INDIE LISBOA
Nuno Sena: ‘O cinema independente é mais livre de constrangimentos.’ IndieLisboa teve 36.500 espectadores A ultima edição do IndieLisboa recebeu um total de 36.500 espectadores (no ano passado tinha sido 36. 000) e um terço do publico viu filmes portugueses. O balanço final, ‘muito positivo’, do festival de cinema independente foi ontem apresentado pela organização. O IndieLisboa terminou no Domingo. Os principais prémios foram para Ballast de Lance Hammer, e para o documentário Ruínas, de Manuel Mozos. Publico, 7 Maio, 2009
Esquerda.net entrevistou Nuno Sena, um dos programadores do IndieLisboa sobre a história deste festival que já vai na sua sexta edição, os seus objectivos e a razão do seu sucesso. Nuno Sena foi assistente da direcção do Instituto Português da Arte Cinematográfica e Audiovisual/IPACA (depois ICAM) entre Abril de 1996 e Junho de 1998; dirigiu o Departamento de Exposição Permanente da Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema entre Agosto de 1998 e Junho de 2003 e integrou a direcção e o comité de programação do doclisboa entre 2004 e 2006. Entrevista de Oloímpio Alves Como surgiu o nome ‘Indie’ para o Festival? O nome ‘IndieLisboa’ nasceu do aproveitamento de uma expressão que existe em termos internacionais há alguns anos, chamado Independent Cinema. Trata-se de uma ideia que na Europa é um pouco diferente da dos Estados Unidos. Quando adoptamos a expressão foi essencialmente para falarmos de um cinema que fosse autónomo, mais livre relativamente a uma série de constrangimentos, sobretudo de carácter comercial, que por vezes formatam excessivamente o campo cinematográfico, seja documentário, seja ficção. A nossa ideia é de um cinema livre desse tipo de constrangimentos, disponível para arriscar, para descobrir, e que tenha assim uma relação mais directa, mais viva com o tempo presente, com a altura em que é feito e com o espaço em que esses filmes acontecem. É um termo que para nós serve sobretudo como um ‘chapéu de chuva’ muito genérico de todos os tipos de cinema e todos os filmes que o Festival pode e quer apresentar. Como acha que os espectadores portugueses vêem o cinema independente? Em primeiro lugar, vêem pouco. De facto, no mercado
português existem grandes estrangulamentos em relação a uma oferta cinematográfica muito mais plural, muito mais diversificada do que aquela que em Portugal temos oportunidade de ver nas salas de cinema. Há poucos distribuidores, o mercado de sala está excessivamente concentrado em poucos exibidores. O Indie nasce por isso, para tentar colmatar essa lacuna, dar a ver outros filmes, filmes que não chegavam ou que circulavam pouco no mercado português. A ideia é promover esta cultura do cinema independente, um cinema que se afaste mais dos ‘constrangimentos’ dos filmes mais comerciais. É claro que no cinema independente existem vários géneros e modos de produção que até estão próximos do cinema popular ou de grande público, mas este Festival nasce essencialmente para proporcionar uma melhor “qualidade de vida” a todos os espectadores portugueses que tinham até então pouco ou mais reduzido acesso à produção de cinema independente. No final da primeira edição do Festival em 2004, qual foi o balanço que fizeram? A primeira edição era decisiva para o futuro do Festival, porque há várias histórias de Festivais de Cinema em Portugal que tiveram apenas uma edição isolada, que, por várias razões, não conseguiram passar da primeira edição. Sabíamos que era um pouco o tudo ou nada, porque o sucesso da primeira edição iria determinar a viabilidade do festival. A primeira edição foi muito recompensadora, a vários níveis. Teve um óptimo retorno do público, com um bom eco da comunicação social, ficámos com a ideia de que havia uma dinâmica na programação que interessava às pessoas, e que essa era a grande mais-valia que o festival tinha para oferecer. O festival partia também de uma situação, diria eu, privilegiada, porque arrancava
num momento em que se tinha acabado uma experiência de três anos no Cine 222 em Lisboa, organizada pela Zero em Comportamento, que é a organizadora do Indie, o que permitiu conhecer melhor o público com que estamos a trabalhar, que é o público mais fiel e mais numeroso do festival ainda hoje. Foi importante essa experiência de três anos, que acabou por servir de tubo de ensaio do Indie para comprovar que existe um desejo de filmes, um desejo de cinema num público muito alargado que não estava completamente saciado. E agora, com cinco edições realizadas, qual o balanço? O balanço é positivo em todos os capítulos, não quero dizer com isto que estejamos satisfeitos. À partida, para cada edição existe esta ambição, da equipa que faz o festival, de melhorar sempre qualquer coisa, torná-lo mais interessante, mais estimulante, mais diversificado e conseguir trazer qualquer coisa de novo. Eu penso que esta edição é mais parecida com a do ano anterior, porque efectivamente já estabilizou as suas secções principais e há sobretudo a tentativa de apurar esta receita, de melhorar a qualidade dos seus ingredientes, utilizando esta metáfora gastronómica, para conseguir fazer a melhor edição do Indie Lisboa. E, para isso, penso que há essencialmente uma melhor qualidade de organização e também uma melhor qualidade de programação. Portanto é essencialmente a ambição de conseguir superar a edição anterior, não só quantitativamente - claro que também é isso, se queremos chegar a um público mais alargado - mas também de fazer uma selecção ainda mais criteriosa, fazer novas apostas, ir à procura de novos talentos, dar visibilidade a trabalhos ainda pouco divulgados. Como tem sentido a adesão dos cineastas portugueses a este Festival? A relação que temos com o cinema português é muito
importante, porque obviamente estamos a trabalhar em Portugal, a fazer um Festival para um público português, mas também para melhorar a qualidade da relação desse público com o seu cinema, o cinema nacional. Desde a primeira edição, temos tido sempre um número importante de filmes portugueses, sem ter tido a necessidade de baixar o ‘nível’ qualitativo, de forma a termos um número maior de filmes portugueses. Temos tentado também encontrar filmes portugueses inéditos de jovens cineastas, ou de cineastas mais veteranos mas que partilham de uma certa ideia que o cinema português precisa de estar a fazer um cinema interessante, estimulante e com potencial internacional ao nível de um cinema de autor. Penso que está a ser conseguido. Já tivemos filmes portugueses em competição na secção Internacional, tanto nas curtas como nas longas metragens. Este ano, felizmente, voltou a acontecer, mas o cinema português tem de valer por si próprio. Temos tido esta posição desde o princípio. Uma das missões do festival é encorajar, promover e contribuir para uma maior projecção dos cineastas portugueses quer nacionalmente, quer internacionalmente. Acha que o público português está a ficar mais exigente para com o festival? Nós sentimos isso. Aliás, essa exigência começou logo no primeiro ano, porque existe sempre uma expectativa muito grande sobre a sua programação. No entanto, essa exigência acaba por ser o seguro de saúde do Festival. Isto porque sentimos que as pessoas acham que é um festival importante para a cinematografia em Portugal, o que nos leva a investir mais, pois esse é o retorno do nosso trabalho, nesta relação saudável que podemos estabelecer com os espectadores. 24 de Abril, 2009
Bernadette, (na foto) Duncan Campbell
Música: Seamus Harahan Som: Mark Vernon Montagem: Duncan Campbell Com: Cara Kelly Produtor: Duncan Campbell, Karen Vaughan Produção: Duncan Campbell Retrato da activista política da Irlanda do Norte __ Bernadette Devlin. Devlin tornou-se activista em finais dos anos 1960 e esteve seriamente envolvida na Batalha de Bogside em 1969.
Lance Hammer trabalhou com não-actores, segundo li, embora a designação «não-actores», ainda que descritivamente correcta, tenha algo de impróprio. Não interessa aqui agora a questão. Que filme é este? Terra e pessoas. Tudo reduzido ao mais elementar: acção, representação, câmara, luz, décors. E o final, é um final que não abre, nem fecha. in loco - cobertura dos festivais
Como o cenário é capaz de transpirar um drama? Ballast, estreia por de trás das câmeras do até então diretor de arte Lance Hammer, é uma pequena e delicada exploração sobre estas perguntas. O cineasta americano, com três personagens silenciosos e variadas motivações, fez de Ballast um filme sobre um determinado espaço, humor e tom. Pode-se mesmo dizer que este é um longa sobre o inverno úmido do Delta do Mississipi, uma região desolada, marcada por enormes distâncias entre o que quer que seja, onde a ficção parece estar ali à serviço da paisagem (e não o contrário). A história é mínima. Três personagens. Marlee, trabalha duro para garantir a sobrevivência de James, seu filho de 12 anos. O menino passa os dias vagando solitário e acaba fazendo amizade com um grupo de jovens traficantes. Não demora muito, ele se vê em perigo. Mãe e filho fogem então para a casa do ex-marido/pai, que recentemente cometeu suicídio. Na casa ao lado, o irmão gêmeo do falecido tenta recuperar-se dessa perda. Os cunhados odeiam-se. Hammer procura maximizar o potencial cinematográfico e imagético de sua pequena situação dramática e, numa de suas decisões
mais acertadas, entrega o filme aos atores não profissionais, todos incríveis. Estamos certamente em terreno: a câmera na mão, a filmagem no ritmo da respiração dos personagens, a entrada em cena no meio de uma ação maior que tem início antes do plano, e, principalmente, um espaço onde o elemento humano aparece como único horizonte possível de esperança. A forma é o acompanhamento absoluto destes personagens. Ballast é um filme simplesmente descritivo, não toma absolutamente partido daquilo que mostra. É preciso dizer, no entanto, que Hammer não tem a precisão nem a fluidez dos irmãos belgas. A mão do cineasta parece sempre presente, numa longa cuja delicadeza se mostra quase sempre calculada. A técnica narrativa de Hammer, em especial na primeira metade do filme, dificulta criativamente uma compreensão total do drama ali descrito. Assim que os conflitos se estabelecem, o diálogo torna-se mais explícito e o drama talvez mais tradicional. A montagem só nos mostra o que lhe parece imprescindível, cada cena é uma surpresa num filme de esperança. Outubro de 2008, http://www.revistacinetica.com.br/ballast.htm
Ballast ,
o melhor filme a concurso, é vencedor máximo da competição do festival Ficção, Estados Unidos da América , 2008, 92’, 35mm Argumento: Lance Hammer Fotografia: Lol Crawley Música: Jerry Lousteau, John Bissell Montagem: Lance Hammer Com: JimMyron Ross, Johnny McPhail, Michael J. Smith Sr., Tarra Riggs Produção: Lance Hammer
Ballast sai vencedor Está entregue o prémio máximo do IndieLisboa 2009 - e bem entregue: “Ballast”, a extraordinária primeira longa-metragem do americano Lance Hammer, é o vencedor da competição oficial do festival lisboeta, anunciado na noite de ontem no cinema São Jorge. http://www.indielisboa.com
O delta do Mississippi é o enquadramento da pequena e desoladora cidade onde vamos encontrar três solitários, que trabalham arduamente para sobreviver. O cenário é importante, porque concede à partida o peso dramático à história – mas sobretudo às personagens (interpretadas por actores amadores, o que potencia a autenticidade do quadro social onde elas se movem). Quando James, de apenas 12 anos, cai numa espiral de drogas e violência, a mãe, Marlee, para evitar que ele se torne numa estatística criminal, decide voltar para casa do exmarido e pai do miúdo, que se havia suicidado. Lá, encontram o irmão gémeo do falecido, Lawrence, que tenta ultrapassar a perda. Mãe e tio odeiam-se desde que James nasceu e a convivência será a princípio silenciosa. Estreia na realização de Lance Hammer, Ballast é um filme de enorme contenção narrativa e visual, mas nem por isso menos profundamente emotivo. Ballast é um filme contido, emotivo e silencioso. Narra a história de 3 almas deambulantes, algures no Mississipi eambuantes, algures no Mississipi americano, cujas vidas estão cruzadase
marcadas para toda a vida. Perante o declínio do seu jovem filho, cada vez mais envolvido nos meandros da droga e violência, a mãe abandona a sua casa e muda-se para o local onde morava o seu ex-marido, que entretanto se havia suicidado. Aí vai encontrar, a morar na casa ao lado, o irmão gémeo do ex-marido com quem sempre teve diferenças inconciliáveis., irmão esse que entretanto se tinha também tentado matar. Os motivos do ódio destas pessoas não são abertamente conhecidos, mas há todo um passado de má convivência latente e presente em todo o filme. A dada altura parece haver esperança e a possibilidade de alguma felicidade na vida dos três, à medida em que tio e sobrinho se aproximam e se vislumbra alguma abertura na relação dos cunhados, mas será que realmente algo mudou? Um filme sobre o impacto do suicidio de um homem adorado pelo irmão gémeo, odiado pela ex-mulher e ignorado e desconhecido pelo filho. Este foi o filme vencedor do prémio do juri internacional da edição deste ano do Indie Lisboa.
O júri internacional formado por Marco Müller, director do Festival de Veneza, pela actriz Inês de Medeiros, pelo realizador Rabah AmeurZaïmeche e pelos programadores Christoph Terhechte e Raymond Walraven, premiou claramente o melhor filme exibido na selecção competitiva 2009 e, ao mesmo tempo, um fortíssimo símbolo da renovação do cinema independente americano, cada vez mais atento às pequenas histórias da América real. A primeira obra de Lance Hammer, causou sensação nos festivais de Sundance e Berlim e foi um dos filmes americanos mais aclamados de 2008. ‘Jalainur’ , segunda longa do chinês Zhao Ye, ficção com elementos documentais que acompanha os últimos dias de trabalho de um maquinista de comboios que trabalha numa mina a céu aberto na Mongólia, recebeu o Prémio de Distribuição. O prémio de melhor longa-metragem portuguesa coube ao documentário experimental de Manuel Mozos ‘Ruínas’, sobre os efeitos do tempo que passa sobre uma série de edifícios e construções abandonadas. Ainda na longa-metragem, júris separados entregaram o Prémio FIPRESCI a ‘The Happiest Girl in the World’, comédia satírica romena de Radu
Jude e o Prémio Amnistia Internacional ao documentário do mexicano Eugenio Polgovsky ‘Los Herederos’. Na categoria de curtas-metragens, o júri formado pela realizadora Isabel Aboim Inglez, pelo produtor Benjamin Merguet e pelo programador Peter Taylor atribuiu o grande prémio ao filme experimental francês ‘Kempinski’, de Neil Beloufa, e o prémio de melhor curta-metragem portuguesa a ‘Arena’, de João Salaviza, que estará a concurso nas próximas semanas no festival de Cannes. Também premiados foram ‘Alasca’, de Miguel Seabra Lopes (melhor fotografia de uma curta portuguesa), ‘Pássaros’, de Filipe Abranches (prémio Restart para melhor realizador) e ‘Visionary Iraq’, de Gabriel Abrantes (prémio Novo Talento Fnac). Já o público presente no festival optou por uma outra escolha de filmes. Na categoria de longa-metragem, recompensou ‘L’Encerclement’, documentário do canadiano Richard Brouillette sobre a ideologia liberal; na curta, premiou o documentário português de Tiago Hespanha ‘Visita Guiada’; e o público da secção infanto-juvenil IndieJunior atribuiu o seu prémio à longa islandesa de Ari Kristinsson ‘No Network’.
www.indielisboa.com
www.publico.pt
Ficção, China , 2008, 92’, Digi Beta PAL Argumento: Zhao Ye Fotografia: Zhang Yi Música: Lin Chaoyang Som: Chen Ting Montagem: Zhao Ye Com: Li Zhizhong, Liu Yuansheng Produtor: Zhao Ye Produção: Helen Cui, producer, TianlinFilm Productions
Jalainur,
Ruinas,
Ye Zhao, China, fic., 2008, 92’
Manuel mozos, Portugal, doc., 2009, 60’
Old Zhu, maquinista de comboios a vapor, e Li Zhizhong, sinaleiro de via-férrea e seu aprendiz, são inseparáveis. Trabalham ambos nas minas de carvão em Manzhouli, uma cidade do interior da Mongólia. O primeiro está prestes a reformar-se , trabalhou ali por três décadas. O segundo ficará perdido e confuso. É tão dedicado ao mestre como ao trabalho. Dirige o comboio como um romântico, como se fora um cavaleiro, e um dia Zhizhong decide seguir Zhu, lançando a sombra da obsolescência sobre o futuro daqueles homens. A decisão apanha o mais velho de surpresa, que mói a sua desilusão em silêncio. Ye Zhao filma a fragilidade da amizade, construindo, através do fumo, metáforas imagéticas para lamentar a passagem do tempo. Primeira longa metragem de ficção do jovem realizador Ye Zhao, Jalainur cruza o drama familiar com um retrato de uma precisão quase documental de uma paisagem e de um meio social ameaçados de extinção pela acelerada modernização da China. Jalainur quer ser um poema filmado sobre um mundo que chega ao fim, o mundo de um maquinista à beira da reforma que conduz comboios de transporte numa imensa mina a céu aberto. Se houvesse um prémio para o filme visualmente mais deslumbrante do Indie 2009, Jalainur estaria bem lá em cima. A segunda longa do chinês Zhao Ye após ‘Ma Wu Jia’ (2007) foi rodada em exteriores na Mongólia com vídeo digital de alta definição sob temperaturas negativase as imagens que o director de fotografia Zhang Yi sacou são de uma beleza intemporal de cortar a respiração.
Tema de longa tradição na história da arte, as ruínas são o centro deste belíssimo filme-ensaio (género particularmente raro no cinema português) assinado por Manuel Mozos. O realizador cruza leituras com um conjunto de textos de naturez díspar (notícias de jornal, cartas comerciais, receitas de cozinha, prescrições médicas, poemas populares, etc), evocativos de um passado português mais ou menos distante, com imagens contemporâneas de locais tocados por essa particular ‘poesia da ruína’. Algumas dessas ruínas são imediatamente reconhecíveis – o parque Mayer, as Torres da Torralta, as minas de São Domingos – outras são mais anónimas- estações de caminho-de-ferro, casas modestas, quintas-, mas todas elas convocam fantasmas e revelam nas marcas da passagem do tempo uma ideia sobre o país que fomos e somos.
Pena que Zhao não faça corresponder a esse formalismo fulgurante, extraordinariamente trabalhado, uma substância igualmente inspirada. No modo como inscreve a sua narrativa ténue e solta, que se move aos ziguezagues, no limbo entre a ficção e o documentário, utilizando actores não profissionais e rodando em exteriores, Jalainur é um filme sintomático do modo como muitos cineastas orientais trabalham hoje (não é descabido lembrar Jia Zhang-ke). Mas sente-se que Zhao Ye não ‘acertou’ ainda na dosagem correcta, e que se concentrou de tal modo na forma que Jalainur se reduz a uma sucessão de quadros visualmente arrebatadores mas dramaticamente inexistentes. Com a sua segunda longa, Zhao Ye, ficção com elementos documentais, este recebeu o Prémio de Distribuição no IndieLisboa. www.indielisboa.com
www.indielisboa.com
‘Fragmentos de espaços e tempos, restos de épocas e locais onde apenas habitam memórias e fantasmas. Vestígios de coisas sobre as quais o tempo, os elementos, a natureza, e a própria acção humana modificaram e modificam. Com o tempo tudo deixa de ser transformando-se eventualmente numa outra coisa. Lugares que deixaram de fazer sentido, de serem necessários, de estar na moda. Lugares esquecidos, obsoletos, inóspitos, vazios. Não interessa aqui explicar porque foram criados e existiram, nem as razões porque se abandonaram ou foram transformados. Apenas se promove uma ideia, talvez poética, sobre algo que foi e é parte da(s) história(s) deste País.’ (Manuel Moços)
Arena,
João
‘Mais do que captar as transformações de um lugar, interessa-me a tensão dos momentos em que nada se altera. O protagonista de Arena está confinado a um espaço e a um tempo limitados. Ao filmar o Mauro em prisão domiciliária confrontei-me com a condição de um homem que não tem para onde ir. Segui esta ideia, desde o guião até à montagem. O principio de que os planos não se antecipam às deambulações do protagonista nem lhe sugerem caminhos que vive com grandes janelas de casa, e que está secretamente à espera que as coisas mudem por si.’ (João Salaviza)
Foi certamente uma surpresa para o realizador, Arena, que não era um filme ‘para ganhar aqui’. Mas ganhou. A sua curta-metragem de estreia venceu o Grande Prémio da competição de curtas-metragens, lançando para o centro das atenções a obra deste jovem realizador de 25 anos, ainda estudante de cinema no Conservatório. Na apresentação de Arena (única obra portuguesa em competição no festival), o crítico do PÚBLICO Vasco Câmara classificava-a como ‘uma curta vigorosa’, um filme ‘híbrido entre o documento da realidade e o espectáculo da sensualidade dos corpos e do espaço’. É uma história centrada num jovem em prisão domiciliária. Mas o realizador recusava a ideia de querer, com Arena, transmitir qualquer mensagem ao mundo, como o tinha apresentado a sua produtora, Maria João Mayer. ‘Nunca diria de mim isso de querer ‘falar ao mundo’, mas sim, reconheço-me, tendo em conta que os filmes, para mim, são uma reacção a qualquer coisa’, sem terem de ser um manifesto. Arena acrescenta o prémio agora conquistado em Cannes ao que já tinha ganho no IndieLisboa, no início de Maio. A notícia da sua selecção para a competição de curtas em Cannes foi recebida já na contagem decrescente do festival, mas isso não fez com que o realizador perdesse o sentido da realidade. Já em França, admitia que, para além do ‘glamour’ que irremediavelmente se respira na Croisette, o festival aposta também ‘numa programação arriscada’. ‘Não estão à procura da típica curta com a ‘punchline’ final. Estão à procura de coisas novas. Senti que o meu filme foi escolhido por isso’. Arena confirmou-se, assim, ‘uma coisa nova’. Expressão, afinal, de que ‘os filmes portugueses estão condenados a serem descobertas dos festivais internacionais’, notava Salaviza.
João Salaviza, fic., Portugal, 2009, 17’
A curta-metragem Arena de João Salaviza, vencedor do Prémio para Melhor Curta Metragem Portuguesa do IndieLisboa, foi seleccionada para integrar a Competição de Curtas Metragens do Festival de Cannes. ‘Arena’ confirmou-se, assim, ‘uma coisa nova’. Expressão, de que ‘os filmes portugueses estão condenados a serem descobertas dos festivais internacionais’, notava Salaviza. Em entrevista ao IndieLisboa, João Salaviza explicou o conceito por trás desta história: ‘O processo foi um bocado longo mas eu queria explorar a ideia de que o sítio de onde nós vimos condiciona muito o sítio para onde vamos ou deixamos de ir, ou seja a ideia de que há pessoas presas à sua condição social mas também ao sítio geográfico de onde vêm. Achei interessante explorar ao máximo essa ideia, através de um sistema que existe em Porugal que é a prisão domiciliária com pulseira electrónica, que no fundo é uma metáfora para a vida desta personagem (…) Não estava interessado em fazer um filme em que as pessoas pudessem encontrar alguma espécie de consolo, mas no fundo há a ideia de um certo despojamento, de uma personagem e de um espaço isolados do mundo. E foi essa sensação de isolamento que mais me interessou’. www.indielisboa.com
Ficção, Portugal , 2009, 15’, 35mm Argumento: João Salaviza Fotografia: Vasco Viana Som: Inês Clemente Montagem: João Salaviza Com: Carloto Cotta, Rodrigo Madeira Produtor: François d’Artemare, Maria Mayer Produção: Filmes do Tejo
Salaviza vence prémio de Cannes para Curtas-Metragens
24.05.2009 - 19h23 Sérgio C. Andrade
www.publico.pt
Chamamos ‘Herói Independente’ aos que mais admiramos, aos que trabalham em prol de um cinema totalmente livre de préconceptualizações e preconceitos, livre de indústrias pesadas e mercados autistas, livres, sobretudo, de resultados imediatos. Como nunca chegam a entrar no sistema, são sempre marginais ao mercado comercial e, como tal, não se tornam arrogantes, preguiçosos ou carreiristas. Por isso, em cada edição deste festival, fazemos homenagens e retrospectivas, e apresentamos programas originais que extravasam o perfil de actualidade de programação do festival, mas ao mesmo tempo mostram a vontade que temos de mostrar o trabalho daqueles que consideramos aqueles que trazem novidade ao cinema. __ Werner Herzog, é um brilhante e premiado cineasta associado ao movimento do novo cinema alemão, juntamente com Rainer Werner Fassbinder, Margarethe von Trotta, Volker Schlöndorff, Wim Wenders e outros. A figura e a obra de Werner Herzog emergem em toda a sua complexidade nesta abrangente retrospectiva, que vai do primeiro ao mais recente filme de um nome maior do cinema moderno. A aura de realizador de extremos e aventuroso, capaz de defrontar todo o tipo de perigos para levar até ao fim os seus filmes, faz parte de um mito fascinante mas redutor. O próprio Herzog afirma ser sobretudo um ‘contador de histórias’. O seu olhar inconfundível sobre os cantos mais remotos e inóspitos do nosso planeta definem-no como um pesquisador de histórias, um explorador de visões apaixonado, guiado pela câmara em busca do momento de ‘verdade extática’ escondida nos rostos, nos lugares e nas paisagens.
Werner Herzog, herói independente. Nascido em Munique, em 1942, Werner Herzog realizou o seu primeiro
filme com apenas 20 anos de idade, captando, de imediato, as atenções graças à sua postura invulgar e radical, que o conduziu a uma exploração constante das origens da visão e, simultaneamente, dos seus limites. Os seus filmes (52 em 45 anos) são fragmentos de investigação e verdade, exemplos de um tipo de cinema que ultrapassa a distinção facilita entre documentários e ficção, para explorar o território da fronteira, entre a realidade representada, documentada, imaginada. Desta forma, a floresta Amazónica, o deserto do Saara e os picos dos Himaláias tornam-se territórios desconhecidos, mundos nunca antes observados. Nas suas obras mais famosas; de Fitzcarraldo a Aguirre , Herzog concentra as atenções em personagens extremamente carismáticas pelo eterno e duro confronto entre as necessidades reais profundas do homem e a resistência passiva, ainda que tenaz de uma mãe natureza aprisionada entre o esplendor de paisagens perturbantes e frequentemente brutal indiferença dos elementos e dos animais que se interpõem entre a câmara e o seu alvo. (sinais de vida. Werner Herzog e o cinema é um projecto da autoria do Museo del Cinema/ Turim, coordenado po Alberto Barbera e Grazia Pagarelli.)
Para além da mitologia criada à sua volta, Werner Herzog tem uma história cheia de peripécias. É um contador de histórias experiente, o que advém, segundo o próprio, de ter começado a viajar a pé aos catorze anos. Na sua extensa e variada filmografia (mais de cinquenta filmes), também a realidade e a ficção se misturam. Escritos intensivamente pelo próprio, a acção e o seu ritmo desenvolvem-se
na produção, num processo orgânico a partir de factores externos, e não na montagem. Dá-se tempo para a espontaneidade se revelar, ou então é colocada em cena com a obsessiva presença de animais. A escolha musical é variada, desde a música clássica alemã até aos Popol Vuh e assume um papel importantíssimo nos seus filmes, envolve a narrativa, concedendo espaço a uma espécie de linguagem meta-cinema, pela construção de paisagens circulares que a música nos seus filmes oferece. É difícil encontrar um cinema de autor tão verdadeiro, virgem, destituído de formatações, que se tenha aventurado contra as forças da natureza. Para preservar a pureza do seu cinema, rejeitou recorrer a efeitos especiais, a adição de publicidade aos seus filmes, evitando o contágio das imagens consumistas que tanto critica. Certo é que retrata a organização e falhas das sociedades, tendo a audácia de ridicularizar a revolução feita por anões débeis em ‘Even Dwarfs Started Small’, uma comédia negra niilista. Há no cinema deste autor a procura pela autenticidade. A isto liga-se o facto que usou muitos habitantes dos locais onde filmou, interessado no seu comportamento. Também para tal rodeou-se de vários actores de estimação (sendo Klaus Kinski o mais referido). O seu cinema compõe-se essencialmente de amplos exteriores, planos demorados, lindíssimos, as paisagens magníficas representam estados-de-espírito. Herzog foi o único a filmar em todos os sete continentes, indo até ao fim do mundo à Antártica em ‘Encounters At The End Of The World’ conexo à ficção científica ‘The Wild Blue Yonder’ (2005)-, para deixar como herança um fabuloso arquivo de imagens. Essa é a força motivadora da sua profissão, restituir ao mundo as suas imagens, a sua memória. http://www.ruadebaixo.com/werner-herzog.html
‘O cinema não pode nem deve ser considerado independente apenas daquilo que vemos no ecrã. Para obter esse material específico, é necessário realizar tarefas extraordinárias em condições específicas, algo que não me assusta. Consigo fazer coisas que mais ninguém conseguiria, desde que sejam importantes para o filme’. Werner Herzog
‘Nunca criei argumentos, os quais considero fatais para a espontaneidade fundamental nas filmagens. As coincidências sempre acontecem se mantivermos o espírito aberto. Já os guiões são o instrumento dos cobardes, que não confiam nas sua própria imaginação e ficam escravos de uma matriz.’ Werner Herzog
My Best Fiend, Werner Herzog
Documentário, Alemanha, Reino Unido , 1999, 95’, 35mm
Argumento: Werner Herzog Fotografia: Peter Zeitlinger Música: Popol Vuh Som: Eric Spitzer Montagem: Joe Bini Com: Claudia Cardinale, Eva Mattes, Klaus Kinski, Werner Herzog Produtor: Lucki Stipetic Aos 13 anos, Herzog dividia um apartamento com Klaus Kinski, cuja veia artística tinha algo de egocêntrico e maníaco. Do caos nasceu uma bela ainda que volátil amizade. Em 1972, Kinski protagonizou “Aguirre”. Seguir-se-iam quatro outros filmes. Herzog retrata os frequentemente violentos altos e baixos da relação dos dois, revisitando o apartamento de Munique onde se conheceram e os cenários dos filmes que fizeram juntos.
Portrait Werner Herzog, Werner Herzog Documentário, Alemanha , 1986, 35’, 16mm Argumento: Werner Herzog Fotografia: Jörg Schmidt-Reitwein Som: Christine Ebenberger Montagem: Maximiliane Mainka Com: Lotte Eisner, Reinhold Messner, Werner Herzog Produtor: Lucki Stipetic Produção: Werner Herzog Filmproduktion Curta-metragem autobiográfica. Inclui excertos e comentários sobre vários filmes de Herzog e material de arquivo de uma conversa entre ele e a sua mentora Lotte Eisner. E ainda imagens de uma discussão com o montanhista Reihold Messner, onde se esgrime o projecto futuro de um filme nos Himalaias com Klaus Kinski.
A Zona, um filme de Sandro Aguilar.
A Zona, de Sandro Aguilar “Sei o que estou a fazer.” Mesmo que olhemos para “A Zona” - primeira longa-metragem de Sandro Aguilar em dez anos de cinema - e não tenhamos a certeza de saber o que ele está a fazer, o importante é deixarmo-nos levar pela certeza de que ele sabe. Ípsilon, 8 Maio, 2009
Sandro Aguilar não tem ilusões quanto à quantidade de pessoas dispostas a acompanhá-lo para dentro d’A Zona. ‘Para a maior parte dos espectadores um bilhete de cinema é um contrato que se faz com o realizador, e é um contrato que tem regras. Eu não assinei nenhum contrato, e não vou obedecer a nenhuma regra na minha relação com o espectador: quero respeitá-lo na sua inteligência e na sua sensibilidade. Só lhe peço disponibilidade. Mas muita gente não tem essa disponibilidade, e cobra isso aos realizadores. Para quem espera uma narrativa linear, se eu não o faço é porque não o sei fazer. Mas é uma opção, não é uma incapacidade. E aí gera-se um equívoco - imagino que também aconteça com os arquitectos. Eles bem podem programar a casa com uma porta mais pequena, com uma janela sem frisos e sem moldura, mas o espectador, que é quem contrata o arquitecto, diz ‘eu é que vou viver aqui e quero florzinhas e galos de Barcelos’. Sandro não põe florzinhas nem galos de Barcelos no seu cinema. ‘Sempre tentei que aquilo que faço não se pareça com nada do que está a ser feito à minha volta. O que me interessa são os planos, as imagens, os sons, o que fazer com essa matéria bruta. Explorar as justaposições, ver que sentidos se podem produzir, explorar as construções narrativas que se podem construir usando a linguagem cinematográfica. Não me sinto bem no interior de qualquer fórmula reconhecível. Não é o meu habitat.’ Singularidades de um realizador português. Sandro Aguilar, 35 anos, sentado a beber café em tarde solarenga de dia feriado num café recatado da João XXI, é afável, conversador, articulado, bem disposto. Não podia estar mais nos antípodas da imagem opaca e oblíqua do seu cinema que pouco tem a ver com o que se faz cá dentro - mesmo que reivindique alguma contiguidade. ‘A maioria dos cineastas portugueses que me interessam’ - cita: Pedro Costa, João Pedro Rodrigues, João César Monteiro, Manoel de Oliveira ‘nos seus melhores momentos’... - ‘estão
convictamente à procura da sua linguagem, criando um cinema próprio, idiossincrático, do qual se gosta ou não se gosta. A minha forma de comunicar com o cinema português é partilhar essa liberdade’. Mas... Quase todos os cineastas portugueses da sua geração já partiram há muito para a longa. Aguilar levou dez anos após terminar o curso. Tem trabalhado como montador - ‘uma área em que gosto tanto de trabalhar, que me estimula tanto, que o faço essencialmente por gosto, por achar que posso contribuir de alguma forma’. Tem trabalhado como produtor no interior de O Som e a Fúria, estrutura que fundou em 1998 com João Figueiras (e que produziu Miguel Gomes, João Nicolau, Renata Sancho, Manuel Mozos - ‘o nosso objectivo é afastar da produção todo o ruído que não tem nada a ver com o filme, tentar inventar a melhor forma de o fazer acontecer’). E dirigiu uma série de curtas multi-premiadas no circuito de festivais, cujas tendências experimentais, não lineares, levaram muitos a perguntar-se se ele seria capaz de passar à longa. Ver essas seis curtas progressivamente mais abstractas, depuradas, radicais - ‘Estou Perto’, 1998; ‘Sem Movimento’, 2000; ‘Corpo e Meio’, 2001; ‘Remains’, 2002; ‘A Serpente’, 2005; ‘Arquivo’, 2007 - é perceber a busca formal que transforma Sandro numa singularidade. Não só dentro do cinema português, mas dentro do cinema que se faz hoje por todo o mundo. ‘Aborrece-me a generalidade do que se faz com o cinema. Só vale a pena fazer cinema para investigar alguma coisa com a linguagem, para que ela não se fixe. E quem faz este percurso solitário tem de facto tendência para ficar a falar sozinho. O que faço necessita de uma disponibilidade, de uma participação da parte de qualquer espectador que nem sempre é consentâneo com os nossos tempos.’ O fantasma. A esse propósito, fala do ‘misto de fascínio e de indignação’ que recebeu A Zona nos doze meses que passaram desde a sua primeira exibição no IndieLisboa 2008, ao longo de uma série de festivais
europeus, entre os quais Locarno e Londres (onde recebeu uma crítica apaixonada de Kieron Corless, da revista “Sight & Sound”). ‘É um filme que divide, de facto, e que depende muito da forma como entramos nele. Muito se tem falado da minha recusa da narrativa, mas nesse aspecto aproximo-me do David Lynch: trabalho com premissas narrativas que não são de linearidade. Não recuso a narrativa - só não a trabalho da mesma forma que a maior parte do cinema. É possível gostar d’ ‘A Zona’ desde que se saiba que este filme não se esgota naquilo que de história está lá dentro.’ (Isto não quer dizer que reivindique a influência de Lynch, como não reivindica a de Andrei Tarkovski, Stanley Kubrick, ou a de cineastas com quem tem uma ‘relação preferencial’ como John Carpenter, David Cronenberg ou Apichatpong Weerasethakul. ‘Tento afastar-me o mais possível de qualquer referência’. E, para que conste, não gostou nada de “Inland Empire”.) E o que é aquilo de história que está lá dentro? É um filho que visita um pai moribundo no mesmo hospital em que uma mãe dá à luz uma criança prematura; talvez o homem e a mulher se conheçam, talvez haja uma história em comum, ou talvez não. Quando e onde? Cada um que decida. A Zona não se apresenta como algo que não é. Para Sandro Aguilar, o filme apenas pede abertura. ‘É a invenção de um território e convida o espectador a habitar esse território, a participar na sua própria construção. Quem aceita esse convite pode ter uma experiência; quem o nega não vai conseguir entrar; quem estiver demasiado preocupado em tentar decifrá-lo não vai chegar a lado nenhum, não abre caminho por aí. A Zona constrói um território permeável, no qual o que é vivo se transforma em morto ou o que é morto se transforma em vivo, o que é realidade se transforma em sonho e o que é sonho se transforma em realidade. O filme está estruturado como se fosse uma consciência, alguém a pensá-lo de um ponto que não é o nosso, e fá-lo nem estando vivo nem estando morto.
É uma assombração. É um filme sonhado por alguém.’ É inevitável: há alguma coisa de pessoal neste cinema tão idiossincrático? ‘Os meus filmes não são autobiográficos, mas são pessoais e lidam com sentimentos que passam pela noção da perda. Tenho um universo temático que lida com as omissões, as ausências, a falta... Uma das conclusões que tirei depois de fazer A Zona é que estava a fazer filmes para tentar modificar as regras do jogo na vida, digamos assim. O facto de fazer habitar os espaços nem que seja por fantasmas é uma forma de lhes dar continuidade, de fazer com que nada se extinga. E faço poucos pontos finais neste filme, lanço muitas premissas - faço com que tudo vá para um território físico e emocional a que chamo ‘a zona’, mas nenhuma destas linhas é interrompida. Não atingi com isso nenhuma tranquilidade, mas este território faz uma espécie de nivelamento, e isso é apaziguador de certa forma. Tem a ver com a minha forma de olhar o mundo. O mundo não é plácido, está cheio de conflitos e predadores e presas, mas tudo se transforma em tudo e isso sim, é qualquer coisa que me anima.” Agora, um ano depois da conclusão, A Zona chega às salas, em plena consciência de que este não é um filme que se enquadre naquilo que passa hoje por ser o ‘mercado’ da exibição comercial. ‘Gostava que o filme tivesse visibilidade, mas neste momento em que deixou de haver público nas salas para o cinema de autor, para o cinema português, para o cinema iraniano, não vale a pena ter demasiadas ilusões, nem demasiadas desilusões. Não é um filme elitista, exige disponibilidade. As pessoas que estão no Indie a ver filmes trazem essa disponibilidade inventada por um evento, e podem trazê-la para uma exibição episódica como esta, que passa uma, duas semanas e depois o filme desaparece. É ir vê-lo rapidamente, mas é arriscar ver.’ Ipsilon, 8 Maio
A Zona Para Sandro Aguilar, a A Zona retrata a perda de alguém: ‘Quando perdemos alguém: os lugares deixados vazios, objectos, memórias, possibilidades interrompidas; tudo se transforma na manifestação de uma mesma consciência que nos une às paredes, à sombra, aos fantasmas. Trata-se de uma omissão regeneradora porque regressamos e reinventamos antes de abandonar. Por colocar tudo ao mesmo nível, este território é também imensamente libertador.’ http://www.facebook.com
DC1- 200809 NĂşmeroZero
Andreia Constantino, 4767