Em Busca do Sentido

Page 1


Andrea Paiva

1ª Edição 2014


DIREITOS AUTORAIS Autora Andrea Paiva Editor Danilo Henrique Paiva dos Santos Imagem de capa Andrea Paiva Licença Poética Registro: n° 0252 Ano: 2010

Nenhuma parte desta obra pode ser vendida ou modificada sem autorização expressa do autor e do editor.

© 2014 by Autor

E-mail contato@andreapaiva.com Site http://www.andreapaiva.com


APRESENTAÇÃO

Ao iniciar a escrita deste livro, Vitória Helena Cunha Espósito (Profa. Dra. da PUC-SP), disse-me que ele já não era mais meu e que precisava ser divulgado. Não havia entendido tais palavras. Como um livro que eu escrevo não é meu? Fiquei com aquela provocação guardada no bolso durante toda a caminhada. Mas, ao final da escrita, tudo ficou claro. Esse livro fala! Ele não é meu porque é livre, tem voz própria e quer conversar com o mundo. E o que ele dirá? Não sei, isso vai depender da perspectiva de cada leitor e do quanto estará disposto a ouvir.


SOBRE A AUTORA

Andrea Paiva é pedagoga pela PUC-SP, educadora social e pesquisadora na área da educação. Trabalhou na alfabetização de jovens e adultos através do Núcleo de Trabalhos

Comunitários

da

PUC-SP

(2010/2012);

Programa de Educação Tutorial do Ministério da Educação (2013); Associação de Munícipes para Amparo ao Menor Osasquense (2014); escolas públicas e privadas do Estado de São Paulo. Como pesquisadora do Grupo de Pesquisa e Produção do Conhecimento/PUC-SP

(desde

2010),

participa

na

produção de trabalhos científicos na área da educação com ênfase

na

Pesquisa

Qualitativa

Hermenêutica.

5

Fenomenológica

e


SINOPSE

EM BUSCA DO SENTIDO é a voz de um poeta que ao conversar com seus poemas deseja compreender o sentido e os limites entre o “eu” e o “outro”, o “certo” e o “errado”, o “tudo” e o “nada”. Mas, principalmente encontrar o sentido de si. Sua

construção

é

um

mosaico

de

diálogos

e

questionamentos que procura, a partir das antinomias do Ser Poeta, revelar outro (algo) estranhamente novo. EM BUSCA DO SENTIDO foge dos padrões técnicos da escrita formal da qual estamos habituados. O que pode ser considerado um desafio, não apenas pelo caráter difícil de alguns termos específicos apresentados, mas pela sutileza da reflexão que a autora nos convida a fazer. O aprofundamento introspectivo e as falas herméticas presentes do começo ao fim, parecem roubar o sentido habitual que o poeta tem do real, como se a realidade conhecida fosse apenas um momento de iluminação fugaz: uma verdade fabricada. EM BUSCA DO SENTIDO não é leitura tranquila, é

6


provocação, intuição, talvez um pressentimento. Portanto, não é leitura que precisa ser “simplesmente” compreendida, antes solicita ser pressentida.

7


Dedico este livro a todos que ousam buscar o sentido do mundo além da equação 1+1=2

Desenho Vetorial Criação: Andrea Paiva

8


SUMÁRIO O Começo do Livro – pg. 11 Convite Poético O Livro que não nasceu Em busca do sentido

Depois Do Começo – pg. 19 Saudade descoberta A face de Deus Escrita hermética

O Canto em Seis Tempos – pg. 24 O canto da liberdade O canto do olho O canto da morte O canto d do desconhecido O canto do mundo O canto da vírgula

O Finito e o Infinito – pg. 34 Das possibilidades e das escolhas Das dualidades Da consciência Da análise da consciência Do pensamento

Depois da Metade do Livro – pg. 46 O pensamento indizível O Burro e o Inteligente A utilidade do inútil

Antes do Último Capítulo – pg. 54 O que é isso que digo Ser? Na presença do sentido Ser Nada

9


O Último Capítulo: o começo de uma história – pg.57 A morte de um livro Ser Tudo

10


O Começo do Livro Convite Poético Poema 1: — Venha calmo, tranquilo, sem pressa de querer explicar o sido. Poema 2: — Encontrando o Ser do ver estranho quando um novo disso aqui se mostra, não hesite, busque-se. Poema 3: — Mas lembre-se, independente do onde para e do onde quando, aqui, você não é. Poema 4: — Sentirei pena dos apressados. Poema 5: — Eu não!

O livro que não nasceu EU: — Amor, acho que tô escrevendo um livro. ELA: — Ãn? EU: — Escrevendo um livro! ELA: — Que legal! E é sobre o quê?

11


EU: — Não sei, ele ainda não se mostrou a mim. ELA: — Não entendi. Você está escrevendo, mas não sabe o que está escrevendo? EU: — Eu sei o que estou escrevendo, só não sei ainda sobre o quê. Como posso saber antes que ele próprio se mostre a mim? ELA: — Então tenta explicar o que ele é. Diz alguma coisa dele! EU: — Mas explicá-lo seria matá-lo, impedir que ele mesmo se diga. ELA: — O quê? – segundos de silêncio – Tá, mesmo assim, diz qualquer coisa. EU: — Está bem! Ele é ele mesmo surgido do desejo de ser... um livro. ELA: — Hum… Não entendi nada. EU: — Claro que não entendeu, acabei de matá-lo!

Em busca do sentido Poeta: — Cansei de ser bonzinho. Eu quero mesmo é 12


desiludir o mundo! Poema: — E você pode fazer isso? Poeta: — Hum… Acho que não. Poema: — Então se posse primeiro! — E ele ainda se acha o salvador das almas. Poupe-nos! Vá salvar-se de ti mesmo. ∞ Poema: — Poderia haver mais poetas no mundo, não é mesmo? Aqueles que não esmagam as entrelinhas e sempre buscam sacudir o óbvio. Poeta: — Sempre? Já tô cheio de aguentar sempre! Decidi que sempre será finito. Agora somente me apetece degustá-lo. Degustar? Não, não… Eu vou mesmo é me fartar de sempre! A partir de agora sempre deixou de ser sempre e passou a ser um eterno hoje. Poema: — E depois de hoje? Poeta: — Sei lá do depois de hoje, nem sei se isso existe! ∞

13


Poeta: — O papel sofreu mais a pressão da borracha do que o grafite do lápis, isso porque sentia medo de fazer feio, escrever errado, como se escrever certo fosse escrita agradável. Hoje percebo que de fato não tenho habilidade com as letras. Admito saber apenas rascunhar pré escrita poética. Rascunho que de longe é escrita bonita, e de tão despretensiosa chega a ser esquisita, quase que uma feiura, uma maldade proposital. Poema: — Insegurança poética?! Está querendo agradar a quem? Lembre-se, não é para isso que estamos aqui! ∞ Poeta: — Poema tem que ter título? Tem que ter rima? Poema: — Querido Poeta, o tem que ter só existe sendo nada, significando o dizer de algo que só fala de coisa alguma. Dizer, no dizer que é, apenas é, se dizer não for. Então, por favor, não diga tem que ter. Caso não saiba o que dizer, diga apenas nada, isso fará muito mais sentido. ∞ Poeta: — Que é isso que eu disse ser Rascunho? Poema: — Poeta, Rascunho é o seu sentir querendo ser

14


fala. É busca poética. Tentativa de descobrir o antes e o depois das reticências de: … senti … Poeta: — Começar com reticências seria o mesmo que começar com vírgula? Poema: — Começar com reticências ou vírgulas é um caminho para se descobrir o não dito antes ou depois delas. Poeta: — Rascunho iniciando reticências, no começo do visto, é para que eu veja, aquilo que antes, ou depois da vírgula, ainda não é? Poema: — Isso mesmo! Cada poema é o depois de algum antes no já de agora. Ou seja, um lindo poema rascunhando a presença de um sentir. ∞ Poeta: — O que é descobrir? Poema: — É mais ou menos assim: digamos que você encontre pelo caminho um lençol por cima de alguma coisa… Poeta: — Que coisa? Poema: — Sei lá, imagine qualquer coisa! E imagine que 15


o lençol esteja envolvendo completamente essa coisa. Você a percebe nebulosa, aparentemente turva, chega até duvidar que possa haver algo além do lençol. Com o passar do tempo, tudo só é, se lençol for. Entretanto, buscando ver o visto do depois e no depois do lençol é possível puxálo e descobrir. Poeta: — Descobrir é só isso? Poema: — E você acha isso pouco? Poeta: — Ainda não sei. Acho que só saberei quando estiver sendo. Quando eu mesmo puxar o lençol. ∞ Poeta: — Sempre queremos quando sentimos vontade? Poema: — Nem sempre querer é vontade sentida. Poeta: — Então, se a vontade que sinto nem sempre é o que quero, o que penso querer pode ser algo que não sinto vontade? Poema: — Isso mesmo! Nos equilibramos a todo momento entre vontade e querer. Poeta: — Mas se a vontade sentida não diz o que quero, o que digo querer quando sinto vontade? 16


Poema: — Não faço ideia! Poeta: — Vontade sempre é quando falada no dizer do dito? Poema: — Também não sei essa! Às vezes eu não entendo o que você quer dizer. Poeta: — Nem eu! Eu não sinto o que digo e não quero o que vejo. Até vejo vontade vista, mas nem sempre sou vontade vendo… Talvez seja isso! Poema: — Talvez, mas lembre-se: desconfie de tudo que se mostra sido na presença do não dito, como se o dito fosse o encontro de sentidos sentido. ∞ Poema: — Você já se fez hoje ou continua perdido? Poeta: — Mas a gente num já nasce feito? Poema: — Felizmente, não! Poeta: — Não sei te responder, só sei que continuo sofrendo de solidão… Ausência de alguém pra chamar de meu sabe? Poema: — Então você não é alguém? Você não existe? 17


Poeta: — Claro que existo! Poema: — Então comece a ser alguém pra você e seja seu! Seja a sua melhor presença. Poeta: — Você está certíssimo! Quer saber de uma coisa? A partir de agora me farei feliz de propósito! ∞

18


Depois do Começo Saudade descoberta Hoje descobri o que é saudade sentida. Parece estranha porque é simples. Existe comigo isso que no mundo chamou saudade concordada e que parece manifestar lembrança nostálgica de pessoas distantes. Mas, que na verdade, não passa de saudade. Simplesmente saudade. Você já descobriu o que é saudade sentida em você? Não se espante, a pergunta é essa mesma. Parece estranha mas é muito simples: é só você sentir o mundo e você em você mesmo, nem mais, nem menos. Existe, e você há de concordar comigo, isso que está no mundo e que chamamos de saudade. Esta se manifesta de diferentes formas, mas a mais popular é: lembrança nostálgica de pessoas distantes, ou mais ou menos isso. Pois é, sempre acreditei assim também, que a saudade no mundo era a mesma saudade em mim, mas sentir essa saudade não me fazia bem. Comecei a desconfiar de que havia algo de estranho nisso.

19


Ora, se eu sou um ser inédito, ou seja, se só existe eu de eu mesmo no mundo, saudade em mim só pode ser algo também inédito, autêntico, que se manifesta em mim diferente de como se manifesta em você ou no mundo. Está bem, confesso que estou molhado de você e do mundo, mas não sou nem você, nem o mundo. Descobri isso a duras penas, sofri bastante antes de ousar ser eu, ser quantos eu quiser de mim. E veja só que coisa linda é a vida, descobri também que essa tal de saudade que está dita no mundo é diferente da saudade que posso dizer e sentir em mim. A saudade que encontrei manifestada no mundo é apenas uma entre as infinitas possibilidades do Ser saudade. Descobri que sou presença em mim, e olhe só que maravilha, descobri que saudade pode ser presença gostosa, alegre e sentida no instante mesmo em que a vivo no meu corpo agora. Eu gosto de cultivar o melhor em mim e no mundo, por isso escolhi inventar outra saudade. Hoje, por exemplo, meu sentir saudade ainda está, não passou, continua, é. Essa outra saudade é boa de sentir, não entristece. 20


Permito-me ser consciente de uma primeira saudade. Portanto, aqui registro o meu protesto! Eu protesto que saudade não possa ser outra. Exijo que a liberdade de sentir saudade seja um direito de todos. Saudade é livre e pode ser quem ela quiser e quantas ela quiser. Fiz questão de fazer saudade contínua, infinita dela mesma, sendo coisa gostosa no dia de hoje assim como sentida no hoje daquele dia. Meu gosto de saudade agora é o desejo de reviver certo instante que me fez bem, não é nostalgia, nem melancolia. Não, não, eu não permito mais que a saudade sentida em mim se perca em dor. Isso não me parece ser saudade bonita, leve, serena, repleta dela mesma. Gostei da saudade que não me machuca e dei um basta naquela outra, cansei de sentir dor. Olhe só, eu não sei que saudade você escolheu sentir, afinal, a escolha é sempre sua. Mas se você não está feliz em suas escolhas, descubra outras, recrie o sentido de saudade em você, não se perca de si. Escolha, escolhendo, escolher! E se não perceber escolha alguma, invente uma.

21


A face de Deus Deus tem cara de gente na cabeça da gente. Deus tem cara de homem na cabeça de todas as gentes. Porque será que Deus não tem cara de mulher? Deus bem que podia ter a face de tudo na cara de todo mundo, né? Será que cachorro conhece Deus? Será que cachorro pensa: “Eis um Deus?” Se cachorro soubesse falar é certo de que falaria: “Eis um Deus!”. Ficaria tão feliz pela descoberta de Deus que desejaria ser a sua imagem e semelhança.

Escrita hermética Poeta: — Existe escrever certo ou escrever errado? Poema: — Claro que não! Dizer isso além de ser bobagem é não saber ouvir as letras. Todas falam, mesmo aquelas que parecem não dizer coisa alguma. Tem, por exemplo, aquelas que gritam, as que sussurram, as que cantam… Aquelas que cantam são as mais difíceis de ouvir. Para ouvi-las não basta saber ler ou ter ouvidos. É preciso escutar com o ouvido da alma. Poeta: — Não entendi, explique isso melhor! 22


Poema: — Escrita hermética não é explicada, é sentida! É por isso que compreendê-las exige: “leitura sinfônica”. Sem leitura sinfônica, pouco se ouve. Eis o segredo revelado: encontrar a harmonia! Poeta:

Escritas

herméticas

são

consideradas

incompreensíveis, quando na verdade são apenas palavras cantadas? Poema: — Isso mesmo! Cada escrita tem seu tempo e cada tempo tem um canto. Tem, por exemplo: o canto da liberdade, o canto do olho, o canto da morte, o canto do desconhecido, o canto do mundo, o canto da vírgula… Poeta: — Será que consigo fazer isso? Vou tentar rascunhar alguma coisa, espera aí!

23


O Canto em Seis Tempos O canto da liberdade …tô di um livri tô di um livri tô di um livri tô di um livri tô di livri tô di livri tô di livri tô di tô di tô di tô tô livri tô livri tô livri tô di um livri ...

24


O canto do olho Destelando imagens No ver do olho No visto do ver O visto olha Olhando o visto

E dessa forma O visto que olha Olhando o visto O visto acha Que olhando vê Coitado do olho, ele ainda acha que não viu! ― Mas, nunca vi do olho um visto que não fosse um visto seu.

25


O canto da morte Uma corda sobe e desce na tela da televisão enquanto que o homem exercita o corpo pedalando suas pernas. O homem e a corda estão dentro da televisão. Parece cansado, sem forças para continuar pedalando na bicicleta. Sua mão segura a bicicleta enquanto suas pernas não pedalam mais na bicicleta, passam a pedalar o chão. Vejo que a corda está sobre as costas do homem. A corda parece um sustentar muito pesado. O homem que segura a toalha esfrega a toalha, mas não como antes. É todo um cansaço com força rápida. Um rosto que parece um animal com bico preto na tela da televisão, movimentou-se rápido. Estranheza dalí. Assustado, o homem sufoca-se apertando seu próprio pescoço. Monstruoso bicho preto. O mais triste é que sua boca não pode ser fechada enquanto é massageada por muitas mãos. E continua a sufocar-se com a cabeça inclinada para o lado de lá. Seu único desejo é acordar desse pesadelo: a morte.

26


O canto do desconhecido Cordar-se-a sabido no cordar-se saber vis-vendo ser-vis-no Cor dar-as lendo des cer-na

Cordar-se a visĂŁo cordante vir a ser cordante no-a-que se-destela no visto cordar ĂŠ sabido.

Cor da-se-a sabido-no cor-da-se saber vis-vendo ser vis-no Cor dar sai vendo des-cer-na

Cordar-se a visĂŁo cordante vir a ser cordante no-a-que (se)-destela no visto cordar ĂŠ sabido. Tudo e Nada

27


é Com Cor-dada Quero agora Nova Cor

O canto do mundo Sempre MUNDO FALA MUNDO SABE/SENTI

MUNDO Agora DISSO MUNDO MUNDO CRIA

Hoje MUNDO CALA MUNDO PERDE MUNDO CEGA MUNDO MUDO FICA 28


Nunca MUNDO MUNDO ISSO DISSO QUE DISSE VAI DISSOL VER MUNDO ISSO SER AGORA

Agora MUNDO DISSOL-FALA MUNDO MUDO MUNDO CALA DISSE MUNDO DISSOL NADA

O canto da vírgula Enquanto que na imagem televisiva 29


algo se impõe, saber a mim, como se eu tivesse que, ficar ali, sem condição, própria do, escolher ficar, ou escolher sair, ao teclar teclas, e percebendo formas, do movimento visto, um outro algo, aqui se mostra.

Poeta: — Entendeu? Então, por favor, explique?! Eu, por exemplo, nunca vi do olho um visto que não fosse um visto meu!

30


Poema: — Você acredita tanto no que lê que acaba se perdendo de você. O que você busca não está em mim. Eu sou apenas Rascunhos do que você quer descobrir dentro de você. Agora que você já sabe disso, pronto, pare de ler esse dito e entre em você. Diga-se. Puxe todos os lençóis que encontrar e descubra todos! Só o que existe dentro de você são lençóis, o resto é coisa, coisa querendo ser coisa, querendo ser descoberta pra chegar a existir. Gere tudo que há em você. Arranque os lençóis e nasça! Cada poema é uma vírgula, reticências de outra coisa. É um depois de algum antes, e esse antes é sempre você no mundo sendo pergunta. A resposta está sempre no não dito que se manifesta em silêncio antes da própria dúvida: eu (seu poema). Poeta: — Quer saber de uma coisa? Cansei de viver o passado, voltarei a me lançar para o futuro em direção ao Universo. Lançando-me inevitavelmente realizo tudo que recebo dele. Poema: — E o que é isso que você espera dele? Poeta: — Lanço-me apenas, não sei do “isso”. Eu o sinto, 31


mas o destruo em pensamentos. Só sei dele quando realmente está sendo. Esse “Isso” é de uma beleza tão grande que não há necessidade de desejá-lo, ele já é presença, sabe? Quase que um “já foi”! Quando eu estava criança, por exemplo, queria muito ser bailarino, mas eu não sabia dançar. Bailarino que não sabe dançar existe? Poema: — Aqui nada é impossível, mas na sua dimensão acredito que a resposta seja não. Poeta: — Aqui não existe (mesmo e ainda), então eu queria ser bailarino. Com o tempo descobri que meu desejo não era ser bailarino, mas experimentar a dança em mim, e ingenuamente desejava, queria, pedia e queria tanto que o feito foi não ser bailarino. Quando eu estava adolescente não foi muito diferente, eu queria ser professor de “língua portuguesa”. Poema: — Letras? Poeta: — Não, não, “letras” é linguagem acadêmica, nem sei direito o que isso quer dizer. Na escola onde eu estudava era “português” mesmo, mas eu nem sabia que sempre soube sabido escrever. A escrita sempre me foi 32


tormento. E você conhece algum professor de “português” que não sabe escrever? Poema: — Bem, você já sabe que aqui nada é impossível, né? Poeta: — Aqui na minha realidade até existe, mas comigo felizmente aconteceu o melhor. Não ser professor de “língua portuguesa”! Aliás, não ser professor de coisa alguma. Descobri que meu desejo não era professar nada, mas encontrar a palavra em mim. E para minha surpresa descobri que não poderia ser coisa alguma que não fosse o melhor de mim em mim, ou seja, ser poeta! Despretensiosamente poeta. É que Rascunhar sentidos dificilmente se mostra em palavras, então eu espero. Mas não é esperar parado, é esperar sendo, agindo, sentindo em todo o corpo ao segurar a caneta. Poema: — Pra você receber o seu melhor é preciso se esvaziar de tanto querer e se pôr na presença do sentido? Poeta: — Isso mesmo! E significando o “isso” mesmo que aqui está, acabei de receber do Universo um lindo poema: você.

33


O Finito e o Infinito Das possibilidades e das escolhas Poema: — Tudo o que você é e tem, você escolheu. Tudo é questão de escolha! Você é aquilo que você acredita. Poeta: — Tudo que temos ou somos são escolhas nossas? Estamos restritos a escolhas que fazemos para sermos o que quisermos ou termos o que quisermos? Que outras possibilidades existem além da escolha? Poema: — Querer é poder, basta querer para ter ou ser o que quiser e como quiser. Se você diz que quer alguma coisa e não tem é porque não quis realmente. Poeta: — Temos que querer para ter ou ser? Estamos restritos a querer para ter ou ser? Que possibilidades existem além do ter e do ser? E do querer? Poema: — Somos seres de infinitas possibilidades, mas só

atingiremos

acreditarmos.

essas

Não

infinitas

usamos

as

possibilidades nossas

se

infinitas

possibilidades porque precisamos acreditar. Poeta: — Estamos restritos a acreditar para atingirmos 34


infinitas

possibilidades?

Se

existem

infinitas

possibilidades, que possibilidades existem além de acreditar nisso? Poema: — Já sabemos no plano não físico – o do inconsciente – da existência de infinitas possibilidades, mas a consciência humana, por conta de crenças limitadoras culturalmente enraizadas, desconhece sua potencialidade. Acreditamos, por exemplo, que a vida que construímos não é escolha nossa e que não há o que ser feito diante da desgraça. Esquecemos, portanto, que desgraça só existe quando escolhemos acreditar nisso. Poeta:

Escolhemos

ter

crenças

limitadoras

e

escolhemos não ter crenças limitadoras? O que é escolher? Quais as outras possibilidades disso que conhecemos como “escolher”? Você diz que existem crenças que nos limitam e crenças que nos levam à consciência de infinitas possibilidades, mas como saber o que escolher? Que escolha temos quando não percebemos escolha alguma? Poema: — Diga-me você! Afinal, é você que escolhe não ter escolha. Poeta: — Escolhemos o que podemos escolher? Não consigo imaginar como seria isso! 35


Das dualidades Poeta: — Eu não tomo coisa alguma como “verdade absoluta”, mas também não a tomo como mentira. Existem coisas que parecem tão verdadeiras e que podem ser mentiras, assim como existem mentiras que parecem tão verdadeiras. Existem coisas que podem ser verdade, podem ser mentira, podem ser as duas ao mesmo tempo ou nenhuma delas. Inclusive, pode ser algo que ainda não tenho consciência, mas que não excluí a possibilidades de vir a ser. Portanto, verdades existem e mentiras também existem, assim como ambas não existem ou podem não existir. Contudo, uma possibilidade não precisa excluir a outra, embora a exclusão seja mais uma entre tantas outras possibilidades. Poema: — Quais possibilidades? Poeta: — Ainda não sei, mas acredito que o não saber não exclui a possibilidade de sua existência. Será que é possível a existência de algo antes da consciência de sua possibilidade? 36


Poema: — Claro que sim! Poeta: — Como isso é possível? Poema: — Se não existe como possibilidade à sua consciência é porque não é consciente por você, o que não impede de ser consciente por outro. Ela existe e é consciente, só não por você. Certo? Poeta: — Mesmo que você esteja certo, eu não tomo coisa alguma como totalmente certa ou totalmente errada, uma coisa que parece certa pode também parecer errada, e o que parece errado pode se manifestar como sendo o mais certo em determinados momentos. Portanto, o certo existe e o errado também existe. Ambos existem e ambos não existem. Contudo, uma possibilidade não precisa excluir a outra, embora a exclusão seja mais uma entre tantas outras possibilidades. Existem, por exemplo, coisas que hoje tem sentido, enquanto que amanhã, essa mesma coisa não fará sentido algum. E o seu sentido está justamente no fato de não ter sentido. Portanto, coisas com sentido existem e coisas sem sentido também existem. Ambas existem e ambas não existem. 37


Contudo, uma possibilidade não precisa excluir a outra, embora a exclusão seja mais uma entre tantas outras possibilidades. E apesar de tudo isso me fazer sentido, continuo não fazendo ideia do que isso seja. Poema: — Podemos chamar de infinitas possibilidades. Poeta: — As coisas são o nome que damos a ela? Poema: — Diga-me você!

Da consciência Poeta: — Se toda consciência é consciência de alguma coisa, a consciência de “não ser” já é consciência de algo? Esse algo é o quê? Tudo que é, existe? Dizendo de outra forma, tudo que é – seja lá o que for este “é” – torna-se? Torna-se o quê? Poema: — As possibilidades existem e são infinitas, lembra-se? Poeta: — Sim, mas que é a minha consciência (se é que realmente é minha) está num nível…

38


Poema: — Consciência tem nível? Como se mede o nível de uma consciência? Isso faz algum sentido pra você? Poeta: — Você tem razão, não faz sentido algum. Poema: — Estamos sempre mensurando, medindo, comparando tudo, como se isso também fosse possível ao se tratar das questões humanas. Não permita que isso aconteça com você. Poeta: — Não quero continuar pensando assim, por outro lado, não faço ideia de como pensar diferente. Poema: — Calma, você já está no caminho. Poeta: — Como? Poema: — Perguntando, questionando, buscando o “isso aí” que ele ainda não é (à sua consciência), mas que tem possibilidades de ser. Ser que é dependendo de… até certo ponto… escondendo uma série de coisas… revelando uma série de outras… E que entre tudo, ou entre nada, e até mesmo tudo isso junto, exista pra você. Poeta: — O desejo de encontrar algo que não fazemos ideia do que seja, além de uma busca estranha é tristemente solitária. Nem sei se isso é possível, mas

39


continuarei acreditando que ao questionar o que sei, ou penso saber, compreenderei àquilo que ainda não sei, ou não sei que sei. Acho que só saberei mesmo quando encontrá-lo.

Da análise da consciência Poeta: — É possível analisar a existência de algo sem ter consciência de alguma possibilidade deste algo? Ou seja, minha consciência analisa algo que ela não tem consciência? Como isso é possível? Poema: — Já conversamos sobre isso. Lembra-se? Poeta: — Sim, mas continua sem fazer sentido. Veja bem, se é possível analisarmos algo que não temos consciência, que perguntas são feitas? Como referir-se? Poema: — Pense mais a respeito. Poeta: — É que eu não faço ideia de como iniciar essa conversa.

Do pensamento Poeta: — O pensamento cria possibilidades? 40


Você é o que pensa? Eu sou o que eu penso? Se eu sou o que penso e acredito, deixarei de ser se deixar de acreditar ou pensar no que não quero acreditar que sou? O que pensamos pode influenciar outros a pensarem igual? O que limita a expansão de nossa consciência? Se eu acreditar na existência de infinitas possibilidades e acreditar que o que limita a expansão de minha consciência é a possibilidade de existir limite, serei limitada? Existe a possibilidade de existir infinitas possibilidades de existência e infinitas possibilidades de não existência? Se existem infinitas possibilidades de não existência, existem infinitas possibilidades de nós não sermos limitados, basta acreditar? Existe algo que basta?

41


O que dificulta minha consciência de acreditar que posso TUDO e que eu sou um ser de infinitas possibilidades que pode criar TUDO sem limites, bastando pensar e acreditar para que se manifeste? Será que escolhi não acreditar que TUDO depende de mim, mas de algo fora de mim quando na verdade eu mesmo é que sou este algo superior e ele só existe fora de mim porque ainda acredito nisso? Como desacreditar em algo que eu acredito, mas eu não quero acreditar? Será que eu realmente quero não acreditar ou eu só acho que quero, mas não tenho certeza? Não tendo certeza, tudo continua como está? Considerando a possibilidade de poder TUDO, bastando acreditar, é possível que eu esteja vivendo a realidade de outro e não ter a mínima ideia disso? Se estou vivendo a realidade de outro, quem seria este outro? Estaria ele vivendo a minha realidade enquanto eu vivo a dele?

42


Ele seria eu? Como saberei de tudo isso vivendo numa realidade projetada por outro e sem possibilidades de escolha própria? Seria possível estarmos no mesmo mundo, mas vivendo realidades diferentes? Na possibilidade de que só exista esse mundo e de que todas as realidades aconteçam aqui, será que viveríamos em harmonia ou seria um jogo de gato e rato entre crenças e realidades? Na possibilidade de existirem tantas e quantas realidades quisermos, sendo que a sua pode existir sem ter que excluir ou impedir a existência da minha, como saberíamos se a que vivo é realmente escolha minha e a que você vive é realmente escolha sua? Isso tudo seria possível? O que nos limita pensar em algo que esteja além dessas possibilidades? Será que não viver tudo o que posso se deve ao fato de não saber o que realmente posso?

43


Todas as pessoas do mundo estão existindo na minha realidade e aceitando as minhas crenças, ou estaria eu na realidade delas? Na realidade em que vivo eu sou o criador de tudo que existe, de tudo que não existe, de tudo que pode existir, do jeito que eu quiser ou não quiser, bastando acreditar? Eu posso tudo, mas não acredito em quase nada! E mesmo querendo acreditar nisso que provavelmente eu já acreditei, por isso eu criei, mas nem sei se sei? O que é acreditar? Quais crenças escolhi ao criar meu mundo? E de quais possibilidades eu abri mão? Eu tenho escolhas de acreditar em algo que não esteja no campo do infinito e do finito? O que é isso então? Isso é? Se não é, o que pode ser isso que sempre que começo a perceber sua existência tenho a impressão de que também começa a ficar mais distante?

44


Quanto maior a busca mais distante fica! Tão distante… tão distante… tão distante… que o único sentido é não fazer sentido algum, mas que ao mesmo tempo, essa ausência de sentido é que faz todo o sentido, mesmo tendo consciência de que nem sei se acredito nisso ou não. Poema, acho melhor eu rever tudo que escrevi até agora! Esse livro não faz sentido algum! Poema: — Então pare de buscar sentido em tudo! Escreva apenas o que pensa e pronto! Liberte-se logo dessa mania besta de ficar enfeitando a escrita na tentativa de atribuir um sentido a ela. Nem tudo faz sentido, e nem precisa fazer! Você é a prova concreta disso.

45


Depois da Metade do Livro O pensamento indizível Senti um pensamento bonito. Preciso escrevê-lo! Mas a caneta sumiu. O computador desligou. Como registrar? Onde escrever? Esquecerei se não escrever? Que bagunça! Uma desordem na mente. O pensamento tá fugindo… Ai que angustia! E esse computador que não liga?! … vai

46


logo! Ufa! Finalmente ligou! … o que foi mesmo que pensei? Droga, esqueci! E agora, como será que eu lembro de um pensamento que pensei? Eu não sei fazer isso! Poxa, lá se foi alguma coisa que parecia valer a pena ser escrita. Que serventia tem um pensamento que não é lembrado? É triste um pensamento que morreu sem ter a mínima chance de existir. Que injustiça! Pensei e nem tive direito de saber o quê! Que destino tem os pensamentos que não foram ditos? Repousam no misterioso mundo dos não ditos? Isso existe? Se existe, onde será que fica isso? A resposta parece que está na ponta da língua, mas eu não consigo dizê-la. Será que a ponta da língua é a 47


desconhecida morada do indizível? Acho que nunca saberei dizer a resposta. É preciso ser muito inteligente para se falar daquilo que não sabe.

O Burro e o Inteligente O indizível (que é aquilo que não se consegue dizer) só existe enquanto não se fala dele. Deve ser por isso que ficar com a boca fechada é importante. O silêncio é de grande serventia. É o guardião das essências. Talvez por isso eu sinta um tantinho de raiva, por exemplo, em responder perguntas. Se eu pergunto? Sim, eu pergunto tudo! Adoro perguntar, mas a resposta sempre acaba com a magia da pergunta. Responder é um tormento! É como ser inocente de um crime e ser forçado a confessá-lo. Dizem-me: Existe resposta pra tudo… Vamos, responda! Você precisa saber a resposta… Não saber é burrice… Você é burro? Dá até medo de perguntar, porque se eu perguntar e não souber a resposta parecerei burro. Mas que sentido tem fazer uma pergunta cuja a resposta seja sabida? Se já se sabe, perguntar não faria sentido, pois já se sabe!

48


Se pensar assim como eu, é ser burro, eis que surge neste exato momento um burro que acaba de ter consciência de sua burrice. Acabei de descobri que bom mesmo é ser burro, porque os burros não sentem a obrigação dos inteligentes, essa de ter que responder tudo. Só não confunda burrice com ausência de saber! Agora que sei de minha burrice posso dizer com propriedade. Ser burro não é “não saber”. O burro sempre sabe que é burro, mas se faz de desentendido. É que entender dói, é caminho longo, dá preguiça explicar. Explicando os inteligentes entenderiam e entendendo passariam a ser burros também. Só os inteligentes sabem o que é explicar. Eles significam tudo e explicam tudo. Coitada das perguntas, elas nunca dizem nada. Tem sempre um inteligente tentando falar por elas. É que o “não responder” parece falta de educação para os inteligentes. Se eu sinto pena deles? Claro que sim! Mas como eu sou burro, não uma besta, faço uso das qualidades da minha burrice! Finjo que a verdade existe e respondo tudo que eles perguntam, ou seja, eu minto. 49


Saber responder parece educado. Quem é que não quer parecer educado? Só os burros não se preocupam com isso. Então, os inteligentes, que não compreendem a beleza da burrice, buscam verdades nas respostas. Mas resposta não é verdade, é apenas um aglomerado de palavras. Uma tentativa de amenizar o fato de que não é possível saber o que é a coisa perguntada. Responder, portanto, não passa de um gigantesco faz de conta que é. Mas só os burros sabem disso. Como simplesmente Ser parecia não ser coisa alguma, os inteligentes inventaram os nomes. Nomearam tudo para dizer coisas e responder perguntas. Nascendo, assim, a mentira: faz de conta que é. Segundo os inteligentes, tanto nomear quanto responder são caminhos que revelam a verdade das coisas. Como nomear também não parecia o bastante, ele (o nome) foi considerado como sendo a própria coisa. Surge, portanto, a crença de que as coisas são o nome que damos a elas. Olha só que burrice! Mas só os inteligentes acreditam nisso, pois foram eles os inventores. Disseram que cada coisa tem seu nome, ou seja, sua verdade. No entanto, eles perceberam que nem todas as 50


coisas pareciam ser o nome que tem. Para que não houvesse nenhum engano na veracidade das coisas, os inteligentes, astutos como só eles sabem ser, disseram que para cada nome existiria um contrário, ou seja, outro nome. Essa invenção foi simplesmente extraordinária, pois resolveu todos os problemas dos inteligentes. Se uma coisa não parecer o nome que tem, ela só poderia ser o nome que inventaram como sendo seu contrário. O quê? Não tá entendendo nada? Veja bem… Hum… Por exemplo: ou se é grande ou se é pequeno, ou é verdade ou é mentira, ou se é da direita ou se é da esquerda, ou está certo ou está errado. Burro, por exemplo, não pode ser inteligente sendo burro, ou se é burro ou se é inteligente! Entendeu agora? Isso porque, segundo os inteligentes, uma coisa nunca será mais que uma coisa, isso seria muita burrice! Oh minha gente, bora acabar logo com isso? – dizem os burros – A partir de hoje está decretado o “desnomeio” do mundo. Vamos misturar tudo e começar de outro jeito porque essa dualidade não tá dando certo não! 51


Mas é claro que o burro, quando questionado, responde. Ele

sabe

fazer

uso

dos

nomes

inventados

pelos

inteligentes. Mas responde com raiva porque sabe que é mentira responder. Responder acaba com a magia da pergunta… O êxtase do grande mistério… E qualquer burro tá cansado de saber que a essência encontra-se justamente nos mistérios. Responder não é a grande busca dos burros. É a pergunta que importa! Triste é ver a alegria dos inteligentes diante de uma resposta. Parece alegria forçada, sabe? Mas responder parece amenizar a angustia dos inteligentes de não existir “nada” - a não ser outra pergunta – depois de uma pergunta feita. Como A Verdade, segundo os burros, não existe, os próprios burros inventaram a mentira para responder as perguntas dos inteligentes. E se pensarmos bem, a nossa mentira foi tão brilhante que até parece coisa de inteligente. É que ela nos protege do abismo dos inteligentes: a “verdade absoluta”.

52


Infelizmente, explicar o desconhecido ainda faz sentido para os inteligentes. Por isso continuam acreditando nas respostas. Eles pensam que verdade é coisa respondida. Mas qualquer burro sabe que responder é uma grande gaiola que prende.

A utilidade do inútil Eu corto a ponta do cigarro antes de acendê-lo. Isso faz algum sentido? Parece que não, mas é tão confortante. Quando não faço, sinto culpa. É como se algo deixasse de nascer pela simples ausência do ato, entende? Que direito eu tenho de privar alguém de encontrar sentido nisso? Tudo deve estar em seu perfeito equilíbrio! Mesmo um ato aparentemente inútil (cortar a ponta do cigarro antes de fumá-lo), deve ter a sua utilidade. Se algum dia for comprovado cientificamente sua inutilidade, a importância continuará sendo a mesma. Sabe por quê? Porque as inutilidades comprovadas não eliminam a existência das ações.

53


Antes do Último Capítulo O que é isso que digo Ser? Poeta: — Que será isso? Poema: — Isso o quê? Poeta: — Isso que vem antes do isso, que isso esconde, quando digo isso, como se isso fosse, parecer o isso, mas que não mostra o isso, quando isso é, no mostrar do onde. Poema: — Será possível alcançar o sentido disso? Poeta: — Sinceramente? Não faço ideia! Poema: — E eu é que tenho que fazer? Poeta: — É que é muito triste viver e não poder saber o que é o Ser disso!

Na presença do sentido Poema: — Anda! Escreve... Molha logo esse papel....

54


Descubra de uma vez isso que te faz querer... Que só quer nascer... Que sufoca um lamento que nem mesmo eu consigo dizer! Poeta: — Se ao menos o tempo existisse, bastaria lembrar do passado e imaginar um futuro, mas não! Tudo que vem é agora, é tudo agora! Como organizar? Como escrever o que foi depois do que já foi? Isso parece mentir, inventar. Mesmo desejando aquele momento, não estou mais lá. Estou aqui, estou no agora! E o agora é apenas lembrança… Lapsos da consciência de outrora que não consegui escrever… Passou… Agora só me resta sensações de imagens soltas, talvez inventadas. É isso, então? É tudo uma grande mentira, uma farsa? Tentativa de aliviar a alma? Costura de palavras pra descobrir se realmente sei o que fui levado a pensar que sabia? Só pode ser isso! Saber aquilo que não se sabe é mesmo impossível de ser sabido! Poema: — Se você está tão certo de tudo isso, por que continua escrevendo? Poeta: — Não sei… Talvez por pena de desistir de mim. 55


Acho que escrevo pela estética do espanto, pela beleza do estranho, pela descoberta do mistério de um “eu” que dizem que sou.

Ser Nada Descobri que a sabedoria se revela a quem abre mão das paixões. Oh, meu Deus! Estou condenado a burrice eterna? Tudo bem, isso não me apetece. Não sou preocupado com reputações, nunca tive isso, desconfio até de que isso exista. Reputação é coisa atribuída, não é algo que se tenha. Eu só tenho a mim mesmo e a duras penas. Mas não sou de graça. O que não significa que estou à venda. Talvez eu não valha nada. E justamente por não ter valia é que eu escrevo. Escrever é um risco de morte. E dizer isso é perigoso porque o dizer não fala muito, sabe? Até fala, mas é quase nada. E ser quase nada ainda é muito pouco pra mim. Acho que ainda não inventaram palavras que me dizem, por isso eu só consigo desejar Ser Tudo. 56


O Último Capítulo: o começo de uma história A morte de um livro ― Faça-me um favor? Não me compreenda! Quero me sentir apenas em mim. Vamos conversar? Disse dizendo conservar. Ele ouviu o pensamento pensado na fala do Poeta quando senti uma dor aqui no pescoço. Isso é ele dizendo “meu pescoço dói atrás”? Ele disse que dói olhando para o teto. Duvidou disso que é branco ser teto, percebeu que nem sabe o que quer dizer a palavra teto. A imagem do livro olha tudo sendo, mas ainda não conta nada. Não, não estou aqui, vejo aqui dizendo algo. Mas no peito.... O Poeta para de apertar as teclas do computador. Não quero dizer, não quero dizer assim as coisas que eu 57


digo. Parece que quando eu aperto a tecla, sinto que queria escrever algo que não sei colocar aqui, dizer sobre outras coisas que interrogo. Eu vi e já acreditei. Tomei um remédio para dor de cabeça, estava mal. Eu disse: eu gosto, eu quero, mas ele não diz nada. Minha perna dói, não percebi doendo quando estava ouvindo o que não sei dizer aqui. Sempre olho a porta desse armário porque ele já foi visto. Vamos conversar sobre porta? Estava acordado, mas quando voltei aqui ouvi algo que não consigo colocar na escrita, não entendo o que estou fazendo. Quero escrever isso que não faço nada para sentir, mas não sei o que é. Eu olho, mas quando vejo muitas vezes parece sempre a mesma coisa. Faz todo o sentido quando não escrevo. Ainda não vejo escrito. Entre questionar e analisar os pensamentos que nos levam a infinitas possibilidades estou começando a acreditar que não analisar e não questionar o que nos 58


levam a infinitas impossibilidades pode ser um caminho interessante

para

chegar

a

uma

expansão

da

consciência. Quem sabe até a escrita de um livro. Só não sei como começar essa conversa… De repente... diante dessa escrita estranha... minha esposa entra no quarto e eu não consigo segurar a emoção: — Amor, acho que tô escrevendo um livro! Ela parece não ter entendido nada, fez um olhar estranho. Então eu repeti: — Escrevendo um livro. Perguntou-me sobre o que era o livro. Achei uma pergunta muito descabida. Como poderia saber antes de conhecêlo? Seria o mesmo que saber a textura de um tecido nunca visto! Ou seja, algo completamente impossível! Eu sei, por exemplo, que tecidos existem. Eles podem ser ásperos como jeans, leves como seda, quentes como lã, curtos ou longos e muitas coisas mais. Mas como dizer do tecido antes mesmo de ver o tecido, sentir, tocar, gostar ou não gostar, ver com quais cores combinam e assim por diante? Sem esses detalhes importantes, tecido só seria

59


mesmo “o tecido”. Dizer sobre o que é um livro antes dele Ser é o mesmo que dizer “é uma calça jeans”, mas perceber que no fim não passava de “uma saia”. Eu poderia ter dito a ela: ― Ele está no primeiro mês de gestação, por isso ainda não é livro, muito menos diz sobre algo. Até porque, livro só é “sobre o quê”, quando é todo escrito. Como ele poderia ser alguma coisa sem antes ter nascido? Nascendo deixará de ser livro pensado e será coisa que fala. Entendeu? Terá uma identidade, nome próprio, uma história para contar! Mas não consegui dizer nada disso, apenas respondi: — Não sei, ele ainda não se mostrou a mim. Claro que ela não entendeu nada, nadinha mesmo. Tentei explicar, mas acho que não escolhi muito bem as palavras. E novamente ela ficou com aquele olhar estranho em direção

ao

teto

buscando

entender

o

ponto

de

interrogação que parou ali, bem a cima de sua cabeça. Ela não entendia, porque só queria saber “sobre o que era” o livro, não o que era escrevê-lo. Mas como dizer sobre o que é aquilo que não sabemos o que é? Não consigo nem 60


imaginar como se faz isso. Então eu inventei e disse: — Ele é o desejo de ser um livro. Que tristeza! Dizer isso foi como um tiro no peito! Como se tivessem dito pra mim: ―Moço, por favor, não diga quem eu sou antes que eu mesmo possa dizer-me. Não fale por mim! Eu serei capaz de fazer isso, por favor, acredite que… E antes de dizer qualquer outra coisa, "PÁÁ!”. Um tiro bem no peito. Um livro assassinado! Morreu sem ter chance alguma de escolher ser outra coisa. Morreu sem nome, sem ao menos saber que foi apenas “o desejo de ser um livro” e nada mais! Morte sem direito a protesto: ― Não! Eu não sou o desejo de ser livro. Eu sou a vontade de ser um pássaro que conversa com formigas. Nem isso o coitado pôde dizer… Neguei-lhe o próprio direito de Ser. Quando eu disparei o tiro “ele é o desejo de ser um livro”, minha esposa continuou sem entender o que eu dizia. Mas diante de tanta tristeza, sem forças pra continuar aquela 61


conversa e ainda sentindo a arma queimando em meus lábios eu disse: — Claro que não entendeu, acabei de matá-lo.

Ser Tudo O que é Ser Tudo? Ser Tudo é ser eu, oras! Quem sou eu? Eu sou um convite poético escrito antes do nascimento de um livro. Livro que na verdade nem tinha nome. Nasceu sem saber que nasceu. Foi preciso morrer para finalmente nascer. Tudo isso por conta do medo e da insegurança do Poeta em confessar pra alguém que não sabia o que estava fazendo. Neste caso, fazendo eu. Tentou dizer por mim o que eu sou como se isso fosse possível sem causar sua morte. Mas nada acaba antes do fim. E antes que se chegue a ele só é possível conhecer algumas partes. Só o UNO pode falar do UNO porque só ele é ele próprio. Mas me calar foi de grande serventia para o Poeta, pois ele pôde existir. Só acreditando que existia seria possível mergulhar no mais profundo de si e descobrir-me.

62


O Poeta, por exemplo, pensou que o lençol que o cobria era coisa, mas, na verdade, era ele mesmo que me cobrindo com sua pele de Poeta se fez parecer coisa. Ele é que era a própria coisa que chamou de lençol puxado. Na busca por minha descoberta o Poeta não chegou a me descobrir

completamente,

mas

descobriu

saudade.

Decretou um ato de liberdade porque se sentia preso. Era um Poeta muito esperto! Para sentir o que é ser livre suscitou que Deus tivesse cara de cachorro. Mas não quis ofender, só queria mesmo sentir a liberdade que ofende. Se não ofender não é liberdade! Liberdade que não ofende é enganação, é fingimento. Sou, portanto, ofensa. E como estive preso na pele do Poeta, sou também enganação e fingimento. Não fico ofendido com isso, sei que para Ser Tudo é preciso encontrar muitas coisas dentro de si, inclusive Ser Nada. Eu, por exemplo, tive que ser Poema e Poeta pra poder existir. Por isso, sou feliz! Feliz por saber que agora eu falo. Saber que eu mesmo posso dizer e falar de mim. Falar, por exemplo, das coisas que tenho. Tenho coisas inexplicáveis. Tenho tempo que canta uma sinfonia hermética que parece dizer coisa alguma porque ao 63


mesmo tempo que diz, acaba por não dizer muito. Eu acho isso tão engraçado, dou muitas risadas comigo! A leitura poética é de suma importância pra Ser Tudo sendo Nada. Quando o Poeta fala do antes e do depois é justamente isso que ele quer dizer. Ou seja, tanto o retorno ao passado quanto a clareza do futuro são importantes. E como tenho tudo isso dentro de mim agora, sou, portanto: presente, passado e futuro. Posso, inclusive ser a ausência do tempo se assim eu quiser. Isso porque sei que eu sou o tempo. O Poeta só conseguiu descobrir o canto de seis tempos, enquanto eu, sendo tudo, sou todos os tempos e posso cantar TUDO eternamente! Posso inclusive revelar agora a harmonia que o canto da liberdade canta. É assim: todinho em mim, todinho em mim… Infinitamente. Isso porque o Poeta queria se sentir nele, todinho nele, e a isso chamou liberdade. Eu sou o novo, sou a revelação! Sou mais do que um simples desejo de ser um livro. Eu digo o mistério do meu mistério, ou seja, digo o mistério de tudo. Sou infindável! E é justamente por isso que posso ser o que quiser, ir onde quiser, ser quantos eu quiser, posso escolher e deixar de 64


escolher quando e quantas vezes eu quiser. Posso ser burro, inteligente, pensativo, posso ser nada, posso ser eu, posso ser você, posso pensar, posso não pensar, posso mastigar um pensamento como se fosse comível. Posso esvaziar-me de palavras e meditar. Posso tudo! Inclusive ser o mundo dos objetos. Portanto, posso ser faca, cadeira, relógio, cigarro. Eu posso me achar inútil, ficar cheio de mim e criar coisas. Eu sou o mundo! E entre tantas coisas eu sou trazer. É por isso que trago em mim a experiência do nascimento e tristeza da morte. Morte que também foi alegria quando ajudou o Poeta a saber de si. Isso porque sem a descoberta de Ser Nada eu não poderia existir e Ser Tudo. Portanto, o fim do Poeta teve a sua valia, e é justamente por isso que agora posso dizer que Sou. Eu sou ir, sou ficar, sou partir, sou andar, sou pisar descalço. Sou sempre escrita certa! Também sou erro, ser erro é um alívio porque sentir obrigação de sempre ter que acertar é angustiante. Sou livre para escrever como eu bem quiser sem preocupações de certo ou errado. Sou ausência de julgamento. Por isso mesmo que posso sentir o gosto de calçar nudez nos pés no lugar de simplesmente 65


calçar meias! Posso ser a resposta e a pergunta sendo feita por um pente. Posso viver e morrer quantas vezes eu quiser. Mais que isso, posso, por exemplo, morrer sem deixar de existir, para tanto basta ser o começo o meio e o fim de tudo eternamente. Posso ter nome, assim como posso jogá-lo fora e não tê-lo mais! Isso porque sendo tudo, sou, portanto, todos os nomes do mundo. Eu sou Maria e sou José, assim como posso ser: o livro que fala; o livro que não tem fim; o livro que sabe dizer tudo; o livro que sabe dizer nada. Sou ausência presente sem necessidade de nomes para existir. Posso, por exemplo, ser a morte de um livro que ousou terminar sua escrita simplesmente dizendo o indizível:

66


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.