Transcrição das entrevistas utilizadas na dissertação do autor André Luiz Fronza

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O designer como mediador cultural na ressignificação e circulação do artesanato de comunidades tradicionais TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS Acadêmico: André Luiz Fronza Orientadora: Profª. Regina Lara Silveira Mello


Este documento contém a transcrição de entrevistas semiestruturadas, realizadas entre os meses de junho e agosto de 2019, com três designers consultores e uma coordenadora dos projetos analisados, para a realização da pesquisa acadêmica intitulada:

O designer como mediador cultural na ressignificação e circulação do artesanato de comunidades tradicionais As entrevistas fazem parte da metodologia utilizada na pesquisa, requisito parcial para a obtenção do título de Mestre Stricto Sensu em Educação, Arte e História da Cultura, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo I 2019

Autoria das fotos da capa: André Fronza, Paula Dib e Kaique Rocha


Entrevista SĂŠrgio Matos ............................... Entrevista Renato Imbroisi ........................... Entrevista Eliane Guglielme ......................... Entrevista Paula Dib .....................................

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Sérgio Matos. Fonte: Wellington Jan. Disponível em: http://sergiojmatos. blogspot.com/2014/11/ dias-de-celebracao-com-odesign_44.html. Acesso em: 28 de fev. 2019.

Entrevista Sérgio Matos 18 de junho de 2019 via Skype

Eu tô fazendo pesquisa na área de design e artesanato e, enfim, eu selecionei alguns designers que eu tô querendo entender melhor esses projetos com as comunidades artesãs, que você faz esses projetos de consultoria né. É o seguinte, eu acabei selecionando para a minha pesquisa o projeto que você desenvolveu com o Sebrae do Amazonas que é o de Barcelos, com a comunidade indígena de Barcelos. É, enfim, a primeira pergunta...eu tenho já algumas informações, eu gostaria também que você me confirmasse se elas são verdadeiras ou não. Esse projeto de Barcelos começou em 2014 e terminou em 2016 né!? Sérgio: Não, Barcelos começou em...na verdade foram 3 meses em 2014 de projeto da minha parte, mas o projeto ele continua com o Sebrae. Então deve ter continuado até o ano passado, foi a última vez que eu fui para Barcelos, que eu trabalhei com eles. Eu fiz, desenvolvi duas coleções pra eles. Uma em 2014 e outra em 4


2016/17, não vou lembrar bem, acho que foi em 2017. Só que o projeto tem uma duração longa. Acabou esse projeto do Brasil Original ano passado, finalizado. E quem participou desse projeto? Como você falou, você atuou ali durante 3 meses, enfim, tem uma equipe ali por trás. Eu vi que a Lilian Simons que é a gestora do Sebrae de lá né? Sérgio: Isso, o projeto é do Sebrae, eu sou consultor do Sebrae para desenvolver os produtos nessas comunidades. Então quem escolhe as comunidades é o Sebrae. Eu vou onde eles me mandam para fazer esses produtos. E você lá, você teve outras pessoas, você acabou levando outras pessoas junto com você lá pra atuar nesse projeto? Ou você fez parte da equipe, você teve uma equipe a dispor, como é que foi? Sérgio: Não, eu fui só nessa consultoria. Às vezes, raramente eu levo mais pessoas, porque às vezes o Sebrae não cobre os custos de levar mais ajudante. Então, eu tive, nesses do Amazonas mesmo acho que umas 2 vezes só que levei pessoas da minha equipe pra me ajudar. Não, 3 vezes. Mas esse de Barcelos exatamente não teve ninguém, eu fui só. Foram quantas vezes que você foi pra Barcelos nesses 3 meses? Você ficou um tempo imerso lá? Ou foram várias viagens nesses 3 meses? Sérgio: Eu vou uma semana a cada mês, durante os 3 meses. Então, uma primeira semana pra conhecer, conversar, e ver o que vai ser feito. Na segunda vez para fazer as oficinas já de produção dos protótipos. E a terceira só pra ver acabamentos. Ah legal, é importante que você tocou nesse assunto, qual a metodologia que você utilizou nesse projeto? As etapas todas, se você conseguir descrever elas sequenciais seria legal. Sérgio: Sequencial é difícil. É mais ou menos isso que eu te falei agora. Preciso de uma semana para ir conhecer a comunidade, pra ver tecnica, pra ver tudo isso, o que eles fazem. Eu retorno pro estúdio e a gente trabalha em cima do que foi conversado lá nas comunidades , por exemplo, eu vejo a vegetação lá que tem do lado, eu vejo tipo de matéria-prima, eu vejo as histórias que eles contam e a gente transforma isso em produto. Então eu reuno tudo isso no estúdio e aí sim eu trabalho com minha equipe no estúdio pra desenvolver esses produtos que eu levo 5


depois pras comunidades em formato de rendering. Entendi, então é criado no estúdio mesmo em Campina Grande? Sérgio: Exatamente. E aí a produção é feita depois, em seguida, no outro mês seguinte é produção, fazer a adequação do que a gente pensou, e a última é só acabamento. Nesse caso foi a comunidade que solicitou a ação do Sebrae né!? Você sabe me dizer isso ou não? Sérgio: Na verdade todas essas associações são cadastradas no Sebrae e recebem um apoio do Sebrae pra ir pra feiras, pra comercialização ou feiras mesmo do Sebrae. Essa, o Sebrae visitou todas as associações e identificou a que tinha um perfil mais empreendedor. Esse perfil mais empreendedor que o Sebrae selecionou essa comunidade pra fazer o projeto. Ah entendi. Voltando na metodologia, nessas etapas que você acaba seguindo nesses projetos, você chega a utilizar algum teórico como base? Ou não? Isso foi prática mesmo que você chegou nessa metodologia? Sérgio: Não, isso eu aprendi na universidade. Eu fiz curso de Desenho Industrial e a metodologia é a que foi passada dentro da universidade. Eu não vou saber dizer aqui nome dessa metodologia pra você, que não vou lembrar mais. Mas essa da prática de ir, visitar, conversar e tudo isso, eu que acho que seria interessante, até por respeito a comunidade. Não posso chegar lá e fazer qualquer coisa que não tem nada a ver com eles. Principalmente comunidade indígena que tem uma identidade muito forte. E aí não posso alterar essa identidade deles, não posso alterar matéria-prima, não posso alterar tramas, né. Tudo que a gente faz é em cima do eles me contam ou do que eu vivenciei nesses dias, nessa uma semana que passei com eles. Aí o projeto fica com toda a identidade amarrada pra cada etnia que a gente trabalha. Entendi. Eu vou te mandar aqui pelo Skype, que eu tenho uma foto do artesanato que é produzido lá. Quando você chegou era esse artesanato mesmo que é produzido lá, né!? Não sei se você recebeu a foto que eu mandei agora pelo chat. Acho que tá indo agora. Agora que foi. Sérgio: É, essas de piaçava elas produzem, essas de arumã não. Elas compram de outras comunidades. 6


Ah entendi. E depois do projeto você desenvolveu essa coleção com elas né!? Sérgio: Essa foi a primeira coleção, eram 12 mulheres. A coleção foi baseada na vitória-régia e bom, foi a primeira vez que elas produziram peças maiores, então teve muita resistência, tem tudo isso. É o que eu percebi, antes de você entrar no projeto, pelas fotos ali, eram peças menores e aí depois você fez elas maiores. Projetaram peças maiores né!? Sérgio: É, o que a gente pensou pra esse projeto, é que essas comunidades pudessem realmente ganhar dinheiro com o artesanato. Então nós pensamos em mudar o foco do público, então não são mais feiras de artesanato da cidade delas, ou de Manaus. A ideia é elas venderem esses produtos pro mercado de decoração, principalmente o mercado de alta decoração, que é o que pode pagar o preço dessas peças, o preço de verdade. Se elas fossem vender as peças desse tamanho na cidade delas, o povo vai achar que é loucura por causa do preço. Aí elas acabam... antes disso elas trocavam o artesanato por comida, por roupa usada, e essa não é a ideia pro projeto, que elas possam ser auto suficientes, como esse grupo de Barcelos, que é o melhor que eu trabalhei. Eles hojes são totalmente independentes de mim, do Sebrae. Entendi, foi então uma mudança de mercado mesmo né!? Sérgio: Uhum. Então, acho que você já respondeu um pouco, mas, como foi trabalhado essa inovação pra tornar contemporâneo esses objetos sem perder a tradição? Você acha que manter a técnica, manter o material que é piaçava, isso são formas de trabalhar a inovação, enfim, mexer o formato mas sem perder essa tradição? Você acha que é isso? Sérgio: É, acho que o mais correto seria pra eu manter a identidade e a tradição, eu preservo isso da identidade deles, da trama. Então a trama é a mesma que os ancestrais deles já usavam. A matériaprima é a mesma que eles têm conhecimento. Eu entro com a parte de inovação realmente, na verdade, é bom até ressaltar, eu sou co-autor dessas peças. Eu não sei tramar, essa identidade não é minha é deles, que eu uso, eu transformo isso em produto. Então eu entro com a parte de inovação, fazendo os produtos, como eles não conhecem esse mercado, mercado de decoração 7


por exemplo. Primeiro, eles não sabiam nem o que era fruteira. Sim, eu lembro de uma palestra que você falou isso, que eu assisti Sérgio: Aí eu tento trazer, eu trago a minha visão desse mercado e uno com a tradição deles e aí transformo isso num produto. Não sei se isso seria encaixado como inovador, mas isso é…. é uma mudança, uma adaptação de mercado na verdade, do que eles fazem. Quando você foi contratado pelo Sebrae, qual era o briefing do Sebrae quando eles te chamaram? Qual o problema que você tinha que resolver? Segundo o Sebrae Sérgio: No início eles queriam… me contrataram por causa dos meus produtos do estúdio, porque eram coloridos, porque tinha o lance da identidade do Nordeste, e eles queriam que eu fizesse esse trabalho lá. E eu conversei com eles e disse que não seria dessa maneira porque, eu, como te falei agora, eu não posso mudar a identidade dessas comunidades né. E aí eu falei, me dê uma semana, e aí que começou esse lance de uma semana antes, me dê uma semana para conhecer a comunidade, conversar né, e pra interagir com elas e daí sim eu tirar o conceito das peças. Então não vai ser nada colorido porque não é a identidade deles, né, mas foi pensado dessa maneira. Não sei se… Mas o Sebrae já vinha com essa ideia de vamos mudar de mercado? Eles já tinham essa visão mesmo? Sérgio: Uhum, essa é uma visão do Sebrae nacional, esse projeto Brasil Original foi colocado justamente pra isso. Não pra mudar o foco do mercado, mas pra fazer produtos que realmente sejam atraentes pro público. Pras...nas feiras. E aí consequentemente, a grande maioria, tem gente que trabalha com moda, outros designers trabalham com moda nessas comunidades, tem gente que trabalho com produto. Eu, como minha experiência é em decoração né, eu projetei os produtos todos pra que fossem produzidos pra esse setor. Você tinha comentado que é criado as ideias, enfim é criado ali dentro do estúdio que você tem. Então o processo criativo não é exatamente no lugar, ele é aí no estúdio. E as artesãs são envolvidas nisso ou não? Como é que funciona esse processo criativo? Sérgio: Não, as artesãs não são designers né. Não tem como 8


elas criarem um produto, elas não sabem metodologia. Por isso que chamam os designers pra fazer isso junto com elas. É lógico que eles tem o design deles, o vernacular, que é algo da tradição deles, que eles têm desenhos que são coisas lindas também né. Mas se você colocar uma senhorinha para criar um produto ela não vai conseguir. Pra nós designers já é difícil às vezes, imagina pra quem não tem um conhecimento disso. Então você de fato só vai, inicialmente conhecer de fato as limitações do material e da técnica, e trás isso depois no processo criativo, que é interno o processo seu, né? Sérgio: Exatamente, mas tudo em cima da identidade deles, de cada um. Sim, da identidade visual própria da comunidade né!? Sérgio: É, não só visual, mas até imaterial você colocaria aí, eu colocaria as histórias, as lendas que eles me contam, o que cada folha representa pra eles, o que o rio representa. Eu trago todas essas histórias daí pro estúdio gravadas e aí a gente trabalha em cima disso. Pensando nessas histórias. E depois de desenvolver esse projeto existe um acompanhamento aos grupos, depois da ação? Você teve algum contato, por exemplo, com a comunidade, depois? Sérgio: Todas as comunidades, mas eu… o que que faço é aproximar eles desse mercado. Como eu tenho muito contato com lojistas, a gente monta um catálogo no final das consultorias e envia para todas essas lojas com o contato da artesã. E aí eles negociam entre eles mesmo. Eu só apresento. O Sebrae entra depois com outras consultorias pra ensinar elas a fazer preço, pra ensinar administração, pra ensinar a tirar nota fiscal, pra tirar foto, manejar redes sociais, então tem várias outras ações, e também com feiras, participações em feiras, o Sebrae leva elas para algumas feiras no Brasil. Tipo Fenearte, em São Paulo e por aí. Certo, isso tem uma pergunta também sobre isso mais adiante. Depois do projeto, as artesãs elas produzem exclusivamente esses objetos, que foram produzidos, ou elas ainda, algumas ainda produzem artesanato de antes, é um mix? Sérgio: Produzem, é um mix. Todas as comunidades produzem o artesanato tradicional e elas tem um público pra isso que elas vendem, elas vendem nas cidade delas. E produzem essas outras 9


peças pra esse mercado que paga mais por isso. Entendi, então essas peças pequenas que mostrei antes elas continuam produzindo pro mercado local… Sérgio: Produzem. … e essas peças maiores pro mercado externo. Sérgio: Exatamente. Sobre a sua atuação, você recebeu algum retorno da comunidade e do Sebrae, que fomentou o projeto? Se sim, poderia comentar sobre? Sérgio: Que retorno? Que tipo de retorno? Retorno do tipo, se foi bom, as vantagens, enfim, o retorno que você acha que é válido aqui… Sérgio: Pras comunidades? Ou pra mim? Se você recebeu algum retorno da comunidade e do Sebrae sobre esse projeto? Sérgio: A respeito do meu trabalho. Isso, é. Sérgio: É, eu sei do que o Sebrae fala né, e ele fala pra lojistas, fala pra pessoas que vistam lá, ou pra pessoas interessadas em artesanato, eles contam isso. Que o projeto deu certo, que as mulheres vivem disso, que a gente mudou o foco. Que os produtos foram aceitos no mercado. Tanto até que, em Barcelos, eles tão pegando pedidos só pra 2020, esse ano eles tão comprometidos já com pedidos. Então, esse é um grande sinal positivo acho, de toda essa consultoria. A independência dessas comunidades, isso que é o grande resultado pra mim. Você tinha comentado que o projeto foi pensado em vim para outro mercado. Quando as peças estiveram prontas, pra onde o produto foi primeiro? Foi para… Já tinha um lugar definido? Tipo, vai pra uma loja específica? Ou para uma exposição? Ou para um editorial de revista? Isso já tinha sido pensado? Sérgio: Não, a única coisa que tinha sido pensado era a feira de decoração Paralela em São Paulo. Esses produtos foram 10


lançados nessa feira. Aí foi um artesão de cada comunidade pra comercializar esses produtos. Nessa primeira feira, Barcelos, eu tinha visto com eles, eu tinha perguntado a eles… eu tinha perguntado a eles se… quanto que eles imaginavam que iriam vender nessa feira, eles achavam que iriam vender em torno de 3 mil reais. O primeiro pedido foi de R$ 80 mil. No final da feira todo o grupo tinha vendido R$ 134 mil, é lógico que elas não conseguem atender um pedido desse, com 12 mulheres, o pedido foi reduzido, foi pra R$ 30 mil, e aí sim elas puderam atender. E aí elas pegaram exclusividade com uma loja, que é a Artefacto durante 1 ano, elas produziam só pra a Artefacto essas peças. E era um volume grande, era esse pedido de R$ 80 mil, que aí foi reduzido e a Artefacto comprou novamente algumas vezes. E agora elas tão comercializando com o pessoal da Rima Casa. Tá comercializando as peças delas. E como elas tavam com esses produtos comprometidos a gente desenvolveu uma segunda coleção, que é essa coleção chamada Buriti. Ah tá, entendi, essa segunda coleção foi a Buriti. Sérgio: Exato. É, eu até cheguei a encontrar uma informação, eu até mandei agora a foto pra você, da feira Paralela que foi em agosto de 2015, que daí foi lançado de fato pro mercado esse produto, né? Sérgio: Isso, essa mesmo. Entendi. E você considera importante que a primeira exposição do objeto seja num museu, numa galeria de arte ou numa exposição, numa loja um pouco mais chic? Você acha importante isso pra aumentar...pra circular de fato o produto? Pra dar visibilidade? Sérgio: Isso pode ser importante pra dar visibilidade, mas o foco do projeto é mercado. Então, lançar numa loja legal, se a loja for legal e essa loja comprar os produtos, não querer em consignação isso é bacana. Agora se for só lá pra expor dentro da loja, não acho interessante. Artesão vive disso, ele não tem como emprestar peças, ele não tem como custear peças numa exposição de uma loja. E eu acho que o ideal pra lançar e que atinge um público maior são feiras de design, feiras de decoração. Entendi. Então, falando sobre feiras de design, feiras de decoração. Eu vejo muito um movimento da presença desse artesanato nas exposições na Itália durante a Semana de 11


Design de Milão, você acha que isso é preciso pra impulsionar a circulação dos produtos no mercado? Levar isso pra fora do Brasil? Sérgio: Isso é uma tática de mercado da Rima, que é que tá comercializando as peças delas. A Rima quer atingir o mercado europeu, foi uma oportunidade pra eles. Eu acho que eles vão fazer os Estados Unidos, na Maison & Object. É uma estratégia de mercado da Rima, não da comunidade. Sim, entendi. Já é um outro mercado também? Sérgio: Exatamente. Quando você chegou então, elas produziam esse artesanato pro mercado local? Era só Barcelos mesmo? Ou cidades em volta alí? Sérgio: Barcelos, no máximo em feiras em Manaus. Ah, na capital também? Sérgio: É, isso. Então ficava restrito ao mercado local e o consumidor era turista? Ou era os moradores mesmo? Sérgio: Turista, Barcelos tem turismo de pesca. Aham, sim, eu até iria dizer, tem festival né? Sérgio: Vem gente do mundo todo, pra Barcelos pra pescar, e elas vendiam pra esses turistas. Ah entendi, porque eu vi que eles tem o Festival do Peixe Ornamental né? Sérgio: Isso, é a principal festa delas. Ali elas comercializavam a maior parte? Sérgio: Isso. Você falou sobre também…essa criação de novos produtos ela foi de fato pensada pro mercado classe média/alta de grandes cidades? Seria esse o novo mercado/público? Foi isso? 12


Sérgio: A gente...bom, pelo preço acabou ficando pra classe média, pra classe mais alta, pelo preço da peça. Porque são muitas horas de trabalho, elas nunca tinham feito o cálculo de quanto tempo elas levavam pra produzir uma peça, então faziam por achar. Aí como entrou um consultor pra calcular as horas o preço dessas peças, elas saíram de um ticket de R$ 5 a R$ 15. Pra, vai de R$ 150 a R$ 200 até R$ 1.600, cada peça. Entendi, é aí acabou mudando o público. Sérgio: Não é qualquer público que vai comprar. Mas então não tinha sido exatamente pensado esse público/ mercado, foi uma coisa que foi acontecendo durante o projeto? Sérgio: Na verdade a gente pensou no mercado de decoração em geral né. Mas não foi pensado em classe social. Então não foi pensado também pra onde iria, se era especificamente lojas, feiras, exposições? Sérgio: Não, foi pensado para lançar nessa feira de decoração. E aí eu sei que nessa feira de decoração vão todos os lojistas interessados em design, que são feiras que eu já participava. Então mais ou menos eu sabia, não sei se intuitivamente, eu já sabia que tipo de público que frequenta a feira. E pra quem são destinados esses produtos. Bom, acabou mudando o mercado, acabou saindo do local e foi pra cidades mais distantes. Levando em consideração essa venda pra um local mais distante você percebe que a distribuição é um problema enfrentado pela comunidade? Se sim, você atuou no sentido de tentar resolver ou minimizar isso? Sérgio: Não, não tem como atuar nisso não. O Amazonas, pouca gente conhece bem o Amazonas, então tem...são distâncias enormes. Tem artesã que pra chegar na primeira cidade elas viajam em torno de 5 [dias] a 1 semana de rabeta pra chegar na primeira comunidade. Eu pra chegar em algumas comunidades também viajava 3-4 dias, então a logística lá é bem complicada. Uma coisa que facilita elas são Correios, elas despacham as mercadorias delas pelos Correios. Se é um volume maior manda pra Manaus e de Manaus despacha pra uma transportadora. Mas isso tudo elas aprenderam no projeto. Entendi, junto ali com o Sebrae, com a outra parte da atuação do Sebrae. 13


Sérgio: Isso. Você tinha falado que você teve também uma participação no sentido de promover contatos da comunidade com o mercado de forma direta. Você divulgava pra lojistas? Pra lojas? Como que era? Sérgio: Foi isso que eu te falei anteriormente, a respeito do catálogo. No final a gente enviava pra todos os lojistas que a gente conhecia que pudessem comprar essas peças. No catálogo tem o telefone de cada associação, de cada artesã que produz, e a loja faz contato direto com eles e negociam entre eles. Ah legal, entendi. Era um catálogo digital disparado por e-mail? Sérgio: Uhum, exatamente. Você teria como enviar isso pra mim, esse catálogo? Sérgio: Cara não sei se eu tenho esse catálogo mais, é de 2014. Tenho que pesquisar, mas vou ser bem sincero eu não vou ter tempo. Talvez a Suelly possa encontrar isso pra você. Posso pedir pra ela? Sérgio: Pode. Tá, então eu mando e-mail pra ela daí pedindo isso, se ela poderia me ajudar nisso. Então, você falou da Artefacto, da Rima, que são as lojas hoje que elas desenvolveram projetos, produziram pra atender a demanda dessas lojas, é isso? Sérgio: Pessoal de Barcelos sim, hoje elas comercializam em outros lugares também, pra outros lojistas. Como elas participam da Fenearte, Fenearte também vem lojistas do Brasil todo. Então elas comercializam também, não tem uma exclusividade. Só que com o volume de pedido que a Rima Casa fez elas não tem outra opção a não ser só produzir pra Rima, porque o volume é muito grande. Entendi. A Rima é de São Paulo né? Ou não? Sérgio: É de São Paulo. A Artefacto também né? 14


Sérgio: A Artefacto também. A Artefacto tem em São Paulo, tem no Brasil todo loja, tem em Miami. Entendi. Sérgio: As peças delas foram pra Miami, são vendidas lá também pela Artefacto. Ah legal, acabam levando pra outros países. O uso das mídias sociais, o Instagram e Facebook, pra divulgar o projeto, que eu sei que você divulga bastante, eu acompanho isso. Promove o contato da comunidade com o mercado? Você recebe mensagens de pessoas físicas ou lojistas via mídia social querendo comprar esses produtos? Sérgio: Sim, recebo e encaminho o telefone de cada artesã de quem... do produto que eles tão interessados. A gente tem uma jornalista que escreve os textos, a respeito desses projetos, e as fotos, as fotografias sou eu que faço, e bom isso ajuda bastante na divulgação das peças. Até mesmo antes da gente lançar as peças as meninas já tinham pedido de produtos, já aconteceu algumas vezes isso. De eu estar dentro da consultoria, fazer uma foto, colocar um texto, e antes de lançar o produto elas já tinham gente interessada em comprar. Ah interessante. Você consegue dizer pra mim quais pontos...se tem alguns pontos de venda de São Paulo que comercializaram ou que comercializam esses produtos? Além desses que você citou? Sérgio: Artesol. Artesol aham. Sérgio: Artiz. Artiz a loja da Artesol né? Sérgio: É, tem uma outra ali na...não vou lembrar, nos Jardins... A Dpot Objetos? Sérgio: Ela vendia algumas mas não era da...acho que não vendeu do pessoal de...sim vendeu. A Dpot vendeu...tem uma outra que não vou lembrar. Fica ali nos Jardins, eu não vou lembrar qual é, perto da Oscar Freire, por ali, uma rua acima. 15


Ah tá acho que eu sei mais ou menos. Sérgio: Ela até tem até loja no aeroporto tudo, eles compram... Ah a Fuchic? Sérgio: Isso, essa mesmo. Ah eles também vendiam ou vendem, não sei também. Esse negócio de venda e de distribuição é a própria comunidade que resolve mesmo, não é o Sebrae né? Sérgio: Não, nunca foi o Sebrae, sempre...elas foram treinadas pra que elas pudessem se manter sozinhas e…no início elas ficavam meio que querendo ser dependentes, aí faz isso pra mim, leva isso aqui pra mim, a gente deixou elas...preparou elas e elas que despacham toda a mercadoria, elas que tiram nota fiscal, elas falam com cliente por e-mail, por WhatsApp. Então elas manejam tudo isso. E é justamente isso que a gente queria, que elas fossem independentes ou de mim ou do Sebrae. Autonomia. Sérgio: Isso. Tá, então elas fazem tipo...a Artefacto, a Rima, entram direto em contato com elas pra fazer pedido… Sérgio: Tudo com elas, isso. Direto com elas. É com a Dinalva mesmo que faz, ou não? Sérgio: É a Dinalva é a administradora lá do grupo. A liderança? Sérgio: É a liderança, ela que comanda na NACIB. Entendi, e pensando ainda na circulação dos artefatos, desse objetos, desse artesanato. O que você acha que mudou na vida dos artesãos depois do projeto? Sérgio: Acho que é bem visível isso. A maioria hoje tem uma vida mais digna. Não precisa trocar artesanato por comida, não precisa trocar artesanato por roupa. Você vai nas casas deles e aí eles...é interessante que eles começam a mostrar o que que eles compraram com o dinheiro do artesanato que eles venderam, 16


compraram uma moto, compraram tv, compraram coisas pra... Por exemplo, teve uma outra em São Gabriel da Cachoeira que chegou a comprar um carro pra comunidade, com o dinheiro do artesanato. Então é esse tipo de mudança que a gente vê, e também na mentalidade delas hoje. Elas são totalmente empreendedoras, conseguem enxergar mercado, conseguem entender o que o mercado quer, qualidade que esse mercado exige, tudo isso elas entendem já. Uhum, elas já tem...é eu percebi um pouco pela Dinalva, porque eu fui na palestra de vocês, e eu vi que ela já...vendia muito bem o produto, ela já tinha esse espírito de empreendedora. Sérgio: Vende. Ela é, e ela conta toda a história de cada produto, e as pessoas se encantam mesmo por isso. Além do produto, da forma, mas ela conta de onde vem o conceito, de onde veio, onde foi produzido, quem produziu, tudo isso conta na hora de uma venda. Uhum, voltando ali na parte da circulação, da distribuição dos produtos, tem um agente específico no projeto, provavelmente do Sebrae, que pensa isso mesmo, de distribuição, ah de pensar numa feira pra levar elas, ou pra dar apoio. Tem algum agente específico pra isso? Da circulação? Sérgio: Pelo Sebrae não, o Sebrae tem só capacitação pra isso, eles chamam administradores, ou alguém que trabalha com foco no mercado, são consultores do Sebrae, cadastrados pelo Sebrae e eles capacitam elas. Mas não o Sebrae designar uma pessoa pra fazer esse intermédio, a ideia é que não tenha intermediário. Última pergunta, você acredita que projetos desse tipo, que unem, designers, artesãos, e essas instituições que acabam mediando, no caso aqui o Sebrae, esses projetos promovem a integração de territórios no Brasil e uma busca pela identidade nacional? É um pouco complexa essa pergunta Sérgio: É, a parte do território eu não saberia te responder, se integra território. Porque cada grupo é distinto, cada etnia é distinta, não sei elas...principalmente as etnias, elas não gostam de trabalhar juntas, a diferença é só em Barcelos que são três ou quatro etnias que trabalham juntas e super bem. Mas o restante elas não gostam de trabalhar juntas, tipo Tukano não quer trabalhar com Desana, ou não quer trabalhar com Kuripako, tem meio que uma...um fica com o pé atrás do outro, um fica falando mal do outro. 17


Tem uma rixa aí. Sérgio: Isso, mas normal, normal. Tem ciúmes, tem tudo isso. Então não se integraria território, não sei se isso se encaixa. Mas você acha que talvez integra sei lá o Amazonas com São Paulo por exemplo, o mercado... Sérgio: Sim, aí no caso se elas vão pra uma feira vai o Amazonas pra feira, pode ser dessa maneira, não sei. Entendi, e essa busca pela identidade nacional, você acha que é uma...esses projetos eles promovem isso? Sérgio: É lógico que é uma identidade… Regional né? Sérgio: Nacional, é regional...nacional porque faz parte do território, mas não foi pensado exatamente nisso, foi pensado na identidade do grupo. Não tava pensando “ah isso vai ser identidade brasileira”. Não, vai ser identidade de cada grupo, é lógico que isso acaba fazendo parte da identidade brasileira porque a origem da identidade brasileira está nesses povos também. Entendi. Bom, era isso a pesquisa, agradeço muito pelo tempo disponibilizado. Sérgio: Valeu André. A sua contribuição foi gigantesca pra esse projeto, e enfim tem essa parte burocrática, chatinha que eu te falei de assinar o termo de consentimento, que é só pra você estar ciente que o áudio foi gravado e que é usado único e exclusivamente pra pesquisa acadêmica, sem… Sérgio: André você pode enviar isso pra Suelly e ela providencia. Sim, eu já mandei pra ela, por e-mail. Sérgio: Tá bom, beleza.

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Renato Imbroisi. Fonte: Canal Curta. Disponível em: http:// canalcurta.tv.br/ filme/?name=renato_ imbroisi. Acesso em: 23 abr. 2019.

Entrevista Renato Imbroisi 03 de julho de 2019 presencial

Eu acabei escolhendo o caso da carnaúba que você fez lá no Ceará, junto com as comunidades. Então, as primeiras perguntas são mais focadas pra entender a equipe, a atuação e tudo mais. Pelo que eu entendi foi a Ambev que entrou com a parte financeira, ela que contratou… Renato: Isso. ...o museu A CASA, e daí o museu A CASA contratou você, é isso né? Renato: Exatamente isso. Porque você tem um bom trabalho ali dentro do museu né. Esse projeto aconteceu quando? De você ir lá no Ceará e fazer isso, foi em que época? 19


Renato: Então, foi assim, eu já conhecia a região. Eu já tinha feito uma outra pesquisa, assim no Ceará eu já fui muitas e muitas vezes, desde a minha adolescência, conheço bem o Ceará. Mas o próprio museu A CASA me chamou...era ainda uma pesquisa pra um outro projeto que talvez um dia eles venham fazer que não era só o Ceará mas era um projeto de pesquisa, fui pro Rio Grande do Norte e Ceará, muito em busca da carnaúba, de pesquisar a carnaúba... A matéria-prima em si? Renato: A matéria-prima, eu já tinha trabalhado no Rio Grande do Norte, bem no sertão do Rio Grande do Norte pra um outro projeto pro Ministério do Desenvolvimento Agrário, então é uma região que eu conheço bem. Quando a Ambev junto...porque na verdade foi...uma das pessoas que trabalha dentro do museu que vendeu, que negociou essa…. Esse projeto. Renato: Esse projeto, porque foi um projeto de lei, incentivados. E aí, como eu venho fazendo várias curadorias e projetos pra CASA né, eles me chamaram pra fazer a direção. E aí eu fui era numa região de Jaguaruana, essa é região é uma região que tem um polo de carnaúba, de muito carnaubal, que é o Baixo Jaguaribe, mas também tem uma força muito grande nas redes, na tecelagem manu...na tecelagem que nem é tanto hoje em dia mais manual, é uma tecelagem industrial, algumas etapas da rede são feitas manuais, como punho, como a varanda, algumas coisas são feitas assim. E é quase que você não vê mais, não encontra mais o trabalho artesanal de rede, como outras regiões do país que conheço também que já trabalhei, Piauí, Minas, enfim com rede. Bom, aí, a ideia foi, sem dúvida, beneficiar pessoas que estão com essa cadeia produtiva da carnaúba, especificamente numa região aonde a Ambev atua que…. Que já tava com os poços? Renato: Que já tava com os poços ali na região de Jaguaribe, Jaguaribe não... Jaguaruana? Renato: Jaguaruana. É que é Baixo Jaguaribe. Então o que que aconteceu, esse lugar, que é Sítio Volta, pouco...não é que domi...é assim, tinha um pequeno domínio da…. 20


Da carnaúba? Renato: da carna...não da carnaúba assim. Do artesanato com carnaúba, pouco desenvolvido, como outras regiões no entorno que é Itaiçaba, Palhano, esses dois eles tiveram muito mais ações com outros designers e com outros órgãos, como é o caso do Sebrae, já tiveram muitas ações há 10,15 anos atrás, consultorias, melhoramento. Tiveram aulas de pigmentos vegetais, de tingimento, de novos produtos e tal. E por coincidência nessa minha primeira viagem quando eu fui, independente desse projeto, eu cheguei em Itaiçaba e conheci as pessoas e eram artesãs que trabalhavam, que trabalharam com amigas minhas de lá, do Ceará né, como é o caso da dona Niomar, Perpétua, são duas pessoas que trabalharam muito lá com eles. O Ceará tem uma força grande, o Ceart, que é o Centro de Artesanato do Ceará...espalhou o Ceará inteiro, era um programa de governo, depois de programa de governo junto com o Sebrae, teve muito apoio, sem dúvida. Abriram várias lojas, essas lojas organizaram a produção, qualificaram durante muito tempo. Cheguei num momento em que estava um pouco parado, no sentido...é que assim, eles já tinham feito e tava um período de um intervalo, não tinha ninguém trabalhando nesse momento, isso da primeira vez. Quando a Ambev… Isso foi quando? Renato: Isso foi uns 4 anos atrás. 4 pra 5 anos atrás. Quando a Ambev pediu que fosse para Sítio Volta e, tem outro lugar que eu esqueci… Sítio Caiçara? Renato: Não, Sítio Volta... Sítio Caiçara e Santa Luzia que são os distritos. Renato: Santa Luzia. Sítio Volta e Santa Luzia, esses dois, eles têm…Assim, faziam uma coisa muito simples, simples no sentido assim, faziam a vassoura, fazem o chapéu, e essas duas peças… Esteiras? Renato: Esteira nem tanto, mas esses dois numa quantidade muito grande assim com um custo muito baixo. São volumes… Eles vendiam por cento? 21


Renato: É, por cento, por milheiro, coisas de centavos. Mas com a qualidade muito inferior, e aí o que foi falado pra esses dois especificamente e o que se levou de opções de desenvolvimento na área de trançado, na área de cestaria mesmo, trançado de cestaria, gestão, design de produtos, eles então tiveram essas capacitações, mas nesse entorno desses outros povoados vizinhos que é o caso de Palhano e Itaiçaba que já tavam mais desenvolvidos que já teve vários outros… Desenvolvidos porque já teve outros projetos. Renato: Que realmente atende o mercado mais qualificado, achei que era importante ter esse diálogo entre eles... Ai teve essa troca entre comunidades? Renato: Trocas, a gente fez um seminário de conversas, troca de conversas, olhar o que os outros tão fazendo, esse Itaiçaba e Santa Luzia, ver quais são as possibilidades, porque é tudo muito próximo, é 10-15 quilômetros, são pessoas que se conhecem, pessoas que têm parentes, circulam entendeu. Sim, o mesmo estilo de vida né. Renato: É, eu acho que era importante ver e dar assim, opções pras pessoas escolherem, se realmente tem interesse nessa capacitação. Só que é diferente daquele trabalho de centavos e quantidade, mas que vai precisar… Agregar valor. Renato: Agregar valor, vai precisar tingir, os cestos eram cestos maiores, outras fôrmas, outros acabamentos e tal, bom, isso foi o que foi feito tá. Mas ao mesmo tempo o projeto era um projeto específico de exposição né, porque… É isso que eu queria chegar. Renato: É um projeto expositivo, é um projeto relativamente curto porque foi nem 1 ano. É então, qual é o tempo? Ele foi...em 2017 que você foi pra lá? Ou foi em 2018? Renato: Não, eu fui a primeira vez em 2017 pra fazer um levantamento, um diagnóstico pra apresentar a proposta, só que eu já conhecia a região e aí eu expliquei que era importante isso. 22


Renato: Eles, tanto o museu A CASA quanto a própria Ambev deixou em aberto, mas sempre dizendo que o principal foco era onde tava o poço, naquele em torno deles, que é Sítio Volta na verdade. Nem Santa Luzia, porque Santa Luzia já fica a uns 20 quilômetros de distância. O foco era ali, mas o número de pessoas capacitadas, o número de pessoas de interesse era um número muito pequeno em relação ao todo, entendeu? Ah tá. Renato: Então a gente fez isso, como eu fui curador, como eu pensei no projeto expositivo e tudo, eu achei importante eles verem isso né. Eles sentirem essa mudança, esses…não que eles não conhecessem, mas era uma provocação de uma participação mais ativa deles com os outros, entendeu? Ah tá, então você foi em 2017 pra fazer o diagnóstico e depois em 2018 voltou pra consultoria? Renato: Então, aí eu voltei, porque 2017 eu fui em junho ou julho, porque ainda tinha que escrever o projeto, levava esse tempo de aprovação e tudo, e foi aprovado no final de 2017, em dezembro de 2017. Então a gente começou a atuar em janeiro de 2018, aí eu fui pelo menos umas 4-5 vezes, eu fui quase...janeiro, fevereiro, março, assim... Num período de 1 vez por mês assim? Renato: Não, num período de janeiro até...porque a exposição se não me engano abriu em… Foi em setembro. Renato: Em setembro, não foi? Dia… Foi 6 de setembro. Renato: 6 de setembro, começo de setembro. Então a gente tá falando de janeiro à julho, porque agosto… Tem o tempo de produção. Renato: É o transporte disso vim pra cá e montagem da exposição, foi o que aconteceu. A gente tá falando de 6 meses, entendeu? É um período super curto. 23


Renato: É um período curto, porém um período muito focado numa exposição. Sim, então...é isso que eu queria entender. Renato: Aí, depois que acabou a exposição, que colocou a exposição, eu não fui mais. Eu tive várias outras viagens. Sim, outros projetos. Renato: Outros projetos, eu tive muito, nesses projetos na África, onde eu costumo ir muito, e mais eu sei que o pessoal do museu A CASA tá ou continuou indo algumas vezes. Por quê? Porque o museu também é uma porta de abertura de mercado, porque muita gente foi até o museu pra fazer compra, a exposição era uma exposição e venda, aberturas de mercado, muita gente foi, e aí...eu...como eu não voltei mais, e esse período...que a exposição ficou até nov...se não me engano até novembro… Novembro. Renato: Novembro né, em dezembro eu tive uma outra exposição de outros projetos e janeiro, esse ano, esse primeiro semestre inteiro quase que eu tive fora né, fora de São Paulo. Então não sei como tá. Não conseguiu acompanhar isso. Renato: Pós a exposição. Mas o museu em si foi? A equipe? Renato: O museu em si foi, alguns técnicos foram... Continuaram dando assistência Renato: Acredito que o museu continua comercializando, apoiando. Sim, isso eu já estive lá conversando um pouco com...enfim, tá lá sendo vendido ainda as peças. Renato: Tá né Tanto até que eles falaram que é a terceira vez que eles tavam… Renato: Fazendo algumas compras. 24


Tavam..exatamente, tavam comprando. E eu achei interessante, mas enfim depois mais pra frente eu falo. Então tá, foi em 2018, que foi ali esses 6 meses de atuação, e aí depois teve a exposição, então foi um projeto já pensando em exposição? Renato: Foi. Totalmente já pensando? Renato: 100%. Ah entendi. É que é diferente dos outros casos que tô estudando. É justamente por isso que peguei esse. Renato: É porque na verdade como é lei de incentivo, a lei 18, e tem 100% de isenção, é um projeto de exposição, onde tinha a exposição e tem o livro né, que saiu. Sim, aham, eu vi já esse livro. Tá, então você chegou nessas comunidades, que na realidade são 5 núcleos de artesãs lá? Renato: Sim. E você chegou lá através de, enfim, indo lá visitando e conhecendo com o pessoal local né? Renato: Não, é porque como eu tava nessa pesquisa anterior eu já sabia que nessa região é um polo forte do artesanato de carnaúba, não foi difícil de eu chegar nos locais, entendeu? Aham. Renato: Assim, eu cheguei em Aracati, que é meio que o centro, que é vizinho a Canoa Quebrada. Então de Aracati nos mercados ali, eu comecei a chegar a Itaiçaba, na primeira vez, Itaiçaba, depois com o projeto, é que aí comecei, a Jaguaruana, Palhano, a Santa Luzia, entendeu? Aí comecei, porque Sítio Volta e Sítio Caiçara é grudado um no outro, quase que uma coisa só, entendeu? Sei. Renato: E é onde tem o...a Ambev atua, os poços tão ali. E as artesãs, elas já eram organizadas em associações? Ou não? 25


Renato: Não. Não? Renato: Isso é muito assim, isso é muito... Atuações independentes? Renato: Tem um ou outro, mas você não vê uma atuação de um associativismo mesmo. Mais forte né? Renato: Você vê mais núcleos isolados, grupos familiares, pequenos grupos de empresárias, entendeu? Bem isolado. A ideia de fortalecer isso em Sítio Volta, porque já existia ali um memorial da carnaúba, já existia uma intenção disso, mas isso não tava atuante com essas artesãs, entendeu? Ah entendi. Renato: Eu não via, não é que eu cheguei lá existia uma associação organizada, trabalhando, produzindo, não vi isso como eu vi em Palhano, como eu vi em Itaiçaba, ao mesmo tempo esses núcleos que tinham suas associações tavam em momentos assim de repensar a forma de trabalho, entendeu? Ah entendi. Eram mais coisas isoladas mesmo. Tá, então as escolhas das artesãs foi justamente, enfim, pelos poços que você tinha falado. Renato: Isso. Quais são as etapas, porque assim, o que eu vi é que você atuou ali de uma forma diferente, você atuou como um curador e diretor artístico né? Renato: Isso. Porque você coordenou outros designers, achei interessante isso, porque não foi só você atuando, sozinho, ali teve uma equipe toda. Mas geralmente quais são as etapas percorridas, metodologia? Você falou que foi em 2017 pra fazer o diagnóstico de técnica, de material, como é isso? Renato: Então é assim, eu já faço essa direção, essa curadoria há muitos anos, eu comecei trabalhando sozinho, não atuava dessa 26


forma, isso eu tô falando de 30 tantos anos atrás. E antes disso eu era o próprio artesão, então eu saí do artesão, pra virar um empresário, empresarial que eu produzia mas ao mesmo tempo eu iniciei um trabalho no sul de Minas Gerais, organizando mulheres, grupos onde eu tô até hoje, então ali seria eu como a minha empresa, produzindo com essas mulheres dali, isso foi durante muitos anos até hoje, continua assim, lá com Muquém. Aí na década de 90 eu comecei a ser chamado pra trabalhar com vários projetos, Sebrae, Ministérios, fundações, prefeituras e por aí vai, museus e tal. E isso, nessa hora que começou a crescer e que eu comecei a viajar muito eu também vi um outro lado de começar a fazer as curadorias e também dirigir as equipes. Por quê? Porque havia necessidade disso se expandir e também, coisas que eu não domino assim, juntar pessoas cada uma com sua expertises, como fotógrafos que vão comigo, designer gráfico, designer de produto, arquitetos, aí depende, inclusive nesse caso ai até artesãos, mestres-artesãos. Sim, que foi o João de Fibra né? Renato: Que foi o João, uma indicação pra ele dialogar com essas mulheres lá, entendeu? Isso vai muito da primeira visita minha, como é que eu vou conversar com as comunidades. Entender as necessidades e quais pessoas que seriam interessantes trabalhar lá. O que que cada um pode oferecer. Isso não fiz só aqui, eu fiz em vários outros né. Nesse foi um a mais, entendeu? Porque às vezes não é nem...o resultado...às vezes o projeto nem termina numa exposição, às vezes são projetos que eu fico 5 anos, 10 anos, entendeu? Tem, esse...no caso desses projetos na África já tô desde 2002, 2003, 2004, então cada projeto tem uma particularidade. Tem uma metodologia de fato, as etapas. Renato: É, mas as etapas geralmente é assim, eu faço primeiro uma visita, eu sou… eu faço questão de fazer essa visita... Pessoal. Renato: E essa visita pessoal às vezes eu vou com uma assistente, às vezes eu vou sem ninguém, depende de...do projeto, orçamento, e tudo. Eu faço essa visita, converso, penso como é que...o que seria interessante oferecer pra ali, quais as necessidades, aí é mediante essa escrita do projeto a gente negocia com os patrocinadores e com a própria comunidade, aí começa uma série de ações. Esse método de trabalho, assim, como é que eu converso com a comunidade, e como é que eu 27


converso com essa equipe, como eu faço esse casamento isso eu fui construindo meio que… Com a prática? Renato: Com a prática, mas com muita intuição, entendeu? Entendendo que são pessoas que pensam um pouco parecido comigo, o respeito, a paciência, a maneira de conversa com a comunidade, aí...hoje eu tenho uma equipe grande de amigos, não são…não é que é uma equipe contratada, de jeito nenhum, dependendo do projeto a gente se junta e vai, entendeu? Mas sempre tem um grupo que tá mais próximo. Ai depois lá de fato que daí é criação...então, e o processo criativo, ele é feito lá mesmo? As artesãs são envolvidas? Como que é? Ou é uma coisa muito isolada? Renato: Não, sempre, sempre é uma...é um processo coletivo. Na verdade, às vezes assim, muitas das vezes eu tenho algumas... as ideias, mas as ideias vem da vivência, convivência e dessa viagem. Assim, por exemplo, eu tô lá eu tô vendo como é que eles usam, como que eles... Por exemplo nesse projeto como é que foi? Renato: Por exemplo, nesse projeto, assim, é uma região que tem muito...muita cabra, muito bode, muito (não audível), o couro, você vê que tinha os banquinhos que foram feitos né? Banquinhos de palha com aquele mesmo desenho, ou mesmo cestos que carregam o coco, carregam sementes, que carregam material, mandioca, por exemplo a vassoura que eles usam. Tipo de trançado da vassoura, o uso do material, com ele as cercas, e por aí vai. Isso me serve muito de fonte de inspiração, não necessariamente só isso. Aí eu misturo uma coisa com a outra, geralmente é assim. Aí, por exemplo, quando, nesse caso aí, a gente tinha o João dando a aula de trançado, tinha a Eliana que foi pensar numa linha de produtos e também a técnica do bordado, tinha a Tina e a Lui que foram as arquitetas que projetaram a exposição, mas que desenharam o mobiliário, e a Cristina que é uma designer de acessórios, então tinha essas pessoas. Além disso a Maria Emilia que escreveu, e o designer gráfico, fotógrafo, editor de...editor do filme. Ah sim aham. Renato: E quem mais que tô me esquecendo, ah também o cenógrafo Bijari, e a Eliane como uma coordenadora do museu 28


A CASA, a Renata Mellão que pensa sempre junto, comigo em alguns casos. Então essa foi a equipe que foi. E essa equipe, como é que você escolhe? É pelas afinidades? Pelo jeito de atuação? Renato: Pela afinidade, jeito de atuação, pelas necessidades, assim, entendeu? Então aí, isso eu achei, não precisa de pessoas que dê aula de trançado, precisa...na verdade tinha até uma outra professora de costura, mas é uma pessoa local. Ah os agentes sociais do lugar. Renato: Esqueci o nome dela agora, não vou lembrar, mas vai tá aqui. É...esqueci, agora esqueci mesmo. Tinha o Raimundo, o Raimundo é super importante que foi um produtor local, eu conheci...tudo isso eu conheci antes de levar a equipe inteira, entendeu? Pensar o que que era necessário pra eles, e o que eles iriam conseguir assimilar e produzir. Agora é claro, que você vê que deram muito mais trabalho, coisas únicas que eles nem.. nunca tinham feito nesses 20 anos. Como foram aquelas peças gigantes, aqueles pufes, os cestos grandes, ou aquelas esteiras a metro, e tudo, isso eles não faziam. Outras mais simples, bolsas assim, que a gente até fez novas, mas que...as bolsas tem muitas...muitos pedidos, os lojistas que dão referências e tal. Mas essas peças gigantes, como é que foi pensado, da primeira vez que eu fui pra fazer o diagnóstico, levantamento, eu pensei mais assim e em janeiro eu fui sozinho, eu não fui com a equipe inteira, eu fui sozinho com a Renata e com a Eliane. Nessa minha ida eu já encomendei, eu já pedi alguns exercícios pra todos eles, isso eu faço sempre, esses exercícios vão me servir pra várias questões, questões de organização deles, de comprometimento, de qualidade, de inovação, de criação, então eu vou nesse diálogo com eles pedindo e aí na segunda etapa que eu fui, eu já começo a ver o resultado e aí em cima disso eu organizo como é que vai ser. Aqui vai ter uma linha de casa, aqui vai ter uma linha de acessórios, aqui vai ter uma linha assim, assim, assim, assado, entendeu? Que cores que vão bater aqui, que tipo de trançados e tal, né? Entendi. Então, você já falou um pouco, como era o artesanato antes, então o artesanato tinha a vassoura, que você falou, a bolsa em alguns, a esteiras em outros, chapéus, era só produzido...você falou que cada núcleo era um artesanato diferente né? Renato: Não, esse artesanato meio tradicional, que assim o uso 29


do chapéu na lavoura, a vassoura que eles usam direto, todos usam, no dia a dia, a cerca, a esteira, esse é um uso recorrente de todos, entendeu? Geralmente é tudo cru, tudo natural, palha crua. Agora, como eu vi Itaiçaba e Palhano que usavam muito a cor, já sabiam disso lá atrás, e Sítio Volta, Sítio Caiçara e Santa Luzia não tinha o domínio do tingimento e tinha essa coisa nesse volume que te falei, de quantidade por centavos, então foi essas aulas e o João deu aula de tingimento pros dois, então isso foi muito importante. Assim como técnicas de outros trançados. Sim, isso que eu iria perguntar. Renato: Ele por coincidência, o João é do Ceará. O João eu trabalhei com ele há 20 anos atrás no Sebrae Brasília, ele...assim meio que eu transformei um pouco o produto dele, a história dele entendeu? Ele fala muito disso hoje em dia. Uma mudança muito grande, do que ele fazia, do que ele produzia, da postura dele, isso porque também eu fui muitas vezes à Brasília, não foi uma nem duas, foram 15 anos que fiquei trabalhando em Brasília, de 97 até 2011, então foi 14 pra 15 anos. Mas vamos lá. Essas são algumas peças que eu vi que são produzidas lá, recorrente. Renato: Isso. Tem as esteiras, então esse é o Armazém da Carnaúba que tá lá em Itaiçaba… Jaguaruana? Renato: Não, não, desculpa. Jaguaruana não é? Renato: Não, esse não é em Jaguaruana não, peraí. Tem esse em Jaguaruana mas tem também em Aracati. Esse é em Jaguaruana, mas tem outro armazém em Aracati. Então, por exemplo, esse é o chapéu que elas fazem em grande quantidade, mas...esse tipo de trançado. Não esse aqui já tem mudança. Agora é claro que assim, não é que a gente consegue acertar e dizer que 100% vai aderir a esse produto novo, não é, não dá. Têm algumas resistências? Renato: Tem resistências, imagina esse pufe que é enorme, de tamanho, com cores, tinha que ter uma fôrma assim, assim, assado, as luminárias gigantes, não sei se você lembra que tinha umas luminárias gigantes. 30


Sim, aham. Renato: Aquilo vendeu na hora, aquilo foi também, eu queria, foi uma provocação. Como é que cada uma ia produzir essa cesta do seu tamanho, da sua altura, como é que isso iria se dá. Eu tive que ter uma conversa, duas, três. Aí quando isso aconteceu e que sem dúvida eu acho bem interessante, agora elas produzem, hoje se sabe muito bem quem são as pessoas que produzem elas, quem conseguiu fazer, entendeu? Que superou ali essa barreira. Renato: É. Aí foram criados novas peças, abriu um leque né. Renato: Isso. Foi luminária, teve mesa também, cestos maiores, o banquinho como você falou, teve esse tingimento da palha, a adição de outros materiais, da borracha. Renato: Isso. Então teve toda essa mudança depois com o projeto né. E como foi trabalhado essa inovação pra tornar os objetos contemporâneos sem perder essa tradição? Você acha que manter o trançado, o material, tudo isso é uma forma de manter a tradição? Renato: Olha eu acho que o seguinte, a gente tá trabalhando com a matéria-prima, por mais que a gente introduziu uma matériaprima nova, ou cores novas pra alguns lugares, mas o trançado, a maneira de colher a carnaúba, quem colhe, da maneira que colhe, que tipo de pontos e tudo são sempre os mesmos. A gente vai através da tradição e vem trazendo a inovação pro contemporâneo, pro hoje. Agora, é muito...fica assim nesse limite quem realmente dali consegue dar continuidade a isso, entendeu? Porque tinha algumas peças que eram muito trabalhosas, como essas peças aí gigantes, mas outras peças também que a Eliana que deu aula, toda a parte mais preto e cru, as borrachas, o tipo de costura. A costura com várias fitas, várias tranças, tudo levouse um tempo pra elas aprenderem, inclusive pra costurar, porque em Sítio Volta e Caiçara poucas costuram. Então eu acho que a gente não perde de jeito nenhum a tradição, tá muito forte… porque assim... 31


É difícil a mudança? Renato: É difícil a mudança, mas essa valorização dessa continuidade, tentar achar um produto que dê um valor maior pra elas e que valorize, aí elas podem tentar se equilibrar “olha eu consigo fazer isso e consigo fazer isso”. Eu nunca em nenhum lugar eu vou dizer “olha saí daqui e vai fazer isso que isso só vai te render e vai dar certo”. Porque o que acontece, a grande maioria também tem essa dificuldade de acessar esse mercado, e como que elas acessam? Como elas continuam acessando? E como elas despacham? Transporte, essa compra de um volume maior. Porque nem todas tiram a carnaúba, tem um processo de quem tira, vende pra elas. Sim, já é desenvolvido essas etapas. Renato: É. Então elas têm que bancar um pouco a compra da carnaúba, então... Sim, não pode ficar parado. Renato: Não pode ficar parado, tem problemas de estação porque pode mofar, tem que ser guardado da maneira certa. E elas produzem só o artesanato? Ou tem outra atividade? Renato: A grande maioria desse pessoal é o artesanato. O artesanato é a fonte de renda? Renato: A fonte de renda é o artesanato. Tem alguma coisa de agricultura mas é bem pouco. Entendi. Renato: É uma área muito seca. Então, meio que você já respondeu a próxima pergunta, depois do projeto as artesãs produzem exclusivamente os objetos criados ou não? Como você falou têm pessoas que sim, têm pessoas que não, têm pessoas que dividem. Renato: E depois tem também, além disso, uma coisa assim, o que que realmente o mercado vai absorver. Sim, aí elas vão percebendo né!? 32


Renato: Elas vão percebendo, aí vai uma questão de preço, qualidade, tem uma série de questões ali. Fora isso, também tem que contar com essa pessoa que acreditou nisso, ou que valorizou essas ideias novas, gostou, e vai muito também de quem gosta, quem não gosta. “Ah não, vou largar mão, isso é muito mais complicado, muito mais difícil, vou continuar com meu chapéu de 50 centavos” que não quer, não quer esse desafio. Então por isso desde o início, esses grandes desafios você começa a entender quem é quem. Por exemplo, dessa roda gigante pra fazer ali, você começa a saber quem é quem, e o Palhano foi assim (rápido), Itaiçaba foi assim (rápido), Sítio Volta e Sítio Caiçara teve um pouco mais resistência, mas dentro do que...do possível, do que foi proposto ali, se conseguiu, entendeu? Mas esses pufes, por exemplo, eles não conseguiriam produzir. Porque são duas, três, quatro tipos de técnicas de trançado, essa técnica específica do pufe, Sítio Volta e Caiçara só tinha duas, três pessoas que faziam, entendeu? E aí não era possível de fazer. E a atuação ali do museu A CASA ela foi mais focada no produto ou pensou em também em logística? Renato: Não tive que pensar num todo, porque o museu… (interrupção) Renato: Então, o museu A CASA, tem essa…. Porque, desculpa eu cortar, mas é que você falou que foi pensado pra exposição né, então não foi pensado depois elas venderem isso? Renato: Não, é que tem uma coisa que é o seguinte, para o museu A CASA, claro que a exposição é o resultado que vai trazer visibilidade. Mas a vontade do museu é sem dúvida gerar renda para esses vários projetos, essas várias comunidades, a exposição é um produto final, mas claro que assim a Renata, ela se realiza quando ela consegue dar resultado pra essas comunidades. Foi aí até que a gente se juntou mais, que é meu papel, pensar na exposição e na curadoria, pensar nisso, ótimo, maravilha quando é possível, como já fiz várias exposições pro Sesc e tudo. No Sesc eu nem tenho como objetivo de venda, entendeu? Mas ele ajuda na visibilidade, mas como eu trabalho muitos anos com o Sebrae também, aí são participações mais em feiras de negócios, entendeu? Então ele foi pensado assim, só que para leis de incentivo a gente...o foco era a exposição. 33


E esse artesanato que elas produzem, antes do projeto, era um artesanato que só circulavam ali, a venda era local? Ou não? Renato: Não, não, assim, Sítio Volta e Caiçara....que assim, como essa cadeia produtiva é uma...ele circula pelo Brasil inteiro. Tem alguém que compra e leva? Renato: Tem alguém que compra, não é só Brasil, até eles vendem pra fora, exportam, México, sei que pra outros lugares, que eles acabam sabendo. Mas tem sim, a grande maior é vendido ali pelo entorno, pelas praias, pelo litoral, sem dúvida. Mas não é só ali não. Ah entendi. Renato: A não ser esse uso local como eu te falei, que aí acaba vendendo. Os caras que compram numa certa quantidade, que passam ali e compram, isso é distribuído pra vários outros lugares. Sim, vai pro Brasil inteiro, até pra fora. Renato: E vai até pra outros usos, não é só o uso de decorativo não, é uso também, por exemplo, os chapéus eles usam pra...vejo lá em Xaxim eles usam o chapéu pra plantação, entendeu? Eles usam o chapéu para um molde de chapéu com feltro lá pro Rio Grande do Sul. Então são vários outros clientes que consomem esse chapéu. E a vassoura na região inteira, porque a vassoura tem muito pouco….ela...durabilidade, ela dura em média uns 2, 3 meses, assim. Então a vassoura então por isso elas fazem bastante. Vende mais, acaba saindo muito mais. Você falou que o projeto foi pensado pra exposição né. Como você avalia esses eventos de lançamento das peças? Como na exposição. Você acha...você falou que é importante pra dar essa visibilidade, pra aumentar a circulação, enfim, pra mostrar a comunidade, por exemplo, pra São Paulo que foi esse caso, certo? Renato: Não, eu acho que assim, pra São Paulo sem dúvida, mas eu acho que também pra eles. Tendo a oportunidade, veio só uma ou duas pessoas de lá pra cá. Eu acho sempre muito importante eles olharem o produto deles sendo colocado, sendo exposto de outra maneira. Então, por exemplo, esse uso reorganizado de outra forma eu acho que é importante pra eles verem o quanto é possível disso chegar de outras maneiras, não tô falando assim especificamente desse grupo. Porque esse grupo tem parte 34


desses núcleos, dos 5, que tão carecas de...acostumados a ver isso, ainda mais hoje, mas eu tô falando de uma época de 15 anos atrás que não tinha isso aqui (celular) então era mais difícil. Era mais difícil chegar ao mercado. Renato: Então hoje todo mundo vê o que acontecendo aqui, entendeu? Então vê ou se tá lá na novela, ou se tá...antes era uma coisa o auge quando chegasse na novela, hoje não é, hoje se a pessoa coloca e vê o uso de várias maneiras, seja numa decoração, seja um produto sendo vendido numa escala maior pra uma loja de cosméticos, departamentos, e por aí vai, é importante eles verem, entendeu? Acho muito importante. Pra autoestima também. Renato: Pra autoestima e pra saber aonde o produto dele chegou. Sim, aham. Renato: Em que valor isso chegou também né. E que valor chegou porque muitas vezes esse valor ele vai ver que chegou duas, três, quatro vezes mais, alguns ficam super chateados, irritados. E outros até, hoje, depois dessas ações acha bacana, acha interessante porque assim, se tá sendo super valorizado é porque eu tenho valor no que eu faço. Aham exatamente, meu trabalho vale isso né. Entendi. Outra coisa que eu vi. E sobre a presença desse artesanato nas exposições fora do Brasil, no caso da Itália durante a Semana de Design, você acha que também é importante pra comunidade isso? Por que, por exemplo, a mesa foi levada pra Itália durante a exposição. Foi em abril desse ano, essa foto, você acha também é importante pra impulsionar o mercado pra comunidade ou não? Renato: Não, claro que eu acho. Assim, quanto mais buscar esse mercado especializado, mercado que valoriza, que respeita, eu acho sempre muito interessante. Seja aqui, seja lá. Têm comunidades que sua produção não tem a quantidade, e não tem organização suficiente pra isso ir pra fora. E depois durante muito tempo, o Brasil, o mercado aqui cresceu, as coisas acabaram tendo muito mais aqui. O Brasil na produção artesanal é tida como uma produção cara então isso também dificulta você exporta artesanato brasileiro. Então a competição com os países da Indonésia e da Ásia é muito difícil entendeu? Inclusive em termos de qualidade. Então o mercado interno começou a 35


absorver muito mais, valorizar muito mais o produto nacional, as feiras, essa Fenearte que tem, que é uma grande referência hoje em dia. Entendi. Mas você também que talvez é uma estratégia sei lá, pra mostrar lá fora mas acaba daí valorizado aqui dentro? Por que como foi pra fora... Renato: Ah sim, isso sem dúvida. Também ainda tem isso? Renato: Isso ainda tem, e mesmo os artesãos falam assim, muitos deles, muitos assim, eu escuto assim, “ah minha peça foi pros Estados Unidos ou pra França” foi alguém que passou, viu, comprou e levou pra dar de presente. Ou alguém que levou pra determinadas...então quando eles entendem que isso saiu de lá e foi pra fora, aí também tem um outro valor. Aí eles ficam assim, super valorizam e tal. É importante, sem dúvida. Essas peças foram pensadas para a exposição né. Ela foi pensada pra um público específico? Ou não? Renato: No geral eu sempre penso assim, na hora de produzir eu vou pensar no público A, B e C, o público local, preciso pensar no todo. Entendeu? Tem coisas assim que são muito específicas que dá um trabalho muito grande, aqui nem foi tanto o caso, nessa exposição. Mas têm outras exposições que assim, por exemplo, nesse todo, claro que a mesa, claro que o pufe, claro que algumas peças sim, mas… Esse já seria talvez mercado local? (apontando pra foto das bolsas) Renato: Isso, isso daqui (colar), isso daqui, entendeu? Tem mais atrás? Acho que não. Renato: Mas tem bastante coisas que você vê que vai funcionar mais no mercado local ou mais numa escala maior. Porque o preço é mais baixo, porque é mais fácil o uso, então é importante eu fazer A, B, C. Entendi, diversificar dentro da coleção que é feita. Renato: Sempre. 36


Porque o que eu percebi, eu conversei...Enfim, eu fui na exposição na época, tava lá sendo vendido todas as peças, tava cheia a loja com todas as peças. Daí depois eu fui, acho que foi em abril desse ano eu fui lá e ainda tava sendo vendido, achei que não iria tá mais sendo vendido e daí eu perguntei pra moça, ela disse que teve o primeiro lote, que foi da exposição, que foi vendido tudo. Aí depois ela falou que eles pediram de novo, que era aquele que tava exposto, que daí já não tinha todas as peças, eu acredito que eles pediram só o que saiu mais. E daí ela disse que já tinha sido pedido um terceiro lote, só que dessa vez não iria vir nada colorido. Então, você acha que é uma coisa de São Paulo, do público? Do mercado de São Paulo? Renato: Não, não. Eu acho que foram duas coisas. Toda essa parte mais crua, preto e branca, especificamente lá de Sítio Volta e Caiçara onde tá o poço da Ambev. Comercialmente se vendeu sem dúvida isso, mas...por exemplo, as luminárias são luminárias que não eram coloridas, e venderam todas, mas é mais difícil esse transporte vir de lá pra cá. Então tem os custos, pra vir isso, é um investimento diferenciado na produção, as mesas, todas essas peças gigantes é outro tipo de, de, de…. De logística? Renato: De logística, então acho eu que foi um pouco por aí. Porque acabou o projeto deve ter acabado a verba de investimento nisso e aí o museu foi comprando o que foi...porque assim o museu, não é específico uma loja que vende só isso, eles devem ter vários outros projetos, esse é um dos. Então essa é uma questão, outra questão em algumas peças havia um problema no pigmento, de sair. Por quê? Porque elas, tinham dois tipos assim, o João ensinou um tipo de tingimento que é um tingimento mais opaco, não tão forte, é um tingimento que ele tira sempre o excesso da tinta, mas é um tingimento que você não vê a cor forte. E Itaiçaba e Palhano já vinham trabalhando, principalmente Itaiçaba bem forte, só que pra eles fixarem eles fixam com verniz. E isso eu não...eu disse até que seria interessante, mas pensar num verniz fosco, uma coisa do tipo, e a palha fica um pouco quebradiça, fazendo um crack, crack, crack. Então, isso talvez seja uma das coisas que eles não pediram mais, mas eu tenho quase certeza que seja especificamente pra aquela… Logística. Renato: Logística e pra aquele núcleo. 37


Porque a logística era feita pelo museu mesmo? Ou tinha... Renato: Tudo pelo museu. Ah tudo pelo museu. Renato: E depois o seguinte, Itaiçaba e Palhano já, como tavam mais assim, eles têm, eles são mais agressivos comercialmente, eles têm contatos, eles têm visibilidade, vendiam pra Tok & Stok, vendem pra várias coisas. Eles têm uma clientela, e não só essa clientela, têm comerciantes que vão lá e compram e distribuem. Ah lojistas. Renato: Você por exemplo, você vai na rua Pinheiros? Tem a rua Pinheiros, tem uma loja que vende só cestarias, sabe o Le Jazz da rua Pinheiros? Ah eu sei qual é a loja. Renato: Em frente ao Le Jazz ali você vai ver um monte coisa de lá de carnaúba dessa região e de outras do Ceará. Porque assim, ali, Rio Grande do Norte, Piauí, é uma região de carnaúba, todos eles produzem, se não é aqui, no Piauí fazem hiper coloridos, entendeu? E eu trabalhei no Piauí, trabalhei no Rio Grande do Norte, trabalhei no Ceará, então eu sei assim, de todos eles, assim como é que eu ia pensar numa linha de produtos que o outro já não faz, entendeu? Então isso não fazem em nenhum lugar (mesa), essas roda gigante não fazia, como isso também não. Agora esse é mais comum em outros lugares (bolsa). Aham, também os banquinhos. Renato: Esse mesmo. Então eu tive que pensar, porque eu trabalhei muito tempo no Piauí, eu fiz uma coleção com carnaúba no Piauí hiper colorida, vendeu também hiper bem. Então você acha que não é a cor que seja um fator...em São Paulo por exemplo. Renato: De jeito nenhum, não, pelo contrário essa coisa toda do Piauí com cores, hiper coloridas, a cor chama muito atenção, essa mistura de cores vende sempre. Eu acho que foi uma edição que o museu deve ter feito pra não ter a coleção inteira que é uma coleção muito grande. Aham, ela é bem diversificada. Ela tem bastante peças diferentes, tem itens pra casa, acessórios, como você falou 38


mesmo anteriormente. Mas nesse caso era diferente, porque esse foi pensando pro museu então. Foi pensado pra promover contatos com a comunidade com o mercado? Isso não foi? Renato: Não, foi, sem dúvida foi. É claro que na hora de pensar nisso tudo eu sei pra que lojistas vão se interessar. Na hora que eu tô lá criando eu sei...bom eu não fica assim eu vou criar pra aquele lugar, porque eu não sou contratado pra equipe. Já fiz isso em outros, raramente assim, quando eu ia sei lá, em determinada loja, me chamava pra eu desenvolver uma linha de produtos pra eles. Como eu fiz pra várias pessoas, mas há muito tempo que eu não faço, eu penso na coleção para o grupo de lá, mas eu sei aonde isso vai, quem vai ter interesse. Então o lojista X, Y e Z. Eu sei quem vai querer. Entendi. Mas isso eu teria ver com o museu né, se o museu de fato promove contatos direto com os lojistas? Ou não? Renato: Eu acho que promoveu, sem dúvida já fez isso, em alguns outros momentos. Acho que...porque assim como tem o Raimundo que é a pessoa, esse produtor local, esse coordenador local, eu acho que ele é a pessoa que tá ajudando as comunidades. Ah, a escoar a produção? Renato: Porque assim, tem grupos que você pode dar que ele vai direto, sem dúvida ele vai e faz. Mas essas mulheres, são mulheres mais idosas em Sítio Volta e Sítio Caiçara, muito difícil elas vão tomar uma certa atitude. Você não vê, assim você conta no dedos das 15, 20, 30 dali quem é a pessoa que vai ser mais agressiva comercialmente. Isso não é só lá, isso em vários lugares, mas assim, você vê Palhano, você vê Itaiçaba, você vê uma agressividade comercialmente. No bom sentido, entendeu? Sim, sim empreendedor. Renato: É, grande empreendedor. Que é a palavra do momento. Renato: É a do momento, exatamente. E pensando na circulação dos artefatos, o que você acha que mudou na vida dos artesãos depois do projeto, dessa visibilidade? Renato: Olha, eu acho que assim, principalmente Sítio Volta e 39


Caiçara, e até Santa Luzia, mas eu até falaria mais Sítio Volta e Caiçara, esses dois eu acho que foi uma mudança muito maior do que os outros. Não que os outros, por exemplo Palhano, principalmente Palhano que fez o pufe e que fez as luminárias, que chamou muito atenção pra todos, que viram “puxa”. Porque é uma coisa assim quem conseguiria fazer daquele tamanho, então é quase que assim, nessa região atingiu isso e aí todo mundo sabe, ali, aquele pessoal é que faz. Agora, então Sítio Volta a mudança foi muito maior, porque era só a vassoura e o chapéu, então chegar nessa bolsa, chegar nesses colares, chegar nas esteiras costuradas, porque eles também fazem umas bolsas assim mas todas preto e branca, a gente não quis introduzir muitas cores aqui porque era muita informação pra eles nesse começo e tudo. Então ali eu acho que houve uma mudança muito radical. De beneficiamento mesmo, só que assim, eu saí num determinado momento, eu acho que a gente fez isso, faz a exposição, busca o mercado, teve uma aceitação muito grande em relação essas peças preto e crua, mas como é essa continuidade, como eles se organizam, como é que eles continuam produzindo. Isso que eu acho que o museu tá fazendo por si só hoje em dia. E junto com o Raimundo, que é o local. E você sabe me dizer se tem algum ponto de venda aqui de São Paulo que começou a comercializar essas peças? Além do museu. Renato: Então, você sabe que eu não sei. Eu sei que, por exemplo, essa loja que eu te falei do rua Pinheiros acho que com certeza sim. Mas eu não sei pra que lojistas. Ah eu acho que a Artiz, que é uma outra loja que tem lá no shopping JK eu acho que também. Eu não sei exatamente, porque eu não fiquei acompanhando. Mas eu soube que teve interesse de várias lojas fora de São Paulo inclusive. Sobre a sua atuação nesse projeto, você recebeu algum retorno da comunidade e da instituição, do museu A CASA? Se sim, poderia comentar sobre a sua atuação no projeto. Renato: Então, do pessoal da própria comunidade eu ia recebendo conforme a minha visita lá. Sim, conforme ia avançando o projeto. Renato: Ia avançando o projeto, eu ia recebendo, até hoje eu recebo, sempre eles me mandam. Tem assim, tem algumas pessoas que começaram através dessas imagens a postar por si só, fazer contatos pelo Facebook, então eu acabo vendo. 40


O Raimundo a gente se fala muito. Algumas, não todos assim, algumas pessoas sem dúvida. Duas, três, quatro artesãs de Palhano, de Itaiçaba mais o Raimundo que vive ali. Onde menos foi em Santa Luzia, porque era um número um pouco mais reduzido mesmo, e Santa Luzia não tem o poço, Santa Luzia aí era só, a comunidade é um pouco mais pobre, mas ali era só a vassoura e o chapéu, assim como Sítio Volta também, mas ali era uma produção muito grande de vassoura e de chapéu, então eu não tenho certeza se eles não voltaram atrás e continuaram só com os deles. Porque é a intenção na verdade, que isso que a gente falou, a intenção. Agora com o museu sim, a gente tem sempre um bom relacionamento, a Renata adora o trabalho que eu faço e tudo. Por isso que chamou de novo. Renato: Sempre me chama então. Você pensou no pessoal de lá, do museu e da onde mais? É, retorno da comunidade das artesãs mesmo e do museu A CASA. Renato: É acho que sim, da Ambev não. Aham, é porque a Ambev é outro né. Renato: A Ambev era mais um relacionamento do museu A CASA, eu fui em algumas reuniões, mas é uma coisa mais institucional do museu A CASA. Sim, aham, aí já era os dois né. Renato: É. Não, é porque tem situações que assim, nesse caso era uma coisa de instituição pra instituição, eu participo de algumas conversas, mas eu tenho vários outros projetos aonde eu tenho a negociação direto com a instituição patrocinadora. Porque eu tenho a minha empresa, meu instituto onde eu promovo vários outros projetos, então eu tenho que, claro, relacionamento com quem tá patrocinando, você tem que estar sempre cuidando, sabe, fazendo várias conversas e ajustes. Qualquer projeto tem ajustes no decorrer. Aham, no desenvolver da coisa. Você acha que tem alguém dentro do museu A CASA que eu conseguiria falar mais sobre isso, sobre comercialização, do tipo pra onde foi esses artefatos? Renato: Acho que a Eliane. 41


Eliane, com ela mesmo? Renato: É. Ela é a coordenadora do projeto né. Renato: É, acho que é ela a pessoa mais indicada. Tá. Porque talvez eu também entrevisto ela pra ver essa parte da comercialização. De fato o escoamento da produção. Renato: É eu acho com ela mesmo. Porque não adianta desenvolver o projeto e não ir pra frente, vender. Porque no fundo o artesão depende disso né, da venda. Pensando agora, acho que agora é a última pergunta, porque o resto já foi tudo...porque você já foi respondendo no decorrer da nossa conversa aqui. Agora é uma pergunta um pouco mais ampla, você acredita que projetos desse tipo, que hoje tá tendo muito desses projetos com designers indo em comunidades. Esses projetos então que unem designers, artesãos e essas instituições que acabam fazendo a mediação, no caso aqui foi o museu A CASA, eles...você acha que eles promovem a integração de territórios no Brasil e uma busca de iden...e essa busca de uma identidade nacional que tanto se fala? O que você acha sobre isso? Renato: Ah eu acho que sem dúvida, eu acho que desses anos pra cá, eu tô falando de 20, 25 anos né. 30. Renato: É até quase 30 anos sem dúvida, o Brasil começou a valorizar mais o que é nosso, as nossas raízes, identidade, dá um valor muito forte. Aí não foi só os designers, os designers de moda, aí foi um todo. Aham, sim, vários profissionais. Renato: Vários profissionais de várias áreas. Valorizando muito, então sem dúvida houve uma grande mudança nesses anos todo. Seja na divulgação, seja na comercialização, seja na distribuição, na visibilidade. Então hoje as pessoas conhecem com muito mais facilidade o que tá sendo produzido de Norte a Sul, Leste a Oeste do Brasil. E aí começou a se integrar muito mais e também houve muitas, o Sebrae faz isso até hoje, muitas rodadas de 42


negócio onde ele leva compradores, lojistas do Brasil inteiro pra conhecer aquele lugar e fazer a compra direto, com isso esses lojistas começaram a conhecer mais a realidade, entender mais. O porque daquele valor. Sim, porque que talvez não atende aquela demanda. Renato: Porque que não atende, quais as dificuldades de um, quais as de outro, porque daquele preço, tal, tal, tal. Então, hoje o lojista tem muito mais conhecimento. Teve essa integração de fato. Renato: Muito mais, muito mais, aí então se integrou muito mais. Muito mais esse conhecimento de todas essas..dessa cadeia produtiva e da cadeia dos compradores também. Agora me veio uma pergunta, o museu A CASA ele não é atuação dele, por exemplo, nesse projeto não é que nem o Sebrae que presta consultoria também pra comercializar depois ou fazer preço? Ou não? Renato: Não, nesse caso aí foi muito… Focado na exposição? Renato: Foi muito focado na exposição. Mas tinha esse viés, porque teve uma consultora na verdade que era pra fazer preço, consultora até que já trabalhou muitos anos pro Sebrae nos projetos de lá. Pra pensar na ficha técnica, pensar no preço. Porque esses projetos que eu atuo, como eu te falei, tem o designer, tem o artesão, tem o arquiteto, mas tem uma pessoas que trabalha mais na área de gestão, e essa pessoa ajuda muito a fazer as fichas técnicas dos produtos, da capacidade produtiva, preço, aí é uma conversa longa com eles. Pra entender como é que é a produtividade de cada um, o que que foi de material, como foi… O tempo pra produção. Renato: O tempo produzido e tal. A gente teve, nesse caso teve, foi muito extenso, foi muito difícil lá pra eles, mas teve. O museu A CASA fez isso, como já fez isso de vários outros projetos, um pouco mais simples, mais...não simples, foi mais fácil assim a dinâmica de entendimento. Esse foi um pouco mais complicado. Porque também é uma linha enorme, grande, com muitas variações de cores e com tempo muito curto. 43


E nesse caso foram várias comunidades, cada uma num nível diferente de produção como você falou, de desenvolvimento de produto. Então foi um projeto complexo né. Porque foi muito curto. Depois que eu comecei a estudar mais eu pensei “ih eu tô me colocando numa enrascada porque tem muita coisa”. Renato: Não, tem muita coisa, porque assim, como eu te falei, começou em janeiro uma visita minha lá, mas botar mão na massa e tudo isso foi em março. Então você tem março, abril, maio, junho e julho, cinco meses de produção pra fazer o livro, pra fazer o documentário, pras artesãs produzirem, pra tá na exposição, pra isso vir, pra fazer essa gestão do negócio, como é que ia sair o código de cada produto, o preço e tal. Porque o livrinho é um catálogo né? Renato: É. É onde o lojista pode ver tudo o que tem, dá pra comprar, enfim. E têm os contatos lá da comunidade? Porque eu não lembro se tinha. Renato: Se não me engano tem. Porque eu cheguei a folhear e não vi até o final. Renato: Acho que sim. Legal, vou dar uma olhada depois, eu vou lá no museu ver esse livro, vou comprar ele. Pra também como material de pesquisa. Acho que era isso (gravação interrompida).

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Eliane Guglielme. Fonte: Rafael Renzo. Disponível em: https://casa. abril.com.br/profissionais/ premio-casa-claudia-designde-interiores-2015-foi-umsucesso/. Acesso em: 07 nov. 2019.

Entrevista Eliane Guglielme 09 de agosto de 2019 presencial

Então eu tenho algumas perguntas. Alguns que ficaram um pouco em aberto depois que eu entrevistei o Renato Imbroisi. Eu fiquei com algumas dúvidas que surgiram também. Por que foi assim, foi a Ambev né, que, teve o patrocínio da Ambev esse projeto né. Eliane: É. Mas foi a Ambev que veio atrás de vocês ou foi vocês que foram atrás. Eliane: Não, deixa eu te contar. Foi assim, na verdade foi assim. Nós temos uma sala de eventos, que a gente aluga pra eventos corporativos, sociais, que esta sala que gera recursos pra gente manter o museu, porque o museu é gratuito, pra nós mantermos o museu e pra nós podermos fazer projetos. Esses que a gente faz de capacitação, de geração de renda, multiplicação de saberes, preservação das técnicas artesanais porque estão morrendo. Os 45


jovens...os pais não saíram da pobreza com isso, não melhoraram de vida, e os jovens com isso, obviamente, não querem fazer, porque não querem ter a mesma vida. Aham, não querem dar continuidade. Eliane: Claro, então no momento que você faz um projeto, que eles conseguem ver que aquilo é uma fonte de renda, uma boa fonte de renda, ainda mais que agora o artesanato tá muito valorizado. Tá cheio de gente trabalhando com artesanato. O museu quando começou há 21 anos atrás era assim...era uma coisa assim fora da casinha, entendeu? Porque imagina, artesanato, ninguém dava valor, aqui no Brasil então, artesanato era uma coisa de casa de praia, jamais você colocaria dentro da sua casa em São Paulo, pelo menos pro paulista né, pro paulista e pro paulistano. Aí o que aconteceu, ela, a Ambev...ah uma diretora da Ambev veio aqui porque ela...eles iriam participar de um projeto. De um evento que tava acontecendo aqui? Eliane: De um evento aqui, de um projeto, um evento que iria acontecer, aí a pessoa que ia fazer o evento é muito meu amigo também, ficamos amigos aqui né, até. Aì ele me falou, ele me apresentou, e falou “ó vale a pena você conhecer e tal”, e aí ficamos conversando e eu contei pra ela o que o museu fazia. Por que ela falou “mas o que o museu faz? O que o museu é?” Aham, qual é o objetivo? Eliane: Porque muita gente pergunta, bom “mas o que esse museu faz?”, né. E aí eu falei pra ela “a gente trabalha com artesanato + inovação, inovação do artesanato, ou uma...ou alguma mudança pra traduzir o artesanato pro contemporâneo pra que eles possam vender e aí depois no final do projeto, que nunca é final, porque continua, mas depois que os designers já foram, foram desenvolvidos novos produtos, a gente faz uma exposição com vendas”. E esses produtos são sempre comprados pelo museu, a gente não pega em consignação, a gente manda fazer e compra porque não tem sentido né. Eles esperarem a gente vender e tudo. Pra depois... eles não têm condições nem de comprar a matéria-prima, nada disso, numa quantidade tão grande. Aí eu contei tudo isso pra ela, na época nós iria fazer A CASA BORDADA. Que eu vi. Eliane: Ia ser montada, daí eu subi assim aqui no anexo, no andar 46


de cima tavam todos os bordados, eu mostrei os bordados, expliquei como é que funcionava, como era o nosso trabalho, assim o que que a gente fazia. “Ah tá bom”. Viu tudo, viu, achou os bordados lindos e tal. Tavam tudo lá ainda pra serem montados, tava tudo assim nas mesas. E aí tudo bem, ela foi embora. Não me lembro se no mesmo dia ou no dia seguinte. Tá gravando? Tá, aham, eu conferi isso. Eliane: No mesmo dia ou dia seguinte ela me mandou um e-mail querendo uma reunião conosco. Ah entendi, foi a partir daí que… Eliane: É, se eu podia receber ela e mais outra pessoa da Ambev e tal. Porque daí ela contou, ela tava vindo não pela, ela tava vindo pelo grupo, pela água AMA. Na verdade foi o patrocínio da água AMA. Sim foi esse projeto social deles. Eliane: Projeto deles que ainda existe e é fantástico, é fantástico. E aí ela falou “ah eu gostaria tal de conversar e veio conversar. E falou, é o seguinte, ela primeiro…Aqui ela ainda me deu o site da água AMA, e falou “ah nós estamos com um projeto de levar água pro semiárido do Ceará tarará”. Então fez isso, mostrou, eu entrei e vi tal. Quando ela veio, ela falou “olha, como as mulheres, que antes perdiam muito tempo levando água na cabeça pra buscar água” porque até dois anos atrás, foi em 2016 o projeto deles, que eles começaram se eu não me engano. Nós começamos em 2017, aí entramos na Lei Rouanet a pedido deles, e aí o projeto começou em 2018. Sim que teve a exposição. Eliane: O diagnóstico foi feito em 2017. Sim, isso o Renato falou isso pra mim. Eliane: E aí em 2018 começou. Aí ela falou “nós tamo querendo, lá eles trabalham com a palha de carnaúba tal, a gente tava querendo fazer alguma coisa que...com o trabalho que as mulheres desenvolvessem esse artesanato que elas já faziam e trabalhassem, isso em Sítio Volta e Sítio Caiçara, tá, que é em Jaguaruana o projeto é Sítio Volta e Sítio Caiçara. É, isso é uma outra pergunta que eu queria fazer. Porque 47


segundo o Renato, a Ambev pediu que fosse ali o foco, que é Sìtio Volta e Sìtio Caiçara, que é onde eles atuam com o poço né. Eliane: Isso, onde eles têm a água, a estação. E daí foram incluídos três núcleos, por que foram incluso esses outros três? Eliane: Então, eu vou te contar. Porque elas, Sítio Volta e Sítio Caiçara, elas já estavam praticamente desistindo. Foi uma batalha conseguir reuni-las e elas acreditarem que o projeto realmente iria acontecer, que nós iríamos mesmo comprar os produtos, porque muitas comunidades e grupos de artesãos são…eles…. eles...vai muita gente lá pra fazer projeto e não sei o que, e no fim não dá em nada, fazem, elas gastam dinheiro. Ficam desacreditadas? Eliane: Fazem as coisas e fica tudo lá, as pessoas não compram, desaparecem. Então cada vez mais elas começam a desacreditar. Não vou fazer por nada né, gastar o dinheiro que eles nem tem, é uma região bem necessitada e tal. E aí foi difícil da gente conseguir angariar as mulheres pra que elas...foi de porta em porta e tal, uma pessoa que a gente chamou de lá, que conheceu. O Raimundo? Eliane: O Raimundinho, o Raimundinho é, que a gente chamou pra ir lá, e ele foi de porta em porta e tal, conseguiu pegar um número X de mulheres pra começar. Só que assim, elas faziam só esteiras, que elas chamam de tapetes, tranças e chapéus. As tranças e chapéus, só. E nunca tinham feito uma bolsa, nunca tinham feito um produto, um cesto, nada disso. Então assim, pra fazer uma exposição a gente não teria produtos suficientes pra poder fazer a exposição. Uma das coisas, teria que ter um tempo muito maior. A segunda coisa foi que elas também, essas outras três, uma não, uma em Santa Luzia era bem, bem, também só faziam chapéus, essa Santa Luzia a gente incluiu porque é uma região bem….é em Jaguaruana também, na mesma cidade, não fazia parte mas precisavam muito, muito mesmo. E...e Itaiçaba e Palhano elas já faziam, então elas tinham um know-how, um pouco melhor, era outro nível, já vendiam, tinha uma que já vendia pro Rio, pra não sei aonde, uma das artesãs. Então com isso a gente conseguiu que elas, deixa eu baixar, o Renato achou por bem que elas entrassem primeiro por ter um número maior de produtos, segundo que elas também teriam estímulo, sabe 48


uma troca entre elas, a gente fez um seminário onde todas apresentaram os produtos, se falaram e tal, então foi bem interessante. Então o motivo foi isso, mas o projeto Sítio Volta... tanto até que a gente continua fazendo, nós continuamos É, então as próximas perguntas são bem… Eliane: Então tá bom, então vai. São bem também, porque como o Renato acabou se desligando, eu queria saber também depois do...como é que tá isso hoje. Levando em consideração a venda pra um local distante você percebe que a distribuição do artesanato é um problema enfrentado pelas comunidades? Se sim, o museu chegou a atuar pra tentar resolver ou minimizar isso? Eliane: A gente atua em todos os projetos pra resolver, em todos. Porque não adianta você fazer um projeto onde elas fazem o artesanato, a gente compra pra exposição, vende aqui e depois elas...a gente tem que levar elas pra abrir pra outros comércios, pra outras cidades, pra outro mercado maior né, abrir o mercado pra elas. Então a gente atua sim. Tem alguém que pensa nisso? Que ajuda. Eliane: A gente mesmo pensa nisso. Então por exemplo, a logística pra virem as coisas é um pouco complicada. Por lá de...em Sítio Volta e Sítio Caiçara tem o Correio, mas o Correio sai caro demais pra elas mandarem, tá. Aí vem por transportadora? Eliane: Daí tá vindo por uma van, tem uma van de Itaiçaba que pegam coisas na cidade e leva pra Azul Cargo, que sai mais barato do que...foi a mais barato que a gente achou. Então a gente que pesquisa, a gente que vê tudo isso. Então assim, não tem caminhão de transportadora que vai pra lá. Vai pra Jaguaruana mas não vai pra… Pros outros distritos? Eliane: Porque é uma zona rural. E quem organiza isso lá é o Raimundo? Eliane: O Raimundo que...foi ele que organizou junto com a gente, a gente fica sempre o tempo inteiro balizando e dizendo 49


“isso sim”, “isso não”, “tão muito caro, não dá, ah Raimundinho vamos fazer desse jeito que depois...”, hoje o projeto paga, mas depois quem vai pagar? São elas mesmo, não pode. Então você sempre tem que pensar que é uma coisa que elas vão ter que fazer sozinhas, porque a ideia do museu, primeiro porque nem poderia, e segundo não é a proposta ser uma muleta forever, entendeu? Então é uma coisa… É pra deixar eles independentes? Eliane: É cada vez mais, deixá-los independentes. Então toda essa logística é feita por nós, ele ajudou lá, achou o cara da van que vai junto buscar. Daí eles embalam, daí a gente ensinou a embalar pra não mofar, pra não estragar, a comprar caixas, ou então pegar caixas em supermercados, a por aquela fita laca, adesivar com nome, endereço, tudo direitinho. Pegar um papel, passar fita no papel pra não molhar, entendeu? Senão molha e mancha. Porque essas coisas por incrível que pareça acontece e são um grande problema. Daí não sabe da onde é, sabe, então tudo isso a gente faz. E um outro problema que tem lá é da nota fiscal, é um problemasso, todas as comunidades, algumas não, mas é uma coisa muito comum. A nota fiscal, a emissão. Hoje em dia em algumas cidades eles tem a nota fiscal do Sebrae que emitem e tal. Elas a gente pediu pra se inscreverem no Sebrae, ou alguém fazer uma MEI pra poder mandar, ser uma micro e tal. Mas existe um problema que até agora não tá solucionado, quem está fazendo a nota fiscal tá sendo o Raimundinho. Aham, ele mesmo. Eliane: Ele mesmo, por quê? Porque elas recebem fundo rural, fundo pesca, aposentadoria, tem muitas pessoas, muitas mulheres que já… Já idosas? Eliane: Nem sem tão idosas, mas já são aposentadas, 60 e tal. Então elas tem medo de perder isso se elas fizerem uma MEI. E a gente consultou o Sebrae e realmente ainda não tá resolvido essa história por incrível que pareça. Isso é um problemão que existe, porque eles não podem garantir que elas não vão perder. E aí a gente não pode pedir pra elas fazerem, você entendeu? Imagina, elas vão perder esses fundos todos que na verdade elas acabam vivendo. Pra você ter ideia, o marceneiro que fez essa….. As mesas? Eliane: Que fez as mesas, que fez a parte de madeira dos burricos, 50


que você deve ter visto, a parte de madeira. É uma pessoa, é lá de Sìtio Volta também, é uma pessoa extremamente simples, ele nem...não sabe nem ler e escrever. A mulher dele sim, mas tem quatro filhos e vivem numa situação muito, muito, muito difícil, muito. Você vai lá, a gente foi na casa de todos né, então a gente conhece. É tem até uma foto dele aqui se não me engano. Eliane: Tem a foto dele, então ele, na hora de pagar a gente não pode pagar com depósito bancário, são entraves legisla...da lei, de coisas assim jurídicos que acontecem, por quê? Porque se ele recebesse o valor que ele iria receber, pela... na conta, ele perdia a bolsa família. Ah tá entendi. Eliane: Você entende? Então são entraves sérios, e aí a gente teve que pagar pra ele com dinheiro, que o projeto nem permite. Aí nós tivemos que dar o dinheiro pra uma...pro Raimundinho. Pra ele repassar daí. Eliane: Entendeu? Ele repassou com a nota fiscal, depositamos e ele repassou, porque senão nós fazemos...ele tem quatro filhos, como é que vai perder a bolsa família. Ninguém garante que nós vamos ficar mantendo eles entendeu? Sim, aham, como você falou é ser independente e tal. Eliane: Não, e mesmo além de ser independente você...como é que vamos tirar a bolsa família de um homem que tem quatro filhos? E que dependem dela. Sim aham, tem vários problemas. Eliane: Então “eu não recebo o seu dinheiro” daí o Raimundo ficou bravo. Daí eu fui lá “mas o que tá acontecendo?”. “Tá acontecendo isso, não pode”. “Por que você não pode receber?”. “Porque eu perco a bolsa família”. Acabou, tá certo, nós vamos pagar, não tem nem o que discutir o assunto, não ia fazer isso. E...então, então existe esse acompanhamento aos grupos após a exposição? Eliane: Existe. Mas vocês foram lá ou vocês entram só em contato com o 51


Raimundo? Eliane: Não, nós voltamos lá, voltamos lá em fevereiro, Renata e eu. Ah sim, durante o projeto, mas depois da exposição? Eliane: Não, não, depois do projeto. Fevereiro agora. Ah agora desse ano. Eliane: É, é. Ah entendi. Eliane: Não, nós continuamos com elas, por quê? As outras comunidades na verdade, a gente não tá voltando, a gente compra delas e tal, como se comprasse… Um lojista. Eliane: É...os lojistas a gente indica, não tem problema. Mas elas ainda não conseguem fazer um pedido sozinhas, fazer preço, porque a gente faz preço, a gente ensina a fazer preço. Sei, essa consultoria né. Eliane: É, então matéria-prima a gente ensinou. Mas ainda é muito difícil, é muito difícil. Elas não tem um computador pra mandar um e-mail, é tudo pelo WhatsApp. Então a gente faz um... tem um pedido, nós tivemos pedidos de 10 mesas, de 20 mesas. 10 grandes e 10 pequenas, e outros pedidos que a gente teve. Eu faço todo o pedido, mando pro cliente, converso com elas o valor tal, porque a gente tem, mando pro cliente, aviso que tem que dar 50% de entrada. Porque senão elas não tem dinheiro pro material, 50% na entrega, que o frete é pago pelo cliente, porque pode vir pra São Paulo como pro Rio Grande do Sul né. Então a gente continua fazendo isso até hoje. Continuamos com a casa alugada. Aham, tem lá. Eliane: Nós alugamos uma casa, continuamos com a casa. Pro estoque? Eliane: Não, pra elas trabalharem porque era outro problema. 52


No começo elas começaram a trabalhar numa escola ali vizinha da estação. É eu vi foto da escola. Eliane: Só que a escola era uma coisa muito temporária. Daí quando nós fomos lá, nós alugamos uma casa que é colado na estação da água AMA, bem ao lado. Então elas vão, a gente tinha transporte pra levá-las, agora elas já conseguiram se organizar pra irem, mas no começo tinha que buscar e levar o pessoal de Caiçara, o pessoal, Raimundo ficava pra lá e pra cá. Nós alugamos um carro pra ele poder ficar indo de um lado pro outro durante o projeto. Então elas continuam produzindo esses objetos da coleção que foram criados? Ou chegaram a voltar alguma parte pro produto, pro artesanato anterior? Eliane: Não, elas tão produzindo, eu vou te mostrar o que elas já fizeram, nós já compramos, nós mesmo já compramos acho que quatro vezes. É eu vim, eu vim umas três vezes acho pra ver como é que tava os produtos. Eliane: Então compramos várias vezes, em cima você vai agora que chegaram mais coisas. Nós fomos novamente, nós contrata... chamamos de novo a Liana Bloisi. Porque quem trabalhou em Sítio Volta e Sítio Caiçara, quem desenvolveu os produtos em Sítio Volta e Sítio Caiçara foi Liana Bloisi e João de Fibra. O Renato ficou mais nos outros, ele ia e tal…. É, ele fazia a curadoria né? Eliane: É, ele fazia a direção dos designers, mas quem desenvolveu tal, quem criou, quem fez, foi a Liana Bloisi e o João de Fibra. Nós chamamos novamente eles, em fevereiro eles foram conosco, o museu pagou a eles novamente, chamamos porque foram eles que trabalharam com elas lá né. Pra que eles, porque assim, o que acontece, fica modelo, fica tudo, mas daí vem uma bolsa desse tamanho (gestos com as mãos) O protótipo. Eliane: É o protótipo, fica o protótipo e fica um modelo assim. Eu fiz, eu fiz em papel, desenhado a alça, a largura, o tamanho, escrevi, expliquei, deixei os papéis todos lá, eu fiz. Porque 53


começou a chegar uma bolsa assim, outra assim, outra assim, outra assim, elas vão perdendo. Sabe, vão criando, vão perdendo. Eu digo “não pode porque o cliente tá comprando essa, a hora que você mandar outra ele vai te devolver, e você vai ter prejuízo” são coisas que elas não sabiam, não entendem, entendeu? E a qualidade também, vieram coisas que eu falei “olha isso aqui não vende”, levei de volta “isso não vende” a costura, sabe, São Paulo não compra isso. Até porque o preço que vocês estão vendendo não pode ter um acabamento desse, a costura não pode ser um caminho de rato. Entendeu? Então a gente cuida muito disso, e devolve, e mostra, e fala, não pode pra elas corrigirem. E o museu tem alguma participação no sentido de promover contatos da comunidade com o mercado de forma direto? No sentido de, por exemplo, divulgar o produto pra algum lojista ou alguma coisa assim? Eliane: Sim, sim, nós estamos com a Rede Asta, a Rede Asta trabalha com artesanato. Não conheço essa. Eliane: É muito boa, muito séria, muito bom. É da onde? É daqui de São Paulo? Eliane: Ah, é do Rio, do Rio. Eles tem aqui em São Paulo também. Na verdade nem sei se surgiu em São Paulo ou no Rio. Eles entraram em contato com a gente, porque eles queriam ter os produtos delas lá, eles tem uma vitrine, além da internet, eles tem e-commerce, eles tem uma vitrine lá onde eles põem os produtos de vários artesanatos do Brasil inteiro, pra venda. A gente, por exemplo, essas mesas eu entrei em contato com aquela loja Casa Bonita. É uma loja aqui de São Paulo, grande, que agora abriu uma área, uma loja com artesanatos, e aí entrei em contato com elas e vendi 20 mesas, 10 pequenas, 10 grandes. A gente tava numa feira e tal, então assim eu continuo fazendo, sou eu que faço, a gente põe na internet, põe no Facebook, põe não sei o que, mas eu continuo atrás de gente pra comprar. Agora eu tô vendo uma coisa que é...é que sabe o que acontece, o lojista não entende que o artesanato não tem atacado, entendeu? Ele consegue ser mais barato, mas não consegue ser um preço como produto industrializado que se você fazer 100 custa 10 e se fizer 1000 custa 5, entendeu? Não tem. Sim, é outra lógica de produção. Eliane: Nós estamos agora com um pedido de 10 mil peças que não 54


sei se vamos conseguir e tal. Mas de uma empresa que quer dar de brinde, no Natal. Então eu tô fazendo todos esses contatos pra que elas continuam vendendo. O problema é que, por exemplo, 10 mil peças, eu não consigo nessa data. Entendeu? Pelo tempo, por tudo. Daí a gente até indicou uma outra comunidade que trabalha com tecido, porque 10 mil peças em palha, a palha pode faltar, pode chover muito e não ter palha, porque ela seca na rua você deve ter visto. Então tem muitas coisas que podem fazer com que eles não entregam, e a gente não pode fazer isso. Sim, não pode correr esse risco. Eliane: Entendeu? E tem alguma outra aqui de São Paulo mesmo, além da Casa Bonita, que você...de lojista que você... Eliane: Tem de Paraty, Paraty comprou. Aqui de São Paulo tem uma loja aqui na Rua Pinheiros que comprou, não me lembro o nome deles. Mas tem...essa nem foi por mim, mas eles viram, as pessoas vem a gente também. Só Sítio Volta e Sítio Caiçara que não dá pra passar contato porque elas voltam pra gente. Então quem entrou em contato com elas, elas pediram pra falar com a gente, porque elas não conseguem. Tá, então eu continuo… Fazendo essa ponte. Eliane: Fazendo toda essa ponte, organizando tudo, falando tem que entregar, quando tem que entregar, o prazo, tudo. Sim, eu vou te mostrar uma foto aqui. Eu vi que a mesa, a mesa Palhano foi pra exposição de Milão. Eliane: De Milão, isso, foi a Casa Bonita que levou. Ah foi eles que levaram, é que eu queria entender. Eliane: Foi a Casa Bonita, ela comprou, ela comprou 20, todas cruas. 20 mesas, 10 grandes e 10 pequenas, foi ela que levou pra lá, não fomos nós. Ah entendi, e você acha que levar esses produtos pra uma exposição, por exemplo, de design em Milão é preciso pra atingir o mercado? Como é que você vê isso. Eliane: É muito bom, o problema é essa ligação de, por exemplo, isso se comprarem vai ser via Casa Bonita, mas a Casa Bonita 55


vai comprar delas, então não tem problema, é uma cadeia né. Mas eu vou te dar um exemplo, nós vendemos pra Fenearte, pro Espaço Janete Costa, eu trabalhei muitos anos até ela morrer, com a Janete Costa, a arquiteta, não sei se você sabe quem ela é. Sim, ela entrou, o nome dela entrou na minha pesquisa já. Eliane: É, se precisar de coisas dela eu sei também muito. Ah legal. Eliane: Aí a filha dela, que cuida do Espaço Janete Costa junto com a Bete Paes, ela me ligou, a Roberta, que é arquiteta também, tá fazendo a mesma coisa que a mãe, muito boa, se chama Roberta Borsoi se quiser saber. Ela me ligou falou “ai Eliane vocês tem cavalinhos aí, os burricos tal, que a gente quer pôr aqui no espaço da mamãe e tal, e chama o Espaço Janete Costa”. É eu vi fotos depois. Eliane: É, é muito legal. Já antes, quando ela morreu virou espaço Janete Costa, mas ela sempre teve, a gente sempre fez na Fenearte antes dela morrer, enfim. Aí foi pra lá também. Eliane: Aí é então, eu vou te contar. Daí nós encomendamos, aí eu falei “tem Roberta, a gente encomenda tudo bem, eu encomenda pra você”. “Ah você encomenda pra mim?”. “Encomendo”. Daí falei, porque eles mudam o preço também, então o que custava 100 daí agora eu quero 200. Não, não pode ser 200, você não vai vender. A gente já vendeu aqui por...o preço a gente coloca, o museu coloca, uma porcentagem pra pagar juros de cartão de crédito, porque o museu é gratuito né, a vendedora quando tem uma vendedora, que a gente tinha, e impostos, porque é tudo com nota e tal, tem impostos sobre as vendas tudo isso, né, a gente coloca tudo isso, ah e o transporte, tem o transporte também. O custo da peça, o frete, tararam tararam, então não é o mesmo preço, é um pouco a mais, não é absurdamente a mais não, é um pouco só, só pra cobrir as despesas senão a gente não consegue fazer né. E elas sabem disso, isso tudo foi muito bem explicado, pra não achar ah tamo ganhando sabe, a gente explica direitinho. Aí eu...aí foi, encomendamos, então falei Raimundinho ó, então chamei o Raimundinho, “Raimundinho você vê isso, leva isso, tal, tal, tal”, falei com o Genivaldo, o marceneiro. Não eu faço, com a mulher dele que a gente fala, falei com as meninas lá de Palhano de fazer o piso, “não a gente faz tudo bem”, não Palhano não, 56


Itaiçaba. O burrico é Itaiçaba, é uma que faz o burrico, falei com ele “ah não” fechou, foi tudo direitinho. Aí uma amiga minha me manda, tava acontecendo a Fenearte, o Raimundinho enviou pra Pernambuco deu tudo certo. Aí a minha amiga me manda assim, “olha, dá uma olhada o que tá aqui na Fenearte o burrico de vocês, você sabia?” Ela falou pra mim, “foram vocês que venderam pra lá? Pra Fenearte? E você sabia, sabe que tá artista Raimundo?” Ah foi com o nome dele. Eliane: Falei “Roberta!”. “Ah não sei quem pôs, vai ver a gente falou tanto Raimundo, Raimundo, quem tava fazendo”, artista Raimundo foi, entendeu? Então é muito..você teria que ficar assim…. Sim, acompanhando tudo. Eliane: Não, seria humanamente impossível. Você teria uma pessoa só pra isso e mesmo assim seria...olha só, então é muito engraçado. E assim por exemplo, as mesas, as mesas foram encomendadas, ela queria para o dia 20 de janeiro. Eu falei que dia 10 de janeiro tinha que tá em São Paulo, então tinha que tá pronto até final do ano. Pra no dia 4 ou 5 que era o primeiro dia útil, sei lá, mandar pra São Paulo, organizei tudo, tudo direitinho. Daí eu tô viajando em janeiro, tava fora, recebo WhatsApp da Cecília. “Eliane, parece que elas não fizeram as mesas”. “O que?”. Aí liguei aqui e perguntei “Aline o que que tá acontecendo?”. “Não eu liguei pra lá, uma mãe caiu, a outra escorregou, a outra morreu, a outra teve hepatite, sei lá o que” entendeu? Aham, problemas familiares. Eliane: É, na verdade não é. Elas fazem isso, isso é...pode ter certeza que 10% foi, o resto não fizeram. Aí assim eu tive que pegar “vocês tem que fazer, vocês se comprometeram, vocês receberam 50%, ela precisa disso”. Aí mandaram um, “ah tá bom esse?”. “Não, não tá a palha tá manchada, esse não vai, faz outro”. Bom no fim fizeram, mas foi um estresse que eu passei as minhas férias em cima delas, mandando WhatsApp, quando você acha que tá tudo resolvido, porque o Raimundinho também é um pouco assim, você tem que ficar em pé, porque o Raimundinho… Então a comunicação é principalmente pelo WhatsApp? Eliane: WhatsApp. Porque elas não atendem, sai caro se elas atenderem, só o WhatsApp. É o tempo inteiro o WhatsApp. E aqui, o uso das mídias sociais do museu, o Instagram, o 57


Facebook, para divulgar o projeto promove contatos da comunidade com o mercado? Assim, vocês recebem mensagens de lojistas, pessoas físicas via mídias sociais? Eliane: Muitos, muitos, recebemos, recebemos muitos. É um ponto então de apoio? Eliane: Sim, a gente divulga, é um ponto de apoio, e a gente também oferece, por exemplo, como eu trabalho também com a parte de eventos, eu cuido do museu né, coordeno tudo aqui. Mas eu, mas eu trabalho na área de eventos, então quando vem por exemplo, esse pedido de 10 mil, é um evento que foi feito aqui, que aí eu contei, como eu fiz com a AMA e a empresa gostou, então em vez da gente comprar um produto pronto vamos trabalhar com artesãos, e eles viram as coisas de palha, mas eu nunca imaginei que eles iriam pedir 10 mil né, é uma coisa...aí também deu um budget muito pequeno, né, mas o budget até elas resolveram, quanto ao budget, mas “ah porque se é uma quantidade” aí eu explico, “mas gente não faz diferença, porque é artesanal”, entendeu? Porque o tempo que ela vai levar não é como uma máquina, que você joga 100 ou 1000. Exatamente, tem o tempo das mãos. Eliane: É, ainda é muito difícil trabalhar com o artesanato pela cabeça das pessoas. (A entrevistada conta outro exemplo fora deste projeto). E você consegue dizer, além dessas lojas que você falou, você sabe me dizer algum outro ponto de venda aqui em São Paulo vende os produtos deles? Além da Casa Bonita e tal. Eliane: Não, acho que não. Não, acho que não. Ah não ser, eu não sei te dizer Itaiçaba e Palhano porque elas já vendiam. Ah tá porque eles já eram mais independentes ali. Eliane: Eles já vendiam, entendeu? Eles entraram com a gente meio que de gaiato né, o projeto não era área deles. Então eu não sei te dizer, porque pode ser que elas estejam vendendo, elas já tinham tudo, tudo esquematizado. Sim, aham, elas já tinha a cartela de clientes. Eliane: Já, uma delas vendia pra Água de Coco no Rio, as bolsas entendeu. Então, já tinha...não sei te dizer, Sítio Volta e Sítio 58


Caiçara não, porque tudo passa pela gente, e Santa Luzia. Aé porque são os três na mesma cidade né. É a última pergunta agora, pensando na circulação dos artefatos, o que você acha que mudou na vida das artesãs depois do projeto? Eliane: Ah mudou bastante, elas mesmo falam. Mudou bastante, primeiro mudou em termos de conhecimento, elas aprenderam a fazer bolsas, que elas achavam que, elas diziam “eu não consigo, eu não consigo”. Quando elas conseguiram foi uma alegria imensa, você vai ver o que é delas, eu vou te mostrar especificamente. Então mudou muito, mudou em termos de renda, elas ganhavam uma média de 100 reais por mês com artesanato. Pra você ter uma ideia a gente fez o custo, a palha assim, um olho de carnaúba, são vários tipos de trança, algumas mais trabalhadas outras mais simples, e quanto tempo um olho, quanto dá em tamanho de trança pra cada tipo de trança, e quanto tempo leva pra poder fazer o custo do metro, o preço do metro. Bom, fizemos e tal, fiz o preço do metro com elas, fiz tudo, no fim nós tivemos que fazer, chamamos uma pessoa que não deu certo, tivemos que nós mesmos que resolvesse esse assunto. Aí fizemos, mostrei, ensinei, tararam, tararam. Bom, então compramos centímetros, compramos mesas, máquinas de costura, cadeiras, centímetros, alugamos a casa aí fizemos, isso pelo projeto. Compramos centímetros, porque elas não sabiam ensinamos a usar, elas vendiam por braçada. Daí uma senhora virou e falou “eu não vou vender por metro, sempre vendi por braçada e vou vender por braçada” falou pra mim. Então tá, então vamos fazer uma coisa, “posso medir a sua braçada?”, “pode”. Aí ela olhou e vinha até aqui, então, “até aqui a senhora ganhou dinheiro, daqui pra frente a senhora deu de presente pra ele”. Ela olhou e disse “é mesmo?”. Falei “é mesmo, aqui é o metro, acaba aqui, isso aqui a senhora deu, a senhora trabalhou tudo isso”. “Ah, então eu vou vender por metro”. Então é muito concreto. Sim, muito prático tem que ser. Eliane: Não e tem que ser concreto assim, explicado, exemplificando como se estivesse ensinando uma matemática 2 + 2 + 2 pra uma criança. Sim, porque ela já vem por muito tempo fazendo isso então. Eliane: Muito tempo, e tem os atravessadores, que eles compram. Ela falava 5, mais menos custa 5 reais e eles falam te dou 1, e elas vendem, porque o que elas vão fazer com aquilo, é ele que compra. Então, na verdade às vezes elas não ganham nem 59


o que elas gastaram de matéria-prima. A gente ensinou a horatrabalho, então calcula a hora, o trabalho, quanto tempo levou, multiplicar tudo isso. Tudo isso mudou na vida delas também. Eliane: Mudou muito, mudou muito, em termos de usar WhatsApp, celular. Sim, aham, por isso eu perguntei do WhatsApp. Eliane: É, aprender a fazer, por exemplo, tem uma menina lá, duas, que coordenam. Aham, sempre tem que ter uma liderança né. Eliane: Tem que ter, ela é mais jovem, ela tem acho que tem 20 e poucos anos, 25 anos por aí, a Ana, é sempre com ela que a gente fala, aí ela passa pro grupo, então ela coordena. Aí eu tive que explicar que como ela gasta muito tempo vendo o que pegou de palha cada uma, ela anota tam tam tam, ela tem que, a hora-trabalho dela tem que ser dividido pelo grupo. Nossa pra entender isso foi um caos, porque ela deixa de trabalhar, pra trabalhar pro grupo, mas no fim entenderam. E….mas o que eu ia te contar disso. Ah elas aprenderam a contas, assim como fazer custo tal, elas já entendem, a gente ensinou, elas conferem conosco, mas já sabem fazer, sabem olhar uma planilha, mandei um pedido elas conseguem ver, sabe já mudou. Mudou bastante, não só em termos do que eles ganham, como eles nunca tinham vendido pra fora, nunca tinham vendido nada. Isso que eu iria perguntar, era uma venda mais local mesmo? Eliane: Local, os atravessadores vão lá e compravam as tranças, as esteiras e os chapéus, os chapéus são aqueles chapéus bem rústicos, que muitos... De campo mesmo? Eliane: De campo e que muitas vezes eles exportam pra usar, a China parece que usa muito na plantação. Porque ele é muito vazado, então eles enterram os chapéus e plantam dentro dele, porque a palha a carnaúba segura a água porque ela tem a cera. Entendeu? E ela retém a água quando não tem, então usam pra plantação o chapéu. Mas compram em milhares, mas compram a 20 centavos. Troca seis por meia dúzia, por isso que nunca o artesão saiu da pobreza. 60


Paula Dib. Fonte: Trip. Disponível em: https://revistatrip.uol.com. br/trip/a-designer-pauladib-usa-sua-capacidade-deadaptacao-para-encontrarsolucoes-em-prol-decomunidades-artesanaisbrasileiras. Acesso em: 22 abr. 2019.

Entrevista Paula Dib

08 de agosto de 2019 via Skype Eu tenho já algumas informações, eu já pesquisei bastante sobre o projeto. Então muitas informações eu já consegui pela internet, eu queria só confirmar contigo. Pra ver se elas estão certas ou não. O projeto começou em 2012 com o Instituto Elos né? Paula: Isso, teve uma etapa do Instituto Elos. Que foi por um ano e que depois em 2013 foi a Artesol né? Paula: É aí a gente deu continuidade. Eu não... na verdade não tô me lembrando se foi exatamente um ano com Elos, eu acho que foi menos, foi tipo 6 meses, coisa assim sabe. Era um projeto bem enxuto, projeto curtinho. Tanto até que a gente conseguiu a continuidade depois. Ah entendi. Ele foi continuado pela Artesol porque ele de fato 61


foi muito pontual? Foi muito rápido, é isso? Paula: É...quer que eu te conto como foi? Sim, sim, por favor. Paula: É, então. O Elos me chamou pra fazer esse trabalho lá, aí a gente teve um processo assim grande de ajuste. Elas antes tavam fazendo, não sei...sabe esses tipo clipart assim, que você pega... sabe esses desenhos de colorir de criança. Então tem as flores, tem umas coisas, aí elas tavam fazendo isso, que era recortando a madeira e fazendo esse tipo de trabalho, pintando com tinta acrílica e tal. E fazendo uns pássaros também que um italiano encomendava delas. Mas eram coisas assim bem, pouco vivas, porque além de tudo elas pintavam com essa tinta brilhante, acrílica, que escondia a madeira, podia ser um gesso, podia ser qualquer coisa sabe. Então ficava...tava pobre, dentro do que ele poderia ser. Então era um artesanato que elas faziam tipo copiando moldes, de revistas, essas coisas? Paula: Copiando moldes é, sabe riscos de desenhos pronto, da internet. E aí assim, tava lá e elas não conseguiam vender muito, ia pra aquelas feirinha de artesanato, e é isso, fica ali dentro daquele...daquela coisa. Na região? Paula: Isso. Aí o Elos já tinha dado uma força pra elas, eles tinham avançado um pouco, mas ainda faltava muito. Ainda elas tavam com vários problemas de produção, e tal. Então quando a gente foi, eu olhei assim, e aí vai um pouco do processo criativo né. A gente viu o que eles tavam fazendo, entendeu tudo o que eles sabiam fazer, o que eles tinham de possibilidades ali, e escutou toda a história, escutou da onde eles viam, escutou toda a problemática deles com relação a terra, o deslocamento que eles tiveram, que eles viviam na reserva, eles foram retirados da reserva. Então eu percebi assim, eu e a Re, a gente foi vendo com...que é um grupo cheio de engajamento político, é um grupo com posicionamento, grupo com história, uma história linda assim, caiçara. Os pais deles ainda tão lá na reserva, são pescadores, vivem daquela forma. Então a gente...nossa quanta riqueza escondida aqui. E aí foi vendo assim o que...que que vocês faziam? Vivendo na reserva. O que vocês aprenderam com seus pais? O que vocês tinham? Ai eles falavam, a gente usava muita caixeta pra fazer bowl, cuia né que eles falam, pra fazer utensílio de cozinha, pra 62


cozinha, coisas de cozinha, tudo era cozinha, rodava em torno da cozinha. E também coisa pra pesca assim, e aí a gente, enfim, pediu pra eles levarem a gente pra passear ali na região, a gente saiu e foi ver o que eles viam, não o que a gente via, mas o que eles viam. Que eles mostravam pra gente também, aí a gente foi compondo com coisas que chamavam nossa atenção e por aí vai. Então a partir desses cruzamentos a gente começa a fazer uma sugestão da gente sair do rolo de papel higiênico, porque eles tavam fazendo porta rolo de papel higiênico e coisa assim, e ir pra os utensílios de cozinha, e aí foi vendo os desenhos, as coisas que eles faziam, quais eram os desenhos dessas cuias, dessas colheres, porque também, entendendo que eles já produzindo esse tipo de coisa, já tinham exercitado bastante o fazer da caixeta e sabiam assim as melhores formas, as formas que a cadeira sentava melhor, é coisas assim. Então...aí que a gente chega naquela colher rendondinha né, ou essas formas assim, e aí foi puxando os elementos, elas usavam aquelas flores de (não audível) então a gente foi trazendo, mas e as flores que tem aqui? Quantidade de bromélias, elas tão no meio da Mata Atlântica, coisa mais linda. É eu vou até te mostrar, vou te mandar uma foto pelo chat, não sei se você vai conseguir ver, que eu encontrei fotos de como era o artesanato antes, eu queria ver se era esse mesmo, ou se eu peguei de uma fonte errada, deixa eu encontrar aqui. Te mandei agora uma foto, não sei se você recebeu. Que era uma coisa mais de peixes, aves, uma coisa mais saturada, uma coisa decorativa também, era essa… Paula: Olha, essa foto, esses peixes aqui não é delas não, porque o delas na verdade não tinham nem esse requinte assim, de barbatanas e tal sabe, era chapadão. Não tinha esse rebaixado, era mesmo...só a peça cortada não era tão esculpida. Entendi, era uma coisa meio 2D assim. Paula: Isso, a única coisa que elas davam uma esculpida mais era uns passarinhos que elas faziam, eu tenho fotos. Se você quiser eu mando. Ah isso vai ser ótimo. Paula: Assim na verdade são fotos deles, não são fotos muito boas, então. Não mas já ajuda, já ajuda se você conseguir essa fotos mandar depois. A comunidade...porque o Instituto Elos que começou 63


esse projeto, foi a comunidade que solicitou essa ação ou foi o Instituto Elos que foi atrás e proporcionou? Paula: Então, o Instituto Elos tem aquela...é, ai meu Deus do céu, como é que chama aquela....tem um processo que eles vivem em comunidades, Guerreiros Sem Armas, que eles vão para determinados lugares e eles ativam esse lugar, assim usando o recurso local, sabe. Então eles melhoram as praças, melhoram as condições de vida, melhoram isso, melhoram aquilo, e nesse processo eles identificaram esse grupo de mulheres, que na verdade são uma família e eles tavam trabalhando juntos e eles perceberam como esse pessoal era engajado e tudo, e eles foram apoiar o que eles tinham vontade de fazer né. O sonho delas desde sempre era trabalhar com o que elas...com o artesanato né, e deixar de trabalhar na casa das famílias, que é o que elas… Uhum, que é a fonte de renda? Paula: É, que é a fonte de renda lá, que elas trabalham na casa de veraneio. Então foi um projeto pontual com o Elo, pontual assim curto né. Pouco tempo pra… Mais direto? Paula: Isso, onde a gente já conseguiu fazer um bom alinhamento sabe. É porque eu vi que daí foi feito um catálogo pelo Instituto Elos de 2012 e daí depois a Artesol fez um outro catálogo que lançou em 2014 eu acho. Paula: Isso. E quem participou tudo desse projeto? Como era composta a equipe? Teve você, foi a Renata, tinha outros consultores? Coordenadores? Ou artesãos que vocês contrataram lá pra desenvolver esse projeto? Paula: Não, não. Foi...bom tanto pro Instituto Elos quanto com a Artesol a equipe era eu e a Renata, e a gente tem assim, a gente é uma boa dupla sabe, a gente vai e pensa assim a estruturação desse negócio também né. Então com o Elos a gente conseguiu chegar até um ponto, a gente sentiu que puxa tinha muito ainda pra fazer, por fazer. Mas tem um limite de tempo né, então quando surgiu a oportunidade com a Artesol a gente estendeu tanto a melhorias e tal, enfim posso te contar isso depois. O que você perguntou da equipe, acho que...assim em campo era eu 64


e a Re, aí por exemplo com a Artesol...tanto com Artesol...não com o pessoal do Elos, eles eram bem presentes em campo, então eles acompanhavam o projeto de perto, eles tavam sempre por lá assim, com a gente e tal. O pessoal do Artesol eles tiveram lá também a Sheila foi pra falar com eles sobre a parte de empreendedorismo, e coisas assim. A Jo também é uma coordenadora geral que não tá em campo, mas a gente conversava com ela e tal, mas a gente repolpava tanto pro Elos quanto pro Artesol os processos que a gente tava vivendo em campo. Uhum, entendi. E daí, sobre a gestão sempre tinha essa parte, essas pessoas que também tavam envolvidas né? De...enfim pra comercializar, e tal. Paula: É...assim, dentro...quando a gente bolou a segunda etapa, porque dentro da primeira etapa, assim...o Elos trabalha bastante com a rede deles então eles fizeram tipo um bazar pra vendas, foi bom e tudo mas não é uma coisa que você resolve né. Aham, não é a longo prazo. Paula: Não, é uma coisa pontual de novo né. Então o bazar do Elos foi legal pra fazer um teste do que as pessoas gostavam e tudo mais. Então a gente até pensava numa continuidade mas não tinha muito horizonte, não sabia quando, nem nada, sabe, quanto isso poderia crescer. Então quando a Artesol me procurou, “olha a gente tem um projeto assim, assim, assim, tem algum grupo que esteja num estágio de trabalho meio avançado?” Mais estruturado? Paula: É mais estruturado que a gente possa dar os próximos passos e tal. E aí logo pensei nelas né, porque também tinha que ser no Estado de São Paulo e tal. Quantas pessoas produzem o artesanato ali na associação? São quantas mulheres? Paula: Olha são 5 mulheres, que tem, mas o que acontece… (interrupção) São 5 mulheres fixas? Paula: Não, então, são 3 mulheres fixas e as outras 2 que elas chamam quando elas tão produzindo mais. 65


Aumenta o pedido? Paula: É, que esse é o acordo delas lá. Sobre as etapas percorridas que vocês fizeram, você e a Renata, qual é a metodologia que vocês acabam utilizando, projetual? Por exemplo, assim: definição do problema, coleta de dados, pesquisa de materiais, experimentação, construção de modelos... Como é? Se você conseguir uma resposta sequencial de etapas que foram durante o desenvolvimento da coleção. Você meio que já falou um pouco antes, mas de uma forma mais pontual assim. Paula: É, então, bem assim, cada caso é um caso, vamos deixar isso muito claro. Porque às vezes a ordem não é exatamente essa. Sim, às vezes vai pra um, volta, e volta de novo. Mas… Paula: É, e dependendo do grupo, e dependendo das oportunidades, dependendo da maturidade. Aham, mas nesse projeto específico ali do litoral de São Paulo, como é que vocês desenvolveram? Qual foi a metodologia? Paula: Tá, a gente fez esse resgate, entendeu o conhecimento deles, entendeu as habilidades, e a gente foi se surpreendendo entendeu. Então a gente foi deixando as máquinas de lado e entrando bem mais no trabalho manual. Aí a parte da pesquisa, da história, pesquisa cultural deles, a gente passou para uma pesquisa do ambiente. Então eu sinto assim que tem uma ordem que é a essência, entrar na essência, buscar a essência do que eles fazem, do que eles faziam, do que eles têm como cultura. Depois olhar pro ambiente, entender qual é o ambiente que a gente tá inserido, quais são as possibilidades ali, mergulhar nisso, fazer vários cruzamentos a partir disso. E depois chegar na forma, a forma é a última coisa assim, que a gente vai pra forma só...é um consequência desses entrelaçamentos. E aí a partir da forma a gente começa a estudar os tempos produtivos, a capacidade, as dificuldades, as possibilidades, enfim, vai entendendo quais são os nossos gargalos e as nossas possibilidades. E aí a gente começa a olhar a partir daí qual é o mercado que vai absorver esse produto, o preço que esse produto pode ter, para onde aonde a gente leva, pra que direção que a gente aponta, com quem a gente conecta, tudo isso entra no nosso processo também. E paralelo a isso tem uma questão de organização dessa produção, então com elas também a gente criou também um painel com 66


todas as ferramentas, bem daquelas de marceneiro mesmo, sabe que você desenha o martelo na parede. Criou assim, onde vai o resíduo, qual o resíduo é reaproveitável, qual o resíduo que é resíduo mesmo, pra onde que elas destinam, sabe, assim, foi criando todo o processo produtivo. Bem completo mesmo, pra gente garantir uma fluidez de uma produção. E é isso, e depois chega..quando a gente entendeu qual era o público, qual era o mercado, a gente colocou elas numa feira em São Paulo pra lançar esses produtos, e acompanhou elas durante a feira também. Então a gente teve esse processo de lidar com o cliente, entender as nuances, o que pode o que não pode, onde elas cedem, onde elas não cedem, e elas foram tomando isso pra elas. Você usa algum teórico ou designer como base para a metodologia do projeto? Ou você vai de acordo com a experiência? Você cria essa metodologia com a experiência mesmo em campo? Paula: Não, eu crio em campo mesmo. Porque ah é...assim, a gente também tá muitos anos nessa estrada, eu tô há 20 anos, se for ver é um bocado de tempo. Aí a gente foi vendo, não existe fórmula possível sabe. Mesmo cada caso é um caso e eu sinto assim que tem um alinhamento que acontece, então se existe uma base, eu sinto que é essa de essência, ambiente e forma. Que a partir daí isso vai se desdobrar. E esse lastro forte assim, continuo com o processo. Então tá o tempo todo uma coisa encaixar na outra, encaixar na outra, encaixar na outra, porque se tiver buraco não fecha, não tem jeito. Isso, isso de entender que produção artesanal é processo sabe, é processual, e não tem o que pular, é outro ponto de atenção, outro.... Sim, e a maioria das metodologias também acho de projeto são muito focadas pra desenho industrial, e não artesanal que é diferente né? Paula: É isso, também. É isso, a gente tem o componente humano, a gente tem o tempo das mãos que eu falo sempre, tempo das mãos, que é isso. Não tem....tem tantas variáveis nesse...essa complexidade social, contextos, tudo isso entra no nosso trabalho e dentro dessas metodologias não tá, não tá... como fala assim, não é considerada. E como foi trabalhado...porque assim, você chegou já tinha um artesanato sendo produzido ali. E como foi trabalhado essa inovação nessa nova coleção pra tornar contemporâneo esses objetos sem perder essa tradição? Você acha que trabalhar com a mesma madeira, que é caixeta, com mesma técnica, que é o entalhe, você acha que tudo isso é uma forma de manter a 67


tradição, mas criando novos objetos? Paula: Então, elas tinham se perdido né. Elas não tavam assim... dando tiro pra todo lado né. Elas estavam usando a madeira que elas sabiam fazer, mas elas estavam perdidas. Elas foram pra internet procurar coisas, enfim, não tinha conexão com o que elas faziam, a não ser a matéria-prima. Então, fazer esse resgate de voltar pro entalhe, de voltar pra isso é dizer pra elas “olha o que vocês faziam tava certo, o que vocês faziam não tem nada de errado”. Pra modernizar você não precisa deixar de ser você, vamos voltar pra onde vocês estavam, pra aquilo que vocês aprenderam com seus pais, e tal. E esse grupo especificamente, eles têm assim um...eles vem muito valor na cultura deles. Então quando a gente propõe isso eles se abrem né. Agora por exemplo, quando a gente propôs de tirar a tinta acrílica, que era um problema, que além de ser...tirar a beleza da madeira e tudo, ela quando ia pro transporte, por exemplo, uma peça colava na outra e arrancava a tinta, essas coisas. Sei, danificava, aham. Paula: É porque a tinta acrílica ela fica grudenta né. E uma na outra arrancava a tinta da outra. Aí teve resistência, porque a tinta acrílica é brilhante, tem aquele acabamento e não sei o que, mas é...a gente falou tem uma coerência no nosso projeto, que a gente tá desenvolvendo juntos né, projeto nosso assim, de todo mundo, que tem uma coisa ambiental também sabe. Porque a gente trabalha com tintas a base d’água, tinta...outra, aquareladas assim, trabalha outras...aí teve um pouco de resistência mas elas percebendo que o público gostava muito mais das aquareladas elas cederem assim. A Dalva até ela fala até hoje “não, não gostava assim e aí depois eu percebi que na verdade é lindo”. Teve essa resistência, mas depois teve a adesão. Paula: É, teve adesão. É, você falou brevemente do processo criativo, então as artesãs elas são envolvidas nessa etapa do processo criativo né? Paula: Então elas são...elas são vamos dizer trazendo todas as referências, trazendo né o que tem ali. Aham, a história? Paula: É, e a gente vai montando isso juntos né. Então assim, nosso papel nesse sentido é importante, a gente não deixa solto 68


sabe, mas a gente trabalha junto. Dá pra entender? Entendi, aham. Entendi sim. Elas estavam ali sempre presente na parte de...enfim vocês iam criando as peças mas baseado enfim nas histórias que elas contavam, nas referências, no ambiente. Paula: Isso, isso, isso. A gente ia criando juntos assim né. E você falou que tem então um acompanhamento a esse grupo depois desse projeto né, teve isso de ir na feira, de ver como que tá estruturado e tal, tem esse acompanhamento né? Teve? Paula: A feira foi dentro do projeto ainda, era tipo a parte final sabe do projeto. E antes de ir pra fei...bom e depois da feira também, que a gente sentou com elas, olhou os pedidos, olhou tudo. Mas ainda dentro do projeto, era uma etapa final. Uhum, e a feira foi a Feira Craft né? Paula: Foi. Você sabe...você lembra quando que foi a primeira edição que elas participaram. Porque foram três né? Paula: É, então eu acho que foi no fim de 2013, não sei agosto de 2013. Ah foi quando a Artesol já tava atuando daí? Paula: É, foi com a Artesol já. Já tava. Essa parte toda mais comercial assim de estruturação do negócio aconteceu quando... com o projeto vindo da Artesol. Entendi. Digamos que então foi assim, o Instituto Elos atuou muito mais pontualmente no design de produto né, chamando vocês. E daí a Artesol depois continuou e deu peso mais, também, nessa parte da comercialização né. Paula: É, porque na verdade eu e a Renata, a gente que escreve as propostas, então o Instituto Elos a gente falou “com esse tempo a gente consegue vir até aqui”. Aí quando chegou a Artesol a gente pegou já dali, trabalhou bastante o produto também, melhoria de qualidade, um monte de coisas, outros produtos, ampliou a coleção, foi pra outros lugares e tal. E entrou nessa parte de mercado também. De também de processo produtivo e tal, mais forte. 69


Entendi. As artesãs, depois do projeto, elas continuam produzindo esse artesanato ou elas voltaram a também produzir um pouco dos que eram feitos antes do projeto? Paula: Não, elas, elas...na verdade elas abandonaram aquela outra produção. Então os filhos delas seguem fazendo a rabeca e os instrumentos da cultura tradicional, pro fandango e tudo. E elas nessa produção, elas na verdade elas tem muito muito pedido, e elas não dão conta de produzir. Então elas ficam só nesse, nessa linha mesmo. Entendi. E hoje, você tinha falado que elas trabalhavam em casa de veraneio e tal, hoje elas produzem exclusivamente artesanato? É a principal fonte? Ou não, elas ainda dividem isso? Ou você não sabe mais como tá a situação? Paula: Não, elas, elas...o que que acontece, tava tudo indo super bem aí teve uma liminar ali, pra que, proibindo a colheita da caixeta. Porque ali na região tem muitas coisas ambientais né assim, e os, e as, e essas…é...ai... O manejo dela né? Tem essa parte né? Paula: Não...é. E eles impedem que...esse decreto não pode mais caixeta mas é pensando nos grandes né que coletam, vendem e tal. O que elas pegam é pra uma fração mínima assim, considerando o que pode ser. E caixeta na verdade é uma árvore que as características dela é, você pode tirar e ela brota, entendeu? Você tira ela brota, você tira ela brota. Porque se ela cresce muito, ela por ser uma madeira muito leve, ela apodrece por dentro e cai sozinha e brota de novo, entendeu? Então ela não é uma árvore que não tem problema coletar da forma que eles coletam, então eles já faziam originalmente o manejo sustentável dessa história, entendeu? A gente até trabalhou isso com eles também, o manejo dessas matérias-primas, mas o que acontece... Hoje elas não conseguem ter essa matéria-prima? É isso? Paula: É super difícil conseguir a caixeta, então elas tem fila de espera de gente querendo o produto que não conseguem fazer. Então, por exemplo, quando eu falei pra elas “olha tem uma chance de participar no Mercado Manual né, vocês topam? Vocês querem e tal?” Elas...os filhos delas conseguiram uma... um lotezinho de caixeta e elas produziram um monte pra vender só lá, e elas avisaram os clientes delas, falaram “olha a gente tá 70


produzindo só uma pequena quantidade, que vão tá lá, vocês vão lá pegar com a gente”. Entendeu? Então elas assim, elas seguem produzindo, mas elas tem esse gargalo do material. Sim, aham, que acaba impedindo a continuidade, a produção. Paula: E por isso que elas tão com o emprego nas casas de veraneio pra conseguir segurar a história. Sim, entendi. E elas compram isso de um fornecedor certificado que não é dali da região, ou é? Paula: É...então elas tem que conseguir caixeta de outra região, porque ali virou tudo parque, não pode. Aham, a estação né. Paula: É, e elas tem muito medo de ir coletar e levar multa, entendeu? De ser pego por um fiscal, coisas assim. É..mas eu tô até assim, ajudando elas de alguma forma, assim conectando elas com o pessoal da CETESB, outras fontes que poderiam dar pra elas algum tipo de documento assim que liberassem né. O cultivo...o, o, a colheita nessa escala tão artesanal. Tão pequena né, assim como você falou. Ali uma árvore já é o suficiente pra elas por um bom tempo né? De matéria-prima. Paula: É, elas vão cortando. Na verdade elas não pegam de uma árvore, elas vão pegando um daqui, um dali, um delá, e assim as outras vão brotando. Sobre a sua atuação nesse projeto você recebeu algum retorno da comunidade e das instituições que fomentaram o projeto? Se sim, você poderia comentar sobre? Paula: Retorno em que sentido? É sobre o projeto, sobre o sucesso dele, sobre o alcance. Você recebeu algum retorno assim das próprias artesãs? Se elas gostaram, como é que foi isso, o processo. Paula: Ah...ah sim, a gente, a gente, eu acho que isso, esse projeto foi muito especial pra elas assim. A gente mantém contato sempre né. Vários grupos nos quais eu trabalhei assim, existe essa continuidade, esse contato que fica pensando as oportunidades pra eles, que vai engajando, enfim, vai conectando. 71


Aham, vai incentivando. Paula: E...então aquela vez que elas vieram pro Mercado Manual né, a gente vem aqui em casa, a gente faz um jantar, a gente conversa. Então, sei lá, eles viraram bons amigos né. E...ah eu sinto que pra elas foi um passo muito grande assim da onde eles tavam, o mercado que eles estavam acessando, o tamanho das vendas que eles conseguiam, o preço que eles vendiam os produtos. Hoje né, eles tem um giro muito maior, tirando esse problema com a matéria-prima né que tem agora, mas eles tem, eles tem um retorno financeiro muito bom, comparado com o que era antes. E as instituições também né, tanto o Elos quanto a Artesol, é....tanto que o Artesol toda vez que a gente vai fazer um novo projeto eles falam “a gente queria replicar aquele processo igual como foi com o Criqué”. Então a gente sempre trabalha juntos e a gente sempre...claro que não é replicar dentro aquilo que te falei, é pegar um grupo e levar de cabo a rabo assim. Sim, aham, entendi. Depois desse projeto, com as peças prontas, o produto ele foi primeiro pra Feira Craft? Já tava definido isso? “Ah vamos lançar o produto em tal lugar, em tal feira, em tal exposição, ou tal loja”. Tinha sido pensado isso ou foi um coisa que aconteceu aos poucos? Paula: Não, tinha um desejo nosso de viabilizar alguma participação em algum tipo de evento que divulgasse o trabalho delas né, etapa de ir pro mundo sabe. É...testar né o projeto, testar essa parte delas vendendo também. E aí a Feira Craft, a Daniela, então a gente tava na época, a Eliane, Elaine, a gente tava em contato e elas falaram “ó a gente oferece um estande social vamos dizer, onde a gente não vai cobrar o preço que a gente cobra dos outros, então vocês poderiam lançar o grupo aqui”. Então a gente usou isso também, é sempre assim, essa articulação sabe de...das nossas, fazendo pontes entre lá e cá assim, pra colocar elas no mundo. Uhum, entendi, a Eliane que você falou é do museu A CASA? Paula: Não, não, é da Feira Craft, ela e a Daniela. Ah tá entendi. Paula: Mas depois elas fizeram uma exposição no museu A CASA. É isso que eu iria di..é isso que eu iria comentar agora, que depois em 2014 teve no museu A CASA. Teve ali a abertura da exposição, isso foi a Artesol que proporcionou? Que tentou 72


incentivar elas a exposição, organizar isso né? Ou não? Paula: Ah isso foi o museu A CASA...meu Deus minha cabeça é meio....eu acho que o museu A CASA trouxe a possibilidade, a Artesol topou e a gente trabalhou juntos pra que isso acontecesse. Porque também acabei desenvolvendo o mobiliário pra elas fazerem a exposição e tal. Então elas, elas levaram isso lá pra casa também. Você acha então que essas feiras e a própria exposição no museu é importante pra promover a circulação dos produtos né? Paula: Ah com certeza. Dá visibilidade né, se ficar em Iguape só na Reserva da Juréia ninguém nunca vai ver. Porque lá elas vendiam, antes do projeto, elas vendiam pro pessoal de lá mesmo que era focado pra turismo né? Ou não? Paula: Então porque Iguape recebe turistas, a região ali tem… Aham, a parte litoral. Paula: Turismo local ali e tal. Mas era assim tem um, tem um galpão de artesanato onde tem tudo muito misturado, aquelas feiras bem de litoral, assim… Aham que tu não sabe de onde vem o que. Paula: É, tudo muito, não tem um artesanato, um artesanato… Bem local, tipo com fortes características. Paula: Não, é tudo bem misturado, pano de prato, enfim, tudo que, tudo que, que tem nessas feiras de manualidades, assim não é uma coisa... A produção era vendida ali nessas lojas então. Paula: Era, era vendido ali sim ou sei lá, tinha um italiano que vinha e encomendava umas coisas delas assim, não sei elas sempre falavam desse italiano, mas eu não sei o que que ele fazia. Aham, talvez ele levava pra outro lugar e vendia em outro lugar daí né. Paula: É eu acho que ele fazia isso. 73


Aham, sei lá talvez ele era um lojista, uma coisa assim. Paula: É, e ele encomendava passarinhos, pequenininhos. Ah tá entendi. O que eu vejo também que nessas ações de designers com artesãos, geralmente as peças resultantes são levadas pra exposições na Itália durante a Semana de Design, você acha que isso também é legal? É importante pra impulsionar a circulação no mercado? Ou não, talvez levar pra fora não é tão importante assim? Paula: Olha, depende, depende do produto. Depende, depende. Eu já fiz projetos assim, o projeto por exemplo com os artesãos, sapateiros lá do sertão do Ceará que, o que que a gente fez, quando a gente chegou no produto, como uma das coisas que a gente fez foi devolver o tempo pra eles, pra eles poderem produzir com a calma que eles produziam antes, o produto ficou num valor que melhor seria exportar, e vender fora, não daria pra vender aqui no Brasil. Então a gente foi trabalhar mercado externo, mas é...eu acho que cada caso é um caso, assim não acho que todos eles tem que ir pra fora, e nem tem esse perfil também sabe, feira de Milão, não. Acho que elas não têm esse perfil. Aham, é um perfil mais nacional mesmo. Paula: Ah é. Uma venda mais tipo Estado de São Paulo e região assim. Paula: É elas vendem pro Brasil inteiro, elas vendem no Brasil inteiro mesmo, por conta dessas feiras, elas vendem por todo lugar. Mas não acho que...assim acho que seria legal se elas tivesse a oportunidade vender, acho que elas venderam pra Holanda, pra uma loja espe...pontual sabe, elas venderam coisa assim. Mas nada, não é assim participar de uma feira de design. Não, elas não participaram. Entendi. Você tinha falado sobre o mercado um pouco. Essa criação de novos objetos, essa nova coleção ela foi pensado para qual mercado e público-alvo? Já tava definido também pra onde iria? Se é só lojas sei lá de decoração, ou só de artesanato, exposições. Tinha...qual era o mercado e público que vocês pensaram? Paula: Então quando a gente foi chegando no produto a gente foi vendo preço, chegando no...chegando nisso a gente fala “bom, 74


acho que isso né, cabe aqui, aqui, aqui”, e assim acho que, é aquilo que eu falei a gente foi, vai afunilando para um mercado. E...e...ah não sei, a gente não tem assim “ah vamos pensar para um público AA”. Aham, não tinha esse recorte? Paula: Não porque a gente chegou num valor acessível assim, então o valor possível pra trabalhar vários, várias camadas. A ideia não era… Porque foi assim, vocês desenvolveram o produto, quando vocês tavam chegando na etapa final que daí vocês foram ver pra qual mercado, qual mercado iria absorver isso. Então foi meio que pensando no produto e depois no mercado, é isso? Paula: Isso. Ah entendi. Paula: Porque é diferente assim quando você faz, quando sei lá você tá, é você tá desenhando pra alguma coisa, você parte de um lugar assim meio “ah esse produto é pra vender na Dpot sei lá”. Elas vendem na Dpot mas, não sei… É, eu quero chegar nisso também, nessa parte. Mas levando em consideração essa venda pra um local distante, porque antes como você falou era uma venda muito mais local e se era distante era alguém que comprava e levava. Você percebe que a distribuição do artesanato é um problema enfrentado pela comunidade? Ou não? E se sim, você atuou em algum sentido de resolver ou minimizar isso? Paula: Ah sim, então com certeza é problema colocar isso no mundo, é um problema. E assim, é o gargalo de todas as comunidades. Então, quando a gen….eu, a gente...tipo quando eu incluo essa etapa no projeto é porque é a chance da gente atuar de uma forma coerente assim, quando a gente tem o fio da meada todo assim a gente vai entendendo tudo, possibilidades e constrangimentos, a gente sabe aonde isso pode chegar. Qual a quantidade que elas conseguem produzir, qual...Então a gente tem facilidade de visualizar quais são os mercados possíveis, por viver esse processo. Então eu sempre incluo isso nos projetos, sempre que possível né. Porque é difícil, então por exemplo, a gente com a Artesol, eu trabalho como consultora pro Artesol com muita frequência, então a gente fez o projeto da Rede, não sei, você deve conhecer né? 75


Aham. Paula: Todo o projeto da rede foi pra...fazer com que os artesãos, resumidamente, que eles tivessem acesso às tecnologias, que eles fotografassem seus produtos, que eles postassem num Instagram da vida sabe, que eles próprios divulgassem seus trabalhos. Uhum, comunicação. Paula: Isso, toda parte de comunicação e porque todos eles tem WhatsApp. E muito das vendas acontece por lá. Então ele não precisaria tá numa feira em São Paulo, ele pode, uma vez que ele tá em contato com o lojista, ele fotografa determinada fruteira e o lojista compra por telefone. Então, todos esses mecanismos pra conseguir fazer o produto chegar no consumidor final são de interesse. Inclusive depois você compartilha essa pesquisa. Sim, é então a minha pesquisa é justamente esse foco, a circulação do artesanato. Que acho que é um dos problemas aí, e também não é tão estudado assim. Paula: Não. E você teve alguma participação no sentido de promover, bom pela sua fala você acho que você teve bastante. Mas você teve alguma participação no sentido de promover contatos da comunidade com o mercado de forma direta, por exemplo, divulgar o produto pra uma loja X, ou pra um lojista, uma coisa assim? Paula: Pegar o produto e levar pra um lojista? Não, tipo trocar contatos, do tipo promover contatos da comunidade com um lojista, tipo apresentar um produto, ou falar pra algum lojista que tem essa coleção, você participou nesse sentido ou não? Paula: Não. Foi mais nas feiras mesmo? Paula: Tão diretamente não, a gente trabalhou sempre de uma forma mais aberta. Aham, tipo as feiras como você tinha falado. 76


Paula: É. Tipo as feiras, elas participaram algumas vezes das feiras. E você..bom na feira do Mercado Manual você tava presente, na da Craft também? Paula: É...da Craft também, mas na Craft um pouco diferente assim, porque eu...lá a gente tava acompanhando elas pra, quase como uma escola, sabe assim uma vivência escola, pra elas aprenderem a… A comercializar? Paula: A comercializar assim, então coisas que elas não tavam habituada né, linguagem. Sim. Porque elas saíram de um mercado e foram pra outro né, então a comunicação é diferente, a divulgação é diferente, né. Paula: É, tem que fazer o pedido, tem que dar cópia pro cliente, tem que receber uma entrada, entendeu? Tem uma dinâmica que é dessas feiras. Elas faziam venda direta, como elas tavam fazendo no Mercado Manual. Elas participavam de feiras de artesanato fazendo venda direta, então é bem mais simples. É a feita Craft já é mais de pedidos, lojistas, já é diferente. Isso. Por isso que a gente tava junto, acompanhando. Você consegue dizer quais pontos de venda de São Paulo comercializaram ou comercializam esses produtos delas? Você falou que tem a Dpot, a Artiz também vendeu né? Paula: É. Você sabe mais de algumas outras lojas? Paula: Nossa, eu, eu sei que elas vendem em muitos lugares assim, vendiam pelo menos né, porque agora todo mundo, vivendo essa escassez da matéria-prima. Mas aqui em São Paulo? Paula: Em São Paulo ah eu não sei te dizer sabia, onde elas vendem. Porque, a gente...como a gente vai até certo ponto depois elas… 77


Sim, elas dão continuidade. Paula: É o cliente entra em contato com elas, e… Como você falou o contato é por e-mail, pelo WhatsApp né? Tipo a... Paula: Pelo WhatsApp é, elas, tem funcionado melhor pra elas. Aham, entendi. É porque eu entrei e eles tem o site com o contato e tudo, acho que deve ser por ali também. Paula: É, aquele catálogo que a gente fez, foi até eu que fiz o catálogo que foi feito com a Artesol. Eu que montei pra elas. Aquele catálogo é muito importante pra elas. Essa venda virtual, e as pessoas olham o catálogo ele tá disponível naquela plataforma e…. (interrupção) Mae eu...então, essa parte do catálogo eu acho assim super importante, então você que montou ele? A parte de diagramação, das fotos, foi você então que fez ele? Paula: Isso, e o código, exatamente. Ah legal. Paula: E aí, eles, eles, as pessoas assim que eu sinto, todo mundo olha esse catálogo e entra em contato com eles. Aham, entendi. Porque ali estão todos os produtos né? Muitos eu nem tinha visto na loja, mas eu vi pelo catálogo. Que elas também produzem. Paula: É porque tem produtos que tem mais saída, menos saída, produtos para o público mais infantil. Sim, aham, é que é uma coleção grande né? Paula: É grande, é. Mas ele tem o carro chefe assim, carro chefe, as colheres, coisas assim. Aham, eu imagino que...enfim eu senti a presença das colheres mais forte mesmo. E pensando na circulação dos artefatos, do artesanato, o que você acha que mudou na vida das artesãs depois do projeto? 78


Paula: Ah eu acho que várias coisas assim. Uma coisa...tem uma postura delas, uma maturidade assim pra tá nessas feiras, pra se posicionar, pra dizer não pra um cliente, pra dizer sim pro outro, assim pra…é…. Pra negociar? Paula: Pra negociar, pra dizer que não dá sabe, tem uma autoestima assim, que é importante assim. Uma segurança, mais que uma autoestima, é uma segurança mesmo de tá no mundo, de atuar nessas coisas todas, de se posicionar. É...tem...é...mas elas sempre foram boas nisso assim sabe, enfim, não sei. Acho que tem o orgulho do seu trabalho, gostar de ver as pessoas falando bem do seu trabalho. De valorizar mais, talvez. Paula: É, né, de se sentir valorizado é. Essas coisas. Entendi. Bom já estamos quase acabando aqui. Deixa eu ver. Ah e tem alguém dentro do projeto, alguém dentro da Artesol que pensou bastante nessa parte de circulação, comercialização, no projeto? Paula: Uhum, ah acho que isso foi bem eu e a Re também, com o apoio do Artesol sempre né. Foi mais vocês duas, entendi. Paula: É o Artesol apoia sempre, a gente…. Vocês que foram sugerindo “ah participa da feira tal, vamo pra tal lugar”. Paula: É, tem uma parceria muito boa assim com o Artesol sempre, sabe, confiança mútua, muito...uma parceria boa mesmo, sabe. Entendi. Ah, sobre o catálogo ali, depois de você ter produzido ele, ele ficou ali no site? Ou foi enviado por e-mail pra outros lojistas? Ou não, não teve isso? Paula: Ah, ele ficou ali disponível, a gente divulgou pelo Facebook que era a plataforma mais...melhor na época. É...e a gente assim, toda vez que alguém procura eles, eles falam entra, tem o nosso catálogo sabe. Entendi, eles daí acabam oferecendo o link pra mostrar todos 79


os produtos. Paula: Isso, exatamente. Tá, agora a última pergunta. Você acredita que projetos desse tipo, que acaba unindo designers, artesãos e instituições promovem a integração de territórios e uma busca pela identidade nacional que tanto se discute? É uma pergunta um pouco mais...essa é a última pergunta e a mais complexa de todas. Você acha que promove uma integração de territórios, sei lá, por exemplo, São Paulo e Iguape, e essa busca por identidade nacional, de trazer essa essência e tal? Paula: Ah acho que sim, acho que sim. Acho que sim mesmo, porque, porque o que acontece. Em geral os artesãos, eles tão assim em lugares mais remotos, eles têm menos acesso, eles têm coisas assim. E dentro das condições locais, onde esses grupos vivem, o artesanato ele é possível porque é um lugar onde o tempo é diferente, se alguém for fazer sei lá, renda renascença que tem um grupo que faz aqui em São Paulo, o preço é muito, muito, muito mais alto do que das mulheres de Pesqueiro lá em Pernambuco. Então, é, tem isso, o tempo possi...onde é possível produzir coisas que levam tempo. Porque são feitos com as mãos, não é feito por uma máquina. Então, eles ficam ali mas e ao mesmo tempo eles vão ficando meio a margem de tudo, e esse encontro, e essa circulação que acaba acontecendo por essas pontes, ele fortalece essas pequenas produções que tão localizadas aqui e acolá. Fortalece mesmo, abre caminhos e tudo mais. Mas eu tenho sempre assim, aquela questão né: como esse encontro acontece? É definitivo para ser um coisa positiva ou não. A gente tem muito cuidado com isso, e é um ponto assim, mesmo de chegar numa comunidade não dando um passo pra frente mas dando um passo pra trás, deixar o lugar chegar na gente pra depois a gente chegar no lugar sabe. Porque chegar lá com uma solução, “eu sei o que tem que ser feito não sei o que” nunca foi, nunca é positivo. Sim, aham, daí acaba sendo negativo o projeto. Paula: É ou então, e chegar tratar eles como produtores, vamos dizer, sabe. Eles são artistas né. O Espedito Seleiro, eu fiz um filme sobre ele, ele tem uma história ótima que assim. O pessoal de uma marca, se não me engano é Cantão do Rio, chegou lá e falou “ah Espedito então a gente tá aqui e não sei o que, a gente quer fazer uma bota, a gente quer fazer uma sandália, a gente quer fazer tal, tal e tal”, uma lista de coisas né. Aí ele olhou pra eles e falou “pois façam”, tipo “não Seu Espedito a gente quer que o 80


senhor faça”, “então vocês tão pedindo pra eu fazer” é diferente né. Então é diferente, “porque eu sou o artista, não sou produtor, então se vocês querem fazer uma bota façam, se querem fazer comigo então a gente vai fazer diferente”. Sim, não colocar o olhar do outro sobre enfim, a produção né. Paula: É, chegar lá dizendo o que ele tem que fazer e tal e ele vira produtor sabe, fornecedor. Não é diferente né. Então… É uma outra lógica. Paula: É. Mas é isso, já foram todas as perguntas, agradeço muito pela disponibilidade, por ter aceitado participar, e assim que eu tiver a pesquisa pronta, eu te envio daí. Porque eu acredito que seja final do ano, ou começo do ano que vem. Paula: Ah que legal, fico feliz de poder contribuir, esse assunto realmente é um assunto de importância assim, sabe.

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