O GLOBO: DOENTES MENTAIS, CADEIA COMUM

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PÁGINA 12 - Edição: 6/06/2010 - Impresso: 5/06/2010 — 22: 48 h

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3ª edição • Domingo, 6 de junho de 2010

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Para preso com problema mental, cadeia comum CNJ fará inspeção nos presídios para comprovar descumprimento de lei que exige atendimento especializado Carolina Brígido BRASÍLIA. Beijamiro Emídio de Jesus, de 42 anos, em suas próprias palavras, é “um sujeito nervoso”. Para a psiquiatria, ele tem um transtorno mental. Na última crise de nervos, em fevereiro do ano passado, fez uma família inteira refém numa casa em Samambaia, periferia de Brasília, usando uma arma de brinquedo. Foi levado de volta para a Ala de Tratamento Psiquiátrico do Distrito Federal, onde já tinha passado cinco anos. O lugar não é uma cadeia, mas tem as mesmas características: celas cheias, grades aparentes e horário para o banho de sol. Beijamiro divide a cela com 19 pacientes. O ambiente é escuro e sem ventilação. Todos usam somente um banheiro. É neste lugar que Beijamiro faz tratamento médico — e nutre esperanças de, um dia, “ficar bom da cabeça”. A história de Beijamiro acontece com muitos pacientes psiquiátricos presos. Depois que deixou a ala, ele voltou para casa com um relatório médico dizendo que estava recuperado, mas precisava continuar o tratamento. Não conseguiu vaga no sistema público de saúde, nem medicamentos. Começou a beber e, um ano e meio depois, entrou em surto. O chefe da ala de tratamento, o policial Carlos Eduardo Batista, confirma a veracidade do depoimento: — Ele é vítima do sistema. No Brasil, a pessoa com transtorno mental ou dependência química que comete um crime

André Coelho

deve ser internada numa instituição especializada. Hoje, são 25 hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico e duas alas de penitenciárias comuns destinadas a criminosos com transtornos mentais ou dependência química. Estima-se que, nesses locais, haja cerca de 4,5 mil internos. Faltam profissionais, assistência adequada e medicamentos. Mas pode ser pior: criminosos com problemas mentais — psicopatas, inclusive — muitas vezes são levados para presídios convencionais. “A política é jogar o problema para debaixo do tapete” Convivendo com presos comuns e sem o tratamento adequado, o paciente costuma piorar. Para especialistas, um preso com transtorno mental é submetido na cadeia a pena dupla: a privação da liberdade e a falta de atendimento correto. — Se o doente não estiver em tratamento, o sofrimento mental piora, e ele pode pôr em risco a vida de quem está ao lado dele — alerta a psicóloga Fernanda Otoni, que atua no sistema prisional de Minas Gerais. Foi o que aconteceu com Marlon Barbosa, de 44 anos, os últimos quatro passados na ala de tratamento de Brasília. Em 2006, ele matou e esquartejou a mulher num surto psicótico. O juiz o condenou à internação psiquiátrica. Marlon ficou no sistema prisional por dois anos. — Na verdade, eu não sou do crime. Eu não me lembro de nada, eu endoidei. Vim dar fé de

RICARDO LUSTOSA, de 36 anos, preso no Distrito Federal: “A assistência médica aqui é meio devagar”

mim dez dias depois — diz. Há três semanas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) começou levantamento para saber quantos são os doentes mentais e dependentes químicos no sistema prisional. A partir de julho, o órgão vai incluir essas instituições nos mutirões carcerários, para verificar a situação das prisões e do cumprimento das penas. O primeiro estado a ser fiscalizado já está decidido, mas o CNJ não divulga, para evitar a arrumação prévia da casa. Serão feitos três mutirões em hospitais de custódia este ano. O conselho também vai fisca-

lizar presídios para verificar a existência de pessoas com transtornos mentais convivendo com presos comuns. A ideia é transferir esses detentos para hospitais de custódia. Onde não houver instituições especializadas, os internos deverão ser encaminhados a hospitais públicos. O novo modelo de mutirão do CNJ contará com a parceria do Ministério da Saúde e de médicos dos estados para realizar as perícias necessárias. — O CNJ está muito preocupado com essa questão, até porque não há dados confiáveis. A política de hoje é jogar o proble-

ma dos doentes mentais para debaixo do tapete — analisa o juiz Luciano Losekann, que coordena o trabalho do CNJ. A ala de presos com transtornos mentais no Distrito Federal fica numa parte isolada da Penitenciária Feminina e abriga 83 internos em sete celas. Trabalham lá um psiquiatra, uma psicóloga, uma terapeuta ocupacional e um enfermeiro. A estrutura é melhor do que a da maioria dos estabelecimentos brasileiros. Mas ainda é pequena: — Falta estrutura física. Se tivesse espaço, poderíamos ter mais oficinas — diz a diretora

do presídio, Deuzelita Martins. Os internos têm acesso a uma oficina de reciclagem de papel e uma horta. Há também a possibilidade de ter aulas diárias, da alfabetização à 4 a- série. A diretora batalha por um número maior de profissionais no atendimento aos internos. A chefe do setor de saúde, Maria das Graças Neves, conta que às vezes faltam medicamentos. — A gente recorre às famílias. Os internos não passam as mesmas agruras que os presos do sistema carcerário. Mas a ala não pode ser comparada a um hospital psiquiátrico modelo. Preso denuncia que foi estuprado em delegacia No dia 28, o interno Oseas Ribeiro da Silva, de 35 anos, estava isolado numa cela. Acusado de estuprar uma mulher, tinha sido levado para a ala há uma semana e seus companheiros de cela ameaçaram cometer o mesmo tipo de violência contra ele — como acontece com esses presos no sistema prisional comum. — Fiquei com medo e encostei na grade para pedir ajuda. Isso que querem fazer comigo já aconteceu na delegacia e não gostei — protestou ele. — A assistência médica aqui é meio devagar — reclama Ricardo Lustosa, de 36 anos, um dos internos da ala. ■ O GLOBO NA INTERNET

OPINIÃO O que você acha das condições dos hospitais de tratamento psiquiátrico? oglobo.com.br/pais

Perícia define grau de insanidade do criminoso Lei proíbe internações de pacientes mentais em hospitais de custódia, mas não é cumprida BRASÍLIA. O Código Penal determina que, se houver suspeita de que o réu tinha problema mental no momento do crime, uma perícia médica pode ser solicitada. Com os exames, o médico pode concluir que a pessoa goza de plena sanidade mental, que não tinha consciência no momento do crime, ou que se trata de alguém totalmente incapaz de responder por seus atos. No primeiro caso, o criminoso pode ser condenado à prisão. No segundo, é considerado semi-imputável e pode ser condenado à prisão comum ou à internação em hospital de custódia. No terceiro caso, é absolvido, mas precisa ir a um hospital de custódia para tratamento.

Exames para atestar sanidade devem ser anuais Mas nem sempre há cautela com portadores de distúrbios mentais que cometem crimes. Em 2005, Adimar da Silva, o maníaco de Luziânia, foi condenado a dez anos de prisão por violentar duas crianças. No fim de 2009, foi solto, apesar do alerta de laudos médicos. Livre, violentou e matou seis jovens a pauladas em Luziânia. Preso novamente em janeiro, Silva foi encontrado enforcado dentro de uma cela em Goiânia. Em entrevista, juízes de Brasília admitiram falha do sistema. No caso de dependentes quí-

micos, a maioria dos juízes opta pela pena de prisão numa cadeia comum — especialmente porque não há vagas suficientes nos hospitais de custódia. Além disso, um preso comum tem prazo máximo de permanência na cadeia. Quando alguém é encaminhado a um hospital de custódia, a previsão da reclusão é de um a três anos. A lei determina a realização de exames anuais para saber se a pessoatomou consciência de seus atos e se pode ser devolvida ao convívio da sociedade. A reclusão de pessoas com transtornos mentais pode durar até 30 anos, se não for comprovada a recuperação antes disso. Em 2001, foi editada a lei federal 10.216, que instituiu a reforma dos manicômios e proibiu a reclusão de pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes em hospitais de custódia. A lei determinou que internações só podem ocorrer em casos de surtos. Nos demais casos, o paciente deve receber atendimento ambulatorial em hospitais públicos. Por falta de estrutura, a lei não pegou: os juízes continuam mandando criminosos para os hospitais de custódia. Ou para cadeias comuns. — A lei é muito positiva, mas não há estrutura no Brasil para aplicá-la — diz Luciano Losekann, juiz que coordena o trabalho do CNJ. ■

LOTERIAS QUINA: As dezenas sorteadas no concurso 2.312 foram 02, 09, 37, 66 e 67. ●

MEGA-SENA: As dezenas sorteadas no concurso 1.185 foram 02, 10, 21, 35, 43 e 54.

LOTOMANIA: Até o fechamento desta edição, as dezenas não haviam sido divulgadas. ●

•O leitor deve checar os resultados também em agências oficiais e no site da CEF porque, com os horários de fechamento do jornal, os números aqui publicados, divulgados sempre no fim da noite pela CEF, podem eventualmente estar defasados.


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