ao planejamento dos espaços públicos, do ponto de vista sensorial e físico. Dessa maneira, foi possível criar uma compreensão inicial de quais são os aspectos fundamentais que determinam a qualidade desses locais, lançando provocações que seriam complementadas nos capítulos seguintes. 165


No segundo capítulo, foram apresentados os principais conceitos e teorias utilizados pela arquiteta e urbanista Adriana Sansão Fontes, que a conduziram até a elaboração da expressão Amabilidade Urbana - título e eixo norteador desta pesquisa. Nessa seção, foram explanadas as oito dimensões fundamentais às intervenções temporárias, além das condições ideais de espaço-tempo onde essas possam ocorrer. Esse capítulo aprofundou as discussões iniciadas no primeiro capítulo, propondo novos olhares aos espaços públicos e investigando a potencialidade das intervenções temporárias. No terceiro capítulo, através de um panorama do Bairro do Recife, foi possível elaborar as primeiras conexões sobre os fenômenos que marcaram seus espaços públicos, a fim de entender de que modo seria possível resgatar a vitalidade perdida ao longo dos séculos, re-ativando seus espaços públicos. Por fim, o quarto e último capítulo desse estudo buscou analisar, segundo os conselhos de amabilidade urbana, de que maneira as intervenções temporárias - apropriações espontâneas, arte, festas - poderiam transformar os espaços públicos dentro do bairro do Recife. Os seis estudos de caso aqui expostos propuseram um novo olhar - menos superficial e mais analítico - de enxergar as ruas, criando a maior compreensão dessas atividades efêmeras que rompem com os hábitos cotidianos. Por fim, concluo esse trabalho reafirmando a urgência de se analisar os espaços públicos do Bairro do Recife através das intervenções temporárias que ocorreram recentemente em suas ruas. Além dessas, é preciso estar atento a novas intervenções que podem vir a ocorrer, visando compreender melhor quais os comportamentos sociais e as demandas individuais dentro do espaço público. Dessa maneira, será possível ao planejamento público acompanhar a velocidade de mudanças, tentando reverter o processo de esvaziamento e reativando os espaços públicos urbanos de forma permanente, com base na amabilidade urbana.

166


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Figura 37: Recife em 1648. Fonte: José Luiz da Mota Menezes (1988) apud Valentim, D. (2016). Figura 38: Recife em 1733. Fonte: José Luiz da Mota Menezes (1988) apud Valentim, D. (2016). Figura 39: Recife em 1776. Fonte: José Luiz da Mota Menezes (1988) apud Valentim, D. (2016).

175


Figura 40: Recife em 1808. Fonte: José Luiz da Mota Menezes (1988) apud Valentim, D. (2016). Figura 41: Recife em 1854. Fonte: José Luiz da Mota Menezes (1988) apud Valentim, D. (2016). Figura 42: Recife em 1906. Fonte: José Luiz da Mota Menezes (1988) apud Valentim, D. (2016). Figura 43: Rua dos Judeus. Disponível em: http://blackpagesbrazil.com.br/?p=4033/. Acesso em 11 de novembro de 2016. Figura 44: Rua do Bom Jesus, 2016. Acervo Pessoal. Outubro de 2016. Figuras 45-46: Torre Malakoff em 1880 e 2014. Disponíveis em: http:// estudantearquiteturarecifehistoria.blogspot.com.br/2014_12_21_archive.html . Acesso em 11 de novembro de 2016. Figura 47: Antiga Configuração da Praça Rio Branco, vista aérea. Fonte: Disponível em: < http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2014/03/exposicao-retratatransformacoes-na-paisagem-portuaria-do-recife.html >. Acesso em 11 de Novembro de 2016. Figura 48: Configuração Atual da Praça Rio Branco, vista aérea. Fonte: < http:// oglobo.globo.com/boa-viagem/novos-angulos-em-olinda-recife-3586399 >. Acesso em 11 de Novembro de 2016. Figura 49: Edf. Vasco Rodrigues, base do Porto Digital no bairro do Recife. Disponível em < http://startupi.com.br/2014/05/porto-digital-selecionou-17-startupspara-incubacao/ >. Acesso em 11 de Novembro de 2016. Figura 50-61: Reprodução das figuras 5-16. Disponíveis no livro Cidade para Pessoas, Gehl, 2013. 176


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Figura 83: Marco Zero com shows. Disponível em: http://im.r7.com/outros/files/ 2C92/94A3/2E82/CC55/012E/8377/E44A/17F2/Carnaval%20Recife-Priscila %20BuhrAE%2011.jpg. Acesso em 12 de Novembro de 2016. Figura 84: Marco Zero com o Novo letreiro “"RECIFE". Disponível em: http:// og.infg.com.br/in/15131593-4d8-7cb/FT1086A/Foto-Recife-2.jpg. Acesso em 12 de novembro de 2016. Figura 85: Parque das Esculturas de Francisco Brennand, visto a partir do Marco Zero. Disponível em: http://jconlineimagem.ne10.uol.com.br/imagem/galeria/ 2014/03/21/3141_avulsa/normal/01ee2e65c1b26551bda7abb393ac860c.jpg Figura 86: Centro de Artesanato de Pernambuco. Disponível em: http:// www.pe.gov.br/_resources/files/_modules/files/ files_13800_20160810170624ca08.jpg. Acesso em 12 de novembro de 2016. Figura 87: Armazéns do Porto reformados. Disponível em: http://s2.glbimg.com/ b4CUfFjnF_qxAwI_DhoZ2kXs3Lo=/s.glbimg.com/jo/g1/f/original/2014/10/20/ armazem.jpg . Acesso em 12 de novembro de 2016. Figura 88: Passarelas diante dos Centro de Artesanato. Disponível em: http:// imgs.pernambuco.com/pecom/turismo/rnpm/marcozero_2.jpg. Acesso em _ de _ de 2016. Figura 89: Passarelas diante dos Armazéns do Porto. Acervo pessoal. Outubro de 2016. Figura 90: Armazém do Porto vistos da Av. Alfredo Lisboa. Acervo pessoal. Outubro de 2016. Figura 91: Armazém 14 sem utilização. Acervo pessoal. Outubro de 2016. Figura 92: Cais do Sertão. Disponível em: https://farm2.staticflickr.com/ 1664/23586482303_2dc3a1871a_h.jpg. Acesso em 12 de novembro de 2016. Figura 93:

Disponível em: http://brasilarquitetura.com/img/584/l/jpeg/projetos/

l3lgz3dstillextcam8r01jpg.jpeg/ . Acesso em 12 de novembro de 2016. 179


Figura 94: Cais do Sertão. Disponível em: http://brasilarquitetura.com/img/584/l/jpeg/ projetos/l3lgz3dstillextcam8r01jpg.jpeg/ . Acesso em 12 de novembro de 2016. Figura 95: Cais do Sertão. Fonte: Google Street View. Acesso em 12 de novembro de 2016. Figura 96: Paço do Frevo. Disponível em: https://media-cdn.tripadvisor.com/media/ photo-s/0a/47/ad/39/janelas-paco-do-frevo.jpg . Acesso em 12 de novembro de 2016. Figura 97: Paço do Frevo. Disponível em: http://www.turistaprofissional.com/wpcontent/uploads/2015/03/frevo.jpg/ . Acesso em 12 de novembro de 2016. Figura 98: Paço do Frevo. Fonte: Acervo Pessoal, 2016. Figura 99: Paço do Frevo.Disponível em: https://destemperados.s3.amazonaws.com/ arquivos/ckeditor/D62wx3nqxHGsxwvfJM6/5583f775d8d523.01763562.JPG Figura 100: Caixa Cultural. Disponível em: http://azulfuscahostel.com/pontosturisticos/ . Acesso em 12 de Novembro de 2016. Figura 101: Centro Cultural dos Correios. Disponível em: http:// imgs.pernambuco.com/pecom/turismo/centro-cultural-correios.jpg. Acesso em 12 de Novembro de 2016. Figura 102:Santander Cultural. Disponível em: http:// cdn.casavogue.globo.com.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/2012/03/ expo_zonatorrida_recife_02.jpg. Acesso em 12 de novembro de 2016. Figura 102: Shopping Paço Alfândega. Disponível em: http://imgs.pernambuco.com/ pecom/turismo/rnpm/pacoalfadega.jpg/ .Acesso em 13 de novembro de 2016. Fig. 103: Hostel Azul Fusca. Disponível em: http://jconlineimagem.ne10.uol.com.br/ imagem/noticia/2015/07/05/normal/658aa9a0757e88c406eeb1577c6d3d63.jpg/ . Acesso em 13 de novembro de 2016. Fig.

104:

Afrika

Boardshop.

Disponível

em:

http://

imgsapp.impresso.diariodepernambuco.com.br/app/ 180


da_impresso_130686904244/2014/12/14/107183/20141213203054181608u.jpg/ . Acesso em 13 de novembro de 2016. Fig. 105: Mapa de Oportunidades de Imóveis. Disponível em: Manual do Investidor no Bairro do Recife. Distribuído por: Secretaria de Turismo e Lazer. Acesso em 08 de novembro de 2016. Figura 106-109: Urban Labs. Rua Domingos José Martins, novembro de 2015. Figura 110 (semelhante à figura 04): Shopping RioMar, 2014. Disponível em: http:// www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1090149. Acesso em 05 de Outubro de 2016.

Figuras 111-112: Edifício na calle Santiago, Valladolid. Fonte: Google Street View. Acesso em 13 de novembro de 2016.

/ / / cap. 4 Abertura: Grafite de Flávio Barra. Foto da autora. - Abertura_capítulo 4.1: Skatista no Marco Zero. Fonte: http:// skatemasterrecife.blogspot.com.br/2011_09_01_archive.html. Acesso em 08 de dezembro de 2016. Figura 113: Praça do Rio Branco e o contexto do Bairro do Recife. Fonte: Google Earth. Figura 114: Avenida Rio Branco e o contexto do Bairro do Recife. Fonte: Google Earth. Figura 115: Skatista realiza manobra sobre piso da Praça Rio Branco / Marco Zero. Disponível em: <http://skatemasterrecife.blogspot.com.br/ 2011_09_01_archive.html>. Acesso em 08 de dezembro de 2016. 181


Figura 116: Skatista realiza manobra sobre piso da Praça Rio Branco / Marco Zero. Disponível em: <http://skatemasterrecife.blogspot.com.br/ 2011_09_01_archive.html>. Acesso em 08 de dezembro de 2016. F i g u r a 11 7 :

Skatistas no Marco Zero. Disponível em: <http://

picosepistas.blogspot.com.br/2015/06/go-skate-day-recife-2015-festa-continua.html >. Acesso em 08 de dezembro de 2016. Figura 118: Skatistas se encontram durante a tarde para dar início a suas manobras. Disponível em <https://www.tripadvisor.com.br/LocationPhotoDirectLink-g304560d2359530-i96089983-Recife_Antigo-Recife_State_of_Pernambuco.html >. Acesso em 08 de Dezembro de 2016. Figura 119: Skatistas realizam manobras em frente ao antigo Santander Cultural. Disponível em: < www.skatemasterrecife.blogspot.com.br >. Acesso em 08 de dezembro de 2016. Figura 120: Skatistas realizam manobras em frente ao antigo Santander Cultural. Disponível em: < www.skatemasterrecife.blogspot.com.br >. Acesso em 08 de dezembro de 2016. Figura 121- 122: Skatistas na Praça Rooselvelt. Fonte: http://equipenews.com.br/ urbanos/pista-de-skate-da-praca-roosevelt-e-inaugurada-hoje. Acesso em 10 de setembro de 2016. Figura 123: vídeo promocional da Love Fútbol, sobe imagens de jogadores na Avenida Rio Branco. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch? v=G7yPi9_XCx4 > . Acesso em 08 de dezembro de 2016. Figura 124: Imagem promocional da LoveFutbol no México. Fonte: LoveFutbol.com. Acesso em 08 de Dezembro de 2016.

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Figura 125-128: trechos de vídeo do NE10. Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=G7yPi9_XCx4>. Acesso em 13 de Novembro de 2016. Figura 129: Diferentes grupos sociais se reúnem às segundas-feiras na Avenida Rio Branco.Disponível em: < https://recife0800.wordpress.com >. Acesso em 08 de Dezembro de 2016. - Abertura_capítulo 4.2: Grafite no Bairro do Recife. Fonte: http://trilhasdograffiti.com/ trilhas/recife-antigo/. Acesso em 08 de dezembro de 2016. Figura 130: Percursos do Grafite. Imagem original extraída do Google Maps, com intervenção da autora. Figura 131: Percurso do espetáculo Pontilhados. Imagem original extraída do Google Maps, com intervenção da autora. Figuras 132-146: Grafite nas Ruas do Recife Antigo. Fonte: http:// trilhasdograffiti.com/trilhas/recife-antigo/. Acesso em setembro de 2016. Figura 147: Texto de apresentação da mostra Ozi - 30 Anos de Arte Urbana no Brasil, realizada na Caixa Cultural. Foto da autora. Figura 148: Exposição do Grafite na Torre Malakoff, durante o Recifusion. Fonte: https://www.facebook.com/Recifusion . Acesso em setembro de 2016. Figura 149 - 150 : Percursos do Grafite nas ruas do Recife Antigo. Imagens extraídas do Google Maps com intervenção da autora. Figura 151: Grafites na Rua da Moeda. Foto da autora. Figura 152-153: 1o Manifesto do Grafite. Texto disponível na mostra Ozi - 30 Anos de Arte Urbana no Brasil, realizada na Caixa Cultural. Fotos da autora.

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Fig. 154: Oficina infantil no Recifusion. Fonte: Rodrigo Ramos. Disponível em: http:// www.cultura.pe.gov.br/canal/espacosculturais/exposicao-em-homenagem-aomanguebeat-entra-em-cartaz-na-torre-malakoff/. Acesso em setembro de 2016. Fig. 155: Johny Cavalcanti, idealizador do Recifusion. Fonte: Rodrigo Ramos. Disponível em: https://catracalivre.com.br/wp-content/uploads/2016/03/johny_c__fundarpe.jpg. Acesso em setembro de 2016. Fig. 156: Painel do artista Kobra representando Luiz Gonzaga. Fachada da Prefeitura do Recife. 2016. Fonte: https://br.pinterest.com/pin/352336370831979336/ . Acesso em setembro de 2016. Figura 157: Grafite de protesto feito pela dupla Osgemeos, de São Paulo, é apagado na Praça Roosevelt, em São Paulo. Disponível em: https://www.facebook.com/ osgemeos/ .Acesso em setembro de 2016. Figura 158: Grafite nas paredes dos edificios do Recife. Fonte: André Pessoa. Disponível em: https://www.flickr.com/photos/andrepessoa/20392927009 . Figura 159: Percurso do espetáculo Pontilhados. Imagem original extraída do Google Maps, com intervenção da autora. Acesso em setembro de 2016. Figuras 160-175: Performance Pontilhados, realizada em 2015. Fonte: Rafaella Ribeiro Fotografia. Figura 176: O processo de triangulação através de intervenções temporárias. Extraído do livro Intervenções Temporárias, Marcas Permanentes, de Adriana Sansão Fontes. Figura 177: A redução do espaço pessoal por meio de intervenção temporárias. Extraído do livro Intervenções Temporárias, Marcas Permanentes, de Adriana Sansão Fontes.

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Figura 178: RebBeats, coletivo local de HipHop, que ensina sobre o valor da dança de rua. 2016. Fonte: Portal Cultura.PE. Disponível em: http://www.cultura.pe.gov.br/ canal/funcultura/coletivos-de-hip-hop-investem-na-formacao-do-publico-e-de-artistaslocais/. Acesso em outubro de 2016. Figura 179: Espaços no próprio corpo: aproximação à arquitetura através da dança, por Katerina Bruch. 2016. Fonte: Centro Cultural Brasil-Alemanha (Recife). Disponível em: http://www.ccba.org.br/noticias/noticia/id/317/workshop-devideodanca-com-katerina-valdivia-bruch-(berlin).html . Acesso em outubro de 2016. Figura 180: Ação do grupo Lagartixa na janela, coordenado por Uxa Xavier. 2015. Disponível em: https://s3-sa-east-1.amazonaws.com/cdn.br.catarse/uploads/ redactor_rails/picture/data/47953/5_Lagartixa_na_Janela_V aral_de_Nuvens_Foto_Silvia_Machado.JPG. Acesso em outubro de 2016. Figura 181: Cena do documentario Pina, de Wim Wender. 2012. Fragmento extraido do filme, assistido em setembro de 2016. Figura 182: Perfomance de Pontilhados na Avenida Brio Branco. 2016. Fonte: André Nery/ JC Imagem. Disponível em: http://jc.ne10.uol.com.br/blogs/terceiroato/ 2016/02/26/critica-pontilhados-ve-o-recife-pelo-povo-da-rua/ . Acesso em outubro de 2016. - Abertura_capítulo 4.3: Som na Rural realizado em agosto de 2016. Disponível em: https://www.facebook.com/som.narural/. Acesso em 15 de novembro de 2016. Figura 183: Locais onde costumam acontecer ensaios de grupos de Maracatu. Acesso em outubro de 2016. Fig. 184: Locais onde ocorreram intervenções do Som na Rural e ruas afetadas no entorno. Acesso em outubro de 2016.

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Figuras 185-186: Instrumentos Utilizados durante ensaio de Maracatu. Fonte: Junior Furlan. Disponível em: http://portodeluanda.maracatu.org.br/files/2010/06/MaracatúPorto-de-Luanda-Junior-Furlan-10.jpg . Acesso em outubro de 2016.

Figuras 187-188: Ensaios realizados em ruas do Bairro do Recife. Disponveis em: https://i.ytimg.com/vi/jFQCrfBnYJI/maxresdefault.jpg . Acesso em 15 de novembro de 2016. Figura 189: Ensaio de Maracatu em rua do Bairro do Recife. Disponível em: https:// midiamodel.files.wordpress.com/2013/11/img_2841.jpg. Acesso em 15 de novembro de 2016. Fig. 190:Som na Rural realizado na Mariz e Barros. 2016. Disponível em: https:// www.facebook.com/som.narural/. Acesso em 15 de novembro de 2016. Fig. 191: Som na Rural no Urban Labs. 2015. Fonte: Urban Labs/ Inciti. Disponível em:

https://www.facebook.com/incitiorg/?fref=ts. Acesso em 15 de novembro de

2016. Fig. 192-193: Ai meu Corassem + Som na Rural no #OpenRua. 2016. Disponível em: https://www.facebook.com/som.narural/. Acesso em 15 de novembro de 2016. Fig. 194: Som na Rural recebe o grupo local Sagaranna. Extraído de vídeo do canal oficial Som na Rural. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fgOfcksEPE. Acesso em 15 de novembro de 2016. Fig. 195: Som na Rural em processo de montagem da estrutura. Fonte: Roberto Ramos/ Diário de Pernambuco. Disponível em: http://www.joaoalberto.com/ 2014/02/16/os-cliques-do-enquanto-isso-na-sala-de-justica/. Acesso em outubro de 2016. Fig. 196: Projeto “oFusca”, Rio de Janeiro, 2015. Acesso em outubro de 2016. 186


Fig. 197: Festa Ai meu Corassem + Som na Rural no #OpenRua, entre a Madre de Deus e o Paço Alfândega. Disponível em: http://www.imgrum.org/tag/OpenRua . Acesso em outubro de 2016. Fig. 198: Local da festa Ai meu Corassem + Som na Rural, em um dia comum. Foto da autora.

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A fim de compreender o momento atual do Bairro do Recife e de buscar soluções inteligentes para a melhoria dos espaços públicos do local, foram realizadas 14 entrevistas com diferentes profissionais de diferentes áreas de atuação, entre abril e novembro/ 2016. Suas opiniões trouxeram contribuições valiosas para a elaboração deste trabalho, fornecendo pontos de vista distintos sobre possíveis soluções para o Bairro do Recife.

_______________________ ENTREVISTAS


Entrevista 01: Novos Olhares para o Bairro do Recife Rodrigo Édipo e Circe Monteiro.
 Realizada no dia 12 de abril de 2016, às 14h, no Inciti. Rua do Bom Jesus, Bairro do Recife. Entrevista 02: O Grafite no Bairro do Recife Johny Cavalcanti.
 Realizada no dia 25 de abril de 2016, na loja 33InkStreet. Praça Machado de Assis, n. 63, sala 203, Boa Vista. Entrevista 03: O futebol no Bairro do Recife Breno Lacet e Pedro Leal.
 Realizada no dia 26 de abril de 2016, no Café São Braz. Rua Pessoa de Melo, 299, Derby. Entrevista 04: O Som na Rural no Bairro do Recife Roger de Renor.
 Realizada no dia 27 de abril de 2016, Café São Braz. Térreo do Shopping Paço Alfândega, Bairro do Recife. Entrevista 05: Caminhabilidade no Bairro do Recife I Francisco Cunha
 Realizada no dia 28 de abril de 2016, no escritório da TGI Consultoria. Rua Barão de Itamaracá, n.293, Espinheiro. Entrevista 06: Novos Olhares para o Bairro do Recife Lúcia Leitão, arquiteta, urbanista e autora do livro Quando o Ambiente é Hostil. Realizada no dia 29 de Abril de 2016, na sede do MDU.
 Centro de Artes e Comunicação, UFPE. Cidade Universitária. Entrevista 07: A dança contemporânea no Bairro do Recife


Mônica Lira, bailarina e coreógrafa.
 Realizada no dia 2 de junho de 2016, no Espaço Experimental. Rua Tomazina, n. 199, Bairro do Recife. Entrevista 08: Políticas Públicas para o Bairro do Recife I Cida Pedrosa, secretária de Meio Ambiente
 Realizada no dia 11 de agosto de 2016, no Café Açúcar e Afeto. Rua da Hora, 639, Espinheiro. Entrevista 09: Políticas Públicas para o Bairro do Recife II Camilo Simões, secretário de Turismo
 Realizada no dia 19 de agosto de 2016, no gabinete da Secretaria de Turismo. Prefeitura do Recife, Cais do Apolo, Bairro do Recife. Entrevista 10: Urbanismo Tático no Bairro do Recife André Moraes de Almeida, arquiteto, urbanista, autor de workshops de Urbanismo Tático. Realizada no dia 20 de Agosto de 2016 no Alegria 172. Rua da Alegria, Bairro da Boa Vista. Entrevista 11: Caminhabilidade no Bairro do Recife II Livia Nobrega, arquiteta, urbanista e city-organizer do primeiro Jane’s Walk em Recife. Realizada no dia 24 de agosto de 2016, no Atelier 3.
 Centro de Artes e Comunicação, UFPE. Cidade Universitária. Entrevista 12: A “gameficação" do Bairro do Recife Leonardo Lima, designer de interação no C.E.S.A.R., coordenador do Playtown Realizada no dia 24 de agosto de 2016, no C.E.S.A.R.
 Rua Bione, n. 220. Bairro do Recife. Entrevista 13: A hotelaria no Bairro do Recife Kamila Coelho, proprietária do 1o Hostel do Bairro do Recife.
 Realizada no dia 27 de agosto de 2016, no Hostel Azul Fusca. Rua Mariz e Barros, n. Bairro do Recife


ENTREVISTA 1 - INCITI ( Realizada na sede do Inciti/ UFPE, na Rua do Bom Jesus, dia 12 de abril, às 14h.) Rodrigo Édipo - Coordenador de Comunicação do InCiti
 Circe Monteiro - Coordenadora do InCiti e professora da UFPE 1 - O que é Inciti? Qual a missão? Rodrigo: O Inciti tem dois anos e meio. É uma rede de pesquisadores da UFPE que pensa soluções para as cidades, articulando com outras universidades também, tanto nacionais quanto internacionais e grupos e movimentos sociais para pensar a sociedade coletivamente. Na verdade, a gente "tá" contribuindo pra uma geração de conhecimento que “tá" contribuindo para uma cidade possível, uma cidade ideal. A missão do Inciti é "catalisar conhecimentos e conceber soluções colaborativas para constituir cidades inclusivas, sustentáveis e felizes”. A partir do Parque Capibaribe, foi se formando como um grupo mesmo. Foi o Parque Capibaribe, depois o LabCells, que foi o laboratório do Cidades Sensitivas. Depois veio o UTC e essa é nossa história até agora. Circe: O InCiti é um projeto velcro: a gente bate, gruda e sai carregando todo mundo. Nesse tipo de evento, o mais importante é esse networking, é você pôr as pessoas juntas, discutindo as coisas. É de uma riqueza que não tem como você mensurar. É quando você cria uma estrutura aberta: pode entrar? Pode. Pode falar? Pode. Quer discutir? Discuta! Quer dizer: você está abrindo a possibilidade de novas coisas acontecerem, sem engessar. 2 - O Domingo no Baobá (10/04/2016) foi um evento para divulgar o Jardim do Baobá, um dos novos núcleos ofertados pelo Parque Capibaribe. O modelo atingiu as expectativas de vocês? R: A resposta foi massa. A gente teve pouco tempo de mobilização para o formato que a gente propôs, que era um formato aberto, onde qualquer pessoa podia ir, propor sua atividade e fazer o que quisesse, sob a condição de que ela iria organizar, fazer a produção. Achei a resposta muito boa, porque a gente só tinha a mobilização nas redes sociais, fotos no jornal e o alcance orgânico foi incrível. Eu acho que aquilo ali é o que a gente quer pro Parque Capibaribe e pra cidade mesmo.


C: No começo a gente ficou pensando: “Meu deus, será que vai vir gente pro Baobá?”. Mas aí a gente sabe que as pessoas estão procurando espaços públicos pela cidade. A Jaqueira no fim de semana ninguém mais vai porque tem engarrafamento na subida do escorregador das crianças, já lotou! A gente precisa desse espaço, é importante. Isso é o que a gente tem chamado de emergências urbanas, esses movimentos de baixo pra cima. 3 - Quantas pessoas estão envolvidas no Inciti? R: Essa pergunta é muito difícil, mas eu diria que por volta de 42 pesquisadores no laboratório de experimentos. O Inciti reúne arquitetos, jornalistas, pessoal de tecnologia da informação, publicitários, sociólogos, economistas, engenheiros...tem várias especialidades, e a gente tenta trabalhar transversalmente, o que é um desafio. É bem difícil. A gente aqui também tem pesquisadores que são de notório saber, que não necessariamente são pessoas que vêm da Academia. Uma de nossas pesquisadoras, por exemplo, foi Mãe Bete de Oxum, que é uma mãe de santo, que tem um ponto de cultura lá em Olinda, em Guadalupe, o Coco de Umbigada. Também se trabalha pesquisa colaborativa, que o programa Cidades Sensitivas é um programa de Ocupação Urbana que aconteceu no Brasil todo. Então também é pesquisador Inciti aquele que propôs uma ocupação urbana, que produziu um texto rum blog, um artigo. 4 - Vocês consideram que a recuperação do espaço público é um dos focos de atuação de vocês? R: Sim, esse é um dos focos. Acho que, para se fazer uma cidade, tudo passa pela rua, pelo cotidiano, pelos rituais...pela cultura de rua. Não se faz cidade dentro de casa, escritório, empresarial, prédio...que é como o desenvolvimento urbano da gente, infelizmente, andou. Até brinco que Olinda Histórica, pra mim, é que é cidade-parque. Lá ainda tem costumes do que a gente pensa, ou pelo menos do que eu penso de uma cidade aberta, uma cidade para as pessoas. Acho que a cidade passa por isso: essa construção de uma mentalidade colaborativa, que passa pela rua e passa pelo espaço público, com certeza. O que aconteceu no Domingo no Baobá é uma fagulha do que a gente quer. A ocupação do espaço público de forma saudável, transporte nãomotorizado...


5 - Em Recife, a gente cultiva um sentimento de que o que é bom, não pode ser de graça. R: Isso! E eu digo outra coisa: mesmo sendo de graça, as pessoas tem uma postura de ir até o local, fazer uso, depois ir embora, sem nenhum cuidado. (Deixam) sujeira, danos ao patrimônio, sabe? Essa visão de gestão do espaço público compartilhada é uma riqueza, é uma coisa que o recifense precisa muito ter. Acho que o Domingo no Baobá teve essa riqueza de mostrar que as pessoas estavam preocupadas com aquele espaço, e é isso que a gente quer pro Parque Capibaribe. 6 - O Inciti vincula-se diretamente à UFPE. Mas qual a relação com o poder público? R: É muito complexa. Infelizmente, o poder público está desgastado, e essa imagem do Inciti vinculada à da prefeitura tanto pode ser positiva quanto muito negativa. Mas a parceria com a prefeitura foi fundamental. ( ver entrevistas 08 e 10 - Secretários de meio ambiente e turismo sobre o bairro do Recife) A visão que se tem é de que pelo menos essa gestão está envolvida com o Parque Capibaribe, que é bom pra cidade. Não sei quais são os interesses a fundo, se é uma coisa mais eleitoral, se não é...mas "a bola tá quicando”, a gente agradece e tenta fazer com que isso seja algo muito maior do que o olhar da prefeitura. Até porque somos da Universidade e o olhar é diferente. Apesar de ter sido idealizado na gestão de Geraldo Júlio, em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente, o Parque Capibaribe não é um projeto de gestão. Ele só vai existir se passar por várias gestões municipais, de forma apartidária. Se a sociedade achar que o Parque Capibaribe é um projeto bom para a cidade, que ela se engaje e faça acontecer. O que eu percebo é que é importante estar perto da prefeitura para que as coisas aconteçam. C: Tem esse lado político sim, porque cada vez mais se faz uma intervenção como essa e por trás tem todas essas questões: “quem está fazendo isso? quem deveria estar fazendo isso? ”. No caso do trabalho de André (Moraes de Almeida, “Urbanismo Tático”, entrevista n. 9), existe uma estratégia de empoderamento das pessoas ou de grupos sociais que estão lá fazendo esse trabalho. 7 - O que foi o UTC? R: "O Urban Thinkers Campus é uma campanha da ONU que aconteceu em 28 países, só nesse ano, para construir uma agenda urbana mundial. Nessas cidades, houve vários encontros onde reuniu-se a academia, a sociedade civil, o setor público, privado e aí


entram movimentos sociais. Eles têm um mapa de pessoas que a gente tem que chamar, tem que convidar pra unir essas ideias do que é a cidade ideal para essas pessoas, que é o The City We Need, que é um documento com alguns temas, e a partir desses temas você escolhe alguns para que você possa colocar como pauta do seu evento. Então, no caso da gente, o tema tratado foi Urbanismo, tecnologia e cultura; mais ou menos qual foi o papel do jovem na transformação dessas cidades do século XXI e o que é que isso traz de mudanças e recomendações para essa nova agenda urbana - que vai ser apresentada em Quito, em 2016, outubro. Vai ter um evento lá onde vai trazer os resultados do que rolou no UTC Recife. As ideias que rolaram aqui, que rolaram em outros países foram documentadas em um relatório pra ONU e aí eles vão agregar essas informações pra que se tornar um documento único das Cidades que Precisamos (The City we Need). Foi um evento que o Inciti propôs. Vimos uma chamada aberta e pensamos “ó, vamos pensar num evento e trazer essa discussão pra Recife.”. O UTC foi organizado pelo Inciti, em parceria com iniciativas privadas, com incentivo do Ministério da Cultura , dentro de um programa chamado Cidades Sensitivas que é um programa do Inciti também. Foi uma iniciativa local que arranjou parceiros pra dar “o real” (financiamento), porque a ONU não dá. Dá apenas uma chancela, e a gente vira parceiro nessa campanha, pra buscar a voz de sua cidade. O evento foi organizado em 6 meses: construção da narrativa, curadoria dos nomes, busca de parcerias...foi um rolo. Vieram muitas pessoas, a adesão foi bem grande. 8 - O que foi o Urban Labs? R: O evento do UTC aconteceu dentro e fora do Inciti. De manhã, na área interna, tinham os debates, e todo debate tinha os temas. Em todas as sessões, havia um cara relatando e outro mediando. Tudo era relatado, porque o foco principal do evento era a construção do documento. Aí à tarde, a galera se unia pra debater em grupos menores o que havia sido discutido pela manhã. A parte externa se chamou Urban Labs, que era aberta a todos. No site, é possível ver a programação. A gente se preocupou muito em fazer um evento externo bom, para que aqueles não-selecionados para o evento interno pudessem ter uma boa experiência. Flanelinha, vendedor ambulante... 
 9 - O mágico do evento foi o nível de interesse de todos os presentes. R: Isso teve a ver com o filtro da seleção também, da gente escolher e mobilizar os grupos certos. Isso é até uma exigência da ONU. (anexar o gráfico de grupos sugeridos


pela ONU). Não tem como chamar um indígena ou uma mulher ativista e eles não estarem interessados em participar disso. É um formato massa. E pensando de forma mais independente da ONU, a gente tem o modelo de um evento que funciona e que a gente pode compartilhar com quem quiser, para quem quiser fazer um evento nesse formato. 10 - É uma transformação que vem de cima para baixo ou de baixo pra cima? R: A gente tenta criar uma plataforma onde as pessoas atuem, mas não adianta se tivermos que ficar sempre reativando-a. Deve ser uma ativação orgânica. Por exemplo, o caso das Graças: era um projeto totalmente não-humanizado pra Beira-rio, com verba da Caixa Econômica Federal, que era necessário usar para transporte motorizado. A gente viu que era um projeto muito nocivo pra cidade e que não ia solucionar nada e, estando em contato com a prefeitura, ficamos próximos também de vários movimentos sociais, da coisa que vem de baixo pra cima...é importante pra fazer essa mediação. Mas não adianta nada fazer apenas o lado de baixo pra cima, que emerge do chão, sem dialogar com a parceria que vem do alto. É algo que se encontra no meio. Eu não sei ainda qual a solução pra isso, mas é uma coisa que engessa muito. É um desafio grande, mas eu acredito nesse formato. Um formato onde está o poder público, privado, a Academia e a sociedade civil dialogando. O Inciti faz muito o papel de mediação. 11 - Quais as diferenças que você encontra no bairro do Recife, entre 2000 e 2016? R: No começo de 2000 é quando eu vinha pra cá. Como eu vinha mais à noite, eu percebo que hoje a noite está mais “fraca”, já teve tempos melhores. O que eu percebo no Recife Antigo agora é mais uma vida diurna, de as pessoas realmente estarem vendo esse espaço. O Marco Zero é lindo, quando você vê no final da tarde, está a galera lá, ocupando. Eu percebo que talvez a noite do Recife Antigo tenha migrado pra outro lugar que eu não sei. Eu saí um dia muito tarde e fui comer lá na Rua da Moeda, e eu vi que tinha um movimento de hip hop que eu não sabia que existia, fiquei até feliz! Uma galera ocupando a Rua Tomazina. De repente, é uma visão errada dizer que não tem mais vida noturna, é só outro público, outro nível. A gente fez até uma pesquisa ( c/ Circe Monteiro) sobre cidade noturna, criminalidade etc. A gente fez um evento chamado Cidade Boêmia e chamou uma galera da década de 40 e 50 pra falar da vida noturna da cidade, uma galera da década de 70, 80 e 2000. O que eu notei é que, aquelas pessoas que pegaram a época do prostíbulos fala muito bem dessa fase (ver entrevistas 06, Lúcia Leitão; e entrevista 07, Mônica Lira - Pontilhados). a galera que frequentava os prostíbulos...


porque as meninas não podiam sair de casa e as únicas amigas eram as prostitutas. aí eles iam pra esses lugares pra dançar e nem sempre era uma relação sexual. A galera amava essa época. Na década de 90 foi bom, a época da Soparia... 12 - Qual sua opinião sobre as iniciativas do governo (Zona 30, Recife Antigo de Coração, Fechamento da Rio Branco, Bicicletas para aluguel, Ciclofaixas temporárias no domingo, reforma dos galpões)? R: Todas elas, com exceção das que segregam, eu acho que são iniciativas para que as pessoas, pelo menos, tenham a sensação de uma cidade diferente. Por mais que a gente saiba que não é solução para tudo, mas que é uma fagulha para se pensar uma cidade possível, viva. A classe média usando as ciclofaixas, é legal! Não vamos dizer que é ruim. Mas a gente sabe que tem gente que anda de bicicleta todo dia que tá se ferrando por aí, sem respeito, sem ciclovia pra eles (ver entrevista 13, Sabrina do Ameciclo). Então, por mais que as ciclofaixas temporárias só interliguem Graças e Boa Viagem ao Recife Antigo por enquanto...mas calma, vamos por dentro, tentando mudar. Eu vejo com bons olhos, apesar de não solucionar muita coisa.
 Uma crítica que eu tenho ferrenha é a questão daquela p* daqueles bares ali! (os galpões reformados). Aquilo ali tinha um potencial de cultura muito forte! Aí o que eles fizeram? Em vez de incentivar a culinária local e aquecer esse mercado daqui, começaram a colocar umas franquias que tem em todo canto! Ao mesmo tempo, tiraram a galera pipoqueiros, ambulantes- que tinha aqui, que ocupava ali. E sabe quando foi a inauguração daquilo lá? No dia em que Aécio veio pro Marco Zero. C: O que a gente critica é: Ok, a prefeitura “pega" e faz o Domingo (no Recife Antigo), mas isso não é uma emergência urbana. É uma coisa organizada pelo poder público. Mas também tem um efeito positivo na população, que também sente esse processo. Quando você faz isso, você tem talvez o resultado da ativação do espaço, mas não há empoderamento. Uma das coisas mais importantes desse processo é a pessoa se sentir participante construindo. No caso da da prefeitura fazendo, você é passivo. Aí você veja: A Rio Branco não foi apropriada por ninguém ainda, tá aquela coisa estranha. 13 - Que iniciativas de re-apropriação do espaço você admira no Recife? R: Ah, eu adoro a Rural, velho! Acho o Som na Rural (entrevista 04) uma iniciativa f*, porque mexe com ocupação de espaço publico, ocupação de espaço obsoleto, com comunicação, com debate, com cultura... acho completíssima! É microfone aberto: se


você disser ‘Roger, me dá aqui pra eu falar uma coisa’, ele vai lhe dar o microfone...E é um carro, né?! Isso eu falo de uma iniciativa pensada como política, mas se você andar na periferia, tem iniciativas simples, orgânicas, sem pensar em contestar nada. Apenas sendo, o que é já um uso foda! Cadeira na calcada, côco de roda na rua... Também tem a LóvFútbol (futebol de rua, entrevista n. 03), é uma ONG que mobiliza comunidades através da paixão pelo futebol. O que ela faz? Capacita espaços de jogos na comunidade, para estimular que as pessoas vivenciam sua paixão, seja ela futebol, música etc. É uma iniciativa de mobilização social de uma ocupação no espaço urbano. Ela chega em comunidades que não têm uma pracinha, um espaço de lazer para as crianças...são lugares totalmente carentes onde as pessoas não conversam entre elas, porque não vão às ruas. Aí chega lá, mobiliza as pessoas pra construir um espaço que é publico. Não tem o caráter político que uma Rural tem, mas no Recife Antigo, por exemplo, ela foi uma das primeiras iniciativas a ativar a Rio Branco. Existe uma pelada toda segunda-feira por causa da LoveFútbol. Inclusive tem tudo a ver com o UTC: a gente teve muita dificuldade em mobilizar a galera de periferia (Rato+Pilar), já que se trata de uma aproximação que requer mais cuidado, leva mais tempo, para que entendam a proposta, confiem... Teve um pessoal da Marco Zero Conteúdo (entrevista n. 15) que quis fazer uma ativação com o pessoal do Pilar no UTC. Não conseguiram. Até porque, pra entrar na comunidade, precisa muito jogo de cintura, senão entra no processo da gentrificação e tal. A galera já é muito calejada com o branco que se aproxima. Mas durante o Urban Labs, a LovFútbol resolveu fazer uma pelada. E aí a gente falando da pelada, chegou um cara do Pilar e disse “Vai ter pelada? Peraí que eu vou em casa chamar a galera.” e aí a comunidade veio com tudo, participaram, trouxeram instrumentos, fizeram um Maracatu ( entrevista n. 17). Então,isso é o futebol trazendo as pessoas pra frequentar um espaço com o qual elas não se identificam. É um ponto importante pra ser analisado. C: Eu tinha perguntado antes se você conhecia André Moraes, porque ele está fazendo uma tese na qual aborda termos como o urbanismo tático. A gente trabalhou num urbanismo emergente, que quer dizer: aqueles movimentos que vêm de baixo pra cima. Sao movimentos que já existem latentes na cidade, mas que eles não acontecem, podendo ser chamados até de virtuais. O urbanismo tático é você construir com as pessoas, prototipar um espaço, fazendo essas análises. Você pode ver esses movimentos por vários olhares: do ponto de vista do urbanismo, são sempre soluções temporárias, não-duradouras, às vezes menosprezadas justamente por conta disso. E tem esse lado também da criação de uma consciência, uma possibilidade de criação de um espaço que


não existe ainda, que é um “vir-a-ser”, mas que agora você ja enxerga como algo que possa acontecer. Assim, você cria uma serie de sementes que desabrocham num determinado momento. Ou seja: uma pessoa que atuou aqui, ali, de repente sai e ela propõe alguma atividade. A gente trabalhou muito com o conceito de Urbanismo Tático. Você vai ver naquela revista, Issuu, que tem na internet. Tem Urbanismo Tático 1, 2 e 3. E aí eles apresentam todas essas experiências no México, Argentina, todas na América Latina. As emergências no EUA, por exemplo, são todas em cima de Parklets, basicamente, ou de mercados em áreas publicas. Eles lá já vem trabalhando nessa ideia de como transformar qualquer espaço num espaço público de qualidade. Como fazer a comunidade se apropriar desses espaços? Tem também um autor chamado William H. Whyte, How to turn a place around. E nesses estudos sobre Urbanismo Tático descobriuse que tem muito mais na América Latina que nos EUA e muito ligados a essas questões de empoderamento de comunidades. Mas existe também a critica a esse conceito. até que ponto essas ações estavam sendo vinculadas a pensamentos políticos ou capitalistas? XXX


ENTREVISTA 2 RECIFUSION - GRAFITE E ARTE URBANA (Realizada no 33InkStreet, loja de produtos para grafite na praça Machado de Assis,n. 63, sala 203, no dia 25 de abril de 2016)

Johny Cavalcanti - grafiteiro, coordenador do Recifusion e produtor cultural - Qual sua formação? J: Me formei em design gráfico pela IFPE em 2012 e enquanto fazia o curso, estudava para tentar entrar em publicidade. Sempre me envolvi com coisas de desenho e criação, desde pequeno. - Qual sua área de atuação, hoje? J: Desde então, passei por varias formações menores, sempre na área de cultura. Uma oficina aqui, um workshop ali...participei uma vez de um curso de produção cultural na Fundarpe, experiências mais pontuais. Hoje, sou grafiteiro e artista. E aí, por conta até até do festival (Recifusion), comecei a atuar mais forte nessa área de produção. Me chamam para ajudar na montagem de outros eventos do grafite, para participar de encontros,festivais, que acontecem em outras cidades. Além desses eventos, tem a loja aqui, a 33InkStreet esse graffitti shop e meu próprio trabalho como artista. E nessa parte de criação própria, sempre me envolvo em projetos de arte-educação, promovendo oficinas de grafite, palestras, tal. Em janeiro, fiz uma oficina ali no festival Arte no Parque, no Sítio da Trindade. - Qual a importância do grafite como ferramenta cultural? J: Então, nessa parte de criação própria, sempre me envolvo em projetos de arteeducação, promovendo oficinas de grafite, palestras, tal. Palestras voltadas para a cultura negra, falando desenvolvimento do grafite, seu início com os negros nos subúrbios de Nova York e tal. Sem falar que o grafite está muito atrelado ao design. O design nos auxilia muito em termo de composição, coloração, construção de uma identidade visual. - Quando começou o Recifusion e o que é o festival?


J: Fui eu e um amigo, Leo Gospel, que começamos a organizar. Eu tinha 17 anos na primeira edição. Na época, a gente tinha descoberto que o dia internacional do grafite (27 de Março) tava chegando. Aí resolveu criar uma “história". Na época, tava muito em alta esse negócio de fusion tattoo, fusion graffitti, duas pessoas pintando ao mesmo tempo. Aí, a gente teve essa ideia de fusão, mistura. Aí a gente tinha o contato de um fornecedor de tinta, lá de São Paulo. Aí, no que a gente mandou o email pro cara, ele respondeu dizendo que todo cliente da loja tinha uma bonificação lá, de 5% dos pedidos que já “tirou"na loja. Aí nisso a gente ganhou 50 latas. a gente chamou 12 pessoas pra participar, algumas da nossa crew, outras não. O evento acabou acontecendo mesmo, foi lá na Rua da Moeda a primeira edição. Até 2015, ele acontecia no Recife Antigo. Esse ano foi que a gente levou para a Rua da Fundição. As primeiras edições aconteciam na Rua Tomazina, ali pelo Bar do Reggae, e depois é que foi pra Rio Branco. Lá, a gente alugava o espaço de uma casa de show ali na avenida, para ter uma base, poder fazer a festa depois e tal, mas pode-se dizer que a gente “invadiu" o espaço da Av. Rio Branco pra realizar as oficinas. Não foi uma concessão da prefeitura, foi mais uma ocupação espontânea. - De onde surgiu a ideia de promover um Festival na Rua? J: O Recifusion é um festival de vários momentos, não acontece apenas na rua. Mas, de toda forma, o grafite vem dessa essência do “estar na rua”, né? Hoje em dia é que começa a invadir outros espaços diferentes. Mas é realmente uma street art. Teve uma vez até que a gente fez uma exposição sobre grafite dentro da torre Malakoff, o que foi bem interessante pra disponibilizar algumas informações sobre essa arte para o público. - Você sentiu acolhimento das ruas ao seu projeto? J: Então, hoje você já tem um nível de aceitação bem maior, as pessoas ja não estranham tanto. A gente tem vários desenhos no muro de um estacionamento bem na entrada do bairro, na frente dos galpões novos. É massa, a galera chega, tira foto, elogia bastante. Já é visto com bons olhos. Já a relação com a policia é mais complicada, é mais tensa. Ela poderia chegar, sondar pra ver se a gente tem autorização pra pintar e tal. Mas não é assim que acontece. A abordagem já é mandando a gente colocar a mão da cabeça, revistando todo mundo,


ameaçando atirar, prender...quando encontram a gente na rua, grafitando de madrugada, já taxam logo de marginal. E pode até ser que seja o caso, às vezes, mas não dá pra generalizar e achar que todo mundo que tá na rua de madrugada, tá fazendo algo de errado. Muitas vezes aquele ali é o único tempo que a gente, que trabalha e estuda, tem de fazer algo que gosta. - Que iniciativas DO GOVERNO você apontaria como importantes ou decisivas para a re- ativação dos espaços públicos do bairro? J: Aquela história de reduzir a velocidade dos carros (Zona 30) foi realmente muito bom. O ritmo já fica diferente. Também acho massa aquela historia de fechar a Rio Branco e o acesso ficar só a pé. Mas, sinceramente, tem coisas que o governo faz que são bem óbvias! Fora essa história de fazer ciclovias temporárias, que demanda uma certa logística e tal, mas fechar a Rio Branco, por exemplo, é uma coisa simples demais. “Bota" uns cones, uns gelos baianos ali e tá feito! Não vai demandar manutenção, nem pensamento, nem quebra-cabeça(ver entrevistas 09 e 09 com secretários municipais). Também eram esses eventos que faziam ali no Marco Zero, com shows, apresentações...é um jeito de trazer as pessoas pra apreciar a rua. Mas ao mesmo tempo, é um modelo antigo de montagem de palco, que só se repete há quinhentos anos, sem uma programação diversificada. Não demanda pensamento, é a mesma coisa. Aí se a prefeitura não faz, pelo menos que pegasse as iniciativas populares e fortalecesse, sabe? O governo nem tá fazendo, nem tá ajudando os projetos que já existem. Por exemplo, o futebol (“peladas"na Rio Branco, ver entrevista 03): porque eles não cedem as barrinhas, um lugar pro pessoal guardar suas coisas, um vestiário...tá entendendo? O ideal seria os representantes do governo irem atrás desse pessoal que organiza, propor trabalhar em conjunto, ajudando aquilo ali a sobreviver. E se, por alguma razão, os lideres dessas iniciativas populares não quiserem mais conduzir o projeto, aí sim o governo assume, dando uma nova cara, reestruturando a “parada”. Tem que acompanhar o ritmo da população. Já aquela reforma ali dos galpões e esse negocio de tirar pipoqueiro, fiteiro etc. tirou a essência “bairrista” do Recife Antigo, essa coisa de ficar na rua, mesinha da calçada, gente conversando ao ar livre. Mesmo que estejam na rua, sem esse tipo de comércio, as pessoas ficam sem opção pra estar ali na rua, vão ter sempre que recorrer a


um restaurante caro desses. Fora que eu acho que essa cultura de repressão gera um medo na galera de inventar novas ações na rua. Em relação a essas bicicletinhas mesmo (Bike PE)...Ouvi dizer que já estão pensando num novo trajeto que é passando pelo Cais da Estelita...Rio Mar...Via Mangue...aeroporto. Essa linha só mostra qual é a preocupação do poder público. Tu achas que existe preocupação com o pessoal que mora ali na Favela do Rato/ Comunidade do Pilar, que estão ali há não sei quantos anos? Ninguém tá dando a mínima. Aos poucos, estão é varrendo o povo pra fora da ilha. A comunidade está ficando cercada por essas novas obras que chegam no bairro. O Porto, o Cais do Sertão...fora que dá pena você ver esses investimentos absurdos sem funcionar direito, que nem o Cais do Sertão, ou até esses novos corredores de ônibus, que já estão sem funcionar, quebrados pela cidade, isolados por tapume. - Que iniciativas DA POPULAÇÃO você apontaria como importantes ou decisivas para a re-ativação dos espaços públicos do bairro? J: Ah, tem aquela galera do patins (ver entrevista n. 16 e 18) que fica ali no Marco Zero, né? Aquilo dali faz pouco tempo que liberaram. Até uns anos atrás, tinha uma política de repressão danada. Não podia não, diziam que ia riscar o chão, que era uma obra de arte e tal. A policia chegava lá, tomava os skates da galera, expulsava à força. Aí tu vê uma cidade dessa, que não tem um lugar plano pra “galera" aprender a andar de skate e proíbe só por proibir. Foi uma coisa muito brigada por quem fica lá, foi muita insistência até conquistarem o direito de patinar por ali. Tem a parada da LoveFútbol também, das “peladas". Tenho vários amigos que participaram quando rolaram essas peladas.Também tem o Som na Rural (ver entrevista n. 04), que é uma parada orgânica, incrível. Você abre a mala do carro, solta ali um som e do nada começa a se aproximar mais gente. Mas aí basta começar a juntar muita gente, que vem a fiscalização. Começam a questionar onde está a autorização, dizendo que causa desordem...e olhe que é Regor, que é um cara que já tem um prestígio danado. Imagina um cara de periferia ali, que ninguém conhece, começar um negocio do nada? E fora a própria “galera"do grafite, que mantém a parada funcionando, mantém as paredes pintadas. Rua da Moeda, Tomazina, por ali. Tem o maracatu (ver entrevista n. 17), que infelizmente não tá mais rolando tanto quanto antes. Mas é isso, né velho?


Quando você vai elitizando demais um bairro, você desestimula as pessoas a fazerem seus projetos lá, porque já não se identificam mais com o ambiente. - A re-ativação desses espaços é feita de baixo para cima ou de cima para baixo? J: O ideal seria vir de cima pra baixo. Mas hoje, eu acho que é 100% de baixo pra cima. O que o governo faz não é pensando na periferia, em quem é pobre. As coisas que fazem aqui são coisas bonitas pra se vender e tal, mas não servem de verdade. As ocupações mais interessantes sempre tão vindo de baixo. E outra coisa: mesmo esses grupos que partem de baixo pra cima, mesmo que seja o melhor tipo de ocupação, daqui que eles cheguem “em cima”, é osso, visse? Por exemplo, hoje em dia existe a feirinha do Bom Jesus, que já virou cartão postal do bairro. Mas imagina alguém querendo começar sua própria feirinha, mais alternativa e tal? Vai encontrar mil e uma dificuldades. - Existem modelos de ocupação de espaços públicos ao redor do mundo que você conheceria e veria possibilidade de serem “importados" para o Recife? J: Tinha o projeto Que ladeira é essa?, na Ladeira da Preguiça, em Salvador. Eles tinham lá o MUSAS, Museu de Arte de Salvador. Era uma casa que tinha sido ocupada, numa comunidade embaixo da ponte. No tempo em que ficou ali, esse pessoal da cada conseguiu mudar a cara da comunidade. Faziam varias ações para a população, tinham exposições, oficinas, muitas ações com grafite. Mas infelizmente, foram retirados de lá. XXX


ENTREVISTA 3 A LOVEFÚTBOL E O ESPORTE NA AV. RIO BRANCO (Realizada no Café São Braz, Rua Pessoa de Melo, no dia 26 de abril de 2016)

Breno Lacet / Pedro Leal- coordenadores de projetos da LoveFútbol no Recife - Qual sua formação e sua área de atuação, hoje? B: Sou formado em ciências políticas pela UFPE, com ênfase em relações internacionais. Hoje trabalho na Love na parte de desenvolvimento institucional, com captação de recursos, buscando editais, elaboração de projetos, relação com parceiros, patrocinadores, esse tipo de coisa. P: Sou estudante de relações internacionais. Comecei em 2013 como voluntário da LoveFútbol em ações pontuais, e hoje trabalho todos os dias na organização. Já trabalhei em todos os setores, desde o marketing até o desenvolvimento de projetos. Hoje sou coordenador de projetos. Descobri que era a área em que mais gostava de trabalhar, pois era aquela que tinha mais contato direto com a população. Uma das minhas funções é de viajar junto com alguns membros da Love para localizar comunidades que necessitem de auxílio, verificar a viabilidade de execução dos projetos etc. - O que é a LoveFútbol? De onde veio a iniciativa? Como atua a organização? B: A Love é uma organização social que trabalha a partir da paixão. Não só pelo futebol propriamente dito, mas a paixão em si, aquilo que nos movimenta, que nos faz de carne e osso. O sonho da Love é dar condições para que as pessoas possam vivenciar suas paixões e assim, a gente cria plataformas esportivas, os campos de futebol, mas que vai muito além disso. A gente mobiliza as comunidades, existe uma discussão conjunta de todo o projeto...e no final, a comunidade é capacitada para ativar esse espaço, de várias maneiras, desde a função mais óbvia, que é o futebol, até eventos culturais, shows. Até casamentos e parques de diversões já funcionaram dentro dessas quadras. O futebol é apenas uma âncora para a criação de novas relações com o espaço. Dessa forma, a organização funciona a partir de 3 objetivos: o primeiro é a construção da plataforma para a prática esportiva, concedendo esse direito de jogar


principalmente para as crianças, mantendo a essência e a simplicidade do futebol, mas garantindo que estejam jogando em um local seguro. O segundo objetivo é, durante esse processo, "colocar propriedade" nas mãos da comunidade que esteja participando no projeto, dando-lhes um sentimento de pertencimento àquele espaço e ao mesmo tempo, de empoderamento, pra que assim, eles briguem por questões importantes pra comunidade. Teve uma comunidade mesmo que conseguiu que a rua ao lado do campo fosse pavimentada, que o esgoto fosse saneado... Era uma demanda que ja existia ha mais de 30 anos, era uma coisa solta, mas que nunca tinha sido discutido de verdade. Com a articulação da comunidade, formou-se uma voz coletiva, uma demanda de todo mundo. Também aconteceu depois de conseguirem a manutenção e pintura do campo, que o refletor fosse consertado... O terceiro objetivo da ONG, que é o mais ousado, é o de tentar revolucionar o setor de desenvolvimento através do futebol. A ideia desse terceiro ponto é promover uma mudança, de modo que a responsabilidade pelas próximas ações já não seja da ONG, e sim dos próprios agentes do local. Deixa de ser uma relação de cima pra baixo, de modo que a geração de próximas ações seja contínua e parta dos participantes. No caso de Várzea Fria, começaram a arrecadar dinheiro do ingresso para as "peladas" e assim conseguiram contratar um treinador físico. É montada uma comissão do espaço faz um regimento do campo, um planejamento de manutenção e gastos, essas coisas. No Recife, a equipe da gente é bem reduzida e basicamente todo mundo no escritório executa as funções a nível nacional, porque a gente não tem escritório em outras partes do Brasil ainda. Por exemplo, as ações que acontecem no Rio de Janeiro são todas coordenadas desde Recife. Mas formalmente, fora essa área de diretoria, tem ainda a área de comunicação, marketing, P: A LoveFútbol é uma ONG que une a paixão pelo esporte à necessidade de melhoria de infra-estrutura de comunidades carentes. Ela promove a inclusão de vários grupos através do futebol. A Love começou em 2006, fruto de uma viagem ao Marrocos realizada pelo fundador. Lá, ele estava passando por uma rua e viu várias crianças jogando bola, da forma mais precária possível, em condições insalubres. Bola de meia, pés descalços, com um córrego passando no meio quase como parte da marcação do campo. Foi a partir desse momento que ele percebeu que poderia fazer algo, a partir da paixão que movia aquelas crianças.


A organização faz parte de uma rede, Street Football World, a maior rede de ONGs de futebol no mundo. Hoje, trabalhamos à base de apoio de investidores, a partir de leis de incentivo e fomento à cultura, o que ajuda na execução dos projetos. Ao invés de uma empresa pagar imposto X, esse valor é revertido para projetos como os realizados pela LoveFútbol. O mais instigante da Love, que a diferencia de outras organizações, é o fato de que ela atua ao lado da comunidade, desde a idealização dos projetos até sua execução. Procuramos sempre conversar muito com a população dos locais onde atuamos, para entender as demandas, e a partir dela, realizamos um trabalho de revitalização dos espaços públicos de convivência nas comunidades, sempre inserindo uma quadra, para promover a ação do esporte. As ações começam já com a definição de um grupo de capitães, que seriam responsáveis por algum setor especifico do planejamento, desde a alimentação até as cores que serão utilizadas na pintura das quadras.

- Existe também o envolvimento de pessoas à parte do futebol? B: A primeira abordagem que a gente tem quando diagnostica a comunidade, é identificar todas as organizações locais que teriam interesse em participar do projeto. A gente faz um mapeamento de todos os ativos comunitários que existem num raio de 2km do campo. Isso vai desde ONGs, como o instituto Alberto de Moura, de São Lourenço, até um armazém pequeno, interessado em se envolver. Então às vezes, essas pessoas nem torcem pra time, nem acompanham a seleção brasileira, mas quando a gente fala do projeto, acaba ganhando vários parceiros. Tiveram várias pessoas desinteressadas pelo assunto que acabaram se tornando personagens principais, que se engajaram pelo interesse em ver sua comunidade melhor, em querer ver as crianças jogarem, e até pelo desejo de pertencer a alguma coisa coletiva. - Que iniciativas DO GOVERNO você apontaria como importantes ou decisivas para a re- ativação dos espaços públicos do bairro? B: O Recife Antigo dia de domingo é lindo! É muito bom ver aquele espaço cheio de gente, ocupado... mas a galera que está lá não é a mesma que frequenta os restaurantes caros lá, entende? Aquela reforma dos armazéns...o que é aquilo?? Velho, eu acho ali lindo, mas sou completamente contra o caminho que foi tomado, a proposta pro local. Vieram vários restaurantes caros,que acabam criando um acesso limitado...


P: Eu nem acho as iniciativas, de forma geral, ruins. O problema, pra mim, é a que a prefeitura está criando turistas na própria cidade. Falta no poder público é envolver a população local em qualquer ação que for fazer. Aquela população que vive ali tem uma série de preferências também! Um estilo arquitetônico favorito, uma cor, etc. O que falta é serem ouvidos. Acho que outro problema também é que normalmente colocam um secretario que não entende muito sobre a cultura local. Precisavam colocar uma pessoa que realmente entenda do assunto como secretário, ou pelo menos articular uma comissão de apoio, com representantes de vários setores, de dança, de música, de artes. Houve um trabalho nosso, recente, que contou com a presença do secretário de esportes e você via que o cara não sabia de nada, estava perdido. Nesse evento, o secretário me perguntou o que eu achava que deveríamos fazer por aquela comunidade. Eu sugeri que perguntasse diretamente aos moradores, e não a mim, o que era uma coisa básica, elementar. Tá entendendo? O poder público esquece da importância da inclusão social e como ela e o esporte estão diretamente ligados.

- Que iniciativas DA POPULAÇÃO você apontaria como importantes ou decisivas para a re-ativação dos espaços públicos do bairro? P: Tem os grupos de maracatu (ver entrevista n. 17), capoeira...Tem os skatistas, patinadores (ver entrevistas n. 16 e n. 18)…quando tinham nossas peladas na Rio Branco, a gente via bastante, e olhe que o poder público fez de tudo pra tirar eles de lá. Tem o Som na Rural também! (ver entrevista n. 04) B: Eu acho incrível essa articulação dos grupos, de forma geral. Acho que a galera tem que estar realmente na rua, realmente discutindo o uso do espaço público, porque Recife é uma cidade que nos últimos anos veio tomando muita porrada, mas que serviu para mostrar que a população precisa mesmo se articular de um jeito mais efetivo, que gera impactos de fato. Comunidades como os Direitos Urbanos, que tem umas discussões massa, outras nem tão massa assim, mas que serviu pra mostrar que tem muita gente ali disposta a discutir a cidade, o que é preciso ter para viver-se bem numa cidade...no fim, é preciso que estejamos na rua mesmo, senão o pessoal (poder público) engole (risos). O poder público já tem como hábito fazer o que bem quer, e essa resistência quase que mínima é fundamental.


- A re-ativação desses espaços é uma mudança de baixo pra cima ou de cima pra baixo? Pedro: De baixo pra cima, com certeza. - Entre 2014 e 2015, aconteceram “peladas” na Av. Rio Branco, coordenadas pela Love. Como foi a experiência? P: A gente estava debatendo em grupo como seria possível ativar aquele lugar. Aí, a gente arranjou 2 "barrinhas" e 1 bola, criou um grupo do Facebook, avisou à galera que haveria sempre jogos nos dias de segunda na Rio Branco, pra quem quisesse chegar. No começo, dava umas 15, 20 pessoas. Depois já foi subindo para 40, 45 pessoas, talvez até mais. Teve um dia que a gente fez 3 jogos simultaneamente, preencheu a Rio Branco toda. Tinha gente esperando para jogar, além das pessoas que ficavam por lá só curtindo a energia mesmo, escutando a música que a gente deixava tocando... Era impressionante como ficava diferente o ambiente. Se transformava completamente, ficava mais vivo, mais seguro. Já em dias normais, você não fica ali na Rio Branco dando bobeira, por sempre ser meio vazia. É perigoso. Já na época da Copa do Mundo, foi uma coisa incrível. Juntou a galera do grupo do facebook, com o pessoal da comunidade, os gringos e se tornou uma coisa impressionante. Misturou-se classe média daqui com indiano, mexicano, japonês, alemão paquistanês, europeu, vendedor ambulante lá do bairro. Tem até vídeo de um desses dias. E foi muito bonito ver essa interação toda acontecer por causa de uma bola. A gente firmou um vínculo com as pessoas do bairro, que hoje em dia já reconhecem a gente, fazem festa quando a gente chega. B: A gente começou essas peladas lá por 2013, ainda. A prefeitura fechou a Rio Branco para carro, então o espaço ja existia, já estava lá. Aí Rafa, da Love, estava passando pela Rio Branco um dia e viu uma galera jogando bola lá. Já tinha uma galera que jogava bola lá, sabe? Mas aí ele foi lá e falou com o pessoal “pô, vamos articular uma pelada da LoveFutbol com esse futebol de rua?”. Assim foi, ficou sendo dia de segunda. Arrumou umas barras e chamou o pessoal de lá, os amigos...aí foi aumentando, aumentando, aumentando...e depois morreu, por falta de quem organizasse. Mas foi massa, de toda maneira. a ideia era exatamente essa. O espaço público tá ali, vamos jogar futebol na rua mesmo, que é muito melhor do que arrumar um society. Aí foi massa. Vinha uma galera de Boa Viagem pra jogar lá, juntava com o pessoal da comunidade...era


extremamente convidativa, tanto fisicamente quanto nas redes sociais, através da divulgação no facebook, grupos de whatsapp. O negocio foi tão rápido que no começo era só um campo, depois a gente fez dois, acontecia pelada mista… E na copa foi lindo, deu gente demais querendo jogar. No caso dessas peladas, a gente até quis fazer o mesmo esquema que fazia nos campos das comunidades na Zona da Mata. No começo a gente tava fazendo tudo, levava bola, levava as barrinhas, pagava um cara no estacionamento pra deixar as barrinhas lá durante a semana...lavava os coletes para levar no dia da próxima partida...a gente até tentou colocar a responsabilidade pela pelada na mão da própria galera que tava jogando, mas não deu. No fim das contas, foi a gente mesmo que contribuiu pra que essa dependência fosse criada. E no final a gente ja não tinha tempo de organizar, sabe? O que era pra ser uma coisa massa, virou uma responsabilidade, uma obrigação pra equipe da gente, que já não é grande. Aí outros compromissos nossos foram surgindo, a gente parou de ir com a mesma freqüência de antes e aí, um mês, dois meses depois, morreu. Olhando pra trás, penso que a gente poderia ter saído com mais calma, identificando quem poderia tocar essa pelada, deixando claro pros responsáveis quais seriam as obrigações com o coletivo...acho que não seria necessária uma intervenção ou auxílio do poder público, pois acredito que as pessoas, quando se organizam, tenham o potencial de gerenciar uma pelada assim por conta própria. REFERÊNCIAS: Video: https://www.youtube.com/watch?v=G7yPi9_XCx4 (impressionante!) XXX


ENTREVISTA 4 - SOM NA RURAL ( Realizada no Café São Braz, Paço Alfândega, dia 27 de abril, às 16h.)

Roger de Renor - Comunicador Social / fundador do Som na Rural - Qual sua formação e sua área de atuação, hoje? R: Não fiz faculdade. Inclusive, noto como essa falta do conhecimento acadêmico é um prato cheio pra que tentem me desmerecer, por ocupar uma posição de atividade prática. Quanto à atuação, sempre me classificam como alguma coisa diferente. O povo bota que eu sou jornalista, ator, comunicador. Já eu, acho que poderia me colocar, hoje, como um promotor cultural. Até porque “produtor” acho que não sou. Eu gosto é de juntar o povo. - Como você avalia os espaços públicos do Bairro do Recife (Recife Antigo), em termos de utilização pela população? R: Eu acho desconexo aquilo que as pessoas querem fazer ali, com aquilo que o governo oferece. Parece até que não foram “apresentados" ainda, sabe? É muito doido, porque ali já tem tudo acontecendo, tudo que é atividade, mas o poder público parece só querer as coisas que estão na cabeça deles. É como se eles já tivessem o cardápio de atrações e não aceitassem o que é novo. E ali não precisa muita coisa, entende? O Recife Antigo tem muita história: as ruínas do Paço Alfândega, que a princípio seriam reformadas para receber um centro cultural e se tornaram um shopping. O Armazém 14, que antes guardava maçãs, que já foi concedido pra criação de um grande teatro de arena - nos moldes do Teatro Oficina - e que recebeu promessas de tornar-se um cinema, hoje está abandonado! Fora aquele espaço livre que tinha ao lado, que tinha tudo pra ser qualquer outra coisa, e os caras transformaram num estacionamento, que de vez em quando recebe show de banda sertaneja. Também tem a coisa dos cabarés antigamente (ver entrevistas n. 06 e 07)… mas parece que nada é levado em conta. Isso tudo é ignorado, em nome de um projeto de Buenos Aires que aparentemente encaixaria bem aqui. (referindo-se à semelhança da reforma dos armazéns com o projeto de Puerto Madero)


- Que iniciativas DO GOVERNO você apontaria como importantes ou decisivas para a re- introdução da vitalidade ao bairro? R: Um problema que eu vejo é que você não pode você fechar uma ilha e dizer “pronto, esse lugar é pra isso”, enquanto do outro lado da ponte você tem um lugar totalmente diferente. Como é que pode você ter isso aqui, e a Praça do Diário estar daquele jeito? E a Praça da República estar cercada? E você não cuidar dos caminhos que levam até a Ilha do Recife? É tudo feio, deserto, perigoso mesmo. Não é que o Recife de Coração (ver entrevista n.09, secretário de Turismo) seja uma iniciativa ruim. Mas é desconexa! Depois que passa o horário, acaba aquilo ali e as pessoas ficam feito zumbis, procurando o que fazer. Se chamassem todo mundo que promove cultura pra fazer uma reunião, dava para rechear muito mais. Sobre esses centros culturais, é boa a idéia, mas cadê o planejamento integrado? O Cais do Sertão é virado pra cá, o Paço Alfândega é pra lá, o Paço do Frevo acolá, os armazéns se fecham pra rua de trás (Avenida Alfredo Lisboa)… mas olha aí, o Paço do Frevo é um grande acerto. É agradável, é alegre, traz uma temática que combina com o bairro. Você sai de lá de dia, tem um vendedor com sombrinha de frevo, tem a Sinagoga...É uma coisa linda! Mas aí, se você chega ali na praça do Arsenal de noite, tá deserta! Outro grande problema é que existe um ciclo vicioso que impede o crescimento e a difusão da cultura teatral. Você pra ficar uma temporada no Teatro Apolo, por exemplo, tem que apresentar um projeto, vencer a pauta, arcar com vários custos da montagem, pra poder utilizar o espaço. Ou seja, se sua peça é às 19h, você necessariamente tem que montar, se apresentar, desmontar, limpar tudo e sair até as 21h. Depois desse horário, já se paga hora extra aos funcionários do teatro. A prefeitura barra logo. Mas aí me diz: quem é o cidadão que consegue chegar num horário desses, sexta-feira de noite? Ou seja: Ninguém frequenta teatro porque o horário é ruim; o horário é ruim porque se for num horário melhor, sai mais caro pra prefeitura. E assim fica... E outra: nossos gestores não consomem cultura. Experimenta perguntar aos gestores daqui qual foi a última vez que ele foi num desses centros culturais e teatros e o que foi que eles assistiram lá. Eles não vão, não sabem nem como funciona! Mas olha aí. Quer ver uma coisa boa? A doação de um edifício pra Oi Kabum, que, antigamente, era doado para um bar-âncora, na rua do Bom Jesus. Hoje, virou um espaço muito bom.


No caso dos armazéns reformados, é impressionante a segregação que ocorre naquele lugar ali. É um grande erro. Você tem uma população de crianças que vivem à toa, e ali seria uma ótima oportunidade de construir algo para elas. E se você não fornece opções, é no shopping que elas vão estar, desejando coisas que não podem ter. Não se tem um olhar para esse tipo de pessoa. A Rua da Moeda é um exemplo de degradação. Ali, que já foi um lugar ótimo de se estar, tá largado! Hoje é uma armadilha pra juventude que frequenta. Tem 4 sons diferentes tocando na mesma rua, é sempre uma confusão, vive tendo assalto... O Marco Zero, que sofreu uma reforma doida e ganhou aquela grande rosa-dosventos bizarra, de um artista consagrado, é outro exemplo. Não há intervenção do presente que supere as heranças do passado, o histórico. Tiraram o próprio totem do Marco Zero e colocaram de banda, para aquilo lá virar uma praça de eventos. Como é que pode? Uma coisa recente que é boa, é que pelo menos agora permitem os meninos andarem de skate (ver entrevistas n. 16 e n. 18), que antes não podia. Mas tá aí um exemplo: porque o governo não tá estimulando pessoas que trabalham nesse mercado do skate e do patins a estarem ali, a abrir estabelecimentos? Falta comunicação, antes de mais nada. Tem gente na Secretaria que possa intermediar uma operação dessas. Mas não, eles preferem fazer outro tipo de política. Quando você vai lá no bairro, parece que eles estão dia e noite tentando pensar num jeito de tirar os meninos pobres. É o que estraga a foto. E eles tentaram mesmo, quando começaram aquele processo de revista das pontes (depois dos casos de arrastões). Tem muita coisa pra ser feita ainda. É preciso ocupar os prédios, mas o aluguel de uma sala ali é muito caro e um grupo pequeno se manter ali é muito complicado. A especulação imobiliária tá sempre em cima. - Que iniciativas DA POPULAÇÃO ou DE INSTITUIÇÕES INDEPENDENTES você apontaria como importantes ou decisivas para a re-introdução da vitalidade ao bairro? R: Teve uma vez que fui fazer um Som na Rural na Praça do Arsenal e foi uma feliz coincidência! A praça tava cheia de carro velho! De 15 em 15 dias, tem um grupo de donos de Variantes e Brasílias que se reune lá. Isso é um barato!


A própria Rural tem um papel extremamente importante para a sociedade de baixa renda dali. Outro dia, um camelô chegou pra mim e falou “Roger, cadê a Rural, velho?? Faz esse dinheiro circular, bicho!”. Olha que recado! Quando a Rural tá lá, a gente tá lá, o comércio informal vende mais, fatura. Ao mesmo tempo, a prefeitura me vê como inimigo, ou quer transformar a Rural numa alegoria, como já fizeram, convidando a gente pra integrar a programação do Carnaval. Isso aí a gente não topa não, porque senão vira um toma-lá-dá-cá. Eles querem trazer a gente pro jogo deles, mas a gente não aceita esse esquema. - A re-apropriação desses espaços é uma mudança de baixo pra cima ou de cima pra baixo? É de baixo pra cima e de cima pra baixo. Acho que é uma junção das duas coisas. É preciso o povo compreender que sem o poder público, as coisas não acontecem. Mas ao mesmo tempo, os gestores carecem de maior compreensão, para saber o que pode ou não/ deve ou não ser colocado. O problema do governo é que não dão abertura pra pensar as coisas de uma maneira diferente. No caso do SNR que aconteceu na Rua da Aurora, por exemplo, foi um rolo porque o carro estava em cima da calçada. Eles não entendiam - ou não queriam entender - que naquele momento, não era um carro que estava ali: era um equipamento de cultura, uma plataforma. Ao mesmo tempo, eles têm o planejamento próprio deles, que independe da nossa vontade. Eles já estão lá, com o pensamento todo estruturado, sem levar em conta opinião de ninguém. Vê o caso ali do Pina, daquela passarela de tubo. Na gestão de João Paulo, aquilo ali foi feito e divulgado como a passarela mais moderna da América Latina, com escada rolante e não sei mais o quê. Ninguém sabia qual era a necessidade e o povo não entendia nem pra que servia. Mas aí, anos depois, surgiu o Shopping Rio Mar e tudo ficou muito claro. E daí, surge todo um planejamento que abrange desde o Rio Mar, passando pelo Cais José Estelita e seguindo até a Vila Naval. E ninguém fica sabendo. - O Som na Rural difunde a cultura local e promove inclusão de vários grupos. Mas pra você, o que é o SNR? De onde veio a iniciativa? R: A Rural que a gente usa era de um amigo meu, Milton Pereira. Em algum momento, ele percebeu que muita gente tinha uma história bacana pra contar, envolvendo


uma Rural antiga. Começou assim um projeto de um curta contando essas histórias. Aí depois o formato mudou e criamos a Rural como divulgação da musica local, em 2007, com um programa na TV Brasil. No começo era mais simples, eu ia dirigindo pela rua e conversando com o povo dentro do carro. Não tinha os LEDS e o tapete xadrez. Depois é que a gente mudou de novo o formato e criou-se o formato atual, lá por 2013. E além desses que acontecem em Recife, já passamos também por Itamaracá, Caruaru, Campina Grande, pelo Crato, Juazeiro do norte, até por São Paulo. - Dentre vários locais, o SNR também já passou pelo Bairro do Recife. Você sente acolhimento das ruas do bairro ao projeto? R: Um lugar (referindo-se ao espaço que se cria em torno no SNR) que junta 150 ambulantes é f*** (no sentido positivo). E quando a gente está lá, não precisa um policial. Basta ter, no máximo, um carro da DIRCON que a gente consegue controlar. O engraçado é o retorno espontâneo do povo. Às vezes os ambulantes chegam e fazem ‘Toma aí, Roger, 50 contos’. Acho que o projeto é massa mesmo, e ganhou reconhecimento nacional até. Já fizeram reportagem na Folha de São Paulo, de vez em quando surge algum projeto que se inspirou no nosso. Tem OFusca, ABrasília. É massa demais perceber a repercussão. Outro dia, a Globo cantou a gente pra gravar uma cena de uma série na Rural, mas aí a gente não topou. Apesar de ser uma galera massa da direção de arte, mas vai de encontro aos ideais mesmo do projeto. xxx


ENTREVISTA 5 CAMINHABILIDADE I ( Realizada na sede da TGI, Rua Barão de Itamaracá 293, dia 28 de abril, às 14h.)

Francisco Cunha- Arquiteto e Urbanista, Consultor pela TGI, coordenador dos grupos de caminhada Olhe Pelo Recife / Caminhadas Domingueiras. - Qual sua formação e sua área de atuação, hoje? F: Sou arquiteto e urbanista, formado pela UFPE EM 1981. Fiz concurso pra Secretaria da Fazenda do Estado, pra ser auditor do tesouro. Na época, fiz curso de contabilidade. Comecei na consultoria em 1986 e estou nela até hoje. Eu digo que há 10 anos atrás voltei a andar na cidade de forma sistemática e digo que fiz a pós-graduação pelos pés. Recuperei muita coisa que tinha visto na Universidade e passei a analisar de novo essas questões de cidade. Escrevi 3 livros de História, um sobre Pernambuco, outro Recife, outro sobre Olinda, como guias histórico-turísticos, resultado das caminhadas. Recentemente, publiquei o de fotos, "O Recife tomado à luz”. - Como você avalia os espaços públicos do Bairro do Recife (Recife Antigo), em termos de utilização pela população? F: O Bairro do Recife teve uma âncora importante que é a ocupação feita pelo Porto Digital, que dá vitalidade contínua ali, exceto pela noite. Tá faltando ali é moradia, uma outra âncora, de vitalidade. Mas acho, de um modo geral, que o Bairro do Recife hoje tem uma dinâmica que já está resolvida. Vai haver um processo de consolidação, de se aperfeiçoar cada vez mais, por conta dessa ocupação do Porto Digital, que já existe. O problema maior que eu vejo é Santo Antônio e São José, que estão abandonados. É uma ocupação muito aquém do que poderia ser, sem planejamento articulado. Cada um lá faz o que quer. Até a expressão “Recife Antigo” é equivocada. São José e Santo Antônio são tão antigas quanto. É como se quisessem isolar a Ilha como algo distinto do resto e não é. - Que iniciativas DO GOVERNO você apontaria como importantes ou decisivas para a re- introdução da vitalidade ao bairro?


F: Essa reforma dos galpões liberou um percurso de contemplação da frente de agua que antes não existia. Antes, você só tinha o Marco Zero pra contemplar o mar. Agora, é uma ocupação mais lúdica. O pessoal vai lá pra namorar, passear, andar de bicicleta, etc. Mas essa reforma foi feita como um local separado da cidade. Como é que se articula com o resto? E no final, ainda pegaram aquela “quina” (terreno ao lado do armazém 14) e transformaram em estacionamento. É uma estupidez projetual. Na minha época de jovem, era difícil eu ir ali. Era local de prostituição, de dia pouco visitado, tinha mais a turma do porto, os estivadores e tudo mais. Quando eu trabalhei ali, na Secretaria da Fazenda, a ocupação ainda era predominantemente de bares e cabarés. Depois, vieram intervenções do Governo do Estado, Secretaria de Planejamento e outras, planejando a revitalização da área. A rua do Bom Jesus era cheia de bares. Isso tudo é bom, mas não é o bastante, por conta de um fator impeditivo: ninguém mora ali. Só os térreos são ocupados, os andares de cima são livres. Não houve um planejamento para estimular a ocupação por escritórios e moradia, principalmente. Pra que assim, haja vida à noite, independente dessa atividade diurna. Aí no caso da Rio Branco, que fecharam para que não passasse carro. Não souberam fazer e agora tá uma coisa estranha. Será que tinha mesmo ocupação no nível da rua que permitisse essa abertura da via para as pessoas? Será que a melhor a se fechar não era a outra, a Marquês de Olinda, por exemplo? E a integração entre a Rio Branco, Praça da República e Parque 13 de Maio, que formam um eixo? É tudo sem integração, não se conversam. (ver entrevistas n. 08 e 09) É a questão do voluntarismo. Ninguém fazia nada, aí alguém surgiu com uma ideia daquela, que quando alguém critica, o poder público diz “Ah, mas a hora de discutir já passou”. Veja o caso do Cais do Sertão, Paço do Frevo, que são uma coisa “arretada". Como é que aquilo se articula com o resto do bairro? - Que iniciativas DA POPULAÇÃO ou DE INSTITUIÇÕES INDEPENDENTES você apontaria como importantes ou decisivas para a re-introdução da vitalidade ao bairro? Uma outra coisa que acontece agora espontaneamente é a utilização pelos skatistas e patinadores (ver entrevistas 16 e 18) no Marco Zero. Isso não tinha sido planejado. O planejamento pra aquilo ali era uma praça de eventos, com palco, essas


coisas todas. Inclusive, uma coisa positiva foi que essa gestão atual restringiu muito a quantidade de shows, pra 3, 4 por ano. Fez muito bem. Aquele chão nem suporta. Tem também o ciclo-ativismo, esses grupos que existem na cidade, o Ameciclo (ver entrevista n. 13),tem os grupos de caminhada Olhe pelo Recife, que a cada 3 meses fazem uma caminhada por algum bairro da cidade... - A re-apropriação desses espaços é uma mudança de baixo pra cima ou de cima pra baixo? F: Falta ali é um pacto. Tem vários lados a se conciliar, é uma diversidade muito grande. Tinha que ter um conselho da Ilha. Porque se você faz alguma cosia pra um, você acaba que vai estar atacando o outro. Por exemplo, isso de proibir que um determinado grupo passe ali pela frente dos restaurantes. Isso é que não pode. Esse pessoal dos bares, do Porto Digital, não são só eles ali que tem a voz. Não tem como deixar eles determinarem por cima dos outros, porque senão era aquilo que a gente viu do outro lado: corre-corre, baderna. Não adianta botar a polícia pra dar pau, aquilo ali precisa ser tratado como unidade. Mas lógico, as pessoas se expressam de diversas formas. Não é a Câmara de Vereadores que vai resolver, nem uma assembleia pública só. Tinha que ter uma instância mesmo. Por exemplo, no caso do ciclo-ativismo. De um lado, a ciclofaixa de lazer da Prefeitura. Do outro, o pessoal da AmeCiclo. É o espaço sendo oferecido para que os grupos possam fazer suas atividades. As duas iniciativas funcionam. É complementar. Deveriam haver mais sinergias do tipo. - Existem modelos de ocupação dos espaços públicos ao redor do mundo que você conhece e que acredite ser possível "importar”para o Recife? F: Olha, uma iniciativa que me chama muito atenção é o High Line Park, em Nova York, que fizeram da desativação de uma via férrea elevada. É impressionante. Estavam querendo derrubar, mas no final, transformou-se nesse parque linear. É intensamente utilizado, permeando entre os prédio, sem falar que possibilita que as coisas que existem ao lado mudem, se transformem. Isso foi inspirado num modelo de Paris, o Promenade Plante, uma linha férrea também que vai do Sena à Bastille. Transformaram também num parque linear, é um passeio plantado. - Diversos autores (Jacobs, Lynch, Gehl, Crawford, Harvey) realizaram estudos em torno do espaço público. Você se inspira especificamente na teoria de algum deles?


F: Acho que Jane Jacobs tem um valor por ter sido a pioneira, a primeira a ter visto isso. Ela tem uns insights bem notáveis. Já Gehl é seguidor dela. O que ele escreve no livro dele é a materialização do que ela sintetizou intelectualmente no livro dela. Jacobs nem era urbanista, mas teve a grande façanha de identificar a importância de haver pessoas nas ruas, onde a quantidade de olhos sobre elas proporciona segurança. Acho que os dois são grandes referências. Gehl é um manual de instruções, uma especial de Neufert do planejamento dos espaços públicos. - Em sua obra “Calçadas”, você aponta estas como “o primeiro degrau da cidadania”. O que isso representa? F: Como já diz aquela propaganda “Na Cidade todos somos pedestres”. Fora quem anda em transporte individual motorizado, o carro, a maioria das pessoas em algum momento precisará caminhar por uma calçada para chegar ao seu destino. Se a calçada não está cuidada, você não pode esperar nada mais. 2/3 da população faz uso dessas calçadas diariamente. 1/3 são aqueles que realizam suas atividades 100% a pé e 1/3 são aqueles que andam em transporte público. Hoje em dia, a gente vê a cidade como uma projeção de cinema, uma fita, pela janela do carro. Um simulador. E todos os problemas da cidade você só percebe quando está na rua. Eu só fui tomado pelo efeito dos problemas por conta das minhas caminhadas. Se a coisa tá ruim pro pedestre, é porque o processo de planejamento tá ruim. XXX


ENTREVISTA 6 ! ESPAÇOS PÚBLICOS DO BAIRRO DO RECIFE ( Realizada na sede do MDU, Centro de Artes e Comunicação, dia 29 de abril, às 11h30) Lúcia Leitão - Arquiteta e Urbanista, autora do livro Quando o Ambiente é Hostil

1 - Como você avalia os espaços públicos do Bairro do Recife (Recife Antigo), em termos de utilização pela população? L: O problema dali é que enquanto não colocar habitação popular ali, não vai ter bairro. É o único uso que garante vida permanente em qualquer lugar da cidade. Porque mesmo outros usos, como a escola, não garantem essa permanência. Por exemplo, uma escola movimenta só durante à semana, à luz do dia. Como diriam os franceses, o único uso 7/7, ou seja, sete dias na semana, é a moradia. 2 - Que iniciativas DO GOVERNO você apontaria como importantes ou decisivas para a re- introdução da vitalidade ao bairro? L: É preciso estar atento à vitalidade inerente ao bairro, sua história, suas tradições. É importante não esquecer das memórias, como a das prostitutas no passado, que é um assunto que já foi bastante discutido. Essas mulheres “guardaram" o bairro, que só não acabou de vez por conta da presença delas. Nesse sentido, a cidade até “deve” isso a elas. (ver entrevista n. 07 - Pontilhados). Na gestão de Jarbas, o Bairro do Recife era onde se tinha menor taxa de violência no Recife, então com 600 e poucos habitantes. Nessa época, as prostitutas mais antigas ainda estavam no bairro. Todas as iniciativas recentes da gestão atual, para atrair as pessoas ao bairro, com essas, estou de acordo. Acho que são bem-vindas. Mas o segredo ainda é a integração da moradia. Já se falou muito do projeto Morar no Centro, que abrangia não só o Recife Antigo, mas também o centro expandido. O caso é que a prefeitura ainda não efetivou isso. Só com os outros usos, o bairro não “se segura”, digamos assim. 3 - Que iniciativas DA POPULAÇÃO ou DE INSTITUIÇÕES INDEPENDENTES você apontaria como importantes ou decisivas para a re-introdução da vitalidade ao bairro?


L: Todos esses agentes que tem surgido, de grupos que ocupam as ruas, são todos bemvindos. Caberia à prefeitura ter uma proposta que potencializasse o que cada um tem de melhor, que fizesse acontecer, que facilitasse a ação desses grupos. O que acontece na maioria das vezes é que eles dificultam. - A re-apropriação desses espaços é uma mudança de baixo pra cima ou de cima pra baixo? L: Nem é de cima pra baixo, nem de baixo pra cima. É horizontal, sabe? É o palco com os atores. Você não faz cidade só com uma parcela da população. A cidade, por definição, é a multiplicidade de grupos, de ideias, de interesses, por isso que tem conflito e por isso que é preciso um gestor eleito. O governo tem um papel que é só dele. O que não pode é fazer como algumas cidades do Brasil têm feito, que é a abrir mão da sua prerrogativa de gestor para dar isso à iniciativa privada. Cidade não é empresa. Empresa tem dono. Uma cidade não tem. Uma empresa escolhe quem quer que trabalhe lá. Já uma cidade tem por obrigação acolher a todos. - Existem modelos de ocupação dos espaços públicos ao redor do mundo que você conhece e que acredite ser possível adaptar para o Recife? L: Existe um livro “A Reconquista de Europa”, de um autor catalão, publicado pelo Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona, que abrange de 1980 a 1999. Duas décadas de investimento massivo em cidades europeias no sentido da reconquista do espaço público. Acho que ajuda. Também tem um movimento que venho acompanhado em Sao Paulo que envolve a recuperação da gentileza. Acho que a solução parte do “miudinho”, da pequena escala. Também tem o livro Morte e Vida nas Grandes Cidades, que é muito bom (acerca dos espaços públicos), mas tem um viés muito norte-americano. A coisa dos "olhos da rua”, por exemplo. Funciona nos Estados Unidos, mas não aqui. E a que se deve isso? O ganho do olho da rua para a segurança se dá apenas quando o crime é investigado até a punição. Por exemplo, nos Estados Unidos, quando um crime acontece, a investigação acontece muito em cima de quem viu o quê. As pessoas relatam o que viram e aí ocorre o processo investigativo. Já aqui, mesmo que existam os olhos da rua, as pessoas muitas vezes não dizem nada. E mesmo que digam, que testemunhem, a justiça brasileira não julga; se julga, não prende; se prende, logo solta. Ou seja: não tem consequência da aplicação da lei. O olho da lei só ocorre de fato se existe uma punição efetiva. Os “olhos da rua" pregados por Jane Jacobs se dão em outro contexto.


ENTREVISTA 7 PONTILHADOS - DANÇA CONTEMPORÂNEA NA RUA (Realizada no Espaço Experimental, na Rua Tomazina, em 2 de junho de 2016, às 14h)

Mônica Lira - Dançarina, coreógrafa e diretora do Grupo/ Espaço Experimental

"Sussurros de memórias habitam cada gota de silencio, alterando um lugar que nos altera. Traçar o próprio caminho, pontilhando cada esquina, transformando cada pedaço de chão em história, memória. Neste Recife de amores antigos, passaram muitas Das Neves, Doras e até Madonas, todas representadas e representantes de mãos que batem e que argolam dedos que apontam nortes, neste porto de tantos Recifes. Por aqui elas ainda passam, ficam, fincam seus sentimentos mais extremos em cada ponte. Nessa ilha solitária de tantos braços, os abraços parecem refúgios. Ali, onde meu olhar alcança, meu corpo descansa. Aqui, onde nos vestimos de memórias, nos despimos em dança”.

texto de apresentação do espetáculo Pontilhados, na 13a Mostra Brasileira de Dança.

- Qual sua formação e sua área de atuação, hoje? M: Na época em que eu fiz vestibular, não tinha cursos na área (de dança), então para estudar, eu teria que viajar e estudar em outro lugar, e eu não tinha condições financeiras pra isso. Assim, entrei na dança de uma forma muito independente, viajava, fazia cursos, dava aula…no meu currículo, tem sempre experiências assim, de eu estar indo beber fora, porque aqui não tinha nada. E uma vez tendo ingressado dessa forma, eu pensei que não valeria a pena entrar na Universidade tardiamente, vendo um monte de coisas que eu não curto, só para ter um diploma. Inclusive, fiz parte do movimento Dança Recife, criado há 12 anos, de cunho politico, de militantes da dança, que lutava pela criação de um curso na UFPE. Foi uma das grandes contribuições desse grupo à sociedade, e o mais interessante é que os atuantes dessa manifestação não ingressaram na Universidade, pois têm outra abordagem.


Sempre me debati muito com essa realidade. Isso é uma coisa complicada, porque os artistas, de forma geral, ja são muito discriminados, e quando você não tem um currículo acadêmico, é ainda mais descriminado. Comecei até a estudar psicologia por um tempo, mas abandonei. Minha alma, meu espirito é ligado à arte. Sempre estou me renovando, tendo novas ideias e projetos. Mas como eu lido muito com pessoas, senti a necessidade, uns 5 anos atrás, de estudar Gestão de Pessoas, onde fiz até uma pós em Gestão Cultural. O interessante disso é que,dentro de um universo que não era o meu, eu acabei revolucionando. Os trabalhos de sala , que eram insuportáveis, e onde ninguém absorvia conhecimento algum, eu inseria dança! O complicado de arte e academia é que são dois lugares muito distintos, e os profissionais que eu conheço que transitam entre os dois mundos, em algum momento, tendem a escolher uma área ou outra. Em termos profissionais, fora os projetos independentes, estive um tempo na prefeitura, na gestão de dança, e acabei me envolvendo muito na política. Hoje, administro o Espaço Experimental, de forma precária até, vamos dizer. Porque ser artista demanda um tipo de energia, ser gestora demanda outra. Acabo ficando nessa lugar um pouco estranho.

- O que é o Espaço Experimental? M: Antes de mais nada, é um equipamento cultural. Ele não é apenas do Grupo Experimental, embora a maior parte do tempo seja ocupado por ele. Aqui tem teatro, tem no andar de baixo um estudo de Pilates até, aqui em cima (mezanino no último pavimento) é um espaço mais reservado de uma menina que dançava comigo, que virou cabeleireira artística e acabou usando esse espaço para atender. Então, o que eu posso estar fazendo de pontes, eu faço. Manter um espaço desses não é barato, a gente não tem financiamento nenhum, então eu estou à frente desse grupo-empresa, para garantir que ele continue no futuro. E tem ainda uma questão, que é a do mercado de trabalho. Se ja deve estar difícil na tua área e em outras já reconhecidas, que dirá pra dança? Que mercado é esse? Eu tenho essa preocupação, hoje, de querer construir grupos de atuação que lutem por políticas públicas voltadas à dança.

- O que é o Pontilhados?


M: Em 2010 a gente ganhou um prêmio por conta de uma pesquisa e um espetáculo chamado Ilhados - Encontrando as Pontes, um prêmio federal do Klauss Viana, um edital famoso de dança, e a pesquisa tratava de estudar os dois ambientes “ilhados” que têm a ver com minha vida pessoal. Essas “pontes" são as pontes de vida mesmo, as relações tanto com a família, quanto com o grupo, para depois abrir para a relação com a geografia. Eu nasci em Fernando de Noronha e vim parar nessa ilha (do Recife) (risos). Para essa pesquisa, a gente trouxe um investigador da dança, que trabalha essa memória do corpo, o que é que fica nessa memória e tivemos até historiadores, tanto de Noronha, quanto do Recife. Então a gente construiu esse material, essa pesquisa. Nesse momento ainda não havia espetáculo. Para a realização do espetáculo mesmo, montamos uma equipe,até com bailarinos de um trabalho social que fizemos, e fomos para Noronha. Lá a gente dançou, fez oficina, entrevistou as pessoas da ilha, uma pesquisa enorme. Fazia anos que eu não dançava e, a convite dos organizadores do evento, que sugeriram que eu dançasse. Nesse evento, dancei com minha filha. Não era um material vendável, era realmente um produto pessoal, sentimental. O primeiro foi o Ilhados, que falava da minha relação íntima e pessoal com Noronha. Foi uma coisa bem pessoal mesmo, desde minhas memórias de infância: montei um espetáculo para mim. Num segundo momento foi o Compartilhados, um espetáculo só sobre Noronha, problematizando essa visão de “paraíso" que existe ali, um movimento politico pela Ilha. Há mil problemas que não são efetivamente enfrentados. Assim, acabou virando uma trilogia, que se encerrou com Pontilhados, que fala da historia da Ilha do Recife Antigo. Agora, olhando para trás, vejo que a construção desse espetáculo Pontilhados obedeceu a uma relação de transição, da intimidade para o povo, de troca.

- Qual a sua relação com os espaços públicos do Bairro do Recife (Recife Antigo)? M: A relação com esse bairro é antiga. A gente, antigamente, ocupava o Hermilo Borba Filho. Lá, a gente passou alguns anos, e lá tinha sido ensaiado o espetáculo de 1987, Zambo, que falava do Movimento Mangue. Aí, quando saiu o projeto de reforma, a gente teve que sair de lá. Na época, o Paço Alfândega era um galpão abandonado, estacionamento, e tinha um amigo meu que fazia festas ali. No final, fizemos um acordo verbal com o dono do estacionamento para ficar ensaiando por lá. E isso durou até aproximadamente 2000, com a decisão de reformar o prédio para criar o shopping. Aí,


entramos com a ajuda de um advogado e conseguimos um espaço aqui, na Rua Tomazina, com tudo regularizado, aluguel e tal. Tivemos que fazer milhares de reformas aqui. Já fizemos muita coisa na rua. A gente do grupo experimental tem o bairro do Recife como uma casa mesmo. Na época de construir os ensaios da rua, os bailarinos ficaram receosos, mas sempre tentei encoraja-los, afinal, a gente vive, trabalha nesse bairro, conhece as pessoas e as ruas. Não tinha porque ter medo. Eu poderia estacionar, entrar aqui, fazer meu trabalho, sair, e esquecer do bairro. Mas a gente ja buscava essa interação. Aqui a gente ja dançou numa balsa no Rio, no RecBeat (um dos pólos no carnaval)…teve o Postais do Recife, um espetáculo de rua, em que a gente circulava por toda a cidade, e no Recife Antigo foi na praça do Arsenal. O Pontilhados foi talvez o que tenha criado mais relação com o espaço público e com as pessoas. A ideia dos fones com áudio eu trouxe de uma visita que fiz a uma exposição na casa de Pablo Neruda, que tinha audio-guias contando a historia de acordo com o que se olhava. É um artificio comum no teatro, mas não muito na dança. Voltei de lá querendo implementar isso: uma pessoa sussurrando no ouvido do publico as memórias do Bairro do Recife. Aqui, eu conheço todos os moradores de rua, os guardadores de carro, as historias das reformas, abandono de edifícios, armazéns, e o espetáculo foi muito idealizado para as pessoas que vivem o cotidiano do bairro, e não com uma pegada turística, como querem nos convencer a fazer. A gente tem uma preocupação em abordar e mostrar a desigualdade social, as tantas historias que vivenciamos aqui, principalmente com pessoas pobres. Aqui na rua, costumavam morar algumas mulheres, ex-prostitutas que continuavam aqui no bairro, mesmo não sendo mais o momento áureo, da boemia. Nos anos seguintes, elas tornaram-se guardadoras de carro. Essas mulheres representam figuras essenciais à memória do bairro e são retratadas na montagem de Pontilhados, que trata da memória.

- Como você enxerga os espaços públicos do bairro? M: Olha, o bairro está bem abandonado no sentido de integridade das ruas mesmo. Minha crítica é em relação a esse investimento tão grande nos armazéns, que acaba tendo um acesso restrito, né? A pessoa chega com seu carro e já desce direto nos bares onde quer ficar. É a mesma relação de um shopping. Não existe incentivo do governo para que as pessoas circulem nas ruas.


Obviamente, tem essa questão da segurança no bairro, que tá completamente abandonada e isso (se fosse cuidado) também permitiria que as pessoas circulassem nas ruas, estimulando os finais de semana e a noite. É preciso tomar conta dessa coisa da segurança, tirar aqueles cuidadores de carro que acabam também fazendo tráfego de drogas, enfim. Tem várias questões de segurança que são fundamentais para que o bairro tenha vida, para que as pessoas possam ir lá, queiram estar lá. Porque o que eu percebo é que as pessoas, hoje, não têm o menor interesse em ir ao bairro, e quando vão, é dessa forma que eu falei (de carro, descendo no ponto exato onde vai comer), o que termina elitizando o bairro.

- Que iniciativas DO GOVERNO você apontaria como importantes ou decisivas para a re-introdução da vitalidade ao bairro? M: O Pontilhados é pensado justamente para gerar uma provocação nos espaços públicos do bairro, pra que as pessoas atentem para a arquitetura do lugar, para os prédios, para a história do bairro, recuperando um pouco esses valores que vão se perdendo, com essa coisa da modernidade. O governo poderia, de repente, fazer iniciativas nesse sentido, possibilitar que as pessoas estejam nas ruas, caminhem. Para isso, precisam criar mais ações culturais, mais feirinhas…já tem o domingo (Recife Antigo de Coração), né? Mas isso precisa acontecer em outros dias, não só no domingo, entende? É papel do governo coordenar a questão da segurança, propiciando ações que levem as pessoas para as ruas, pra não ficar nesse negócio de todo mundo só ir pra um lugar que tenha um mínimo de segurança. Existem vários espaços culturais no bairro (realizados pelo poder público), e existem tantos edifícios com atividades internas, que poderiam se abrir às ruas, ações para fora dos equipamentos culturais. Acho que deveria haver uma interlocução desses espaços abertos com os espaços fechados, até para os turistas mesmo, que hoje chegam no Marco Zero, olham a cidade e vão embora. Aí ok, você pode dizer que melhorou: tem o Centro de Artesanato que movimentou, mas acho que falta realmente esse investimento principalmente em segurança, porque isso é uma coisa que trava todas as outras questões. As pessoas têm medo de andar no bairro.

- Que iniciativas DA POPULAÇÃO ou DE INSTITUIÇÕES INDEPENDENTES você apontaria como importantes ou decisivas para a re-introdução da vitalidade ao bairro?


M: A Rural, de Roger (ver entrevista n. 04), que sempre faz umas provocações no bairro, tentando realmente fazer com que as pessoas vão às ruas… E acho que a cidade também é uma responsabilidade da população, e falando do bairro, os próprios empresários, as pessoas que trabalham naquele lugar poderiam pensar em ações também dessa natureza. Existem vários projetos independentes, principalmente nos carnavais, em momentos pontuais, principalmente nos ciclos festivos, que são projetos particulares, que têm apoio e incentivo da prefeitura, por estarem, afinal, movimento aquele espaço, mas são ações muito pontuais, que não faz com que as coisas acontecem sempre, e aí, isso vai se perdendo. Então eu realmente acredito que os empresários podiam entrar com projetos que ajudassem a criar essa revitalização, reforçar a importância e a consciência do cidadão de ter pessoas na cidade, consumindo a cidade, passeando na cidade.

- A re-apropriação desses espaços é uma mudança de baixo pra cima ou de cima pra baixo? M: Nem é de uma via nem de outra. Tem que ser um trabalho, uma responsabilidade conjunta. E o que acontece, o que a gente vê, é o seguinte: o poder aparece, como em quase todas as cidades, principalmente nesse momento político que a gente está passando, fazendo uma revitalização para os ricos. O acesso é para quem tem dinheiro, para quem chega de carro, paga um estacionamento onde tem segurança (privada) e entra num lugar onde possivelmente ela não será abordada por nenhum ladrão, depois sai e vai pra casa. Aí os órgãos públicos não precisam se preocupar com segurança. Hoje, o que se vê é uma organização vista de cima, e isso causa uma repulsa nessas pessoas na classe média baixa, que gera toda uma revolta, uma insatisfação de uma parcela muito grande da população. O ideal era que fosse uma coisa de cima pra baixo e de baixo pra cima. Acho que a gente tem que estar reclamando do poder público, das coisas que são elaboradas dessa maneira, pra que as pessoas tenham acesso a todos os espaços independente da classe social, na sua cidade.

- Existem modelos de ocupação dos espaços públicos ao redor do mundo que você conhece e que acredite ser possível "importar”para o Recife? M: Eu senti que em Belo Horizonte, talvez de repente por não ter praia, mas o centro da cidade é realmente muito usado, sabe? Aqui a gente não vê as pessoas nas praças, museus, nas ruas à noite, e isso tem muito em BH, em São Paulo.


Em Arcoverde aconteceu uma intervenção recentemente. Arcoverde é uma cidade que tem uma identidade cultural muito forte, muito particular, e eles têm um exemplo la de uma ocupação de uma estação de trem abandonada, com vários galpões, onde vários artistas entraram nos prédios e transformaram esse lugar num lugar de arte. Hoje, se não me engano, são 3 galpões, onde lá eles fazem espetáculos, ensaiam , tem ateliers onde eles montam o figurino, produzem os cenários. Isso foi feito pelos próprios artistas, que colocaram a mão na massa e fizeram virar um espaço de arte. A prefeitura tentou tira-los na época e não sei dizer datas, mas fui há pouco tempo pra dar um curso lá e me levaram. É fantástico! Ele vivem fazendo coisas pra melhorar, instalação elétrica, aos pouquinhos vai dando um cuidado ao espaço, e aquilo ali virou um lugar de muita concentração. Antes era um lugar abandonado, perigoso…virou outro lugar. E como esse devem ter vários exemplos, mundo afora, mas que não é fácil, né? Os prédios têm donos, e fazer esse tipo de ação não é simples, e hoje a gente vive numa sociedade muito medrosa, muito acomodada, pronta para receber o que é fácil, o que é rápido…não quer ter trabalho, não quer ter desgaste… e para esse tipo de trabalho é preciso ter muita coragem. Teve também uma exposição também que eu vi em São Paulo, num prédio que ia ser transformado num hotel, da família Matarazzo, que tinha sido um hospital. Antes de virar o tal hotel, vários artistas ocuparam esse prédio e as salas eram com obras desses artistas: uma coisa linda. Várias paredes estavam em ruínas e tal. O que eu percebo é que, através da arte é que a gente pode transformar e fazer com que as pessoas observem o mundo, observem a arquitetura de uma cidade, a paisagem…cuidar da cidade em todos, todos os aspectos. Aguçar a sensibilidade da população e dizer que nos somos responsáveis por ela. Não só esperar que venha (a solução), a gente tem que cobrar, sugerir, propor, lutar, ocupar, intervir, enfim. Eu acho que só através da arte é que a gente consegue um resultado com mais força e mais positivo. ______________________________________________ Trechos expressos apresentados no áudio-guia do espetáculo “Pontilhados" (escritos por Silvia Góes e Paula Caal): “Ali é que é o Recife mais propriamente chamado, com seu pecado diurno e seu noturno pecado.” Carlos Pena Filho.


"Quem Dança o Frevo, gente da gente, povo, sente fome. Patrimônio imaterial feito da vontade de quem move na invisibilidade imposta pelo poder publico a quem frevo na raiz. Ilha da fantasia, luxo e riqueza oferecidos aos turistas como se fosse a nossa voz, que grita faz tempo… Concurso de frevo com sabonete de prêmio… Frevo, fervente, calor! Espasmo, assombro! Dança e abandono… À semente, ao inicio, pedra primordial, onde Cicero Dias viu o mundo, magia, onde no chão os pontos cardeais e planetas nos lembram outras direções… Astrologia, rosa dos Ventos…atravessemos ao mar…Arrecife, palavra árabe de origem, adjetivo, coisa firme, calçada, caminho, paredão, muralha, cais…Tudo isso pode ser, tudo isso sobre as águas, sonho de ir-se, partir-se, encontrar-se…Além, outro Recife-mundo, coluna de cristal, de Brennan ao infinito, corpo solto, dancemos, dancemos, dancemos…Peço um marinheiro que me atravesse, cicatrizando a alma de afetos e de senhos…Dance o seu desejo, o meu desejo, dance…” “Uma cidade nasce do encontro, um olhar e outro olhar, um corpo e outro corpo, uma pedra e outra pedra, eu e você… É preciso ver a rua, um novo olhar, vamos arruar, descobrir a história, desvendar fronteiras de outros tempos, recriaremos a cidade. Errâncias antigas por vontade de ir-se, refazer-se pele, membros, ossos e órgãos em movimento, assombro…Siga o silencio do vento…Quantas mulheres sonharam aqui? Quantas se foram com seus marinheiros? Quantas sentiram saudades? Quantas vivem ainda deitadas, dormindo em suas réstias? Comendo restos? Quantas já morreram? … Essa é uma história real da cidade…de pedras e invisiveis, plural, de gentes, de ventres…” “O amor - esse interminável aprendizado” Affonso Romano de Sant’Anna “A cidade não conta seu passado, ela o contém como as linhas da mao, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas” Italo Calvino “A vida brotando em rachaduras, roupas intimas penduradas, ruinas do que nunca se foi, abertura da incompletude, permanência fragmentada…Entre as ruínas e o amor, infinitas afinidades…Portas e janelas não são mais que palavras enchendo a paisagem da cidade que se cria sozinha, se vira como pode, se dá com um riso em troca de pão e um


café…Paredes de madeira, os sons vazam, a cama range, ele puxa, gritos…suor, sangue, cheiro de cabelo molhado, lençol velho, travesseiro borrado de rímel e batom, bitucas de cigarro, ele tapa minha boca com um beijo…Limite, tudo, nada…nós, grãozinhos de areia na cidade alada…” “Eis-me pronta, feita de argila e alma de ferro. Todas as pedras que tentaram me lançar, desintegraram-se.” Erri de Luca “Eis-me pronta para atravessar o mar, levando comigo a certeza da partilha e uma multidão de outros nomes…Madona, Tereza, Maria…Corpos que se fundem à história das pedras, vãos e desvãos, paralelepípedos, tudo efêmero, tudo passa, finito e imediato… Um olhar e outro, um corpo e outro, uma pedra e outra, eu e você…” “De perto, essa memória do instante, as Portas do Recife, os arcos antigos, perdidos, ‘que destruídos pelo homem, a natureza refez' (Helijane Rocha) …em árvores… quanto tempo os homens ainda deixarão essas árvores vivas? Que saudade da imponência dos arcos que desenhavam a rua…história construída com zelo e tao facilmente acabada no poder dos mandantes da destruição, que apagam a vida do tempo, roubando a antepassada cidade na calada da noite às vezes, esvaziando ventres, esquecendo…E assim segue a humanidade, destruindo, destruindo… E assim sobrevive a natureza, insistindo. Eu insisto, eu existo, eu quero ver nos arcos da memória os emparedados, que se foram junto com as pedras no descaso dos homens de poder…Eu insisto! EU EXISTO!”


ENTREVISTA 08 POLÍTICAS PÚBLICAS I ( Realizada no Café Açúcar e Afeto, no dia 11/08/ 2016)

Cida Pedrosa- ex-secretaria de meio ambiente da cidade do Recife, diretamente ligada a projetos da prefeitura.

- Qual sua formação e sua área de atuação, hoje? C: Vim morar em Recife em 1971, estudei num colégio da Rua do Riachuelo e depois fiz direito na Faculdade de Direito do Recife. Desde que eu era estudante, eu já escrevia poesia e tinha uma relação muito forte com o centro do Recife do ponto de vista cultural e boêmio. Fui secretaria de Geraldo Julio entre 2012 e 2016. Saí faz só 3 meses.

- Como você avalia os espaços públicos do Bairro do Recife (Recife Antigo), em termos de utilização pela população? C: Quando eu era jovem, o centro da cidade foi realmente meu espaço de boemia. Acho que teve um marco divisor na historia do Recife que foi a inauguração do Shopping Recife, em 1980, e da cultura de shoppings. Eu frequentei muito o centro até 1989, por aí. Mas então, a cultura do recifense mudou, sabe? As famílias agora vivem de carro e ja não “cabem" no centro. Ainda é pouco, muito pouco o que se utiliza. O poder público tem tentado fazer essa indução, mas acho que as pessoas ainda são muito encarceradas dentro de seus prédios, seus condomínios. A prova de como pode ser bem-utilizado é o Carnaval, o São João, e isso poderia ser não só em tempo de festa.

- Como você vê o problema da moradia? Porque não há, praticamente, pessoas morando no bairro. C: Eu acho que existe um novo estilo de moradia sendo veiculado, mas é umb estilo muito danoso, que é o daqueles edifícios altíssimos na Rua da Aurora. Você tem um poder imobiliário que está olhando pro centro, mas de um outra forma, com um novo tipo que não serve ao Bairro do Recife. O “cara" vai entrar no seu prédio de carro, sair de carro e continuará o maior deserto. Desde 2010, se conversa sobre essa coisa de ocupar os edifícios do centro sem função, dando-lhes função de moradia. Mas isso é uma coisa muito, muito complexa. Porque, às vezes, tentar revitalizar um edifício desses sai mais caro que construir um


novo. Eu acredito que isso tinha que estar vinculado ao turismo, a uma política de habitabilidade ligada a transporte público de qualidade.

- Que iniciativas DO GOVERNO você apontaria como importantes ou decisivas para a re-introdução da vitalidade ao bairro do Recife? C: A grande luta dessa gestão foi para deixar o Bairro do Recife um bairro para pessoas, para pedestres. Acho que uma coisa muito importante foi a chegada da ciclofaixa que faz com que no domingo você tenha toda uma vivacidade no bairro… Outra coisa foi, logo nos primeiros meses da gestão de Geraldo, aquela de desmontar aquelas estruturas do Marco Zero, os palcos de shows, que ficavam boa parte do ano lá, e que transformaram a Praça do Rio Branco numa praça para pessoas, e não para eventos. Hoje é um espaço bem diverso e eu acho isso maravilhoso, porque quanto mais diverso, melhor. Em 2013, fui com Geraldo Julio para a Polônia, a convite da Conferência das Partes, e lá conversamos muito sobre o Recife Antigo, sobre a necessidade de fechar a Zona 30 e sobre a necessidade de fazer ainda muitas zonas 30 na cidade… Tudo isso tá muito ligado aos pedestres… Inclusive foi conversado o projeto de fazer a Livraria do Escritor Pernambucano lá na Avenida Rio Branco, que por enquanto, por falta de verba, está só interditada, mas que existem muitas ideias para lá, com a criação do Bulevar… livraria, sorveteria, quiosques, arborização…A coisa de ja ter interditado, mesmo sem o projeto, foi pensada para já ir criando a cultura da rua fechada para as pessoas. Às vezes vêm reclamar…mas gente! A rua está cheia de gente transitando, isso é maravilhoso! No sábado fica cheio de skatistas, aquilo é maravilhoso! Também está sendo estruturado um projeto de conexão do Bairro do Recife com a Rua do Imperador, com o lançamento do Cais do Imperador, um projeto para aquela área que fica na altura do Paço, mas do outro lado do rio. Foi feita uma parceria com a Faculdade Boa Viagem para revitalizar aquele espaço, que hoje é ponto de drogas e lar de mendigos, mas que hoje já tem funcionando um café e que, em breve, vai ser um espaço cultural e de educação. Vai ter até um anfiteatro lá dentro, com espaço para dança e tudo mais. Essa obra fui eu que coordenei, enquanto ainda estava na Secretaria de Meio Ambiente. O próprio Parque Capibaribe é um espaço importante de planejamento e que vai dar uma nova vida ao rio, inclusive chegando até o centro. Isso tudo é planejado para o Recife 500 anos (2037). Outra coisa que automaticamente também influi é a reestruturação do Cais José Estelita, com o Novo Recife. Não era o projeto que


queríamos - eu, pelo menos- mas as modificações que conseguimos fazer no projeto original, nesse governo, melhoraram bastante o que era. A coisa dos armazéns é muito importante, como ainda também seria bom que houvesse outros programas financiados pelo governo, como ateliers coletivos de artistas. Acho também que o governo tinha que fazer parcerias com grandes bandeiras, grandes empresas, para revitalizar o centro. Não acredito que seja possível faze-lo sem a ajuda de instituições independentes reconhecidas. As grandes empresas tinham que fazer seus centros de cultura ali. O xis da questão é que deveriam fazer um espaço que avançasse para além dos limites do edifício.

- Que iniciativas DA POPULAÇÃO ou DE INSTITUIÇÕES INDEPENDENTES você apontaria como importantes ou decisivas para a re-introdução da vitalidade ao bairro? C: Já ali no Marco Zero, tem vários grupos evangélicos, um pessoal que se reúne ali, reza e vai distribuir a sopa para os pobres. Tem a turma do skate, que ocupa bem ali também, às vezes ao mesmo tempo que o pessoal da sopa. Existem pelo menos 3 coletivos de teatro e dança (Magiluth, por exemplo), o coletivo LGBT, o Ser, entre a Tomazina e a Rua da Moeda. Tem vários espaços sendo “tomados" pelos artistas. Nos domingos tem os ensaios de Maracatu (entrevista 18), os ensaios públicos já pro Carnaval…Na Rua da Moeda, ainda existe um processo de resistência muito grande…Acho que uma ex celente pessoa com quem você deveria conversar é o Moura, do Bar do Mamulengo, no Arsenal, que é um exemplo de resistência.

- A re-ativação desses espaços é uma mudança de baixo pra cima ou de cima pra baixo? C: Acho que aí é onde mora o erro. A primeira ativação que ocorreu no Bairro do Recife, no governo de Jarbas, por Romero Pereira, foi de cima pra baixo. Ou seja, uma decisão do poder público de revitalizar o bairro, através de uma certa “higienização”. Tiraram as prostitutas da rua da Guia, que acabaram migrando pra Rua da Moeda, que ainda era sub-utilizada. Aí depois da época do Manguebeat, foi re-estruturada a Rua da Moeda, que ascendeu, mas que, como reflexo, apagou a Rua do Bom Jesus. Não é um horror isso? É o modismo da classe média. A solução é o poder público entrar em ação, mas também as pessoas se apropriarem do espaço público. E quando digo “pessoas”, quero dizer da forma mais


diversa possível. Desde o empresário, até o artista, o grupo de dança…e o poder público deve estar nesse processo como facilitador, não dificultador.

- Existem modelos de ocupação dos espaços públicos ao redor do mundo que você conhece e que acredite ser possível adaptar ao Recife? C: No centro de Vancouver, no Canadá, o centro estava abandonado e foi reestruturado para moradia, como em várias outras cidades do mundo. Lá, vi uma senhora de 80 anos, de cadeira de rodas, totalmente independente na cidade. Lá, também tinha um centro de recebimento de usuários de drogas, que iam lá para receber tratamento, se aplicarem contra as overdoses. Ou seja: o local que era um local de drogados na rua, no passado, continuou sendo de drogados. Mas de drogados assistidos. Também Seul tem exemplos muito bons de utilização do espaço publico e revitalização de áreas decadentes. Lá, existiu a recuperação do rio que corta a cidade inteira, que era um rio mortos transformou-se num rio vivo. A convite do Parque Capibaribe, estive lá.


ENTREVISTA 09 POLÍTICAS PÚBLICAS II ( Realizada no gabinete da Secretaria de Turismo, no dia 19/08/2016)

Camilo Simões- Secretário de Turismo e Lazer da cidade do Recife (2014-2016)

- Qual sua formação e sua área de atuação, hoje? C: Sou publicitário de formação, tenho 30 anos e trabalhei ainda alguns anos da área de publicidade. Vim parar no serviço publico um pouco ao acaso, nada planejado. Eu era da equipe de Felipe Carreras (secretário nomeado em 2012 por Geraldo Julio). Na gestão dele, fui gerente geral de lazer e eventos e depois, secretário executivo. Agora, secretário.

- Qual a importância, numa escala de 0 a 10, que a prefeitura atribui ao Bairro do Recife como zona de turismo? C: A importância do bairro do Recife é 10, com certeza. O bairro é uma síntese do que é a história de nossa cidade. Lá você tem, dentro dos ciclos, as manifestações culturais, que falam muito sobre a historia da nossa cidade. Você agora consegue ter uma gastronomia que faz referência a nossa cidade, tem os prédios históricos, os centros de artesanato e os museus. No bairro do Recife a gente tem uma síntese nem só do que é o Recife, mas de Pernambuco. E a secretaria se chama Secretaria de Turismo e Lazer porque a gente, desde o princípio, se preocupou em deixar claro pro recifense que estaríamos preocupados também com o lazer dele. Existe um mantra no turismo que é de que a cidade só é boa pro turista, quando é boa para o cidadão local. Eu preciso cuidar da infra-estrutura de lazer de maneira que o taxista ao ser perguntado por um turista sobre o que tem de bom pra fazer na cidade, não responda “Ih, rapaz, vai pra Porto de Galinhas”.

- Como você avalia os espaços públicos do Bairro do Recife (Recife Antigo), em termos de utilização pela população? C: Acho que tem um contexto de cidade envolvido aí. Eu tenho 30 anos e quando eu estava na escola, Recife era a capital mais violenta do Brasil, e assim, a classe média recifense começou a se refugiar. Todo mundo esperava chegar a sexta-feira para, no inverno, ir pra Gravatá, e no verão ir pra Porto, Tamandaré…ou no shopping. A violência tirou o recifense das ruas e tanto Recife quanto Pernambuco tiveram uma redução muito grande nos índices de criminalidade, de 10 anos pra cá. Isso se inicia claramente na gestão de Eduardo Campos, com o Pacto pela Vida.


Então, apesar de ser uma coisa preocupante e um desafio diário ainda a violência, quando você olha os números, não tem discussão. Pernambuco foi o único estado do Nordeste que reduziu a violência nos últimos anos, enquanto em todos os outros a violência crescia. Então você veja, que pra nós, dessa geração que se acostumou a estar em Gravatá e na praia, essa volta (aos espaços públicos) não é tão natural assim. Assim que teve inicio a gestão de Geraldo Julio, a encomenda era clara: vamos transformar o Bairro do Recife num parque urbano a céu aberto. Então, a gente foi discutir com as pessoas o que é que a gente ia fazer pra que esse espaço fosse utilizado. A curva do comércio do bairro era decrescente, quer dizer: o ciclo de comércio do bairro ele vinha caindo. A quantidade de casas abandonadas, de comércios fechando vinha crescendo, até no próprio shopping, que não tinha uma dinâmica boa nem para os lojistas, apesar de ter uma rotatividade muito grande de segunda a sexta entre meio-dia e 4 da tarde. A gente tem que trazer o recifense para as ruas novamente, e isso é uma decisão muito ousada. Uma vez que as ruas estejam ocupadas, a cobrança em cima da gente é muito maior. Hoje, a gente recebe muito mais reclamações triviais, de esgoto estourado, por exemplo, tanto de empresários, quanto de usuários mesmo. Isso aumentou muito. E cuidar de esgoto estourado tem tudo a ver com o lazer, porque tem a ver com o bem-estar da pessoa na rua.

- Que iniciativas DO GOVERNO você apontaria como importantes ou decisivas para a reintrodução da vitalidade ao bairro do Recife? C: Ciclofaixa de turismo e lazer, Recife Antigo de Coração, Zona 30, requalificação do Parque das Esculturas, inauguração do Paço do Frevo…além da requalificação dos armazéns e criação do Cais do Sertão, que foram parceria com o Governo do Estado, regulamentação do comércio informal, hoje com cerca de 96 ambulantes, cadastramento dos barqueiros, flanelinhas… Outra coisa muito importante foi a regulamentação do uso do Marco Zero, que antes passava 230 dias no ano com estrutura de palco montada (contando os dias de show, montagem e desmontagem). Antes ali tinha evento religioso, gravação do DVD de fulano, gravação de radio, ensaio de carnaval, tinha tudo! Hoje só tem ali: Carnaval, Baile do Menino Deus e Paixão de Cristo do Recife. Fora que camarotes e front-stages foram proibidos. A praça foi devolvida à população. Tava ali "na porta" (na lista de prioridades da gestão Geraldo Júlio) para inaugurar a reforma dos armazéns. A gente já tinha um caso de sucesso, mas que estava meio “solto”, que era a Centro de Artesanato de Pernambuco (Cape, inaugurado em setembro de 2012) e a gente resolveu criar uma coisa para conectar tudo ao mesmo tempo. A primeira coisa que a gente pensou foi: vamos abrir o bairro para as pessoas, fazer uma experiência de tirar os carros no ultimo domingo do mês…mas como trazer essas pessoas pra cá? Então, ao mesmo tempo,


inauguramos a ciclofaixa de lazer e o Recife antigo de Coração (março de 2013). Chegamos a criar ruas temáticas para dar vida. Ruas culturais, esportivas, até gastronômicas e uma serie de outras atividades. Foi um sucesso estrondoso já no primeiro fim de semana. E se você olhar o mapa do Recife Antigo de coração, você vê que a gente faz a divisão espacial do evento para que o bairro seja ocupado não só no Marco Zero e na Rio Branco. A gente tem evento desde a praça do Arsenal até a Rua da Moeda. Não é o bairro todo ainda, mas você tem diversas ruas ja ocupadas com feirinhas. Tem a feirinha do Bom Jesus, da Prodarte, as barracas temáticas de diversos estados. Na Mariz e Barros, a rua esportiva com vôlei, basquete…e não foi um sucesso só de receptividade das pessoas. Foi um sucesso na parte econômica também. A gente tem assistido aos empreendimentos voltaram ao bairro. Abriram mais de 30 empreendimentos comerciais depois do Recife antigo de Coração e da Ciclofaixa, como o Sansa, a loja de skate, novos restaurantes, o primeiro hostel do Recife Antigo, por incrível que pareça, já que o lugar tinha tudo pra ser pólo hoteleiro. Então, por mais que seja só uma coisa feita dia de domingo, você vê a mudança nos outros dias também. A gente trouxe as pessoas e agregou os serviços, porque não adiantava trazer as pessoas e não ter nada para fazerem. A gente criou uma nova ambiência no bairro, e não só com o Recife Antigo de coração. A gente cria isso também com o Zona 30, com a instalação de câmeras, quando a gente colocar um letreiro RECIFE, para que as pessoas tirem fotos, quando a gente requalifica as peças de Brennand, que nunca haviam sido requalificadas, quando gente organiza os barqueiros, cadastra, dá a carteirinha (uma parceria com a marinha). Sobre a Rio Branco, eu acho engraçado quando alguém pergunta “o que é que vocês vão fazer lá?”. Primeiro, que a coisa mais importante a gente já fez! Ter tomado a decisão de fechar a via mais movimentada do bairro (para carros) fez muita gente achar que o mundo ia se acabar e o mundo não se acabou. Então…tem que ter uma estrutura melhor? Sim. Mas o mais importante já foi realizado. A crise econômica atrapalhou a gente na criação do Bulevar do projeto, mas o que importa é que a formalização do comercio informal já está sendo feita.

- Concordo 100%. Mas e a questão da moradia? C: Esse é um desafio muito grande pra gente. Eu fiz um mapeamento aqui, através do manual do investidor no Bairro do Recife, dos imóveis abandonados. Nós temos uma série de imóveis abandonados no bairro, que são um problema para o poder público, porque são privados, têm donos…muitos, por sua antiguidade, são espólios, brigas de herança…e isso realmente incomoda a gente ainda. Existe aqui a discussão de uma legislação, para ser votada ainda, parecida com São Paulo. Lá, o IPTU vai ficando mais caro quando o imóvel está sem uso, e estatisticamente, quando o imóvel está sem uso, a gente já sabe que o dono do imóvel não deve estar pagando o IPTU. E com essa lei, existe um dispositivo de que quando o valor chega na dívida, o poder


público tem o direito de pegar o imóvel para leiloar. Mas isso não é um processo de 12 meses, entende? Até porque a família do proprietário do imóvel vai com certeza entrar na justiça, não vai querer perder o imóvel etc. Quem tem imóveis e olha o bairro, pensa assim: rapaz, um dia isso aqui vai dar certo. Vou deixar esse prédio aqui, porque quando tiver já dando certo, eu vendo, eu alugo, faço alguma coisa. Isso prejudicou muito o bairro. E hoje, a maioria da utilização é empreendimento comercial, que funciona de 8 às 18h, de segunda a sexta-feira. Moradia que a gente tenha realmente no bairro, tirando casos muito específicos próximos à praça do Arsenal, é a comunidade do Pilar. Mas qual é o problema: essa é uma comunidade que precisa que o bairro exista e funcione para gerar renda para eles. Vai chegar um dia em que isso será uma via de mão dupla, a gente precisa estruturar isso pra eles. A gente sabe que carece dessa demanda, sim. Talvez uma moradia mais dinâmica, como flats. O bairro não tem um Hotel, um flat! Como é que você tem o Porto Digital, que emprega mais de 3mil pessoas, com uma faixa de recebimento salarial de 5 mil reais e você está fazendo esses meninos morarem em Casa Forte ou em Boa Viagem? O empreendedor privado da Rua da Aurora “acordou" pra isso e está dando uma revitalizada nos edifícios.

- Existe o Plano Recife 500 anos, com mudanças programadas pra 2037. Até lá, o que teremos visto de mudanças no quesito moradia? C: Veja, nós aqui temos uma gerência do bairro do Recife, em que a gente faz uma articulação das conversas em relação ao bairro. É um debate entre Secretaria de Turismo e Lazer, Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Secretaria de Planejamento Urbano. Eu confesso que não sei lhe informar se Antônio Alexandre, juntamente com o Pelópidas Silveira, já estão com um plano de ocupação de moradia. Mas eu acredito que essa movimentação da Rua da Aurora tende, sim, a reverberar no bairro. E não estou falando das torres da Moura Dubeux. Falo das edificações antigas,que estavam deterioradas e que, pouco a pouco, estão sendo reformadas. E aquele entorno ali pouco a pouco está se estruturando. Você não tinha uma padaria, agora tem (Galo Padeiro)…O que acontece é que a prefeitura tem o poder de incentivar, hoje já existe incentivo fiscal, mas a gente mas não pode dizer “venha morar aqui”, entende? Quem informou às meninas do Hostel Azul Fusca que elas poderiam conseguir até zerar o IPTU, abrindo esse estabelecimento num edifício histórico, fomos nós. O problema é que o empreendedor ainda não tem esse conhecimento. Tem incentivo na área de ISS para empreendimentos na área de tecnologia (ex: Porto Digital) e prédios tombados, quando existe interesse em realizar uma revitalização, é possível até zerar o IPTU. Você pode encontrar isso no Manual do Empreendedor (leis 17.244/2006, 16.290/97, 11.672/2008, 11.871/2000 e 8.248/91). Tem uma coisa que eu sempre converso com minha equipe que é: não são os grandes eventos que vão ancorar o bairro. Eu não acho que se eu montar um palco e colocar uma grande atração, ou de lado montar uma quadra de basquete iriam resolver, entende? A ocupação do


bairro não pode estar atrelado unicamente a um evento promovido pelo poder público. Esse procedimento é pensado para ser um catalisador para a ocupação. A gente faz essas atividades e depois sai! A gente vem diminuindo, gradativamente, a programação, porque o bairro em si já é uma programação. Então, nosso interesse é deixar a rua para as pessoas utilizarem da maneira que elas acham melhor. Se tiver um pintando a céu aberto, no outro dia vai ter mais um pintando. Isso pra mim está intrinsecamente ligado à questão da violência. Eu sempre escuto: “mas Camilo, tem que colocar policial no Marco Zero, aqui, ali” e eu respondo: minha gente, o que precisa é colocar gente na rua. Se um bairro todo sitiado fosse sinônimo de segurança, os países do Oriente Médio não tinham violência. O que a gente precisa é iluminar e humanizar, trazer gente. Isso é o que tira a violência e dá uso. Mas uma coisa interessante é que, por mais que essa iniciativa de tirar os carros do bairro aos domingos pareça unânime, ainda tem os comerciantes que criticam, que dizem “poxa, vocês não deixam vir os clientes pra gente colocar eles no estacionamento aqui e cobrar”. O foco ainda está errado pra alguns grupos.

- E que iniciativas DA POPULAÇÃO ou DE INSTITUIÇÕES INDEPENDENTES você apontaria como importantes ou decisivas para a re-introdução da vitalidade ao bairro? C: A gente criou fóruns de discussão com os empresários do bairro, que, de 3 em 3 meses, vem aqui pra falar de violência, de segurança, de saneamento etc. A gente cadastrou todo mundo, tem circular das empresas que participam daqui, posso lhe fornecer isso (anexo). Desde que eu cheguei aqui, eu fui muito ativista de que a empresa privada precisa pagar pra realizar seu evento na rua. Uma coisa que acontecia antes no bairro é que algumas empresas privadas faziam eventos em áreas públicas, como as corridas, e, na cabeça deles, ja que eles estavam dando algo à cidade, estariam isentos de pagar taxas pelo evento. A gente regulamentou essa prática, dizendo "Não, amigo. Você já está tendo o ganho de divulgar sua marca, a gente da prefeitura deslocando CTTU, policia…então você vai pagar pelo evento. Se não quiser, pode alugar um espaço privado”. Essa nova forma de atuar fez com que a gente pudesse captar recursos até para fazer a reforma do calçadão de Boa Viagem, junto com capital da iniciativa privada. Por conta desse novo procedimento, o orçamento do Carnaval, fruto dessa captação de recursos também, subiu de 2 pra 10 milhões. Tem o caso dos skatistas (ver entrevistas 16 e 18) no Marco Zero também, que é um debate interno muito grande aqui na prefeitura. Como a rosa-dos-ventos da praça é uma obra de arte, tem mármore e tudo, torna-se muito fácil danificá-la. Mas, ao mesmo tempo, o prefeito diz uma coisa com a qual eu concordo: anos antes do bairro ter sido re-ocupado, os skatistas já povoavam as ruas, já davam movimento, vinham aqui utilizar isso. Ou seja: agora que a gente organizou o bairro, vamos tirá-los? Não pode…no caso do skate, tem momentos em que montam


obstáculos pra fazer manobra, e esse é o momento em que mais degrada-se o piso. Então eu acho que a gente tem que ir regulamentando as coisas. Por último, tem a questão do Playtown (ver entrevista n. 12), que pra mim é algo fantástico, um conceito futurista mesmo. É num momento assim que se tira o cidadão da zona de conforto de só apontar o que tá errado e partir pra construção coletiva de soluções. No Playtown, chamamos a turma pra fazer com a gente, discutir, debater, e por fim, entregar o produto junto com a gente, contribuindo pra uma coisa que vai ficar na sua cidade. A lógica do Playtown foi procurar entender a dinâmica de cada lugar, com suas características especificas, perguntando não só ao arquiteto, mas às pessoas que trabalham, que frequentam aquele local, como ele funciona. O projeto foi todo financiado pelo Governo Federal, o primeiro do Brasil. E, pra mim, não tinha bairro melhor do que o Recife antigo para fazer isso não, pra aplicar a coisa do mobiliário do ócio, da game-ficação. O produto final serão 6 protótipos de mobiliário, que são testados e entregues via termo de referência (a documentação que viabiliza a verba para efetivamente criar os produtos), para depois vir um empreendedor de tecnologia do bairro para testar o protótipo e executa-lo em larga escala.

- A re-ativação desses espaços é uma mudança de baixo pra cima ou apenas de cima pra baixo? C: Acho que a gente, como poder público, tem que entrar pelo meio e "puxar" os “dois lados, acho que o papel da gente é esse. Não adianta era história do ovo e da galinha, sabe? A gente tem que aproximar os dois segmentos. E tem que parar essa demonização da relação do poder público com a iniciativa privada. Essa ciclofaixa aí, com as bicicletas de aluguel, custaria à prefeitura 5 milhões por ano. E ela do jeito que foi feita, não custou nada e é ótima para o Banco Itaú, para a divulgação de sua marca. Ficou bom pra eles, pra gente, e bom pra população. A gente vai enfrentar a crise dessa forma, enxugando os gastos e realizando, sim, outras parcerias com a iniciativa privada. E saber também a hora de “sair" como poder público também, deixar que a coisa funcione sozinha.

- Existem modelos de ocupação dos espaços públicos ao redor do mundo que você conhece e que acredite ser possível adaptar ao Recife? C: Tudo que a gente faz aqui tem uma mistura de referências do Brasil e do mundo. Uma cidade no Brasil com uma vivência da cidade intensa pelo cidadão, seja rico ou pobre, é o Rio de Janeiro. Lá, afinal de contas, se chega numa praia e tá lotado de gente. É o cara do Leblon com o cara do morro na praia. O Rio é uma boa referência de ocupação do espaço. A academia com equipamentos de inox foi um modelo que pegamos do Rio. A gente também tem algumas experiências em Curitiba, Florianópolis…Fui também pra Barcelona com minha equipe, que é outro exemplo de cidade em que as pessoas ocupam o espaço público. X

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ENTREVISTA 10 - URBANISMO TÁTICO ( Realizada no número 172, na Rua da Alegria, dia 20 de agosto, às 20h.) André Moraes de Almeida - Arquiteto e Urbanista, mestre em Urbanismo Tático pelo MDU/ UFPE.

1. Qual sua formação e área de atuação?
 A: Sou arquiteto e urbanista. Comecei trabalhando, depois de formado, com projeto de arquitetura, mas me afastei desse processo. Tenho buscado trabalhar mais com intervenção urbana. 2. Como você aplica o Urbanismo Tático na profissão? A: O que eu tenho usado de urbanismo tático é a partir de um conhecimento que eu tenho de envolver pessoas pra trabalhar na rua, pra fazer coisas, ao mesmo tempo que eu aprendo técnicas de marcenaria, técnicas de serralharia, técnicas de várias coisas, a rua me proporciona aprender e me proporciona também passar o que eu sei para as outras pessoas. Então, é esse processo de aprender com quem está vivendo, sobrevivendo na tática, na essência mesmo, de precisar fazer algo pra sobreviver. Tem muito pra passar e acho que a gente não tem esse contato muito próximo com essas pessoas...ou quando tem, meio que, pelas minhas experiências de observar o tratamento, é com se fosse gerado um afastamento, sabe? Como se (a gente) fosse superior, então minha busca hoje é pra aprender junto com quem sabe fazer, com quem faz de verdade, sem ser só pra vender. Desde pescador que faz sua rede até outros grupos... 3. Qual sua relação com o Recife Antigo?
 A: A relação com o Recife Antigo minha, começou com um workshop que eu participei na UFPE com a Architectural Association (AA) em 2004, e teve como intenção entender o Porto Digital e as relações de porto. O porto enquanto lugar de conexão, as interfaces também, a tecnologia e arquitetura meio que se misturando. Fomos até o Pilar e começamos a trabalhar com eles diretamente. Minha relação com o Bairro do Recife se intensificou com isso, de conhecer pessoas que moram lá e saber que não tem lá só empresas, não é só turismo, agências de design, marketing etc. 4. Nessa época, Pilar já era Pilar ou ainda chamavam de Rato mesmo? 
 A: Os dois nomes já existiam. A tentativa de transformar em Pilar era uma muito forte. Existia a presença do nome Rato, que os próprios moradores que deram. Eu sempre me in-


teressei muito pela favela, já viajei pra vários lugares. Fui pro Rio e passei um tempo no Rio e fiquei no Morro do Jacarézinho e no Formiga. Tenho muitos livros de Paola Jacques, como Estética da Ginga. 6. Qual sua participação no Inciti? 
 A: Eu entrei no Inciti pra trabalhar com arquitetura, mas sempre de maneira informal. Trabalhei na Prefeitura de Olinda, no VAASTU que é o escritório que eu tenho, trabalhando em vários lugares, mas vi que o que eu mais gostava era trabalhar na rua, botar a mão na massa. Vi no INCITI a possibilidade de fazer isso, e comecei a estimular a ciracao de novas ações. Minha função no INCITI – estou afastado há uns dois meses por conta do mestrado que estou terminando – é trabalhar com a questão da ativação. Em outubro, eu devo ir pra Quito pro Habitat III, pra montar uma intervenção que eu consegui aprovar lá. Hoje, no Inciti, eles já me dão a liberdade de criar novos projetos. 7. Como você avalia os espaços públicos do Recife Antigo em termos de utilização pela população nos últimos cinco anos? A: Acho que dentro desse processo do urbanismo tático também. Nessa ideia, qualquer dia da semana que você vá lá tem gente andando de skate (entrevista n. 16, skatistas do Marco Zero), fazendo coisa, bebendo. Acho isso fantástico. Tem melhorado, com certeza. Só de você ter oportunidade de atrair pessoas pra lá, que não são só turistas, que são pessoas daqui e tudo mais, é incrível. Agora tem, ao mesmo tempo, uma falta de investimento em espaço público pra população local. Não sai nada para o Pilar e ao mesmo tempo você vê o Cais ali, a parte do Marco Zero toda restaurada, mas tudo caro demais, inacessível. E aí você vai pra Praça do Arsenal que é uma praça histórica, central, que tem uma relação forte com o Bairro, você que não tem atividade, é jogada, quando tem feirinha a praça é o fundo, sempre é o fundo. 8. Quais ações do governo você considera positivas? Considero positiva a redução de acesso de carros. A Zona 30, por exemplo, ainda é uma coisa que não afeta tanta gente, mas acho interessante. Acho legal fechar e só ter gente, pessoas andando: o sentimento de domingo, de você poder andar pra um lado e pro outro e não ter essa preocupação. É massa ter a Rio Branco, mas quando eu levo meus filhos, eles não vão saber o que fazer nessa tua. Vão ficar de lá pra cá? Tirar o carro é bom, mas ao mesmo tempo, eu acho interessante você ter o carro lá dentro, sabe? Tem que ter a experiência de vivenciar o espaço no olhar do carro, no olhar do ciclista, no olhar do pedestre, mas o que eu acho é que no Recife, como várias cidades, o espaço do carro tem se sobressaído demais. É preciso gerar uma atratividade para você andar. Eu saio daqui e vou trabalhar no INCITI andando ou de bicicleta. Gosto muito de andar aqui. As


ruas que são de pedestre, eu ando de olho fechado, ouvindo os sons, as pessoas, a galera vendendo, como as pessoas falam, como elas respiram e isso eu só consigo fazer se não tem carro. Mesmo tendo bicicleta hoje você vê que o barulho dos carros passa por cima (ver entrevista 05 e 11 - Caminhabilidade). 9. Quais são as iniciativas que você considera interessantes, tanto da população quanto de grupos independentes/ instituições lá no Recife Antigo? A: Tem o Som na Rural (ver entrevista 04), mas acho que a relação da Som na Rural com o Bairro do Recife é muito pequena. Acho que existem ações que são localizadas. Se você parar, fechar o olho e pensar no Alto José do Pinho, tem ações que você lembra que são de lá. E existem ações que são meio gerais, acho que o Som na Rural é uma, as Praias do Capibaribe também são. Aí é complicado você associar essas ações gerais a um bairro, porque Bairro do Recife e Som na Rural pra mim não tem conexão tão íntima. Tem conexão com a Rua da Aurora, com a Praça do Diário. Pronto, os skatistas são um grupo forte de ativação, inclusive atraiu lojas de skate pra lá pra área! Acho que bicicleta também é uma coisa muito forte, tem a Reciclobikes lá que não sei se tem ainda mas... e a Ameciclo pra mim também se situa no plano do todo do Recife. Assim localizado mesmo, que tá lá e que é do lugar pra mim falta, sabe? Alguém que esteja no Bairro do Recife, que seja de lá, que não necessariamente nasceu lá, mas que tá investindo e que é vinculado ao Porto Digital, etc... Antes de 2007 eu vivenciei mais o Bairro do Recife, com mais intensidade. Fim de semana e durante a semana a noite, sabe? Eu fui essa semana na Rua da Moeda e hoje em dia não tenho vontade de ir pra lá... Barulho danado, competição entre sons diferentes na rua, mas bem, eu não fico dizendo se é o certo ou errado, porque isso é o que eu acho, o que eu gosto e pode ser que agrade outras pessoas. Ativa o espaço, sabe? Mas é um ativar, que faz mais barulho lá, na esquina, vai ter um ou duas pessoas sentadas e um som alto danado! Eu acho que o espaço da Rua da Moeda é um espaço incrível, você tem vários pólos. No caso do bairro do Recife, eu acho que eu queria que as iniciativas viessem de baixo pra cima. É fantástica a possibilidade de você conseguir transformar e agregar várias pessoas em projetos de pensar a cidade, pensar em soluções, pensar em empreender, agora uma coisa que eu acho uma balela imensa é ver a quantidade de tempo, de workshops, de discussões, de eventos que acontecem... 10. Mas então o que é um espaço público de fato? 
 A: Pro Bairro do Recife, é preciso realmente parar tudo e colocar gente pra morar lá. Botar o Pilar pra funcionar, terminar as obras, dar qualidade de vida pra quem já está morando lá. Fazer as pessoas quererem estar lá, sabe?


11. Quais modelos de ocupação de espaço público em outras cidades que tu acha positivos? A: Fui pra Medellín e achei fantástico. Eu entrei no mestrado pra analisar Medellín e Recife, fazer uma análise comparativa dos dois. Em 10 anos, Medellin saiu do pior pro melhor lugar do mundo e Recife do mesmo jeito (segundo a mídia). Mas quando eu fui pra lá, eu percebi muitas críticas ao lugar, à gentrificação, à ocupação, à exploração também. Mas uma coisa que eu vi e que me deixou feliz demais: na hora de atuar e intervir no espaço público, a mesma qualidade de intervenção que acontece numa área rica, acontece numa zona pobre. Eu fui mais pra área pobre, mas um banco em que você senta no morro é o mesmo que você senta numa área rica. Essa relação de tratamento igual eu acho que é uma possibilidade de agregar qualidade. Acho que é o estímulo à boa qualidade dos produtos, acabamento, etc. Isso é uma coisa que você aprende com a vida. Você vai vivendo e vai aprendendo que aquilo ali é bom. O importante é dar acesso. Achei fantástico isso em Medellín. O fato das pessoas vivenciarem realmente o espaço, você tem um espaço que tem um acabamento muito bem feito, tem uma qualidade, tem suas centralidades. E você vê todo tipo de gente brincando, todo tipo de gente levando pessoas pra conhecer. Fui pra muitos lugares que nem tinha turista, inclusive. Eu lia muito sobre Bogotá, antes de ir, mas não conheço assim de vivenciar. Mas de conhecer e vivenciar espaços formais e informais. Se fosse em Recife, seria como andar pelas ruas, de Boa Viagem, com vários prédios, depois você pega o ônibus, o metrô, sobe o morro e por onde você olha, tem a mesma qualidade de acabamento.


ENTREVISTA 11 CAMINHABILIDADE URBANA II - JANE’S WALK ( Realizada no Atelier 3, CAC/UFPE, dia 24 de agosto de 2016, às 12h)

Lívia Nobrega - coordenadora do primeiro Jane’s Walk em Recife, ocorrido no dia 07 de maio de 2016.

- Qual sua formação e sua área de atuação, hoje? L: Sou arquiteta e urbanista, com mestrado em Desenvolvimento Urbano pela UFPE, ambos em convênio com a Universidade do Porto. Passei algum tempo em escritório mesmo, como profissional liberal, e hoje estou na academia nas áreas de arquitetura moderna, arquitetura de museus e espaços culturais, questões de gênero.

- Você foi coordenadora (city organizer) do primeiro Jane’s Walk em Recife. O que é o projeto e de onde surgiu a ideia de traze-lo para o Recife? L: Eu fui pra Toronto em fevereiro e conheci o movimento. Uma amiga minha que é planejadora urbana lá me apresentou e me sugeriu trazer para Recife. Fui atrás e descobri que na verdade é bem simples. Existe um site onde você realiza um cadastro rápido, se inscreve como city organizer - o que não necessariamente significa que você é quem realizará a caminhada - e as pessoas se juntam para fazê-las. Você pensa um tema, determina os pontos de parada e assim acontece. Às vezes, outros pontos de parada surgem espontaneamente. A primeira edição no Recife trouxe como temática “O que torna uma rua segura para mulheres?”, onde a gente caminhou desde a antiga estação do Recife, passando pela Rua Nova, Praça do Diário e chegando no Marco Zero. Lá, a gente distribuiu fichinhas com o mapa e os pontos de parada, para que as impressões das pessoas ficassem registradas. Mas a ideia é justamente que surjam outras iniciativas, que as pessoas se apropriem e construam seu próprio modelo. Mas na realidade, é tudo muito fácil. Já existe um banco de dados, com fotos, textos, powerpoint no site http:// janeswalk.org/brazil/recife/ que podem ser replicados.

- Outras caminhadas ja aconteceram? Você pretende fazer outros? L: Por enquanto, ainda não. Um pessoal de Olinda ja me procurou querendo saber como fazer um por lá, como também tem um pessoal do Amigos das Graças interessado.


No bairro das Graças estão tendo até outras coisas, como o Café da Manhã coletivo, organizado por Isabela (Faria, do Calças que Andei). Agora em outubro estou querendo organizar uma com foco no dia das crianças, tratando da relação entre as crianças e os espaços públicos. Mas nesse caso, talvez eu não seja a melhor pessoa para tratar disso, entende? Vou “catar" as pessoas que se enquadrariam nessa temática.

- Você acredita no ato de caminhar como um meio de re-aproximar as pessoas do espaço público? L: Totalmente. Eu pratico isso, sempre que posso. O ato de caminhar tanto gera uma afetividade, quanto um olhar crítico. São coisas que, da escala do carro, você não percebe. Você não se preocupa com iluminação publica, faixa de pedestres e etc. se você só anda de carro. Isso vai desde o detalhe da calçada até o planejamento territorial. A gente até usa os ensinamentos de Jacobs como o ideal, mas ela não é muito cientificista. É mais uma coisa de princípios e tudo. Mas, sem dúvida, caminhar é essencial para esse processo de re-apropriação. Outros autores que também auxiliam nesse ponto de vista da tua são os clássicos, né? Kevin Lynch, Gordon Cullen, Jan Gehl…tem outros autores também, mas são mais de desenho urbano.

- Qual a sua avaliação dos espaços públicos do Bairro do Recife (Recife Antigo)? L: Não frequento com a freqüência que eu gostaria, mas pelo menos uma vez por mês eu passo lá. Tem muitos pontos ainda a serem trabalhados. A questão da noite de lá, que ainda precisa ser ocupada, mas não é, por conta do estoque imobiliário vazio. A coisa dos armazéns, cuja dinâmica ainda não esta integrada na vivência do bairro é outro problema. Vejo ainda a falta de integração com a comunidade do Pilar. O pilar está ali atrás, mas ninguém vê, né? Ele fica totalmente isolado do resto do bairro. Tem a questão da formação dos pólos ainda, que ainda é meio desconexa. Enquanto no Marco Zero é possível observar essa movimentação intensa durante a semana, durante o dia, como as feirinhas, que vai no máximo até Rua do Bom Jesus e Arsenal, tem ainda a ocupação da Rua da Moeda, que é mais resistente, que dura mais tempo à noite, com musica, bares…já num outro setor, tem a comunidade do pilar, que deve, por si só, ter seus espaços, mas que a gente desconhece.

- Que iniciativas DO GOVERNO você apontaria como importantes ou decisivas para a re-introdução da vitalidade ao bairro?


L: Eu acho essas iniciativas como o Recife Antigo de Coração, aluguel de bicicletas, tentativas de revitalização, todas ótimas, assim. O que me preocupa realmente é a questão da continuidade, né? Porque todas as ações aqui, quando muda de gestão, vem uma roupagem nova, muda todo mundo, mudam-se os programas e perde-se muito. As iniciativas em torno da diminuição de uso do carro também são ótimas, e poderia até haver um projeto piloto que se refletisse pra cidade, mas por enquanto não existe. Mas tampouco acho que tudo tenha que ser re-modelado para pedestres. Acho que a gente precisa aprender a conviver melhor com a diversidade no mesmo espaço. Essa noção de rua compartilhada. A reforma dos galpões do porto me parecia um projeto bom, de inicio, mas que foi muito modificado ao longo da realização, não sei exatamente por que razões. a relação com o espaço publico que se criava era diferente, essas zonas intersticiais entre os galpões recebiam um tratamento interessante antes, fazendo uma espécie de píer, pequenas praças, mas alteraram bastante. O próprio projeto do Cais do Sertão foi muito questionado, porque só ele passou por um tratamento diferenciado dos outros armazéns. Demoliram o galpão existente para fazer uma praça, um vazio, enquanto construíram um galpão fake numa área onde não era galpão. E ainda por cima ficou uma barreira entre o museu e o rio. Existiram ainda dois projetos meio polêmicos dos quais eu participei. O primeiro foi o da pedestrianização da Rio Branco, onde a gente fez um projeto executivo, mas que nunca saiu do canto. Mas, de toda forma, olhando para trás, acho que ele poderia ter sido mais discutido com a população. Acabou sendo como uma encomenda. Apareceu o projeto pra gente fazer e pronto. O outro é o projeto da Praça Tiradentes, no Cais do Apolo, em frente ao C.E.S.A.R. A ideia inicial ali era criar uma praça que servisse ao pólo tecnológico, de descanso e tal. Mas no fim das contas, a praça foi desconstruída, revirada e não foi concluído o projeto. Hoje, está bloqueada, nem em condições de ocupar, nem de voltar atrás.

- Que iniciativas DA POPULAÇÃO ou DE INSTITUIÇÕES INDEPENDENTES você apontaria como importantes ou decisivas para a re-introdução da vitalidade ao bairro? L: Tem essa onda de caminhadas, que tem surgido mais recente…tem vários movimentos que propõem uma forma bem legal de ocupar. E justamente por aquela questão da setorização do bairro, existem os grupos, né? Tem a “galera" do rock, na Tomazina, do pagode, na Rua do Bom Jesus…tem também a galera do Anime, do RPG, quando eu era adolescente, sabe? Antigamente na Rua do Apolo também concentrava-se


muita gente, tinha uns lugares de festa, o Non Stop, Docas, que movimentavam a área. Mas hoje tá bem parado, né…

- A re-apropriação desses espaços é uma mudança de baixo pra cima ou de cima pra baixo? L: Me parece que seja mais de cima pra baixo (a aplicação dos projetos), porque não é tão fácil quanto a gente imaginar participar do Conselho das Cidades e todos esses órgãos, Conselho de Controle Urbano, onde esses projetos são realmente discutidos. E a questão é justamente essa: os espaços existem, os projetos existem, mas muitas vezes a população só consegue chegar muito tarde na discussão, quando já está muito desenvolvido, “there's no going back". No final, vai fazer uma mudança aqui, outra, mas já está tudo decidido. Mas é com eu estou te dizendo, os espaços estão lá disponíveis, então não é tão de cima pra baixo assim, no final das contas. Mas claro, esses processos de decisão das ações tinham que ter mais diversidade, tinham que disponibilizar mais cadeiras para os diversos grupos entrarem na decisão, é mais por aí, eu acho. Também acho que deveriam explorar mais a questão dos concursos de arquitetura, de modo que as pessoas pudessem se envolver desde a minuta de um edital. Então, não pode ser só um técnico redigindo o que será daquele espaço. Tinha que ser uma coisa mais ampla, uma grande discussão desde esse processo aí. O concurso ajudaria você a ter mais opções.

- Existem modelos de ocupação dos espaços públicos ao redor do mundo que você conhece e que acredite ser possível adaptar ao Recife? O Porto é um bom exemplo a se pesquisar. Quando eu morei la a primeira vez, em 2007, tinha uma vitalidade noturna e diurna forte na Ribeira e o centro expandido, ainda que em pontos específicos da cidade. De 2007 pra 2014, já senti a cidade completamente diferente. Surgiram mais feiras, mas restaurantes arrojados, mercados de pulgas, brechós…e no verão surgem mais coisas. Não saberia dizer se foram políticas publicas ou apropriações espontâneas, mas é importante perceber que, por conta da crise, vários arquitetos na cidade ficaram sem ter como trabalhar em construções novas e muita gente se voltou pra recuperação de patrimônio. Vários sobrados foram transformados em Air BNB, Hostels, apartamentos para moradia mesmo. Então, no fim, a crise fez o centro ressurgir. X

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ENTREVISTA 12 PLAYTOWN E A GAMEFICAÇÃO DO BAIRRO DO RECIFE ( Realizada no C.E.S.AR., Cais do Apolo, dia 24 de Agosto às 18h.)

Leonardo Lima- antropólogo, designer de interação no CESAR/coordenador do Playtown

- Qual sua formação e sua área de atuação, hoje? L: Sou formado em Ciências Sociais pela UFPE e logo cedo senti numa inquietação muito grande de querer estagiar logo, pra ganhar dinheiro. Então, logo no 2o período, comecei a estagiar no Instituto Ricardo Brennand. Me afastei um pouco da Universidade, mas me aproximei do mercado de trabalho, o que foi bem interessante. No estádio tive que trabalhar muito com mediação, então fui desenvolvendo muito a coisa da fala, de mediar, conseguir entender grupos e tal. Trabalhei no Museu da Abolição também, e de lá fui pra Fundaj, trabalhar com mediação em cinema. Também trabalhei no projeto Que História é Essa, da Secretaria de Defesa Social da prefeitura, que visava levar jogos de RPG para os núcleos dos bairros. Esse projeto, no final do ano, fazia um grande espetáculo interativo de LiveAction, em que todos atuavam e tal. Teve um no Ricardo Brennand e outro no Parque 13 de Maio. Na Fundaj também fiz atividades que envolviam arte contemporânea, que me quebrou muitos paradigmas positivistas, porque eu sempre tive um viés muito, muito racional e ganhei algo mais sensorial, sentimental. Também fiz um curso de Game Design pelo Animage - Festival de Filmes de Animação, e eu tava muito interessado em trabalhar com jogos online. Infelizmente, na época, não tinha ninguém que me orientasse em Ciências Sociais pra essa área de games e acabei indo estudar essa parte de histórias em quadrinhos. No fim das contas, eu nunca tive medo de ir atrás de nenhuma experiência ou projeto. Sempre meti as caras mesmo.

- O que é o Projeto Playtown e uma Playable City? L: O playtown é um projeto que tinha como objetivo inicialmente criar intervenções urbanas lúdicas, que surgiu de uma inquietação depois que ocorreu o Playable City aqui e em Bristol. Foi um projeto que uma parceria com o Reino Unido, em que o pessoal daqui foi pra lá e fez intervenções, enquanto o pessoal de lá veio pra cá, para fazer intervenções aqui, todo mundo junto. Foi bem legal, gerou muita repercussão e o pessoal se inquietou


de ver aquela ocupação da cidade. Daí o pessoal começou a se mobilizar para fazer esse projeto do Playtown também. A secretaria de turismo foi atrás de dinheiro com o governo federal e conseguiu financiamento (ver entrevista 09 com o secretário de Turismo e Lazer). Na realidade, conseguiram que fosse aberta uma chamada para as cidades que tivessem interesse, mas como a gente já tinha um know-howzinho, acabou vencendo. Esse processo, inicialmente, era pra ser idealizado e executado por um grupo, mas aí o governo desmembrou o projeto em duas partes, para fazer duas licitações, uma de concepção e uma de execução, e a gente entrou por inelegibilidade, o C.E.S.A.R. Então, pela primeira vez, é um processo em que o governo está comprando ideias. Prefeitura não compra ideia, prefeitura compra pufe, cadeira, etc. É um projeto bem inovador nesse sentido, até porque a gente sempre pensou nessas intervenções de forma livre e nãoisolada, pra que não ficasse uma coisa de “Oh, nós, especialistas, Olimpo”, decidida e simplesmente jogada sobre as pessoas, numa conclusão precipitada de que logicamente elas vão gostar, já que nós, especialistas, que fizemos. Para nós, o design deve estar centralizado no usuário, sempre. No processo de ideias do Playtown, nós fizemos o papel de catalisadores no processo. A gente preparava todo o palco e deixava o grupo atuar.

- Quais os resultados do Playtown? Foi dentro do esperado? L: Foi bem além, na verdade. Foram 3 momentos principais de criação, mais 2 mini-momentos. Antes mesmo do primeiro momento (Workshop Cidades Lúdicas), houve uma oficina de Lambe-lambe em tapumes, através de cartazes dizendo o que eles queriam mais na cidade. Teve crianças, idosos…e não foi nada diretamente ligado ao conteúdo do Playotwn, porque o workshop ainda nem havia acontecido. Então esse momento foi bom para irmos gerando o primeiro conteúdo, mobilizando as midias, etc. Inclusive, esse time de social media foi essencial para a divulgação dos resultados nas principais redes. Já no primeiro momento, no Workshop Cidades Lúdicas, houve a discussão do que eram, efetivamente intervenções lúdicas, o que é lúdico, o que é intervenção, e qual o entendimento geral das pessoas disso. Então, chamamos 4 profissionais, o Luciano Meira, a Bruna Rafaella Ferrer, Thaís Vidal e Lula Marcondes, pra que houvesse pelo menos uma paridade dos participantes entre homens e mulheres. Uma das preocupações foi realizar o evento num lugar que fosse acessível, então a gente fez no Plano B, que é quase vizinho ao C.E.S.A.R. O evento foi um sucesso! Tinha uma parte de auditório com cerca de 300 lugares, e uma praça, pro pessoal já ir trocando uma ideia sobre o assunto.


Foi importante esse momento, pra gente perceber a quantidade de pessoas preocupadas em debater e transformar a cidade. A diretriz do projeto era a de re-encantar o olhar, com mais diversao, através de uma vivencia mais prazerosa das ruas. Não era um processo de conserto de calcadas, desenho urbano, e tentamos deixar bem claro. O segundo momento foi o Hackaton, com umas 50 pessoas. Mas antes mesmo de se iniciar essa nova etapa, chamamos 21 pessoas pra participar de uma oficina de fotografia analógica aqui no Recife Antigo, com filmes de 36 poses. Revelamos essas fotos depois e fizemos um mural imenso no Hackaton. Serviu de referencia visual para idealizar as propostas. Era um processo coletivo, onde não tinha posse de ideias, que eram produzidas por um grupo de pessoas com ou sem experiência em design. Nossa função era catalisar esse processo com ferramentas que utilizamos normalmente, para auxiliar essa produz ção. De mais de 800 ideias, filtramos até chegar a 33 ideias e posteriormente, foram apresentadas 10 ideias e finalmente, foram lapidadas e escolhidas as 7 ideias que foram prototipadas no laboratório de imersão. Então a gente ficou 1 mês numa sala, todos os grupos trabalhando nos protótipos, que depois conseguiram gerar interação com as pessoas na rua. Em uma das ideias, que era o Poesia na Rua, a ideia era pegar essas estátuas de poetas que tem pela cidade e fazer com que, na hora que passasse alguém, um sensor fosse ativado e começasse a declamar poesia pra essas pessoas. Depois foi o laboratório de imersão, com a lapidação das ideias nos protótipos de projetos. Ao final do processo, vamos realizar os projetos executivos, entregar à prefeitura pra ela licitar a construção efetivamente. O material que a gente usou pros protótipos foi MDF, mas pra ser o definitivo, teria que ser outro tipo de material. E o tempo todo a gente salientava que não era um processo individual, era um processo coletivo, não era uma competição. No final, nao era só o C.E.S.A.R. julgando as ideias. Era o C.E.S.A.R., a Prefeitura, o IPHAN…

- O modelo é reprodutível? L: Não só é reprodutível, como foi idealizado de uma forma que sirva pra outras frentes, não só intervenções urbanas. É um processo de design colaborativo que foi idealizado para iniciar start-ups. Vamos dizer que a FIAT chegue a um ponto de perceber que esse negocio de carro não vai durar até 2050. Nosso objetivo é propor soluções inovadoras para empresar ou grupos grandes, de modo que causem um impacto real, que sejam replicáveis, entende? Foi o que aconteceu no Playtown.


Outra coisa é que a gente sempre entendeu nosso papel como catalisador de processos. Afinal, seria ótimo se todos tivessem o tempo de se inserir na realidade do outro, passar meses andando a pé, meses andando de skate, ônibus etc, mas não dá. Então, ao invés de tentar forcar estar na pele do outro, porque não trazer o outro e agir como catalisador? Mas aí, pra isso, você precisa de uma equipe muito bem treinada, que tenha muitas técnicas, e uma capacidade de empatia e de gestão de pessoas muito grande, não é algo trivial. Não é qualquer pessoa que você pode colocar para conduzir o Hackathon e o processo vai ser incrível. É difícil. Mas de toda forma, é o que todo mundo quer, repetir essa experiência. Pode ver que, no site, é PlaytownRec.com.br. A gente já quis, intencionalmente, criar uma identidade. Fazer para vários bairros, entendendo cada um e propondo coisas especificas para ele. E inclusive, o sonho agora é de fazer o Playtown Porto de Galinhas.

- Você acredita desse mundo de brincadeiras, ou "gincana" como solução para atrair as pessoas pros espaços públicos da cidade? L: Não é gincana….Tá muito na moda o conceito da “game-ficação” como algo que dá pontos pros participantes, mas não é como a gente trabalha. Para mim, gameficação é você transformar uma atividade chata em uma atividade divertida. Por exemplo, um dia no supermercado, eu estava com minha irmã no supermercado, cada um em uma fila esperando. De repente, estava rolando uma troca de olhares como quem dizia “tá vendo, essa é mais rápida!”, como uma espécie de corrida…lenta. Daí a graça da coisa. Não é pelo prêmio. A gente no Playtown não adotou essa coisa de “quest” (em um jogo, representa a missão que o personagem tem). Não queremos colocar uma cenoura na frente da pessoa. A gente busca uma coisa de fazer com que as pessoas brinquem porque é divertido, não porque ela vai ganhar uma estrelinha dourada no final. Ou seja: será que se as filas fossem menos chatas, se o trânsito fosse menos desgraçado pros nossos nervos, as pessoas não se incomodariam tanto? É como o exemplo da escada que faz sons de piano. A pessoa, ao invés de subir pela escada rolante, sobre pela escada normal, só para brincar.

- Mas vocês no Playtown adotaram esses conceitos de “gameficação"? L: Não, não adotamos. A intenção foi manter o vocabulário o mais acessível possível, inclusive por ter pessoas de diversas áreas. Houve, no entanto, algumas técnicas que a gente adotou de design, quase como um livro de receitas, que foi


distribuído pra todo mundo, e ele tinha uma espécie de jogo de tabuleiro. A gente tentou ao máximo aproximar a linguagem de uma linguagem comum, e um dos critérios de seleção era justamente escolher pessoas que pudessem fazer essa linguagem ecoar para outros lugares, realizando outros projetos, difundir ela na sociedade.

- Que iniciativas DO GOVERNO você apontaria como importantes ou decisivas para a re-introdução da vitalidade ao bairro? L: Acho que o fato de terem visto esse projeto (Playtown) com bons olhos, como algo de potencial, terem se inquietado e tido toda uma mobilização de correr atrás dos recursos foi muito bom.

- Que iniciativas DA POPULAÇÃO ou DE INSTITUIÇÕES INDEPENDENTES você apontaria como importantes ou decisivas para a re-introdução da vitalidade ao bairro? L: Olha, eu sei que tem muitas coisas boas e muitos grupos, mas o que me vem à mente agora como uma coisa bem interessante, mas que não é no bairro, é aquilo que está acontecendo na Praça do Sebo, de resgate, de leitura, de contação de história, que eu acho muito massa. X

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ENTREVISTA 14 HOSTEL - MORADIA TEMPORÁRIA NO BAIRRO DO RECIFE ( Realizada no Hostel Azul Fusca, Rua Mariz e Barros Bairro do Recife, no dia 27 de agosto de 2016.)

Kamila Carvalho - proprietária do Hostel Azul Fusca, em Recife.

- Qual sua formação e de onde veio a ideia de montar o hostel no bairro do Recife? K: Sou psicóloga e, atualmente, estou 100% à frente do hostel. Eu sou de Minas e vim mesmo para Recife pronta para abrir o Hostel, em 2015. Passei muito tempo viajando e já conheci, assim, pelo menos uns 150 hostels. Pesquisamos varias cidades do Brasil onde poderíamos abrir um hostel. O mercado de São Paulo e Rio já estava bem saturado, e vimos que Recife seria uma boa opção, que na época em que pesquisamos contava só com 6 hostels. Hoje, já deve ter mais. O bairro de Boa Viagem foi um bairro que considerei inicialmente, mas vi que estava saturado. Os hostels daqui estão todos concentrados lá e em Olinda. Daí eu e minha sócia viemos passear pelo Bairro do Recife e nos perguntamos: por que é que não existe hostel aqui no Recife Antigo, se onde a gente viaja pelo mundo, os centros das cidades sempre são cheios deles? achamos tão estranho, que pensamos até que era proibido. Fomos atrás da prefeitura e vimos que dava pra fazer. Existe o projeto do hotel da Marina, mas é um padrão de luxo, não contempla a maioria dos viajantes. E sem duvida nenhuma, não serão pessoas que vão ficar passeando a pé no Recife Antigo. Aqui a gente cobra R$50, com café da manhã incluído.

- Foi caro montar o estabelecimento? K: Eu saí olhando muitos prédios aqui. Tem prédios que sairia por 20mil alugar um espaço como esse, talvez um pouco maior. Aqui, pagamos R$3.5mil de aluguel. É o valor mais barato que eu encontrei. Eu só não pude mexer na fachada, mas aqui dentro consegui reformar bastante. Gastei cerca de 75mil pra fazer a reforma. Em relação às taxas, eles diminuíram o valor do imposto para atrair mais pessoas para cá, tanto para empreendimentos que reabilitam edifícios antigos, quanto pro setor de tecnologia, como o Porto Digital. O difícil mesmo no começo pra montar foi o preconceito. O pessoal aqui não sabia o que era um hostel e o “albergue” era visto como "puteiro"". Quando a gente ligava pro proprietário dizendo que queria montar um, eles respondiam


“não, pra isso aí a gente não quer alugar não” e desligavam na nossa cara, principalmente em Boa Viagem. Tivemos que aprender a falar “pousada" para sermos aceitos.

- Você viu outros albergues surgirem no bairro depois do Azul Fusca? K: Não…acredita que já vieram umas 4 ou 5 pessoas aqui, para procurar mais informações de como fizemos, mas nunca deu em nada? Sempre acabam desistindo, mesmo tendo demanda. É uma pena. Uma coisa engraçada é que tem um pessoal que vem de fora, de 15 em 15 dias, para as aulas de mestrado no C.E.S.A.R. e fica hospedado aqui. Um pessoal de Engenharia de Softwares e Design de alguma coisa (risos). Mas o turismo brasileiro, em si, caiu demais, de uns 6 meses pra cá. Turismo mesmo, é bem mais de estrangeiro.

- Como você avalia os espaços públicos do Bairro do Recife (Recife Antigo), em termos de utilização pela população? K: Olha, eu até que acho bem movimentado, viu? Quase todos os dias aqui, tem movimento na Rua da Moeda, no Burburinho…sempre tem movimento. O problema é que tem várias ruas que são bem escuras mesmo, mas tem muito policiamento. Eu até vim a Recife com a concepção de que era uma cidade muito perigosa, mas até que não, viu? Mas assim, eu moro aqui no hostel, e pra gente que se hospeda aqui, falta uma estrutura mínima de serviço, sabe? Supermercado faz uma falta danada, farmácia não abre nos finais de semana…então tem alguns serviços que quebram um pouco a dinâmica do bairro, porque morando ou não aqui, existem algumas coisas que você precisa, sabe? Durante a semana aqui é abarrotado de gente, que trabalha nessas empresas no Bairro. Já no fim de semana é outra movimentação, completamente diferente. Claro que poderiam ter intervenções muito melhores, sabe? Mas em termos de número de pessoas, eu acho até que tem bastante. Uma coisa que eu já notei aqui é que existe muito preconceito com o bairro. Pelo que eu pesquisei depois, parece que quem veio aqui há uns 10 anos considera o bairro bem abandonado, como uma zona perdida de porto, abandonada mesmo…sinto que muita gente já vem com um pé atrás.

- E o pessoal que se hospeda aqui costuma fazer programações no próprio bairro? K: Sim, o mais distante que pessoal (hóspedes) costuma ir é na terça do Vinil, Olinda…alguns vão pra Porto de Galinhas e voltam…mas fica tudo muito concentrado


aqui. Todo mundo vai pra Rua da Moeda, todo mundo. De vez em quando, vão no Apolo 17, escutam um grupo de Maracatu, que dia de domingo tem pra tudo quando é lado… Mas sabe o que eu vejo muito? Esses ônibus da Luck Turismo passando, cheios de gente, estacionam ali na Praça do Arsenal, vão no Marco Zero, vão no Cais do Sertão e vão embora. Não ficam de bobeira aqui. Esse turismo de família é bem diferente. Eles querem descer pra tirar foto e continuar. Já esse pessoal mochileiro, gosta mais de sentir a energia do lugar, vem sem hora pra ir embora, vai ficando um dia, dois…tem uma senhora aqui mesmo, que ia só ficar uns 3 dias e já faz uns 10 que está aqui. É outro ritmo.

- Que iniciativas DO GOVERNO você apontaria como importantes ou decisivas para a re-ativação dos e.p. do bairro? K: Por agora, de uns 3 meses pra cá, eles inauguraram uma lei de restauração de fachadas. Então, tenho visto muitos prédios com um aspecto de abandono sendo restaurados, pelo menos por fora. Dá pra sentir uma diferença. A coisa do Recife Antigo de Coração aos domingos atrai muito as pessoas para cá. Muito mesmo. Durante a semana, sendo bem sincera, não tem movimentação nenhuma. E por exemplo, agora, tá tendo uma feira de livros na Rio Branco, que tá tendo pouquíssima divulgação, mas que tá muito legal. E querendo ou não, a feirinha do Bom Jesus cansa, ninguém aguenta mais.

- Que iniciativas DA POPULAÇÃO ou DE INSTITUIÇÕES INDEPENDENTES você apontaria como importantes ou decisivas para a re-ativação dos e.p. do bairro? K: Eu acho que Recife respira cultura, não tem jeito. Onde você vai, você vê a coisa muito intensa, é muito bonito de se ver. A “galera" que se hospeda aqui, de fora, fica deslumbrada. Quando eles escutam maracatu ficam “que que tá acontecendo?”, vão na rua procurar e não voltam. É muito legal. Está tendo Rock na Calçada, tem os palcos da Rua da Moeda, o Som na Rural (ver entrevista 04)…uma vez até montaram aqui na frente do Hostel!

- A re-ativação desses espaços é uma mudança de baixo pra cima ou de cima pra baixo? Acho que dos dois lados, sempre, sempre, sempre.


- Existem modelos artísticos de re-ativação dos espaços públicos ao redor do mundo que você conhece e que acredite ser possível "importar”para o Recife? K: Barcelona tem bastante coisa, e acho que Buenos Aires também tem bastante feirinha, mercado de pulgas, e tal. X

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