Por um espaço público cidadão: a mobilidade e a conquista da rua

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Por um espaço público cidadão: a mobilidade e a conquista da rua


Autores Maria de Lourdes Carneiro da Cunha Nóbrega Robson Canuto Isabella Leite Trindade Paula Maciel Silva Andrea Dornelas Câmara Múcio César de Jucá Vasconcellos Eloisa Basto Amorim de Moraes Clarissa Duarte Colaboradores Roger de Renor / Som na Rural Daniel Valença André Moraes / VAaSTU


SINDICATO DOS ENGENHEIROS DE PERNAMBUCO - SENGE Presidente: Fernando Rodrigues de Freitas Diretor Vice-Presidente: Roberto Luiz de Carvalho Freire Diretor Secretário: Augusto José Nogueira Diretor Financeiro: Clayton Ferraz de Paiva Divulgação e Cultura: Clovis Arruda d’Anunciação Relações Sindicais: Gaio Camanducaia F. Barrocas Diretoria da Mulher: Eloisa Basto Amorim de Moraes Diretores Suplentes: Maria Elisabeth Marinho do Nascimento, Urbano Possidônio de Carvalho Neto, Anibal Galindo França de Oliveira, Mailson da Silva Neto, Waldir Duarte Costa Filho Conselheiros Fiscais Titulares: Norman Barbosa Costa, Maviael de Araujo Costa, Alexandre José Ferreira dos Santos, Plinio Rogério Bezerra e Sá, Robstaine Alves Saraiva Conselheiros Fiscais Suplentes: Jurandir Pereira Liberal, Jair João dos Santos Silva, Hermínio Filomeno da Silva Neto PRODUÇÃO EDITORIAL Coordenação Geral: Maria de Lourdes Carneiro da Cunha Nóbrega Preparação dos Textos: Maria de Lourdes Carneiro da Cunha Nóbrega, Robson Canuto, Isabella Leite Trindade, Paula Maciel Silva, Andrea Dornelas Câmara, Múcio César de Jucá Vasconcellos, Eloisa Basto Amorim de Moraes, Clarissa Duarte Organização: Marine Moraes de Lima Revisão de Texto: Marine Moraes de Lima Projeto Gráfico, Ilustrações e Capa: André Moraes de Almeida Intervenção Artística: André Moraes (VAaSTU) Impressão e Acabamento: Gráfica Santa Marta

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Por um espaço público cidadão : a mobilidade e a conquista da rua/ Maria de Lourdes Carneiro da Cunha Nóbrega ... [et al.] ; colabora- dores Roger de Renor, Daniel Valença, André Moraes. – Recife : Sindicato dos Engenheiros no Estado de Pernambuco, 2015. 128p. : il. Inclui referências. ISBN 978-85-69768-00-5

1. ESPAÇOS PÚBLICOS – RECIFE (PE) – PLANEJAMENTO. 2. PLANEJAMENTO URBANO – RECIFE (PE). 3. ESPAÇOS PÚBLICOS – RECIFE (PE) – ASPECTOS SOCIAIS. 4. TRANSPORTE LOCAL – RECIFE (PE). 5. ACESSIBILIDADE AO TRANSPORTE LOCAL – RECIFE (PE) – ASPECTOS SOCIAIS. 6. BICICLETAS – RECIFE (PE) – PLANEJAMENTO. 7. TRANSPORTES – TRÂNSITO DE PASSAGEIROS – RECIFE (PE). 8. CIDADES E POVOS – ASPECTOS GEOGRÁFICOS. 9. RUAS – RECIFE (PE) – PLANEJAMENTO. I. Nóbrega, Maria de Lourdes Carneiro da Cunha. II. Renor, Roger de. III. Valença, Daniel. IV. Moraes, André. CDU 316.334.56 CDD 307.76 PeR – BPE 15-574

POR ONDE ANDEI (André Moraes) Intervenção desenvolvida a partir de registros de lugares por onde pisei, inspirada na poética da deriva, realizada após sequência de viagens pelo Brasil nos meses de abril, maio e junho de 2015. Os registros presentes nessa cartilha são de: São Paulo (SP) São Félix do Xingu (PA) Horizonte e Fortaleza (CE) Recife (PE)


Prefácio MOBILIDADE? Nesta cartilha, não apresentamos planos nem políticas mirabolantes de mobilidade, ela reúne a contribuição de vários especialistas em humanização de espaços de convivência. Nela vamos encontrar a importância de entender como uma mudança conceitual pode impactar a vida da cidade, de seus habitantes e usuários. Há cinco anos, Buenos Aires, capital da Argentina, deu início a uma revolução na forma de locomover-se na cidade. O Plano de Mobilidade Sustentável argentino tem dois eixos: 1) as políticas de transporte devem humanizar a cidade, tendo o homem, como centro; 2) a cidade deve privilegiar a mobilidade dos pedestres, os meios não motorizados e o transporte público, em vez dos veículos automotores particulares. Todas as grandes cidades do planeta, deveriam utilizar destas premissas antes de discutir qualquer plano de mobilidade. O poder público deve garantir a infraestrutura urbana, para viabilizar a transformação necessária na mobilidade urbana acessível e de qualidade. É essencial a participação popular de modo a garantir o movimento dentro das cidades, de acordo com a vocação dos cidadãos. Não podemos impor os caminhos a serem seguidos, nem o modo de se locomover através, apenas, de planos de prancheta pois, desta forma, estarão fadados a se transformarem em bolinhas de papel atiradas na calçada. Só “Vivenciando Caminhos” atenderemos às necessidades sociais e econômicas das pessoas que requerem o seu deslocamento no espaço. Construindo cidades, em que as pessoas, possam desenvolver o seu potencial cultural, com forte impacto social sustentável. O Senge de Pernambuco continua no seu firme propósito de contribuir para que nossas cidades sejam equilibradas e seguras.



Agradecimentos Germano Travassos Moreira e Silva, Bruno Firmino, Roger de Renor, Nilton Pereira, André Moraes, Arthur Pontes, Zezão Nóbrega, Manu Umbertino, Swã Medeiros, Daniel Valença, Cezar Martins e Israel Costa.


Apresentação Por um espaço público cidadão: a mobilidade e a conquista da rua é a segunda cartilha, de um conjunto de três, que pretende esclarecer alguns aspectos que fazem parte do dia a dia do cidadão e, ao mesmo tempo, relacionam-se diretamente com o planejamento e o projeto da cidade. Nessas cartilhas são abordadas questões da arquitetura e do urbanismo que permeiam diversos anseios das pessoas que vivem e discutem a problemática das cidades nos dias atuais. O texto aqui apresentado procura auxiliar, também, aqueles que não lidam profissionalmente com temas urbanos e não possuem informações específicas para tratar de muitos assuntos que são relevantes no dia a dia da cidade. Realizadas conjuntamente com o Sindicato dos Engenheiros no Estado de Pernambuco, pretende-se, através das três cartilhas, demonstrar como o espaço público urbano da cidade do Recife pode e deve ser planejado e projetado de forma a torná-lo um espaço cidadão. A primeira cartilha trata da relação do edifício com a rua, ou, em outras palavras, como uma boa arquitetura pode interagir com o espaço público urbano contribuindo em torná-lo seguro para o usuário das vias públicas. O tema da primeira cartilha apresenta, dentre outros aspectos, uma faceta da mobilidade urbana, pois as questões apresentadas nela influem diretamente no uso das ruas pelos pedestres, ou seja, na própria mobilidade urbana. Assim, esta segunda cartilha busca 10


histórico e sua relação com o cidadão e os demais aspectos levantados nas cartilhas que a precedem. As cartilhas apresentam, de maneira simples e coloquial, algumas constatações, questionamentos e exemplos relativos aos planos, aos projetos urbanos e à construção da cidade. Busca-se particularmente a construção de um vocabulário para aqueles que constroem e/ou debatem a cidade, procurando nela um espaço cidadão.

11

“O uso dos espaços públicos recifenses está longe de refletir a diversidade e multiculturalidade da capital. (...) A cidade ainda não atinou para o valor estratégico dos seus eixos urbanos como alavancas de um desenvolvimento viável e socialmente justo”. 1

1

DUARTE, Clarissa. A Cultura da Coexistência. Revista arRecifes, v.10. Recife: Prefeitura da Cidade do

Recife, 2005, p.71.

POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

dar continuidade à primeira. Por fim, a terceira cartilha terá como foco o patrimônio


Sumário

Introdução

1. Compreendendo a mobilidade

2. O que facilita os deslocamentos na cidade?


3. As formas de deslocamento

4. A Rua como lugar

5. Por uma Mobilidade Cidadã

Referências Bibliográficas


Introdução Manifestações motivadas pela participação popular nas redes sociais da internet chamam a atenção para problemas ou insatisfações relativas ao meio urbano em todo Brasil. No Recife não tem sido diferente, questões relacionadas à mobilidade urbana, fruto de um trânsito de veículos congestionado, aumentos de tarifas e condições inadequadas do transporte público, além de atropelamentos de ciclistas na cidade têm sido temas de debates e mobilizações sociais. Muitas considerações, feitas por um público quase sempre composto por não especialistas, revelaram que a população em geral se preocupa com a cidade e deseja reconquistar o espaço perdido através de anos de planejamento urbano voltado para o tráfego de veículos motorizados e pouca intenção de valorização do espaço daqueles que não utilizam o automóvel. Ainda no âmbito das manifestações que ocorrem motivadas pela interação da população em redes sociais, e dentro do foco específico do tema abordado nesta cartilha, a mobilidade urbana, o Recife viu “postado” diversos questionamentos sobre o uso e a ocupação dos seus espaços públicos urbanos, quando, por exemplo, na proibição do evento Som na Rural2 por agentes municipais.

14

2

Veículo automotivo de comunicação urbana.


POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

A cidade é ou não é para as pessoas? 15


Eis a questão levantada nas redes. Ao mesmo tempo, o grupo Praias do Capibaribe, também preocupado com o uso do espaço público, promove eventos às margens do Rio Capibaribe e organiza, também pelas redes sociais, uma ocupação ribeirinha. Todos, de uma forma ou de outra, proclamam melhorias para a cidade. Mas o que tudo isso tem a ver com mobilidade urbana? Estas são algumas das questões que permanentemente motivam a elaboração destas cartilhas. Pretende-se, assim, esclarecer àqueles que habitam a cidade de como aspectos dos projetos de arquitetura e urbanismo e ações do planejamento urbano podem, em muito, auxiliar na construção de um processo que vise uma melhor qualidade dos espaços e equipamentos urbanos, e que estes tragam melhorias à mobilidade urbana. Levantam-se aqui questões que passam despercebidas para muitos no ir e vir do cotidiano urbano, e que, ao final do dia, não percebem a importância de conquistar a Rua!3

3

16

Sobre este assunto ver BORTHAGARAY, Andrés (org.). Conquistar a Rua! Compartilhar sem dividir.

São Paulo: Romano Guerra, 2010, p.160.


Figura 01: Protesto de ciclistas no Recife. Fotografia: Israel Costa, setembro de 2014.


1 Compreendendo a mobilidade urbana



Congestionamento, congestionamento e mais congestionamento. Parece que a cidade não anda mais. Percursos que demoravam 15 minutos para serem percorridos de carro chegam a durar 1 hora ou mais. Muitos culpam os outros motoristas (que, segundo eles, não sabem dirigir), outros culpam a não sincronização dos sinais de trânsito, outros já não sabem a quem culpar, pois, um simples carro quebrado em meio a uma via, ou qualquer outra adversidade, pode causar um congestionamento preocupante. Com horas perdidas no trânsito, a mobilidade passou a ser o tema de debates em todos os lugares daqueles que habitam a cidade. Uma análise imediatista pode fazer chegar à conclusão de que as cidades não contam com uma infraestrutura urbana adequada para abrigar uma frota de veículos que cresce cada vez mais. Mas, será que a solução é aumentar o espaço das vias para permitir um maior fluxo de automóveis de uso individual? Se observarmos atentamente, mesmo as ruas abertas ou alargadas, os túneis e os viadutos construídos, muito rapidamente são (re) ocupados pelos automóveis. Ou seja, intervenções que aparentemente são vistas como soluções para desafogar o tráfego, mostram-se cada vez mais insuficientes. A questão é “quanto mais rua se constrói, mais trânsito aparece”4 . Ou seja,

4

LEITE, Carlos. Cidades sustentáveis, cidades inteligentes: desenvolvimento sustentável num planeta

urbano. Porto Alegre: Bookman, 2012, p. 145.

Na cidade não h


Figura 02. Avenida Boa Viagem, bairro de Boa Viagem, em frente ao Parque Dona Lindu, no horário de pico da manhã. Fotografia: Arthur Pontes, abril de 2014.

Figura 03. Entrega da obra do viaduto Capitão Temudo, congestionamento provocado pelo trabalho de entrega da obra do viaduto. Fotografia: Bernardo Soares/JC Imagem, 2011.

há mais espaço


Figura 04. Engarrafamento na Praça do Parnamirim, ruas alargadas e redução do espaço da praça não contribuíram com o escoamento de veículos. Imagens antes e durante horário de pico da manhã. Fotografia: Cezar Martins. 2014.

há mais de cinquenta anos, o automóvel tem sido o protagonista nas cidades. Os espaços públicos voltados para pedestres vêm se deteriorando, uma vez que o planejamento urbano, quase sempre, visa resolver apenas os problemas dos veículos motorizados. Este fato, associado a um inadequado sistema de transporte coletivo, e O ponto central da compreensão do problema está no fato de que,

a uma falta de alternativas de meios de transporte, como a bicicleta, contribui para a dependência de muitas pessoas do transporte individual. 22


“Afinal, há décadas, urbanistas do mundo todo estão acostumados a planejar exclusivamente para o tráfego de automóveis” Algo precisa ser mudado no planejamento da cidade, a começar pelo entendimento do que seja mobilidade. 5

5

GEHL, Jan. Cidades para Pessoas. São Paulo, Editora Perspectiva, 2013, p. 114.


O conceito de mobilidade tem sido apresentado como algo relacionado exclusivamente ao uso do veículo automotor. A lógica “vendida” é: “a cidade está sofrendo com engarrafamentos, então precisamos resolver o problema da mobilidade com novas obras viárias!”. Isso ainda ocorre em nossa cidade, em função de uma recorrente visão distorcida e limitada da função da “rua”6.

Pra começar, O QUE É mobilidade? No contexto das cidades, o planejamento urbano, nas suas diversas escalas, deve oferecer condições de

mobilidade urbana de modo que o cidadão possa

se deslocar de casa para o trabalho ou se deslocar para desempenhar qualquer outra função primária da cidade

saudável .

de forma segura, sustentável e

7

Mobilidade é o poder de deslocamento. A “mobilidade” aqui defendida é composta por um sistema integrado formado pelos meios de transporte não motorizados (a caminhada – considerando os cadeirantes-, a bicicleta, etc.), pelos motorizados (o transporte coletivo – sobre rodas e/ou trilhos-, o transporte aquático e veículo individual), e, principalmente, pela possibilidade de criação de uma adequada interação e integração entre esses diversos meios de deslocamento.

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“A presença de usuários dos diversos meios de deslocamento é também característica condicionante da segurança.”8


Nesta cartilha serão apresentadas algumas respostas a esta questão que podem ser refletidas nas ações de planejamento e projetos urbanos, de modo a contribuir para melhorar qualitativamente os espaços públicos fazendo com que o cidadão se sinta bem ao caminhar ou utilizar o transporte coletivo de sua cidade, não almejando ser mais um, em um veículo automotor individual (provavelmente engarrafado), mas, ao contrário, sentindo-se motivado a deixar o seu carro em casa (pelo menos em alguns dias ou horários de seu cotidiano).

6

É importante considerar os eixos urbanos não apenas como peças do sistema viário, mas, sobretudo,

como “parte integrante do Sistema de Espaços Públicos da cidade”. Ver: DUARTE, Clarissa. Revista arRecifes, v.10. Recife: Prefeitura da Cidade do Recife, 2005, p.80. Sobre cidade segura, cidade sustentável, cidade saudável: elementos para uma “cidade viva”,ver:

7

GEHL, Jan. Cidades para Pessoas. São Paulo: Editora Perspectiva, 2013, p. 6 e 7. Sobre o sentimento do medo em áreas urbanas ver: CARERI, Francesco. WALKSCAPES. O Caminhar como Prática Estética. São Paulo: Editora G. Gili Ltda, 2013, p. 170. Sobre o sentimento de segurança nos espaços públicos viários ver DUARTE, Clarissa; NÓBREGA, Maria de Lourdes C. da Cunha. Pela Coexistência Urbana: Estratégias de Planejamento para Espaços Públicos Viários in Paisagens: Ensino | História | Planejamento. Recife: Editora Prazer de Ler, 2012, p. 135 e 136. Ver também, LEITE, Carlos. Cidades sustentáveis, cidades inteligentes: desenvolvimento sustentável num planeta urbano. Porto Alegre: Bookman, 2012, pag. 144. DUARTE, Clarissa. A Cultura da Coexistência. Revista arRecifes, v.10. Recife: Prefeitura da Cidade do

8

Recife, 2005, p.74.

POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

E que outros aspectos influenciam a mobilidade urbana?

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2 O que influencia os deslocamentos numa cidade



Projetos urbanos, planos urbanísticos e as leis que regulam o uso e a ocupação do solo desenham a forma urbana da cidade,

orientam a distribuição de atividades comerciais, residenciais, de serviços e lazer no solo urbano, promovem alterações no desenho das vias e estabelecem as densidades construtivas (ou seja, o quanto a cidade é construída ou verticalizada em seus diferentes trechos).

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28

LEITE, Carlos. Cidades sustentáveis, cidades inteligentes: desenvolvimento sustentável num planeta

urbano. Porto Alegre: Bookman, 2012, p. 145.


POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

Consequentemente, criam as condições para facilitar ou dificultar os deslocamentos de pedestres e veículos através do espaço. A mobilidade é, portanto, diretamente influenciada por variáveis como: o uso, a densidade e a malha urbana.

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uso As ruas falam e nos dizem muito sobre a mobilidade na cidade. Ruas intensamente utilizadas significam pessoas se deslocando (realizando viagens) de um ponto a outro do sistema urbano para desem-

Os deslocamentos de pedestres e veículos no espaço da cidade estão quase sempre relacionados a uma determinada atividade a ser desempenhada em algum destino. penhar uma determinada atividade.

Embora seja difícil entender os aspectos que induzem e restringem esses deslocamentos, especialmente por envolver um grande número de variáveis e decisões nem

o uso atua como um importante fator incentivador de deslocamentos de pedestres e veículos, exercendo impactos positivos ou negativos na mobilidade. sempre previsíveis, muitos autores convergem para o entendimento de que

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A maneira como os usos urbanos estão organizados e distribuídos no espaço influi decisivamente nas escolhas dos modos de deslocamento e “o sistema de transporte surge [posteriormente] para dar mobilidade aos indivíduos em função da necessidade de integração dos mesmos com as diferentes atividades que são definidas pelo uso e ocupação do solo”9.

Os usos, portanto, atuam como atratores urbanos, isto é, como geradores de deslocamentos, e é inegável que determinados usos têm mais potencial de gerar deslocamentos de pedestres e veículos que outros. Por exemplo, um shopping center atrai um número muito maior de usuários que determinadas ruas comerciais em algum lugar da cidade, porque concentra maior oferta de comércio, serviços e lazer em um único local, tendo um impacto na região de influência onde se insere. Assim, quando o planejamento urbano da cidade permite a instalação de determinadas atividades no solo está potencializando mais ou menos deslocamentos no espaço urbano. 9

KNEIB et al. Pólos geradores de viagens e mobilidade: a evolução dos conceitos e da consideração

dos impactos gerados. Revista dos Transportes Públicos, v. 121. 2009, p. 65-80.


É preciso que o planejamento, as normativas e os projetos urbanos levem em consideração os impactos gerados por determinados usos e categorias de empreendimentos na estrutura urbana, isto é, os Polos Geradores de Tráfego (PGTs). São “locais ou instalações de distintas 10

naturezas que têm em comum o desenvolvimento de atividades em um porte e escala capazes de produzir um contingente significativo de viagens”11. Os PGTs não tratam, no entanto, das atividades relativas a eventos temporários, mas daqueles empreendimentos ou equipamentos urbanos de grande porte (tais como shopping centers, hipermercados, hospitais, universidades, estádios, terminais de carga e estações de transporte público), que atraem grande número de pessoas, gerando viagens através do espaço urbano, necessitando de grandes espaços para estacionamento, carga e descarga e embarque e desembarque rotineiramente.

Os impactos negativos não implicam que usos e empreendimentos geradores de tráfego não devam ser instalados, mas sim misturados e melhor distribuídos no espaço urbano de maneira a minimizar os (maus) efeitos na mobilidade da cidade. Também tratados recentemente na literatura como Polos Geradores de Viagens (PGV)

10

PORTUGAL, Licinio; GOLDNER, Lenise. Estudos de pólos geradores de tráfego e de seus impactos

11

32

nos sistemas viários e de transportes. São Paulo: Ed. Edgard Blücher, 2003, p. 14.


Quando empreendimentos geradores de tráfego são implantados em territórios já congestionados, os resultados podem ser desastrosos! Como se sente o pedestre ou o ciclista ao penetrar por este cenário?

Figura 05. Área do bairro do Pina com shopping center e novo sistema viário. Fotografia: Aurelina Moura, maio 2014.


densidade A rua de casas térreas converteu-se, em poucas décadas, em uma rua de edifícios multifamiliares com 20, 30 ou 40 pavimentos. Onde habitavam 40 famílias, hoje vivem 1600, 2400 ou 3200, cada uma com um ou dois veículos particulares. Se por um lado o aumento da densidade urbana compactou a vida no território da cidade, reduzindo a necessidade de realizar grandes deslocamentos, por outro, sem a oferta de um transporte público eficiente e de boa qualidade,

Em um espaço denso e sem um sistema de mobilidade adequado, o congestionamento no sistema viário é o resultado mais previsível. fez com que a população recorresse ao automóvel.

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Figura 06. Vista aĂŠrea de trecho da cidade do Recife. Fonte: Prefeitura da Cidade do Recife, sem data.


malha urbana

No deslocamento pelas ruas das cidades, faz-se escolhas de por onde ir e tende-se

Essa rede de caminhos que levam aos lugares é chamada de malha urbana. Nem sempre a malha urbana da cidade permite que se façam os camia realizar os trajetos mais curtos para chegar a algum destino.

nhos mais curtos, simplesmente porque existem barreiras naturais e construídas que impedem esses percursos. Hoje, com os grandes congestionamentos, percorrer os trajetos mais longos pode ser uma alternativa de chegar ao destino mais rápido que percorrendo os caminhos mais curtos, tomados pela maior parte das pessoas. Neste

sentido, a própria malha urbana facilita ou restringe os deslocamentos na cidade, orientando nossas decisões, em função dos seus níveis de barreiras e permeabilidades. Isto significa dizer que, uma parcela importante do movimento de pedestres e veículos no meio urbano é resultante da configuração espacial da malha urbana das cidades, determinando uma espécie de movimento natural através das vias12. 36


A conectividade da malha urbana, portanto, é essencial para facilitar o movimento através do espaço porque amplia as possibilidades de deslocamento e de escolhas de percursos. Quando a malha tem pouca conectividade, o movimento se restringe a grandes corredores viários, que, geralmente, são mais conectados com as demais ruas. No Recife, cidade anfíbia, construída sobre as águas, como disse Josué de Castro13, as barreiras naturais, como os rios e os canais, e as barreiras construídas, como o metrô de superfície, resultaram numa malha urbana descontínua, dificultando a conectividade das vias, concentrando os movimentos nos principais corredores urbanos da cidade e prejudicando a mobilidade urbana.

HILLIER, Bill et al. Natural Movement: or configuration and attraction in urban pedestrian move-

12

ment. [S.L.]: Environment and Plannig B, 1993. CASTRO, Josué de. Fatores de localização da cidade do Recife: um ensaio de geografia urbana. Rio

13

de Janeiro: Imprensa Nacional, 1948.


Figura 07: Metr么 do Recife. Muros que cortam a cidade e funcionam como barreiras. Fotografia: Robson Canuto, 38

julho de 2014.


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POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA


3 As formas de deslocamento



O cidadão pode se deslocar de forma não motorizada (a pé, de cadeira de rodas, de patins, de skate ou de bicicleta) ou motorizada (de transporte coletivo ou individual). Uma cidade que dispõe de várias alternativas de transportes integradas possui maiores condições de proporcionar uma melhor mobilidade urbana.

maior a integração entre diferentes formas de deslocamento melhor é a mobilidade urbana. Quanto

Figura 08. Diversos meios de locomoção juntos. Barcelona. Fotografia: Maria de Lourdes Nóbrega, 2013. 42


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POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA


andar a pé

Figura 09. Superfície para se caminhar (inclinada). Avenida Agamenon Magalhães, Recife. Fotografia: Maria de Lourdes Nóbrega. 2013.


transporte motorizado ele é, essencialmente, um pedestre14. Para ir ao ponto de ônibus, para chegar à estação do metrô, ou mesmo para se deslocar no estacionamento do carro ao seu local de destino, o usuário do transporte motorizado utiliza ao menos um trecho da rua. Há de se considerar que cadeirantes e demais pessoas com mobilidade reduzida (idosos, gestantes, crianças, etc.) também fazem parte deste conjunto de usuários que utiliza a rua. Não raro este usuário enfrenta obstáculos e péssimas superfícies para se deslocar. Quando a questão diz respeito às pessoas com dificuldade

POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

Mesmo que o cidadão utilize algum meio de

ou impossibilidade de locomoção, estes obstáculos, 45 muitas vezes, as tornam prisioneiras em suas casas por uma total falta de possibilidade de mobilidade no espaço urbano. Quando a rua é projetada adequadamente ela o cidadão a se deslocar.

CONVIDA 14

Sobre este assunto ver: DUARTE, Clarissa. O Desenho da Coex-

istência: o impacto das políticas de planejamento urbano no uso do espaço público-eixos urbanos de uma cidade brasileira: Recife – tradução para o português. Paris :Mestrado em Planejamento Urbano e Dinâmica dos Espaços, Univ.Paris 1- Sorbonne, 2005.


Superfícies de deslocamento

15

A qualidade das superfícies do piso das calçadas é essencial. Calçadas irregulares, desniveladas, esburacas, repelem o usuário e são obstáculos que podem, inclusive, causar acidentes.

Figura 10: Bom exemplo de superfície de deslocamento. Avenida Oscar Freire, São Paulo. Fotografia: Maria de Lourdes Nóbrega, 2013.


“Para cada meio de transporte é possível relacionar uma superfície de deslocamento específica. Para a

15

caminhada a calçada, para a bicicleta a ciclovia ou ciclo-faixa, para o transporte coletivo pode-se ter uma faixa exclusiva e, para o veículo individual, as demais faixas de rolamento da via.” DUARTE, Clarissa; NÓBREGA, Maria de Lourdes C. da Cunha. Pela coexistência Urbana: Estratégias de Planejamento para Espaços Públicos Viários in Paisagens. Ensino |História | Planejamento. Recife: Editora Prazer de Ler, 2012, p.136.

Figura 11. Bom exemplo de superfície de deslocamento. St George Street, Toronto. Fotografia: Isabella Leite Trindade, 2014.


Figura 12. Largura e tipo de pavimento da calรงada favorece o bom deslocamento. Observar o posicionamento adequado do mobiliรกrio urbano. Barcelona. Fotografia: Maria de Lourdes 48

Nรณbrega, 2013.


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POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA


Figura 13, 14 e 15. Avenida Guararapes, Rua do Riachuelo, Cais da Aurora; Cal莽adas esburacadas. Recife. Fotografias: Maria de Lourdes 50

N贸brega, dezembro de 2013.


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Trajeto Contínuo O usuário da calçada deve ter condições de percorrer uma trajetória contínua, sem obstáculos. Esse requisito interfere na pavimentação e largura mínima das calçadas e, também, no posicionamento da vegetação e do mobiliário urbano16. Postes (muitas vezes em números exagerados), comércio de rua, bancos, lixeiras, abrigos de ônibus, entre outros, não podem obstruir e impedir o livre deslocamento nas calçadas. Estes elementos, quando corretamente distribuídos e implantados, agregam valor às vias e estimulam o uso do espaço público.

16

Sobre trajeto contínuo ver também: DUARTE, Clarissa; NÓBREGA, Maria de Lourdes C. da

Cunha. Pela coexistência Urbana: Estratégias de Planejamento para Espaços Públicos Viários in Paisagens. Ensino |História | Planejamento. Recife: Editora Prazer de Ler, 2012, p.139. 17

52

DUARTE, Clarissa. Redesenhar as Ruas. Revista Algomais, n.91. Recife: SMF-TGI Ed, 2013, p.62.


implantação do mobiliário urbano permite ao pedestre um percurso contínuo. Ruas em Nova York. Fotografias: Paula Maciel Silva, 2014.

POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

Figuras 16, 17 e 18. Adequada

53

“O espaço da rua conforma-se não apenas pelas superfícies de piso destinadas ao deslocamento de pessoas e veículos, mas também pelas edificações laterais, pela vegetação e, ainda, pelo mobiliário urbano” . 17


Figuras 19 e 20. Rua de Santa Cruz (Boa Vista), Avenida Agamenon Magalhães (Ilha do Leite). Locais impossíveis de se caminhar continuamente.

Recife.

Fotografia:

Maria de Lourdes Nóbrega, 54

2013.


55

POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA


É preciso reduzir riscos!!!! 56


Figura 21. Fios e mais fios, comprometimento da visibilidade da paisagem hist贸rica. Bairro de S茫o Jos茅, Recife. Fotografia: Maria de Lourdes N贸brega, 2013.


Figura 22. Alagamentos constantes na cidade comprometem deslocamentos no Recife. Rua do Espinheiro no cruzamento com a Avenida Jo達o de Barros, alagamentos prejudicando motoristas e pedestres. Fotografia: 58

Guga

Imagem, 2011.

Matos/JC


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É necessário promover sombras!!! Figura 23. O valor da sombra nos espaços públicos tropicais. Exemplo de apropriação do espaço estimulada pela sombra (escassa) na Avenida Dantas Barreto, bairro de Santo Antonio. Fotografia: Maria 60

de Lourdes Nóbrega, 2013.


18

Sobre arborização viária ver DUARTE, Clarissa; NÓBREGA, Maria de Lourdes C. da Cunha.

18

Pela

Coexistência

Urbana:

Estratégias

de

Planejamento

para

Espaços

Públicos

Viári-

os in Paisagens: Ensino | História | Planejamento. Recife: Editora Prazer de Ler, 2012, p. 135..

POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

“O estímulo à presença e continuidade da arborização viária interfere diretamente no conforto (ambiental e espacial) dos pedestres e demais usuários dos espaços livres de cidades tropicais”

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andar de bicicleta Para incentivar o uso de bicicletas como meio de deslocamento ou lazer, é necessária

implantação de ciclovias e ciclo-faixas seguras, bem como, limitar a velocidade dos veículos motorizados em determinadas vias onde bicicletas e automóveis andam a

juntos. Também se faz necessário possibilitar a segregação dos usuários de veículos não motorizados, dos demais meios de deslocamentos motorizados. É importante não haver desníveis entre a superfície de deslocamento e a linha d’água (ou

locais para abrigo e guarda segura das bicicletas e favorecer a integração com o transporte colesarjeta), para evitar acidentes, criar

tivo. Além disso, nos locais de clima tropical, é também necessário promover sombras ao longo das ciclovias. Figuras 24, 25, 26. Pedestre e ciclistas lado a lado (figura 24). Rua compartilhada com ciclo-faixa e ciclovias (figuras 25 e 26) em Nova York (Foto: 62

Paula Maciel Silva, 2014).


(de skate, patins, ou quaclquer outro ciclo ) É importante, ainda, a disponibilização de mapas com a indicação das ciclovias existentes na cidade (no mobiliário urbano, disponibilizados pela internet ou impressos e distribuídos gratuitamente em locais públicos), bem como promover o conhecimento por parte das pessoas (ciclistas ou não ciclistas) das regras de locomoção de maneira a não por em risco a segurança de todos (motoristas, ciclistas e pedestres) e dotar a cidade de uma sinalização específica para o tráfego de bicicletas.


Figura 27. Usuรกrio de bicicleta nas ruas do Recife. Fotografia: Swรฃ Medeiros, 2013.



Para andar de transporte coletivo O Recife não é uma cidade compacta. É muito extensa, possui 218,435 km², faz parte de uma Região Metropolitana com uma área de 3.995,9 km² que engloba diversas cidades20. Há percursos que, dificilmente, o cidadão motorizado deixará seu carro ou sua moto em casa para fazê-los de bicicleta ou a pé, como por exemplo: sair de Jaboatão ou Olinda para o centro do Recife ou sair de Jaboatão para Olinda. Bicicletas, patins, skates são meios de locomoção muito importantes para pequenas distâncias e devem ser sempre integrados ao sistema de transporte, mas,

grandes distâncias requerem modos de transporte que assegurem maior conforto e agilidade, para que haja menor tempo e menor esforço no deslocamento.

20

66

Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Paulista, Igarassu, Abreu e Lima, Camaragibe, Cabo de Santo Agosti-

nho, São Lourenço da Mata, Araçoiaba, Ilha de Itamaracá, Ipojuca, Moreno, Itapissuma, e o próprio Recife.


Tudo começa quando se identifica para onde as pessoas vão. Ou seja, é preciso identificar os desejos das pessoas, a demanda de passageiros e adequar tudo isso à estrutura da cidade. O primeiro passo é a elaboração de uma

pesquisa de Origem e Destino.

Através desta pesquisa, definem-se os meios de transporte mais adequados para cada tipo de via (metrô, ônibus, veículo leve sobre trilho - VLT, etc.), quantificando os cidadãos que se locomovem na cidade, de onde eles vêm e para onde eles vão todos os dias.

POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

Mas como planejar as diferentes formas de deslocamento numa cidade com distâncias tão grandes?

67


E atualmente? De onde vêm e para onde vão as pessoas no Grande Recife?

Atualmente, na Região Metropolitana do Recife, o sistema de transporte público que cobre grandes distâncias é composto por ônibus e trens (ou o conhecido metrô) integrados e chama-se Sistema Estrutural Integrado, SEI. O SEI disponibiliza diversas alternativas de deslocamento com o pagamento de apenas uma tarifa e integrações em terminais (transbordo)21. Seu projeto inicial não foi totalmente implantado, mas, os 60% dos percursos feitos utilizam do sistema viário metropolitano, constituindo uma rede de integração metropolitana. Recentemente, este Sistema tem sido reforçado com os corredores de Bus Rapid Transit, os BRTs (tipo de ônibus que trafega mais rápido do que o ônibus comum). Além disso, está sendo implantado um corredor fluvial, transporte via barcos pelos rios Capibaribe e Beberibe.

68

21

Segundo o Programa Estadual de Mobilidade Urbana - PROMOB, 2013. Governo do Estado de Pernambuco.


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Os rios são um meio de ir e vir, pois também são superfícies de deslocamento e constituem espaços públicos cidadãos.

69

Figuras 28 e 29. Deslocamento pelos rios do Recife. Fotografia: 2013.

Swã

Medeiros,


Mas, vale a pena lembrar que, mesmo que em pequena escala, os rios já são utilizados por pessoas que ali trabalham, como os pescadores, barqueiros que transportam pessoas, passeios turísticos, etc. Os rios devem ser tratados com projetos e ações que levem em consideração critérios de segurança, de sustentabilidade e da saúde daqueles que por eles trafegam. Deve-se, portanto, promover nos seus percursos a implantação de elementos urbanos que convidam e favorecem a proteção, o conforto e o prazer.


71

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Mas, quando a escolha de como se deslocar é restrita aos modos motorizados que estão nas ruas, “a preferência deveria recair sobre o transporte público coletivo, de 15 a 20 vezes mais eficiente no uso do escasso espaço viário. Apresenta também um consumo energético por pessoa transportada 13 vezes menor do que os dos autos, que ainda poluem 32 vezes mais do que os ônibus. Assim, quanto maior a quantidade de viagens nos modos coletivos, melhor”22.

A rua inteligente

Três maneiras de usar o espaço urbano, mobilizando 150 pessoas, e de fazer de uma cidade uma cidadania

cidade para poucos

cidade para muitos

cidade para todos

Figura 30. Três maneiras de usar o espaço urbano. Ilustração: André Moraes, 2015.

Por outro lado, por maior que seja a consciência ambiental do cidadão, se não forem oferecidas condições adequadas, o transporte público será opção apenas para os que não possuem a alternativa do transporte individual.

22

72

MOREIRA E SILVA, Germano Travassos. Mobilidade urbana sustentável e de qualidade. Texto para o

Observatório do Recife. Recife, (sem data).


Barcelona, Nova York, Bogotá e Curitiba.

como minimizar o uso do veículo automotor nas cidades? Como convencer aqueles que só andam de carro a deixar (pelo menos em alguns dias ou horários) o seu carro em casa? Como estimulá-los a percorrer pequenas distâncias a pé ou utilizarem o transporte público? Mas,

O deslocamento por meio do transporte coletivo deve ser realizado de forma segura, sustentável e saudável, com respeito ao usuário, de forma que os elementos projetados e construídos propiciem qualidade à paisagem urbana, proporcionando satisfação e orgulho ao usuário do sistema.

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o uso do transporte individual terá que diminuir, como já aconteceu em cidades como O fato é que, mais cedo ou mais tarde,

73


Identificar os elementos que NÃO CONVIDAM o cidadão para optar pelo transporte público é um passo para compreender a importância de investir nos elementos que CONVIDAM.

Elementos que NÃO convidam: Superlotação É frequente encontrar nos veículos de comunicação relatos que evidenciam o descontentamento dos usuários do sistema público de transporte, principalmente, quanto ao tempo de espera e a superlotação. Tumulto e desconforto são consequências de um sistema ineficiente. A lotação do sistema é uma realidade nos horários de pico em diversas cidades do mundo. A questão é: como embarcar todas as pessoas de forma confortável nestes horários? A quantidade de coletivos precisa acompanhar o crescimento da demanda de passageiros e assim não produzir o acúmulo de usuários nas paradas e estações. Desta forma, contribui-se para a satisfação do usuário para com o sistema, criando assim condições para gerir o sistema no momento de crise (o horário de pico). O que incomoda é perceber que a superlotação é decorrente de um sistema deficiente, que não está dimensionado para a vazão dos usuários.

74

Nas estações e paradas com alta demanda de passageiros, vence o mais forte.


POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

75

Figura 31: Movimentação no Terminal de Integração do Joana Bezerra. Fotografia: Guga Matos /JC Imagem, 2009.


Espera desconfortável Paradas com estruturas deficientes, nenhuma sinalização e sem informações de linhas e destinos dos ônibus que por ali passam, obviamente não convidam o cidadão a trocar o automóvel pelo transporte coletivo.

Figura 32. Desconforto nas paradas de ônibus. Avenida Conde da Boa Vista. Fotografia: Maria de Lourdes 76

Nóbrega, 2013.


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(Des)Integração As estações de metrô que não oferecem nem o menor conforto, muito menos locais apropriados para os que desejam deixar seu veículo ou sua bicicleta e continuar o trajeto com o transporte público.

Figura 33: Inexistência de local apropriado para estacionar o carro nas estações, para quem possui automóvel, mas deseja concluir o restante de seu percurso de trem ou ônibus. Fotografia: Bobby Fabisak 78

/ JC Imagem, 2014.


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Elementos que convidam: tempo gasto para chegar ao destino

Não se pode perder tempo utilizando o transporte coletivo. Cinco fatores interferem no TEMPO GASTO para se chegar ao destino e influenciam na escolha pelo transporte coletivo23: 1. Tempo a pé na origem –tempo que se leva a pé até chegar à estação ou à parada mais próxima; 2. Tempo de espera- tempo que se leva na parada ou estação esperando o coletivo; 3. Tempo no veículo – tempo que se gasta no percurso dentro do veículo; 4. Tempo a pé no destino – tempo que se leva a pé, ao saltar do veículo até o destino final; 5. Tempo no transbordo (pé + espera) – tempo que se gasta esperando outro veículo caso o cidadão utilize mais de um transporte público. 23

80

Para mais informações sobre o assunto ver conteúdo do Curso Mobilidade Sustentável no Recife e na

RMR (2014). Universidade Católica de Pernambuco.


POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

Quanto menos se trafega até se chegar à parada mais próxima (seja em um veículo ou a pé) e ao destino e quanto menor for o tempo de espera, melhor será o convite ao uso do transporte público. A cidade precisa de uma rede articulada e eficiente de transportes públicos.

81


Conhecer o sistema

Onde está a estação (de trem) ou a parada (de ônibus) mais próxima?

Atualmente, a grande maioria dos cidadãos que tem uma rotina diária de utilização do transporte coletivo identifica suas alternativas de deslocamento através da troca de informações de modo informal. O sistema Grande Recife disponibiliza um site e uma linha telefônica para fornecimento destas informações. Há também aplicativos para celulares com as linhas de ônibus do Recife indicando o itinerário. Entretanto, é importante, produzir mapas que orientem o cidadão, que mostrem todo o sistema, que orientem aqueles que não conhecem a cidade e possibilite ao cidadão que circula na cidade traçar sua rota para chegar ao destino. Todos têm que conhecer o sistema de 82

transporte público da cidade, não apenas aqueles que já o utiliza.



a Parada Cidadã ou Estação Cidadã

As paradas e as estações devem possuir mapas de todo o sistema integrado. Sinalização que auxilie o cidadão a se localizar, saber quais os ônibus que passam por ali, para onde ir e em que horários. Devem promover segurança e conforto a seus usuários. 24

As paradas devem ser localizadas em calçadas que possuam tamanhos adequados para abrigar a quantidade de pessoas que nela se instalam diariamente. O usuário deve poder sentar para esperar, não sentir calor, estar em filas organizadas e em um ambiente esteticamente agradável. Faz-se necessário, ainda, oferecer locais onde se possam deixar bicicletas e veículos para os usuários que desejam integrar o restante do percurso com o ônibus ou o trem.

24

Sobre segurança e conforto ver: DUARTE, Clarissa; NÓBREGA, Maria de Lourdes C. da Cunha. Pela

Coexistência Urbana: Estratégias de Planejamento para Espaços Públicos Viários in Paisagens: Ensino 84

| História | Planejamento. Recife: Editora Prazer de Ler, 2012, p. 143 e 212.


Figura 35, 36 e 37. Parada da York University. Informação sobre linhas e trajetos fazem parte do mobiliårio. Toronto. Fotografia: Isabella Leite Trindade, maio e junho 2014.


a Veículo (de transporte coletivo) Cidadão

Espaços dos trens reservados para bicicletas, instalação de suportes para bicicletas na parte dianteira dos ônibus são exemplos de atitudes que possibilitam aos ciclistas integração entre os diferentes meios de locomoção.

86


POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

87

Figura 38. Ônibus em Toronto, possibilidade

de

integração

com a bicicleta. Fotografia: Isabella Leite Trindade, 2014.


4

A rua como lugar



O primeiro capítulo desta cartilha alertou que os problemas de mobilidade com os quais o cidadão se depara são reflexos de um modo de planejar o espaço urbano no qual o automóvel é o protagonista das cidades. Através dos capítulos 2 e 3, entende-se, também, que há fatores que influenciam os deslocamentos e que as condições do sistema de transporte público podem contribuir significativamente para a mobilidade urbana.

Neste contexto,

o pedestre é o protagonista.

E

“o caminhar produz lugares”

25

Para ir ao ponto de ônibus, para chegar à estação do metrô, ou mesmo para se deslocar no estacionamento do carro ao seu local de destino o usuário do transporte motorizado utiliza ao menos um trecho da rua.

A rua integra o cidadão a toda a cidade. “É a partir dos espaços públicos viários, das ruas e avenidas, que melhor podemos observar o ‘complexo cultural que se chama cidade’”. 26

90


27

Nos percursos utilizados pelos pedestres, usuários da rua, diversas atividades acontecem, além de se tentar chegar a um destino: comércio das mais variadas formas, esperas (por pessoas ou transportes), encontros marcados, encontros eventuais, etc. A rua passa então a ser, não apenas uma passagem transitória, mas um lugar (de encontros, de jogos, de esperas, de trocas comerciais e afetivas). A rua é também o lugar das grandes festas, dos eventos cívicos e políticos.

A rua é um lugar de encontro.

25

CARERI, Francesco. WALKSCAPES: O caminhar Como Prática Estética. São Paulo: Editora G. Gili

Ltda, 2013, p. 51. 26

DUARTE, Clarissa. A Cultura da Coexistência. Revista arRecifes; v.10. Recife: Prefeitura da Cidade do

Recife, 2005, p.72. 27

GEHL, Jan. Cidades para Pessoas. São Paulo: Editora Perspectiva, 2013, p. 62.

POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

“Uma rua sem vida é como um teatro vazio: algo deve estar errado com a produção, já que não há plateia” .

91


O espaço da rua, portanto, constitui-se não apenas pelas superfícies de piso, destinadas ao deslocamento de pessoas e veículos, mas, também por outros elementos urbanos como:

as edificações do entorno , a vegetação e o mobiliário urbano (postes, lixei28

ras, bancos, quiosques, barracas, etc.). Estes elementos que dão apoio às diversas atividades que ocor-

contribuem com a mobilidade urbana, pois são eles que rem nas ruas e poucos sabem que também

vão convidar e convencer o cidadão a deixar o carro em casa e ir às ruas. 28

Ver a primeira cartilha desta série: Por um espaço público cidadão: o encon-

tro do edifício com a rua, 2014.

Figura 39. A rua como lugar de encontro, dominó na calçada da Avenida Boa Viagem. Fotografia: Maria de Lourdes Nóbrega. 92

2014.


93

POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA


A cidade do Recife conta com diversas atividades e festas populares, que acontecem nas ruas e dão vida à cidade (Carnaval, festas juninas, etc.), mas é preciso

incentivar a prática das atividades urbanas que possam acontecer nos espaços públicos ao longo de todo o ano, e que incentivem o uso desses espaços, não apenas em datas comemorativas. Incentiva-se, assim, o uso do espaço público e a exercer sua função cidadã de agregar e convidar pessoas para ocupá-lo. Algumas ações promovem o uso dos espaços públicos urbanos e

CONVIDAM

o cidadão a permanecer e percorrer a cidade.

Arte Urbana As ruas e os espaços públicos também podem ser um lugar de expressão artística e de exibição de Arte

Urbana. A Arte urbana pode ser compreendida como ma-

nifestações artísticas desenvolvidas e/ou exibidas no espaço público, ao invés de espaços fechados, como museus e galerias de arte, de

forma que todo e qualquer cidadão possa ver, apreciar ou interagir quando está se deslocando nas ruas. É uma forma bem democrática de disponibilizar arte para todos. 94


POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

95

Figura 40. Intervenção de arte de Douglas Coupland, Canoe Landing Park, Toronto, Fotografia: Isabella Leite Trindade, abril de2014.


Figura 41: Obra de arte inserida no Lincoln Center Plaza. Nova York. Fotografia: Paula Maciel, 2014.


Figura 42: Arte urbana em Harbour front, Toronto. Fotografia: Isabella Leite Trindade, maio de 2014.


Figuras 43: Escultura do poeta Manuel Bandeira. Cais da Aurora, Recife. Fotografia: Maria de Lourdes N贸brega, 2014.


Figuras 44: Escultura do Caranguejo (Carne da Minha Perna). Cais da Aurora, Recife. Fotografia: Maria de Lourdes N贸brega, 2014.


Parklets Os parklets são estruturas temporárias e consistem em pequenas extensões construídas na calçada ou para fora da calçada, podendo ocupar parte da rua ou vagas de automóveis, mas de forma a não prejudicar a circulação de pedestres, podendo ocupar o espaço de duas a três vagas de estacionamento. Os parklets podem ser extensões

Figura 45: Parklet instalado provisoriamente no estacionamento da Fundação Joaquim Nabuco. Derby, Recife. Fonte: 100

arqDebates, 2013.


de estar urbana), eles propiciam espaços para sentar, descansar e desfrutar a cidade. Combinam elementos como bancos, jardineiras, bicicletários, dependendo das características e necessidades do seu local de implantação. São construídos de materiais mais leves como madeira ou PVC, e por isso são de rápida construção e desmonte. Os parklets dão vida às ruas uma vez que convidam as pessoas a permanecer e a desfrutar do lugar.

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de cafés / comércios ou mesmo funcionar como mobiliário urbano (sendo uma área

101


Espaços Residuais

Figura

46.

´Mitosis

Court-

yard´, instalação do artista Pierre Poussin. Dan Leckie Way, embaixo da Gardiner Expressway,viaduto em Toronto. Fotografia: Isabella Trindade, 102

2014.


privados, que, pelas condições de localização, geometria ou dimensões, apresentam baixo valor construtivo, tornando-se desinteressante para o setor privado. Estes espaços podem se configurar como lotes de pequenas dimensões, espaços aparentemente inúteis localizados sob viadutos ou resultantes de intervenções viárias. Quando utilizados para a instalação de espaços de lazer e contemplação, quadras ou instalações esportivas ou áreas de lazer infantil, contribuem para valorizar os espaços públicos como espaço de permanência.

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Espaços residuais são espaços urbanos, públicos ou

103


Atividades Urbanas

Figuras 47 e 48. Mesas de restaurantes na calçada e comercialização de rua, localizados de forma ordenada. Barcelona. Fotografia: Maria de 104

Lourdes Nóbrega, 2013.


Quando o comércio ocupa o espaço público de forma ordenada é um elemento que

CONVIDA, contribui para a ocupação do espaço urbano e favorece encontros programados ou ocasionais.

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O comércio e o lazer são atividades que dinamizam uma área urbana.

105


Figuras 49: Bancos integrados ao agenciamento favorecem o local de encontro na Peter Menuit Plaza pr贸ximo ao acesso para o StatenIrland Ferry, Nova 106

York. Foto: Paula Maciel, 2014


POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

107

Figura 50: O Washington Square Park oferece mesas e cadeiras para jogadores de xadrez. Foto: Paula Maciel, 2014.


O fechamento de ruas exclusivas para o lazer aos domingos, por exemplo, leva o cidadão a caminhar, andar de patins, skate, de velocípede, jogar bola, ou seja, usufruir esse espaço urbano.

Figura 51: espaços de lazer no Washington Square Park. 108

Fotografia: Paula Maciel, 2014.


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109 FIGURA 52: Placa de rua compartilhada onde diversas atividades acontecem em harmonia no espaço público. Barcelona. Fotografia:

Maria

de

Lourdes Nóbrega, 2013.


Eventos e Intervenções Culturais Os diversos eventos culturais que acontecem nos espaços públicos como shows, performances, encontros, projeção de cinemas, circo, entre outros, ajudam a despertar a atenção da população para a rua como o espaço da cidade, e não apenas como uma via de circulação de automóveis. Convidam o cidadão às Ruas.

SOM NA RURAL (...) Nossa Rural fundamenta-se no conceito básico dos velhos Veraneios de som das cidades do interior, com suas rádios difusoras volantes mandando recados. Só que hoje, conectados, nossa praça é o mundo. E a partir da participação efetiva nas soluções dos problemas de nosso próprio quintal, colaboramos em discussões de temas e questões universais. (...) A LIBERDADE AGORA É MÃO ÚNICA!! Cada curtida, cada post e cada view, são um posto de gasolina e um motor de partida na construção dessa avenida sem cruzamentos, nem meio fio. Abra os vidros, aumente o som e solte o cinto. O Som na Rural está no ar.

110


o programa mais ao vivo em linha reta da América Latina, pois deixou de ser uma gravação para TV na rua, com bandas e onde as pessoas podiam “também” assistir, e passou a ser uma ação de rua e prioritariamente feito para as pessoas participarem. Onde a gente pode “também” gravar. Para tal voltamos a usar o mais antigo modelo de conexão: Gente. Então, deixamos de ser um programa ao vivo para sermos na Vera, de verdade. E com os 10% do conteúdo dessas apresentações que conseguimos registrar e postar, circulamos mais rápido na web do que se tivéssemos uma hora de programa editado e veiculado através do mais moderno espectro de transmissão digital das TVs convencionais. O Som na Rural é feito para uma galera pós controle remoto, coletiva, diversa, inclusiva e espontânea e que não está ali para formar a opinião de ninguém, muito pelo contrário, ela veio pra rua exatamente para expor e deixar bem claro a sua. Por isso, nada mais simbólico do que um velho carro nacional pra resignificar essa nova vontade de rua, sim, porque houve um tempo em que quase nos convenceram a desistir dela. Por isso nosso - literalmente - veículo automotivo de comunicação urbana, em vez de apresentações de bandas, agora promove manifestações públicas, ações políticas que usam a música como voz e a rua como instrumento para discutir a cidade. Texto: Roger de Renor, 2014.

POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

Com humor e a megalomania típica do Recife, dizemos que Som na Rural tornou-se

111


Figura 53: Evento da Rural no Cais da Aurora, Recife. Fotografia: 112

2014.

Nilton

Pereira,


113

POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA


PRAIAS DO CAPIBARIBE O desejo de ocupar os espaços públicos da cidade, às margens de águas como rios, praias e lagoas, somado à sensibilização socioambiental por uma melhor qualidade de vida urbana e às ações artístico-culturais é o que mobiliza o coletivo Praias do Capibaribe, um grupo de cidadãos reunidos em prol da melhoria da qualidade socioambiental da vida urbana por meio da vivência dos espaços públicos às margens de água. As Praias do Capibaribe, como evento, surgiu de um desejo de um grupo de cidadãos em nadar no Capibaribe. Esse desejo amadureceu para uma vontade de refletir sobre como melhorar a qualidade de vida do cidadão recifense, que vive cercado por um rio que reflete os problemas da cidade. Não demorou para a reflexão se tornar universal e abarcar também questões socioambientais do nosso planeta. Em todas as suas ações, as Praias do Capibaribe buscam realizar um evento de artes integradas que carregam em si uma capacidade aglutinadora de pessoas, ideias e reflexões poderosas para discutir a cidade, a partir de demandas que possibilitem a integração de um momento de reflexão (com palestras, debates), de ação (com workshops) e culmine em um momento festivo. Ao longo de suas 23 edições, o evento Praias do Capibaribe realizou ocupações efêmeras em vários pontos do Recife, às margens do Rio Capibaribe, como já deixa bem claro o nome. Em junho de 2014, já se identificando como coletivo, o grupo realizou o Projeto Rizoma, em Natal (RN), após ser selecionado pelo edital ArtePraia, da Casa da Ribeira, quando realizou, na Praia da Redinha - no encontro entre o Rio Potengi e o mar -, ações com o Show de Bolha, famosa bolha inflável em que uma pessoa entra e pode brincar flutuando na água do rio ou do mar, e organizou uma exposição fotográfica da intervenção. 114

Com o intuito de estimular cidadãos a ocuparem espaços públicos com água - seja rio,


melhor para se viver, o coletivo intensifica a cada edição a ideia de construção urbana coletiva. O projeto Praias do Capibaribe surgiu com a realização de praias fluviais às margens do Rio Capibaribe, inspiradas no modelo tradicional de praia oceânica. Agora, a iniciativa amplia os olhares sobre o Rio Capibaribe, as populações ribeirinhas e a apropriação coletiva da cidade e de seus espaços públicos e se expande para todos os espaços coletivos às margens de águas, através do coletivo Praias do Capibaribe. Esse projeto nasceu da necessidade de promover vivências e resgatar o convívio da população pernambucana com o Rio Capibaribe e suas margens, utilizando-se de ensinamentos de eco-cidadania, de forma lúdica, por meio das artes. Desde 2011, diversas Praias foram realizadas de forma voluntária por iniciativa do projeto “Eu quero nadar no Capibaribe. E você?”, juntamente com profissionais de vários segmentos, em parceria com algumas instituições e eventos, tais como o Museu Murillo La Greca, o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), o Ocupe Estelita, o Aurora Eco Fashion e a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e contaram com participações de DJs e bandas, intervenções artísticas, projeções de filmes com temáticas ambientais e debates sobre o rio e a cidade, através da Rádio-Praia. Para mais informações: praiascapibaribe@gmail.com https://www.facebook.com/PraiasDoCapibaribee

POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

mar, lago, lagoa, praças com laguinhos -, refletindo sobre como buscar uma cidade

115


Figura 54: Praias do Capibaribe, Recife. 116

Fotografia: FUNDAJ, 2014.


117

POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA


VAGA VIVA

Quanto espaço ocupa um carro estacionado numa rua? E se esse espaço fosse trocado por uma área de lazer? A vaga viva é uma intervenção dos cicloativistas para mostrar exatamente a usurpação do espaço público por bens privados. Ocupando as vagas que, usualmente são dos carros, para várias atividades lúdicas e culturais, demonstra-se quanto espaço de convivência perdemos ao priorizar o automóvel nas vias da cidade. Em 2012, no Recife, uma vaga viva na Jaqueira ocupou 6 vagas de carros com 30 pessoas, 25 bicicletas, 2 mesas, 8 cadeiras, 2 barracas de camping, 1 colchão inflável e uma churrasqueira. Mesmo que essas 30 pessoas viessem em carros lotados, toda a área de convivência teria sido perdida com estes veículos estacionados (Texto Daniel Valença, 2014).

118


POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

119

Figura 55: Evento “Vaga Viva”, intervenção de cicloativistas em Recife. Fotografia: Israel Costa, 2012.


5 Por uma mobilidade cidad達



Numa escala mais global, o planejamento urbano deve visar a construção de uma cidade facilitadora de deslocamentos. Para tal construção, faz-se necessário uma distribuição e uma mistura bem planejadas de usos urbanos, o equilíbrio e o controle na densificação do território urbano e a promoção de uma maior conectividade da malha urbana, aliados a um sistema de transporte coletivo eficiente e de qualidade.

É extremamente importante conduzir o planejamento urbano e de mobilidade de maneira complementar e não conflitante . 29

As decisões que afetam um, interferem no outro, o que exige uma compreensão clara de como padrões específicos de uso do solo como uso, densidade e configuração da malha afetam os deslocamentos. 29

122

LITMAN, Todd. Land use impacts on transport: how land use factors affect travel behavior. Victoria

Transport Policy Institute. Victoria: 2004.


etapas do planejamento da cidade, garantindo a participação da sociedade nas diversas fases de elaboração e aprovação dos projetos nas diversas instâncias, em especial no que tange a elaboração de projetos que se constituem Polos Geradores de Tráfego, ou seja, grandes empreendimentos imobiliários que irão abrigar inúmeros veículos automotivos. É necessário serem consideradas as especificidades de cada lugar, de forma a garantir a integração dos empreendimentos a serem construídos com a rua, com a quadra, com o bairro, com a cidade, de forma a garantir que a localização do empreendimento possa abrigar as diversas formas de deslocamento, evitando os congestionamentos. É imprescindível que o Poder Público garanta audiências públicas, envolvendo a sociedade no processo de urbanização da cidade, fazendo com que a população exerça sua cidadania emitindo suas preocupações e necessidades, tornando-se assim parte integrante do planejamento urbano.

Precisa ser de comum entendimento que não é apenas o tamanho de um empreendimento que determina se este empreendimento é um Polo Gerador de Tráfego, mas sua capacidade de interferir na qualidade do espaço urbano onde ele está localizado.

POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

O Poder Público precisa promover a clareza no cumprimento das diversas

123


Neste lugar, onde se encontra o empreendimento, a rua é um espaço para pessoas? Um empreendimento não pode comprometer a vida no espaço público urbano superlotando-o de automóveis e não promovendo diferentes formas de deslocamento. Numa escala local, é necessário incentivar o deslocamento de forma segura, sustentável e saudável. Faz-se necessário investir numa boa infraestrutura urbana: ruas que permitam que curtas distâncias sejam percorridas a pé; parques, praças e jardins projetados de modo adequado e que contemplem as necessidades de uso do cidadão, favorecendo a ocupação do espaço público; espaços apropriados e atrativos nas estruturas que abrigam o transporte público urbano. E, ainda, calçadas livres de buracos e choques elétricos; presença de edifícios que dialoguem com o espaço urbano; sinalizações apropriadas. Promover então um

planejamento urbano integrado, de curto, médio e longo prazo, que una os diferentes agentes que atuam no meio urbano: 124


panhia de água e de esgoto, órgãos de trânsito, Prefeitura e Governo, para que haja diretrizes e ações urgentes que visem à construção de uma mobilidade cidadã. Entre outros aspectos, é necessário garantir estudos e eficácia nos projetos citados:

•Projetos de sinalização •Projetos de acessibilidade •Projetos de infraestrutura de redes subterrâneas •Implantação de mobiliário urbano adequado •Projetos para promoção de sombras

O se deslocar de forma segura, de maneira que o espaço público contribua na segurança do cidadão, garantindo sua permanência no espaço urbano. Um espaço que convide o cidadão a deixar o automóvel em casa e que, para isso, se invista numa boa infraestrutura urbana.

O se deslocar de forma sustentável, com investimentos em estruturas apropriadas para convidar o cidadão a utilizar meios de transporte não poluentes, tais como: bicicleta, a pé, patins, etc. Garantindo assim uma menor emissão de gazes poluentes e ruído.

POR UM ESPAÇO PÚBLICO CIDADÃO: A MOBILIDADE E A CONQUISTA DA RUA

concessionárias (energia elétrica, telefonia, redes de internet, TVs a cabo, etc.), com-

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Deixar o carro em casa e utilizar o transporte público também é uma atitude que contribui no deslocamento sustentável. Quanto mais gente utiliza o transporte público, menor é a emissão de gazes poluentes na cidade, mais economia urbana (mais espaços nas ruas para o abastecimento da cidade, logística, trocas comerciais, emergências, etc.). Planos e projetos devem garantir o convite à utilização do transporte público. O se deslocar de forma saudável, convidando o cidadão a andar de bicicleta, a pé ou de qualquer outra forma de transporte não motorizado é um investimento na sua saúde e uma consequente contribuição à economia urbana, investe-se na saúde do cidadão, não apenas no tratamento de suas doenças. Assim, um deslocamento saudável pode ser uma consequência de deslocamentos seguros e sustentáveis.

O planejamento e os projetos elaborados para o espaço urbano devem garantir ao cidadão a eficiência tanto dos diversos meios de transporte quanto das superfícies onde o cidadão se desloca. É preciso resgatar o sentido da rua como espaço para a interação social e não apenas como corredor exclusivo de circulação de veículos automotores.

A rua deve ser tratada como palco principal das trocas sociais contemporâneas. 126


É preciso conquistar as ruas!


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