Copyright © 2020 J. Marquesi Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos de imaginação do autor. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência. Revisão: Analine Borges Cirne Capa: Layce Design Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte desta obra, através de quais meios – tangíveis ou intangíveis – sem o consentimento escrito do autor. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº. 9610/98 e punido pelo artigo 184 do código penal. Edição digital | Criado no Brasil
1 Júlia Caminho segurando as caixas das encomendas que chegaram atrasadas e que me fizeram ir até a agência dos Correios a fim de buscá-las. Tive que parar o carro longe de casa, porque, mais uma vez, o lugar onde moro está tão lotado de turistas que foi mais fácil deixar o veículo e ir andando a pé a seguir enfrentando a procissão que se forma até o “centro”. Confesso a vocês que, embora seja inconveniente estacionar longe quando se tem várias caixas nos braços, prefiro assim. Muitos turistas significam muito dinheiro circulando, e tudo o que minha família e eu precisamos é que, neste final de ano, as coisas melhorem e o faturamento seja suficiente para aguentarmos até outra grande data festiva: a Páscoa! Respiro fundo, desviando-me de um grande grupo de pessoas cheias de sacolas que tiram fotos sem parar
das lojinhas ao longo da rua. Sorrio para algumas crianças que estão se deliciando com sorvete e reconheço com orgulho a logomarca estampada nos copinhos de papel reciclável e nos guardanapos. Casa Virtanen, meu lar e o legado da minha família desde quando meus bisavós chegaram ao Brasil com sua filha pequena. Vieram em busca do sonho de melhor qualidade de vida, clima tropical e proximidade da natureza, e nenhum outro lugar do país apresentou tudo isso tão bem quanto Itatiaia, mais especificamente Penedo, um lugarzinho abençoado em todos os sentidos, no sul do estado do Rio de Janeiro. Aqui, neste pequeno bairro às margens da Serra da Mantiqueira, tão perto do Parque Nacional das Agulhas Negras, é onde estão minhas raízes e onde, junto a meus tios, primos e irmão, sigo mantendo vivas as tradições que aprendi com minha avó Eni. — Ei, moça, cuidado! Escuto a voz de um adolescente, mas não tenho tempo de averiguar o motivo de seu aviso, pois logo tropeço em uma mala que algum descuidado deixou na calçada e perco o equilíbrio, fazendo com que as caixas nas minhas mãos se mexam perigosamente, prontas para irem todas ao chão.
Ah, não! Tento voltar ao prumo, mas a caixinha que estava no topo da pilha desliza devagar. Assisto a cada movimento, centímetro por centímetro, como se fosse em câmera lenta e calculo o prejuízo que terei se as lindas peças de cristal que estão acondicionadas nela se quebrarem. — Peguei! Saio do transe causado pelo susto segundos antes de me esborrachar no chão – espalhando as outras caixas ao meu redor – e ser pressionada contra o cimento da calçada por um enorme homem estranho. Começo a rir, nervosa, não só por ele estar sobre minha frágil encomenda, mas também por sentir sua proximidade, o perfume delicioso que parece se desprender de sua pele e a quentura de sua mão nas minhas costas. Focalizo então seu rosto, grande, clássico, enfeitado com um belo par de óculos escuros e me perco em um sorriso perfeito de lábios cheios, uma barba bem cuidada e dentes brancos... — ... tentando pegar você... Arregalo os olhos, coração disparado, sem entender do que ele está falando, consciente apenas de sua proximidade e das palavras “pegar você” na frase dita por
uma voz tão melodiosa e grave que combina perfeitamente com ele. — Bateu a cabeça? — ele continua a falar, e sinto sua mão, entre minhas costas e o chão, se mexer. — Acho melhor pedir ajuda... — Ele olha para os lados e grita: — Acho que ela precisa de uma ambulância! — O quê? — disparo de repente, balançando a cabeça, percebendo que meu estado lastimável de total admiração por esse espécime masculino incrível me fez ficar sem reação e o assustou. — Eu estou bem! O estranho franze a testa, mas depois sorri. E que sorriso! Concentre-se, Jules!, minha repreende, e tento me levantar.
racionalidade
me
— Eu peguei a caixinha que estava caindo e não percebi que você caía junto — explica ele, colocando-se de pé e me estendendo a mão. — Deveria tê-la impedido de ir ao chão. Cavalheiro!, não consigo impedir o pensamento, mas bloqueio o suspiro antes que ele me faça fazer papel de boba mais uma vez. — Tudo bem! — Sorrio de volta, e ele me estende a caixa com os anjinhos de cristal que, graças a Deus, foram salvos. — Ter pegado isso aqui já foi de grande ajuda.
— Falando nela... — aponta as caixas. — Posso ajudá-la a... Cara, você existe mesmo? Olho-o desconfiada, achando já que tanta presteza pode esconder intenções obscuras. Não seria a primeira vez que um turista se aproximaria com o intuito de ter uma aventura de férias, mesmo estando aqui com a mulher e um monte de filhos. — Não precisa. — Corto o oferecimento antes que fique tentada a aceitar. Raramente vejo turistas do sexo masculino aqui sozinhos, ainda mais na época do Natal; esse milagre natalino só acontece em filmes de fim de ano. — Já estou perto do meu destino. Obrigada. O homem dá de ombros. — Por nada! Ele se despede e segue seu caminho na direção contrária à minha, e, infelizmente, não consigo desviar os olhos, dando-me conta de que o resto do conjunto – o corpo dele é incrível, mesmo vestido, pronto, falei! – combina perfeitamente com o rosto. — Ai, meu Deus! — A voz de uma mulher me faz parar de comer o desconhecido com os olhos. Concentrese, Jules, a namoradeira é a sua prima! — Eu esqueci a mala aqui fora!
Encaro a senhora risonha, alheia ao tombo que tomei por conta de seu esquecimento, e, atrás dela, vejo Glauce, minha prima. Falando nela... — Oi, Jules! — Ela me cumprimenta ao pegar a mala esquecida na calçada e arregala os olhos ao ver as caixas ao meu redor. — As encomendas chegaram! Assinto. — Quase três semanas atrasadas, mas, ainda assim, antes do Natal. — Rio e aponto a velhinha, que voltou para dentro da pousada. — Veio acompanhada? A minha pergunta tem um porquê. Algumas vezes já aconteceu de recebermos aqui, em épocas festivas, como o Natal e até o Dia das Mães ou dos Pais, idosos solitários, e nós da família acabamos adotando-os e os convidando para nossas próprias comemorações. — Sim! Ela, o filho, a nora e os netos. — O seu sorriso de satisfação não me passa despercebido, afinal, pousada cheia é sinônimo de que os negócios vão bem. — Estamos esperando só mais um casal e lotamos. — Isso é ótimo! — digo animada. — É, papai fica aliviado. Quer ajuda? Olho para a grande mala na mão dela e recuso. — Eu consigo levá-las até a loja, já consegui sobreviver a esse baita obstáculo. — Aponto a mala, e ela
ri. — Topa um vinho hoje à noite? — Claro! Seremos só nós duas ou os meninos irão participar também? Ela faz careta. — Noite de meninas! — Beija o ombro. — Digo e Nato já estão com compromissos “agendados”. Gargalho por causa da voz debochada que ela faz, demonstrando todo o seu ciúme por nossos irmãos preferirem companhia feminina não fraterna a nós duas. — Nos vemos à noite, então. — No seu chalé! — grita, entrando na casa, e concordo. — Se for lá em casa, o papai irá querer participar, e quero beber e falar bobagens. Pisco para ela. — Perfeito! Recolho as caixas, ando mais 50 metros até a Casa Virtanen, a loja de doces especiais que minha avó abriu há quase 50 anos, e as entrego – sãs e salvas – para Lucinda, funcionária da loja. — Finalmente chegaram, hein? Suspiro e uno as mãos em agradecimento.
— Sim, finalmente! — Olho para a rua lotada e prevejo uma semana de intenso movimento. — Foi uma saga que quase culminou em um desastre, mas a magia de Joulupukki[1] enviou um milagre em forma de homem para impedir que isso acontecesse. — Um milagre, é? — A voz de Lucinda é cheia de curiosidade. — Bom, era um homem comum, mas sua boa ação o elevou ao status de ser considerado um milagre de Natal. — Não seria melhor dizer que o homem foi um anjo? — ela pergunta enquanto abre as caixas com as decorações natalinas que estávamos esperando para terminar de deixar a loja no clima das festas. Anjo? Tomara que não!, penso maliciosa, lembrando-me do corpo e do sorriso másculo do indivíduo. — Ele era quente demais para ser um anjo. — Pisco para ela, rindo do seu rosto corado de vergonha, e entro na cozinha, onde meu irmão, Rodrigo, está preparando uma de suas receitas especiais. — Oi, Digo! — Ah, enfim chegou! — Ele para de confeitar os biscoitos que, pelo aroma, acabaram de sair do forno. — Fiz korvapuusti[2] e estava... — Ah... esse é o cheiro que senti! — Corro para a bancada de descanso e suspiro ao ver a enorme assadeira
repleta de rolinhos da massa de pulla[3] recheada com manteiga, açúcar e canela. — Você é um anjo, Digo! Meu irmão me olha como se não entendesse o predicado, mesmo porque geralmente o chamo de demo, mas não explico a piada interna, deixo essa vantagem comigo. Quando se tem um irmão, é necessário ser esperta e pensar bem antes de dizer ou fazer algo que possa ser usado como arma para deboches futuros e constrangimentos! — Longa história. — Encerro o assunto antes de morder o pãozinho e fecho os olhos quando a massa macia se desfaz em minha boca, causando uma explosão de sabores com a mistura do cardamomo – ele usou um levemente canforado – e da canela. — Coloquei mais umas coisinhas... — Sim, estou sentindo... — Mastigo mais. — Nozes e passas? — Passas, acertou, mas nozes? — Ele ri. — Eu não seria tão óbvio! A crocância não me engana, sei que há alguma oleaginosa na massa. — Amêndoas? — Novamente ele nega. — Ah, seu demo, o que você usou?
Ele gargalha e levanta a embalagem, fazendo-me arregalar os olhos. — Sacrilégio! — Ponho a mão no peito, imaginando o que mummo[4] iria achar de ele ter usado macadâmia em uma receita tradicional. — Mas ficou deliciosa. — Fez pouca diferença, pelo jeito, já que você achou que eram nozes. — Ele resmunga algo sobre meu paladar ruim e completa: — Estragado pela cachaça! — Ah, até parece! — Jogo nele um pano de copa que estava perto de mim. — O cachaceiro oficial da família é você! Ele limpa as mãos – no pano que joguei – e se aproxima. — Não, eu sei beber, ainda que beba muito. — Beija minha testa. — Gostou, Jules? O brilho nos olhos azuis cristalinos de meu irmão não deixa dúvidas sobre como minha opinião é importante para ele. — Sim, você tem se tornado um padeiro incrível. — Ele sorri e agradece. — Vai servir amanhã no café dos hóspedes? — Sim, cortesia da Casa Virtanen. — Pisca. — Depois os hóspedes da pousada podem comprar aqui conosco ou encomendar para o café da tarde.
— Você é um demo mesmo! Vicia os hóspedes com nossas delícias e depois cobra deles para terem mais! — Beijo seu rosto. — Vão esgotar seu estoque todos os dias. — Tomara! Geralmente temos bons resultados. Concordo, pois constantemente usamos a estratégia de oferecer alguns produtos da loja de doces como cortesia na pousada, e isso sempre deu certo, principalmente por sermos ligados pelo pátio onde, quando o tempo está firme, sem indícios de chuva ou garoa, são servidas as refeições aos hóspedes. — Glauce comentou contigo sobre o baile no Clube Finlândia? — Rodrigo me pergunta, mas nego. — Bateu recorde de convites vendidos, ultrapassou e muito a quantidade do ano passado, inclusive, todos os hóspedes da pousada vão. Arregalo os olhos. — Todos? — Ele assente feliz. — Isso é maravilhoso para o clube! — Sim, estamos bem animados para esse final de ano. Algo me diz que será especial! — Deus te ouça! Tudo o que mais peço é que possamos ter um fim de ano movimentado para sairmos da crise...
Rodrigo assente, mas não comenta mais nada, concentrado novamente em seus doces. Termino, então, de comer minha sobremesa e me despeço dele, saindo da cozinha e indo para a frente da loja a fim de ajudar nas vendas. Precisamos de um milagre de Natal!, desejo assim que vejo a loja cheia de turistas que olham e fazem perguntas sobre os doces, mas saem sem comprar nada. *** — Um brinde a nós! — Glauce ergue a taça de vinho tinto, e toco a minha com a dela, concordando com o brinde. — Por que sua árvore ainda não está montada? Ela aponta para o cantinho da minha sala, no pequeno chalé onde moro, e suspiro. — Ainda não consegui tempo para fazer isso. Tenho trabalhado demais, comecei a decorar a loja de doces, mas chego tão cansada em casa que tomo meu banho e logo durmo. Glauce faz careta. — Isso não é vida, não, prima! Ainda mais para uma mulher da sua idade. — Ergue-se do chão, onde estava sentada sobre o tapete. — Vamos abrir aquelas caixas e começar a montagem!
Sorrio animada e reconheço que, desde que Digo alugou um apartamento para si próprio mais na entrada do bairro, me sinto tão só dentro de casa que desanimo para fazer algumas coisas. Por muitos anos, desde que nos mudamos para morar com nossa avó, éramos ele e eu juntos o tempo todo. Rodrigo tinha 10 anos, e eu, apenas seis quando nossos pais sofreram um acidente na estrada. Morávamos no Sul do país, em Gramado, onde eles estavam tocando outra Casa Virtanen. O sonho do meu pai, Mauri Virtanen, era expandir o negócio da família, e por isso ele escolheu uma cidade tão importante para as festas de final de ano e bem maior e mais movimentada que a pequena Penedo. A vovó ficou cuidando da loja principal, enquanto tio Matias e tia Vitória cuidavam da pousada. Não me lembro muito dessa época da minha vida, apenas que sentia saudades do resto da família e que, quando recebemos a notícia da morte dos nossos pais, Digo e eu ficamos horas abraçados, com medo de ficarmos sozinhos para sempre, até que a vovó chegou, fechou a casa Virtanen que seu filho mais novo tinha aberto havia apenas alguns meses e nos trouxe de volta.
Suspiro ao pensar no quanto ela faz falta dentro deste chalé! Vivi mais de 20 anos com minha avó e meu irmão. Dona Eni nos criou e ensinou tudo sobre a tradição passada por seus pais, que deixaram a gelada Finlândia para trás, com o sonho de se estabelecerem nos trópicos, mas nunca renegaram sua nação e seus costumes. Além de tudo isso, aprendemos com ela o valor do trabalho, da superação e, principalmente para mim, o exemplo de que uma mulher pode fazer o que quiser, desde comandar o negócio da família, criar seus filhos e netos e ainda ser um pilar da comunidade. Ela era incrível, empoderada, à frente de seu tempo, carinhosa, mas sem deixar de levar a vida com rédeas curtas. Valente, de opinião forte, sincera e muito exigente, uma pequena mulher de cabelos grisalhos e olhos azuis que não tinha nada de frágil. Suspiro com o peso da saudade e recebo um olhar curioso de Glauce. — Pensava em mummo. — Sorrio triste. — Será o terceiro Natal em que enfeito a árvore sem ela. — Sim, eu já havia pensado nisso. — Pega minha mão. — Fomos privilegiadas por termos uma avó como ela. — Concordo. — E ela sempre teve orgulho de nós.
— Sim! — Suspiro novamente. — Por isso é tão importante salvar a Casa Virtanen. A pousada vai bem, mas a loja de doces tem sofrido com a concorrência desleal das grandes franquias. É difícil algo artesanal nivelar preço com coisas industrializadas e produzidas em massa. Glauce bufa de raiva. — E Digo é um dos melhores chefs que eu conheço! Ninguém faz doces como ele! Ela me olha de um jeito estranho, como se quisesse me dizer algo, mas tivesse receio. Infelizmente, sei do que se trata. — Ele poderia estar trabalhando em qualquer lugar que lhe pagasse bem melhor do que ganha aqui na loja. Glauce dá de ombros. — Assim como você. — Ela pega uma das minhas criações. — Entendo que você direcionou sua profissão para a loja, mas, Jules, olha suas ideias e seus desenhos e projetos! Nego. — Eu não sairia daqui. Não quero deixar para trás a história da nossa família. — Sinto um arrepio. — Olha o que aconteceu aos meus pais quando...
— Não. Foi uma fatalidade, não tem nada a ver com as ideias de expansão que ele teve! Mas, no fundo, entendo você. Eu me formei em hotelaria porque amo este lugar, quero construir minha própria família aqui e, daqui a muitos anos, quando meus pais não estiverem mais à frente do negócio, quero assumir. — Eu sei disso. — Mas Nato não quer ficar mais aqui. Ele fez administração de empresas porque achava que precisava entender da gestão do negócio, mas o que ele ama não é isso. — Concordo com ela, pois meu primo é um músico incrível. — A parte mais feliz da semana dele é quando chega o sábado e ele roda pelos bares e restaurantes com a banda. Meu coração se aperta ao pensar que meu irmão e meu primo se sentem em obrigação com o negócio da família e não seguem seus próprios sonhos. Ao mesmo tempo em que sinto tanto por Digo, tenho medo de um dia ele deixar a Casa Virtanen, pois seria o fim da loja, sem alguém que assumisse a cozinha e as receitas da vovó. Glauce começa a abrir as caixas com os enfeites para a árvore de Natal, e deixo minhas preocupações de lado por um momento para ajudá-la a desembrulhar cada item delicado da coleção da minha avó.
— Eu sempre amei essas bolinhas e enfeites de vidro — ela comenta, acariciando uma estrela vermelha. — Se lembra de quando, por acaso, esbarrávamos na árvore e quebrávamos algumas? Faço careta. — Era uma correria para esconder o delito da mummo! — Rio com a lembrança do nosso tempo de infância. — Mas ela sempre descobria, porque percebia que faltava algo. — Aquela velhinha tinha uma memória fotográfica! Continuamos a abrir as caixas, desembrulhando os enfeites do papel de seda e pendurando-os no pinheiro artificial de quase dois metros que toma boa parte da minha sala. — Ah, olha o que achei! — Ela me mostra pequenos pregadores de roupa decorados com Papais Noéis de resina. — Vamos fazer uma cartinha! Gargalho. — Já estamos meio velhas para... — Não termino a frase, pois sou arrastada até a mesinha de centro da sala, onde há um bloco com caneta. — Eu começo! — Glauce bebe um longo gole de vinho e pensa um tempo. — Querido Papai Noel... — Clássico! — debocho, e ela me mostra a língua.
— Esse ano fui uma boa garota. — Levanto a sobrancelha, questionando a sinceridade dela. — O quê? Fui mesmo! Não desobedeci aos meus pais, comi todos os vegetais do meu prato, não soneguei impostos e... — Quebrou dúzias de corações... — Pois é, viu só? Uma ótima garota! — Sorri maliciosa e continua: — Não querendo pedir muito, mas já pedindo, seria possível conseguir um homem como os dos romances que leio? Não aguento desesperadamente.
mais
e
começo
a
rir
— Meu Deus, agora ela vai pedir um CEO de Natal! — Gargalho, sentindo lágrimas brotarem nos meus olhos. — Um CEO? — Torce o nariz. — Não, esse tema já está muito batido. — Põe a tampa da caneta na boca enquanto pensa. — Um roqueiro, um peão e até um mafioso, eu aceito. — Deus do Céu, fica cada vez mais louco esse pedido! Ela assina o papel, dobra a carta e a leva até a árvore, fixando-a em um galho com o pregador decorado. — Sua vez! Nego e vou pegar mais vinho.
— A única coisa que pediria é que as coisas com a loja melhorassem. Glauce rola os olhos. — Que pedido mais xoxo! — Ela começa a escrever em outra folha e, quando volto para perto dela, a estende para mim. — Assina! Franzo a testa. — Isso vale? — Rio. — Acha que Papai Noel vai aceitar essa sua tramoia? — Só assina! Deixa que, com o bom velhinho, eu me entendo! — Pisca. — Não vale pedir intercessão para o Arthur! — Aponto acusadoramente para ela, pois nossa família é amiga de longa data do Papai Noel oficial de Penedo. — Assina logo! Dou meu rabisco no final da folha, mas, quando tento ler o que ela pediu, arranca a folha da minha mão abruptamente. — O que você pediu por mim? Glauce pendura minha carta ao lado da dela na árvore. — Que as coisas com a loja melhorem — ela diz sem me olhar, e desconfio de que isso não foi tudo e
pigarreio. — E sabe aquele CEO que eu não quero mais? — Ela sorri e me abraça. — Pedi para você! Gargalho, e ela me segue, segurando a barriga de tanto rir. Há muito não nos divertimos tanto com uma bobagem e, confesso, parecemos novamente duas meninas sonhando com pedidos realizados pelo Papai Noel e com um CEO caído do céu em plena Penedo em dezembro. — Um CEO de Natal! Só você para ter essa ideia!
2 Júlia Balanço os quadris ao som de Last Christmas interpretada pela Ariana Grande, adorando a nova roupagem no arranjo que foi feito em uma das minhas músicas preferidas. — Vai acabar quebrando pescoço aí nessa escada! — Lucinda avisa em tom de brincadeira. — Nada! — Aprumo meu corpo e mexo os ombros ao ritmo da música. — Você deveria experimentar, porque tem me parecido um tanto enferrujada... Ela ri. — Enferrujada está sua... — Ela aponta para o lugar que não nomeou, e arregalo os olhos e me finjo de ofendida. — Tem um tempo já desde seu último namorado, né? — Luci! — Gargalho e volto a me pendurar na escada para colocar os enfeites de Natal na guirlanda que
enfeita o teto da vitrine. — Não é porque não tenho namorado que as coisas estão enferrujadas. — Estico-me ao máximo para colocar o gancho para pendurar um anjo de cristal e, quando consigo, vasculho a caixa que deixei no último degrau da escada para pegar a delicada peça, mas não a encontro. — Eita! Luci, eu acho que o anjo ficou na caixa em cima do balcão. Você pode pegar para mim? — É este? A voz grave me faz olhar para trás com rapidez, fazendo a escada balançar perigosamente, e só não me esborracho no chão porque uma enorme mão segura a escada, estabilizando-a. — Desta vez agi a tempo! — Ele sorri. Ah, meu Deus! Estremeço ao perceber que o dono da voz sexy é o mesmo turista gato que me socorreu ontem com as caixas. — Obrigada... — Sorrio nervosa e desço devagar. — De novo! O sorriso sexy se expande, ele solta a escada e estende a mão na minha direção. — Murilo — apresenta-se. — Júlia. — Aperto a mão o mais rápido que posso, ignorando o fato de me sentir tão atraída pela beleza do desconhecido. — Posso ajudá-lo em algo? — Dou uma
olhada em volta à procura de Lucinda, mas não a vejo em lugar algum. — Estava passando e vi algo delicioso na vitrine. — O jeito que ele me olha me faz questionar se ele se refere a algum doce ou a mim. Meu coração dispara, e uma energia diferente toma conta do meu corpo. — O que é? Ele fica um tempo mudo, apenas me olhando com flagrante curiosidade e então respira fundo e aponta algo atrás de mim. — Não conhecia, mas já tinha visto e parece ser extremamente gostoso. Sinto um arrepio, e, contrariando a reação, minha pele se aquece. Concentre-se, é um cliente! Olho para onde ele aponta e sorrio. — É um Passion-Suklaatryffelikakku[5]. — Pela sua cara – que me faz rir descaradamente –, não entendeu nada do que eu disse. — É nossa Torta da Paixão. Quer provar? Murilo assente.
— O cheiro... — Ele aspira fundo. — Com certeza é a loja de doces mais cheirosa que já visitei. Abro um sorriso orgulhoso e vou até o balcão-vitrine refrigerado, que fica do outro lado da loja, servindo um pedaço generoso para ele. — Um expresso acompanha bem, a não ser que deseje algo gelado. — Um café seria perfeito! — concorda, e aponto para a bancada de madeira com cadeiras altas feitas de ferro fundido, onde ele se senta. — Essa torta parece um pecado, não deveria se chamar da paixão, mas sim da luxúria. Engulo em seco, meu corpo reagindo desavergonhadamente a tudo que ele fala, como se tivesse duplo sentido. Espero a máquina de café terminar de passar o expresso e o levo até onde ele está sentado. — Paixão foi por causa de um dos ingredientes — explico e lhe assisto comer uma pequena porção da torta, mastigar devagar e lamber discretamente uma porção do creme que ficou em seus lábios. Quase gemo alto, perdendo o controle da atração inconveniente. — Sim, maracujá! — Sorri. — A combinação do chocolate com a fruta é perfeita, e tem essa base crocante.
— A massa é feita com cookies de chocolate amargo e alcaçuz negro. Tanto os biscoitos como os chocolates são de produção própria. — Aponto para as camadas da torta. — Amargo na massa, ao leite na musse de chocolate, branco na musse de maracujá e meio amargo na cobertura. Ele come mais um pedaço e mastiga sem tirar os olhos dos meus. — Só me faz pensar em pecado, na combinação perfeita entre o macio e o duro, o doce e o ácido. — Ele come mais, e me sinto congelada, paralisada, ao mesmo tempo em que pareço ferver inteira, inclusive certa parte que há pouco foi acusada de estar enferrujada. — É luxúria para mim, muito mais potente que paixão. Pego o pano úmido para limpar o balcão, desejando ardentemente experimentar a luxúria da qual ele tanto fala – e não é a torta! – e ocupo minha mente com algo que não esse magnetismo que ele tem e que me atrai fortemente desde nosso primeiro contato. — É uma sobremesa tipicamente finlandesa? — ele indaga de repente, e noto que já terminou de comer e toma o café devagar. — Não, mas a receita é da minha avó. Gostaria de experimentar um doce típico?
— Claro! — Ele termina o café. — Surpreenda-me! Ergo a sobrancelha e me sinto desafiada. Atravesso a loja, indo até o expositor de doces, com os pratos repletos de chocolates, minipães, bolinhos, rocamboles e pego um doce que, tenho certeza, irá surpreendê-lo. — Salmiakki! — Entrego-lhe um prato com duas balas pretas em formato de losango. Ele olha o doce por um tempo, depois o cheira, franze a testa e, enfim, o experimenta. — Mas que... — Tosse e começa a rir. — Achei que era bala de goma, mas é salgada! Gargalho e concordo. — É um doce típico, feito com alcaçuz, anis e cloreto de amônio. Ele pega um guardanapo e cospe a bala dentro dele. — Mastiguei... — confessa rindo. — Caralho, ficou amargo... — Ri mais. — Desculpa o xingamento. — Tudo bem! — Pego a balinha extra do prato e a ponho na boca. — Salmiakki não é para todos os gostos. — Dou de ombros. — Talvez se você a experimentar com vodca... Murilo nega veementemente.
— Acho mais seguro provar doces doces! A torta, por sinal, estava muito boa! Sorrio. — Desculpe-me pela pegadinha! — Sem problema! Pedi para ser surpreendido e, pode apostar, fui! — Ele olha para o relógio e se levanta. — Não tenho mais tempo, mas outra hora volto para me aventurar mais nos seus doces “não doces”. — Pega a carteira, e tiro a nota de consumo, sem cobrar a bala, claro! — Está hospedado aqui em Penedo? — questiono, mas logo me arrependo, afinal, nunca me intrometo na vida dos turistas. — Sim, na pousada aqui atrás. — Na Luonto[6]? — Ele concorda. — É a pousada da minha família. Murilo me encara. — Você é uma Virtanen? — Sim! — Entrego-lhe o troco. — Está gostando da estada? Meu irmão vai fazer um menu degustação de pães e bolos típicos no café da tarde. Talvez você possa provar mais doces finlandeses. — Talvez... — Ele parece um tanto vago.
Sorrio em despedida, um tanto desanimada por ele ter tido uma reação tão fria ao convite que fiz, usando como referência as brincadeiras que fizemos um com o outro aqui na loja. Dou de ombros e saio atrás de Lucinda, sem querer acompanhá-lo com os olhos enquanto volta para a ensolarada rua. É um turista, e, mesmo não portando nenhuma aliança – é, eu conferi as duas mãos para ter certeza! –, não quer dizer que não esteja aqui com alguém. Durante o verão, principalmente por causa das belíssimas cachoeiras que temos em Penedo, é comum encontrarmos grupos de amigos, homens que viajam sem as namoradas, esposas ou solteiros mesmo, porém, em plena época de Natal, isso é raridade! As pousadas estão cheias de famílias, casais, amigos de longa data e muitas, muitas crianças. Penedo é especial no Natal mais do que em qualquer outra época, porque temos, bem no meio do bairro, um shopping a céu aberto cujo destaque é a casa oficial do Papai Noel. Sim, você não sabia? O Papai Noel mora aqui! No final da década de 90, o bom velhinho se mudou para Penedo e estabeleceu aqui sua casa oficial de verão. A casa, lindamente construída por um arquiteto também de ascendência finlandesa, foi feita toda com toras maciças de madeira e decorada com móveis típicos da Finlândia e
temática natalina. As crianças podem mandar suas cartas para lá ou entregá-las pessoalmente ao Joulupukki quando vão visitá-lo. Ele guarda muitas missivas na entrada da casa, assim como seu trenó que o trouxe para morar nos trópicos como fizeram meus bisavós e minha avó. É certo que a casa funciona o ano inteiro, porém a magia do mês de dezembro toma conta de Penedo, e as risadas e brincadeiras das crianças ecoam por todos os lados. Por isso eu amo tanto o Natal, porque, além de estarmos cheios de turistas, há crianças, famílias e um clima de amor que se espalha por todas as ruas. Por esse motivo, não é bom eu ficar tão animada com a atração que senti por Murilo, o Salvador dos enfeites natalinos, e, mesmo que eu consiga averiguar com Glauce sobre ele estar sozinho ou não, prefiro não o fazer. Rio, percebendo que matei a charada sem querer e que ele deve mesmo estar acompanhado, afinal, Glauce nunca deixaria passar a informação de que um gato como ele se hospedou sozinho na pousada! Abro a porta da cozinha e encontro Lucinda ajudando Digo a colocar geleia de frutas vermelhas no topo das Runebergin Torttu[7]. — Diz que são recheadas! — peço da porta, e meu irmão ri.
— O turista “bonitão” já foi embora? Fico imediatamente vermelha. — O quê?! Rodrigo aponta para o grande monitor, cujas quatro imagens mostram ângulos diferentes da loja. Ah, merda, esqueci o monitoramento! — Eu quase que tive de amarrar seu irmão aqui — Lucinda comenta rindo. — Ele decidiu que o homem estava comendo você com os olhos e quis intervir. Coloco as mãos na cintura e o olho com expressão brava. — Eu sei cuidar de mim, viu? Ele dá de ombros, voltando a colocar a geleia como se não se importasse mais com o assunto, mas sei que se preocupa comigo e que acha que tem que ser meu guardião por ser meu irmão mais velho. — A Luci me impediu de sair e disse que, com sorte, não seria apenas com os olhos que você seria comida. Abro minha boca, indignada com o comentário e, mais ainda, com a risada cúmplice dos dois. — Eu não estou enferrujada! — falo alto. — Minha vida sexual vai muito bem, obrigada! — Bufo de raiva quando ela cochicha algo para meu irmão, ele concorda, e
os dois riem mais. — Não preciso ter um namorado para dar, posso fazer isso com qualquer homem, inclusive com o turista gato, mesmo ele não gostando da salmiakki! Meu irmão fica sério de repente, mas não me olha. — Ele tem bom gosto, ao contrário de vocês dois! — Lucinda comenta, mas, percebendo a falta de reação do Digo, franze a testa. Abro a boca para perguntar o que está acontecendo, mas, antes de formular qualquer palavra, escuto um pigarrear às minhas costas. Não!, imploro mentalmente, fazendo a promessa de nem tocar nas Runebergin se não for Murilo atrás de mim ou, se for, que ele não tenha ouvido o que falei. Lucinda me olha assustada, e gemo baixo, tendo a resposta sem nem mesmo me virar. Dignidade, Jules! Aja como se não tivesse dito nada constrangedor. Viro-me e o encaro, detestando agora o sorriso sexy. — Pois não? Ele, que agora usa um par de caros óculos escuros, aponta para o balcão. — Esqueci a chave do carro, voltei para buscá-la, mas não encontrei ninguém na frente da loja. — Ele me mostra um aparelho que nada parece uma chave, mas que
deixa claro ser de uma BMW. — Queria avisar que fui eu quem a pegou. Engulo em seco e ergo minha cabeça, disfarçando minha vergonha. — Confesso que nem a tinha visto no balcão. — Dou de ombros. — Mas que bom que lembrou a tempo! Ele guarda o pequeno aparelho – a chave – no bolso da calça. — Meu relógio avisou. — Murilo fica sério por algum tempo e tira os óculos de sol. — O cheiro que sinto é de algum doce para a degustação do café da tarde? — Sim — respondo, intrigada com a curiosidade dele, já que pareceu tão estranho quando falei do evento. — Meu compromisso foi cancelado... — Ele mexe no bolso onde enfiou a chave, mas não tira nada dele. — Você estará presente na degustação? Meu coração dá uma agitada, e me lembro dos dois abelhudos dentro da cozinha. Fecho a porta e ando para um canto da loja que sei que fica em um ponto cego das câmeras. — Talvez — respondo vagamente como ele. — Vai depender do movimento da loja na hora. Murilo assente e volta a sorrir.
Fica sério, homem!, meu cérebro grita, já meio abobado por conta do magnetismo desse simples gesto. — Eu iria adorar saber mais sobre os doces, pães e bolos da Finlândia. Rio, sentindo-me um pouco malvada pela resposta que darei. — Meu irmão estará presente e, como chef, é muito mais capacitado que eu para explicar essas coisas. Murilo ri alto. — Está certo! — Volta a colocar os óculos, escondendo seus lindos olhos castanhos. — Foi bom vê-la de novo, até mais. O perfume delicioso que senti quando me ajudou com as caixas me faz respirar mais fundo para capturar a fragrância masculina e elegante. — Não esqueceu mais nada? — inquiro, sem poder me conter, e ele volta a me encarar. — Não. — Olha para trás no momento exato em que outros turistas entram na loja e suspira. — Mais clientes! — Assinto, deixando o grupo transitar um pouco entre as opções expostas. — Acho que vou voltar outra hora para tentar de novo com a bala salgada. Desvio a atenção das pessoas recém-chegadas e o encaro curiosa.
— Por quê? Ele sorri, põe as mãos nos bolsos, aproxima-se mais de mim e sussurra: — Para aumentar minhas chances; não quero que isso seja empecilho. Sinto meu rosto arder, mas minha pele reage ao mínimo sopro do hálito dele que pega no meu pescoço, minhas pernas se contraem e preciso respirar fundo para não ronronar feito uma gata no cio. Ele não se despede de novo, apenas se afasta e passa pelos outros turistas, saindo para a calçada. Respiro fundo várias vezes, lutando contra a atração que agita meus batimentos cardíacos de tal forma que parece que fiz mais de uma hora de cardio na academia. Questiono-me se ele sente o mesmo, se seu corpo reage à minha presença como o meu à dele e então paraliso e deixo de respirar ao me dar conta do que ele falou antes de sair. Fecho os olhos, morta de vergonha. Então Murilo ouviu o que eu disse sobre ele!, constato consternada e tento ignorar a excitação por saber que a sua resposta só prova que a atração não é unilateral. Caramba!
3 Murilo Saio da proteção do ar-condicionado da loja de doces e sinto o sol inclemente de dezembro me aquecer rapidamente. Não que eu precise ser aquecido, ainda mais depois da loucura que fiz. Eu não deveria ter me aproximado dela, muito menos ter deixado claro que ouvi o que disse sobre dar para mim, mesmo eu não tendo gostado das balas pretas, amargas e salgadas. Foi irresistível, eu já estava por um fio, inventei a história da chave só para poder ter uma desculpa por ter voltado e fiquei aliviado ao ver que ela não tinha retirado a xícara na qual tomei o café nem o prato da torta, sinal claro de que não iria perceber minha mentira. Vergonhoso, Murilo! Eu nunca poderia imaginar que iria protagonizar um papel desses na minha vida! Isso seria coisa para o João Alberto fazer, não para mim.
Rio ao pensar no que meu melhor amigo diria se soubesse que cantei descaradamente uma mulher que estava trabalhando. Certamente eu perderia todo moral de repreendê-lo por ser tão cafajeste. Não que eu seja santo, longe disso, mas sigo uma linha mais discreta e prefiro desfrutar mais da companhia da mesma mulher a ficar trocando a cada noite. Nós não somos mais meninos! Com a minha idade, meu pai já estava casado e à espera de seu segundo filho com minha mãe. Respiro fundo, irritado por pensar nesse assunto. Preciso me concentrar em conseguir meu objetivo aqui neste lugar, e me distrair por causa de uma atração que me acometeu desde o primeiro contato não está nos planos. Por mais que eu tenha perdido a cabeça há pouco e a provocado de maneira a deixar claro meu interesse, não devo me envolver, mesmo que casualmente, com Júlia Virtanen. Virtanen! Estremeço de um jeito estranho toda vez que penso no sobrenome dela. Tive a mesma sensação quando pisei na pousada e fui apresentado ao dono, mas não consigo explicar de onde vem esse reconhecimento. — Porra, esquece essa merda!
Pego a smart-key do carro e o abro para ir até a cidade vizinha, Resende, onde um amigo de longa data mora desde que foi cursar faculdade e acabou se casando com sua colega de turma. Acabei comentando com ele que estava perto, em Penedo, e não tive como recusar o convite para almoçarmos juntos. Não consegui ir ao casamento, porque, na época, estava estudando fora do país, mas vim ao batizado do seu filho há uns dois anos. Antero e eu fomos criados juntos no mesmo condomínio em São Paulo, e a notícia de seu casamento e, mais tarde, a do nascimento do pequeno Edu deixou minha mãe meio enlouquecida com a ideia de que eu deveria casar-me e lhe dar netos. Outro assunto que quero evitar! Ligo o som do carro e dirijo com cuidado pelas ruas apinhadas de gente e veículos, tentando sair da área central para pegar a Rodovia Presidente Dutra e seguir para Resende. Não costumo dirigir muito este carro em São Paulo, e, para falar a verdade, alguns dos meus amigos me chamaram de louco quando comprei o i8[8], primeiro por não acreditarem que um carro híbrido pudesse ter a potência que prometia e depois porque chamava muita
atenção, e eu – mais uma vez reafirmo – sou um homem discreto. A questão toda com o carro foi que fiquei deslumbrado com o design, com a tecnologia toda que ele oferecia, e isso, posso confessar, ganhou-me na hora. Sou vidrado em tecnologia! Ninguém nunca entendeu por que acabei não indo para essa área quando escolhi minha profissão, mas a resposta é simples: gosto de consumir tecnologia, mas não tenho saco para pensar em montar qualquer coisa. Tanto é que faço o que faço! Automatizei todo o meu apartamento e consigo controlar a maioria dos equipamentos que há dentro dele pelo telefone. Tenho vários dispositivos interligando o escritório também, tanto à minha casa quanto à casa dos meus pais. Por esse motivo, trabalho de qualquer lugar, porque levo o escritório comigo. Interajo com minha equipe mesmo estando longe, e essa conectividade me deixa mais à vontade para não cumprir horários e, muito menos, viver fechado dentro de um prédio. Meu pai nunca entendeu esse jeito moderno de trabalhar, afinal, ele ainda comparece à sua empresa de segunda a sexta, nos horários fixos de sempre. Nós nunca
conseguiríamos trabalhar juntos, e sinto certo alívio por ter montado meu próprio negócio assim que terminei os estudos. Não que ele achasse que eu fosse muito longe! Pelo contrário! Sempre me garantiu que, se não desse certo, eu tinha emprego garantido com ele na investidora, mas, como nunca considerei isso como opção, me esforcei o dobro para fazer crescer meu negócio e garantir minha estabilidade longe da empresa da família. Ah, por favor, não entenda errado! Tenho ótimo relacionamento com meu pai e o amo muito, mas sempre acreditei que seria melhor trilhar meu próprio caminho e não surfar na onda que ele já havia formado. Eugênio Pontes ama trabalhar e, assim que pensar em se aposentar, tem muitos profissionais excelentes para escolher colocar à frente do negócio. Em casa, tenho o apoio incondicional da minha mãe, pelo menos sobre o meu trabalho. Andrea Pontes é reconhecida nacionalmente – e quiçá internacionalmente também – como uma grande jornalista. Trabalhou anos em um famoso jornal paulistano, depois se aventurou como âncora de telejornal em uma enorme emissora e se aposentou há uns dois anos, mas só do jornalismo, pois começou outra carreira: a de escritora de romances.
Foi uma surpresa até para mim quando soube que ela ia publicar um livro, pois, apesar de intimamente ligado ao que ela já fazia no jornal – escrever –, o tema era totalmente diverso. — Já trabalhei muito com a realidade, Murilo, agora quero criar sonhos! — foi sua justificativa. Meu pai, apaixonado como um garoto de colégio por ela há mais de 40 anos, ficou todo orgulhoso quando a acompanhou à Bienal do Livro e a ajudou durante suas sessões de autógrafos. Ficou dias falando do evento e de como os leitores amavam minha mãe. — Você poderia imaginar que ela tem leitores homens? — cochichou comigo uns dias depois. — Eu jurava que só mulher lia romances de cunho romântico, mas me enganei. — Riu de si mesmo. — Ela me chamou de preconceituoso! — O senhor nunca leu? Vi-o ficar vermelho pela primeira vez na vida. — Claro que já, mas é minha mulher... — Olhou para os lados. — Eu a imaginava em todas as situações descritas no livro, se é que você me entende. — Pai! — Fiz careta, querendo encerrar o assunto antes que ele começasse a comentar quais eram as
situações que imaginava minha mãe, e ele gargalhou. — Vamos mudar de assunto. Eugênio me chamou de quadrado e gargalhou. Em minha defesa: não sou quadrado! Só não queria ter que imaginar minha mãe fazendo certas coisas que eu sei que faz, mas prefiro ignorar. Santa ignorância! Amo meus pais e tenho certeza de que eles me amam igualmente. E é por tê-los tido como exemplo de casal que ainda não me casei. Quero aquela mesma magia que vejo no entorno dos dois quando estão juntos. Desejo a mesma cumplicidade, paixão e amizade. Sei que eles também têm problemas, já os vi discutir, discordar, brigar, mas nada disso abalou o que sentem um pelo outro. Eles me constrangem de tão apaixonados que são! Como posso querer menos do que isso? Quero olhar minha mulher como meu pai olha minha mãe e vice-versa. E o mais importante: quero que meus filhos se sintam como eu me sinto em relação a eles. Um exemplo vale mais do que mil conselhos e discursos. Tive ótimos exemplos com eles, não só como pais, mas como pessoas, cidadãos e profissionais. Meu nível é alto com relação ao que sinto por uma mulher. Não sei se isso é saudável, contudo, não quero entrar em um casamento só por entrar, porque está na hora
ou para ter filhos. Permito-me amar e ser amado, só não aconteceu ainda, e espero que aconteça um dia. De repente uma música de Natal começa a ecoar no carro, e, mesmo sendo na voz de Justin Bieber, começo a rir, imaginando se meu carro sabe que estou na terra do Papai Noel. Será que eles têm a tradição do visco em Penedo também? Não vi nenhum na loja de doces! É uma pena, pois adoraria ter essa desculpa para poder beijar aquela pequena e desastrada loira. Lembro-me de que ela ainda estava terminando a decoração quando cheguei e que ainda pode pendurar o galho em algum lugar. Preciso ficar atento à decoração! *** Novamente tenho que estacionar na rua, pois o pequeno estacionamento da pousada está cheio e não tem vagas para todos os carros. Isso, claro, estava na descrição do local quando fiz a reserva on-line. Entretanto, não achei que poderia estar tão cheia. Como não estaria?!, penso, olhando a procissão de pessoas que se encaminham até a Pequena Finlândia para visitar a casa do Papai Noel. O movimento na rua onde fica a pousada diminuiu um pouco, por isso consegui vaga,
porque, na hora do almoço, é simplesmente impossível estacionar aqui perto. Vim até Penedo por uma questão profissional. Todavia, não é mais somente essa a minha motivação. Sou um homem curioso, sempre adorei séries, livros e filmes sobre investigação e confio muito no meu instinto. Desde que Júlia e eu tropeçamos um no outro na calçada, senti uma coisa diferente. Sei que é atração e que, muito provavelmente, está tão forte assim porque, desde que terminei meu último relacionamento, só consegui tempo para dormir, além de trabalhar. Voltei a treinar, algo que faço desde os 16 anos de idade, na semana passada, e mesmo assim sob a pressão do João Alberto. — Quer morrer jovem? — ele me perguntou por telefone assim que eu disse que estava sem tempo para nada. — Não dorme direito, não come direito, não faz exercícios e só se estressa com o trabalho. Receita certeira para uma isquemia cerebral ou um infarto fulminante. — Chamei-o de exagerado. — Não se esqueça de que você tem histórico, afinal, sua mãe teve um pequeno infarto antes de ser aposentada do jornal, lembra? Senti meu corpo inteiro ficar tenso apenas com a lembrança do desespero que passamos com ela e
concordei com ele, afinal, contribuiu diretamente para a recuperação da dona Andrea e, como médico, sabia do que estava falando. Pedi ao meu assistente que reorganizasse minha agenda de compromissos para que eu conseguisse um tempo certo para as refeições e para ir até o estúdio treinar. A vice-diretora da empresa, Érika Neubauer, assumiu metade das minhas reuniões e conferências, e só quando percebi que, mesmo com todos os compromissos assumidos, ela conseguia ter o mesmo rendimento, é que me dei conta de quão centralizador eu era. Essa semana em Penedo foi uma junção do útil ao agradável. Estávamos havia algum tempo interessados em fazer negócio aqui e escolhemos essa época para podermos medir o potencial do empreendimento em questão. Geralmente, quem faz essas visitas é o Diogo, analista de mercado, mas pedi para vir pessoalmente e aproveitar para descansar um pouco em um lugar mais calmo. Rio da minha ideia original, achando que ia me embrenhar no meio do mato e que não veria ninguém. Sim, é um lugarejo, tem uma natureza deslumbrante no entorno, mas, nesses dois dias em que estou aqui, não vi nada calmo. O trânsito é difícil, a cidade está sempre cheia de
dia, e à noite há barzinhos com música ao vivo, restaurantes e boates. Nada disso me atrai, tenho muito disso tudo em São Paulo, e o que tem me deixado agitado de verdade é a mulher loira cujo tombo tentei evitar, mas levei um choque tão grande que acabei indo ao chão com ela. Falamos pouco, não nos apresentamos, ela dispensou minha ajuda, e não insisti. Não obstante, não a tirei da cabeça. Quando entrei na loja de doces artesanais, não a esperava encontrar lá dentro, e o encontro foi ainda melhor do que o do dia anterior. Descobri seu nome, conversei com ela e me vi ainda mais mergulhado na atração inesperada que voltou a assolar. Como não sou de ignorar o que sinto, estou disposto a descobrir até onde vai todo o magnetismo que nos atrai, se ela topar, claro! Atravesso a rua e entro na pousada, sendo recebido por uma sorridente mulher que eu ainda não havia encontrado e que sei que é funcionária por causa do uniforme. — Boa tarde, seja bem-vindo! É hóspede ou veio para o menu degustação? — Hóspede — esclareço. — Suíte 303. Ela consulta o computador e libera minha chave.
— Gostaria de participar do menu degustação no pátio interno? Está sendo oferecida uma imersão na cultura gastronômica da colônia finlandesa que formou Penedo, e a Casa Virtanen está revisitando receitas da minha avó, Eni Virtanen... — Ah... você também é uma Virtanen. — Interrompo-a, pois ela não tem nenhuma semelhança com a Júlia. — Conheci a moça da loja de doces. — A Júlia. — Revela o nome como se eu não o soubesse. — Ela é minha prima. Eu sou Glauce — apresenta-se e me oferece o panfleto com o menu do evento que está acontecendo no pátio, e rapidamente consulto o horário para saber se dá tempo de tomar um banho e me trocar antes de aparecer por lá. — Gostaria de participar? Podemos incluir na sua conta... — Claro! — confirmo. — Vou só me trocar e apareço por lá. — Ótimo! Vou confirmar o nome do senhor... — Ela olha novamente a tela do computador. — Murilo Pontes. — Obrigado. Despeço-me da outra mulher Virtanen, que, diferentemente da que conheci antes, tem cabelos longos e castanhos e enormes olhos azuis. Glauce é belíssima, tem um rosto espetacular, e, como estava atrás do balcão da
recepção, não posso dizer muito sobre todo o resto, mas notei que, ao contrário de Júlia, ela é bem alta. Outra coisa que ficou óbvia na minha tosca comparação entre as primas é que, embora eu tenha me apercebido da beleza de Glauce, ela não gerou nenhum tipo de reação em mim, e isso me deixa ainda mais intrigado, porque bastou um encontro com Júlia para eu desejá-la intensamente. Pode ter parecido superficial, movido apenas por sua aparência, mas parece que não, afinal, encontrei outra mulher tão bela quanto. Escolho uma roupa mais casual para tomar o café da tarde e comer mais especialidades da Casa Virtanen. O clima está ficando cada vez mais quente, e, por mais que eu esteja acostumado a portar um terno no calor do verão paulistano, aqui eles são totalmente desnecessários. Nem trouxe um, por falar nisso! Não sou um CEO aqui em Penedo, embora tenha vindo para cá com intenção de negócios. Pego uma bermuda com corte de alfaiataria na cor verde-água e uma camisa de tecido leve, mangas curtas e com pequenas estampas acinzentadas que mal aparecem vistas de longe. Simples – mesmo vestindo bermuda Ricardo Almeida e camisa Giorgio Armani – e muito confortável.
Não demoro no banho, mesmo porque falta menos de meia hora para o evento no pátio da pousada acabar, coloco as roupas, meu perfume favorito e sigo para o térreo, onde, espero, encontre orientações para ir até o local da degustação. — Senhor Pontes — Glauce me chama. — Deseja ainda participar do evento? Sorrio diante da presteza dela. — Estava tentando achar o caminho... Ela aponta para portas deslizantes duplas. — Pode entrar por ali, mas temos também acesso pelo restaurante onde servimos o desjejum. — Obrigado. Saio do saguão e me surpreendo com o belíssimo e bem-cuidado jardim que eles chamam de pátio. Há uma tenda, dessas estilo chapéu de bruxa, montada bem no centro do lindo paisagismo, e, debaixo dela, além de várias mesinhas e cadeiras de ferro fundido – o mesmo modelo que tem na loja de doces –, há também uma enorme mesa com guloseimas. Corro meus olhos entre os presentes, tentando encontrar o rosto já conhecido de Júlia Virtanen, mas não a localizo em lugar nenhum.
— Precisa de ajuda para encontrar um lugar para se sentar? — A voz inconfundível dela me faz virar para encará-la, e quase desmonto ao vê-la em um justo vestido vermelho. Fodeu!, penso ao lembrar que o tecido da bermuda é fino e que a camisa não é comprida o suficiente para cobrir a frente dela.
4 Júlia Meu coração quase sai pela boca quando, ao entrar pela porta lateral do pátio, encontro Murilo parado, olhando para o evento do meu irmão como se procurasse alguém. Não quero parecer presunçosa, mas acho que ele me procura, afinal, perguntou se eu estaria presente. A verdade é que quase não pude vir, por isso só cheguei agora e nem passei pela ligação que o pátio tem com a Casa Virtanen, vindo direto do meu chalé e entrando pelo restaurante da pousada. Era para eu ter chegado mais cedo, só pude fazê-lo depois que convenci Lucinda a ficar sozinha na loja por uns minutos, alegando que queria ajudar o Digo. — Hum... isso é novidade! — ela comentou, olhando-me desconfiada. — Não é a primeira vez que seu irmão faz uma degustação, e você nunca o ajudou antes,
pelo contrário, sempre disse que preferia não ter de lidar com os hóspedes da pousada. — Nunca disse isso! Eu lido com eles quando vêm aqui para comprar doces! — Sim, mas aqui eles são clientes; lá, são hóspedes. — Ela apertou os olhos, o que lhe conferiu algumas ruguinhas em volta deles. — Por acaso o turista gato está hospedado lá? É óbvio que me entreguei, porque senti meu rosto queimar, sinal de que tinha ficado vermelha, e ela começou a rir. — Vai logo, garota! — Te devo uma, Luci, depois compenso! — Pode apostar que vou pensar em algo à altura do seu turista gato para ser compensada. Dei de ombros. — Nem sei se ele vai... mas quero ir ajudar o Digo! Tirei o avental e alisei minha camiseta com o nome da loja. — Podia trocar de roupa pelo menos, né? — Neguei, mas ela argumentou: — Seu irmão não vai de uniforme fazer a apresentação dos doces, está lá todo arrumado e perfumado.
Sim! Raciocinei que ela tinha razão e que Digo iria ficar muito mais feliz se eu aparecesse mais arrumada do que usando calça jeans e camiseta sublimada com a logo da loja. — Vou só trocar a blusa! Não sei se quis enganar a Luci ou a mim mesma, pois perdi bons minutos na frente do armário decidindo o que usar. Acabei por escolher um vestido mais social, vermelho para combinar com o Natal, e sandálias em vez de tênis. Foi por isso que cheguei depois dele, mas isso me conferiu a vantagem de analisá-lo sem que percebesse, devorando-o com os olhos e gravando cada detalhe de suas costas. Minha primeira percepção é de que Murilo também não veste a mesma roupa com a qual esteve na loja antes do almoço, e gosto da mudança da roupa formal para algo mais casual. A cor da bermuda ressalta o tom bronzeado das pernas dele – perco um tempo focada na bunda redonda que enche a peça, me julguem! –, e a camisa clara deixa seus pelos escuros em evidência, fazendo-me indagar se ele só apara ou depila o tórax. Balanço a cabeça, desviando o rumo dos meus pensamentos, tentando tirar da mente a imagem de Murilo nu, seu peito coberto com os pelos brilhosos e escuros ou
pelado, deixando visível todos os contornos de seus músculos. É melhor você se revelar antes que ele a veja parada atrás dele e o cobiçando. — Precisa de ajuda para encontrar um lugar para se sentar? — disparo a pergunta, chamando a atenção dele, e recebo um olhar tão apreciativo que meu ventre se contrai, assim como minhas coxas. Ele entrelaça as mãos na frente do corpo e sorri. — Parece que vou precisar, porque, pelo que vi, todas as mesas estão ocupadas. Tento não parecer surpresa, pois nem tive condições de conferir o público, ocupada demais olhando-o e o imaginando sem roupas. Espio a tenda e abro um sorriso ao vê-la cheia. — É, parece que não há mesas vagas, contudo — aponto para uma cadeira vazia em uma mesa cheia de velhinhas — há lugar ali. Murilo franze as sobrancelhas, e espero para saber o que irá dizer. — Ótimo lugar, não tinha visto. — Pisca desavergonhadamente para mim. — Adoro a presença feminina, seja da idade que for.
Rio e caminho com ele até a mesa. — Senhoras, aceitam a companhia de um hóspede? — Toco o braço de Murilo, mas logo tiro a mão, mas meus braços desnudos não escondem minha pele arrepiada. — Claro! — Uma das idosas, bem maquiada e com os cabelos brancos escovados, sorri. — Será um prazer! — O prazer é todo meu! — Ele se senta. — Murilo Pontes. Elas se apresentam uma a uma, e eu me afasto, deixando-o lá, entre elas, que já são minhas freguesas de longa data, pois visitam Penedo todos os anos. — Oi, Digo! — cumprimento meu irmão, que conversa com um turista. Ele me olha curioso, mas espera que o homem volte a se sentar para falar comigo. — O que você está fazendo aqui? — Repara em minha roupa. — Vai sair para algum lugar? Cruzo os braços e o olho da mesma maneira. — E você, vai? — Não, mas, como dono da loja, não poderia vir apresentar nossos... — Eu sou dona também, não se esqueça!
— Ei! — Ele ri e levanta discretamente as mãos em sinal de rendição. — É claro que não me esqueço. Só estranhei porque você nunca me acompanha nesses eventos. — Hoje quis vir. — Dou de ombros como se não significasse nada. — Sei... — Ele olha para trás de mim. — Aquele lá sendo mimado não é o turista que esteve na loja mais cedo? Balanço a cabeça, fingindo não ter ideia do que fala. — Como vou saber? Tantos turistas entram na loja... — Parece que ele tem jeito com as mulheres. Você dispensou boa parte do seu tempo conversando com ele de manhã, e agora a Vanessa parece hipnotizada. Rapidamente olho para trás e vejo uma das funcionárias da pousada e amiga de Glauce sorrindo e conversando alegremente com Murilo. — Ela deve estar só anotando o pedido dele. — Então ele deve estar pedindo todos os itens do menu, porque ela está lá desde que você apareceu aqui. Merda! Digo sabe que fui eu quem levou Murilo até a mesa! “Falsiano”!
— Ele é educado, só isso! — Encaro-o com superioridade. — É você que vê maldade em tudo. Vanessa se aproxima de nós dois e entrega o pedido para Digo. — Gente, que gato é aquele?! — comenta sorrindo, olhando para mim. — Ele não usa aliança, e desde ontem percebi que está hospedado sozinho. Raridade! Digo ri em deboche, pois estava certo sobre Vanessa estar babando no homem, mas não reajo à sua provocação, pois conheço muito bem o meu irmão para saber que, se ele perceber meu interesse, irá usar isso para me irritar. — Acho que, como ele chegou depois da sua apresentação, é melhor você levar pessoalmente os doces e explicá-los ao hóspede — aconselho com um sorriso falso, pois sei que meu irmão odeia se repetir. — Seria ótimo, porque ele me encheu de perguntas que eu não soube responder — Vanessa corrobora minha sugestão. Digo suspira puto. — Odeio esses retardatários! Ele sai de perto para arrumar os doces para Murilo, e aproveito para saber mais informações sobre ele.
— Você sabe de onde ele é? — inquiro. — Não. Ontem ele fez o check-in com seu tio, por isso não tive acesso aos detalhes. — Ri ao confessar que Glauce lhe passa informações. — Presumo que seja de São Paulo, pois não chia como carioca nem arrasta como mineiro. Enrugo a testa. — Ele não tem sotaque paulista. — Não, deve ser da capital e de família com grana. Rio. — Como você pode supor isso tudo só pelo jeito de ele falar? — Júlia, eu lido muito mais com os turistas do que você, então pode apostar que sei do que estou falando. — Olha-o novamente. — Não que ele precise ser rico, porque, com a aparência e o charme que tem, ganha qualquer mulher fácil. Respiro fundo, detestando ter que concordar com ela. — Bom, vou circular entre as mesas e cumprimentar alguns clientes. — E eu vou me preparar para recolher a louça, pois o evento já está quase acabando.
Assinto e começo a cumprimentar as pessoas, mas, vez ou outra, escuto a gargalhada de uma das velhinhas da mesa onde Murilo está. Sorrio ao constatar que ele estava dizendo a verdade sobre gostar de companhia feminina, pois, além de dar atenção às senhoras, está fazendo-as rir e se divertir. — Jules, você consegue encerrar o evento sem mim? — Digo me pede de repente. — Eu preciso terminar uma encomenda e acabei de receber mensagem do freguês dizendo que vai ter que pegar mais cedo. — Claro, pode ir! Ele beija minha testa. — Até que sua presença foi boa, viu? Mesmo você tendo vindo por motivos questionáveis. — Vai se ferrar, Digo, seu demônio! Ele ri e volta para dentro da loja, deixando-me sozinha para anotar futuros pedidos e encomendas. *** — Por acaso vocês fazem algum kit especial para presente de Natal? — Uma mulher me pergunta logo depois do encerramento do evento. — Eu gostaria de levar lembranças daqui e gostaria de fazer isso com alguns desses doces maravilhosos.
— Claro que sim. Passa na loja amanhã para que eu te mostre as opções especiais de embalagens para presente. — Ela sorri animada. — São coisas que podem ser guardadas ou usadas por quem as receber. — Ah, maravilhoso! Passo lá amanhã cedo, então, pois faremos o check-out ao meio-dia. — Espero a senhora! Despeço-me dela e respiro aliviada ao não ver mais ninguém na tenda, além do belo homem sentado à mesa tomando um café. — Você trabalha depois disso aqui? — Olha em volta da tenda. — Não, a loja fecha em alguns minutos, e hoje não funcionamos à noite, só na sexta e no sábado — explico. — Gostou do que provou? — Adorei, mas ainda tenho vontade de provar mais coisas de tradição finlandesa. — Coloca a xícara sobre a mesa. Sinto um calor perpassar meu corpo. — Como o quê, por exemplo? Ele ri e se levanta. Murilo é uns bons 20 centímetros mais alto que eu, e, quando ele se aproxima, preciso erguer a cabeça para encará-lo. Seu olhar fixo em minha
boca diz sobre o que mais ele deseja provar, mesmo que não tenha expressado em palavras, e fecho os olhos instintivamente, ansiosa pelo beijo. — Jules, você poderia me... Arregalo os olhos e me afasto de Murilo para me virar na direção da Glauce. Minha prima olha de um lado para o outro, visivelmente constrangida, e eu me divido entre a vontade enorme de apertar seu pescoço e gargalhar. — Eu não sabia que você estava ocupada ainda — desculpa-se. — Tudo bem, eu estava me despedindo do senhor... — Não — Murilo me interrompe. — Eu tenho algumas dúvidas sobre as tradições que ainda não foram satisfeitas. Glauce olha para seus tênis, e rio nervosa, pois nunca me envolvi com um turista, muito menos com um hóspede da pousada. — Tudo bem, a gente se fala depois. Minha prima bate em retirada – sim, não tem expressão melhor que essa para o jeito que ela saiu do pátio –, e volto a olhar para Murilo. — O que foi is...
Não consigo terminar de falar, pois sou engolida por uma boca completamente faminta, compartilhando seu hálito de bolo e café, devorada com sofreguidão. Não penso duas vezes e o abraço pelo pescoço, ficando na ponta dos pés, correspondendo à carícia inesperada e, ao mesmo tempo, tão esperada. As sensações do beijo são infinitas! Eu me sinto flutuar, mesmo estando agarrada a ele. Sinto arrepios, mas meu corpo queima como se estivesse em chamas. Ignoro a percepção de tempo e espaço, principalmente bloqueio a ideia de que estou agarrada a um hóspede, no pátio da pousada dos meus tios, onde qualquer um pode nos ver. — É, pelo visto alguém se deu bem por aqui... A voz maliciosa de um homem faz com que eu me afaste de Murilo, interrompendo o beijo que gostaria muito de continuar. A razão volta a tomar conta da minha mente, tão sobrepujada pelo desejo, e respiro fundo. — O que foi isso? — pergunto para mim mesma. — Eu sinto muito se a ofendi. Eu deveria ter perguntado antes se... — O quê? — Encaro Murilo. — Do que você está falando? Ele franze a testa.
— Do beijo que roubei e... Começo a rir. — Roubou? Meu caro, se esse fosse um beijo roubado, você já estaria rolando no chão com as mãos entre as pernas. — Sorrio. — Eu consenti o beijo, não se preocupe. Murilo relaxa, e seus lábios deliciosamente pecaminosos voltam a se esticar em um sorriso perfeito. — Então por que se afastou me empurrando? Deus do Céu, eu o empurrei?! — Não ouviu o comentário? Ele ergue as sobrancelhas, visivelmente confuso com minha pergunta. Claro, ele não ouviu, e eu vou ser tachada de doida! — Enfim, este... — faço um gesto para onde estamos — não é o local ideal para isso. Por fim, Murilo parece entender e concorda. — Para onde vamos, então? Eita! Rio nervosa, entendendo muito bem o que está implícito na pergunta. Bom, ele é um hóspede aqui e, com certeza, não pensa em me levar para sua suíte. Ademais, qualquer outro lugar de Penedo está fora de cogitação, pois todos me conhecem, e lugares pequenos como este
têm vocação para propagar notícias, principalmente as mais quentes. — Eu não sei... — Sou sincera. — Não sei como agir em uma situação dessas. Ele para de sorrir. — Como assim? — Você é um hóspede na pousada da minha família e... — bufo, sabendo que vou revelar quão provinciana sou — todos me conhecem por aqui e sabem que não fico com turistas. Murilo assente. — E você se importa com o que pensam de você? Respiro fundo. — Moro aqui, Murilo. Daqui a alguns dias, você vai voltar para sua rotina, em uma cidade grande onde, aposto, nem deve conhecer seu vizinho. — Ele concorda com um gesto de cabeça. — Aqui, não, somos uma comunidade, todos se conhecem, se relacionam, principalmente os descendentes dos colonos... — Não quero abrir mão do que você me faz sentir, da maneira como mexe comigo, mas respeito se for sua decisão que eu me afaste e... Nego.
— Não quero isso também! Só precisamos... — Jantar juntos — ele completa. — Minha proposta é levá-la para jantar, conversarmos um pouco e deixar as coisas acontecerem. — Ele volta a se aproximar, arrasta o dedo pelo meu braço, causando arrepios simultâneos. — Aceita jantar comigo? Oh, Céus, como dizer não, se já estou aqui repassando as roupas que tenho no meu armário?
5 Murilo Eu não premeditei esse beijo, mas a vontade de provar a boca de Júlia é mais forte do que qualquer outro argumento. Sei que a prima dela percebeu o clima entre nós, o que comprovou que não é algo que eu estava espelhando sobre ela, mas sim, Júlia me quer tanto quanto eu a quero. Foi engraçado ter vindo até a degustação para estar com ela e ser colocado em uma mesa cheia de velhinhas assanhadas que ficavam me falando o quanto eu parecia com alguém da juventude. Confesso que me diverti com o grupo animado e suas histórias e me bateu uma saudade enorme dos meus avós, que eram pessoas extremamente de bem com a vida. Estava ansioso, porque não sabia se teria oportunidade de conversar com Júlia após a degustação, mas já havia decidido que, independentemente do que
aconteceria ao final daquele evento, eu falaria com ela e a convidaria para um programa à noite. O sabor dela é infinitamente melhor do que imaginei, uma mistura clássica de chocolate, especiarias e castanhas, talvez nozes, que aguça ainda mais minha fome. Não tenho mais dúvidas e aprofundo o beijo assim que ela me abraça pelo pescoço, esticando-se toda e colando seu corpo no meu. Infelizmente, algo quebra o encanto, e ela se afasta. — O que foi isso? — Júlia parece muito surpresa, e isso me surpreende. Temo ter me excedido, agindo como um homem tóxico e machista que ataca uma mulher por confundir simpatia com desejo. Não sou assim, nunca fui nem serei. Murilo, você fez merda! — Eu sinto muito se a ofendi. Eu deveria ter perguntado antes se... — começo a explicar o que, sinceramente, não tem explicação, mas ela me interrompe: — O quê? Do que você está falando? Okay, fiquei confuso agora! Respiro fundo, meio atabalhoado, cheio de tesão, com o pau pulsando dentro da bermuda e percebo que esse estado de luxúria tem afetado meu discernimento das
coisas. É melhor falar claramente por que estou me desculpando e ouvir a reação dela! — Do beijo que roubei e... — Paro de falar quando Júlia começa a rir. — Roubou? — Ela realmente parece estar se divertindo à minha custa. — Meu caro, se isso fosse um beijo roubado, você já estaria rolando no chão com as mãos entre as pernas. — O tesão, já alto, alcança níveis fenomenais com essa resposta, porque, se tem uma coisa à qual não resisto, é uma mulher empoderada e dona de si. — Eu consenti o beijo, não se preocupe. Acho que o consentimento dela tirou um peso tão grande dos meus ombros que por pouco não suspiro aliviado. Entretanto, ainda me sinto confuso, pois o beijo estava ficando delicioso, e ela parecia gostar; sua reação ainda é uma incógnita para mim. — Então por que se afastou me empurrando? Percebo um movimento sutil de surpresa, um breve arregalar de olhos como se Júlia não soubesse que teve uma reação tão drástica. — Não ouviu o comentário? Não respondo, porque não, não ouvi! Eu estava completamente concentrado nas sensações que o beijo
estava provocando em meu corpo, no desejo e na excitação, e nada mais naquele momento me importou. — Enfim, este... — Júlia faz um gesto nervoso com as mãos, abrangendo o pátio onde estamos — não é o local ideal para isso. Ah, porra, claro que não! Meu coração dispara ao pensar em levá-la para meu quarto e fodê-la até vermos o dia seguinte amanhecer, mas é a pousada da família dela – quiçá dos seus pais –, e não penso que ela vá aceitar fazer uma incursão à minha suíte. — Para onde vamos, então? — A pergunta sai um tanto brusca, mal pensada, mostrando o desespero que estou sentindo para tê-la. — Eu não sei... Não sei como agir em uma situação dessas. Situação dessas?! Minha mente encontra mil e um significados para o que ela disse, e o mais apavorante é que, embora ela seja adulta, não tenha experiência. Não tenho problema algum com mulheres sem experiência, só nunca fui o debut de nenhuma delas e não sei se gostaria de mudar isso. — Como assim? — Tomo coragem para fazer a pergunta e esclarecer as coisas.
— Você é um hóspede na pousada da minha família e... — Júlia toma ar para continuar, mas já entendi o ponto que ela vai me mostrar — todos me conhecem por aqui e sabem que não fico com turistas. Entendo que ela seja conhecida, mas não compreendo o que isso tem a ver com nossa situação. Somos dois adultos, independentes, solteiros – até onde sei, ela também é – e não devemos satisfação a ninguém. Pergunto por que isso é importante e se ela se importa com a opinião dos outros, e a sua explicação me faz sentir vergonha da minha insensibilidade ao não perceber que, sim, mesmo sendo algo tão comum hoje em dia um homem e uma mulher que se desejam fazerem sexo, o lugar é pequeno, e ela mora aqui. Certo, hora de pisar no freio e ir devagar! — Não quero abrir mão do que você me faz sentir, da maneira como mexe comigo, mas respeito se for sua decisão que eu me afaste e... Para meu alívio, ela nega: — Não quero isso também! Só precisamos... — Jantar juntos. — A ideia não tinha me passado pela cabeça, mas é a solução perfeita. — Minha proposta é levá-la para jantar, conversarmos um pouco e deixar as
coisas acontecerem. — Aproximo-me dela e a toco, sentindo cada pedaço da sua pele agitar meu corpo. — Aceita jantar comigo? Júlia suspira e fecha os olhos. Olho para longe, disposto a resistir à tentação de tomá-la nos braços e a beijar até perder o fôlego e a sanidade. — Aceito. — A resposta soprada baixinho me faz voltar a olhá-la, e me perco nos seus olhos azuis como dois lagos límpidos refletindo a luz do sol. — Ótimo! — exclamo satisfeito. — Vou pedir ao concierge... — Não! — Ela ri nervosa. — É a minha prima quem dá dicas de lugares para turistas e, depois do que ela quase presenciou hoje, vai estar atenta a tudo o que te diz respeito. Ela não quer mesmo que saibam que vamos sair juntos! — Júlia, como vamos jantar juntos se nem mesmo sua prima pode me dar uma dica de restaurante? Teremos que sair de Penedo para jantar? Ela nega. — Não. — Ri sem jeito. — Tenho um lugar perfeito para irmos jantar. — Dou um sorriso completamente
esfomeado, pensando logo no que irei comer depois do jantar. — Apenas jantar, Murilo! Gargalho. — Não sei o que você tem, que me faz ser tão transparente. — Acaricio seu rosto rapidamente e me afasto. — Dizem que sou um homem reservado, já me acusaram de ser frio, distante, mas você me faz querer jogar a porra da discrição pelos ares. — Olho em volta a fim de confirmar que estamos sozinhos. — Não sou impulsivo, poucas vezes fiz algo sem pensar muito, mas juro que, neste momento, eu foderia você em cima de qualquer uma dessas mesinhas sem me importar em nada com a razão ou com a ponderação. O peito de Júlia se expande, fazendo seus lindos seios pressionarem o tecido do vestido, e sua face fica completamente afogueada. Porra, que tesão de mulher! Além de linda, simpática, com um sorriso matador, ela ainda consegue ser sexy e ter um ar de inocência que baila ao seu redor e me desnorteia. Por mais que eu tente me lembrar de que vim aqui interessado em um negócio e que deveria já estar sondando terreno, não consigo pensar em não viver a experiência de uma noite com ela. Nunca pensei em algo
desse tipo, em ter uma aventura de Natal, porém não vou me furtar do privilégio de extravasar todo o tesão e a atração que sentimos um pelo outro. — A que horas iremos jantar? — Decido voltar ao assunto do nosso encontro, quando noto que minha confissão a chocou – ou excitou – a ponto de ela não falar nada. — Às 20h — Júlia responde em um fôlego só, e contenho o sorriso satisfeito ao vê-la tão ofegante apenas por me ouvir dizer o que tenho vontade de fazer com ela. Acompanho-a com o olhar enquanto vai até a mesa principal, onde têm algumas plaquinhas com o nome dos doces, e a vejo anotar algo. — Meu número. — Sorri sem jeito. — Quando você estiver pronto, me manda um “oi”, e aí a gente combina onde vai se encontrar. Ergo as sobrancelhas. — Parece um encontro clandestino... — Encaro-a sério. — Há alguém na sua vida que... — Não! — exclama visivelmente ofendida. — Não tenho ninguém no momento. — Sinto alívio por ter entendido bem a conversa que ouvi mais cedo na loja de doces. — E você?
Sorrio. — É meio tarde para perguntar isso, não acha? — Ela fica séria e dá um passo para trás. Que falta de tato da porra! O que está acontecendo com minha sagacidade?! — Não, Júlia, eu também não tenho ninguém no momento. Se tivesse, não estaríamos tendo essa conversa. — Que bom! — Respira audivelmente. — Não gosto de pessoas dissimuladas, que fazem as coisas pelas costas dos outros. — Está certa — concordo com ela. — Aguardarei ansioso pelo horário combinado. Júlia volta a sorrir. — Eu também! Ela se despede, mas nem espero que entre pelas portas do restaurante e já gravo seu número no meu telefone e lhe mando uma mensagem: “Oi” Divirto-me comigo mesmo, guardo o celular no bolso da bermuda e me sento em uma das cadeiras debaixo da tenda, sem ter o que fazer até o horário que ela marcou. Quer dizer... sem querer fazer mais nada, porque coisas a fazer, eu tenho!
Meu aparelho vibra no bolso, e confiro a mensagem que chegou no Apple Watch. “Eu disse para mandar mensagem quando estivesse pronto, seu doido!” Gargalho, pego o telefone e digito a resposta: “Estou pronto desde a primeira vez que te vi! Tão pronto que já estou sofrendo com meu estado constante de prontidão!” Espero para ler a resposta e, quando ela chega, gemo e mudo minha posição na cadeira, tentando disfarçar o volume no meio das minhas pernas. “Sofrendo, é? Talvez eu saiba como acabar com seu sofrimento, mas, antes, vou adorar piorá-lo!” Ah, porra, que tesão de mulher! *** Olho para a pequena viela meio ressabiado, um tanto arrependido por ter decidido vir com o carro esportivo para cá. Não há qualquer outra pessoa aqui que não olhe para o veículo, mesmo por entre as frestas das janelas, e, tenho certeza, não era isso que Júlia tinha em mente quando me mandou mensagem direcionando-me até aqui. Ouço uma batida no vidro do carona e destravo a porta quando a vejo, segurando um guarda-chuva,
enquanto olha admirada para o modo como meu carro se abre para recebê-la. — É sério? — Ela se senta no banco do carona parecendo bastante divertida. — Foi com este carro que você veio para cá? — Assinto, um tanto constrangido por parecer um ostentador. — E ainda diz que é discreto! Rio, pois sei que tem razão. — Um dos meus atos impulsivos. — Piso no freio e aperto o botão do motor, fazendo-o ligar. — Desculpe-me por estar molhando tudo com a sombrinha. — Ela olha em volta, mas, como estamos no escuro, iluminados apenas pelos fracos LEDs de iluminação alaranjados do painel e das portas, não consigo saber o que ela está achando do carro por dentro. — Quem diria que o tempo ia fechar desse jeito hoje? Estou toda molhada! Sei que ela está se referindo à chuva que cai lá fora, mas meus pensamentos são levados para o lado sexual, imaginando como seria senti-la molhada entre suas coxas, afundar meus dedos, minha língua e, claro, meu pau dentro de si. Tento não me empolgar demais e assustá-la – tarefa difícil! – e respiro fundo para tomar posse de mim mesmo e voltar a ser o homem calmo e racional que sempre fui.
Contudo, o cheiro do seu perfume enche o carro, e mais uma vez só penso em aspirar o delicioso aroma diretamente de sua pele nua para compará-lo com a fragrância que irá se criar depois que estivermos completamente exaustos, suados e satisfeitos de prazer. — Você está cheirosa! — Aproximo-me e respiro fundo, capturando o perfume na memória. — Esse cheiro misturado ao seu me deu ainda mais vontade de ser impulsivo. Júlia ri nervosa. — É? Que tipo de impulsividade? — provoca-me. Pego-a pela nuca, adorando o fato de seus cabelos curtos não me atrapalharem sentir sua pele, e a trago para mais perto de mim. Nossos rostos quase se esbarram, e ela me encara, esperando uma resposta e, talvez, algo mais. — Nunca trepei em um carro — confesso, e ela geme baixinho. — Disse que sou discreto, mas também sou meticuloso e gosto de ter tudo planejado. — Nunca acontecerem?
deixou
as
coisas
simplesmente
Nego, meu nariz roçando o dela com o movimento.
— Até encontrar você na rua segurando um monte de caixas, pronta para o desastre, não! Sinto seu hálito quente quando ela sorri. — Então por que agora? Dou de ombros. — Porque o tesão que sinto por você não é usual, não é comum, e, apesar de gostar de ser como sou, sou louco por coisas incomuns. — Esfrego meus lábios no queixo dela e sinto todo o ambiente à nossa volta ficar carregado de energia sexual. — E nós dois juntos seremos extraordinários! Júlia se agarra a mim quando minha boca toma posse da sua e nossas línguas se encontram em frenesi. O som de respirações arfantes, o agarrar desesperado de mãos, a vontade pulsante que me impele até ela, a querer sentir seu corpo e mergulhar em seu interior até me tornar parte dele, fazem minha mente girar e esquecer qualquer coisa que não seja o sabor especialmente sexy de sua boca. Minha mão avança para seu ombro, trago-a mais para mim e me aperto no meio do largo console entre os dois bancos para poder senti-la. Percebo que nossa química é desmedida, explosiva, e basta apenas um
pequeno estopim, como um beijo dentro de um carro, para entrarmos em combustão. A chuva aumenta, o som das gotas furiosas tamborilando sobre o teto reversível e o para-brisa do carro se mesclando com a tormenta pessoal na qual estou preso. A grande diferença é que, lá fora, a água açoita o carro, e aqui, dentro de mim, sinto-me ser consumido por uma chama que não se extingue, pelo contrário, cresce a cada movimento de nossos lábios. Júlia se afasta um momento, e arrasto minha boca por seu queixo, chupando-o devagar, seguindo pela linha do maxilar até o lóbulo de sua orelha. Os gemidos dela me fazem ferver, ansiar por não estarmos dentro deste carro apertado, mas sim em uma ampla cama ou mesmo dentro de uma banheira. Movo-me o melhor que um homem de 1,85m pode fazer dentro de um carro esportivo, e meu joelho bate no câmbio do veículo, ativando um modo diferente de direção e ligando a tela de LED, que ilumina muito mais o interior. Júlia se assusta e arregala os olhos, e eu rio, aproveitando a deixa para me acalmar e não a devorar como um animal dentro do carro. — Que sensações são essas que ele me causa? A pergunta inesperada me acerta em cheio.
— Tenho me feito essa mesma pergunta desde que nos encontramos. — Ajeito-me no banco do motorista e volto a função do carro para que consuma combustível, já que o nível de bateria está baixo, e ainda não achei um local para recarregá-la. — Para onde vamos? Desvio o assunto, principalmente porque minha mente está tão sexualmente nublada que não é possível fazer qualquer análise mais profunda neste momento. E nem quero! — Uma amiga minha e o marido têm um trutário que fica perto daqui. — Ela me passa o endereço, e programo o GPS. — Eu não contava com a chuva, mas acho que conseguiremos chegar. — Vejo a sombra de um sorriso no seu rosto. — Isto é, se seu carro da cidade aguentar se embrenhar no mato. Ai, caralho, foda-se o carro! Só consigo imaginar nós dois nus e embrenhados no mato! Sorrio enquanto sigo as orientações para chegar ao local escondido a que ela escolheu me levar e penso que trepar no mato seria mais uma coisa que nunca fiz e que adoraria fazer com ela.
6 Júlia Não era para eu estar nervosa, pois não sou uma mulher inexperiente, mas estou! Após nosso beijo no carro, minhas pernas não param de tremer, sinto as mãos frias, e isso pouco tem a ver com a chuva que me pegou de surpresa assim que fiquei pronta para o encontro com Murilo. Demorei mais do que pretendia para me aprontar, porém, em minha defesa, alego que a culpa não foi minha. Minha prima é muito esperta e, mesmo que eu tenha tentado despistá-la, entendeu o que estava acontecendo, e seu feeling de prima-irmã a fez aparecer no chalé com um generoso pedaço de empadão que minha tia fez e que adoro. — Vai sair? — perguntou assim que abri a porta, vestida com um roupão atoalhado e com a maquiagem já pronta.
Suspirei, assenti e a deixei entrar. — Vou jantar com um amigo. — Amigo, é? — Ela me entregou a travessa com o empadão, e quase revirei os olhos de tanta vontade de prová-lo. — Não sabia que vocês dois tiveram tempo de estabelecer uma amizade. — Sorriu. — O que você não me contou? Desembucha! Gargalhei, coloquei o delicioso preparo no forno para comer mais tarde e me encostei no batente da cozinha. — Lembra da mala que quase me derrubou ontem? — Glauce fez que sim. — Foi ele quem me ajudou e impediu que a caixinha com os anjos de cristal caísse. — Hum... — Ela se acomodou confortavelmente em uma cadeira. — E...? Ri, sabendo que, enquanto ela não soubesse dos pormenores, não iria sossegar. — Apareceu na loja hoje, conversamos, eu me senti atraída, ele também, e... — Vocês vão sair. — Concordei, por saber que seria besteira negar. — Eu olhei a ficha dele depois que vi vocês dois no maior clima lá no pátio.
— Glauce! — Gargalhei, pois não esperava menos dela. — E o que descobriu? — Não muito, reserva online não dá para tirar muitas informações! — Balançou os ombros. — Mora em São Paulo, bairro chique, viu? — Piscou para mim, e rolei os olhos. — Pagou a estada à vista. Colocou o motivo da viagem como “negócios” e, embora tenha reservado suíte para casal, não registrou o nome da segunda pessoa. — Informações pessoais, Glauce! — exigi, cansada da sua enrolação. — Você tem acesso aos dados pessoais dele, não é? Ela sorriu triunfante. — Claro! — Tirou o celular do bolso. — Eu fotografei a tela. Aqui diz que Murilo Costa Pontes tem 36 anos, faz aniversário no dia 7 de maio, é solteiro — olha-me e faz expressão de alívio — e, o melhor de tudo, prima, é empresário! Franzi a testa. — Melhor de tudo por quê? Glauce ficou séria e bufou, balançando a cabeça. — Papai Noel pode ter trazido seu presente mais cedo! — Apontou para a árvore na sala de estar, e as cartinhas para o bom velhinho me chamaram a atenção.
Arregalei os olhos e neguei. — Claro que sim! — Riu com vontade. — Tentei pesquisar, mas tudo o que descobri é que o pai dele é um figurão do ramo de investimentos, a mãe dele... — suspirou — é ninguém mais ninguém menos do que a A. C. Pontes, uma das minhas autoras favoritas! — Mentira! — Coloquei a mão sobre o peito, surpresa, pois eu mesma já tinha comprado um livro dessa autora para a Glauce como presente de aniversário. — Murilo é filho de uma autora de romances? Glauce suspirou. — Espero que ele tenha aprendido a ser um homem perfeito com a mãe dele, porque, se aprendeu, querida prima, você está bem servida! Não falei nada, mas, mesmo sem saber quem era a mãe dele e da influência positiva que isso poderia ter, eu sabia que já estava com um homem especial. O jeito sutil que ele me provoca, a forma como me olha e o desejo que senti durante nosso beijo me disseram muito sobre como ele me quer. Tenho consciência de que o quero tanto quanto ele a mim. Tenho certeza de que satisfaremos muito bem um ao outro. Olhei para o relógio da cozinha e tomei um susto ao ver que faltavam poucos minutos, e eu ainda precisava me vestir.
— Vou me atrasar! — falei apressada. — Não esqueça o guarda-chuva, viu? Está chovendo — Glauce me comunicou. — Ah, outra coisa! — Enfiou a mão no bolso e me estendeu um pacote. — É bom estar prevenida. Abri o papel pardo e encontrei uma embalagem de camisinhas. Meu corpo se acendeu apenas com a mera possibilidade de ir para a cama com Murilo. — Não vou dormir com ele no primeiro encontro — disse mais para tentar me convencer do que a ela. — Jules, não saia de casa cheia de regras. Deixe as coisas acontecerem. Se tiver que ser no primeiro ou no último encontro, o importante é você querer e estar pronta. — Eu sei, mas... mal o conheço. Vamos só jantar. — É assim que começa! Jantar, conversa, você vê o que sente e decide. — Glauce pegou minha mão. — A gente sabe que não é obrigada a nada. — Sim! — Sorri e a abracei. — Obrigada por suas palavras e por ser tão amiga. Desculpa não ter te falado antes sobre o que estava acontecendo. — Jules, eu conheço você, e nós sempre contamos tudo uma para a outra. Esconder essa situação me diz que
algo nela a incomoda. — Assenti, porque ela atingiu bem no alvo. — É porque ele é um turista? — Sim. — Suspirei. — Sempre vi com maus olhos as meninas que ficavam com os turistas, pois sempre achei que eles se aproveitavam delas e as usavam como brinquedos de férias. Não quero fazer esse papel! — Não existe isso! Eu não fico com turistas porque ainda não apareceu algum que mexesse comigo da forma como você está mexida pelo seu CEO de Natal. — Fiz careta em razão do apelido. — Desde que seja algo entre adultos e com consentimento de ambas as partes, qual o problema? Concordei, e nos despedimos. Durante os minutos nos quais me arrumei, fiquei martelando a pergunta retórica de Glauce. Qual era o problema se eu quisesse satisfazer a vontade de fazer sexo com Murilo na primeira noite? Nunca fiz isso, sempre levei um tempo até ter intimidade com algum namorado e nunca fiz sexo casual, mas por que não? Eu quero, ele quer, somos solteiros e adultos. Por que não?! Escolhi um conjunto de lingerie mais bonito do que eu tinha pensado a princípio e coloquei outro vestido justo,
porém mais aberto, com decote nas costas e na cor preta. Mandei mensagem marcando nosso local de encontro em uma rua duas quadras depois da pousada – ainda estava ressabiada com a repercussão de um encontro entre mim e um hóspede – e caminhei na chuva até o carro, pensando e imaginando como seria Murilo Pontes na cama. O impacto de ver o carro dele me fez rir e depois ficar nervosa. Eu nunca havia visto aquele modelo por aqui e reconheci o mesmo símbolo famoso que vi naquele controle que ele chamou de chave mais cedo. Mesmo diante da iluminação fraca, percebi que o carro tinha cor incomum – laranja metálico com preto – e que chamava atenção de longe. Respirei fundo e bati no vidro. Ouvi quando a porta se destrancou e quase tive um treco quando, ao invés de ela abrir para o lado, como qualquer carro, levantou-se e fez quase um teto sobre minha cabeça. Deus do Céu, parece uma versão moderna do filme “De volta para o futuro!” Entrei com dificuldade, tentando não molhar o carro, mas bastaram alguns segundos ao lado de Murilo para o fogo novamente me consumir e eu odiar o lindo carro por causa desse treco entre os dois bancos.
Queria me atirar contra ele, no seu colo, rebolar sobre seu membro duro e mostrar o quanto era excitante e gostoso fazer sexo dentro de um carro. Estava prestes a tentar fazer malabarismo e me transportar para o banco do motorista com Murilo, quando o carro se iluminou, e me assustei pensando que era um policial com aquela lanterna maldita que corta o barato dos amantes desavisados que tentam fazer os carros de motel na beira da estrada. O que aconteceu, esse beijo tão cheio de tesão, foi a confirmação de que eu não devo me guiar por “regras” ou qualquer outra coisa que não meu próprio desejo. Murilo se sente como eu, atraído de uma forma ímpar, e, se acontecer uma oportunidade ainda nesta noite, eu a agarrarei com força, pode apostar! Suspiro, ainda extasiada com o beijo tristemente interrompido. — Que sensações são essas que ele me causa? — Tenho me feito essa mesma pergunta desde que nos encontramos — Murilo responde, e percebo que questionei em voz alta. — Para onde vamos? Fico aliviada por ele não ter aprofundado o assunto, mas satisfeita por saber que ele também sente o mesmo que eu.
— Uma amiga minha e o marido têm um trutário que fica perto daqui. — Passo o endereço do sítio onde Francisco e Maria Clara moram e têm seu negócio. Olho para fora a fim de aliviar a tensão sexual que ainda sinto e me concentrar em outra coisa. — Eu não contava com a chuva, mas acho que conseguiremos chegar. — Imediatamente penso neste carro baixo, chamativo e inapropriado para o terreno e sinto vontade de rir. — Isto é, se seu carro da cidade aguentar se embrenhar no mato. Murilo não fala nada sobre a provocação, mas, enquanto segue as orientações do GPS, vejo uma expressão divertida em seu rosto. — Música? — pergunta de repente. — Claro! Ele mexe nos comandos do carro, e logo uma agradável e conhecida música nacional toma conta do ambiente. — Milton Nascimento? — inquiro curiosa. Ele sorri e fica ainda mais sexy. — Eu sou muito eclético, escuto de tudo, mas a MPB é influência direta do meu pai — explica. — Ele tem coleção de discos e não perde um show do Roberto Carlos.
— Gargalha. — Mamãe e ele estão sempre navegando com o Rei em algum cruzeiro. A curiosidade sobre a família dele fala mais forte, e questiono: — Vocês são muito unidos? Murilo assente. — Bastante! Foi um sacrifício quando saí de casa para morar sozinho. — Ele me olha de soslaio. — Você ainda mora com sua família? Respiro fundo antes de responder: — Não, moro sozinha. — Hum... O sorriso dele não disfarça nem um pouco a satisfação que sente ao saber que moro só, e isso faz com que minha pele se arrepie de prazer ao imaginá-lo na minha cama. Já tive namorados que frequentaram o chalé. Entretanto, todo eles foram na época em que mummo ainda era viva, e eu dividia o outro quarto com meu irmão. Então ainda não tive a experiência de fazer sexo na minha casa. Seria interessante a situação, não nego, porque há quase um ano, quando Digo parou de vez de ir dormir no chalé e se estabeleceu no apartamento que alugou, eu me
mudei para o quarto maior. Durmo na cama enorme de madeira maciça feita à mão pelo meu bisavô, uma relíquia de família da qual minha avó tinha muito orgulho. Meu tio não quis ficar com a peça, alegando que ela me pertencia, que seria a vontade de dona Eni, e fiquei feliz por poder conservar algo que tinha um apelo tão sentimental para ela. Não sei como me sinto sobre levar um homem para dormir lá, mas, conhecendo minha avó como a conhecia, tenho certeza de que ela não se importaria e ainda me daria uma bronca dizendo que a cama é minha agora. — Algum problema? — Murilo me indaga, fazendo com que eu pare de pensar se quero ou não estrear a cama com ele. — Nenhum. — Sorrio, e ele respira fundo. — Já te disseram que você tem um sorriso perfeito? — Ele não me olha ao fazer a pergunta, atento à estrada. — Ontem, pouco antes de você tropeçar na mala, eu estava andando pela calçada, prestando atenção às lojas, então te vi com as caixas e sorrindo. — Ele balança a cabeça. — Parei de andar, completamente hipnotizado por você, e arrisco dizer que não devia ser o único nessa situação. Fico sem jeito, embora goste do elogio.
— Não é para tanto... Murilo gargalha. — É, sim, acredite! Conheço muitas mulheres que são reconhecidamente lindas, mas você vai além da beleza. — Ele toma fôlego como se precisasse de um tempo para se acalmar. — Eu me senti totalmente rendido e depois fiquei imaginando quem você seria. — Aconteceu o mesmo comigo — confesso. Ele me dá uma olhada rápida. — Então por que não aceitou minha ajuda? Eu estava contando em carregar umas caixas e puxar assunto. Suspiro. — Assumi que você era um turista... — Ah, é isso! — Murilo me interrompe, a expressão divertida. — Júlia Virtanen não sai com turistas! Rolo os olhos diante do sarcasmo. — Não saía! — corrijo-o. — Estou aqui, não estou? Ele sorri e põe a mão sobre minha coxa, causando um estremecimento instantâneo. — Está! — Acaricia minha pele, e fecho os olhos. — Não sei por que estou tendo esse privilégio...
— Só faça por merecer — falo sem pensar e arregalo os olhos. A gargalhada de Murilo enche o veículo, e me sinto ainda mais constrangida. — O que eu quis dizer foi... — Não consigo terminar, pois sinto a mão avançar por baixo do vestido, seguindo perigosamente na direção da minha virilha. Gemo e volto a relaxar, cerrando minhas pálpebras diante do prazer. — Tudo o que mais quero, Júlia, é fazer por merecer. — Sobe a mão, contornando a borda da calcinha. — Prometo dar tudo de mim nisso. Murilo volta a colocar a mão no volante e prestar atenção à estrada, mas não consigo me concentrar em mais nada a não ser no potente desejo que desperta em meu corpo apenas com um toque dele. Eu deveria tê-lo convidado para comer o empadão da tia Vitória! Rio do pensamento, consciente de que a deliciosa receita salgada viraria sobremesa.
7 Murilo O trutário onde Júlia me trouxe fica na Serra da Mantiqueira, já na divisa do estado do Rio de Janeiro com Minas Gerais. O carro sofreu um bocado para chegar aqui, uma vez que não é o tipo de veículo ideal para a estrada, ainda mais com a chuva que caiu quando saíamos de Penedo. O lugar parece ser muito bonito, mas, como é noite, não dá para ver muito. Estaciono o carro em um pátio com calçamento de intertravados e olho para Júlia. — Chegamos. Ela sorri ao concordar, e sinto meu corpo reagir. Puta merda! Seu sorriso mexe tanto com minha libido que nem é necessário tocá-la para que meu pau se contorça involuntariamente. É forte a atração que temos, e cada
detalhe me prova, mais e mais, que há algo diferente acontecendo neste nosso encontro. Odeio comparar situações, porque penso que cada pessoa que passa pela nossa vida vem em um contexto único, mas posso dizer que a experiência com Júlia está sendo singular, e isso tem me afetado demais, me envolvido, e estou muito ansioso para saber aonde irá me levar. — De dia este lugar é maravilhoso! — ela comenta, e presto atenção nele, deixando as sensações de lado. — Tem a casa, que é linda, o restaurante, os tanques de trutas, a mata e — seu sorriso aumenta, e prendo o fôlego, impactado com o tesão que me consome — uma trilha com uma cachoeira no final dela. — Perfeita! — exclamo, mas não me refiro à descrição do lugar, mas à Júlia. — De dia, fica muito movimentado, e à noite, tem seu charme. — Dá de ombros. — Pena que não iremos conseguir ver as estrelas hoje por causa da chuva. — Estou vendo tudo o que quero esta noite, não se preocupe. Ela se aproxima de mim e toma a iniciativa de um beijo, e – caralho! – isso me acende ainda mais. Agarro-a, acelerado, incontido, querendo mais do que a carícia que
ela propôs inicialmente. Quero seu corpo grudado no meu, o seu sabor na ponta da minha língua e seu cheiro impregnando minhas narinas. Quero-a! É urgente e desmedido, chega a ser assustadora a forma como a desejo. Sinto-me esfomeado, insaciado, necessitando que cada beijo e toque que trocamos se transforme em mais. — Eu não vou conseguir jantar desse jeito — confesso com a boca ainda grudada na dela. — Meu corpo precisa de outra coisa, Júlia. Ela geme. — De que você precisa? A pergunta em tom preguiçoso, deliciosamente sensual, sai em meio a um gemido, e a afasto um pouco, tentando respirar fundo para não perder o que me resta de juízo, pois minha vontade é comê-la no meio de um estacionamento de restaurante. — De você desesperadamente! — Rio, parecendo um menino cheio de tesão. Júlia me encara, e consigo ver nesse olhar o quanto ela está desesperada também. — Isso vai ser uma tortura. Ela pisca.
— O quê? Rio, mesmo tentando não rir, ciente do seu total desnorteio. — O jantar vai ser uma tortura. Júlia franze a testa. — A truta daqui é esplêndida. Tenho certeza de que... — Ela suspira e balança a cabeça. — Vai, vai ser uma tortura! — Ri de si mesma e volta a se recostar no banco. — Já está sendo, na verdade. Tanto que não estou nem conseguindo coordenar pensamentos para conversar. Só penso em... Reteso-me inteiro, meus batimentos cardíacos acelerados, a boca seca de vontade de beijá-la novamente. — Em que você está pensando? A pergunta sai no mesmo momento em que faço uma prece mental para que ela diga que quer ir para outro lugar, onde possamos ficar a sós e liberar o desejo que está nos consumindo. — Em você em mim. Puta que pariu! Volto a ligar o carro, e ela arregala os olhos. — O que você está fazendo?
— Indo embora — respondo o óbvio, pois não tem como eu pensar em jantar depois do que ela acabou de confessar. — Vamos procurar um lugar reservado e matar essa vontade toda. Ela se arruma no banco. — Mas e o jantar? Olho para ela, que começa a rir nervosa, provavelmente percebendo que ele já foi cancelado há muito tempo. — Se você fizer questão de... — Não, vamos procurar um lugar. Nem disfarço o sorriso de satisfação e retiro o carro da vaga o mais rápido que posso, voltando para a estrada estreita em meio à mata da serra. Penso em pesquisar no GPS um motel – o primeiro que ele encontrar! –, mas, antes que eu tenha a chance, Júlia sugere: — Há um hotel pequeno e muito bonitinho no começo da subida. Nós passamos por ele quando viemos. Concordo, mesmo sem ter visto nada, e continuo a descida, notando que a chuva aumentou consideravelmente, tanto que os limpadores de para-brisa estão trabalhando na velocidade máxima. Desacelero o carro, tomando cuidado, pois a estrada de acesso ao
trutário não tem asfalto, e ainda preciso chegar à estrada principal para descer a serra e encontrar o hotel que ela sugeriu. A visibilidade piora, e começo a sentir o carro patinar em alguns trechos. Os pneus dele são mais finos, próprios para ter menos aderência e mais velocidade, o que não ajuda nada na estrada cuidada, porém sem pavimentação. — Está chovendo demais. Não acha melhor voltarmos? — Júlia me pergunta com sua voz repleta de preocupação. — Falta muito ainda para chegarmos ao asfalto, não é? — Olho rapidamente para a tela que mostra o GPS. — Sim, quase não avançamos, e estou começando a ficar com medo de acabarmos atolando. — Ela suspira. — Eu deveria ter olhado a previsão do tempo antes de ter marcado para virmos aqui. — Está tudo bem, vamos devagar, que... O carro patina levemente na estrada, saindo de lado, e nós entramos no meio do mato alto que há na margem. Consigo controlá-lo a tempo e pará-lo. — Está tudo bem? — Olho para a Júlia assustado, sabendo que poderíamos ter batido contra uma árvore ou, pior, descido a ribanceira.
Ela balança a cabeça assentindo, mas percebo que está tremendo. Puxo-a para mim, abraçando-a com força, consolando-a com palavras e com as mãos, que afagam suas costas. — Eu achei que íamos despencar... — confessa baixinho com a voz trêmula. — E agora? Suspiro, vendo todos os planos de chegarmos ao hotel para uma noite deliciosamente pecaminosa irem pelos ares. — Acho melhor aguardarmos a chuva parar e ligar para um guincho nos tirar daqui. — Confiro a tempestade lá fora. — Pelo jeito que está chovendo, se tentarmos ir, o carro vai acabar atolando ou derrapando novamente. Ela me abraça com força. — Me desculpe por esse desastre de noite! Afasto-a para poder olhá-la e sorrio. — Não é um desastre de noite. Você está aqui comigo, e era exatamente isso que eu queria: sua companhia. — Acaricio seu rosto e prendo uma mecha de seus loiros cabelos curtos atrás da orelha. — Fique calma, vai dar tudo certo. Júlia não diz nada, apenas fecha os olhos, e percebo a deixa perfeita para outro beijo. Firmo-a pela
nuca, meus dedos se enroscando nos fios de seus cabelos, e a trago até mim, devorando sua boca com sofreguidão. Ela geme e se agarra a mim, puxando-me pela camisa, praticamente se levantando do banco ao fazê-lo. O desejo me consome, e a frustração por não ter conseguido seguir até o hotel que ela indicou para passarmos a noite juntos me faz puxá-la com força e passá-la sobre o console no meio do carro, recebendo-a sobre meu colo. Júlia se encaixa perfeitamente a mim, seu vestido sobe pelas coxas e se embola em volta de seus quadris, e uso as mãos para lhe mostrar o movimento que necessito sentir, um rebolado curto, mas forte, um leve esmagar de sua bunda no meu pau. — Isso! — gemo quando ela continua sozinha, cabeça inclinada para trás, lábios entreabertos, por onde escapam sons incrivelmente sedutores que me fazem ser envolto em um clima denso de puro tesão. Nada mais importa, nem ouço mais a chuva tamborilando sobre a capota do carro, estou conectado com o momento, envolvido pelo desejo, tanto que tempo e espaço deixam de existir para apenas o sentir reinar entre nós. E eu sinto!
Consigo sentir o calor da boceta de Júlia, que se fricciona contra meu pau duro, consigo sentir a umidade dela, que exala um delicioso cheiro de mulher excitada, no cio, pronta para ser adorada até alcançar o prazer. O carro é apertado, restringe bastante meus movimentos, mas, como ela é pequena, consegue se mover sobre mim de maneira enlouquecedora. Sinto-me sendo seduzido a cada mexida de quadris que ela dá sobre meu colo. Seus joelhos apertados no banco do carro, um de cada lado do meu corpo, ajudam-na a mover-se mais amplamente. Inclino o banco o máximo que dá – o que não é muito, infelizmente – e ganho um pouco mais de liberdade para tê-la como quero. Seguro-a pelos cabelos, fazendo com que me encare, deslumbrado com o rosto afogueado e os olhos brilhantes de desejo. — Abra minha calça — rosno, desesperado para sentir minha pele contra a dela. Júlia não demora a fazer o que peço, um tanto atrapalhada por causa da fivela do cinto, mas, assim que abre o botão e o zíper, ergo meus quadris, levantando-a, e ela entende que quero me livrar do tecido grosso do jeans. Ela puxa a calça para baixo, e a peça fica enrolada nos meus joelhos. Contudo, nem me preocupo com isso,
pois o olhar apreciativo de Júlia me prende totalmente a atenção. — Me toca! — exijo, meu pau contorcendo-se sob o tecido da cueca azul-marinho. Mesmo quando sinto os dedos curiosos de Júlia sobre mim, ainda que sobre a peça íntima, não deixo de olhá-la. A mulher é um livro aberto, não esconde nada do que está sentindo, e isso é muito foda e me enche de tesão ainda mais. O leve roçar se transforma em uma exploração mais pesada, a mão dela percorre meu membro de cima a baixo, apertando-o, excitando-o a ponto de me fazer ranger os dentes. — Eu trouxe camisinhas — Júlia balbucia quando volta a mexer seus quadris contra os meus. Gemo e a puxo para mais um beijo, mas acabo capturando seu lábio inferior entre meus dentes, mordendo-o de leve e chupando-o com vontade. Eu adoraria chupar a boceta dela antes de penetrá-la, fazer Júlia gozar na minha língua e sentir o sabor do seu prazer, mas não sou um homem que fica lamentando planos não concretizados à risca, longe disso! Só cheguei aonde cheguei nos meus negócios porque sei improvisar e aproveito cada oportunidade. E essa eu nunca desperdiçaria!
Faço uma promessa mental de, quando sairmos daqui, dedicar-me a conhecer a intimidade dela, lambê-la devagar centímetro por centímetro, massageá-la, descobrir como gosta do meu toque, mandar que se masturbe para mim e observá-la dando-se prazer como um aluno atento e aplicado. Olho para os lados do carro através das janelas e não vejo nada. A estrada vicinal não tem iluminação, a chuva não para de cair, e estamos totalmente a sós neste lugar esquecido. Pego a barra do seu vestido e a puxo para cima, retirando a peça sobre a cabeça de Júlia, deixando-a apenas com sua lingerie – cuja cor, embora eu não consiga discernir direito, sei que é sexy. Ela, talvez incentivada pelo que eu fiz, começa a desabotoar minha camisa e, quando termina, espalma as mãos sobre meu peito, deslizando-as sobre meus músculos do peitoral e do abdômen. Júlia ri. — Eu sabia! — Encara-me com expressão safada. — Eu poderia apostar que, debaixo de suas roupas chiques, havia uma montanha de músculos. Sorrio envaidecido, pois acordo de madrugada todos os dias para treinar.
— Gosta do que sente? — Ela confirma, então pego sua mão e a coloco dentro da minha cueca. — E agora? Júlia puxa meu pau para fora da peça e atrai meu olhar para ele quando começa a me masturbar devagar, firme e gostoso. Sua mão, de pele clara, contra meu sexo, mais escuro, cria um contraste que nem mesmo a pouca iluminação do carro consegue disfarçar. — Ele não é como imaginei — confessa, e ergo a sobrancelha. — É uma surpresa... — Eu ter o pau mais escuro que o resto do meu corpo? — Rio. Júlia assente. — Acontece, ascendente.
provavelmente
vem
de
algum
— É poderoso. — Ela me aperta mais. — Potente... — Gargalho, e ela me encara. — Sério! Eu mal fecho a mão! — Você é pequena — justifico, mesmo ciente de que tenho um pau acima da média. Realmente nunca achei isso relevante! Importo-me mais com o que posso fazer com ele do que com o seu tamanho. — Eu gostaria de ver você... Ela suspira.
— Não sou surpreendente. — Sorri e me encara. — Você imagina como eu seja? Meu corpo estremece só em pensar na sua boceta. — Deliciosa! — Volto a beijar sua boca, fazendo movimentos com a língua que eu gostaria de fazer dentro dela. — Não importa como é sua boceta, quero colocar minha boca, língua, dedos e pau nela. — É? — geme a pergunta. — É! Faz parte de você, e eu te quero pra caralho! — Eu também te quero! Toco-a por cima da calcinha e sinto a umidade no tecido. — Está molhada, Júlia! — sussurro. — Pronta para mim. — Estou! — Ela delira enquanto rebola nos meus dedos. — Eu adoraria sentir o gosto da sua boceta. Chego a salivar só em imaginar sua excitação escorrendo pela minha boca. — Afasto a calcinha para o lado e finalmente a toco, encontrando lábios cheios, salientes e totalmente encharcados de tesão. Não me seguro mais e afundo dois dedos em sua cavidade, a lascívia tomando conta de cada pedaço de
mim, nublando meus pensamentos, acelerando meus batimentos cardíacos e bombeando ainda mais sangue para meu pau, a ponto de fazê-lo pulsar. Júlia, talvez percebendo o estado em que me encontro, segura-o novamente com força, masturbando-me da mesma forma com que faço com ela. Meu polegar explora a parte externa de seu sexo, à procura do ponto de tensão que sei que a fará explodir em êxtase, e, quando o encontro, pressiono-o firme, movimentando-o com ritmo constante, e ela geme mais alto ainda. Os vidros do carro já estão todos embaçados, mesmo com o ar-condicionado ligado. Sinto minha pele levemente pegajosa, suada, e o calor parece me colocar em estado de ebulição. Tudo é potencialmente elevado em se tratando de Júlia, desde nosso primeiro toque. A química é tão intensa, o tesão é descomunal, só falta descobrirmos se nosso encaixe será perfeito e coroar a noite com a satisfação que nossos corpos clamam desde o princípio. Ela se reclina totalmente, encostando-se no volante e aperta meu pau com tanta força que sei que está prestes a gozar. Assisto-lhe atento, lamentando não ter acendido as luzes internas para poder ser testemunha deste momento glorioso.
Meus dedos são apertados, mordidos várias vezes pelos músculos vaginais dela e depois deliciosamente sugados antes de se encontrarem submersos em líquidos quentes e escorregadios. Júlia goza entregue ao próprio prazer, rendida à paixão que sente, e eu me sinto privilegiado por fazer parte da maravilha que é compartilhar seu orgasmo. Só retiro meus dedos de dentro dela quando a noto arfante, mas relaxada, e os coloco na boca, degustando os vestígios de seu prazer. Quase gozo, impulsionado pelos aromas que tomam conta do carro e incentivado pelo gosto de mulher satisfeita em minha língua. Beijo-a longamente, e ela volta a rebolar sobre mim, tocando meu pau sem nenhuma pena do estado petrificado no qual ele se encontra, louco para explodir e esporrar como louco. — Camisinha... — imploro. Júlia se enverga toda para alcançar o banco do carona e pegar sua bolsa, de onde tira um pacote. Ela não demora muito a pegar uma, abrir o invólucro e posicioná-la sobre a cabeça do meu pau, mas para mim parece ser um inferno de demorado. — Rápido! — ordeno entredentes, e seguro seus quadris para que, assim que ela termine de me envolver
todo, eu possa penetrá-la fundo. — Pronto, eu só queria ter certeza de que... Ela para de falar quando a coloco sobre mim e busco a entrada molhada, que me recebe sem resistência. Afundo-me rapidamente em seu corpo, sendo envolvido por seu calor imediatamente. — Porra! — Fecho os olhos ao sentir meu pau apertado, pressionado contra as paredes firmes da boceta de Júlia. — Rebola como fez antes! Ela está trêmula, percebo, e abro os olhos, temendo tê-la machucado. Entretanto, o seu rosto demonstra o prazer que está sentindo, e relaxo, instigando-a a se mexer sobre meu pau, cravando os dedos sobre seus quadris e movimentando-os. — Isso — Júlia geme — é delicioso! Concordo com um suspiro, mas travo os dentes para controlar o tesão e não gozar antes dela. Preciso da sensação que meus dedos tiveram de novo. Quero que ela engula meu pau e o ordenhe desenfreadamente, que se derrame sobre mim, encharcando minha virilha e minhas bolas. Continuo a movê-la e sinto sua boceta se esfregar nos pelos baixos que aparei antes de vir para cá,
entendendo por que a vejo arrepiar-se. A fricção está estimulando seu clitóris, e novamente ela está por um fio, prestes a gozar. Eu gostaria de ter mais mobilidade para poder socar dentro dela, meter e arremeter com força, com velocidade, e fazer este carro balançar todo. Infelizmente, se eu fizer isso, é capaz de machucá-la, batendo-a contra a capota. Vocês terão oportunidade! Minha consciência me acalma. Júlia se inclina sobre mim para um beijo cheio de tesão, molhado e safado, então goza com a boca na minha, fazendo-me absorver seus gritos, enquanto me empapa e aperta meu pau como se o pegasse na mão. Entrego-me a ela, com ela, à sensação única de um encaixe perfeito, e libero toda a tensão, que se explode liquefeita pela ponta do meu pau, enchendo a camisinha dentro dela. Caralho!
8 Júlia O cheiro do café se espalha por todo o chalé, como sempre acontece quando coo a deliciosa bebida com coador de pano, no bule antigo da minha avó. Suspiro e evito um bocejo pela terceira vez, tomando conta do relógio da cozinha para não perder a hora para o trabalho. O final de semana finalmente chegou, época em que mais trabalho, e estou me sentindo um caco! Também pudera, passei a noite inteira dentro de um carro, com um homem que, mal acabava de gozar, já estava duro de novo! Rio de mim mesma ao pensar que, se fosse julgar pelo espaço interno daquele veículo, ninguém adivinharia quanto sexo nós fizemos nele! — Deus do Céu! — Suspiro quando bocejo novamente, meu corpo implorando por descanso, mas
minha mente responsável forçando-me a ficar acordada e a ir trabalhar. Lucinda não aguenta sozinha o movimento do final de semana, e meu irmão gosta de fazer as trufas sempre às sextas-feiras, porque elas geralmente esgotam no final de semana, e os clientes amam senti-las frescas e saborosas, recheadas com geleias e cremes feitos com frutas, nozes e especiarias de verdade, não com essência, como fazem outras chocolatarias. Não costumo sair em dia de semana, no máximo Glauce e eu tomamos um vinho e comemos uma pizza, porque sabemos que precisamos estar inteiras para o final de semana, mas quem poderia adivinhar que uma simples ida até um restaurante na serra iria me render uma noite inteira sendo esmagada e bem comida dentro de uma BMW? Meu sorriso bobo volta, algo que tem acontecido desde que fomos resgatados por um guincho que a seguradora de Murilo acionou ainda nas primeiras horas da manhã. Fiquei sem jeito por ter de sair do carro no estado lastimável em que me encontrava, toda amarrotada, despenteada e cheirando a sexo, mas me senti aliviada quando Murilo informou que iríamos no carro reserva que
estavam trazendo e que o motorista iria com o do guincho até uma oficina, onde todo o barro que se acumulou nas rodas e nos motores – sim, aquele carro tem dois! Um elétrico na frente e um a gasolina atrás – seria retirado. Por sorte, o carro esportivo ainda estava sendo içado na prancha do guincho quando o reserva chegou, e pudemos sair daquela estrada enlameada e voltar para Penedo. — O carro vai ficar um tempo em Resende para limpeza, e, enquanto isso, vou usar este aqui. — Murilo piscou para mim. — Muito mais espaçoso, não acha? Gargalhei, vermelha, mas concordei. — Para quem disse que nunca havia feito sexo dentro de um carro, você parece querer repetir a experiência. — Claro que quero! — admitiu. — Não só no carro, mas, quem sabe, em alguma cachoeira, em alguma trilha deserta do Parque das Agulhas Negras... Comecei a rir e o chamei de louco. — Está querendo ser preso por ato obsceno! — repreendi-o, mas confesso que estava excitada com a ideia. — Pretende turistar muito por aqui ainda? — Fiz a pergunta em tom descontraído, porém senti um aperto no
peito que não deveria sentir, afinal, eu sempre soube que ele estava em Penedo provisoriamente, resolvendo alguma questão do seu trabalho, já que colocou na reserva que vinha a “negócios”. Murilo não respondeu de imediato, prestando a atenção na estrada, ainda que o Land Rover seguisse muito bem pelo terreno irregular e escorregadio. — Ainda não consegui resolver o que vim fazer e, como não tiro férias há algum tempo, decidi aproveitar mais a estada — olhou-me esfomeado — e a companhia por mais alguns dias. Meu coração acelerou. — Vai estender a reserva? Ele deu de ombros. — Vou tentar, embora ache que a pousada já deve estar com as reservas fechadas. — Fiz careta, pois Glauce comentou algo assim comigo. — Você disse que ela é da sua família, mas não disse qual o seu parentesco com o dono. Suspirei. — É meu tio. Aquela mulher que foi falar comigo assim que a degustação acabou é minha prima.
— O chef — ele entrou na estrada de asfalto —, o que faz as receitas da sua avó, é seu irmão. — Isso! Além dele, há também um primo, Renato. Murilo me olhou rapidamente. — E seus pais? Chegou ao assunto!, pensei, odiando que ele me olhasse com pena ou que pensasse que eu estava desprotegida por não tê-los comigo. — Falecidos vagamente.
há
algum
tempo
—
respondi
A mão dele tocou a minha por cima da minha perna. — Eu sinto muito! — Obrigada. — Apertei a mão dele. — Eu era criança ainda, e minha avó foi incrível nos criando. Ele sorriu e assentiu. — Tenho certeza de que foi. Você é incrível, Júlia! Conversamos, durante o percurso até Penedo, sobre nossas famílias – finalmente ele me contou que a sua mãe era a escritora famosa –, e descobri que o irmão dele mais velho, Maurício, morreu ainda na adolescência. — Meu irmão amava o Natal, e, desde que ele morreu, não comemoramos mais a data.
Isso cortou meu coração, porque sei que a perda de um ente querido tira o brilho e o prazer de comemorar uma data tão fraterna como o Natal, porém, para mim, mesmo sem meus pais, sempre foi a época em que mais me senti tocada, por ser um evento tão familiar, tão cheio de tradições e significados. Talvez eu tenha tido sorte em ter minha avó, meu irmão, tio e primos por perto e por isso tenha conseguido reestabelecer a magia das festas de final de ano mesmo com a falta de meus pais. Como não sei como é a estrutura familiar de Murilo, não posso julgá-lo, embora lamente profundamente. Chegamos a Penedo bem cedo, e indiquei o endereço do meu chalé para ele, pois fez questão de me deixar na porta de casa. — É ao lado da pousada! — Murilo riu. — Ontem me perguntei se você iria me convidar a conhecer sua casa, já que mora sozinha. Agora a ideia de um motel de beira de estrada faz mais sentido. Fiquei vermelha. — Você deve me achar boba com essa história de não querer que ninguém nos veja... — Não. — Ele me interrompeu, acariciando meu rosto. — Não acho que você seja boba. Cada um tem sua
maneira de gerir sua própria vida. Eu também sou discreto – a despeito do carro — rimos juntos do comentário — e não me acho no direito de dizer a você como agir em sua própria cidade. — Obrigada — agradeci sorridente. Murilo sorriu de um jeito estranho. — Mas isso não quer dizer que eu não deseje passar mais dias contigo. Quero conhecer melhor o lugar, ir às cachoeiras, ao Parque e te quero comigo. Meu coração disparou, e eu assenti. — Também quero ir com você. Não sei o que meu deu, mas o agarrei pelos ombros e o beijei cheia de carinho, meu corpo inteiro regozijandose por saber que teríamos mais momentos juntos. Não pensei na vizinhança – meus tios, por exemplo – nem em qualquer outra coisa que não a felicidade que senti por saber que teríamos mais tempo para nos conhecermos e usufruirmos do prazer que sentíamos um com o outro. E é ainda nesse clima que estou, despois de ter tomado banho e decidido pôr café para fazer antes de ir até a loja começar mais um final de semana agitado de trabalho. Racionalmente estou ressabiada pela forma como tenho me sentido em relação ao Murilo e fico me
lembrando – quando a mente viaja demais – que não devo me apegar, que é só sexo casual, embora seja incrível. Só que, quando estou distraída, lembrando-me de como me sinto na sua companhia, como meu corpo vibra de encontro ao dele, pego-me imaginando como seria uma relação mais duradoura e questionando a natureza do que ele me faz sentir. — Júlia, Júlia, você já é uma mulher madura. Não se apaixone como se não tivesse experiência em desilusões! — advirto a mim mesma, servindo-me do café e tentando parar de pensar em Murilo para começar mais um dia de trabalho e cumprir a meta de final de ano, que é salvar a loja, fazê-la voltar a ter lucro como no meu tempo de criança. Foi isso que pedi com fé como presente de Natal! Embora, na minha carta, haja também outro pedido! *** — E aí, como foi? Pulo de trás do balcão com a mão no peito e balanço a cabeça ao ver que a responsável pelo meu susto foi Glauce, que chegou sorrateiramente à loja. — Diferente do que planejei — confesso olhando para os lados a fim de conferir que Digo não está por perto.
— Acabamos pegando muita chuva e não conseguimos jantar no restaurante. Ela faz careta. — Não sei por que simplesmente não o convidou a ir até sua casa! — Minha prima cruza os braços e respira fundo. — Preciso ver umas coisas com você sobre o baile, mas hoje é dia de fazer a tradicional decoração natalina na pousada com os hóspedes. — Bufa impaciente, e eu rio, pois sei que ela detesta o gosto duvidoso de alguns. — Vai participar? Imediatamente penso no Murilo, mas logo descarto a ideia, porque ele não iria querer se envolver em um evento tão maçante desses, ainda mais depois do que me disse sobre haver anos que não comemora a data. — Vou, como sempre! — Ajeito os pirulitos de marzipan em forma de bengalas. — Sua mãe deu ao Digo a tarefa de oferecer um curso rápido de decoração de biscoitos de gengibre. — Sim! — Glauce sorri. — Temos muitas crianças esse ano, aí tivemos a ideia de fazer o “curso” nos dois domingos que faltam até o Natal. Elas vão se amarrar. Faço as contas.
— Já começa depois de amanhã, então? — Ela concorda. — Vai ficar de recreadora? — E você também! — Aponta o dedo em minha direção. — Não dou conta sozinha. — A loja funciona o final de semana todo! Como você supõe que conseguirei estar em dois lugares ao mesmo tempo? Glauce sorri, e seu sorriso me faz ter certeza de que tem um plano. — A Vanessa vai vir para cá ajudar a Lucinda. Ela não se dá muito bem com crianças e prefere ficar na loja e lidar com turistas. Concordo, pois ela já nos ajudou outras vezes. Fico empolgada com a possibilidade de voltar a fazer casinhas com biscoito, glacê, confeitos e muitos doces. O saudosismo da infância me faz suspirar ao lembrar-me vagamente de como os biscoitos que minha mãe fazia eram especiais. — Vou tentar uma receita da mamãe — conto. — É uma massa simples, com poucos ingredientes, mas acho que as crianças vão se divertir fazendo-a. Minha prima me abraça apertado.
— Por isso eu amo quando você trabalha comigo! Sempre tem ideias! — Pisca. — Se precisar de ajuda para fugir com seu presente de Natal, me avise, sou ótima para encobertar pessoas. Gargalho, pois sei bem que ela é e que nossos irmãos sempre pediram sua ajuda quando queriam sair com alguma moça na adolescência. — É um dom natural... — comento sarcástica, e ela finge beijar seu próprio ombro. — Sou multitalentos, fazer o quê? Glauce se despede, e volto a me concentrar na tarefa de arrumar a bancada de doces, quando escuto o sininho da porta balançar. — Achei que estivesse fechada — Murilo fala, e novamente tomo um susto desproporcional, engasgandome com o salmiakki que acabei de surrupiar da bancada. — Porra, quer ajuda? Ele parece assustado quando não paro de tossir, mas nego. — A bala desceu direto — explico. — Aquela bala? — Confirmo, e ele faz careta. — Fiquei com mais dó de você agora. — Aproxima-se de
mim, dando a volta na bancada. — Posso dar algo para você beber ou chupar? Rio e nego, sabendo bem que ele está me provocando de novo. — Já estou melhor. Sinto sua mão deslizar pela minha cintura por cima da roupa e do avental. — Estraga-prazer! — sussurra. Afasto-me dele, ciente das câmeras e de que Lucinda e Digo podem estar de olho nas imagens. — Veio atrás de um doce pós-almoço? Murilo nega. — Vim ver se você consegue uma folga mais tarde para fazermos algo. Fico animada e não consigo disfarçar o sorriso de alegria... até lembrar-me do compromisso com a decoração da pousada. — Hoje tem a decoração de Natal com os hóspedes — lamento. — Hum... precisa mesmo participar? — Sim, faço isso todos os anos, é tradicional, e meus tios contam com minha ajuda.
Ele assente. — Nos vemos lá, então! Arregalo os olhos. — Vai participar? Murilo ri. — Não ia, mas, se você precisa estar lá e quero estar contigo, não há outro lugar em que eu prefira ficar. Sua resposta me desmonta, e mais uma vez tenho que lembrar a mim mesma para não envolver o coração. Para de olhar para ele como se fosse o homem mais perfeito sobre a Terra!, ordeno-me, mas em seguida suspiro. Porcaria, mas ele parece mesmo ser perfeito! Meu sorriso fica ainda maior, e não recuo quando ele volta a se aproximar, olhando-me de um jeito que me faz pensar em sacanagem, pura e simples, como a que fizemos no carro. — Jules? Ah, não!, penso assim que dou outro pulo de susto, ao ouvir a voz do meu irmão. Murilo e ele se encaram, e Digo estende a mão para se apresentar. — Rodrigo Virtanen.
— Murilo Pontes. Os dois se cumprimentam. — Tenho o visto sempre por aqui. Gostou mesmo dos nossos doces — Digo declara, e sinto meu rosto queimar. — São os melhores que já provei. — A voz sincera de Murilo o desconcerta. — Você faz um trabalho excelente aqui. Meu irmão só balança os ombros. — É o meu trabalho. Aprendi a cozinhar ainda muito novo com meus pais e depois com minha avó. — Ele me olha rapidamente antes de acrescentar: — As receitas são dela. Rodrigo parece não saber receber elogios, há muito venho percebendo isso em seu comportamento. Não é simples modéstia, vai além disso! — Digo incrementa todas as receitas, faz mudanças sutis e ousadas, revisita ingredientes, e é isso que deixa tudo tão único e especial — afirmo com orgulho, mas isso o deixa ainda mais estranho. Murilo permanece sério, como se analisasse meu irmão tanto quanto eu, como se também percebesse algo
incomum em sua postura, ainda que não o conheça bem para julgar. — De qualquer forma, parabéns pelo excelente trabalho. Já experimentei muitas sobremesas feitas por grandes chefs pâtissier e encontro o mesmo nível nas suas. Dessa vez sou eu quem se surpreende com o que Murilo fala, pois noto que não está puxando o saco do meu irmão, parece estar realmente falando sério. — Bom, foi um prazer revê-lo. Espero que recomende nossa loja quando voltar para sua cidade. — Digo me olha novamente, e sinto que isso foi um lembrete de que Murilo é um turista. — Jules, quando você terminar de atender o cliente, dê uma chegadinha na cozinha. Meu irmão se despede, e ouço a risada baixa de Murilo. — Ele realmente veio aqui para me conhecer, não foi? Assinto, mas não rio. — Não precisava ter tecido tantos elogios, ele deve ter ficado desconfiado e... — Não! — Murilo me interrompe. — Não elogiei o trabalho do seu irmão por causa do que nós estamos
tendo. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Eu realmente quis dizer a ele o que avaliei ante o que experimentei aqui e na degustação. Sorrio. — Fico feliz! — Suspiro. — Pena que a maioria dos turistas preferem comer chocolates e doces industrializados das franquias. Ele franze a testa. — A loja vai mal? Não sei o que responder, pois nunca converso esse tipo de assunto com alguém de fora da família, porém acabo confirmando. — O movimento caiu muito nos últimos anos, e, embora recebamos mil elogios sobre a qualidade dos nossos produtos, não conseguimos manter preço competitivo com algumas franquias que abriram por aqui. — Tento sorrir para não demonstrar o tamanho da minha preocupação. — Mas acredito que as coisas vão melhorar, a Casa Virtanen existe há mais de meio século e tem tradição e nome aqui em Penedo. Ele assente, mas muda de assunto, pelo que lhe agradeço.
— Nos vemos mais tarde na decoração? — Concordo. — E depois podemos fazer alguma outra coisa... Gargalho. — Podemos! Murilo abre o sorriso sexy que me ganhou desde o primeiro dia em que o vi. — Contava com isso! Inesperadamente, ele se aproxima e deposita um beijo molhado, mas rápido em minha boca antes de sair da loja e me deixar paralisada no lugar. Olho para a câmera, apontada bem para minha cara, e imagino como devo parecer para quem, porventura, está tomando conta do monitor: pega em flagrante! Culpada! *** — Eu não me lembrava do trabalho que dava desembolar essa coisa! — Murilo murmura, e contenho a risada, sentindo pena dele por ter de desembolar metros e metros do pisca-pisca mais antigo que temos. — Você bem que poderia me ajudar, hein, Júlia? Nego, rindo, enquanto coloco ganchos nos enfeites que irão ser pendurados no enorme pinheiro que colocaram no saguão.
— É a única parte que eu não gosto da decoração natalina, e finalmente não estou fazendo este ano! — Mando-lhe um beijinho. — Você é um herói, deixou meu Natal perfeito! Murilo aperta os olhos. — Acha que vai me convencer com esse discurso? — Inclina-se sobre a bola de luzinhas e fala baixinho: — Vou lembrar que salvei seu Natal e cobrar proporcionalmente por isso mais tarde. Meu corpo se arrepia e meu ventre se contrai apenas com uma vaga ideia do que ele me cobrará quando o evento terminar, mesmo que não consiga cumprir a difícil – leia-se “impossível”! – tarefa que lhe dei. — Vamos agora fazer a última etapa da decoração! — tio Matias anuncia, chamando a atenção de todo mundo. — Quero a ajuda de todos para enfeitar a peça que não pode faltar no Natal: a árvore! Os hóspedes, a maioria compostos por família com idosos e crianças, vibram com a ideia de deixar sua marca no Natal da pousada neste ano e começam a se aglomerar em volta do pinheiro cheiroso e verdinho plantado em um grande vaso. — Ah, você desembolou o pisca-pisca da Eni! — tia Vitória fala animada e pega as luzes das mãos de Murilo.
— Há anos não usamos esse, porque todos têm preguiça de desembolar. — Ri, alheia ao olhar acusador que recebo de seu hóspede. — Vamos usá-lo agora que alguém teve paciência de desatar todos os nós. Muito obrigada! Glauce surge com o pisca-pisca novo, decentemente enrolado em uma espécie de carretel que o impede de se embolar e para em seco ao ver o antigo. — Ressuscitaram as lampadinhas da mummo! — diz animada e me olha agradecida. Nego e aponto Murilo, dando crédito a quem fez o árduo trabalho. Claro que, quando entreguei a bola de fios para ele, não esperava que conseguisse resolver o emaranhado, fiz isso apenas para minha diversão, trolando-o com o pesadelo de todos os membros da minha família, o pisca-pisca embolado da vovó. Mas, claro, ele conseguiu! — Vocês não o usavam mais? — Ele se levanta e anda na minha direção. — Não! — Rio. — Temos um novo, pois desistimos de tentar arrumar aquele. Murilo fica sério, e o jeito que olha para minha boca me faz estremecer.
— Você é uma menina má, Jules! — Usa meu apelido de uma forma tão sexy que eu suspiro. — E merece um castigo depois dessa maldade! Minha respiração fica mais pesada. — É? Que tipo de castigo? Ele olha na direção do pinheiro e, sem que eu possa prever, me puxa para fora do saguão, arrastando-me para o pátio, até me pressionar contra o tronco de uma das árvores do paisagismo, longe dos olhares dos participantes do evento de decoração. Espero que diga alguma coisa, mas sua boca cai sobre a minha com força, fazendo com que eu abra meus lábios para receber sua língua exigente. Contorço-me contra seu corpo e sinto sua excitação contra minha barriga. Tento segurá-lo, agarrar-me a ele, mas Murilo não tem intenção nenhuma de me dar liberdade e prende minhas mãos com as suas no tronco da árvore. Ele se movimenta lentamente, de baixo para cima, esfregando seu corpo contra o meu, deixando-me sentir sua ereção enquanto me beija sem parar. Mal consigo respirar, sinto meu corpo ferver, minha calcinha molhar e meu sexo latejar desejando o prazer que o beijo está me prometendo.
Escuto sons deliciosos que escapam de nossas bocas, o delírio contido do tesão que Murilo sente por mim, o desenfreado desejo de me foder novamente tão flagrantemente revelado não só pela dureza de seu pau, mas pelo sabor de seu beijo. Movo-me com ele e, sem pensar em mais nada além do prazer, enrosco uma perna em seu quadril, e Murilo segura na minha bunda, soltando uma das minhas mãos. Aproveito para agarrá-lo, segurando-o pelos cabelos, intensificando ainda mais as coisas entre nós. Esqueço tudo, principalmente o local onde estou, e só reajo à potente paixão que sinto por ele. Desejo-o desesperadamente, ardo por ele de uma maneira que nunca aconteceu com outro homem. — Porra! — ele xinga contra meus lábios. — A ideia era castigar você, mas caí na minha própria armadilha. — Abre os olhos, tão escuros no cair da noite, e me encara. — Eu preciso de você agora! Assinto, incapaz de pensar em outra coisa também e tomo uma decisão rápida. — Vamos para o meu chalé!
9 Júlia Caminho com Murilo de mãos dadas, passos apressados e muitas risadas até onde fica o pequeno, mas charmoso chalé de madeira em que moro desde os seis anos de idade. Eu ainda não tinha analisado a fundo a possibilidade de dormir com ele por lá, mas a ideia já havia passado pela minha cabeça algumas vezes. Uma ideia de supetão era o que eu necessitava! Sorrio, consciente de que só protelei o momento e de que o desejo na minha cama desde que o clima entre nós começou a esquentar. Murilo me puxa e me imprensa novamente contra algo, dessa vez a parede do corredor entre a pousada e a parte de trás da loja de doces, onde fica a cozinha, então toma minha boca com vontade, chupando minha língua de um jeito tão indecente que me faz imaginá-lo chupando outra coisa assim.
A sensação que tenho é de que estamos por um fio e de que, se não der tempo de chegarmos à intimidade do chalé, acabaremos trepando encostados em alguma coisa no meio do caminho. Nunca passei por algo assim, tamanho afobamento, essa vontade desenfreada que nubla qualquer pensamento lógico. Eu me sinto apenas carne em brasa, pulsando de desejo, buscando liberação. Voltamos a andar – se é que pode se chamar a marcha que empreendemos de andar –, e rio quando o vejo ajustar seu pau, que, pelo volume na frente da bermuda, está a ponto de romper o tecido do vestuário. Murilo percebe que estou rindo dele e do motivo que o está fazendo sofrer e desfere um tapa na minha bunda. — Vamos atravessar a cidade para chegar ao seu chalé? — pergunta em desespero. — Estamos indo por um atalho — explico, mas a cara de assustado dele me faz rir. — Juro! — Porra! — Respira fundo. — Maldita lei da relatividade! Gargalho e aponto para a belíssima construção que chamo de lar. — Chegamos! — anuncio antes de levantar o capacho – com tema natalino – e pegar a chave reserva
debaixo de uma pedra solta do calçamento. — Minha bolsa ficou na pousada, mas sempre tenho uma reserva! — Mulher precavida! — sussurra no meu ouvido, abraçando-me pelas costas. — Você me enche de tesão! Abro a porta com ele agarrado a mim e, quando entramos, giro em seus braços e o enlaço pelo pescoço. — E você, a mim! A resposta de Murilo ao que digo é exatamente a que eu tinha em mente: um beijo molhado e safado, mãos espalmadas na minha bunda e seu corpo tão grudado no meu que penso que sua ereção poderia ficar gravada em meu corpo. Aproveito o fato de me sentir segura em casa e com as mãos dele em mim e tomo um pequeno impulso para cima, subindo em seu colo e o abraçando com minhas pernas. Gemo e inclino a cabeça para trás quando ele espreme meu sexo contra o seu, relembrando meu corpo da delícia que é ter esse homem dentro de mim. — Isso! Instigo-o a continuar a espalhar beijos pelo meu pescoço e me sinto balançar quando Murilo começa a andar. — Me diz onde!
— Onde você quiser... — Ronrono feito uma gata enlouquecida de prazer. Não andamos muito mais, e sou depositada sobre uma superfície macia e alta: o encosto do sofá. Murilo se inclina sobre meu corpo, usando sua boca de lábios cheios e molhados para beijar minha pele. Lamento não estar de vestido, pois assim poderíamos nos render ao tesão de uma vez, porque não me importo em ir logo para a ação, desde que ele me faça sentir a mesma coisa que fez dentro daquele carro apertado. Minha blusa é desabotoada enquanto ele beija e lambe cada centímetro de pele que vai aparecendo por baixo do tecido fino, até abrir totalmente a peça. Abro os olhos, achando que Murilo irá parar para me olhar – mesmo com a parca iluminação fornecida por um abajur e as luzes da árvore de Natal –, mas continua a beijar-me lenta e detalhadamente, cobrindo cada pedaço exposto com seus lábios e língua, até brincar no cós da calça. Suspiro quando ele abre o botão e depois o zíper, gemo quando sinto sua boca sobre minha calcinha, puxando-a para cima com seus dentes pelo pequeno lacinho que a enfeita. A calça é puxada, ergo os quadris para facilitar sua retirada e finalmente me encontro apenas
de lingerie, blusa aberta e caída na lateral do meu corpo, enquanto ele está todo vestido. — Eu quero te ver toda hoje! — Murilo fala baixo, sua voz grave e sexy fazendo-me arrepiar. — Atrás de você tem... Nem termino de falar, e as luzes das arandelas na parede se acendem, clareando todo o ambiente. Sento-me e tiro a blusa, expondo meu corpo à apreciação dos seus olhos castanhos. — Perfeita! — elogia. — Você é perfeita para mim, Júlia. Sorrio envaidecida. — Eu também quero te ver. Murilo não espera um novo pedido e começa a se despir. Tira a camisa por sobre a cabeça, jogando-a longe, depois abre a bermuda, mas, antes de deixá-la cair aos seus pés, retira – sem a ajuda das mãos – os tênis. — Vou ficar com uma peça a menos. — Franzo a testa, sem entender do que fala. E ele aponta para meu sutiã. — Eu só estou usando a parte de baixo agora. Retenho o fôlego ao vê-lo de cueca branca, um contraste perfeito com sua pele bronzeada, seus músculos
deliciosamente esculpidos e os pelos tão aparados que quase não posso vê-los, mas que consegui sentir ontem. Devoro-o com o olhar, incapaz de acreditar que é real, que existe um homem tão completamente masculino e proporcional em todos os sentidos. E ele está comigo! Suspiro deliciada, sentindo-me esfomeada, cheia de tesão, louca para tocá-lo. — Júlia — Murilo me chama, e paro de divagar sobre seu corpo. — Tira o sutiã. Assinto e abro o fecho nas costas, mas, antes de retirar a peça, tento sensualizar, provocando-o com “tironão-tiro”, e isso rende um rosnado impaciente e três passos decididos em minha direção. Murilo agarra meu queixo, levanta minha cabeça e devora minha boca, fazendo-me esquecer a provocação, o tempo e o espaço. Sinto a mão dele segurar meu seio, apertá-lo, apalpá-lo, e me dou conta de que o sutiã finalmente foi parar no chão. Não fico passiva, desejo esse homem e quero que ele saiba que é correspondido na mesma medida, então pego seu pau por sobre a cueca e o aperto, arrancando um gemido abafado de Murilo dentro da minha boca. — Você me deixa louco! — Beija meus olhos, a ponta do nariz e morde meu queixo. — Eu quero te comer
toda, Júlia, cada parte de você! — Estou ansiando por isso! Tiro o membro dele de dentro da peça íntima e o sinto quente, duro, tendo deliciosos espasmos na palma da minha mão. Masturbo-o devagar, apenas um leve deslizar dos meus dedos por sua extensão. — Seu pau é uma delícia! Murilo suspira. — É todo seu! Sorrio e, involuntariamente, salivo e passo a língua molhada pelos meus lábios, captando cada detalhe da anatomia abençoada de Murilo. Não bastava o porte elegante, o mais de 1,80m de altura e os músculos trabalhados harmonicamente – porque, veja bem, ele não é daquele tipo bombado só em cima, tem coxas lindas e, tenho certeza, uma bunda durinha –, o homem ainda foi agraciado com um belo pau! Não sei qual o tamanho, não é pequeno nem médio, é grande, mas o que impressiona mesmo é o calibre do negócio! Ele é bem grosso, com veias saltadas, a pele mais escura que a do resto de seu corpo, uma cabeça arredondada, avermelhada e totalmente de fora, sem aquela pele que fica igual a um capuz escondendo-a.
É um pau digno de ator pornô!, chego à conclusão, pois tenho vasta experiência nos boys gostosos dos filmes, principalmente o meu adorado Manuel Ferrara (as safadinhas reconhecem o nome, não?). — Júlia... — ele geme. — Você está me torturando com essa masturbação tântrica! Rio e o seguro com mais força. — Gosta assim? — pergunto, toda trabalhada na safadeza. Ele nega. — Gostaria mais se fosse sua boca chupando-o com força. Uau! Não espero mais e deslizo do sofá para o chão, fazendo exatamente o que ele quer. Murilo estremece ao penetrar minha boca, e eu o chupo constantemente enquanto entra. Sinto-o bater na entrada da minha garganta. Ele rebola, e eu salivo mais, deixando seu pau ainda mais molhado. — Porra, Júlia! — geme e segura meus cabelos. — Chupa esse caralho bem forte! Movimento minha cabeça e sugo o máximo que consigo, enquanto seguro suas bolas. Murilo emite
gemidos que me fazem enlouquecer, e sinto minha calcinha ficando cada vez mais empapada. Eu nunca senti tanto tesão fazendo um boquete, geralmente era algo que fazia para o prazer alheio, mas aqui, com ele, consigo compartilhar do seu prazer e senti-lo em mim. Tiro seu pau da minha boca e passo a língua nele todo, rodeando-o, percorrendo-o de cima a baixo. Murilo puxa mais meus cabelos, e eu o olho. Sua expressão é feroz, o maxilar travado, os olhos fixos em mim. Ele toma seu membro da minha mão e o esfrega com força no meu rosto. Sua pele vibra, o clima fica ainda mais safado. — Abre a boca! — ordena, e eu lhe obedeço. Ele contorna meus lábios com a cabeça de seu pau, sem entrar na minha boca, brincando pecaminosamente como se fosse um batom. De repente sinto uma forte batida na minha bochecha e gemo quando meu sexo se contrai de tesão. — Eu quero ver você toda nua! Segura meus braços para me pôr de pé e se ajoelha à minha frente. Mal consigo respirar ao sentir seus beijos nas minhas coxas, a língua quente, que faz um caminho até minha virilha, o nariz curioso, que se esfrega pouco
acima do meu clitóris e me faz arquear o corpo, estremecendo de antecipação. — Você tem cheiro de fruta madura... — afunda seu rosto entre minhas pernas — e está pronta para ser provada. Sinto tudo girar em volta de mim quando ele abocanha minha boceta por cima da calcinha, sugando sem parar. — Murilo... — chamo-o. — Por favor! — O que você quer? Pede, e eu te dou! Suspiro. — Tira a minha calcinha. — Ele retira a peça, porém não se move. — Volta a fazer o que estava fazendo antes. Ele ri maldoso. — O que eu estava fazendo antes? Ele vai mesmo me fazer implorar, o filho da mãe! — Me lambe toda... — Murilo passa a língua sobre meu sexo, e o agarro pelos cabelos. — Me faz gozar na sua boca como fez ontem com seus dedos. — Seu pedido é uma ordem! Vibro inteira quando sua boca cobre meus lábios íntimos, beijando-os como fez antes, quando eu ainda
estava com a calcinha. Busco apoio no sofá, pois minhas pernas estão tremendo, e meu corpo parece se desfazer a cada investida de sua língua. Sinto-o penetrá-la bem fundo dentro de mim, rodando-a no meu interior como se buscasse algo delicioso no fundo de um copinho até voltar a usá-la para me lamber. Quase desfaleço quando Murilo fecha os lábios delicadamente sobre meu clitóris e usa a ponta da língua para estimulá-lo. Minhas coxas se contraem, e acabo apertando sua cabeça, incapaz de me controlar. As sensações que percorrem meu corpo são imensuráveis, e tudo o que posso dizer para defini-las é que são fortes demais. Ele muda o ritmo da chupada, deixando-a mais pesada, rápida, e meus gemidos se transformam em gritos contidos dentro da sala do chalé. Fecho os olhos, sentindo-me como se flutuasse, como se minha alma de repente se enlevasse e toda a matéria deixasse de existir. Sinto-me alçar voo, ser propulsionada até o céu e depois cair em queda livre, rendida e à mercê do prazer que explode dentro de mim. Gozo tão forte que não consigo me manter de pé, caindo de joelhos na frente de Murilo, que me olha extasiado.
Ainda tento recuperar o fôlego quando ele me beija sensualmente, usando a mesma língua inquieta e habilidosa nos meus lábios entreabertos. — Você tem camisinha aqui? Não tenho nenhuma comigo. Assinto e aponto para a porta do meu quarto. — Ganhei um saco cheio delas. Minha prima achou que eu iria precisar ontem. Murilo ri. — Já gosto dela! — Estende a mão para mim. — Vamos buscá-las? Respiro fundo, pensando na enorme e antiga cama que reina em absoluto dentro do quarto. — Vamos! Penso que vou caminhar ao seu lado, contudo Murilo me surpreende, ergue-me em seus braços e me leva no colo até o cômodo, mergulhado na escuridão. Estico o braço ao passar perto do interruptor, mas não consigo alcançá-lo. — A luz... Ele nega.
— Tenho uma ideia melhor! — Ele me põe sobre a cama, vai até as cortinas e as abre, deixando a luminosidade de fora entrar no quarto. — A lua está minguante, mas o céu está limpo hoje. Vira-se em minha direção e sorri. — Você é linda, Júlia! Deito-me na cama sem nenhum pudor e estendo a mão, chamando-o para se juntar a mim. Murilo vem até mim imediatamente, cobre meu corpo com o seu, mas não me beija. Ficamos um longo tempo apenas nos olhando, corpo sobre o corpo, nossas peles fervendo, corações acelerados e respirações fortes. Murilo acaricia meu rosto, e fecho os olhos, emocionada com o contato, deslumbrada com toda a experiência que estamos tendo. Mesmo que eu não quisesse me apegar emocionalmente a ele, seria impossível resistir. Temos uma conexão tão especial que nem mesmo nos meus mais românticos sonhos vivi o que estamos compartilhando esta noite. Ele é tudo o que sempre desejei, uma mistura de romântico e safado, terno e bruto, um homem com pegada forte, mas que entende meus desejos. E o melhor de tudo é que nos damos bem fora da cama também! Nós nos
divertimos juntos, e, mesmo que não conheçamos a fundo a vida um do outro, há uma sintonia tão perfeita que parecemos nos encaixar com exatidão. Murilo se mexe, e seu pênis ereto resvala sobre meu sexo, descarregando uma energia potente no meu corpo. Abro os olhos e o vejo pegar a camisinha que deixei em cima da mesinha de cabeceira enquanto ele abria as cortinas. — Passei o dia inteiro desejando estar dentro de você de novo — confessa, colocando o preservativo. — Seu corpo viciou o meu, Júlia. Bastou uma dose, e já estou completamente dependente. Penetra-me com uma estocada firme, e gemo alto, cravando minhas unhas em seus ombros. Murilo se movimenta curto, devagar, basicamente rebolando dentro de mim. Acompanho suas expressões, embevecida com o quanto ele deixa transparecer o que sente, excitada por perceber a maneira com que se entrega ao prazer. Enlaço seus quadris com minhas pernas, permitindo que ele vá ainda mais fundo, recebendo-o por completo, meus músculos íntimos abraçando-o com força, conforme entra e sai em ritmo perfeito. Ele encosta a testa na minha, e respiramos juntos a cada estocada mais potente. Suas mãos vão para minha
bunda e dão suporte para que eu o acompanhe nos movimentos cada vez mais rápidos. Suamos juntos, pois nem deu tempo de ligarmos o ar-condicionado, mas nenhum dos dois está se importando com o calor externo, afinal, estamos sendo consumidos por labaredas muito mais quentes do que uma noite de dezembro. Murilo de repente para de meter e se deita sobre mim antes de fazer um movimento que muda nossa posição, colocando-me no comando, sobre ele. Rebolo gostoso, sentindo-me bem com as mãos dele percorrendo meu corpo, sustentando meus seios, que balançam quando me sento e me levanto encaixada em seu pau, ou segurando minha cintura quando me aperto contra ele e só rebolo. Reclino bem minhas costas, apoio minhas mãos em seus joelhos e começo a quicar mais depressa. Minhas coxas queimam, mas meu sangue está tão acelerado que não sinto dor, pelo contrário, o prazer é tão foda que não consigo deixar de me mover, principalmente quando Murilo começa a massagear meu clitóris e a gemer tão alto que parece que está indo à loucura. Só paro de me mexer quando o orgasmo me atinge novamente e os músculos das minhas coxas se contraem.
Aperto os joelhos de Murilo, perdida no prazer que consome meu corpo, até que sou abraçada por braços potentes, apertada contra poderosos músculos que tremem tão forte quanto os gemidos que ecoam dentro do quarto. Meu Deus!, penso quando deito a cabeça no ombro de Murilo, sem ar, suada e totalmente relaxada. Que trepada foi essa?!
10 Murilo Acordo sentindo uma estranha sensação de relaxamento, algo que só consigo em minha própria cama, e me surpreendo quando abro os olhos e lembro que estou na casa de Júlia. Viro para o lado à procura dela e a encontro dormindo de bruços, o rosto de lado no travesseiro, a face tranquila e a boca levemente aberta. Sinto-me um pouco clichê por ficar parado na cama, apenas a admirar o quanto ela é bonita, com suas feições delicadas, os espessos cílios alguns tons mais escuros que seus cabelos loiríssimos, que destacam ainda mais suas íris azuis quando seus olhos estão abertos. A despeito de ela ser linda, isso não é o que me faz ficar em chamas quando a vejo. O conjunto todo me chamou a atenção, essa é a verdade. Quando a encontrei na rua, fui atraído pela beleza, principalmente de seu sorriso. Depois, quando a reencontrei na loja, em cima
daquela escada, fiquei excitado por seu corpo miúdo e perfeito. E, nos encontros seguintes, ela me fez querer vêla mais e mais por causa da sua personalidade. Júlia é uma mistura tão homogênea de meninamulher que eu nunca posso prever uma reação dela. É moleca, brincalhona, mas tem opinião, é responsável, tem um senso de família incrível, e a cereja do bolo de sua personalidade é que ela consegue transitar entre a timidez e a total falta de vergonha. É por isso que não consigo me controlar perto dela! Quando está tímida, preocupada com a opinião de seus parentes ou de seus conhecidos, sinto vontade de beijá-la no meio da rua, e, quando rebola no meu pau, sorrindo feito uma feiticeira que sabe que tem todo o poder, preciso travar os dentes e me concentrar em outra coisa para não gozar. Até o momento, não há nada sobre Júlia Virtanen que eu não tenha gostado ou que não tenha me deixado totalmente encantado. Lamento que meu tempo aqui em Penedo precise ser curto, já que o alonguei mais do que poderia – ou deveria –, e o que me trouxe até aqui não agradou tanto quanto achei que faria, sinal de que não terei desculpas para vir mais para este lugar.
Confesso que tenho pensado bastante em uma solução viável para que eu não perca o contato totalmente com Júlia, mas, levando em conta nossas rotinas, é quase impossível achar um meio-termo. Eu viajo muito e trabalho muitas horas seguidas, porém consigo os finais de semana para fazer coisas pessoais e por puro prazer; já ela trabalha mais nesses dias do que nos outros, pois é quando Penedo está cheia de turistas. Não tenho experiência com relacionamentos à distância, mas mesmo eu entendo que, para funcionar, o casal precisa se ver pessoalmente de vez em quando. Murilo, Murilo... é só um caso aleatório!, tento pensar racionalmente, mas, desde o começo, sinto uma certa conexão com Júlia que não consigo explicar. Desejo estar mais com ela, conhecê-la e me dar a chance de ver até onde consigo ir nessa relação. No entanto, será que ela sente o mesmo? Não dá para saber, mesmo ciente de que sou um caso excepcional para ela, que não fica com turistas. Nossa química é fabulosa, difícil de resistir, e isso pode ser tudo, afinal, não sei se ela está pronta para se relacionar com alguém ou se quer isso. Suspiro, um tanto irritado com o rumo dos meus pensamentos, e me levanto para ir ao banheiro.
Ontem à noite, quando chegamos afoitos para trepar, mal pude reparar nos detalhes do chalé de madeira onde ela mora. A construção fica no meio do quarteirão, espremida entre a loja de doces, a construção vizinha e a pousada. Não é grande, mas tem uma sala ampla e uma cozinha acolhedora, e o quarto onde dormimos é espaçoso e confortável. Entro no banheiro e sou recebido pelo delicioso cheiro do sabonete que usamos quando tomamos banho juntos depois de gozarmos. Fico excitado imediatamente, as lembranças fazendo-me reviver a experiência de fodê-la em pé no boxe, enquanto nossos corpos ensaboados deslizavam um no outro. Nunca mais vou conseguir sentir esse cheiro de aveia e mel sem pensar em sacanagem! Rio ao jogar água no rosto e pegar a escova de dentes que ela me emprestou para que eu escovasse os dentes antes de dormir, já que declarei que não tinha intenção alguma de voltar para a pousada, pois ainda queria mais sexo, e ela adorou a ideia. Trepamos na cama, devagarzinho, sem afobação, sentindo mais os movimentos, as sensações, saboreando o prazer. Gozamos juntos de novo, e eu percebi que usamos o último preservativo que ela tinha. Nada de trepada matinal!
Volto para o quarto e a encontro na mesma posição, ainda de bruços, só que praticamente descoberta, com seu rabo firme para cima e as pernas entreabertas, dando-me uma visão sexy de sua boceta delicada e suculenta. Foda-se!, penso sobre a camisinha ao me ajoelhar devagar entre suas panturrilhas e me inclinar para beijar sua bunda gostosa. Seguro-a pelas nádegas, separandoas levemente e deslizo a língua no meio da fenda que guarda seu pequeno e, aparentemente, apertado cu. Meu corpo estremece de um jeito que parece que sou eu a receber uma boa linguada, e volto a chupá-lo com mais afinco. Júlia se mexe devagar na cama e solta um gemidinho de prazer e preguiça. Sorrio malicioso e, desta vez, quando volto a lamber seu botãozinho, esfrego os dedos sobre sua boceta macia. — Hum... — Outro gemido, agora mais forte. Separo mais suas coxas, e ela coopera, mostrandome que já está acordada, embora continue como estava enquanto dormia. Enfio minhas mãos por baixo dela e a faço arrebitar a bunda um pouco, facilitando meu acesso ao seu sexo. Brinco de longe com a língua, apenas resvalando o órgão molhado sobre os lábios vaginais e passando perto
de sua entrada gostosa. Mudo de posição, deitando-me de costas na cama e me desloco para debaixo dela, fazendo-a se sentar sobre meu rosto. Júlia rebola com vontade, esfregando sua boceta já úmida e excitada na minha cara. Noto que ela está praticamente de joelhos sobre mim, totalmente desperta, gemendo alto quando sugo mais forte ou a lambo mais amplamente. Os mesmos dedos que antes a massagearam buscam agora a outra entrada, que molhei com a língua, e pressionam para entrar no cuzinho apertado como imaginei. Consigo inserir o indicador e, pela reação dela – demonstrada pelo aumento de seus gemidos –, percebo que ganhei sua aprovação ao penetrar seu rabo enquanto chupo sua boceta. Júlia se move mais, e suas coxas comprimem os lados da minha cabeça. Meu pau dói de tão duro, mas não busco alívio para ele, totalmente concentrado e dedicado à mulher que me desconserta, desarma e põe de quatro diante do seu prazer. — Continua... — Ela delira, sua respiração entrecortada, a voz baixinha e rouca. — Continua... Chupo seu clitóris com força para que ela entenda que não vou parar enquanto não receber na minha língua o
delicioso sabor de seu gozo, e ela se senta totalmente, segurando-se na cabeceira de madeira da cama. Olho-a da posição em que estou, seus peitos pequenos e arredondados balançando enquanto ela se mexe, sua cabeça jogada para trás e o abdômen contraído. — Murilo... — Júlia olha para baixo no exato momento em que diz meu nome e se entrega ao prazer, gozando na minha boca. Suas coxas tremem, sua expressão é tão linda quanto uma bela pintura, e a força de seu orgasmo é tão intensa que acaba nocauteando-me. Gozo junto a ela sem nem ter me tocado e sinto minha porra inundar meu próprio abdômen como quando era adolescente e tinha sonhos eróticos. Júlia rola para o lado, saindo de cima de mim e começa a rir. — Que delícia! — Olha para minha barriga. — Isso sim é um bom-dia bem dado! Concordo, olho para a bagunça que estou e gargalho. — Com direito a desjejum... — Pisco para ela. — Vai um leitinho quente? Ela fica vermelha, ri e me beija.
— Bobo! Vou pegar algo para te limpar antes que escorra tudo para o lençol. — Isso é culpa sua, viu? Nem precisei tocar uma! Ela arregala os olhos. — Não? Nego, sorrindo feito um fanfarrão envaidecido. — Seu orgasmo me fez gozar. — Acaricio-a. — Que conexão é essa que nós temos? Você sente isso? Júlia assente. — Totalmente! — Sorri. — Nunca vivi nada semelhante até você. — Nem eu — confesso, e ela me beija de forma suave, um carinho tão gostoso que faz meu peito se aquecer. Definitivamente preciso dar um jeito de vê-la mais depois que voltar para São Paulo! *** Desço do veículo alugado próximo ao local que me indicaram e olho para o pitoresco clube com sua placa anunciando sua origem. Não tinha intenção de vir ao baile no Clube Finlândia, mas acabei mudando de ideia quando descobri que é onde Júlia está nesta noite de sábado.
Sinceramente, não me importo de parecer estar correndo atrás dela, porque não faço tipo, quero estar com ela durante o tempo que passar aqui e, se para isso terei de enfrentar uma noite de músicas e danças típicas, não me importo. O negócio que vim averiguar aqui talvez não se concretize, e não dá mais para eu esticar os dias longe de São Paulo, ainda mais em uma época agitada como o final de ano. Posso trabalhar de qualquer lugar, mas é necessário que eu tenha algum contato com minha equipe de vez em quando, e há inúmeros projetos para averiguarmos além desse que me trouxe a Penedo. Hoje mesmo perdi mais de uma dúzia de ligações e mensagens do escritório, porque decidi aceitar a proposta que Júlia me fez depois do delicioso orgasmo matutino, e fomos até uma famosa cachoeira. — Eu avisei ao meu irmão que não poderei ficar na loja agora de manhã — ela anunciou assim que terminamos o desjejum – o verdadeiro – sentados à mesa de madeira da cozinha. — Pensei em fazermos algo caso você esteja disponível. Não titubeei em deixar claro que eu faria o que ela quisesse, desde que passássemos um tempo juntos.
— Tem roupa de banho? — perguntou de repente, e neguei. — Tudo bem, podemos resolver isso em alguma lojinha da rua, mas não podemos demorar mais, porque preciso estar no trabalho na hora do almoço. Comprei a primeira sunga que achei, e seguimos para a Cachoeira de Deus, através de uma trilha com uma estrada que meu i8 certamente não aguentaria, mas que o 4X4 alugado tirou de letra. O lugar, além de lindo, com muito verde, águas cristalinas e uma queda d’água que, se eu ainda fosse moleque, iria querer arranjar um jeito de escorregar na pedra desde o topo, estava relativamente vazio. — É o horário — Júlia explicou, pegando uma bolsa térmica que arrumou enquanto eu comprava a sunga. — A água deve estar um gelo, e o pessoal prefere vir mais depois do almoço, quando o sol está mais forte. E ela tinha razão, puta que pariu! Parecia que eu estava entrando na água de degelo de alguma geleira. Aguentei o quanto pude pelo bem da minha saúde e saí correndo na direção dela, que me esperava com uma toalha gigante e bem felpuda. — Como vocês aguentam isso?! Ela riu.
— Quem disse que eu entro? — Gargalhou e me beijou. — Quer ajuda para esquentar? Meu corpo, gelado como se eu tivesse entrado na câmara fria de um matadouro, acordou imediatamente e se aqueceu. — Quero! Ela olhou em volta, e entendi por que montou nosso “piquenique” em um lugar mais dentro da mata do que no entorno da cachoeira. Tirou o vestido que usava, ficando só com o biquíni minúsculo e terrivelmente sexy, e se embolou comigo dentro da toalha. Foi um jeito fenomenal de voltar a temperatura do corpo ao normal, e aproveitei cada instante que ficamos naquele nosso casulo improvisado, tocando-a sempre com a desculpa de estar tentando aquecer as mãos. — Sabe como é, as extremidades do corpo sofrem mais com o frio... Ela ria e se remexia dentro da toalha, pressionandose contra meu pau totalmente duro. — Tem uma extremidade aqui que está bem quente já. Gargalhei e beijei aquela mulher incrível que me fazia relaxar e sorrir mais em alguns dias do que nos
últimos anos. Comemos sentados sobre uma colcha, uma deliciosa salada de grãos de bico – que ela disse que já havia deixado pronta para o almoço corrido que faz na loja – e peito de frango assado e frio. — Não se importa em comer carne gelada, não é? — Nem um pouco, eu gosto. Peço sempre algo de um desses restaurantes que montam saladas, e as carnes sempre são frias. — Sorri. — Nada se compara à sua salada. Ser bom na cozinha é um dom familiar? Ela riu e negou. — Eu sou péssima, sei fazer apenas algumas receitas básicas. O frango veio da pousada, e a salada, só juntei os ingredientes e temperei. — Então qual é o dom de Júlia Virtanen? Ela ficou vermelha. — Eu desenho. — A resposta me surpreendeu. — Sempre desenhei, mas não apenas paisagens e essas coisas mais artísticas, eu desenhava roupas, brinquedos e, depois, quando fui para a faculdade de Design, descobri que gosto de criar produtos únicos e logomarcas. Fiquei bem interessado, porque, no meu trabalho, lido diretamente com esse tipo de profissional que
desenvolve conceitos para marcas, embalagens, padrões de exposição de produtos etc. — Que tipo de produtos cria? Ela sorriu orgulhosa. — Todas as caixas de presente da loja foram criações minhas, desde a concepção de tamanho, forma, até as estampas. Gosto de criar embalagens, e os clientes gostam de ter algo diferente e exclusivo para presentearem. Confesso que fiquei muito surpreso e ainda mais admirado pelo fato de que uma mulher com tamanho talento – porque vi e achei uma sacada muito esperta as embalagens de presentes para colocar cada tipo de doce da loja – ainda trabalhasse em um pequeno negócio familiar em uma cidade do interior. Conversamos mais sobre o seu trabalho, e percebi que, embora ficasse atrás de um balcão o dia todo, ela amava criar e, quando tinha tempo, fazia alguns trabalhos freelance para outros lojistas. Deixei-a perto da Casa Virtanen, mas não na porta, porque ela ainda estava receosa com a questão de expor nossa relação, depois segui para a pousada, onde, além de dormir à tarde – algo que eu não fazia desde a
adolescência –, percebi as ligações do trabalho e adiantei alguns assuntos com minha equipe. — Conheci uma designer de produtos talentosíssima aqui — falei com Diogo Gusmão, meu assistente, por telefone. — Gostei do estilo dela! — Se você achar conveniente, podemos contratá-la para os próximos projetos, já que nossa equipe anda sobrecarregada desenvolvendo o conceito para a nova rede de restaurantes. Gostei da ideia e pensei que, se Júlia aceitasse, essa poderia ser uma forma de mantermos contato, mesmo que profissional. Dois coelhos, uma só cajadada!, como diria meu avô. Mais tarde mandei mensagem para ela a fim de saber o que faríamos à noite. Ela me respondeu que teria que ir até o baile do Clube Finlândia, porque era um evento tradicional de que toda sua família participava. “Não te ofereceram ingresso aí na pousada?”, ela perguntou, e tentei lembrar, mas não consegui recordar, porque, sempre que eu passava pela recepção, alguém me oferecia um roteiro ou algo para fazer, e eu recusava.
“Eu não tinha intenção de ficar no final de semana”, justifiquei e emendei uma pergunta: “Até que horas dura o tal baile?” “Às vezes até de manhã!” Merda, eu preciso de um ingresso!, pensei. Liguei para a recepção, e quem me atendeu foi o tio dela. — Ingresso para o baile? — Ele repetiu minha pergunta. — Estão todos esgotados já... — Fechei os olhos e, como bom empreendedor que sou, já fui pensando em outros caminhos para poder ir até o clube e ficar com Júlia. Talvez eu possa comprar de algum hóspede... — Ah, tivemos uma desistência! Reservo para... — Sim! É meu, pode reservar — respondi afoito, sentindo-me um sortudo da porra. E foi assim que acabei por parar aqui, na porta do clube – que mais parece uma casa –, disposto a passar a noite ouvindo músicas folclóricas típicas da Finlândia. Entro no recinto e já sou impactado com a música e com as vozes das pessoas, que conversam sem parar. Há muitos turistas, percebo, alguns tiram fotos, outros bebem e assistem às danças, e alguns – tento evitar, mas caio na risada – se aventuram a dançar.
Procuro Júlia ou qualquer um de sua família que acabe por me levar a ela e paro em seco quando reconheço uma das dançarinas em trajes típicos. Deus do Céu! Ela dança com aquele sorrisão enorme que me chamou a atenção desde o primeiro momento em que a vi, junto a sua prima, seu irmão e um outro homem que, pela semelhança com a outra mulher, presumo ser seu primo. Eles seguem juntos, com passos rápidos que exigem muito fôlego, no centro do salão do clube. Não sei o nome da dança, mas certamente é alegre, e Júlia se diverte muito dançando-a. Espero até o final da apresentação – não sem antes notar os olhares cobiçosos de vários outros homens – e caminho até onde ela está para cumprimentá-la. — Jules! — Um homem alto e magrelo grita o nome dela antes mesmo de que eu consiga alcançá-la e a ergue nos braços como se fosse uma menina. Júlia gargalha e bate no ombro do grandalhão desengonçado, mas, quando ele a abaixa, os dois se abraçam. Eu paro.
Não é um simples aperto, mas um abraço de verdade, daqueles que só se dão em quem realmente se ama e sente falta. Respiro fundo, porque nunca fui um homem ciumento, mas vê-la trocando esse tipo de carinho com outro me deixa com uma sensação estranha e um incômodo sem sentido. Observo os dois conversarem alegremente e, de repente, vejo o esquisito beijá-la! É um selinho e bem rápido, mas me pega tão desprevenido que simplesmente me materializo ao lado deles sem nem mesmo me dar conta de que vim até onde estão. Porra, eu devo ter corrido! — Murilo? — Ela parece surpresa com minha presença e franze a testa. — Eu não sabia que vinha! Percebi! — Eu tinha um ingresso — respondo seco e encaro o “magrelão”. — Murilo Pontes. Estendo a mão para corresponde apertando-a firme.
cumprimentá-lo,
e
ele
— Lino Heikkinen. Júlia olha de um para o outro visivelmente confusa. — Murilo é hóspede na pousada. — Olho-a com a sobrancelha erguida. — E meu amigo.
— Se é amigo da Jules, é meu também! — O homem sorri e pisca para mim. — Eu trouxe um amigo também! — Ele faz sinal para alguém, e um rapaz mais novo, meio com cara de nerd, aparece ao seu lado, e os dois se dão as mãos. — Esse é o Kleber. — Finalmente a tão falada Jules! — O outro homem a cumprimenta com dois beijinhos. — Lino não parava de falar que eu precisava vir conhecer a terra dele e seus amigos! — Que bom que vieram! — Ela sorri encantada. — Eu já sei muito de você também, viu? Cuida bem do meu amigo, nos conhecemos desde crianças! Sério, eu realmente quero um buraco para me esconder!, penso divertido, acompanhando a conversa entre o casal e Júlia. Que atitude mais ridícula eu tive! Ainda que o homem não fosse gay, ele é amigo dela, e os dois têm o direito de se cumprimentarem como quiserem! Que porra aconteceu contigo, Murilo? Claro, eu sei a resposta, mas admitir que senti ciúmes a ponto de agir como um macho-alfa marcando território é demasiadamente desconcertante. Nunca senti ciúmes, nem mesmo quando namorava alguém há algum tempo, então por que agora?
— Ei! — Júlia chama minha atenção. — Lino e Kleber já foram, mas você parecia tão concentrado em algo que nem os ouviu se despedir. Fecho os olhos. — Desculpe-me. — Pelo quê? — Põe a mão na cintura. — Sua rudeza com meu amigo e o namorado dele ao não se despedir ou a forma como apareceu aqui, parecendo que ia chamar o Lino para a porrada? — Franze a testa. — O que houve, afinal? Rio de mim mesmo. — Acho que a água da cachoeira congelou meu cérebro! — Faço a piada, mas ela não ri. — Perdoe-me por tudo, não sei o que deu em mim. — Não? — Não. — Suspiro. — Não sou assim e lamento ter passado a impressão de truculência ao seu amigo. — Encaro-a. — Eu senti ciúmes quando ele beijou você. Júlia arregala os olhos. — Ciúmes? — Assinto sem jeito e dou de ombros como se não fosse nada. — Por quê? — Estou me fazendo a mesma pergunta, Júlia. Mas o fato é que eu vim até aqui para te ver e, quando o vi te
beijar... — Somos amigos de infância. — Percebi, mas não sabia. — Bufo. — Enfim, não justifica. Você é livre para beijar quem quiser e... — Não estando com você, ainda que somente enquanto estiver aqui — ressalta. Acaricio seu rosto, uma coisa que gosto muito de fazer e sei que ela adora que eu faça, pois fecha os olhos e esfrega o rosto na minha mão. — Eu a quero demais! — sussurro bem perto de seu ouvido. — E quero aproveitar cada instante que temos... — E depois? — Ela faz a temida pergunta. Abraço-a, mesmo diante de todos os seus familiares a amigos que estão aqui, e beijo o topo de sua cabeça. — Precisamos conversar e achar um jeito. Ela balança a cabeça, mas sinto, contra o meu peito, que está sorrindo, e isso me enche de esperança. Eu quero essa mulher e não penso em renunciar a esse querer tão intenso! Vamos dar um jeito!
11 Murilo Mais uma vez amanheço na cama antiga de Júlia Virtanen e fico observando-a dormir. Chegamos de madrugada, e ela estava tão exausta de dançar – confesso que até eu arrisquei uns passos – que tomamos um banho e ela dormiu assim que se deitou na cama e comecei a massagear seus pés. Foi uma noite pitoresca, diferente de qualquer programa que eu já tenha feito antes, mas, nem por isso, menos divertida. Bebi e comi muito bem, interagi com a prima dela – Glauce – e, embora não tenha conversado com o irmão e o primo – um estava com uma mulher o tempo todo, e o outro foi tocar em uma banda de música brasileira, nos intervalos das danças típicas –, gostei de não ter de ficar pisando em ovos perto deles. Beijei, abracei, dancei e dei uns amassos em Júlia sem que me importasse com a opinião das outras pessoas
sobre ela estar saindo com um turista. Isso a deixou mais solta, relaxada, e me deixou ainda mais envolvido por ela. Dançamos uma valsa – sim, uma valsa! – juntos antes de ir embora e demos carona para Glauce, que estava tão destruída fisicamente quanto sua prima. — Já não temos mais 18 anos! — disse divertida. — Parece que um rolo compressor passou sobre meus pés. — Lembra quando íamos ao Pikkojoulo[9] e dançávamos o tempo todo? — Júlia suspirou. — Não danço o Tip-Tap há anos, e esse ano as crianças estavam lindas! — Sim! Essa é a única desvantagem de eu ainda não ter encontrado um homem para me casar. Eu iria adorar ver meus filhos dançando! Fiquei atento ao comentário de Júlia sobre o que sua prima disse e, quando ela o fez, senti uma pressão no peito e mais sensações estranhas, como se fosse uma vontade que eu mesmo desconhecia. — Ah, eu também quero ter uns pequenos para vestirem os gorrinhos com sininhos e se divertirem no começo de dezembro em volta do Papai Noel! — Vocês curtem mesmo essas coisas todas de Natal, não é? — perguntei, achando divertido.
— Sim! — as duas responderam juntas. — E eu pensando que só criança era encantada com isso. Glauce gargalhou. — Eu acho que você deveria rever seus conceitos, mesmo porque está devendo uma ao Joulupukki. Franzi a testa, sem entender do que ela estava falando, mas não disse nada, porque as duas explodiram em gargalhadas dentro do carro, como se desfrutassem de uma piada interna. Deixei o carro na rua em frente à pousada e segui com Júlia pelo mesmo corredor do “atalho” que usamos na outra noite para chegar ao chalé dela. — Hum, bom dia! Seu cumprimento me tira das lembranças, e me perco nos seus olhos claros e inchados de sono, achandoa a mulher mais linda que já conheci. — Bom dia! Conseguiu descansar? — Hu-hum. — Espreguiça-se. — Quer um café? — Depois — respondo sorrindo. Ela morde o lábio e se esfrega em mim. — Depois de quê?
Afasto seus cabelos e aproximo minha boca de sua orelha. — De comer você. — Passo a língua no lóbulo e a sinto ficar arrepiada sob minhas mãos. — Comprei camisinhas. Ela geme. — Já estou no ponto, pode comer à vontade. Deita-se de bruços como estava na manhã de ontem, e desfiro um tapa em sua bunda gostosa, antes de virá-la na cama e me posicionar sobre ela, só que ao contrário, em um clássico 69. — Vamos comer um ao outro hoje! *** A vida é feita de oportunidades que surgem inesperadamente e que podem mudar o rumo de todo o planejamento de uma pessoa. Sei disso porque sou do tipo oportunista, não no sentido pejorativo da palavra, mas sim daquele que aproveita todas as oportunidades que aparecem, ainda que não deem certo. Vim a Penedo para verificar um negócio que minha equipe tinha relegado e que, por algum motivo, meu feeling dizia que era bom. Acontece que nem sempre minha
intuição está certa, e percebi que, embora tivesse muito potencial, não se encaixaria bem no nosso padrão. Acabei ficando aqui, pura e simplesmente, por motivo pessoal: Júlia Virtanen. Desde o começo, quando conheci a família dela e posteriormente descobri que a mulher que me atraía tanto também tinha esse sobrenome, tive sensações estranhas. Não sou do tipo sensitivo, como minha mãe, por exemplo, que parece sentir as coisas antes de acontecerem e que tem um faro incrível para procurar notícias no lugar certo, o que a ajudou muito em sua carreira como jornalista e a ajuda sobremaneira agora, como escritora. Definitivamente, não posso ser acusado de ter premonições. Entretanto, acredito que minha vinda até aqui pouco teve a ver com o negócio que vim observar de perto e tive essa certeza há alguns minutos, antes de descer para a cozinha da pousada e tomar posse de um avental, uma vasilha e uma colher de pau. Durante a manhã, enquanto Júlia foi para o trabalho, fiquei na pousada, em videoconferência com minha equipe, passando minhas impressões sobre o negócio que vim pesquisar. Isso foi bom, porque, de certa forma, me deixou mais produtivo – andei um tanto preguiçoso nesses dias
aqui – e fez a hora do almoço chegar rápido, já que eu iria encontrar-me novamente com Júlia nesse horário. Fomos até um restaurante de comida alemã, onde ela me fez experimentar a costela de porco com molho e queijo, e fizemos planos para a segunda-feira, dia de folga de Júlia e meu último dia em Penedo, já que teria que voltar a São Paulo na terça-feira de manhã para chegar a tempo de uma reunião à tarde. — Hoje tem o evento dos biscoitos, mas é muito mais voltado para famílias com crianças — ela disse enquanto caminhávamos juntos na calçada, de mãos dadas, indo de volta para a loja de doces depois da deliciosa refeição que partilhamos. — Evento dos biscoitos? — inquiri, já sabendo que iria novamente me meter em alguma programação de Natal. Ela assentiu, sorrindo. — Sim! Algo que Glauce pensou este ano. Vamos oferecer uma oficina de biscoitos com tema natalino para os hóspedes, e eles poderão comer ou levar para casa o que fizerem. Franzi a testa, olhando-a divertido.
— Você vai participar? — Ela concordou. — Mesmo depois de dizer que é terrível na cozinha? Júlia gargalhou. — A primeira coisa que aprendi a fazer, ainda muito menina, foram os biscoitos. Minha mãe os fazia todo Natal e toda Páscoa, com receitas variadas, e eu adorava ajudála. Meu coração se apertou ao pensar na pequenina Júlia ao lado de sua mãe e ao perceber o quanto devia ter sido difícil para ela tê-la perdido em tão tenra idade. Outra coisa que notei, durante a conversa, foi que o tal evento era muito mais importante para ela do que o do dia em que montamos a árvore, uma vez que lhe trazia memórias e matava um pouco da saudade da infância passada com sua mãe. — Estarei lá! — confirmei ao entrar na Casa Virtanen. — Mas que fique claro que nunca fiz uma única bolacha em toda minha vida! Júlia cruzou os braços. — Não são bolachas, são biscoitos! — Serão recheados? — Ela negou. — Bolachas! Júlia bufou.
— Por que vocês cismam com isso?! Bolacha é o tapão que vou te dar se continuar chamando os meus biscoitos de gengibre assim! — Ela parecia enfezada, mas a expressão matreira e debochada desfazia totalmente essa impressão. Aproximei-me mais, abraçando-a pela cintura, e sussurrei em seu ouvido: — Vou adorar receber uma bolacha sua, principalmente quando estiver enterrado bem fundo na sua boceta. Ouvi quando respirou fundo e prendeu a respiração, com a face vermelha, porém com os olhos brilhantes de desejo. — Depois dos biscoitos, podemos providenciar as bolachas. Ri e beijei seu pescoço. — Vou contar os minutos! Acabamos por tomar um sorvete artesanal, receita do irmão dela, e depois segui para a pousada pelo pátio interno que liga os dois estabelecimentos. Acontece que, antes mesmo que eu chegasse ao meu quarto, fui abordado por Rodrigo Virtanen.
— Murilo! — chamou-me no corredor, e o encarei. — Precisamos conversar. Estranhei a princípio, mas concordei, e a conversa não foi bem o que eu esperava, embora tenha sido muito interessante. — Está ouvindo a receita? — Júlia me cutuca, fazendo-me voltar à aula de biscoitos de gengibre em formato de boneco. — Ainda não vi nada na sua vasilha. Sorrio sem graça e pego a farinha de trigo. — Estava distraído pensando em outra coisa. Ela fica séria e me olha como se tentasse adivinhar algo. — Algum problema? Meu coração acelera ao ouvir sua pergunta, e meu abdômen se contrai. Espero que não!, respondo-lhe mentalmente, mas só me limito a balançar a cabeça negando e finjo voltar a prestar atenção nos biscoitos. *** O cheiro do sabonete líquido de Júlia é único, e já tentei ver a embalagem para comprar um igual para mim em São Paulo, mas no frasco não tem nada escrito.
— Onde você compra esse sabonete? — Saio do banheiro do chalé com uma toalha enrolada na cintura e esfregando outra em meus cabelos. — Ele tem um chei... Interrompo-me ao vê-la vestida com uma calcinha minúscula e sapatos de saltos altíssimos. Puta que pariu! Tudo o que eu ia falar desaparece, e solto a toalha que segurava, sentindo-me completamente enfeitiçado por essa mulher vestida de preto. — Eu gostei de fazer sexo em pé no chuveiro e queria tentar algo aqui no quarto. — Pisca. — Acho que agora nossa diferença de altura diminuiu. Puxo a toalha enrolada em meus quadris para mostrar a ela o que achei de sua ideia. — Só saberemos se testarmos! Ela gargalha e vem ao meu encontro, agarrando-me pelo pescoço até juntar nossas bocas. Seguro-a pela bunda, apertando-a contra mim e desfrutando do delicioso contato de suas nádegas redondas e firmes, enfeitadas com a pequena calcinha, que se enterra entre elas como eu gostaria de fazer com meu pau. Viro-a, colocando suas costas contra meu tórax e beijo sua nuca, enquanto minha mão desliza por seu corpo,
apertando seus peitos, até encontrar a calcinha. Insiro-me dentro do tecido delicado, sentindo na ponta dos meus dedos a pele macia de sua pélvis sem pelos, indo em direção à deliciosa fenda molhada e quente de sua boceta. Molho meus dedos para facilitar a massagem sobre seu clitóris e, quando sinto que está perfeito, volto em busca do ponto tenso. — Isso! — Ela rebola contra mim, esfregando sua bunda no meu membro enquanto geme. — Me faz gozar assim, Murilo! — Faço o que você quiser! — rosno, enlouquecido com a vontade de penetrá-la. Continuo a fricção com uma das mãos, e a outra puxa a calcinha de dentro de suas nádegas, afastando-a. Pego meu pau, já com a ponta úmida de tesão, e o esfrego contra seu delicioso botãozinho rosado, forçando-o um pouco até sentir a incrível pressão exercida por sua entrada apertada. — Sou louco pelo seu rabo! — sussurro. — Eu sou louca por você! — ela responde, e me animo ainda mais. Escorrego meu membro para baixo e o encaixo bem na portinha da sua boceta. Sou atacado por vários arrepios
simultâneos, estremeço, e o sangue começar a correr mais rápido pelas minhas veias. — Sua boceta é uma delícia! — Minha voz soa lamentosa, porque, embora eu esteja pronto para afundarme no delicioso buraco quente e úmido, sei que não posso fazer isso sem proteção. Mas eu queria!, penso ao sair. — Precisamos de... Júlia simplesmente se curva para pegar os preservativos em cima da mesinha de cabeceira, arrebitando a bunda contra mim, e gemo alto, dolorido, desesperado de tesão. Pego a camisinha, coloco-a no meu pau e rapidamente volto para onde estava, só que desta vez não paro na entrada, mergulho até o fundo. Ela soluça, eu rosno. Sua pele arrepiada diz muito sobre o nível do tesão que estamos compartilhando, e estoco como um louco, firmando-a contra meu corpo com um braço sob seus peitos e com a mão esfregando seu clitóris. Os saltos facilitam muito a trepada, e não ter retirado a calcinha é um plus, já que o tecido fica roçando no meu membro e enviando mais e mais estímulos ao meu corpo. Júlia aumenta o ritmo de seus gemidos, como também a altura deles, e, de repente, minha mão se
encharca, e as estocadas ficam mais barulhentas, resultado do orgasmo que escorre de sua boceta. Faço-a se dobrar, e ela apoia as mãos na mesinha. Firmo-a pelos quadris e não contenho mais a vontade de fodê-la com força. A cada investida, ouço o som alto da colisão de nossos corpos. A mesinha range, sai do lugar e fica imprensada contra a parede. O abajur em cima dela balança tanto que sinto que irá cair no chão a qualquer momento. Vejo as marcas dos meus dedos nas nádegas de Júlia e não resisto a tentar um tapa firme. Ela geme, rebola mais contra mim, e eu desfiro mais um. — Como eu queria comer seu cu nesta posição! — Aumento as estocadas. — Entrar devagarzinho, enquanto você se masturba; rebolar curto dentro dele até que você se acostume com meu tamanho; e então... — meto com força — foder você até te ouvir gritar. Separo suas nádegas, expondo o objeto do meu desejo, e a saliva se acumula em minha boca. Cuspo sobre ele e espalho a umidade com o dedo médio, alargando a entrada, sonhando em afundar-me nela. — Murilo... — Goza para mim, Júlia! — imploro, sentindo-me à beira da explosão. — Goza enquanto fodo sua boceta e
brinco com seu rabo. Insiro o dedo todo e imito os movimentos que faço com meus quadris, um entra e sai rápido e profundo, e Júlia goza forte, estremecendo, resfolegando e chamando meu nome. Sinto o gozo se aproximar, mas, desta vez, não pretendo me derramar dentro da camisinha, então puxo meu pau e arranco o preservativo, vertendo minha porra onde ainda estou com o dedo. — Porra! Fecho os olhos, incapaz de conter o prazer, as pernas bambas e o coração prestes a explodir. Pego-a pela cintura, levantando-a no colo e caio na cama com ela por cima. Nós dois estamos exaustos, apesar da trepada rápida, suados e sem fôlego. Abro os olhos e a encontro olhando-me, quietinha, e algo dentro de mim se aquece. — Como vai ser quando você for embora? — Júlia pergunta baixinho. Abraço-a apertado. — Vamos dar um jeito para continuar nos vendo — prometo. — Eu quero você ainda mais agora do que no começo. — Eu também!
Sorrio. — Então está combinado! — Seguro-a pelo rosto. — Teremos um namoro à distância. O sorriso dela parece iluminar tudo ao redor, mesmo o quarto, que mergulhou na penumbra do cair da noite sem que percebêssemos. — Teremos! A felicidade que sinto é algo que nunca senti, não desse jeito ou por esse motivo. Saber que ela aceita ser minha, que estamos firmando o compromisso de, mesmo longe, tentar dar certo, mexe comigo de um jeito inexplicável ou... a única explicação talvez seja uma situação inédita para mim. Eu estou apaixonado!
12 Júlia Eu me apaixonei!, penso assim que caímos juntos, abraçados na cama. Claro que já desconfiava que sentia por Murilo muito mais do que tesão, mas não conseguia admitir que, em menos de uma semana, pudesse sentir algo tão forte por alguém. Parece coisa dos livros da Glauce! Olho para ele, e seu semblante satisfeito me faz pensar se o que sinto pode ser correspondido. Um homem como ele, um executivo de São Paulo, deve conhecer mulheres muito mais bonitas, influentes, ricas e modernas do que eu. E ele vai voltar para lá depois de amanhã! Meu coração se aperta ao constatar que temos apenas mais duas noites e um dia juntos.
— Como vai ser quando você for embora? Ele me abraça, e eu retenho um suspiro. — Vamos dar um jeito para continuar nos vendo. Eu quero você ainda mais agora do que no começo. Ouvir isso me faz ter esperança de que, mesmo a quilômetros de distância, nós consigamos levar o que temos e ver se fica ainda melhor. — Eu também! — digo animada. — Então está combinado! — Murilo me segura pelo rosto e me faz encará-lo. — Teremos um namoro à distância. Namoro?! Sorrio ao perceber que ele quer mais do que deixar rolar. Murilo quer tentar construir uma relação séria comigo, e isso é exatamente o que eu quero também! — Teremos! Murilo me aperta ainda mais contra si, e vejo um brilho de felicidade em seu olhar. Estou disposta a deixar as coisas progredirem entre nós, a conhecê-lo melhor e a deixar que ele faça parte da minha vida. Nunca devemos começar um relacionamento achando que não vai dar certo, ainda que saibamos que dificuldades surgirão pelo caminho. Em contrapartida, nunca se tem garantia de sucesso, ainda que seja aparentemente fácil estar juntos.
É isso que me consola sobre a questão da distância! Eu sei que será mais difícil estarmos sempre juntos, porém imagino que, quando estivermos, vamos querer apenas matar as saudades e aproveitar um ao outro. São Paulo não é do outro lado do Brasil, fica apenas a algumas horas daqui de carro, e tanto eu quanto ele poderemos nos revezar nas visitas ou mesmo nos encontrar em qualquer outro destino. Vai dar certo, Jules!, meu coração parece gritar, motivando minha consciência a esperar pelo melhor e pensar positivo. Há algo diferente entre mim e Murilo, sentimos isso desde que nos vimos pela primeira vez, e, tenho certeza, nosso encontro não foi ao acaso. — Você precisa mesmo voltar na terça? — questiono com um fio de esperança de que ele possa ficar mais. Murilo não responde de imediato. Sinto seu coração acelerar, e ele puxa o ar para dentro dos pulmões mais demoradamente que o normal. — Sim, tenho uma reunião importante e outro assunto que surgiu para resolver. — Ele passa a mão sobre minha cabeça, deslizando os fios dos meus cabelos entre seus dedos. — Mas eu vou voltar, Júlia. — Quando?
Mais uma vez um suspiro. — Provavelmente só depois das festas. — Olho-o surpreendida por não podermos nos ver no Natal nem no Ano Novo. — O Natal é uma época complicada para os meus pais, e preciso estar lá para lhes dar suporte. — Assinto, pois ele me disse sobre a morte do irmão. — Maurício amava o final de ano, muito mais que eu, era completamente apaixonado pela decoração e pelo clima de Natal. Desde que ele se foi, minha mãe não monta mais a árvore nem comemora a data. — Eu lamento muito. Meus pais também amavam o Natal e morreram bem próximo da data. Se não fosse por mummo, talvez meu irmão e eu nunca conseguiríamos superar e continuar a amar as festas. Murilo acaricia meu rosto. — Você é muito especial, Júlia! Minha mãe ficará encantada quando te conhecer. Novamente minha pulsação dispara, e tento não perguntar a ele quando a conhecerei, para não parecer ansiosa e pegajosa demais. — Ela deve ser incrível. — Beijo a ponta do seu nariz. — Você é incrível! Murilo ri.
— Ela ficará feliz pelo elogio. — Ele rola na cama e fica por cima de mim. — Vou te levar para o banho, ensaboar esse seu corpo gostoso e depois te comer de novo. Gargalho, já excitada. — Não vejo a hora de começarmos! *** Terça-feira..., penso aborrecida, abrindo a loja, consciente de que Murilo está na pousada fazendo o check-out para ir embora antes do almoço. Dói-me vê-lo ir, mas sei que é necessário e que tenho que me acostumar a tê-lo distante, conversar por telefone e contar os dias para nos encontrarmos novamente. Não vou mentir e dizer que não acho que os dias em que estivemos juntos passaram muito depressa. Eles voaram! E ontem fizemos de tudo para criar lembranças e laços que nos manteriam unidos mesmo durante as semanas que ficaríamos sem nos ver pessoalmente. A segunda-feira amanheceu, para nossa decepção, nublada, e tivemos que cancelar a ida até as outras cachoeiras do Alto Penedo. Não podíamos ir até o Parque Nacional do Itatiaia, porque não estava aberto nesse dia, então decidimos ficar no chalé.
Fiz nosso café da manhã, e, no almoço, Glauce trouxe para nós um cardápio especial da pousada. — A coisa anda séria por aqui, não? — ela comentou comigo, enquanto Murilo arrumava a mesa do almoço. Ri. — Ele me pediu em namoro — confidenciei. Glauce ficou boquiaberta. — O quê? Não é justo, nem chegou o Natal, e você já ganhou o presente pedido! Ri. — Bom, se deu certo a cartinha para o Papai Noel para mim, talvez ainda dê certo para você. Ela fez careta. — Ouviu o talvez na sua frase? É nele que está o problema! — Rimos juntas. — Papai Noel realizou um pedido este ano. — Apontou na direção de Murilo. — Quem sabe ano que vem realiza o meu? — Ou você pode recorrer a outras figuras comemorativas! — Eu tentava não rir enquanto listava: — O Coelho da Páscoa; Santo Antônio, logo depois do Dia dos Namorados...
— Você pulou o Rei Momo no Carnaval! — Ela entrou na brincadeira, mas então ficou séria e me abraçou. — Eu já estou muito feliz por ver esse sorrisão em seu rosto. De verdade, você merece que ele seja um homem muito especial, nada menos do que isso. — Ah, Glau, você merece também! Interrompemos a conversa quando Murilo apareceu e, abraçando-me pelos ombros, convidou minha prima a almoçar conosco. — Eu até ficaria, mas preciso ajudar minha mãe lá na pousada. — Piscou. — Espero que desfrutem do almoço! Ela se despediu, e nós dois comemos uma deliciosa moqueca de peixe que meu tio mandou fazer especialmente para nosso almoço. Foi legal perceber que eu estava com tanto receio à toa de minha família saber sobre nosso envolvimento. Ficamos juntos no baile de sábado e passamos todo o evento de biscoitos de Natal como um casal, e não vi um só olhar reprovador de quem quer que fosse. Claro que ainda não tive oportunidade de conversar com Digo sobre o assunto, mas já fiquei feliz de ele não ter se metido ou interferido na minha decisão de ficar com Murilo. Ele reconhece meu espaço, mas é meu irmão mais
velho e se preocupa, porém nem as normais questões que sempre me fazia quando eu começava a namorar alguém ele fez dessa vez. Depois da deliciosa sobremesa que surrupiei na cara dura da loja de doces, ficamos sentados no tapete da sala, assistindo a um filme, enquanto, fora do chalé, chovia e a temperatura baixava muito. — É sempre assim no começo de dezembro — comentei. — Vem essa frente fria, e mummo dizia que, se chovesse no dia de Nossa Senhora da Conceição, era certo termos um Natal chuvoso. — Choveu nesse dia este ano? Neguei. — Vai ver se a teoria funciona? — Murilo fez que sim, e eu ri. — Minha avó era muito sábia. — Não duvido. — Apertou-me mais contra ele. — Como ela era? Apontei para um enorme porta-retratos de prata com uma foto dela, e ele se desvencilhou de mim para alcançálo. — Linda, não? Na foto, minha avó, ainda jovem, estava sentada sob uma árvore com um lindo vestido e os cabelos soltos.
— Linda! Você teve a quem puxar. Tem mais fotos? Foi então que passamos boa parte da tarde vendo as fotografias que eu guardo com muito carinho em álbuns dentro de uma enorme caixa de madeira feita pelo meu avô. Mostrei a ele meus ancestrais e lhe contei toda a história da minha família, desde a chegada até aqui até quando vovó ficou viúva e decidiu montar a Casa Virtanen. — Você ama realmente essa loja, não? — Sim, porque é parte do legado dela, e eu gostaria de não deixar morrer nunca — respondi com orgulho. — Ela sustentou os dois filhos, ajudou a criar os netos e foi um pilar na comunidade, e a loja tem muito dessa força feminina que me inspira e me prova que posso fazer qualquer coisa que queira. Murilo não comentou nada, apenas assentiu e explicou que não trabalhava com seu pai e que isso foi um ponto de atrito entre os dois no começo, mas depois Eugênio Pontes compreendeu que ele só queria trilhar o próprio caminho. — E o que exatamente você faz? — perguntei. — Eu sou um tipo de investidor. — Franzi a testa, porque ele tinha acabado de dizer que não trabalhava no ramo de investimentos como o pai. — Mas não especulo em bolsas de valores, eu invisto em pessoas.
— Interessante! Ele deu de ombros. — É maçante para a maioria. — Riu. — Mas não vamos perder nosso dia falando de trabalho. Tenho algo melhor em mente! Deitou-me no tapete e acariciou meu corpo, e, depois que começamos a fazer sexo na sala, deixamos memórias em cada cômodo do pequeno chalé, até que dormimos exaustos e acordamos hoje com uma sensação amarga de despedida. — Bom dia! — Lucinda me cumprimenta na porta da loja, e deixo de me concentrar no fato de que Murilo está indo embora. — Bom dia! — Tento parecer animada, mas ela mesma percebe meu estado de espírito e suspira. — Ele vai voltar, Jules! Rio. — Sou patética, eu sei! — Ligo o computador do caixa. — Por onde anda nosso querido chef? Lucinda amarra o avental na cintura e põe a touca nos cabelos. — Não sei, ele só me pediu para vir mais cedo e adiantar as coisas na cozinha para ele.
Balanço a cabeça. — No mínimo está com alguma moça cujo coração será partido em breve. — Suspiro, temendo que eu tenha o mesmo destino. — Dói ter o coração partido. Ele deveria experimentar isso pelo menos uma vez na vida para ter a experiência e não fazer mais! — Concordo! — diz, acenando um tchau e entrando na cozinha. Um turista parecendo ser alguém de cidade grande, um pouco perdido e com roupas formais, para em frente à loja, olha para cima – provavelmente para ler a placa – e entra. — Bom dia! — cumprimento-o com bom humor. — Já conhece nossos doces? Ele fica um tempo me olhando, sorri e nega. — Acabei de chegar — explica. — Mas adoraria conhecer! Conto a ele a história da Casa, a origem da maioria de nossos doces, pães e bolos. Dou-lhe alguns chocolates de degustação e mostro nossas opções de embalagens para presentes e composições. — É tudo muito organizado para um negócio local. — Novamente sorri, fazendo contraste entre seus dentes
muito brancos e sua pele negra. — Isso é ótimo, parabéns! O homem exala charme, é bem-vestido, cheiroso e bem alto. — Obrigada! — agradeço. Ele aponta para a máquina de café perto do balcão com as banquetas. — Um expresso seria ótimo e... — olha em volta — talvez uns biscoitos de nata. Espero que ele se acomode e realizo seu pedido, servindo-lhe com o capricho com que sempre servi qualquer outro cliente, ciente de seus olhos perscrutando cada movimento meu. — Acho que a ideia do seu patrão é maravilhosa — comenta de repente, e franzo a testa. — O padrão de vocês é realmente excelente, tanto nos produtos quanto no serviço. — Sorri animado. — Já consigo ver a Casa Virtanen dentro dos mais luxuosos shoppings do país e, claro, acho que você terá a oportunidade de trabalhar em qualquer uma das unidades. Fico tensa por um minuto, sem entender do que ele fala. — Desculpe-me, quem é o senhor? Ele estende a mão.
— Diogo Gusmão, da rede Dominus. Meu coração dispara, pois já ouvi falar na grande rede que engloba desde restaurantes famosíssimos a bares, lojas e, principalmente, franquias do ramo alimentício. — A rede Dominus está interessada na Casa Virtanen? Ele assente. — Interessada, não, o negócio já está praticamente concretizado! — comemora. — Eu vim pessoalmente trazer os contratos para que Rodrigo Virtanen avalie nossa proposta. Puta que pariu! Fico tonta e seguro no balcão, sem poder acreditar que meu irmão esteja fazendo algo desse tipo sem me consultar. É uma traição enorme, ainda mais por ele saber o que eu penso sobre franquiar nosso negócio. Vamos perder a essência, a autonomia e... Engulo em seco, incapaz de completar o pensamento acerca de nossos pais terem morrido por quererem, contra a vontade de mummo, expandir a loja. Ela nunca quis sair de Penedo!
— Está tudo bem? Você ficou um pouco pálida! Não precisa ficar preocupada, meu chefe é um homem muito consciente e dificilmente mexe no pessoal que já trabalha nos lugares que ele integra à rede, seu emprego está garantido — consola-me. — Ele teceu inúmeros elogios a todos da equipe daqui e... Fico gelada de repente, com uma sensação estranha, um aperto no peito e na garganta ao mesmo tempo. — Seu chefe esteve aqui nos sondando? Diogo franze a testa, o sorriso morre, e ele termina de tomar seu café. — Tudo perfeito, como esperado. — Pega sua carteira. — Quanto... — Quem é seu chefe? — insisto na questão. — Provavelmente você não o conheceu, porque ele é muito discreto. — Tenta novamente pagar a conta, mas não deixo de encará-lo. — Murilo está conversando diretamente com o Rodrigo, então... — Murilo Pontes é o seu chefe?! O tremor em minhas mãos não passa despercebido a ele, porém, antes que possa falar qualquer outra coisa, deixo-o sozinho na loja e marcho em direção à pousada,
imaginando que vou não só encontrar o traidor do meu irmão, como também o oportunista mentiroso por quem me apaixonei.
13 Murilo — Você ainda não falou com a Júlia, não foi? Rodrigo Virtanen fica rubro e nega. — Ainda não, afinal, ela passou todos esses dias ocupada com assuntos pessoais. — Encara-me sério. — Mas não se preocupe, iremos conversar, e eu vou explicar toda a situação, mesmo porque preciso da aprovação dela para concretizarmos o negócio. Bufo, não gostando nada de ela ser a última a saber, porém respeitando a decisão do seu irmão em ser o portador da notícia. — Você entendeu tudo direito, não foi? — Aponto o contrato. — Sugiro que leve a minuta até um advogado para analisar, converse com Júlia, e aí voltaremos a nos encontrar para formalizar o contrato e a integração da Casa Virtanen à rede Dominus.
Rodrigo assente e pega a pasta com o contrato que Diogo trouxe de São Paulo. Inicialmente, fui contra a vinda do meu assistente para Penedo, mas, conhecendo a expertise de Diogo para o negócio, achei que seria bom ele analisar com olhar de cliente o potencial da Casa Virtanen, por isso ele ficará mais alguns dias aqui para auxiliar Rodrigo e Júlia no que for necessário no concernente ao contrato. Se não fosse meu compromisso já previamente agendado, eu mesmo ficaria, mas confio em Diogo para explicar e dirimir quaisquer dúvidas. Minha única preocupação come ele é que se distraia com as lindas mulheres que moram aqui e acabe embolando o lado pessoal com o profissional – como eu mesmo fiz. A Casa Virtanen não foi o que me trouxe a Penedo, mas sim um bistrô de um chef que há algum tempo tenta se integrar à rede e receber investimentos para ampliar seu negócio. É isso que eu faço na maioria das vezes, invisto em negócios já formados, com potencial para se tornarem maiores e melhores, e me torno sócio de uma porcentagem dos lucros, integrando-os à rede que criei. Crescemos muito nos últimos anos, começamos apenas com bares e franquias de alimentos. A princípio,
íamos atrás dos possíveis investimentos, porém, quando fizemos nosso nome, passamos a receber as propostas dos próprios donos. A rede Dominus conta com vários restaurantes, bares e botecos em São Paulo e uma infinita variedade de franquias espalhadas por todo o país. Como eu disse para a Júlia, invisto em pessoas, nos sonhos e nos negócios delas, e, como é o meu trabalho, ganho dinheiro com isso. O restaurante que pleiteou integração à rede, aqui em Penedo, é ótimo, só que não vi potencial no dono para que eu arriscasse dinheiro e o nome da rede com ele. O homem é um tanto arrogante e achava que só entraríamos com a grana, sem interferir em mais nada, e, quando conversamos sobre os padrões da rede, ele ficou demasiado reticente, e isso já me deixou receoso. Invisto muito dinheiro, e isso é alto risco, porque nem sempre o negócio atende as expectativas que prevemos para ele. Na maioria das vezes, minha equipe precisa entrar para “arrumar a casa”, treinar funcionários, criar protocolos e até redecorar. Anos atrás, quando começamos, nós comprávamos também estabelecimentos, como fizemos com um famoso pub na Vila Mariana, cuja proprietária nos vendeu o ponto e nos alugou o imóvel.
Hoje já não fazemos isso, pois é muito mais vantajoso apenas participarmos do lucro a gerirmos todo o negócio. Percebemos isso quando investimos em um chef francês; seu restaurante foi um sucesso, e nós usufruímos do sucesso dele também. Todos ganham, principalmente um negócio pequeno e com potencial que nunca se expandiria sozinho. Nós impulsionamos, ajudamos a decolar e, quando isso acontece, recebemos em troca parte do lucro. É simples, é quase a mesma coisa que meu pai faz com sua cartela de investidores, mas no ramo alimentício. Adoro comer bem, fiz várias viagens a fim de conhecer a gastronomia de lugares diferentes e, sentado em um famoso restaurante em Paris, pensei em trabalhar investindo no ramo, já que isso é muito comum na Europa. — Eu acho que conseguimos ajustar todos os pontos que poderiam causar desconforto à Júlia — Rodrigo volta a falar sobre o contrato, girando a pasta em sua mão. — Vou conversar com ela essa noite durante um jantar que irei preparar para tentar... — Não! O grito de Júlia, irrompendo furiosa no restaurante vazio da pousada, faz-me ficar de pé no mesmo instante e sentir uma dor no peito que não consigo classificar.
— Fodeu! — Rodrigo murmura, e o olho sem entender. — Alguém deve ter contado para ela. Merda! — Júlia, eu posso... Ela me olha, seus olhos cheios de lágrimas, a expressão magoada, e sinto que já tirou todas as conclusões erradas possíveis. — Eu vim falar com meu irmão. — Corta-me e encara o Rodrigo. — Eu não sei o que te levou a querer fazer essa bobagem, mas saiba que, ainda que tente me excluir, eu possuo a metade da Casa Virtanen e não aceito transformá-la em uma franquia qualquer! — Jules, não é bem... — A resposta, Rodrigo, é não! — Ela é enfática. — Não sei o que ele te ofereceu nem me interessa, porque minha decisão não vai mudar. Ela me olha furiosa. — Sua estratégia de sondar possíveis negócios quase funcionou aqui, com os caipiras do interior. — Abro a boca para tentar explicar, porém ela não deixa. — Você pode até ter me usado, mas não vai usar o legado da minha família, Murilo Pontes!
Dá meia-volta e, do mesmo jeito que entrou, como um furacão inesperado, sai do restaurante. Penso em ir atrás dela, mas, antes, encaro Rodrigo. — O que eu não sei? — questiono-lhe. — Por que essa reação à simples ideia de fazer o negócio de vocês crescerem? Ele suspira. — Ela acha que nossos pais morreram porque tentaram isso. — Rodrigo põe a mão na cabeça. — Eu vou conversar com ela e... Não espero mais nenhum segundo e disparo pousada afora, indo pelo mesmo caminho que percorremos entre amassos até o chalé dela, onde espero que esteja. Bato à porta. — Júlia, por favor, me deixe explicar as coisas! Não há nenhuma resposta. Bato novamente, mas não ouço um só ruído no interior do chalé e decido ir embora, presumindo que ela não está em casa, porém paro e me lembro da chave reserva escondida sob uma pedra solta embaixo do capacho. Pego a chave, abro a porta e a chamo dentro do interior escuro do chalé de madeira: — Júlia!
Ela aparece na porta do quarto. — Vai embora! — Por favor, me deixa explicar! Eu não estou comprando o negócio e... — Não me interessa o que você pretendia fazer com a loja! — grita. — Você me usou! Achei mesmo que estivesse interessado em mim, mas todas as perguntas sobre o negócio, sobre minha família, era tudo parte do seu trabalho! — Não! — nego e me aproximo dela. — Nem sou eu quem faz esse tipo de trabalho, eu vim aqui por outro... — Não interessa, Murilo! Vocês dois estavam fechando acordo pelas minhas costas, como se eu não representasse nada, como se minha opinião não valesse nada! Sei que ela tem razão e que errei ao não insistir que ela fizesse parte de todo o processo junto ao seu irmão. Confiei em Rodrigo e achei que ele a conhecia melhor e que saberia como e quando conversar com ela, porque o meu maior medo, quando ele me procurou na pousada no domingo, era de Júlia pensar exatamente o que está pensando agora.
— Eu sinto muito, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra, acredite. Eu não usei você... — Não é o que parece! — Sua voz magoada me estilhaça por inteiro. — Vá embora, não tenho interesse na sua proposta, não há mais nada que te prenda a Penedo. O quê?! Ela não pode estar falando sério! — Júlia, você e eu... — Isso não existe! Vá embora da minha casa, por favor! Não adianta mais discutir, e assinto, consciente de que ela está chateada e que precisa de um tempo para digerir as coisas. — Eu não desisti de nós dois, e, quando você estiver pronta para conversar e me ouvir, basta me chamar. Despeço-me, mesmo que internamente eu não queira partir, e sigo para a pousada a fim de pegar minhas malas, já prontas. — Tudo certo? — Diogo me pergunta assim que nos encontramos no saguão. — Não — respondo sério. — Você volta comigo para São Paulo, e a questão da Casa Virtanen está suspensa. Diogo coça a cabeça.
— Eu acho que fiz merda! — Sorri sem jeito. — Eu fui até lá, tomei um café, tinha uma loira linda que me atendeu, e eu acabei falando demais. — Bufo, puto por saber de sua indiscrição. — Mas eu achava que o negócio estava certo e nunca imaginei que a atendente bonita era a tal Júlia Virtanen! Não sei se estou mais puto por causa da língua grande dele ou por ele ter se exibido para Júlia. — Controle sua língua, Diogo! — Entro no carro alugado, pronto para ir buscar o meu. — Ela fez mais estrago do que o normal. Suspiro ao ligar o veículo, apavorado não por ter perdido um negócio, mas com a possibilidade de ter perdido Júlia para sempre. *** Entro na cobertura onde meus pais moram há quase um ano, desde que venderam a enorme casa que tinham e se mudaram para algo menor, e a primeira coisa que vejo é o enorme pinheiro no centro da sala. Paro em seco, sem acreditar no que meus olhos veem, e minha mãe toma um susto, dando um grito ao me ver parado como uma estátua na entrada do apartamento. — Murilo! — Ela ri. — Que susto!
Franzo a testa. — O que é isso? — Aponto para o pinheiro. Ela gargalha. — Árvore de Natal! — Põe a caixa, cheia de bolas e enfeites, na mesinha de centro e vem em minha direção. — Eu estava com saudades, não te vejo há semanas! Retribuo seu abraço, ainda assustado por encontrar decoração natalina, e assinto, pois não venho aqui desde antes de ir para Penedo. — Fui ver um investimento e acabei por tirar uns dias de férias. Ela me olha desconfiada e ri. — Férias? Você? — Aperta meu nariz como fazia quando eu era criança e mentia. — Qual o nome dela? Suspiro, incapaz de sorrir ao falar deste assunto. — Júlia — respondo ao me sentar no sofá e olhá-la, abismado, colocar um laço na árvore. — Por que isso? Minha mãe entende a pergunta, mesmo ela não sendo muito clara. — Seu pai e eu percebemos que cometemos um erro — confessa sem me olhar. — Seu irmão amava o Natal, e isso era tão intenso nele que, quando faleceu,
estava exultante por ter ido até Gramado e feliz demais em Nova Iorque... — Tudo para ver a decoração natalina... — completo, pois ainda me lembro da euforia de Maurício com o Natal como se fosse hoje. — Ele era apaixonado pelas luzes, pela neve e pelo espetáculo natalino. — Ela suspira. — Lembra-se de como ficava nossa casa? E como eu poderia esquecer? Nossa casa antiga parecia uma daquelas casas de filme americano, toda iluminada, decorada, com enfeites no jardim e uma enorme árvore montada no meio da piscina. — Foi um duro golpe o que aconteceu com ele e seus amigos lá nos Estados Unidos. — Foi, sim! Por isso a gente se desfez de tudo, porque nos doía não o ter conosco ao montar a árvore ou fazer uma ceia. — Ela me olha de um jeito diferente. — Estávamos sofrendo tanto que esquecemos que tínhamos outro filho que precisava manter a normalidade e que também adorava o Natal. Balanço a cabeça em sinal negativo. — Eu nunca me ressenti de não ter comemoração, eu entendia.
— Você era um garoto, Murilo! Perdeu seu irmão e tudo o que ele amava. Respiro fundo, extremamente tocado com as palavras dela, percebendo que tem razão. — Por que decidiram voltar a comemorar agora? — Não sei! Acho que ter saído da casa, vindo para cá, nos renovou, e aí sentimos tanta falta dele que decidimos ressuscitar o Natal. — Ela ri. — Não há lembranças de Maurício aqui e não queríamos que elas morressem porque mudamos de casa. Então decorar o apartamento como ele gostava, com muitos enfeites e luzes, nos deixou mais próximos dele. Assinto, entendendo o que ela diz, pego uma caixa que conheço de longa data e a abro. — Eu pensei que vocês não tivessem mais essas fotos. — Pego uma imagem do meu irmão fazendo um boneco de neve. — Eu me lembro de quando os filmes chegaram... — Sim, ele já havia sido enterrado aqui, e, de repente, suas coisas que estavam no hotel chegaram e, com elas, os filmes fotográficos. — Mamãe acaricia o rosto do meu irmão, um garoto de 16 anos imortalizado por uma foto. — Nos sentimos tão culpados por termos autorizado o intercâmbio.
— Mãe, foi uma fatalidade! — Eu sei... — Ela pega outra foto e sorri. — Ele fazia amizade tão fácil, não é? Sorrio também, lembrando-me do sorriso fácil, da piada sempre pronta e do bom humor inabalável de Maurício. Ela me passa a foto que ele tirou em Gramado, semanas antes de morrer em Nova Iorque em um acidente de carro, e o vejo ao lado de um garoto quase de seu tamanho e de uma menininha loira e sorridente segurando um pirulito preto. Por algum motivo, não consigo tirar os olhos da menina, e meu coração acelera de tal maneira que tudo se agita dentro de mim. — Mãe, têm mais fotos com essas pessoas? — Claro, você não lembra? — Ela mexe na caixa. — Ele telefonou para cá e ficou te contando sobre a bala salgada que tinha comido, e você ficou rindo... Deus do Céu! As memórias de 22 anos atrás me assaltam, e me lembro perfeitamente da conversa com Maurício. — ...é horrível o sabor, mas eu comprei um saco cheio delas.
— Por quê, seu louco? — perguntei sem entender. — Para sacanear o grupo do intercâmbio! — Gargalhou. — Imagina todos eles indo para o banheiro do avião cuspir a bala! Nós então rimos de doer a barriga, imaginando a traquinagem dele. — É uma pena eu ter ficado doente e não poder ir contigo! — lamentei, com o corpo todo coberto por cataporas. Maurício suspirou. — Eu sei, Lilo, mas, quando eu voltar para casa em fevereiro, poderemos nos abraçar à vontade! Vou levar muitas dessas balinhas daqui para Nova Iorque, mas vou guardar a maioria para você experimentar e fazer pegadinhas com seus amigos. — Promete? — Claro! Começo a tremer, meus olhos se enchem de lágrimas, e minha mãe aperta minha mão. — O que foi, filho? — Eu não me lembrava mais da última vez que nos falamos — admito emocionado. — Lembrei-me agora.
Mamãe me entrega outra foto, e, mais uma vez, a lembrança perfeita se forma em minha mente. Casa Virtanen! — É daqui que reconheço o sobrenome! Na foto, meu irmão aparece com seu grupo de viagem e mais as duas crianças loiras – Rodrigo e Júlia – em frente a um estabelecimento com uma placa igual à da loja de Penedo. Olho para minha mãe, um tanto apavorado com a coincidência, e aponto a menina sorridente. — Mãe, essa é a Júlia. Andrea Pontes franze a testa, visivelmente confusa, mas de repente parece entender o que eu disse. — A sua Júlia das férias? — Arregala os olhos assustada. — Ela mesma. — Volto a olhar a fotografia, reconhecendo os traços que tanto admirei enquanto ela dormia. — A mulher por quem me apaixonei.
14 Júlia A decepção ainda me dói, e ter visto o dia amanhecer, depois de passar a noite sem dormir e repassando todas as conversas e momentos com Murilo, não ajuda em nada o meu ânimo. Desliguei o celular logo que ele saiu da minha casa, assim como peguei a chave reserva para que ninguém mais invadisse minha reclusão. Eu precisava pensar, chorar e entender tudo para tomar uma decisão definitiva. Foi tudo muito de repente, tanto meu envolvimento com Murilo, a paixão que explodiu entre nós, o sentimento que nasceu de forma tão espontânea e avassaladora, quanto a decepção por descobrir que ele estava aqui sondando e tramando com meu irmão pelas minhas costas. Suspiro irritada por ainda pensar nisso, por ainda me sentir tão chateada com tudo, ciente de que posso ter
parecido irracional, mas compreendo os motivos que me levaram a agir daquela forma. Primeiramente, não gostei de ser a última a saber, como se eu não fosse parte do negócio, e Digo ter agido daquela forma me magoou demais. Até entendo que ele é quem produz as receitas, quem as melhora e que o potencial da Casa Virtanen se deve ao seu trabalho, mas também faço parte da história da loja desde muito pequena. Cresci atrás do balcão, sou eu quem lida com os fornecedores e quem mexe com a questão financeira, além de ter criado toda a identidade visual, as embalagens exclusivas e personalizadas e até a concepção da apresentação do produto, ainda quando a mummo era viva. Por isso, ser colocada para escanteio me machucou. Por outro lado, entendo o motivo que o levou a fazer isso. Não estamos avançando sozinhos, a carreira dele está estagnada, o dinheiro está curto, mesmo assim eu rechaçaria a ideia de um investidor de pronto, porque não quero perder nossa autonomia. Se ele tivesse me dito que iria procurar ajuda, provavelmente eu não teria concordado. Será que sou tão cabeça-dura assim? Fecho os olhos e penso em meu pai. O sonho dele era levar o negócio da família para além de Penedo, por isso arriscou em outra cidade com tradição natalina, mas a
mummo sempre dizia que foi aqui que a Casa Virtanen começou e que não havia necessidade de abandonar o local onde nasceu. Eu era pequena, mas ficou claro que a decisão do meu pai não tinha o apoio de minha avó, que ele deu um passo maior do que as pernas, por isso mesmo, assim que a tragédia aconteceu e eles morreram, dona Eni viajou para o Sul, fechou a loja, que estava há menos de um ano aberta, e nos trouxe para morar consigo. Ela não gostaria que entregássemos o negócio nas mãos de estranhos e que perdêssemos o poder de decisão. Fazer isso com a loja é como trair sua confiança, e eu nunca me perdoaria por traí-la. São muitos motivos para eu ter agido como agi, e o mais dolorido de todos foi a dúvida que se instalou em mim sobre as reais intenções de Murilo. Realmente achei que não tínhamos nos encontrado por acaso, que a ligação que tivemos, a química, o encaixe, fosse fruto de algo inexplicável, talvez duas metades que se encontram. Sei que foi pouquíssimo tempo para avaliar profundamente essa questão, mas senti isso em todo o meu corpo e dentro do meu coração. Achei, sinceramente, que ele sentia o mesmo, mas, depois da descoberta de que estava aqui nos sondando,
que veio com interesse no negócio, as dúvidas se instalaram sobre o motivo de sua aproximação. — Você é uma Virtanen... O jeito que ele disse meu sobrenome, como se o conhecesse, demonstra que sabia muito bem o que fazia, que tudo foi de caso pensado. Será que ele achava que me seduzir era o caminho para eu aceitar sua proposta? Fico irritada comigo mesma por ainda estar na cama e me levanto, decidida a continuar minha vida, batalhar pela loja, provar ao meu irmão que conseguimos sozinhos e que não precisamos de ninguém! Entro no banheiro, e o primeiro impacto sobre a partida de Murilo – a forma como ele partiu – me atinge como um tiro. A toalha que ele usou, a escova de dentes junto à minha, os chinelos que esqueceu no canto do banheiro. Soluço e choro, sem poder mais conter minhas lágrimas com a barreira da raiva. Ainda não entendo por que tudo aconteceu da forma que foi e nem como ele pôde ser tão cruel envolvendo-me, fazendo promessas, como se estivesse tão apaixonado quanto eu.
Entro debaixo da água quente do chuveiro e deixo as lágrimas rolarem. Não é minha primeira decepção com um homem, mas a dor é inédita. Os outros relacionamentos que tive não deram certo, sem grandes tumultos, sem envolver tanto sentimento e emoção. Esses dias com Murilo foram intensos, então a desilusão não teria como ser amena. Arrumo-me para ir ao trabalho ainda tentando tirar do meu rosto a melancolia que ele demonstra. Faço uma maquiagem leve para disfarçar as olheiras causadas pela noite insone e as lágrimas, penteio meus cabelos e coloco a roupa básica de sempre – camisa e calça jeans – e confortáveis tênis. Pego minha bolsa, deixando o celular ainda desligado para trás e abro a porta da frente, dando de cara com meu irmão. — Eu tinha certeza de que você iria para a loja hoje! — ele diz sorrindo sem jeito. — Precisamos conversar, Jules. Concordo. — Devíamos tê-lo feito muito antes de você aceitar qualquer proposta de Murilo Pontes — acuso-o e o deixo entrar. — Você é meu irmão, Digo, minha única família, e eu não esperava que agisse daquela forma.
Ele respira fundo. — Eu sei. Confesso que fui covarde ao não ter conversado contigo antes. — Covarde, traiçoeiro, dissimulado... Rodrigo assente. — Eu queria conhecer a proposta dele antes de conversarmos e, somente se ela fosse boa, iria arriscar falar contigo. Rio sarcástica. — Nota o quanto isso é desleal? Porque você sabia, desde sempre, que eu não aceitaria, mas fez mesmo assim! — Jules, eu estou insatisfeito — Digo dispara. — Não é uma novidade minha insatisfação, e, para piorar, estou frustrado. — Cruzo os braços para ouvir os argumentos dele. — Recebi várias propostas para trabalhar em grandes restaurantes e recusei todas. — Fico tensa, pois não sabia disso. — Recusei não porque eu não queria ir... — Por mim — chego à conclusão, mas Digo nega. — Por nós. Eu amo trabalhar no negócio que a mummo criou, amo saber que segui o caminho do papai, mas...
— Nós estagnamos. — Sim! — Digo se senta. — É ruim ser ambicioso? É ruim querer fechar o mês sem aperto? Jules, eu mal pago meu aluguel! Engulo em seco, com o coração apertado. — Podia voltar a morar com... — Droga, Júlia, não dificulta! Eu tenho 35 anos, pelo amor de Deus! — Ele geme e fecha os olhos. — Mummo nunca quis que eu ficasse na loja. — O quê? Digo dá de ombros. — Nunca te contei isso, porque sair da Casa Virtanen nunca foi uma possibilidade para mim. Vovó pagou minha faculdade, eu aprendi a cozinhar e me descobri com ela. — Concordo com ele. — Eu nunca a abandonaria, mas ela me dizia que eu deveria tentar algo por mim mesmo. Engulo em seco, porque eu mesma ouvi isso dela quando terminei a faculdade e continuei a trabalhar na loja. Não que ela não me quisesse no negócio, mas achava que eu deveria ter outras experiências antes de me decidir. — Não é como se você não tivesse opções, Jules. Quero que, ao se decidir por ficar, decida isso porque é sua
vontade, não apenas para me agradar. A voz dela me dizendo isso assim que me formei é nítida em minha mente, mas, como meu irmão mesmo disse, não trabalhar na Casa Virtanen nunca foi uma possibilidade. — Por que nunca me contou sobre as propostas de emprego? — Não queria assustar você. Sei que conta comigo para tocar a loja e, acredite, também quero tocá-la contigo. Respiro fundo. — A mummo não gostaria que entregássemos a loja para estranhos. Ela não queria que saíssemos de Penedo e... — Por que você acha isso? — Porque ela não apoiou o papai quando ele foi pro Sul e porque, mesmo com a loja indo bem, ela a fechou assim que teve oportunidade. Rodrigo se levanta. — Jules, ela te disse isso? — Não, mas supus pelas conversas que ouvi. Rodrigo passa a mão na minha cabeça.
— Eu achei que você tinha medo por causa do que aconteceu com nossos pais, não por achar que mummo não queria crescer. Ela queria! Acha que papai foi para o Sul contra a vontade dela? Não! Ela o ensinou, o incentivou, o ajudou a montar a loja e escolher o lugar. — A voz dele fica triste. — Ela se sentiu culpada quando eles morreram, por isso fechou a loja. Soluço, incapaz de conter minhas lágrimas, porque sempre imaginei o contrário. Pegava uma ou outra frase solta dela e entendia que culpava a ambição de papai por tê-los tirado de nós, mas, na verdade, ela se culpava! — Por isso ela nunca mais tentou abrir outra loja? — inquiro, e Rodrigo assente. — E por isso ela queria que testássemos outras profissões ou outros lugares para trabalhar, porque, no passado, ela decidiu que papai ficaria na loja, e tio Matias, na pousada. Ela não queria mais ser responsável pelas escolhas dos outros. — Digo se senta ao meu lado e me abraça. — Você era muito pequena, Jules, e nós tentamos proteger você de todas as formas, mas erramos ao não conversar sobre o assunto, e você criou mil suposições. — Eu não quero perder a loja, realmente amo aquele lugar independentemente de qualquer coisa. — Eu também! Foi por isso que busquei ajuda.
Franzo a testa. — Buscou? Foi você quem chamou Murilo a Penedo? Ele nega. — Ele veio por causa do bistrô do Rio das Pedras. — Encaro-o sem poder acreditar. — O dono entrou em contato há algum tempo, e ele veio para ver o negócio de perto, mas decidiu não investir nele. Fui eu quem o procurou, quando a Hélia, a gerente do bistrô, me contou quem ele era e o que fazia. — Nem sou eu quem faz esse tipo de trabalho, eu vim aqui por outro... Gemo ao me lembrar que Murilo tentou explicar, mas que eu, cega por causa da raiva, não o deixei falar. — Fui eu quem o abordou, quem contou a ele a situação da loja de doces e quem pediu ajuda. — Fecho os olhos, sentindo um bolo na garganta que me impede de falar qualquer coisa ao Rodrigo. — Murilo queria conversar contigo também, mas pedi a ele que me deixasse fazer isso sozinho. Eu queria te contar tudo isso antes de te falar da oportunidade de integrarmos a rede Dominus. Levanto-me e ando de um lado para o outro, sentindo-me extremamente infantil e exagerada. Eu nem o
quis ouvir, apesar de achar que, assim que a raiva aplacasse, eu o procuraria para conversar. Começo a temer ter feito besteira. — Deus do Céu, Digo! — Estremeço. — Eu fui tão dura com ele e o acusei de me usar... — Você estava puta, ele vai entender! — Ele tenta me consolar, mas não sei o que pensar. Rodrigo se levanta. — Jules, vou deixar os papéis aqui. Por favor, pense com carinho, mas não se sinta obrigada se não gostar. Nunca foi minha intenção impor minha vontade a você. Assinto e o abraço apertado. — Eu vou pensar, prometo. — Quer ajuda para resolver as coisas com ele? Nego. — Vou resolver isso sozinha, de um jeito ou de outro. Rodrigo sorri, e eu disfarço meu nervosismo, pois não me sinto nada confiante sobre a forma com que tratei o assunto com Murilo, sem nem ao menos deixá-lo explicar, acusando-o sem defesa. ***
— Já decidiu o que vai fazer? — Glauce me pergunta de noite, enquanto repasso com ela os ingredientes para o próximo curso de biscoitos que iremos promover no final de semana, já que o primeiro foi um sucesso. Respiro confesso:
fundo,
enchendo-me
de
coragem
e
— Já que ele não atende às minhas ligações, vou até São Paulo. Glauce arregala os olhos. — Quando? — Amanhã bem cedo. Já avisei ao Digo que preciso de uns dias longe da loja. Sei que não é um bom momento para deixá-los sozinhos, mas... — Foda-se a loja, Jules! — ela praticamente grita e dá pulinhos como fazia na época em que éramos adolescentes e trocávamos confidências. — Vá atrás do seu presente, mulher! Do seu CEO de Natal! Gargalho e assinto. — Eu vou! Não vou desperdiçar um presente do Joulupukki de jeito algum! — É assim que se fala!
Suspiro e deixo transparecer um pouco do meu medo. — E se Murilo não quiser mais me ouvir, assim como fiz com ele? — Ele que lute, porque você vai se desculpar nem que seja gritando! — Ela franze a testa. — Por falar em gritar, já sabe onde vai fazer isso? Eu tenho o endereço dele! — Eu contava com isso! — Sorrio. — Além disso, há também o endereço da empresa no contrato. De qualquer maneira, eu o acho. Glauce me olha curiosa. — Já tomou uma decisão sobre a proposta? — Já, sim. Espero só estar fazendo a coisa certa. Glauce sorri apoiadora e então vai procurar algo no armário da despensa. — Jules, você sabe se aqueles cortadores em forma de rena estão lá no chalé? — Não estavam aqui no dia do curso? — Não, só o de estrela e o de boneco. Assinto, lembrando-me de só ter visto biscoitos nesses formatos.
— Vou olhar na arca da mummo e, se achá-los, trago-os para você. Pego a lista de ingredientes que precisaremos para o evento a fim de encomendá-los com o fornecedor da loja de doces e me despeço de Glauce, indo para minha casa, já cansada do dia de trabalho, da aflição de não ter conseguido falar com Murilo e da ansiedade para que as horas passem até amanhã. Seguro as chaves do chalé no bolso do meu jeans, mas, como estou distraída, o chaveiro cai no chão. Merda!, penso ao me abaixar no escuro, tateando o chão para ver se encontro as chaves, até que, de repente, uma luz ilumina tudo, e olho para cima. — Quem está aí? — questiono, pegando o chaveiro e levantando-me. A luz – de um celular, ao que parece – se apaga, e, quando meus olhos se acostumam novamente com a penumbra, encaro Murilo parado na porta do chalé.
15 Murilo Ouço o barulho de passos e logo o tilintar de chaves batendo uma contra a outra, e meu coração acelera, consciente de que é Júlia quem vem pelo atalho até o chalé. Estou cansado, porque vim dirigindo direto de São Paulo, assim que saí da casa de minha mãe hoje, após descobrir que meu irmão conheceu a família Virtanen antes de falecer. A constatação me deixou sem chão diante da coincidência, e minha mãe, sensível e sensitiva como é, logo decretou que eu não havia ido até Penedo a negócios, mas tão somente para encontrá-la. — Maurício indiretamente cumpriu sua promessa — Andrea falou emocionada. — Te fez ir até a loja dos Virtanens. Você experimentou a tal bala salgada? Chorei como uma criança e assenti.
— Foi o primeiro “doce” típico que Júlia me fez experimentar. — Olho a foto, onde ela aparece com um pirulito preto na mão, toda sorridente. — Ela adora essa tal de salmiakki. Mamãe mexeu mais na caixa de recordações, tirou mais algumas fotos da excursão que meu irmão fez para Gramado e acabou encontrando mais uma foto de Maurício em frente à Virtanen, e, nela, ele está gargalhando junto a Júlia e o Rodrigo, segurando um saco com o nome da loja. As balas que comprou para mim! — Será que ela se lembrará dele? Era tão pequena! — Provavelmente não, mas o irmão dela, sim. Concordei com minha mãe. — Os pais dela ainda eram vivos nessa época. — Apontei para o casal, que reconheci das fotos que ela me mostrou. — Eles morreram quase na mesma época que o Maurício, e foi por isso que Júlia e o irmão voltaram a morar em Penedo. A avó os criou. Mamãe lamentou com um gemido. — Nossas famílias foram afetadas ao mesmo tempo pela perda de entes queridos. — Ela sorriu triste. — Quando vou conhecê-la? Dei de ombros.
— Tivemos um desentendimento ontem, e não saí de lá em bons termos. — Ela me olhou surpresa, porque sabia que raramente entro em confronto com alguém sem tentar de tudo para resolvê-lo. — Estou dando um tempo a ela para pensar com mais clareza. — E como você está? — Chateado por ela não ter me dado chance de explicar e por desconfiar de mim na primeira oportunidade que teve. — Você não teria feito o mesmo? Lilo... — Ela usou meu apelido de infância. — Vocês se conheceram há pouco tempo, e, quando é assim, qualquer mal-entendido pode virar conflito, porque confiança é conquistada com o tempo. — Eu só estou esperando a poeira baixar um pouco... — É isso que você quer ou é isso que o homem de negócios acha que é o sensato a se fazer? Você é ótimo negociador, filho, mas nem tudo na vida é feito com estratégias. Às vezes, deixar o coração falar mais alto é a atitude certa. Fechei os olhos e concordei com ela. — Eu gostaria de poder me explicar, detesto coisa mal resolvida.
— Então vá atrás dela! — Ela me deu um tapa na nuca que pareceu me despertar. — Você nunca foi pessoa de esperar as coisas caírem do céu ou se resolverem por si só, sempre foi atrás do que quis, e, se ela é quem você quer, não entendo por que ainda está sentado aqui no meu sofá. — Ela olhou para as fotos. — Ainda mais depois disso tudo que descobrimos. Não desperdice o presente que você ganhou e que, tenho certeza, tem um pedido especial de seu irmão nele. Levantei-me, recolhi as fotos, beijei-a e saí do Morumbi rumo à minha casa, onde arrumei uma mala pequena, disposto a acampar em Penedo até que Júlia quisesse me ouvir, então parti para encontrá-la. Acabei pegando um acidente na Via Dutra, o que atrasou minha chegada em mais de três horas. Pensei em ir até a pousada tentar um quarto, mas a urgência em vê-la falou mais alto, e, como a loja já estava fechada, vim até o chalé. Bati várias vezes, chamei-a e, quando peguei o celular para ligar para ela, vi que tinham várias ligações que entraram direto para a caixa postal devido ao baixo sinal da estrada em alguns pontos, mas todos notificados pelo sistema da operadora, que manda um SMS avisando da chamada perdida.
Senti um fio de esperança por saber que ela estava me ligando, foi quando ouvi o som das chaves conforme ela andava. Júlia deixa o chaveiro cair no chão. Ligo a lanterna do telefone e, além de confirmar realmente ser ela, a ajudo a pegar o objeto que deixou cair. — Quem está aí? — ela pergunta temerosa, e eu apago a lanterna. Júlia demora a me ver, mas, quando consegue, sua expressão de incredulidade a deixa pálida, e corro em sua direção. — Sou eu, Murilo! — Alcanço-a. — Desculpe-me por tê-la assustado. Ela ainda parece um tanto amedrontada. — O que você está fazendo aqui? Gelo, temendo ter entendido errado o motivo que a levou a me ligar tantas vezes. — Nós precisamos conversar, Júlia. Ela assente. — Vamos entrar! Espero que abra a porta do chalé e acenda a luz da sala.
Ficamos parados, um olhando para o outro, sem saber bem o que dizer. Minha vontade é ir até ela, pegá-la em meus braços e demonstrar o que apenas dois dias longe fizeram comigo. Acalme-se, Murilo, e tente conversar primeiro!, meu cérebro manda, ao mesmo tempo em que meu corpo age e, em uma fração de segundos, Júlia está entre meus braços, bem apertada em um abraço cheio de saudades. — Eu queria me desculpar... — falamos juntos. Ela sorri, e preciso respirar ainda mais fundo para não a levar para a cama só por causa desse sorriso. — Júlia, eu te devo desculpas por não ter dito que... — Digo conversou comigo. — Ela me interrompe. — Explicou tudo. Eu fui injusta e, além disso, não te deixei explicar. Sou eu quem pede perdão. Nego, o coração mais aliviado, a vontade de tê-la ainda mais pungente. — Foi um mal-entendido — sentencio. — Quero que saiba que negócio nenhum vale mais a pena que estar ao seu lado. Vou conversar com seu irmão e retirar a proposta que fizemos... — Não! — Mais uma vez ela me interrompe. — Não faça isso, por favor. — Ela se afasta um pouco para
conseguir me olhar no rosto. — A Casa Virtanen realmente tem aquele potencial que está descrito na proposta? Sorrio e assinto. — A proposta é só uma projeção, e eu acredito que a loja de doces de sua avó pode ir muito mais longe. — Sem perder a qualidade nem os princípios que temos? — Concordo. — E o Digo vai ser o chefe geral da cozinha que vai produzir para todas as lojas? — Essa é a proposta! — Eu rio. — Se seu irmão quisesse, eu mesmo financiaria um negócio só para ele, Júlia. O homem é um chef confeiteiro incrível! Ela fica emocionada. — Ele é, e eu tenho sido egoísta esses anos todos mantendo-o aqui. — Acaricio seu rosto como gosto de fazer, e ela fecha os olhos. — Eu ainda não disse a ele, mas aceito fazer parte da rede Dominus. — É maravilhoso ouvir isso, mas não foi o que me trouxe até aqui — deixo claro. — Não vim pela Casa Virtanen, vim por Júlia Virtanen. — Sinto-a soluçar contra meu corpo, e ela esconde o rosto no meu peito. — Vim porque você me chamou a atenção desde nosso primeiro encontro, e, a partir dali, a sensação de reconhecimento não passou mais. — Eu também a sinto, Murilo.
— Eu sei. — Beijo sua testa. — Eu te contei sobre a morte do meu irmão, não? — Ela assente. — Sobre como o Natal perdeu o sentido depois da morte dele. — Suspiro. — Hoje, quando fui visitar meus pais, encontrei a casa toda sendo decorada. Júlia levanta o rosto e me olha surpresa. — Por quê? — Eles superaram e perceberam que manter o que Maurício gostava era uma forma de também manter a memória dele. — Sim! Como eu me senti em relação aos biscoitos da minha mãe. Afasto-a e a sento na poltrona confortável perto do sofá grande da sala, e Júlia parece confusa com meu afastamento. — Eu preciso te mostrar algo. — Entrego-lhe a fotografia. Júlia fica boquiaberta, os olhos arregalados como pratos. — Como você... — Seus olhos se enchem de lágrimas. — Somos meus pais, meu irmão e eu! Aponto para o garoto de cabelos escuros na foto. — Esse é o Maurício, meu irmão.
Vejo as mãos dela tremerem, as lágrimas rolarem por seu rosto, e me abaixo para ficar bem próximo a ela. — Eu não me lembro desse dia — lamenta. — Quando... — Umas semanas antes de ele morrer nos Estados Unidos. Ele foi com um grupo de amigos até Gramado para assistir ao show das luzes e depois seguiu direto para Nova Iorque, onde faria um intercâmbio até o início das aulas do próximo ano. Ele não voltou, porque, com apenas duas semanas na cidade, o carro onde estava se envolveu em um acidente de trânsito, e ele e dois amigos morreram na hora. — Meus pais morreram em janeiro, um mês depois de esta foto ser tirada. — Entrego as outras duas imagens para ela, e Júlia sorri. — Eu imagino já o motivo da risada aqui! — Seus olhos brilham. — Esse era o saquinho onde colocávamos as balas antigamente, antes de eu reformular a embalagem. — Meu irmão prometeu guardar balas salgadas para eu experimentar. — Contar isso para ela é surreal, e fico extremamente emocionado. — Ele não conseguiu cumprir a promessa, mas acabei vindo para cá, e você me deu as balas para provar. Júlia assente, entendendo o que quero dizer.
— É por isso que sentimos essa ligação tão forte! — Eu tinha que te conhecer, Júlia. — Encosto meu rosto no dela. — Eu amo você! — Eu também te amo! Beijo-a com o coração leve e a alma feliz, sentindome um garoto na véspera de Natal esperando o presente quando o relógio soar à meia-noite. Júlia é o meu presente! Puxo-a para o chão, sobre mim, sinto seu corpo se moldar ao meu perfeitamente e, mais uma vez, tenho a certeza de que fomos feitos um para o outro. Almas gêmeas. Duas metades. Não importa como chamem, acho mesmo que o que há entre nós nem precisa ser nomeado. O fato é que ela e eu somos um e, juntos agora, estamos completos.
Epílogo Júlia Dois anos depois. Mais um Natal que chega, e de novo estamos na correria para organizar uma ceia para a família, que, nos últimos anos, cresceu muito! Antes, a pousada ficava aberta na véspera e no dia do Natal, porém agora, nesta época, ela volta a ser a casa antiga da minha família, lugar de reunirmos todos os membros, amigos e agregados dela. — Alguém viu a louça da mummo? — Glauce passa por mim, andando meio desconjuntada por causa da barriga enorme, agitada como sempre. Paro de arrumar a mesa principal e nego. — A última vez que vi essa louça foi em um jantar na casa do Nato. — Aponto para o irmão dela, que está afinando o violão que trouxe para tocar na ceia.
Ele escuta a acusação e a refuta de pronto: — Eu a devolvi, mas seu irmão pegou para receber uns amigos. Glauce e eu gritamos ao mesmo tempo: — Digo, cadê a louça da mummo? Meu irmão aparece com uma torta linda, e minha boca saliva ao vê-la. É verdade que ainda não sei cozinhar bem, mas sou ótima em comer! Quase profissional! — Pergunta para a Glau, ela a usou no chá de bebê mês passado! Olho para minha prima, que parece confusa e pensativa. — Glau, cadê a louça? — Que louça? — Minha sogra entra no pátio da pousada, onde estamos decorando tudo para a ceia de Natal, carregando um belo peru assado. — Ju, seu tio nos pediu para trazer. — Ela aponta para meu sogro, trazendo outro assado também, uma leitoa. — A mesa já está pronta? — Não! Falta a louça da vovó! — Olho para a minha prima. — Glau, você devolveu a louça? Ela abre a boca para responder, mas seu marido é quem responde:
— A entreguei para o Murilo assim que o chá de bebê acabou! — explica e coloca duas champanheiras na mesa. — A decoração está atrasada. Já viram as horas? Bufo. — Murilo! — grito pelo homem que se tornou meu marido há um ano. — Ju, passei por ele há pouco, e estava dormindo. — Andrea ri. — Ele está exausto! Ele?! Olho para o pátio, onde fiquei o dia todo pendurando luzes, bolas, guirlandas, juntando mesas, e sinto uma inveja enorme de meu marido, que, apesar do trabalho que está tendo, ainda tem tempo de cochilar. — Que gritaria toda é essa? — Minha tia aparece com a caixa de louças da vovó nas mãos. — O que está acontecendo? — Onde a caixa estava, mãe? — Glau pergunta assim que ela apoia o objeto na mesa e começa a tirar as travessas. — No lugar de sempre! Glauce sorri sem jeito, e eu a fuzilo com o olhar por ter me feito agir como uma louca, gritando para todos os lados e investigando quem tinha afanado a preciosa louça da nossa avó.
— Acho que não consegui me abaixar direito para enxergar no fundo do armário — justifica-se e sai de fininho, alisando sua enorme barriga de grávida. Respiro fundo e volto a me concentrar na belíssima e enorme mesa posta que arrumei para nossa ceia. — Sabe se o João Alberto já chegou? — minha sogra pergunta pelo melhor amigo de Murilo e seu afilhado. — Ainda não, pelo menos ninguém me avisou aqui. Ela assente e volta a me ajudar a arrumar os itens sobre a mesa, arranjando espaço no meio do tampo para as comidas que estão vindo da cozinha. — A mesa de sobremesas está um escândalo, seu irmão se esmerou! Sorrio orgulhosa. — Ele está a cada dia melhor no que faz! — Assim como você! — Pisca. — Meu filho não ganhou só uma esposa e companheira, mas uma ótima designer para a Rede Dominus. Assinto, sem nenhuma modéstia, pois venho recebendo muitos elogios acerca das embalagens, padrões e produtos que tenho desenvolvido para cada tipo de negócio integrado à Rede.
— Eu amo meu trabalho, mas confesso que não estou sentindo falta dele — falo baixinho para que só ela escute. — Espero que esse início de ano passe bem devagar. Ela ri. — Por que você não trabalha de casa? Isso é tão comum hoje em dia! — Porque, se eu ficar em casa, acha que vou querer passar horas na frente do computador? — Sorrio feito boba. — Já combinei com meu chefe – e marido – que vou cumprir apenas meio período. — Ótima decisão, e você já sabe, no que precisar de mim, terei enorme prazer em ajudar! — Sua ajuda é sempre bem-vinda, Dea! Um som alto e estridente me faz largar a louça na mesa de qualquer maneira e me virar para o local de onde ele está vindo. Murilo aparece, roupa toda amarrotada, cabelos desgrenhados e um olhar assustado de quem foi acordado no melhor de seu sono. Em seus braços fortes, de músculos bem proporcionais e firmes, nosso filho, um pequeno pacotinho de apenas dois meses, berra exigindo seu alimento.
— Já se passaram três horas? — meu amor indaga, um tanto perdido. — Júlia, você deve ser uma supermulher por conseguir cumprir os horários do Dom e ainda ter tempo para si mesma e para mim. Beija-me, feliz em me entregar nosso pequeno esfomeado. — Ah, mas até o choro dele é lindo demais! — Andrea diz, encantada com o neto. — Ele é todo lindo! — Meu sogro chega perto para vê-lo melhor. Dom Virtanen Pontes foi concebido propositalmente durante nossa lua de mel. Murilo e eu conversamos sobre a ideia de termos um filho ainda durante nosso namoro – que começou à distância, até eu me mudar para São Paulo a fim de fazer um curso de especialização na minha área – e depois de eu me estabelecer de vez na cidade. A loja daqui de Penedo ficou a cargo de Glau, que passou a administrá-la como parte da pousada até que todas as adequações para que virasse a matriz de muitas filiais ficassem prontas. Nesses dois anos desde que assinamos o contrato, a Casa Virtanen já conta com mais de 30 lojas espalhadas pelo Sudeste e pelo Sul do país, nas capitais e nas principais cidades de cada estado dessas regiões.
Meu irmão assumiu uma cozinha grande e profissional em São Paulo e, se antes já era um safado de mão cheia, na cidade grande está se fartando sem moderação. Apesar de não parar com mulher nenhuma, Digo é um tio incrível e um parceiro de negócios competente. O namoro com Murilo se tornou noivado, e, até o casamento, foram apenas algumas semanas. Não quisemos festa ou cerimônia, apenas nos casamos e seguimos em viagem para passar o Natal em Nova Iorque. E foi lá, na cidade onde Maurício deu seu último suspiro, que concebemos o Dom. Olho para meu filho, um menino de cabelos castanhos – uma mistura do meu com o do pai –, olhos tão azuis quanto um céu de verão e a boquinha perfeita encaixada no bico do meu seio, fazendo movimentos fortes de sucção que me enchem de sentimentos de amor e criam um laço indestrutível entre nós. Murilo me abraça pelas costas, observando nosso filho mamar, e beija minha nuca. — A cada Natal, um presente melhor! — sussurra. — Ano passado, nosso casamento, este ano, nosso filho. E o melhor de todos, aquele em que conheci você!
Esfrego a parte de trás da minha cabeça em seu peito, e ele beija minha testa, afastando-se para ajudar sua mãe. — Jules! — Glau anda depressa em minha direção. — Olha só o que achei! Ela me mostra, disfarçadamente, o pregador com enfeite de Papai Noel da nossa avó, e eu arregalo os olhos, sorrindo, pois o jogo havia sumido misteriosamente no Natal passado. — Só achou um? — questiono. — Sim, vamos ter que tirar no palitinho! — Mostra a outra mão com dois palitos de fósforo, um com a ponta queimada, e o outro com a ponta intacta. — Um é o Nato, e o outro é o Digo, ok? Concordo, ela embaralha os palitos nas suas costas e me pede para puxar um sem ver a parte com a pólvora. Seguro Dom com um só braço, puxo o palito com a ponta sem queimar e abro um enorme sorriso. — Digo! — Glau declara e sorri conspiradora. — Assim que você terminar aí com essa delícia de garoto — faz aquela voz fininha que todo mundo faz para bebês —, nós vamos escrever a cartinha e pendurar lá na árvore! — Acha que vai funcionar? — pergunto divertida.
— Jules, tudo funciona! — Aponta para seu marido, um fazendeiro que a conquistou durante o Carnaval do ano seguinte ao que conheci Murilo. — Até pedido para o Rei Momo! Gargalhamos juntas, achando tudo uma grande brincadeira, ainda que, às vezes, pensemos que pode ser real e que, de alguma forma, estamos tendo nossos pedidos atendidos. Um CEO de Natal para mim. Um bonitão no Carnaval para Glau. O que estará reservado ao meu irmão? FIM
Agradecimentos Este ano teremos um Natal diferente, quando muitas famílias não poderão estar com todos os seus entes queridos, celebrando o nascimento de Cristo. Mesmo à distância, vale lembrar que o maior ensinamento que o aniversariante dessa data nos ensinou foi sempre o amor! Reduzir a festa este ano é um ato de amor; celebrar on-line é um ato de amor; se você, que leu essa história, vai ter um Natal atípico, sem poder estar presente ou perto de todos que ama, deixo aqui meu abraço e meu desejo de que, em breve, possamos vencer o vírus e voltar a nos reunir. A todas às minha Jujubas, desejo um Natal repleto de amor, paz e harmonia. Muito obrigada por estarem sempre me apoiando e vibrando com os livros que escrevo. Vocês são um dos meus maiores presentes! Às minhas amigas que estiveram comigo para que essa pequena novela acontecesse: Wilka Maria, a Kika, eu te amo demais! Obrigada por ser essa irmã que a vida me deu, me encher de conselhos e puxar minha orelha de vez em quando (sempre!). Analine, a Ana, seu trabalho como sempre é especial. Obrigada por ser amiga e profissional incrível! Te amo, Pretinha! Layce Design, obrigada pela capa. Lai, eu sei que peço quase um milagre, mas você é MÁQUINA e consegue fazer (hahahahaah). Obrigada! Feliz Natal! [1]
Nota da autora: Papai Noel, em finlandês. [2] Nota da autora: pão doce com especiarias (cardamomo e canela). A tradução literal do nome desse doce é “tapa na orelha”. [3] Nota da autora: massa de pão levemente adocicada aromatizada com cardamomo. [4] Nota da autora: vovó em finlandês.
[5]
Nota da autora: bolo trufado de maracujá (tradução literal: bolo de trufa de chocolate da paixão). [6] Nota da autora: natureza, em finlandês. [7] Nota da autora: Runebergin Torttu é uma torta tipicamente finlandesa, cujo nome homenageia o poeta Johan Ludvig Runeberg. [8] Nota da autora: o personagem se refere ao modelo i8 da BMW. [9] Nota da autora: Pikkojoulo é uma festa que celebra o pequeno Natal Finlandês, onde as crianças dançam vestidas de duendes.