Do 29M ao 19J: a retomada das ruas continua

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JORNALDA

1181 . 4 de junho de 2021 . www.adufrj.org.br . TV ADUFRJ: youtube.com/adufrj

BRASILEIROS RETOMAM AS RUAS EM DEFESA DA DEMOCRACIA E CONTRA O GOVERNO BOLSONARO Foi com respeito aos protocolos de segurança e uma indignação que não cabia mais em casa que milhares de brasileiros tomaram as praças e avenidas de mais de 200 cidades do país em 29 de maio. No Rio, o ato terminou na Cinelândia, cenário de manifestações históricas de resistência democrática. O próximo protesto nacional será em 19 de junho. Páginas 3, 4 e 5 FERNANDO SOUZA


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NOTAS

EDITORIAL

ADEUS A SÉRGIO MASCARENHAS

MOMENTO DE DECISÃO DIRETORIA

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ós não escolhemos o tempo em que vivemos, mas somos parte dele, podemos transformá-lo, mas não do modo nem com a rapidez que desejamos. Essa equação pode se tornar muito dolorosa e difícil se esse tempo nos exigir decisões e posicionamentos que não gostaríamos ou não nos sentimos em condições de tomar. Esse é o nó que o tempo presente nos apresenta. Enfrentamos uma pandemia sem uma diretriz nacional coerente. Ao contrário, a cada dia fica mais explícito o equívoco da política sanitária do governo federal, que insistiu numa solução mirabolante que nos colocou no topo entre os países com o maior índice de mortalidade por milhão de habitantes. Os estados e municípios buscaram caminhos para a proteção de sua população, mas a ausência de uma coordenação clara a nível nacional, tendo que enfrentar ainda a hostilidade e o mau exemplo do presidente da República, acaba por jogar nos ombros dos indivíduos a parte maior da responsabilidade pela sua própria proteção e a de seus entes queridos. Assim, muitos de nós acabam se envolvendo na produção de quentinhas, distribuição de máscaras, campanhas para ficarmos em casa, enfrentando também a decepção de parentes que nos querem em suas festas e encontros. Foi por isso que em nosso editorial da semana do dia 7 de maio já estávamos apontando para a necessidade de darmos um novo e corajoso passo — “A variável que falta para consolidar um quadro de avanço das forças democráticas contra Bolsonaro é ocuparmos as ruas. Não podemos mais esperar. Vamos de máscaras PFF2, álcool em gel, em um lugar amplo e arejado tal qual o Aterro do Flamengo, por exemplo, mas vamos às ruas!” —, um recado que já estava há tempos também rondando os estudantes, que não esperaram muito e, por conta do grito de alerta que a universidade havia dado sobre a insuficiência de recursos, foram às ruas no dia 14, em ato histórico no Largo de São Francisco. Ninguém quer sair às ruas e provocar aglomerações, nin-

A AdUFRJ manifesta seu pesar aos amigos e familiares de Sérgio Mascarenhas de Oliveira (19282021), presidente de honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que faleceu no dia 31 de maio. “Sérgio, um ser humano fantástico, um educador incansável, um cidadão brasileiro íntegro e atuante politicamente, um cientista absolutamente brilhante e criativo, nos fará muita falta”, escreveu o atual presidente da SBPC, professor Ildeu Moreira de Castro. Mascarenhas graduou-se em Física pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (1952) e em Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1951). Foi professor titular do Instituto de Física e Química da Universidade de São Paulo, em São Carlos. Também foi professor visitante em universidades internacionais de grande prestígio. Sócio ativo da SBPC desde 1962, Sérgio Mascarenhas ocupou a vice-presidência da entidade por dois mandatos, entre 1969 e 1973 e integrou seu conselho em quatro períodos (1965-1969, 1973-1977, 1977-1981, 1983-1987).

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guém quer correr riscos ou colocar seus entes queridos em risco. Mas há momentos que a decisão a ser tomada não é aquela que consideramos a melhor, mas justamente a que se impõe como necessária. O governo federal avança contra as universidades, estrangulando-as do ponto de vista orçamentário, depois de ter desrespeitado sistematicamente a vontade da comunidade em pelo menos duas dezenas de instituições que tiveram reitores nomeados. Além disso, assistimos ao desmonte do sistema nacional de fomento à pesquisa, com o esvaziamento do CNPq e da Capes. Que ninguém duvide: o resultado final desse desgoverno que vivemos é a aniquilação da universidade pública brasileira. E foi por termos a exata consciência do risco que corremos que não tivemos dúvida em abraçar desde o primeiro momento a proposta de ato dos estudantes no dia 14, e todas as mobilizações de lá para cá. Temos caminhado junto com as entidades da UFRJ: DCE, APG, SINTUFRJ e ATTUFRJ. Tem sido uma experiência importante, que esperamos que se aprofunde mais a cada dia. Também temos acertado o passo a nível nacional, com nossas entidades nacionais, frentes sindicais e movimentos sociais. Mas ainda não é o suficiente. Podemos muito mais. Que esse jornal seja um incentivo, um momento de reflexão para cada professor, professora. Nenhum de nós estará a salvo se os planos autoritários de Bolsonaro prosperarem. A universidade, seus métodos, seus princípios, seus pilares fundamentais estarão ameaçados. Já temos uma data para o nosso reencontro: 19 de junho. Precisamos de todo mundo na rua. E isso não é uma contradição. Uma manifestação com dezenas de milhares de pessoas, com 100% delas usando máscara é, antes de tudo, pedagógica. Estamos dizendo para a população que está obrigada a se expor — porque não pode optar pelo trabalho remoto — que estamos ao lado dela. E mais, estamos pelo exemplo e pelo cuidado, nos contrapondo às provocações bolsonaristas, que desafiam todas as orientações sanitárias e se apresentam em público sem qualquer medida protetiva. Todos sonhamos com um país melhor. Só que hoje precisamos mais do que isso: acreditemos nos nossos sonhos e tenhamos a coragem de fazê-los realidade!

CONVÊNIOS Os professores filiados à AdUFRJ contam com um setor de Convênios, que firma parcerias com empresas prestadoras de serviços em diferentes áreas. Os benefícios, por enquanto, estão concentrados no Rio e em Macaé. A proposta é oferecer descontos em estabelecimentos como escolas, cursos, clínicas de reabilitação, academias, clínicas estéticas e de saúde, entre outros. A lista pode ser conferida no site do sindicato, na aba “serviços”. Os interessados devem entrar em contato com Meriane, no telefone (21) 99358-2477 ou pelo e-mail: meriane@ adufrj.org.br.

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INSALUBRIDADE: DOCENTES DEVEM PREENCHER NOVO FORMULÁRIO KELVIN MELO silvana@adufrj.org.br

Preencha o cadastro:

A AdUFRJ começou a coletar mais informações de todos os professores que trabalham expostos a agentes nocivos à saúde, mas não recebem os adicionais de insalubridade, periculosidade e radiação a que têm direito. O objetivo é municiar uma nova etapa das negociações com a reitoria para a concessão dos benefícios. “Nas últimas reuniões, a reitoria pediu um detalhamento que não havia no nosso questionário eletrônico inicial, do fim do ano passado”, esclarece o professor Pedro Lagerblad, diretor da AdUFRJ. Feito o levantamento, os casos informados podem ter um encaminhamento individual ou coletivo. “No melhor cenário, podemos resolver tudo adminis-

bit.ly/direitoaoadicional

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trativamente. Ou podemos ter que resolver tudo judicialmente. Ou algo intermediário, de alguns resolvidos administrativamente e outros, via Justiça”, afirma Pedro. O formulário eletrônico, disponível em bit.ly/direitoaoadicional, pode ser preenchido até

www.radio.ufrj.br

que podemos resolver administrativamente ainda”, reforça. APOSENTADORIA ESPECIAL A concessão dos adicionais ocupacionais tem relação com outro direito dos professores que trabalham expostos a agentes nocivos à saúde: o tempo especial trabalhado nestas condições pode ser multiplicado e a pessoa pode se aposentar mais cedo Em um segundo ofício, de forma preventiva, a AdUFRJ reivindica que este tempo especial possa ser reconhecido pela apresentação simples dos contracheques do período. A situação ainda não foi regulamentada, mas há o receio de que a administração central exija uma documentação mais detalhada e difícil de ser encontrada pelos docentes, após tantos anos.

O PROGRAMA ADUFRJ NO RÁDIO desta semana repercute a manifestação nacional do último sábado, 29 de maio. Milhares de brasileiros foram às ruas, enfrentando a pandemia, para exigir a saída de Jair Bolsonaro e o fim de sua política genocida. A presidente da AdUFRJ, professora Eleonora Ziller, fala sobre o ato realizado no Centro do Rio de Janeiro. Diretor da AdUFRJ, o professor Josué Medeiros aborda os desdobramentos políticos da ocupação das ruas pela oposição ao governo. O docente também analisa a politização das polícias, a partir da violenta repressão aos manifestantes no Recife. O programa vai ao ar toda sexta-feira às 10h, com reprise às 15h. n

noRádio

o dia 25. O docente deve informar o nome, unidade, matrícula SIAPE, número do processo administrativo em que solicita o adicional (se houver) e se ainda trabalha submetido a algum agente prejudicial à saúde. Para informar o número do processo, o sindicato recomen-

da que todos os docentes prejudicados mantenham um pedido formal no sistema da reitoria. Pode ser um recurso, quando há discordância quanto ao resultado do parecer da pró-reitoria de Pessoal, ou uma solicitação nova. “Há uma demanda reprimida. De pessoas que reclamam (por não receber o adicional), mas reclamam no corredor só”, completa o diretor. Em paralelo à coleta de informações, a AdUFRJ encaminhou um novo ofício à reitoria. “Estamos reforçando os nossos argumentos com anexos de decisões judiciais favoráveis em casos semelhantes. E estamos incluindo uma lista de professores com dados que já conseguimos reunir”, afirma Ana Luísa Palmisciano, assessora jurídica do sindicato. “Não descartamos a ação judicial. Mas estamos vendo o


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Próximo encontro com as ruas já tem data marcada: 19 de junho > Na esteira das mobilizações do 29 de maio em favor da democracia e contra o desgoverno Bolsonaro, sociedade civil mantém agenda de protestos em todo o país MÍDIA NINJA

LUCAS ABREU lucas@adufrj.org.br

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B ra s i l f o i às ruas no 29M. Centenas de milhares de pessoas protestaram contra o governo Bolsonaro em todas as regiões do país, com destaque para as capitais e o Distrito Federal. Foram registrados atos contra o governo federal em mais de 200 cidades. No Rio de Janeiro, os manifestantes se concentraram no Monumento a Zumbi dos Palmares, no Centro, e partiram em passeata em direção à Candelária, e dali até a Cinelândia, palco de históricos atos pela democracia. E não vai parar por aí. A campanha “Fora, Bolsonaro!”, que reúne organizações como a Frente Povo Sem Medo e a Frente Brasil Popular, convocou novos atos de rua para o dia 19 de junho. O desafio agora é fazer com que os atos do próximo dia 19 sejam maiores, ou pelo menos iguais, aos do 29M. Para Iago Montalvão, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e representante da Frente Brasil Popular, o caminho é atrair outros segmentos da sociedade para os atos. “Vamos continuar trabalhando a comunicação em redes, mas também vamos ampliar as plenárias locais, para aumentar a mobilização pela base”, explicou Iago. “Nós, da UNE, pretendemos fazer uma plenária unificada da Educação, para discutir os cortes nas universidades, uma pauta que tem muito potencial para levar as pessoas para a rua”, contou. O dirigente estudantil acredita que o momento político é positivo para um novo ato. “Desde o 29M percebemos um clima muito forte de mobilização das pessoas, uma indignação. Com o impacto positivo das manifestações, o sentimento é que ele tem que continuar e vindo em uma crescente. Os movimentos acharam importante ter mais uma data este mês, para levar essa indignação para as ruas”, disse Iago. Segundo o presidente da UNE, agora é hora de construir pontes e atrair outros setores da sociedade para ampliar as manifestações. “O movimento Acredito, ligado ao campo do centro, já se somou ao dia 19”, contou Iago. “Temos que ampliar. Não deve ser um ato só da esquerda, mas em conjunto

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EM DEFESA DA S UNIVERSIDADES PUBLICAS

com todos os movimentos que querem fazer oposição a Bolsonaro, defender a vacina e a Educação”, defendeu. Para o cientista político Josué

Medeiros, diretor da AdUFRJ, os atos do dia 29 de maio mudaram o cenário político. “Do ponto de vista social e coletivo, o bolsonarismo parou de jogar

sozinho”, analisou Josué. “O campo progressista ficou preso no debate sobre o isolamento social. Erramos em não perceber que a maioria da popula-

ção já não está em isolamento. Setores da esquerda estavam defendendo uma política que já não estava mais colocada, e o bolsonarismo seguiu agindo sozinho”, explicou o professor. Na sua opinião, agora as ruas estão em disputa. A AdUFRJ marcou presença no 29M do Rio com a sua base e com seus diretores. As principais palavras de ordem foram pela vida, por vacina, pelo auxílio emergencial digno e contra os cortes na Educação, demandas que, segundo Josué, estavam resumidas em uma sentença, “Fora, Bolsonaro!”. Os atos do 29M tiveram o diferencial de seguir protocolos de segurança igonorados pelas manifestações de extrema-direita em apoio a Bolsonaro. “Todo mundo usava máscara. Não houve nenhum momento de incômodo de ter que interagir com alguém que não estivesse usando máscara”, confirmou a presidente da AdUFRJ, professora Eleonora Ziller, que esteve no ato. “Foi maravilhoso. Um momento muito importante de reencontro com as pessoas que estão mobilizadas, preparadas e organizadas para enfrentar os avanços autoritários e os desastres da Presidência da República”, avaliou a dirigente. Eleonora disse que a AdUFRJ vai participar do 19 de junho. “A decisão da assembleia foi de que vamos integrar o calendário unificado nacional de luta”, contou. Eleonora ainda tratou do papel do Formas, o fórum que une as entidades representativas da UFRJ, para a próxima manifestação. “Os cortes no orçamento serviram como um alerta dos nossos maiores temores, que de fato a universidade corre risco com esse governo”, explicou. A professora ressaltou que o Formas vai atuar em conjunto na preparação do dia 19. “Vamos fazer uma campanha para mobilizar as bases”. Natália Trindade, da Associação de Pós-Graduandos da UFRJ, também aposta na ação coletiva do Formas. “O Formas é um espaço importante porque constrói essa unidade entre as categorias, então é fundamental que todas as entidades construam a nossa participação enquanto comunidade da UFRJ”, explicou. Para Natália, não faltam motivos para os membros da comunidade acadêmica voltarem às ruas. “Não podemos deixar morrer o debate. A situação de todas as universidades federais é grave. Fomos os primeiros, e a situação da UFRJ ainda não foi resolvida”, ressaltou.


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FOTOS FERNANDO SOUZA E DIVULGAÇÃO MÍDIA NINJA

CENAS DA RETOMADA

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EM DEFESA DA S UNIVERSIDADES PUBLICAS Milhares de pessoas foram às ruas do Centro do Rio de Janeiro, no sábado (29), para dizer ao genocida Jair Bolsonaro que seu governo de destruição está com os dias contados. Seguindo protocolos de segurança ignorados pelos atos bolsonaristas — como o uso de máscaras e de álcool em gel, além do distanciamento social —, os manifestantes mostraram que a retomada das ruas é um movimento irreversível. As denúncias das nefastas ações e omissões do governo federal no combate à pandemia de covid-19 , dos cortes de verbas das universidades públicas e do projeto de desmonte do Serviço Público Federal com a reforma administrativa se somaram aos gritos de vacina já e para todos e por auxílio emergencial digno.


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Artigo CRISTINA REGO-MONTEIRO DA LUZ Doutora em Comunicação e Cultura e professora associada do Departamento de Expressão e Linguagens da ECO-UFRJ

29 DE MAIO E A IMPRENSA

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ma onda de reações criticando a cobertura das manifestações do dia 29 de maio alimentou embates de polarização, críticas a respeito dos valores envolvidos na escolha da capa de dois jornais que costumavam ter grande circulação, e uma incompletude importante na interpretação do que vai além da evidente parcialidade política que salta (ou não salta) das primeiras páginas de suas edições impressas. De uma maneira geral, a prática jornalística é constituída de três pilares básicos — sua deontologia (razão de ser da atividade), o jornalista enquanto indivíduo profissional na atividade e as estruturas de intermediação e distribuição do produto notícia. Nesse caso, partimos da hipótese de que estamos diante de uma situação mais centrada no terceiro pilar: as estruturas empresariais de intermediação. Omitir imagens e informações a respeito de algo visto e vivenciado por milhares de pessoas no jornalismo impresso pode estar denunciando mais do que exclusões editoriais questionáveis. Um gargalo cada vez mais estreito no consumo de noticiosos impressos — o expediente das assinaturas, como resultado da velha lei da oferta e procura, que estão sendo vendidas a surpreendentes R$ 15 ao mês em sites onde, se o internauta sair sem fechar negócio, verá um anuncio piscante pular na tela dizendo “Não se vá ainda! Oferecemos 30 dias grátis!”. A grande imprensa pode dar a impressão a um público historicamente analógico, mais velho e ainda à frente de empresas e lideranças sociais, de que o destaque (ou a falta dele) na forma de publicação dessa reportagem impacta fortemente a sociedade. Será? Ou revela bastidores de empresas midiáticas que cambaleiam na função deontológica primordial, de informar e contextualizar fatos reais, sejam quais forem? A publicidade governamental ainda é um dos principais canais de subsistência de grandes veículos de imprensa. Apesar da queda vertiginosa de leitores e assinantes, a pauta dos veículos ainda sofre imensa pressão política, especialmente através do controle das verbas publicitárias. Afinal, primeiras páginas continuam sendo referenciais indicativos para análises de representação de valor social da informação. Mas será que essa arena permanece sendo um lugar de destaque e impacto no embate das narrativas que mantêm efetiva capacidade de influência junto a um grande público? As modificações no processo de pro-

“Papai, se uma árvore cai na floresta e a mídia não cobrir, ela caiu mesmo?” PERGUNTA DE UM CARTOON DE ROBERT MANKOFF, publicado na década de 1970 no jornal Saturday Review, in Newman, E.N – A espiral do silêncio,1984.

dução da notícia em função da velocidade das mudanças tecnológicas ainda são extremamente subestimadas pelo público em geral. Uma imensa transformação paradigmática dos modelos de captação, produção, edição, distribuição e tratamento tecnoeditorial dado às notícias vem sacudindo o monopólio da pauta social da chamada “grande imprensa”. Em pesquisa informal junto às mais recentes turmas do Curso de Jornalismo da Escola de Comunicação da UFRJ, de um universo recortado de jovens que se propuseram a enfrentar a seleção do vestibular para serem profissionais da informação noticiosa, os professores vêm constatando uma ausência quase total de leitura de jornais impressos. A internet, ao possibilitar a pulverização dos acessos de entrada de informações circulando em rede, arrebentou diques de controle dos fluxos de discursos organizados por elites econômicas, políticas e sociais, abrindo-se à participação de milhões de pessoas, com toda complexidade que isso traz. Significa agregação de novos públicos, não de substituição. Os mecanismos de tentativas de manutenção de poder de influência estão em mutação, mas não saíram de cena.

Qualquer análise a respeito da atividade jornalística (no caso, a brasileira) hoje precisa sofrer uma mudança de perspectiva na mesma proporção das alterações provocadas pelo crescente aumento de acesso à plataforma digital. Não é novidade, mas as injunções que envolvem grandes corporações e hábitos sociais são de lenta deglutição. Bancos de dados podem ser considerados os bancos e financeiras de ontem. Detêm a principal commodity contemporânea, a informação objetiva e subjetiva de cada indivíduo, em escala global. Commodities são produtos que funcionam como matéria-prima. Mensura-se informação como base de uma nova economia. Dados estão configurando-se como moeda. Um acontecimento tecnológico de grande repercussão social certamente entrou para a história tanto no campo da Comunicação quanto da Sociologia e da Psicologia Social — tornou-se pública a existência de mensagens geradas por robots algorítmicos para milhares de pessoas selecionadas nas redes sociais em função de padrões psicológicos, no período imediatamente anterior ao das eleições norte-americanas. Terminadas as eleições, milhões de contas falsas que enviavam mensagens com conteúdo influenciador foram fechadas, desapareceram da rede. A constatação de que esse mecanismo pode ter influenciado o resultado das urnas (possivelmente não só as norte-americanas, já que o processo tornou-se um produto disponível no mercado internacional) levou Mark Zuckerberg a depor no Congresso norte-americano por cinco horas — e admitir que houve vazamento de dados dos usuários do Facebook. Milhares de aplicativos são alimentados por bases de dados que identificam os perfis psicossociais dos usuários da internet. Quem nunca procurou um produto na rede e começou quase imediatamente a receber publicidade de produtos semelhantes? A publicidade algorítmica envia mensagens para quem buscou por ela antes — e, caiu na rede, é peixe. Gostos e tendências estão sendo cadastrados, e

muito utilizados. Se uma comunicação tão direcionada já foi testada, mostrando-se precisa e comprovadamente eficaz, qual é o lugar atual de eficiência na construção do imaginário público de um veículo que dispersa custos de produção e vem perdendo precisão no alvo? Consumidores analógicos e digitais, alvos de narrativas desfalcadas, informações incompletas e dados distorcidos que podem atender aos interesses daquele que narra (não do público) — é possivel que estejamos dando muita atenção à arena errada. As capas dos impressos são decididas por um grupo bastante reduzido de pessoas, e as circunstâncias que pesam nessa decisão são de natureza diversa. Mas em escala, a participação de muitos em plataformas onde milhões podem captar, editar e distribuir notícias, apesar de real, não tem ainda o valor de impacto reconhecido. Ainda prevalece a percepção condicionada de velhos padrões políticos e sociais de importância. Talvez o descompasso entre acontecimento e notícia esteja indicando outras coisas importantes — que estamos descuidando da mais preciosa matéria-prima do Jornalismo, da principal área de qualificação de informações contextualizadas que chegam massivamente à sociedade: o jornalista. O indivíduo, sua adequada formação e estrutura legal para exercício profissional. Esse que pode mobilizar não uma edição, mas milhões delas, em rede. O que é necessário? Aval social, credibilidade, uma legislação que permita o exercício do questionamento sem que levantar a verdade comprovável seja um risco. Desvalorizado pela suspensão da exigência do diploma para o exercício da profissão, o bom jornalista é um antídoto para programações algorítmicas capciosas, em um front distante das disputas expressas no modelo já arcaico do jornalismo impresso. Nada substitui homens e mulheres intelectualmente bem preparados para atuar em defesa de metas passíveis de interpretação, sutileza, revisão de paradigmas e de aproveitamento de oportunidades anteriormente desconhecidas.

“Caiu, meu filho”. RESPOSTA AO CARTOON DE ROBERTO MANKOFF , em maio de 2021


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“O fascismo está no tempo presente” > Cineclube debateu o antifascismo no cinema italiano e convidou o historiador Francisco Carlos Teixeira e o crítico Ricardo Cota para analisarem as obras e a cena política brasileira LIZ MOTA ALMEIDA comunica@adufrj.org.br

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ão há outro inferno para o homem além da estupidez ou da maldade dos seus semelhantes”. A constatação do Marquês de Sade, na França do século XVIII, reflete o pensamento antifascista presente nas obras cinematográficas italianas do fim do último século, analisadas no CineAdUFRJ da quinta-feira, 27, com o tema “Entendendo o fascismo”. A iniciativa é uma parceria entre a AdUFRJ e o Grupo de Educação Multimídia (GEM), da Faculdade de Letras. Os filmes escolhidos para o debate foram “1900”, de Bertolucci, “Um dia muito especial”, de Ettore Escola, e “Saló”, de Pasolini. Os três tratam da questão do fascismo na Itália num momento próximo aos anos áureos de Mussolini. “Se abre nesse miolo um espaço que se começa a repercutir o fascismo através de uma releitura de época”, afirmou Ricardo Cota, jornalista, crítico e escritor convidado pelo CineAdUFRJ para refletir tecnicamente as obras. “É uma década extremamente rica (os 70), e nasce um cinema que já foi chamado de político e hoje algumas pessoas qualificam como de urgência”, relembrou Cota. “Essa dimensão de cinema, democracia e liberdade não enquanto substantivo, mas o cinema enquanto condição de liberdade foi muito importante na história dos anos 70/80”, lembrou o professor e historiador da UFRJ, Francisco Carlos

FOTOS: REPRODUÇÃO/INTERNET

Teixeira, um dos maiores estudiosos brasileiros das Forças Armadas, e convidado pelo CineAdUFRJ para analisar as relações entre o fascismo e a cena política brasileira contemporânea. “O filme “1900”, do cineasta Bernardo Bertolucci, é uma epopeia com uma visão macropolítica, abrangente, e os outros dois filmes refletem a micropolítica que acontecem nas franjas da história”, explicou Cota. “Já “Um dia muito especial” se passa num momento em que vai haver uma marcha fascista e os dois personagens, Antonieto e Gabriele, vão se encontrar no condomínio que vivem, com as suas limitações diante das imposições do fascismo não só na politica, mas na sexualidade também”, contou. Antonieta é a mama italiana, a loba que sustenta. Já no filme de Saló, há um aspecto muito curioso, segundo Cota. “É um filme que na apresentação dos créditos recomenda a leitura de alguns livros. O filme provoca esse diálogo com a literatura. Se passa com as mulheres narrando histórias num ambiente altamente sofisticado, de elite, com acompanhamento musical”, refletiu. O cinema produzido na Itália dos anos 70 universalizou a experiência histórica italiana, e permite a compreensão de outras manifestações neofascistas. Para o jornalista, os cineclubes tiveram uma função de combate na ditadura militar brasileira muito grande. “Havia muitos sindicatos com cineclubes, escolas, levando esses filmes que não estavam no circuito comercial. Essa junção desses três filmes é muito especial”, avaliou. Para Francisco Teixeira, que

CENA DE ABERTURA DE ‘1900’. Pintura : “O Quarto Estado” - Giuseppe Pellizza da Volpedo (1868-1901)

‘SALÓ’, de Pasolini

‘UM DIA MUITO ESPECIAL’: o fascismo no cotidiano

participou do movimento cineclubista durante a Ditadura, o cinema foi muito importante na história da resistência e da democratização do Brasil. “A gente não podia se reunir, as reuniões estavam proibidas para mais de 100 pessoas. Esse movimento de cineclubes foi uma forma de reunir pessoas”, explicou. Ele interpreta o fascismo a partir de um conceito criado por Umberto Eco, chamado “Uhr Fascismo”. “Uhr significa aquilo que vem da coisa mais antiga, que vem de dentro e de cada pessoa. Mostra que o fascismo é uma coisa que está entranhada nas coisas e num tipo de pessoa, e que não é histórico”, analisou. “É interessante um historiador falando que o fascismo não é histórico. Ele está no tempo presente. Eu diria que ele não está nos anos 20, 30, 70, ele está neste tempo que é presente, e que é reproduzido o tempo todo”, refletiu.

UFRJ REGULAMENTA INOVAÇÃO ELISA MONTEIRO elisamonteiro@adufrj.org.br

A inovação e o empreendedorismo ganharam mais reconhecimento institucional com a regulamentação das atividades pelo Conselho Universitário na sessão do dia 27. A resolução abrange tanto a inovação de produtos (bens e serviços), processos, organizacional e marketing quanto a inovação social e economia solidária. E não se restringe às áreas de saúde, ciência e tecnologia, incluindo também as humanidades e ciências sociais aplicadas. “Esse documento não inaugura

nenhum debate de inovação na UFRJ. Essa universidade vem fazendo inovação há muito tempo. Ela se organizou naturalmente em estruturas como o Parque Tecnológico, a Incubadora de empresas, Incubadora Tecnológica de cooperativas populares, Agências de inovação e mais recentemente na criação de diversos agentes promotores de inovação”, destacou a pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa, Denise Freire. “Nas humanidades, as inovações vêm contribuindo para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU”, acrescentou a pró-reitora.

As diretrizes apresentadas pela PR2, depois de um ano de trabalho, receberam parecer favorável unânime da Comissão de Legislação e Normas e foram aprovadas por 43 votos favoráveis e apenas duas abstenções. “A proposta reconhece a UFRJ como uma instituição do Estado, toma como referência a ideia de desenvolvimento inclusivo e sustentável e se encontra alinhada com a discussão de política industrial tecnológica que temos no país. É totalmente pertinente”, avaliou o professor Adriano Proença. Para o docente da Escola Politécnica, uma concepção de inovação tec-

nológica “não estritamente de hardware e software, mas também de modelos organizacionais e de negócios” está entre as principais lacunas do Brasil atual. A diretora do campus UFRJ Duque de Caxias, Juliany Rodrigues, compartilhou a mesma opinião:

Para o historiador, o fascismo está no medo das pessoas em encarar o outro como diverso, como possível, alternativo. Como diferente dele. “Ele está nessa possibilidade em que você mata o humano, que destrói a diversidade, acaba com a floresta. Isso é o que Umberto Eco nos diz e que está presente nesses filmes. O fascismo é uma fala do tempo presente”, concluiu. A presidente da AdUFRJ, Eleonora Ziller, também acompanhou o debate e lembrou que participou dos cineclubes, quando ainda era adolescente. “Entre 78 e 80 eu não tinha 18 anos, então a chance de eu assistir a esses filmes eram os cineclubes, porque eram lugares de menos controle”, lembrou carinhosamente. “Esses são filmes que marcaram profundamente uma geração, em termos de consciência democrática, percepção crítica sobre a história do fascismo e do movimento operário”, opinou. Eleonora nutre uma verdadeira paixão pelo cinema italiano dessa época. “Considero o mais rico do mundo. É muita diversidade e potência estética”, contou.

“Os nossos alunos pedem inovação e empreendedorismo desde o primeiro dia em que pisam nas universidades, porque eles não querem mais ser empregados da Petrobras ou da Shell. Eles querem ter suas próprias empresas. Eles querem ter a possibilidade de desenvolver suas próprias ideias”, afirmou durante o Consuni. O texto aprovado pelos conselheiros indica ainda uma estrutura de produção de inovação descentralizada, a partir dos Centros e das unidades. “Com essa resolução, nós abrimos um novo caminho para a UFRJ. Ela organiza o que já tínhamos e prepara a universidade para voar voos mais robustos”, celebrou o professor Francisco Esteves.


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#OrgulhoDeSerUFRJ ENTREVISTA I ALBERTO CHEBABO, DIRETOR DA DIVISÃO MÉDICA DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CLEMENTINO FRAGA FILHO

“NÃO TEM O MENOR SENTIDO FAZER UMA COPA DESSA ENVERGADURA AQUI NO BRASIL” SILVANA SÁ silvana@adufrj.org.br

demia. Apesar do descontrole completo, o governo brasileiro resolveu trazer a Copa América para o país, depois de Argentina e Colômbia desistirem de sediar o evento. “Não tem o menor sentido fazer uma Copa dessa envergadura aqui no Brasil, neste momento”, criticou o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo. Diretor da Divisão Médica do Hospital Universitário Clementino Fra-

ga Filho, o médico considera que estamos num cenário delicado. “Principalmente os estados das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul têm uma combinação complicada: flexibilização das cidades, período de inverno – que aumenta muito os riscos para doenças respiratórias – e baixa vacinação”. Chebabo concedeu entrevista ao Jornal da AdUFRJ e comentou o novo momento da crise sanitária no Brasil.

Jornal da AdUFRJ - O que o senhor acha da decisão do governo brasileiro, de realizar a Copa América? n Alberto Chebabo – Não tem o menor sentido fazer um torneio dessa envergadura aqui no Brasil, neste momento. Virão jogadores do mundo inteiro! As pessoas esquecem que os jogadores não estão vindo só de seus países de origem. Eles estão vindo de clubes de todo o mundo. A maioria deles não joga nos seus respectivos países.

uma estrutura do país que não faz mais nenhuma restrição de movimentação. As cidades estão funcionando normalmente. Houve uma pequena redução de casos em março e em seguida se liberou tudo. Hoje nos estados do Centro-Oeste, Sudeste e Sul há uma combinação complicada: flexibilização das cidades, período de inverno – que aumenta muito os fatores de risco para doenças respiratórias – e baixa vacinação, o que pode agravar esse novo aumento de casos.

já está no Brasil, mas são casos, até agora, importados. Ainda não foi identificada a transmissão local.

Quais os riscos? Há enorme risco para o nosso país, porque esses jogadores e suas equipes ficarão circulando. Eles não virão só jogar e voltarão. Eles permanecerão no Brasil ao longo do torneio. Num momento em que o recomendável é ter fronteiras fechadas, vai entrar um enorme contingente de pessoas de todas as partes do mundo, que podem trazer variantes. Nossa preocupação é conter a variante indiana e todas essas pessoas vão chegar ao mesmo tempo no Brasil. Há risco também para os jogadores, que poderão se infectar aqui, já que não há medidas de restrição da circulação de pessoas. E é risco também para os países para onde eles irão voltar, porque podem levar variantes daqui e contribuírem para o espalhamento de novas cepas pelo mundo.

l Temos 10% da população brasileira imunizada com as duas doses e cerca de 20% que tomaram pelo menos uma dose. É possível imaginar alguma suavização da nova onda com esse índice de vacinação? n Com esse índice não é possível que haja impacto geral, mas a gente consegue observar nas faixas etárias que já foram imunizadas, como os idosos, algum impacto. Mas ainda é muito pouco. Ainda mais porque a imunização está sendo feita de maneira assimétrica. Tem cidades que ainda estão vacinando idosos, tem cidades que já vacinaram com ao menos uma dose as pessoas com comorbidades.

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Brasil vive o recrudescimento da pandemia, num cenário que pouco ajuda na preservação da vida. A vacinação avança a passos lentos, com apenas 10% da população alcançada com as duas doses do imunizante contra a covid. A crise sanitária foi “estabilizada”

num patamar de quase duas mil mortes diárias e a cepa indiana foi identificada em território nacional. Alguns estados registram novo aumento do número de casos e de óbitos. O Mato Grosso do Sul, por exemplo, teve acréscimo de 79% nas mortes e de 40% no número de casos, na comparação com duas semanas atrás. Mais de 469 mil pessoas morreram de covid-19 no Brasil, desde o início da panARQUIVO: ADUFRJ

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l Alguns estados voltam a apresentar novo aumento do número de casos e óbitos. Estamos vivendo a terceira onda? n A gente tem verificado em algumas cida-

des um aumento de casos, então é possível que a gente tenha até o final do mês, a partir da segunda quinzena, um novo aumento de casos em todo o país. Mas, em termos epidemiológicos, deveríamos usar [a expressão] “nova onda” quando houvesse um controle de 70% ou mais dos casos e só depois houvesse novo aumento. Aí sim é caracterizada, com clareza, uma nova onda. Nós nunca tivemos isso aqui no Brasil. Na verdade, é uma mesma onda esse tempo inteiro com repiques. Ficou popular chamar de nova onda porque fica mais didático.

Essa baixa velocidade da imunização pode desencadear novas mutações no vírus, que consigam burlar os efeitos da vacina? n Quanto maior a replicação geral, quanto mais o vírus se espalha, mais riscos de novas variantes. Agora a gente tem mais preocupação com a variante indiana, que l

A pandemia estabilizou num patamar muito alto, com quase 2 mil mortes diárias. Quais os riscos de uma nova onda nesse cenário? n Estamos num período crítico de inverno, de sazonalidade de doenças respiratórias. E precisamos levar em conta toda l

MUSEU LEVA CIÊNCIA PARA SUL FLUMINENSE

CIENTISTAS MIRINS: Museu encanta a criançada de Barra Mansa Estimular a divulgação científica com muita mão na massa é a essência do Museu Interativo de Ciências do Sul Fluminense (MICInense) que agora completa onze anos. “Devemos ocupar os vazios no interior com ciência e cultura. A maioria dos centros de divulgação

científica e cultural ainda estão nas grandes metrópoles brasileiras”, explicou Christine Ruta, vice-presidente da AdUFRJ e uma das coordenadoras do Museu. “Na contramão dessa tendência de desigualdade social entre as cidades brasileiras o MICInense

foi idealizado”. Instalado no CIEP 054, em um bairro residencial da periferia do município de Barra Mansa, o MICInense oferece oficinas e exposições para estudantes e professores da rede pública, e para os interessados em geral. Desde sua fundação, em 2010, mais de 50 mil pessoas participaram das atividades. Muitas delas são inclusivas e integram parceria com o Centro Municipal de Atendimento Educacional Especializado (CEMAE) e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). “A ideia é contemplar a todos e todas”, conta o professor de Barra Mansa, Luciano Gustavo da Silva, um dos coordenadores do Museu. O professor destaca o impacto do museu para os municípios do entorno. “Mais de 90% dos estudantes de zonas rurais nunca tinham tido contato com um espaço científico”. Muito além de exposições interativas, o MICInense proporciona

l Como o senhor avalia a velocidade da vacinação e a pandemia no estado e na cidade do Rio de Janeiro? n O Rio de Janeiro teve uma onda diferente de outros estados em novembro e dezembro. Aqui, houve forte aumento, enquanto outros estados não tiveram isso. Tivemos aumento importante e reduziu. Em fevereiro chegamos ao menor nível, desde o começo da pandemia. Há possibilidade, portanto, de, se houver uma “terceira onda”, o Rio se enquadrar numa quarta. Em relação à vacinação, a cidade do Rio de Janeiro está um pouco mais adiantada do que a média do país, mas ainda é um patamar muito baixo, cerca de 15%. É preciso pelo menos 40% da população vacinada com as duas doses para começarmos a ver algum efeito concreto no controle da doença.

A prefeitura do Rio iniciou esta semana um calendário de imunização por idade, que chega aos 18 anos em outubro. O calendário é factível ou pode sofrer atrasos? n É difícil dizer. O calendário está organizado, com capacidade de vacinação de 30 mil pessoas por dia. É possível, inclusive, fazer mais, porém, isso depende de termos vacina. Dentro do calendário, é completamente factível, mas se o Ministério da Saúde vai entregar as doses necessárias dentro do cronograma acordado, é outra história. l

práticas de laboratório de biologia, química e física. O espaço oferece ainda cursos de atualização e de formação continuada para professores do ensino básico e é um espaço de estágio e pesquisa para graduandos e pós-graduandos que moram na região. Ao todo, a estrutura é composta por cerca de 150 metros quadrados, divididos entre um salão de exposição interativa e um laboratório multidisciplinar. “O museu já ganhou inúmeros prêmios científicos, mas o nosso maior prêmio é o sorriso do nosso público”, ressaltou Luciano. “O apoio da FAPERJ através do edital Melhorias do Ensino em Escolas Públicas foi a pedra fundamental do MICInense. Estamos exultantes de poder celebrar uma década de MICInense ao lado da FAPERJ”, frisou a professora Christine. Para o Presidente da FAPERJ e professor do IBqM Jerson Lima Silva, a iniciativa acerta na “interação da universidade com a educação básica” e em “um olhar mais voltado para o interior”. “O foco na

interdisciplinaridade é também muito importante. Estão de parabéns”, afirmou o presidente da FAPERJ durante a comemoração virtual promovida pela equipe do MICInense, na terça (1). “Nesse momento em que estamos vivendo, a divulgação científica ganha um papel ainda mais estratégico”, avaliou a coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, professora Tatiana Roque, que também participou da live. Débora Foguel, professora do IBqM e titular da Academia Brasileira de Ciências, enfatizou a contribuição para a retomada do ensino presencial.“O pós-pandemia vai exigir um grande esforço para envolver as escolas em atividades que possam melhorar a recuperação e a reconstrução no retorno presencial. Espaços como o MICInense são muito importantes nisso”. Durante o evento virtual que contou com cerca de 60 participantes foi lançado o vídeo institucional do museu que pode ser acessado no canal do Youtube do MICInense. (Elisa Monteiro)


#OrgulhoDeSerUFRJ ENTREVISTA I WALTER SUEMITSU,DECANO DO CENTRO DE TECNOLOGIA

“EU NÃO PODIA DESISTIR” Ainda em recuperação de uma dura batalha contra a covid, o decano do Centro de Tecnologia, professor Walter Suemitsu, encontrou forças para emocionar os colegas, no último dia 25. Depois de passar 11 dias intubado e inconsciente no CTI, Walter falou à plenária de decanos e diretores no dia seguinte à alta hospitalar. Disse que, se tinha sobrevivido, era para ajudar as pessoas. O docente também afirmou que um dos seus objetivos seria fazer pela UFRJ tudo que ela precisa e merece para se tornar a melhor universidade da América Latina. “Naquela hora, os olhos de todo mundo se encheram de lágrimas”, afirma a diretora do campus Duque de Caxias, professora Juliany Rodrigues. SAMUEL TOSTA / ADUFRJ

KELVIN MELO kelvin@adufrj.org.br

Nesta entrevista ao Jornal da AdUFRJ, entrecortada por soluços de emoção, Walter relata sua experiência e transmite uma mensagem de esperança à comunidade da UFRJ. O professor, que ainda não retomou as atividades administrativas, respondeu a parte das perguntas por mensagens, pois não tem condições de falar por um período muito longo de tempo. Jornal da AdUFRJ – O que o senhor sentiu, quando contraiu a doença? n Walter Suemitsu - Eu não senti sintomas, no início. Fui infectado por um amigo que estava na festa de aniversário do meu filho, no dia 10 de abril. Havia apenas sete pessoas na reunião: quatro vacinadas e três jovens. E eu achava que, tendo tomado a primeira dose há dez dias, tinha alguma imunidade. Eu havia tomado a primeira dose da Coronavac no dia 1º. l

E quando o senhor precisou ser internado? n Alguns dias depois da festa, este amigo nos reportou que estava infectado e, mesmo sem sintomas, resolvi fazer o exame por precaução, no dia 17. O doutor Márcio Ananias, meu clínico geral há 15 anos, me internou assim que soube do resultado positivo. Ele disse que, me conhecendo, se eu ficasse em casa, não iria cumprir as ordens médicas. Fui l

Tudo que eu pensava é que eu não podia desistir. Eu tinha tido uma chance única. Por mim, pelos meus filhos, pela minha família, pelos meus amigos, eu só pensava que tinha de lutar.” “Celebrem a vida, celebrem o amor. Vivam o seu dia a dia.”

internado no Copa d’Or, dia 20, onde ele poderia ter mais controle sobre minha situação. O que foi bom, pois na hora que precisou, eu já estava lá. Imagina eu passar mal em casa, chegar lá e não ter vaga na emergência? O que ocorreu em seguida? Depois de três dias, eu comecei a piorar e apaguei. Eles nem tiveram tempo de me avisar da intubação. Foi tudo às pressas. Só quando eu acordei , em 4 de maio, descobri ter ficado 11 dias dormindo.

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Naquele momento, após acordar, o que o senhor pensava? n Tudo que eu pensava é que eu não podia desistir. Eu tinha tido uma chance única. Por mim, pelos meus filhos, pela minha família, pelos meus amigos, eu só pensava que tinha de lutar. Eu ainda reflito sobre isso. Todo dia. l Quando o senhor conseguiu retomar l

o contato com a família e amigos? n Quando saí da ala covid, fui para um andar de recuperação e podia receber visitas. Meu filho ficou me acompanhando. Minha filha veio de Campinas depois. E ficaram se alternando. A comunicação com os colegas de universidade começou quando eu fui para esta ala. Tive alta no dia 24.

Eu fico emocionado. É muito bom saber que tanta gente gosta de mim. Me deixou muito feliz. Uma mensagem da professora Julianny (Rodrigues), diretora do campus Duque de Caxias, me tocou muito. Porque ela disse que eu era como um pai para ela. Eu estou ajudando nas questões do campus.

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Que mensagem o senhor deixa para a comunidade da UFRJ? n Celebrem a vida, celebrem o amor. Vivam o seu dia a dia. l

Como foi receber o carinho dos colegas, por mensagens e naquela plenária do dia 25?

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IPPMG SE DESPEDE DA GENTILEZA DE ROBERTO AIRES ACERVO DA FAMÍLIA

A gentileza em forma de professor e médico dono de dedicação incansável aos pacientes do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, IPPMG. Esse é o retrato de Roberto Aires, morto no último dia 28, aos 80 anos, de causas naturais. “Roberto foi um dos maiores exemplos da forma cuidadosa, carinhosa e extremamente competente de atuar na pediatria”, afirma o professor Hélio Rocha. Segundo ele, características herdadas do convívio com César Pernetta, diretor do IPPMG no fim da década de 1960, e um dos maiores nomes da especialidade. “Roberto sempre foi uma pessoa extremamente acolhedora, que buscou o diálogo”, completa. “Uma vez, estive na casa dele para um churrasco, com piscina. Naquela época, nem tinha celular. Mas ele levava uma extensão do

culiar de Roberto compartilhar o conhecimento. ˜Ele fazia comparações com casos atendidos no próprio IPPMG. Tinha uma experiência enorme. Em situações que a gente olhava assombrado, o Roberto sempre oferecia um comentário a mais”, diz.

HOMENAGEM telefone para onde estivesse. Não se recusava a atender paciente em hora alguma”, relata Hélio, aluno de Roberto na década de 1970. ˜Ele coordenou a sessão clínica solene do IPPMG durante mais de 15 anos — a sessão, realizada semanalmente, reúne todo o corpo clínico do hospital para discutir os casos mais difíceis˜. Ex-diretor do IPPMG de 1994 a 2002, o professor Luiz Afonso Henrique Mariz se soma à legião de admiradores do colega recém-falecido e ressalta a forma pe-

“Roberto juntava conhecimento, simplicidade e educação. Era um modelo para todos nós”, avalia Ricardo Barros, diretor adjunto de Atividades Assistenciais do IPPMG. Um exemplo pessoal mostra este cuidado: quando o filho apresentou febre, Ricardo, então com poucos anos de formado, acreditou se tratar de um quadro de pneumonia, mas levou o caso para o colega. “Com muita delicadeza, Roberto mostrou que meu diagnóstico estava errado”. “Não tinha quem não gostasse

dele”, reforça. Fato que explicava Roberto ser escolhido praticamente todos os anos como patrono ou paraninfo das turmas. Não à toa, Ricardo é autor de uma proposta para prestar uma homenagem permanente a Roberto Aires: batizar a sessão clínica ou o anfiteatro do instituto com o nome do docente que formou gerações de pediatras. “Ele merece”, observa. A presidente da AdUFRJ, professora Eleonora Ziller, que trabalhou no IPPMG de 1991 a 2001, conta que guarda as melhores recordações do professor Roberto Aires. “Ele pertence ao elenco dos grandes clínicos e professores que fizeram a história do IPPMG” , lembra.

TRABALHOU ATÉ O FIM O compromisso com a profissão era imenso, mas a família não ficava em segundo lugar. “Nós crescemos dividindo meu pai com

o trabalho. Com os pacientes, com a docência. Ele gostava muito de ensinar”, afirma Mariana Aires, que também é médica do IPPMG.“Mas ele sempre foi um pai excelente, amoroso. Sempre tinha uma palavra de incentivo. E foi um marido maravilhoso para minha mãe”. A postura do pai influenciou a escolha profissional não só dela, mas dos outros dois irmãos, também pediatras. E de muitos primos, que também se tornaram médicos.“Como filho mais velho de seis irmãos, meu pai influenciou vários sobrinhos. Foi um exemplo para toda família”. Não havia separação entre trabalho e família, mesmo no ambiente doméstico. “Meu pai atendia os pacientes dentro de casa, na sala. A hora que fosse. Era algo normal, como se fosse uma extensão do consultório. Até adultos vizinhos que estivessem passando mal no prédio”, explica Mariana. “Ele trabalhou até o último dia de vida. E ele dizia isso, que queria trabalhar até o final”. (Kelvin Melo)

JORNALDAAdUFRJ / REDAÇÃO - COORDENAÇÃO: ANA BEATRIZ MAGNO CHEFIA DE REPORTAGEM: KELVIN MELO EDIÇÃO: ALEXANDRE MEDEIROS, KELVIN MELO E SILVANA SÁ REPORTAGEM: ELISA MONTEIRO, KELVIN MELO, LUCAS ABREU E SILVANA SÁ ESTÁGIARIOS: KIM QUEIROZ E LIZ MOTA ALMEIDA DESIGN: ANDRÉ HIPPERTT TI: MARCELO BRASIL


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