UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ INSTITUTO DE ESTUDOS EM DIREITO E SOCIEDADES FACULDADE DE DIREITO
ANAIS DO II SEMINÁRIO DIREITOS HUMANOS – HUMANOS DIREITOS 29 E 30 DE JUNHO DE 2016
Coordenação científica: Profª Dra. Daniella Maria dos Santos Dias
MARABÁ / PARÁ FEVEREIRO DE 2017
Expediente Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – Unifesspa Profº Drº Maurílio de Abreu Monteiro Reitor Profº Drº Jorge Luís Ribeiro dos Santos Diretor do Instituto de Estudos em Direito e Sociedades Profª Drª Lorena Santiago Fabeni Diretora da Faculdade de Direito Profª Drª Daniella Maria dos Santos Dias Coordenadora científica do Seminário e desta publicação Organização do seminário: Alex Mota André Hipólito Andrei Cesário Breno Benício Chaira Nepomuceno Davvy Lima Eryca Rubielly Tolentino Fernando Ribeiro
Gabriela Dias Iêda Cristina Amorim Jonas Bezerras Kallebio Lisboa Karina Juvenal Letícia Barreto Liselle Vaz Manoel Ítalo Borges
Marizete Romio Marta Trindade Millena Lopes Nayanne Pereira Nivaldo Almeida Simone Rodrigues Vitória Xavier Wasley Marques
Edição, diagramação e revisão geral: Andrei Cesário de Lima Albuquerque Foto da Capa (pôr do sol no Rio Tocantins, em Marabá-PA): Vânia Monteiro da Conceição Publicado em fevereiro de 2017 Versão exclusivamente eletrônica, disponível em www.nedd.com.br/anais Permitida a divulgação e o compartilhamento amplo e irrestrito, podendo os textos desta publicação serem copiados parcial ou integralmente, desde que citada a fonte.
Sumário Apresentação, por Profª Drª Daniella Maria dos Santos Dias................................................06 Monitoria em Direitos Humanos e a preparação para o Seminário, por Andrei Cesário de Lima Albuquerque e Davvy Lima da Silva............................................................................08 Organizando um seminário, por Letícia Barreto Cabral da Silva..........................................10
Trabalhos apresentados Trabalho análogo ao escravo: um atentado à dignidade humana, por Manoel Ítalo e Millena Lopes. .........................................................................................................14 Tortura e estado: uma relação ainda existente, por Vitória Xavier e Jonas Bezerra....20 Lei do Feminicídio: práxis de direitos humanos, por Líbia Marques e Liselle Vaz......26 Homoparentalidade: adoção por casais homo afetivos, por Alex Mota.....................32 A reinserção do egresso do sistema prisional à sociedade, por Wasley Marques.....36 Educação, dignidade humana e sistema de cotas: o processo de inserção das ações afirmativas no contexto social, educacional e jurídico brasileiro, por Lewy Mota Pardinho.......................................................................................................................40 A indústria da seca e o processo de instrumentalização do ser humano, por Chaira Nepomuceno e Gabriela Dias..................................................................................42 Saneamento ambiental como política pública, por Iêda Cristina Amorim e Marta Trindade........................................................................................................................47 A era do (des)envolvimento social, por Eryca Rubielly Tolentino.............................53
Conquistas, futuro e desafios da turma “Direito 2016”, por Éllyda Landim...........................60
Apresentação
T
ratar do tema direitos humanos na Amazônia, em um país periférico como o Brasil, tem sido um grande desafio.
A Amazônia tem sido considerada o almoxarifado do mundo e o desenvolvimento da região foi e é marcado por grandes projetos que solapam identidades culturais, transformam a paisagem, degradam o meio ambiente, deslocam massivamente populações tradicionais, indígenas, quilombolas e ribeirinhos. O movimento avassalador do capital sobre essa nova fronteira é brutal sob as perspectivas social, cultural, política, jurídica e econômica. A cada novo projeto desenvolvimentista que se instala na região, novos processos migratórios se estabelecem, novos assentamentos humanos são criados, novos conflitos socioespaciais são gerados, vez que os conflitos sempre estão relacionados com a desigual apropriação dos recursos naturais. Davis1 aponta que a Amazônia é uma das fronteiras urbanas que mais cresce e esse crescimento não significa a formação de cidades, mas sim, de favelas. Podemos dizer que o desenvolvimento econômico da região tem impulsionado a ‘favelização’. Esses assentamentos precários, resultantes da invasão de áreas urbanas e rurais, privadas e públicas, refletem formas de ocupação precária da terra, fenômenos tão comuns no Brasil 2. Estamos vivenciando um amargo processo de segregação socioespacial, vez que grande parte de nossa população tem a única opção de viver em moradias pobres, desprovidas de infraestrutura sanitária, marcadas pela insegurança jurídica da posse, em locais perigosos, sob o ponto de vista ambiental, e com altas concentrações populacionais. Indispensável registrar que nesses espaços de exclusão inexistem políticas públicas eficazes para propiciar acesso à saúde, à educação, à alimentação, aos recursos naturais, ao financiamento, à tecnologia, ao mercado de trabalho. Os efeitos desses projetos desenvolvimentistas para a nossa região são a formação de cidades fragmentadas, desiguais, com áreas degradadas, insalubres e sujeitas aos riscos de desastres naturais, assim como o paulatino aumento da violência, nas cidades e no campo. Como bem pontua Muixí3, “las características negativas de la globalización sobre las ciudades han sido los procesos de fragmentación y segregación funcional y social”. Diante desse cenário de exclusão e desigualdade, o projeto da República Federativa do Brasil calcado na igualdade e na dignidade humana, belamente expostos em nosso texto constitucional, parecem evanescer-se, vez que convivemos em uma sociedade marcada por “espaços de desterro"4, em que a fragilização e a ruptura do tecido social são as marcas mais expressivas de nosso "processo civilizatório".
1
DAVIS, Mike. Planeta Favela. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 27. FERNANDES, Edésio. A regularização de favelas no Brasil: o caso de Belo Horizonte. In: FERNANDES, Edésio (org.). Direito Urbanístico. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 134. 3 MUIXÍ, Zaida Martinez. Reflexiones en torno a las mujeres y el derecho a la ciudad desde una realidade con espejimos. In: El derecho a la ciudad, Barcelona, 2011, p. 106. 4 CASTEL, Robert. A discriminação negativa: cidadãos ou autóctones? Petrópolis: Vozes, 2008, p. 24-25. 2
O país, a região norte, a sociedade brasileira precisam se debruçar sobre os graves problemas aqui enfrentados, sob o ponto de vista ambiental, territorial, educacional, tecnológico e científico5. Precisamos refletir, criticamente, sobre o fenômeno do colonialismo interno e externo da Amazônia, reflexão sem a qual não poderemos produzir soluções que revertam esse pacto federativo tão desigual e antidemocrático. Não somos cidadãos menos importantes nessa nação brasileira. Somos seres humanos pensantes, que buscam a liberdade de construção de um processo de conhecimento democrático para a nossa região, para o país, para os brasileiros que aqui habitam. Esse livro é o resultado de um trabalho coletivo de jovens alunos da Unifesspa, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, recém-criada, que sofre a possibilidade de seu "encolhimento institucional" face aos percalços da fragilização e desestruturação de nossas Universidades Públicas. Mas adversidades sempre são ricas oportunidades de crescimento. E esse trabalho reflete o compromisso político e social de nossos alunos com o debate sobre os DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA.
Daniella Maria dos Santos Dias Coordenadora Científica do Seminário Doutora em Direito (UFPE) Professor Associado IV UFPA Promotora de Justiça
5
FIÚZA DE MELLO. Alex. Para construir uma universidade na Amazônia: realidade e utopia. Belém: EDUFPA, 2007.
Monitoria em Direitos Humanos e preparação para o seminário Andrei Cesário de Lima Albuquerque6 Davvy Lima da Silva7
O
projeto Monitoria de Nivelamento em Propedêutica Jurídica atendeu aos alunos da turma Direito 2015, da Unifesspa, na disciplina Direitos Humanos, ministrada pela professora Dra. Daniella Maria dos Santos Dias. O projeto, contudo, foi proposto e coordenado pelo professor Msc. Hirohito Diego Athayde Arakawa, em atenção ao Edital 03.2014, da PróReitoria de Ensino de Graduação (que custeou com bolsa); e abrangeu também as disciplinas Introdução ao Estudo do Direito e Direito Civil 1. As aulas de direitos humanos ocorreram entre dezembro de 2015 e abril de 2016, e a disciplina teve como resultado prático um seminário de culminância, apresentado pelos alunos, o qual ocorreu nos dias 29 e 30 de junho de 2016. De fato, assim como na primeira edição do evento, ficou claro que o estudo, a compreensão e a multiplicação dos direitos humanos não podem se restringir à sala de aula, e tivemos mais um belo momento acadêmico. Contudo, a preparação começou bem antes. No curso da disciplina, os alunos foram instigados a lerem textos clássicos e contemporâneos sobre os diversos temas em Direitos Humanos. Foi determinada a leitura obrigatória de cinco textos básicos, e a produção de resenha crítica sobre eles. Além disso, os alunos se organizaram em duplas 6 7
e escolheram, dentre os textos indicados pela professora, aqueles sobre o tema que gostariam de aprofundar em um trabalho acadêmico. O resultado desse aprofundamento, além dos trabalhos, foi o compartilhamento do conhecimento adquirido por cada dupla com o restante da turma, ao longo do semestre, por meio de apresentações expositivas, sob a supervisão e intervenção constante da docente e dos monitores. Após o encerramento das aulas em sala, fora aberta chamada de trabalhos e houve nove inscrições para a apresentação neste evento de culminância. Assim como no ano anterior, o seminário seria aberto ao público, porém direcionado aos novos alunos ingressantes do curso, no caso as duas turmas de 2016. Até a data das apresentações, os alunos, juntamente com os monitores e a docente, seguiram debatendo os temas. O encontro preparatório final foi uma oficina conduzida pelos monitores com o título “Como falar de uma forma que as pessoas queiram ouvir”, onde as duplas puderam ensaiar as apresentações, esclarecer eventuais pontos nebulosos sobre os temas e aprender algumas técnicas sobre oratória, a partir da exibição de vídeos nesse sentido. Chegado o grande dia, tudo estava perfeito. No tocante à sua organização, a turma como um todo demonstrou alta capacidade
Graduando em direito, Unifesspa, Turma 2014, andreicesario@gmail.com. Graduando em direito, Unifesspa, Turma 2014.
de planejamento e execução, além de boa desenvoltura para o trabalho em equipe. O evento foi de média complexidade e transcorreu sem quaisquer incidentes. Contudo, o maior valor, sem dúvida, foi o conteúdo das exposições.
Foram temas áridos, alguns deles massacrados pelo senso comum, e de difícil desconstrução no imaginário das pessoas. Não obstante, os colegas palestrantes foram absolutos e honraram a Faculdade de Direito de Marabá. Esperamos que não só o seminário, mas também a monitoria, tenham vida longa em nossa academia.
Organizando um seminário Letícia Barreto Cabral8
P
articipar da construção de um evento na universidade à primeira vista pareceu-me instigante, algo inédito a ser realizado. Em 2015, como caloura do curso de Direito, desejei fazer parte daquele acontecimento de alguma forma, nem que estivesse envolvida com qualquer atividade, por mais reduzida que fosse. Sabia que, ao participar de um evento dessa magnitude, estaria desenvolvendo algo significativo, bem como ensejando a composição da essência da universidade, que proporciona a aprendizagem mútua. Nesse sentido, com o objetivo de partilhar o conhecimento alcançado pela turma 2015 na disciplina de Direitos Humanos, a coordenadora do seminário e professora Dr.ª Daniella Maria dos Santos Dias decidiu materializar novamente a exposição dos trabalhos para acolhimento da turma de Direito/2016, bem como da turma de Direito da Terra, além do público em geral, ampliando o público-alvo e a responsabilidade em repetir a mesma qualidade do evento apresentado pela turma de Direito/2014. Essa era a oportunidade esperada para concretizar as minhas expectativas. Decidi, portanto, participar da organização do evento e vivenciar os bastidores da arquitetura de um evento universitário. Se em um primeiro momento a construção do evento pareceu animadora e estimulante, não apenas para mim, mas para toda a Turma de Direito/2015 no intuito de oferecer uma nova edição de um evento tão elogiado; prontamente, conforme os dias iam passando, e em virtude de diversos percalços encontrados para colocar em prática todos os projetos da equipe organizadora, a 8
Graduanda em direito, Unifesspa, Turma 2015.
animação foi convertida em nervosismo. Todavia, foi necessário ter pulso firme para lidar com tais adversidades, além de mais concentração para lidar com todas as responsabilidades, os pequenos detalhes que viravam imprevistos. Todas as atividades foram desempenhadas para alcançar a finalidade proposta mediante a apresentação dos trabalhos e, por conseguinte, a edificação do conhecimento. Entretanto, é válido destacar, ainda, que com a chegada próxima da data do seminário, a inquietação cada vez mais ia aumentando, tendo, inclusive, alguns membros da equipe organizadora perdido o sono às vésperas do evento em razão de tanta ansiedade para que o seminário fosse um sucesso. As dificuldades não foram poucas, iniciando pelo público-alvo, que estava disposto em uma quantidade mais elevada do que no evento anterior. Nesse ano, o grupo-alvo alcançado foram as duas turmas ingressantes em 2016 no curso de Direito e Direito da Terra, contempladas pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará – UNIFESSPA, além de ter sido aberta ao público em geral, como os veteranos das turmas de Direito, bem como de outros cursos e de outras faculdades da cidade. Ao avaliar a notoriedade prevista para o evento, houve um acréscimo de preocupação ao que concernia ao lanche oferecido, bem como aos materiais distribuídos (pastas com canetas, blocos de anotações, folhetos, revistas e livros doados, etc.), para que pudessem abarcar todos os ouvintes nos dois dias de evento. Ao que compete às tarefas pertinentes à equipe organizadora do seminário, aquelas
foram divididas para pequenos grupos, atinentes à captação de recursos e patrocínios para financiar o evento, a título de folhetos, banners, canetas, pastas, blocos de papeis, entre outros itens. A conquista desses materiais ajudou na divulgação do seminário e também no auxílio de anotações a serem redigidas pelos ouvintes. Outras atividades selecionadas pela equipe organizadora tangeram a reserva do auditório, a programação técnica do som, microfones e projetor; a viabilização do uso do transporte cedido pela Universidade para conduzir os calouros do Campus I ao Campus II, que aportava um número maior de lugares em seu auditório e, por conseguinte, escolhido pela Organização. Ademais, outras equipes se responsabilizaram por outras atividades, tais como a elaboração do cerimonial, a venda de lanches, a recepção e credenciamento, bem como a ornamentação do auditório com cartazes, vasos e toalhas para adornar a mesa principal. Convém destacar que a organização do ora “II Seminário Direitos Humanos, Humanos Direitos” contou com a colaboração de toda a equipe para auxiliar com copos d’água aos palestrantes e aos membros integrantes da mesa de abertura, tal como ao que tange às inscrições de perguntas de ouvintes, entre outras atividades gerais. Diante do exposto, o preparo de todo o evento teve grande responsabilidade e diversas funções a serem realizadas, que foram distribuídas prévia e aparentemente de forma equitativa. Entretanto, é compreensivo, embora injustificável, que um certo grupo de pessoas tenham assumido maiores atribuições, às quais não estavam originariamente dispostas. Nesse sentido, infelizmente, é um fato a ser ressaltado que houve sobrecarga de determinados organizadores. Mesmo em face de tais transtornos, o evento obteve sucesso no decorrer de sua realização, graças, sobretudo, à união de alguns integrantes da organização para alcançar um objetivo maior, benéfico tanto para os organizadores, quanto para a comunidade acadêmica, esta que ainda se
encontra bastante carente de nativos eventos acadêmicos. Para realização do seminário, indubitavelmente, a Universidade apoiou e incentivou a concretização do evento, ressaltando o suporte da Diretora da Faculdade de Direito/FADIR e professora Dr.ª Lorena Santiago Fabeni ao viabilizar e oportunizar a materialização do seminário, tão ensejado pela professora coordenadora e pelos discentes da Turma Direito/2015. A organização também contou com o auxílio de outros colaboradores, tais como parceiros comerciais que auxiliaram com o patrocínio das pastas de materiais a serem entregues aos calouros e demais ouvintes; das impressões dos cartazes e folhetos com a programação do evento, canetas e blocos de anotações. Ademais, o apoio também envolveu a confecção dos uniformes usados pelos organizadores e palestrantes do evento, assim como os lanches servidos ao público. Fazse ressaltar, ainda, com elevada estima a participação crucial de dois discentes da Turma de Direito/2014 que forneceram assistência determinante para o sucesso do seminário. Fez-se de suma relevância a cooperação do discente Andrei Cesário de Lima Albuquerque, que participou ativamente da elaboração das apresentações dos palestrantes, utilizando sua vasta experiência para orientar quanto à duração das palestras, sintetizando o conteúdo a ser apresentado pelos palestrantes de forma clara e direta. Com equivalente importância, nota-se a participação ativa do discente Davvy Lima da Silva, que cooperou incansavelmente no decorrer de todo o evento, orientando e sugerindo ideias. As principais dificuldades quanto à organização deveram-se, principalmente, ao fato das datas terem sido alteradas diversas vezes em virtude da homologação das matrículas e a indefinição dos dias de início das aulas dos calouros. Faz-se mencionar que o intuito da turma de Direito/2015 era unir a segunda edição do seminário “Direitos Humanos, Humanos Direitos” com a I Semana
do Calouro de Direito, que objetivava receber todos os calouros. Fato é que como eram duas turmas de Direito a serem acolhidas, as datas de homologação de matrícula não coincidiram, havendo a necessidade de adiar a concretização de ambos os eventos. Essa, sem dúvida, foi pauta de muita discussão para identificar os melhores dias para os eventos e se seriam concretizados separadamente. Qualquer decisão refletiria nos materiais a serem distribuídos, no lanche ofertado, no transporte dos discentes de um campus ao outro, etc. Quanto ao que concerne à logística do Campus II, local de realização de todo o evento, foi considerado pela equipe organizadora que o ambiente é bem agradável, espaçoso e bastante arborizado, ideal para abrigar o evento. As ressalvas acometem apenas a considerável distância do Campus I, ambiente de estudo fixo dos calouros, até o Campus II, bem como a dependência vital do transporte cedido pela universidade. Considera-se também que alguns discentes demoraram a chegar e a sair do referido local, por terem perdido o ônibus da universidade e não terem tido outra saída, a não ser aguardar o retorno do transporte ou conseguirem outra condução, o que prejudicou o deslocamento dos estudantes. Embora tivesse havido bastante correria durante a realização do seminário, por ansiedade, os dias do evento, de forma geral, transcorreram tranquilamente. Nesse sentido, a equipe organizadora conseguiu contornar situações imprevistas, evitando possíveis falhas, sempre que possível, sem transparecer que algo de errado pudesse estar ocorrendo. Tal comportamento foi importante por externar serenidade e competência aos ouvintes do seminário. As expectativas iniciais com o evento pautaram-se na realização de um seminário relevante para a sociedade e para a comunidade acadêmica, trazendo reflexões, debates, construção e reconstrução de ideias.
Tais perspectivas foram alcançadas, com um esforço e recompensa além do esperado à época da idealização do evento. Logo, ao final, apesar das dificuldades, da sobrecarga de alguns membros da organização, a sensação de missão cumprida foi latente durante e depois do seminário. Tal sentimento possibilitou a reflexão de que as adversidades podem ser enfrentadas de forma conjunta, para que um bem maior pudesse ser conquistado. Por fim, é um desejo da turma de Direito/2015, bem como da professora coordenadora do evento e de toda a Universidade, que esse seminário possa ser utilizado como meio de acolhimento dos próximos calouros, e que tal seminário possa se tornar um evento fixo da faculdade de Direito, capaz de incitar ponderações e a transformação do conhecimento através do estudo, da análise crítica, do debate e da sensibilização por temas tão pertinentes ao indivíduo como ser social e pensante. Nessa perspectiva, a Turma 2015 e, precisamente, a organização do evento almejam a difusão do conhecimento, da valorização e cumprimento dos direitos do Homem. Que tal atividade possa alimentar a necessidade de discutir assuntos atuais e contextos que adormeceram nas discussões sociais. Que, assim como foi quisto que houvesse uma evolução no pensamento de todos os ouvintes presentes, também foi almejado o progresso dos integrantes da equipe organizadora bem como de todos os palestrantes, objetivando um avanço uno no quesito intelectual. A efetivação do conhecimento ocorre de forma cooperativa e a realização do II Seminário “Direitos Humanos, Humanos Direitos” foi uma excelente ferramenta de iniciação no âmbito acadêmico e uma experiência individualmente edificante para cada organizador, tendo sido, afinal, uma oportunidade de alcançar e proporcionar um desenvolvimento acadêmico e social.
Registro dos Trabalhos Apresentados
TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO: UM ATENTADO À DIGNIDADE HUMANA Manoel Ítalo Borges Moraes da Silva9 Millena Jayne Costa Lopes10
B
E vejam: o termo formalmente é devido ao fato de materialmente, ou seja, na realidade, ainda existir práticas que se equivalem às atrocidades do trabalho escravo.
Introdução
Como vocês podem acompanhar pela mídia (ANEXO NO FINAL DO TEXTO), a nossa região paraense se encontra com bastante munícipios nas primeiras colocações na lista das cidades com trabalho análogo ao de escravo. Inclusive, Marabá encontra-se em quarto lugar.
oa Noite a Todos, meu nome é Manoel Ítalo, aluno de Direito - Turma de 2015 - da Universidade Federal do Sul e sudeste do Pará (UNIFESSPA). O trabalho que iremos apresentar neste seminário foi primeiramente exposto na turma de 2015, para a obtenção da nota parcial da cadeira de TGE – Teria Geral do Estado – que foi lecionada pela Professora Doutora Daniella Dias, a qual está na frente deste projeto.
Bom, dando início, vocês talvez devam estar se perguntando ou curiosos em saber: porque trazer o tema trabalho escravo nesse seminário, ou mesmo estarem falando para si: “Esse tema é bem obvio, é claro que trabalho escravo fere os direitos humanos”. No entanto, iremos aqui trazer a diferença entre trabalho escravo e trabalho análogo ao escravo; também, faremos aqui uma abordagem acerca do trabalho análogo ao escravo como atentado à dignidade humana, explanando a prevalência do capital sobre a dignidade humana; além de ressaltar a importância do Estado para resguardar princípios tão basilares dos direitos humanos, como da liberdade, da igualdade e da dignidade da pessoa humana, os quais são infringidos, isto é, violados, quando esse ato é praticado. Certo, então por que o termo análogo? O termo análogo ao escravo é usado aqui devido não existir formalmente trabalho escravo desde 1888, quando foi abolido pela Lei Áurea. 9
Graduando em direito, Unifesspa, Turma 2015. Graduanda em direito, Unifesspa, Turma 2015.
10
Logo, percebam a importância desse assunto, principalmente na nossa região. No entanto, não vejam com maus olhos estarmos em quarto lugar na quantidade de trabalhadores resgatados, já que, isso é resultado da ostensiva fiscalização que existe na nossa região contra o trabalho análogo ao escravo. Conceitos e casos A partir disso, temos que fazer algumas conceituações para de fato adentrarmos às discussões sobre o tema. Dentre estas definições, temos que pontuar o que seria esse Estado que eu tanto falo aqui. Dallari, um dos grandes doutrinadores do direito, coloca que o Estado é “a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”. Esse bem comum pode ser interpretado como os direitos basilares para a condição humana. Nesse sentido, não usamos mais a expressão trabalho escravo, mas sim, trabalho
análogo ao escravo, pois, hoje o Estado não irá mediar e/ou reconhecer tais práticas, como ocorria no Brasil na época da escravatura. Ainda, o trabalho análogo ao escravo pode ocorrer em várias esferas da sociedade, seja ela rural ou urbana. Inclusive uma pergunta, vocês sabem ou tem noção de onde se encontra o maior índice de trabalho análogo ao escravo? No meio urbano ou Rural? Saibam que é no meio urbano o maior índice, com 56 por cento e, ainda, que é no setor da construção civil, com 41 por cento, segundo dados do G1 em 201411. Para vocês terem uma ideia, em uma pastelaria carioca, quatro chineses estavam vivendo em situação análoga ao trabalho escravo, sem direito a receber salário, sem registro na carteira de trabalho, morando em alojamentos sem qualquer higiene, realizando trabalhos forçados, e trabalhando por horas a fio sem se alimentar. Sem esquecer das condições degradantes do local, como sujeira, produtos vencidos e outros problemas. Sendo assim, o Código Penal preocupa-se em definir o que é trabalho análogo ao escravo no seu artigo 149, o qual vai dizer que é quando se submete alguém a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, sujeitandoo a condições degradantes de trabalho e o coagindo e restringindo por quaisquer meios. E a pena é aumentada em caso de aliciamento de menores ou em casos de vigilância ostensiva no local. Outro caso emblemático de trabalho análogo ao escravo ocorreu em um cruzeiro, em águas brasileiras, quando 11 profissionais foram resgatados do navio MSC Magnífica sob a suspeita de estarem atuando em condições análogas ao trabalho escravo. Alguns deles contaram que perderam 14 quilos e precisaram cozinhar macarrão ins-
11
G1. Disponível em: http://g1.globo.com/bahia/noticia/2014/04/11-sao-resgatados-de-navio-em-condicao-de-trabalho-escravo-na-ba.html
tantâneo em luvas para conseguirem se alimentar. Relatam ainda que sofreram danos psicológicos resultados de xingamentos e turnos de trabalho de até 22 horas. Inclusive, mulheres foram assediadas sexualmente. Contam que eram monitorados rigidamente quanto à saída do navio, quando atracava em algum porto. Trabalho escravo e a perda da autonomia O Doutor Jorge dos Santos, professor da Unifesspa, considera que ‘o trabalho escravo contemporâneo é a relação laboral indigna e degradante e na qual o indivíduo perde a liberdade sobre seu corpo e sobre seu trabalho por motivos de dívida, coerção física ou moral’. Dessa forma, o trabalho análogo ao escravo está relacionado ao cerceamento da liberdade. Essa falta de liberdade se dá por meio, principalmente, de quatro fatores: apreensão de documentos, presença de guardas armados de comportamento ameaçador, por dívidas ilegalmente impostas ou ainda pelas características geográficas do local, que impedem a fuga. Em regra, os locais de trabalho são degradantes, não havendo o mínimo de condições para a existência humana, por isso que o trabalho escravo contemporâneo não é apenas desrespeito às leis trabalhistas, mas sim é uma grave violação aos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana. Para vocês terem uma ideia, alguns trabalhadores ficam tão alienados nesse sistema de dívidas que acabam aceitando e entendendo que eles devem trabalhar dessa forma tão desumana, até pagar o que devem. Um livro muito bom que recomendamos aos que se interessarem pelo tema chama-se “Vidas Roubadas” de Binka Le Breton, essa autora veio do exterior para contar por meio de fatos como ocorre esse
processo, desde o aliciamento pelo gato até a forma como eles vivem. E aqui abro um espaço para falar a vocês que esse livro foi indicação de um projeto que existe na faculdade de direito, o Clube do Livro, uma das plataformas do NEDD – Núcleo de Estudo em Direitos e Democracia – Quem se interessar pode nos procurar (ou acessar o site www.nedd.com.br) para maiores informações e já participar da próxima reunião, tenho certeza que vocês irão adorar. Continuando, então, vocês se perguntam: Porque essas pessoas vivem e aceitam essas condições? Vejam, são pessoas que querem o melhor para suas famílias, de maneira honesta – trabalhando – a maioria é analfabeta ou semianalfabeta, boa parte não apresenta nenhum documento de identificação e o meio onde vivem fazem com que desconheçam o fato de estarem sofrendo tal abuso. Eles são ludibriados por aliciadores – também chamados de “gatos”, na promessa de um emprego com salário bom, e quando chegam, deparam-se com totalmente o oposto do que imaginaram. Não ganham nada, sempre estão devendo, são humilhados, e ainda por cima, ameaçados de morte todos os dias, e quando voltam para casa – os que voltam – com 1/5 do prometido – os que recebem. Logo, quando se faz prática do trabalho análogo ao escravo, se está usando outro ser humano como um meio, isto é, um objeto, assim como a central que está sendo usada para resfriar este auditório. Não olho para ele como outro ser humano, vejo ele com diferença, e diminuo ele a ponto de um mero instrumento, uma coisa útil apenas para proporcionar benefício próprio. Logo, vejam que o trabalho análogo ao escravo é diferente de qualquer relação de fato de trabalho, eis que nestas há uma relação: a pessoa oferece seu tempo e sua mão de obra em troca de um salário e o meio no qual trabalha oferece todos os recursos para que se possa executar o serviço. Além do que, pode-se desvincular
deste no momento em que bem entender, não havendo qualquer coação física ou psicológica. Assim, em uma relação ideal, ou pelo menos normal, de trabalho, as leis trabalhistas devem ser efetivadas. O trabalho escravo como atentado à dignidade humana Boa noite! Meu nome é Millena Lopes, também sou aluna de Direito – turma 2015 – da Universidade Federal do Sul e sudeste do Pará (UNIFESSPA). Faremos agora uma abordagem acerca do trabalho análogo ao escravo como atentado à dignidade humana, além de explanar a prevalência do capital sobre a dignidade humana e, por último, abordarei as ações, os projetos e os órgãos do Estado no combate a essa prática arcaica e desumana que é a escravização de pessoas. Bem, primordialmente, é válido ressaltar que o trabalho escravo se perfaz há milênios. Desde as sociedades mais remotas, observa-se essa subjugação, que em algumas sociedades se deu como recompensa aos vencedores de guerras, em outras, como é o exemplo do Brasil, por questões raciais, em outras por conta de dívidas. Nesse sentido, entende-se que ao tratar um indivíduo como propriedade não se está apenas cerceando a liberdade dele, mas também retirando algo que é inerente a todos – a dignidade. No momento em que o resguardo à dignidade humana se mostra vulnerável, perde-se a estrutura básica para manter o status de humano de alguém. Desse modo, a partir do entendimento de Kant sobre a liberdade humana, o homem não pode ser utilizado como meio, isto significa que ele não pode ser coisificado, tratado apenas como objeto de obtenção de lucro, pois ele é um fim em si mesmo. Assim sendo, o homem é um fim em si mesmo em função da sua autonomia, enquanto ser racional. Além disso, para um melhor entendimento é necessário que se diferencie os vários ti-
pos de escravidão existentes para se compreender a forma pela qual alguns direitos fundamentais foram e são feridos. Nesse sentido, na escravidão por guerra, a vitória de um povo era a justificativa suficiente para manter indivíduos totalmente destituídos de direitos fundamentais. Na escravidão por justificativa racial, é notória uma cultura de superioridade racial, que foi responsável por determinar quem deveria ser o patrão e quem deveria ser o empregado, quem deveria ser tratado como um ser humano e quem deveria ser submetido às vontades alheias durante todo o curso da vida. Já no trabalho escravo por dívidas, que ainda ocorre na atualidade qualificado como trabalho análogo ao escravo, verificase que tanto nos seringais do passado como nas fazendas e empresas do presente é observável uma inércia e aceitação da situação vinda dos trabalhadores. É válido mencionar, que no livro vidas roubadas de Binka le Breton ela afirma que as vítimas não costumam perceber que estão sendo vítimas, ou seja, elas não acreditam que práticas escravagistas ainda possam estar vigentes. É compreensível que estas pessoas desconheçam totalmente o abuso que é essa condição a que estão submetidas, pois elas já crescem convivendo com situações como essas e, aparentemente, essas irregularidades se tornam normalidades. Sendo assim, através dessa imagem é possível perceber como se dá esse atentado à dignidade humana. Vemos indivíduos sobreviverem em um local totalmente destituído de conforto, não há camas, não há sequer um piso. Já nessa outra imagem é possível verificar anotações referentes a dívidas feitas pelos trabalhadores, além disso, vale acrescentar, que os preços cobrados nesses locais chegam a ser abusivos e, em decorrência disso, a pessoa trabalha só e somente para saldar dívidas, perdendo o lucro que visava a princípio.
A prevalência do capital sobre a dignidade da pessoa humana No que tange à influência da escravidão na economia brasileira é possível constatar que assim como no período anterior ao século XIX a economia do país era sustentada pela exploração do trabalho escravo, atualmente este ainda influencia a economia, de forma significante, considerando que grande parte dos produtos e insumos, seja consumida ou importada pela população brasileira, é produzida por trabalhadores submetidos a condições análogas à escrava em outros locais do mundo, como a China. Partindo desse entendimento, Leonardo Sakamoto, presidente da ONG Repórter Brasil, ao falar do trabalho análogo ao escravo afirmou que, “sua natureza econômica difere da escravidão da antiguidade clássica e daquela que aqui existia durante a colônia e o império, mas o tratamento desumano, a restrição à liberdade e o processo de ‘coisificação’ são similares”. Essa distinção se dá porque, anteriormente, a mão de obra escrava era o pilar da economia brasileira, principalmente no período do reinado da política cafeeira. Hoje, a importância econômica dessa mão de obra análoga à escrava se dá em proporções menores, favorecendo em particular os donos de empresas. Então, é importante ressaltar que apesar de as estatísticas apontarem que o trabalho análogo ao escravo tem maior incidência no âmbito urbano, iremos propor aqui que devido ao fato do difícil acesso aos locais da zona rural, como carvoarias e fazendas, dificulta-se o processo de fiscalização. Nesses lugares, os escravos modernos trabalham com a pecuária e com serviços agrários como plantio e colheita de cana-de-açúcar, algodão, café e soja, principais produtos de exportação do Brasil. Nesse sentido, têm destaque nesse tipo de escravidão as áreas próximas às fronteiras econômicas, como é o caso do Pará, que contém o maior índice de escravidão da região norte.
Já o trabalho análogo ao escravo urbano caracteriza-se como aquele em que os trabalhadores são submetidos a tais condições escravistas, porém, dentro da cidade e produzindo bens ou disponibilizando serviços tipicamente urbanos. A grande maioria dos produtos “falsificados”, por exemplo, que são vendidos a preços muito mais baixos que os da concorrência, foi produzida por mão de obra escrava. A exemplo disso temos os aparelhos eletroeletrônicos importados da China, que se disseminaram por todo o país. Nessa imagem, verifica-se a sobreposição do capital, o que ocorre, de fato, em muitas empresas que prezam pelo lucro a todo custo, mesmo que para isso a dignidade humana tenha que ser ferida, com sobrecarga de trabalho, condições de trabalho insalubres, dentre outras irregularidades. Nessa outra imagem, vemos a manchete: inspetor vê situação análoga ao trabalho escravo em obras da copa, assim, percebemos que mesmo em grandes obras do governo é possível encontrar o trabalho análogo ao escravo. Nesse sentido, a terceirização, para Víctor Araújo Filgueiras, do Repórter Brasil, “potencializa a capacidade de exploração do trabalho e reduz a probabilidade de atuação dos agentes que poderiam impor limites”. O Estado como guardião dos direitos humanos Bom, partindo do que foi exposto, iremos defender aqui a tese da necessidade do Estado social, este que vai estar relacionado ao Estado Democrático de direito, sendo assim, um Estado que busque garantir a igualdade de oportunidades. Isso implica na liberdade, justificando a intervenção do Estado, para que assim os discursos não fiquem apenas no âmbito formal, mas alcancem o espaço material, de efetivação. O Estado então irá proteger o trabalhador e regular as relações de trabalho por vários órgãos e meios, tais quais a Polícia Federal,
O Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal, o Ministério do Trabalho, as próprias Leis Trabalhistas (CLT), etc. Assim, como vimos, a dignidade da pessoa é posta a todo ser humano pelo simples fato de ser humano. É algo que lhe é inerente, logo, não é um direito recebido, ou adquirido, mas nasce com o ser humano. Logo, cabe a algum Ente reconhecê-los e resguardá-los, e aqui está o grande papel do Estado, de garantir a proteção desse direito intrínseco – como coloca Ingo Sarlet é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal, seria uma qualidade do ser humano. Assim como de liberdade e igualdade, que são os dois pilares centrais da dignidade da pessoa humana, ainda essa liberdade, está relacionada com a autonomia da pessoa humana, tendo o direito de fazer suas próprias escolhas, claro, desde que não fira a autonomia de outrem. Dito isso, a dignidade da pessoa humana é assegurada no Art. 1º, inciso III da Constituição Federal da Republica de 1988, e está intrinsecamente relacionado com o Art. 1º da Declaração Universal da ONU de 1948 a qual dispõe que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Então vejam o que estamos propondo aqui: estamos dizendo que o trabalho análogo não fere apenas as leis ou normas trabalhistas, mas vai corromper toda a humanidade, no momento em que fere a dignidade humana, tal princípio que deve ser reconhecido para todos os seres humanos independente de classe, cor, etnia, raça, credo, sexo, etc. E as feridas não param por aí, pois vivemos em um Estado Democrático de Direito, e a dignidade da pessoa humana é um fundamento desse Estado. Com isso, a existência da escravidão contemporânea relaciona-se
à persistente vulneração dos direitos sociais, além de tornar o próprio Estado vulnerável, estando um de seus pilares rachado. Enfim, por isso é uma vergonha a existência de trabalho escravo em pleno século XXI, depois de tantas evoluções científicas e tecnológicas, pessoas ainda cerceando outras como animais, ou melhor comparado, pessoa tratando outras como a um instrumento reciclável. Considerações finais Como foi exposto na nossa apresentação, não existe mais trabalho escravo e sim trabalho análogo ao escravo. Além disso, é im-
portante ressaltar que por mais que a escravidão ainda se destaque nos noticiários, são notórios os esforços contínuos que o Estado realiza para eliminar essa forma de trabalho degradante. Para finalizar a nossa exposição e a fim de promover uma maior reflexão e debate por parte de vocês lançamos duas perguntas sobre o abordado, sendo elas: alguém já vivenciou um caso análogo ao de escravidão ou conhece alguém que já passou por isso? O que ainda deve ser modificado para eliminar essa forma ilegal de trabalho? Enfim, desde já agradecemos pela presença e atenção. Uma ótima noite a todos.
ANEXO 1 – QUADRO DO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO
TORTURA E ESTADO: UMA RELAÇÃO AINDA EXISTENTE Jonas Pereira Bezerras Júnior 12 Vitória Xavier da Costa13
A
tortura é uma prática que está institucionalizada e banalizada no interior do Estado e da própria sociedade. Todos os dias tem-se novos casos de tortura e, a depender de quem os comete e contra quem, a sociedade pouco se importa ou nada faz. Pode-se ir mais longe: o Estado e suas instituições muitas vezes ficam inertes. Assim, objetiva-se mostrar que o Estado, nas diferentes fases históricas, cometeu tortura, sendo que ela é uma prática ainda presente nos dias atuais, praticada não somente por “bandidos”, mas também por quem deveria justamente combatê-la.
Conceito de tortura
No que se refere ao conceito construído pela doutrina, tem-se que tortura é definida como suplício, tormento, angústia. Assim, percebe-se que torturar é usar a violência para causar sofrimentos físicos e psicológicos, buscando-se atingir algum propósito, e que pode ser uma confissão, uma informação, para atingir uma vingança, para infligir um castigo, etc. Por sua vez, Foucault afirma que torturar é produzir certa quantidade de sofrimento que se possa não medir exatamente, mas ao menos apreciar, fazer comparações entre um modo de tortura e outro, e hierarquizar o grau de sofrimento, pois assim a gente percebe que é possível determinar qual tortura vai ser praticada diante de certa conduta. Coimbra ainda esclarece que tortura não é apenas uma angústia praticada 12 13
Graduando em direito, Unifesspa, Turma 2015. Graduanda em direito, Unifesspa, Turma 2015.
contra o corpo físico, é também contra o psíquico, e esse é feito por meio de xingamentos, ameaças, humilhações. Desta feita, busca-se semear a discórdia entre o corpo e a mente, sendo nisso que se apoia a ação do torturador, já que ao distanciar a mente do corpo o torturador pode conseguir confissões sobre fatos que nunca existiram.
As fases históricas da tortura
Nas fases da tortura, na história, utilizou-se o tempo cronológico. Nessa linha de raciocínio, a primeira fase é a da Antiguidade, no qual a tortura foi uma importante instituição, e os gregos, romanos, persas, babilônios e assírios são conhecidas civilizações que usavam da tortura para infinidades de propósitos. No entanto, far-se-á apenas um paralelo entre os gregos e romanos. Essas sociedades pré-clássicas quase todas eram crentes em divindades sobrenaturais, e muitas vezes diante de certas condutas que poderiam ser consideradas indignas a essas divindades, torturar o infrator seria uma maneira de relativizar a fúria deles. Roma, por exemplo, utilizava a pena conhecida como Crematio, que consistia em atirar o condenado vivo, no fogo, para purificação da carne. Ainda em Roma, bem como na Grécia, a tortura era utilizada na instrução criminal, a qual eram submetidos, principalmente, os escravos e estrangeiros. Aos cidadãos gregos e romanos eram aplicados julgamentos adequados a eles. Contudo, a
tortura na instrução criminal por vezes atingia inocentes, pois bastava uma acusação para que se desse início à instrução. Nessa época já se falava em dignidade humana, porém sob um ponto de vista diferente do que hoje é empregado. Por exemplo, Aristóteles dizia que alguns homens eram escravos porque eram inferiores até mesmo aos animais. Desse modo, dignidade estava atrelada à questão social, e ao grau de conhecimento do indivíduo. Isso é contraditório com o conceito existente hoje, contudo é preciso saber que dignidade humana ainda está em construção, pois é moldada de acordo com o tempo histórico em que se vive. A segunda divisão histórica da tortura é a Idade Média e Moderna, pois o Estado poderia se valer dela, principalmente, para retirar confissões. Assim, as práticas de tortura eram usadas em tribunais e se faziam valer como provas de culpa. Beccaria esclarece que retirar a confissão por meio da tortura é no mínimo duvidoso, pois “de dois homens, igualmente inocentes ou igualmente culpados, aquele que for mais corajoso e mais robusto será absolvido”. Nessa segunda divisão, importante abordar sobre o Direito Germânico e Direito Canônico. Na passagem da Antiguidade para a Idade Média, Roma foi invadida pelos povos germânicos, sendo o Direito Germânico era sedimentado nos costumes. Portanto, quem agisse contra os costumes teria a proteção dos deuses retirada, e poderia ficar à mercê dos outros. Os germânicos ainda acreditavam que se o indivíduo fosse inocente, os deuses o protegeriam. Assim, no momento do julgamento, aplicavam-se ordálias, como a água fervente, em que o braço da pessoa era colocado em tal e se não houvesse queimaduras, o acusado era considerado inocente. O Breviário de Alarico, por exemplo, legalizava a tortura em escravos para apuração de adultérios e tentativa de homicídio.
Foi nesse período histórico que a igreja católica ganhou muita força e, por meio do Direito Canônico, demostrava seu poder e aplicava suas regras. Inicialmente, a igreja julgava as práticas religiosas contrárias à fé cristã; logo após, passou a julgar atos como a blasfêmia. Foi por meio dos tribunais que ela empreendeu uma verdadeira “caça às bruxas”, perseguição a homossexuais e suspeitos de atos contrários à fé. Algumas das práticas de tortura realizadas pela igreja católica foram: o “arranca seios”, usado em mulheres acusadas de adultério, aborto e bruxaria; a serra, que cortava o acusado até o abdômen, estando ele de cabeça para baixo, e usada para matar pessoas acusadas de bruxaria, adultério, assassinato e blasfêmia; a pera, um utensilio usado contra mulheres, homossexuais e blasfemadores, que era introduzida no ânus e boca dos acusados, e se expandia até dilacerar os orifícios. Contudo, segundo Becchi, apesar das atrocidades cometidas, a Igreja Católica foi importante na afirmação do conceito dignidade humana ao trazer a ideia do homem enquanto imagem e semelhança de Deus. Ao pensar assim, o homem deveria ser tratado com respeito, pois ele era fruto de uma obra de Deus e com ele se assemelhava. Por fim, quanto à terceira fase, que é a Contemporânea, não se pode afirmar que depois de proibido, pela lei, o crime da tortura – por grande parte dos países do mundo, assim como nacionalmente – essa prática não mais aconteça. Agora, ela acontece de forma clandestina e velada, ocorrendo, principalmente, nos países subdesenvolvidos. No Brasil, apesar da Constituição de 1988, a tortura resiste pelo fato de se encontrar fortemente imbricada no passado histórico-social do país, nas políticas de poder, no arbítrio autoritário e em preconceitos arraigados e da exploração econômica. O período entre 1964 e 1985, como é sabido, foi o período em que o Brasil viveu a ditadura militar. Era recorrente a prática de tortura, principalmente após o ano de 1968,
em que passou a se perseguir militantes contra o governo e torturá-los para conseguir confissões. Também buscavam pessoas que estivessem ligadas ao antigo governo ou que eram acusadas de subversões, e pelo fato de haver censuras, a falta de divulgação acabou sendo um estímulo às práticas, as quais tornaram-se cotidianas. Os tipos de tortura iam desde espancamento. Um deles era conhecido como telefone, no qual, com as mãos em forma de cocha, o torturador batia nos ouvidos do indivíduo, podendo até mesmo romper os tímpanos deste; além de choques elétricos, pau-de-arara, afogamentos, e muitos outros. Mas, deve-se ter cuidado pois a tortura não é um fenômeno restrito aos regimes autoritários. Ela persiste em regimes democráticos, com a diferença de que, nestes últimos, ela se mantém invisível aos olhos do público, na maioria das vezes, inclusive porque a tortura é praticada principalmente por entes estatais. Por conseguinte, ela não se caracteriza somente quando a violência tem, por origem, o conflito entre civis, mas também quando parte da ação do Poder Público, monopolizador da coação física, contra o particular. Por essa razão, nota-se que a perpetuação do crime de tortura está intimamente relacionada à existência do Estado e ao seu legítimo monopólio do poder – poder este exercido na execução, criação e aplicação da lei – e do uso da força física, esta última sendo exercida por seus mandatários.
Tratados e Convenções
Inicialmente, é interessante notar que Cesare Beccaria, já em 1764, em seu opúsculo “Dos Delitos e da Penas”, já mostrava sua repulsa e rejeição pela prática da tortura, ou, melhor dizendo, no contexto em que ele estava inserido, pelas penas cruéis. Isso
porque, naquela época, as penas eram verdadeiros suplícios. Ademais, os iluministas Voltaire e Bayle também se posicionaram contrariamente à tortura. Mas, é com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que se começa a pensar o homem como detentor de direitos naturais e inalienáveis. Mais especificamente quanto à tortura, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), das Organizações das Nações Unidas, expressa em seu art. V, que “Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. Mister destacar que, tecnicamente, a DUDH, em si mesma, não possui nenhuma força jurídica, isto é, não é obrigatória ou vinculante, sendo apenas uma recomendação da Assembleia Geral das Nações Unidas, influenciada pelas atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial e redigida tendo como reconhecimento universal direitos humanos fundamentais. Mas, tais recomendações deveriam ser seguidas pelos países. Além disso, consoante a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, a tortura é, dentre outros aspectos, “qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões [...]”. Todavia, é importante frisar que não foi considerado como tortura, para fins dessa Convenção, as dores ou sofrimentos que sejam consequências unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorrentes.
O sistema normativo brasileiro: Constituição, dignidade humana e normas infraconstitucionais
Internamente, a Constituição da República de 1988 determinou, em seu artigo 5º, III,
que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, o que consta em praticamente todas as constituições modernas. Porém, o Brasil foi um dos últimos países a incluir tal norma em seu ordenamento jurídico. Por sua vez, o inciso XLIII, do referido artigo constitucional, considera crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, a prática de tortura, respondendo por esse crime os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-lo, se omitirem. Visando cumprir todos os mandamentos constitucionais que criminalizam a tortura, foi criada a Lei nº 9.455/97, a qual possui definição própria do que é a tortura, além de dar outras providências. Para a referida Lei, constitui-se crime de tortura “I- constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoas; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa”. Também se constitui tortura “II- submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. Além disso, incorre no crime quem submeter a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal, pessoa presa ou sujeita à medida de segurança. Porém, a questão central no que se refere à tortura é a clara violação da dignidade humana, insculpida logo no artigo 1º, inciso III da Carta Maior. Quando se pratica tortura, o agente não está respeitando a dignidade do torturado. Não está, sequer, levando em consideração que ele possui dignidade justamente porque ele é ser humano e deve ser tratado como tal, com respeito, pois cada pessoa é um valor em si mesmo, é única, ou seja, não repetível.
A tortura, portanto, não é justificável em hipótese alguma, tendo em vista que todo ser humano, independentemente de quem seja, possui dignidade. Frisa-se que o ser humano, tanto físico como espiritual, é objeto de proteção do Direito, inclusive aqueles que cometem crimes, posto que a dignidade não é só da vítima, mas também do delinquente. Mesmo que o indivíduo cometa um crime, isso não significa que, com esse ato, ele perdeu sua dignidade ou se absteve dela.
Casos concretos: os desafios atuais
Já foi visto, no presente trabalho, o que é tortura, seja sob a ótima legal, seja sob a doutrinária. Também foi possível observar que não são poucos os diplomas normativos (nacionais e internacionais) que versam sobre o tema, repudiando e proibindo qualquer tipo de tortura. Neste ponto, serão abordados os casos concretos atuais, os quais provam que a prática da tortura ainda acontece, corroborando com o que se defende aqui desde o início. Parece haver, nesse ponto, uma incoerência: como ainda há tortura com tantas normas que a proíbem e penalizam os que a comete? Bem, leis não inibem crimes! Em relação aos casos concretos, cite-se o caso Amarildo, que é relativamente recente e aconteceu no Brasil, mais especificamente na Comunidade da Rocinha, Rio de Janeiro. Em julho de 2013, Amarildo Dias de Souza desapareceu após ter sido detido por policiais militares e ter sido conduzido para ser interrogado em uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). A polícia alegou que o soltou, porém, as filmagens das câmeras de segurança do local somente registraram a saída de viaturas policiais, mas não a saída de Amarildo. Das investigações, concluiu-se que a tortura em Amarildo teria durado cerca de 40 mi-
nutos e se deu com choques elétricos, asfixia e afogamento, tendo como intuito forçálo a revelar o local onde traficantes de drogas teriam escondido armas de fogo e drogas. No fim de 2014, o Comitê de Inteligência do Senado dos Estado Unidos liberou um relatório, que contava com detalhes omitidos pela CIA sobre como eram torturados os suspeitos de terrorismo. Um dos casos é o de Binyam Mohamed, acusado de lutar ao lado do Talibã. Ele foi torturado por 18 meses e relatou que o seu órgão genital era frequentemente cortado com uma lâmina de barbear, mas que o pior tipo de tortura era o musical: ele ficou preso em um cubículo completamente escuro, ouvindo a música “The Real Slim Shady”, do Eminem, por 20 dias seguidos. Sem pausa. Contou, ainda, que muitos enlouqueceram, e que podia ouvir as pessoas batendo suas cabeças contra as paredes e as portas. Outro caso descrito nesse relatório é o de Abd al-Rahim al-Nashiri, o qual foi submetido à prática do waterboarding, expressão inglesa utilizada para designar o afogamento simulado, em que a pessoa imobilizada é sufocada com um pano e muita água.
que oferecem recompensas e ascensão profissional ao policial”14. O delegado conclui afirmando que a tortura é fruto de uma ideia de opressão aos grupos menos organizados da sociedade que remonta ao período colonial e também cita o caso Amarildo, reputando-o como uma exceção, pois ganhou repercussão, fazendo uma observação: existem vários outros “Amarildos” que seguem sendo torturados diariamente e não viram notícia. O Amarildo é um invisível que, por alguma circunstância, ganhou visibilidade. Nesse sentido, existe a chamada “cifra oculta”, que é a diferença entre os casos que efetivamente ocorrem e os que chegam ao Judiciário. Colaborando para isso, vê-se que, na realidade, muitas pessoas têm medo de denunciar as torturas sofridas, principalmente se cometidas por agentes públicos. A questão é que a própria tortura atual é invisível, pois realizada de forma simples, rudimentar. A mais comum, realizada pela polícia, é a do saco plástico visando sufocar a vítima, pois, a princípio, uma sacola encontrada na viatura não pode, por si só, incriminar ninguém.
Em todos esses casos, é possível notar que a tortura fora cometida por agentes estatais. Nos EUA, é comum práticas de agressões e tratamentos desumanos no tratamento de pessoas consideradas terroristas, a fim de conseguir informações. No Brasil, em contrapartida, em que pese a Constituição proibir a tortura, ela é um método recorrentemente utilizado pela polícia.
Para confirmar tudo que fora dito, faz-se mister citar a pesquisa “Julgando a tortura: análise de jurisprudência nos Tribunais de Justiça do Brasil (2005-2010) ”, que, partir de 455 decisões de segunda instância de todos os Tribunais de Justiça do Brasil identificou, dentre outras coisas, quais são os principais autores do crime ora em comento e também qual o propósito destes agentes quando da prática de tal ato.
Segundo Marcelo Barros, que é delegado, “muitos policiais começam a torturar amparados por uma moralidade socialmente aceita de que a tortura é legítima para resolver crimes. Para ele, no entanto, na prática, a tortura é usada para fins pessoais como na resolução de crimes patrimoniais
Segundo os dados obtido, 61% dos crimes são praticados por agentes públicos. No que se refere ao propósito da tortura, temse quatro categorias, a saber: castigar; obter confissão ou informação; intimidação; e outros. As maiores incidências dos crimes de tortura cometidos por agentes públicos
14
nível em: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-tortura-no-brasil-e-uma-politica-de-estado5761.html>. Acesso em: 15 mai. 2016.
PELLEGRINI, Marcelo. A tortura no Brasil é uma política de Estado. Carta Capital, 02/09/2016. Dispo-
têm como finalidade obter a confissão de algum tipo de informação da vítima, o que, a priori, somente confirma o que já se falou aqui: a tortura é método de investigação policial, que, apesar de ilegal, marca presença. Relacionado a isso, uma pesquisa realizada em 2014 pela Anistia Internacional mostrou que 80% dos brasileiros temem ser torturados em caso de prisão15.
Conclusão Portanto, não é segredo que a tortura ainda acontece nos dias atuais, com muito mais frequência do que se imagina. O mais relutante é aceitar que os agentes estatais também realizam tortura, principalmente aqueles ligados à atividade policial, os quais a utilizam para a resolução de crimes, na maioria das vezes.
15
O GLOGO. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/tortura-um-mal-que-persiste-ate-os-dias-de-hoje-16739065>. Acesso em: 15 mai. 2016.
Porém, é inadmissível a prática de tortura (por agentes públicos e privados) em um Estado Democrático de Direito, tal como é o Brasil, que é regido pelas normas Constitucionais, as quais fundam uma sociedade justa, democrática, livre, sem opressão e violência (esta última somente nos casos previstos em lei). Inclusive, essas mesmas normas proíbem qualquer tipo de tortura, elevando-a a crime. Por conseguinte, deve-se dar a devida atenção ao crime de tortura. O Legislativo deve criar leis que abranjam todas as hipóteses da tortura, enquanto campanhas e ações para prevenção devem ser realizadas. Por sua vez, o Judiciário deve aplicar a lei aos casos que chegam até si, punindo os seus infratores. A jornada é longa e difícil, porém não impossível!
LEI DO FEMINICÍDIO: UMA PRÁXIS DE DIREITOS HUMANOS Liselle Samanta Vaz da Silva16 Líbia Macedo Marques17
E
ste trabalho tem como objetivo principal a compreensão crítico-reflexiva com relação à lei 13.104/2015 conhecida como a lei do feminicídio. Essa lei implicou em grandes avanços, fomentou novos desafios, e, principalmente, endossou a discussão acerca da violência de gênero e a sua correlação com a violação dos direitos humanos das mulheres. Dessa forma, a pesquisa é intitulada como: “Lei do Feminicídio: Práxis de direitos humanos”, que tem como objetivo precípuo a explicação da criação da lei do feminicídio e o que esta lei traz de inovador à razão prática, como uma forma concreta de resguardar os direitos humanos e principalmente a dignidade humana das mulheres frente ao cenário tão “comum” de violência de gênero. Ao longo desse ensaio será possível notar, dentro dos limites a que a pesquisa se propõe dada a densidade do tema, uma análise do conteúdo jurídico e do conteúdo social que justifica e denota a utilidade de implantação dessa lei dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Outrossim, o tema “morte violenta de mulheres” nunca esteve em tamanho relevo. É indiscutível que a morte de mulheres em razão do sexo “feminino” ou simplesmente por “serem mulheres” sempre existiu e se constitui em uma grave violação aos direitos humanos. Entretanto, durante muito tempo, pouco se sabia nem ao menos se dava importância para a morte violenta de mulheres, em muitos casos pela pouca relevância, uma vez que inexistia um tipo penal que pudesse definir a morte especificamente pela condição de gênero. O máximo que se fazia era a associação da 16 17
Graduanda em direito, Unifesspa, Turma 2015. Graduanda em direito, Unifesspa, Turma 2015.
qualificadora por motivo torpe ou motivo fútil, até então deixada à discricionariedade do juiz. E o que se demonstra salutar compreender é que a morte violenta de mulheres tem em seu contexto toda uma construção histórica e social marcada pelo regime do gênero. A violência de gênero encontra raízes profundas na característica patriarcal das sociedades em que prevalecem estruturas de subordinação e discriminação contra a mulher, que ao longo do tempo foi consolidando a formação de conceitos e valores, que sistematicamente colocam a mulher em situação de subalternidade, em que pese os avanços já logrados. A partir desse tipo de regime é que surge a falsa legitimação de poder usada para justificar a violência, a subalternização e a matança de mulheres. A valoração diferenciada entre papéis de homens e mulheres, e a hierarquização entre eles é o xis da questão. Primeiramente cabe destacar que feminicídio é diferente de femicídio. Assim, Femicídio é pura e simplesmente a morte de uma pessoa do sexo feminino: uma mulher, independente de avaliação do contexto ou das causas da morte. Já o feminicídio está relacionado à morte de mulheres inserida no contexto de violência de gênero, ou seja, por razão da condição de mulher. De outra forma, as situações consideradas como razões de condição do sexo feminino são: violência doméstica e familiar, menosprezo à condição de mulher ou discriminação à
condição de mulher conforme o artigo 121, §2º-A do nosso Código Penal.
explica o porquê de estarmos tratando dessa temática hoje.
Nesse contexto, a gente precisa refletir e compreender o conceito de dignidade da pessoa humana. Este é o parâmetro mais invocado e que se torna fundamental para compreender esse tema, refere-se ao imperativo categórico de Kant, qual seja: “Age de tal forma que uses a humanidade, tanto na tua pessoa, como na pessoa de qualquer outro, sempre e ao mesmo tempo como fim e nunca simplesmente como meio”. Isto é, a dignidade da pessoa humana, é fruto da própria centralidade do homem no homem, da sua autonomia enquanto homem racional e, portanto, portador também de uma autonomia moral. Esse princípio visa, o que vamos chamar de a “não instrumentalização ou objetificação do ser humano”. O homem não terá sua dignidade afastada para atender anseios ou objetivos diversos do que se pretende à própria humanidade dele. Logo, as mulheres não poderão ter sua dignidade diminuída, afastada ou preterida em uma sobreposição de sexos, tão pouco tratadas como objeto ou propriedade de qualquer outra pessoa. E nesse ponto, consideramos que a raiz da dificuldade de respeito e promoção dos direitos humanos, está no egoísmo. Pois, cada indivíduo egoisticamente considera só o seu lado, a sua própria dignidade em detrimento da dignidade e direitos dos outros. A esse respeito, Hegel nos fala que a dignidade humana é um complexo processo de reconhecimento, que exige consciência e reciprocidade. O reconhecimento faz com que se entendam os motivos pelo qual o homem não pode ser tratado como objeto nem mesmo por outros seres humanos, pois assim como a dignidade humana é conferida a um, aos outros também o é. E quando se fala de respeito, vai além de não se ferir a dignidade ou violar direito de outrem, mas também fazer tudo o que for possível para resguardar, proteger e assim promovê-los. Infelizmente, o que se nota nesse cenário de violência contra a mulher é justamente a ausência de reconhecimento e respeito, que
Partindo de um contexto histórico, temos que somente no cenário do pós-guerra o reconhecimento da dignidade da pessoa humana como um valor fundamental a ser tutelado pelo Estado passando-se assim, a ter uma carga política, que se manifesta através de Tratados, Acordos, Pactos e Convenções que surgiram e colocaram os Estados como atores principais na busca pela efetivação dos direitos fundamentais que resguardem a dignidade da pessoa humana de maneira indiscriminada, inviolável e indisponível. Então, a partir daí o conceito começa a ter carga jurídica. Cada Estado passa a legislar como forma de garantir o efetivo respeito, promoção e tutela dos direitos humanos, e aqui entra a necessidade prática do Brasil de criar essa lei. Esses tratados internacionais, inclusive os que tutelam a proteção da mulher, dos quais o Brasil é signatário, traduzem a preocupação internacional para com as violações de direitos humanos sofrida pelas mulheres devido à falta de efetiva proteção dos Estados e da cultura de violência contra as mulheres, ainda recorrente. Dentro do rol de documentos internacionais, um dos documentos mais importantes sobre o tema, foi a Convenção Internacional para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, mais conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, ocorrida em Belém em 1994 e que passou a ter total vigência no ano de 1996. O Brasil é o 15º país da América Latina a legislar sobre o feminicídio, no contexto da proteção aos Direitos Humanos das Mulheres. Em uma recente publicação da Secretaria de Reforma do Judiciário (vinculado ao Ministério da Justiça) intitulada: “A Violência Doméstica Fatal” divulgou que o problema do Feminicídio Íntimo no Brasil era a necessidade de criação de uma lei que versasse sobre a morte de mulheres dentro do contexto de violência de gênero. Foi feita uma
análise qualitativa de como ocorre a construção discursiva das vítimas, dos agressores e do gênero; além da simbologia das formas e razões para matar as mulheres, durante o processamento nos tribunais. Os resultados foram angustiantes. Os feminicídios estão envolvidos em um contexto de vários outros crimes que vão evoluindo e se conjugando até o desfecho de uma violência fatal: a morte. Percebe-se que a primeira reação do homem não é matar. Antes disso, ele já tentou destruir a autoestima da mulher com violência psicológica, com ameaças, já atingiu a integridade física da mulher de outras formas e isso vai crescendo. É possível notar que a mulher já vivia em um contexto de ameaça, de lesão corporal leve, de lesão corporal grave, até chegar ao homicídio. O Feminicídio quase sempre tem um histórico pretérito de violência. Não é assim ‘tive ciúmes de você, acionei o gatilho e matei’. Não é simplesmente assim. O planejamento das ações e o passo a passo da violência, deixa clara a intenção do sujeito ativo em expressar seu poder em relação à mulher. Nas audiências é comum ouvir nas falas da defesa ou de testemunhas, que eram comuns xingamentos, ameaças e agressões. Frases do tipo “acontecia como na relação de qualquer casal” ou então, “mas que casal não tem seus problemas? ”. Esse pensamento detalha o quanto está enraizado, e de certa forma “aceito” socialmente esse poder do homem, essa relação de posse/propriedade em relação à mulher, por trás do discurso da normalidade, tentando assim, legitimar a violência com base na desigualdade historicamente perpetrada e que na verdade não há nada de legítimo, natural ou legal nisso, pois fere diretamente os direitos humanos, reduzindo ou não reconhecendo a dignidade dessas mulheres. A principal motivação dos crimes gira em torno de ciúmes, sentimento de posse e inconformismo com o término do relacionamento.
Outro ponto importante, que implica diretamente na percepção dos jurados, e passa a ter centralidade nas discussões, é a construção discursiva da vítima. Coloca-se de um lado mulheres de família de reputação ilibada, e, de outro, mulheres transgressoras de padrões e que de alguma forma provocaram a violência que sofreram. A defesa para justificar o comportamento, explora o perfil “transgressor” da mulher versus o homem trabalhador, violado em sua honra. Alegam insanidade mental, uso do álcool, ou simplesmente que ele é um trabalhador pai de família, não é um bandido, não delinque, apenas bateu e matou sua mulher. Por outro lado, a acusação tende a vitimizar a mulher, caracterizando-a como boa mãe e esposa diante da figura do homem violento, alcóolatra e desajustado socialmente. E o que vemos nisso? A tentativa de inversão de papéis. A vítima passa a ser “culpabilizada” por alguns comportamentos sociais considerados reprováveis. Essa construção toda vai afetar diretamente o desfecho do processo, já que os crimes dolosos contra a vida estão a cargo do tribunal do júri, e que os jurados não utilizam critérios técnicos ou legais, mas sim o chamado voto de consciência, que são opiniões e valores pessoais. Além do que, essas decisões não precisam ser fundamentadas (catartismo). Então esses elementos e argumentações extraprocessuais tem grande peso. Se a discussão chegar a um nível mais denso, percebe-se que o júri é formado por “pessoas comuns”. Muitos são homens e machistas. Eles de alguma maneira, se identificam com aquele agressor, que normalmente é homem, de bons antecedentes e primário; trabalhador que no fim de semana bebe e extrapola. Aí, em casa, agride a esposa e filhos, mas na vida social, tem perfil positivo. Em suma, o tribunal do júri, considerou e fez julgamento das condutas particulares da vítima; excluiu qualificadoras; ou desclassificou o crime de homicídio para lesão corporal seguida de morte; optou por um abrandamento – o privilégio; ou optou pela
combinação dos incisos II e IV – motivo torpe ou fútil. Como resultado: os réus respondem ao processo criminal em liberdade; as penas, nessas situações, são mais brandas, havendo o reconhecimento do homicídio privilegiado ou do homicídio simples; e o que é pior: o discurso dos magistrados tende a não considerar a variável da violência de gênero no momento da dosimetria da pena. Justamente para tirar esse véu, a lei 13.104/2015 entrou em vigor no dia 10/03/15 no Brasil. São pontos chave dessa lei: alteração do artigo 121 do Código Penal, incluindo como circunstância qualificadora do homicídio; criou uma causa de aumento de pena (um terço até a metade) para os casos em que tenha sido praticado durante a gestação, nos três meses posteriores ao parto, contra pessoa menor de quatorze anos, contra pessoa maior de sessenta anos, contra pessoa com deficiência, na presença de descendente da vítima, na presença de ascendente da vítima; e incluiu o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Anteriormente a Lei 13.104/2015 o feminicídio já poderia, em alguns casos, ser classificado como crime hediondo, nas qualificadoras de motivo torpe ou fútil, mas como não havia um entendimento pacífico nesse sentido, era uma discricionariedade do juiz. A nova lei decidiu incluir taxativamente o feminicídio no rol dos crimes formalmente hediondos. As implicações práticas dessa classificação recaem na diretamente na pena (12 a 30 anos); não admite graça, anistia ou indultos; não admite fiança; o regime inicial de cumprimento de pena é o fechado; a progressão do regime é mais difícil, 2/5 ou 40% para réu primário, e 3/5 ou 60% se for reincidente o réu (sendo que na progressão geral se exige o cumprimento de apenas 1/6) (LEI 8.072/90). Daí, chega-se ao ponto chave. Entra a necessidade de uma lei penal específica para tratar o assunto. Uma espécie de “Nomear para punir e para simbolizar”, nas palavras
de Débora Diniz. Além de tratar objetivamente esse tipo de ocorrência e contexto, ao menos reduzir essa vulnerabilidade da mulher em relação ao homem. Fazer o direito acompanhar essa evolução social, não só através de lei, mas de sensibilização, de abrir ao debate público as motivações então veladas por trás da normalidade das coisas e das relações entre os sexos. A partir daí sim, podemos falar em igualdade material, em resguardo, respeito, tutela e promoção dos Direitos Humanos das mulheres. A mulher terá mais condições de ter sua dignidade igualmente preservada, sendo merecedora do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade como um todo. A partir dessa lei, temos maiores possibilidades regulatórias, por exemplo: normas jurídicas não punitivas que promovam mudanças processuais, criação de instituições e de outras políticas públicas. É importante a adoção de medidas que extrapolam a tutela do direito penal. Normas e medidas que de outra qualidade podem desempenhar uma função central no combate à violência contra as mulheres. Gênero: uma compreensão necessária. Para uma melhor compreensão da lei do feminicídio faz-se necessário também a compreensão acerca do gênero. Muitos se confundem ou não sabem, mas muitos estudos sobre violência contra a mulher consideram que a construção das identidades de gênero sofre grandes influências de aspectos sociais e culturais que são considerados uma das grandes causas justificadoras da desigualdade entre homens e mulheres e consequentemente da violência de gênero. Dessa forma, surge uma grande dúvida a ser questionada: o que se pode compreender acerca do gênero? Primeiro, é necessário ter em mente a concepção de que gênero e sexo são definições extremamente distintas, pois o sexo diz respeito às característica biológicas dos indivíduos, que não necessariamente estarão ligadas a sua forma de expressão através de sua identidade, por exemplo, há casos em que pes-
soas de determinado sexo poderá apresentar características de ter seus valores individuais desrespeitados. A partir disso, podemos considerar que enquanto o sexo está para as características biológicas o gênero está para as construções sociais. O Gênero segundo o estudioso Elder Costa: “[...] se refere à relação entre homens e mulheres baseada na identidade, em condições e funções e nas responsabilidades segundo têm sido construídas e definidas pela sociedade e na cultura”. Dessa forma, temos que a abissal desigualdade social entre homens e mulheres é resultado de uma ordem simbólica e sociocultural em que ao longo da história foi delimitando papéis, estereótipos e discursos orientadores das relações sociais e legitimadores da submissão de um gênero ao outro. Mapa da Violência 2015: o quadro das mortes violentas de mulheres. Dentro dessa perspectiva, para que se possa traçar um panorama real da dimensão que é violência de gênero e a suas nefastas consequências, faz-se salutar a menção aos dados do mapa da violência 2015. Este mapa trouxe questões importantes a serem fomentadas, focadas nas questões gênero e fornecendo subsídios diversos à discussão da violência cometida contra a mulher, especialmente as estatísticas de homicídios de mulheres no Brasil. Nesse contexto, primeiramente, observa-se que o Brasil apresentou na última pesquisa, uma taxa de 4,8% de homicídio, por cada 100 mil mulheres (e aqui é importante ressaltar que estamos falando de morte violenta de mulheres) ficando assim na 5ª posição entre os países com os maiores índices de homicídios de mulheres, atrás somente de El salvador, Guatemala, Colômbia e Rússia. Além disso, temos também que o número de vítimas mulheres teve um aumento relativo entre os anos de 1980 e 2013 demostrando um grande aumento no tocante aos homicídios de mulheres. Exemplificando, tem-se que o desenvolvimento das taxas de homicídios entre dois períodos: 1980/2006, período antes da
lei 11.340/06 conhecida como Maria da Penha, e outro depois da lei, entre período entre 2006/2013. Assim, percebe-se que houve uma leve diminuição com o advento da lei, pois a taxa que girava em torno de 2,5% teve uma significativa queda para 1,7%. O gráfico dos homicídios de mulheres por região demostra o período de análise entre os anos de 2006 e 2013. Sendo perceptível que diversos estados evidenciaram elevado crescimento das taxas de homicídios de mulheres, como Roraima, onde as taxas mais que quadruplicaram (343,9%), ou Paraíba, onde mais que triplicaram (229,2%). Em contrapartida, sete estados registraram quedas: leves em alguns casos, como no Mato Grosso do Sul (-0,1%), Amapá (-5,3%), Rondônia (-11,9%), Pernambuco (-15,6%) e Mato Grosso (-16,6%). Vendo isto, fica difícil indicar uma tendência nacional, pois as oscilações prendem-se a circunstâncias locais, que devem ser estudadas, mais que a fatores globais. O mapa também traz uma informação relevante referente aos homicídios de mulheres nos municípios. E desta feita, apontamos o interessante dado presente na tabela, o qual evidencia que dentre os 32 municípios com as maiores taxas de homicídios de mulheres, os quais estão elencados na imagem, 07 (sete) municípios estão localizados no estado do Pará, bem como: Tucumã, Novo Progresso, Paragominas, Tailândia e São Geraldo do Araguaia. Além disso, os dados estimam os principais locais onde ocorrem os homicídios entre homens e mulheres. Quase a metade dos homicídios masculinos, acontecem na rua, com pouco peso no domicílio. Já nos femininos, essa proporção é bem menor: mesmo considerando que 31,2% acontecem na rua, o domicílio da vítima é, também, um local relevante (27,1%), indicando a alta domesticidade dos homicídios de mulheres. Em relação ao contexto dos agressores podemos refletir através dos seguintes dados: o peso das agressões divide-se entre os pais (26,5%) e os parceiros ou ex-parceiros (23,2%). Para as jovens e as adultas, de 18 a 59 anos de idade, o agressor principal é o parceiro ou
ex-parceiro, concentrando a metade do todos os casos registrados. No conjunto de todas as faixas, percebe-se que prepondera largamente a violência doméstica. Parentes imediatos ou parceiros e ex-parceiros são responsáveis por 67,2% do total de atendimentos. Outro dado relevante é o relativo aos instrumentos utilizados para os homicídios, observa-se que, se nos homicídios masculinos prepondera largamente a utilização de arma de fogo (73,2% dos casos), nos femininos essa incidência é bem menor: 48,8%, com o gradativo aumento de estrangulamento/sufocação, objetos cortante/penetrante e objeto contundente, indicando maior presença de crimes de ódio ou por motivos fúteis/banais. Ao passo disso, outro dado a saber que o mapa da violência 2015 trouxe, foi em relação a cor das vítimas, temos a lamentável estatística de que a maioria das mortes violentas de mulheres tem um cor de pele específica: a negra. A partir disso, chega-se a seguinte análise: Com poucas exceções geográficas, a população negra é vítima prioritária da violência homicida no País. As taxas de homicídios da população branca tendem, historicamente a cair, enquanto aumentam as taxas de mortalidade entre os negros. Por esse motivo, nos últimos anos, o índice de vitimização da população negra cresceu de forma drástica.
Portanto, a lei do feminicídio, embora seja uma legislação que é implementada no ordenamento jurídico brasileiro de maneira atrasada, tendo em vista a cifra oculta de feminicídios, percebemos que esta lei vem reiterar que o combate à violência contra a mulher, por qualquer que seja a situação, é uma questão de direitos humanos. Nada. Nada justifica a violência cometida contra à mulher, nada justifica a morte de mulheres, mortes violentas, pelo simples fato de serem mulheres, pelo simples fato desses seres mulheres viverem em uma ordem econômico-político e social dominada pelo sexo masculino, uma ordem em que mulheres morrem e são agredidas todos os dias por serem mulheres. Em que pese essas circunstâncias, é importante compreendermos como está sendo os efeitos da lei no judiciário brasileiro e como nossos atores do sistema jurídico (que são a maioria homens) estão recebendo essa nova perspectiva de lei. Será que essas pessoas estão sendo preparadas para lidar com homicídios de mulheres por serem consideradas mulheres? A esperança é que sim. Temos a clara convicção que a lei do feminicídio não veio para acabar definitivamente com a morte de violenta de mulheres, ela não é uma panaceia social ou mais uma medida imediatista, porquanto ele é um mecanismo para dizer um “não” a impunidade frente a morte violenta de mulheres e dizer vários “sim” aos direitos humanos e a uma vida digna e livre da violência.
ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS E A HOMOPARENTALIDADE Alex Gomes Mota18
B
oa noite! Em meu trabalho vou ilustrar e fazer uma breve análise das diversas dificuldades enfrentadas por pares homossexuais que buscam constituir uma família através da adoção. Discutiremos ainda novas definições para o termo “família”, como a homoparentalidade e o afeto dentro das relações homossexuais. Primeiramente devemos fazer um rápido apanhado histórico para entender como surgiram os percalços encontrados atualmente por pares homossexuais. O homem, enquanto animal social e político, como afirma Aristóteles, tende a assumir comportamentos aderidos e aceitos pela sociedade. Não importa se a influência dos padrões é de origem política, religiosa ou econômica, o ser humano tende a seguilos a fim de se encaixar socialmente. Frente a isso, sabemos que a homossexualidade não é um fenômeno recente, apesar de estar em evidência na maioria dos debates sociais atualmente. As práticas homossexuais estão presentes nas relações sociais desde os primórdios da civilização. A partir disso, podemos citar como sendo conhecidas desde diversas tribos indígenas, passando pelas relações de caráter pedagógico entre tutor e aprendiz em Atenas ou aquelas protagonizadas pela nobreza na Roma antiga. Foi apenas com o passar do tempo e com a disseminação de correntes religiosas, como o cristianismo, o judaísmo e o islamismo, que o sexo se preencheu de significados “sagrados”, sendo aceito apenas como forma de procriação. Depois disso, restaram condenadas as práticas se-
18
Graduando em direito, Unifesspa, Turma 2015.
xuais entre pessoas de mesmo sexo, classificando-as como sujas, vulgares e pecaminosas. Eis, então, a raiz dos preconceitos encontrados atualmente. Com o surgimento de um debate sobre a dignidade da pessoa humana, como bem a ser zelado, surge também o travestismo, entre os anos de 1850 e 1933, na Europa, como movimento que é considerado o embrião do movimento LGBT. Outro marco histórico nas lutas do movimento LGBT é a revolução de Stonewall, que foi uma série de violentas manifestações espontâneas da comunidade LGBT contra a invasão da polícia, que aconteceu no dia 28 de junho de 1969, no Stonewall Inn, no bairro de Greenwich Village, em Manhattan, Nova York, Estados Unidos. Foi só partir de então, que o movimento LGBT se articulou realmente, e então podemos perceber um grande avanço na luta por igualdade juntamente com o crescimento destes movimentos sociais, porém, percebemos também que ainda resta muito o que se fazer para que possamos nos considerar uma sociedade justa e realmente igualitária! Um rápido adendo: vou tratar aqui de ideologia de gênero, mas de maneira breve e explicativa, sem me ater profundamente à discussão. Quando a gente fala sobre gênero, estamos falando da identidade adotada pelo ser humano, de acordo com seus órgãos genitais, sua psicologia ou seu papel na sociedade, ou seja, é uma identidade assumida livremente pelo indivíduo no uso e gozo da sua dignidade.
Bom, isso exposto, passamos a tratar do princípio da afetividade dentro das relações homossexuais. No imaginário de grande parte da sociedade os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo são associados mínima e preconceituosamente à prática sexual como única base dessas relações. Esse preconceito conduz à ideia de que homens e mulheres que se relacionam com pessoas do mesmo sexo são símbolos de imoralidade e perversão. O contexto disso é uma sociedade predominantemente cristã, como a brasileira, sendo essa uma das principais fontes de discriminação sofrida pela população LGBT. Ocorre que as relações entre pessoas de mesmo sexo não carecem de afeto. Pelo contrário, como em qualquer relacionamento amoroso, dentro de suas particularidades, os relacionamentos entre pessoas de mesmo sexo podem muito bem serem, e frequentemente são, dotados de afetividade. O princípio da afetividade surge no meio jurídico como um princípio subjetivo. A aceitação do afeto como fundamento jurídico, para Tartuce, trouxe diversas consequências, sendo as mais relevantes o reconhecimento jurídico da união homo afetiva como entidade familiar e o reconhecimento da parentalidade socioafetiva como nova forma de parentesco, enquadrada na cláusula geral “outra origem”, do Art. 1.593 do Código Civil de 2002: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem. ” Além disso, o princípio da afetividade, localizado no âmbito do direito de família, pode ser percebido nos art. 226 e 227 da Constituição Federal de 1988. Desta forma, o reconhecimento da afetividade no meio jurídico abre precedentes e fornece arrimo para importantes decisões favoráveis sobre a união estável homo afetiva (ADPF 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, as quais veremos a seguir). Além disso, devemos levar em conta que a adoção também é
um direito inerente da criança e não somente dos pretensos pais: a adoção é um direito do adotando em ser adotado. Ainda se tratando da CF/88, procederemos a uma breve análise dos direitos humanos e da situação do cidadão homossexual sob a perspectiva constitucional vigente. A CF/88 foi pioneira ao tratar dos direitos fundamentais da pessoa humana como princípios norteadores, sendo um dos mais importantes, o princípio da liberdade. A sexualidade se encontra abrigada no princípio da liberdade quando tratamos de liberdade sexual. Vale lembrar que a liberdade é fundada no princípio da dignidade da pessoa humana, que pretende entender o ser humano como um fim em si mesmo e dotado de autonomia. A liberdade sexual passa a ser enfoque de debates principalmente a partir de 1980, com a explosão dos casos de AIDS, que a mídia da época batizou de “câncer gay”, relacionando a doença ao estilo de vida dos homossexuais, que sofriam e ainda sofrem com a falta de posicionamento do governo. A constituição é explicita ao vedar todo e qualquer tipo de discriminação, estando os indivíduos protegidos pelo direito à liberdade de pensamento, de intimidade na vida íntima e privada, dentre outras garantias. Vale ressaltar que apesar das constantes lutas contra a marginalização e discriminação e pela busca de direitos dos casais homossexuais, decisões sobre processos de adoções e uniões estáveis são tomadas apenas com base em princípios constitucionais, não havendo legislação ordinária que explicite tais direitos e os reconheça. Além disso, temos o princípio da igualdade, disposto claramente no art. 5º, caput, da constituição que ensina que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. O princípio da igualdade trata da possibilidade de cidadãos de gozarem de tratamento isonômico pela lei. Percebemos que
ele está intrinsecamente relacionado ao princípio da liberdade, na situação do cidadão LGBT, porque percebemos que só pode existir liberdade se houver, em concomitância e em igual proporção, a isonomia. Ao tratarmos da adoção por casais de mesmo sexo e da família homo afetiva, percebemos que o conceito de família é de difícil definição: quem pode definir o que é ou não é uma família? Percebemos também que o que existe é uma tentativa de empacotamento de todas essas singularidades de unidades familiares em um único molde “heteronormativo”, produto de uma legislação fundamentada em tradições religiosas e em costumes. Além disso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos trata da proteção ao núcleo familiar e do princípio da liberdade atrelado a formação familiar em sua redação. Portanto, além da luta pelo reconhecimento da união homo afetiva, tratamos aqui de outro direito fundamental que passa a ser exigido por pares homossexuais: o direito à parentalidade. As famílias homo parentais devem ser vistas como uma unidade familiar possível, pois em nada diferem de outras famílias, estando alicerçadas no amor e no afeto. A adoção foi regulamentada no Brasil a partir do Código Civil de 1916 e desde então, a adoção por pares homo afetivos nunca foi regularizada por omissão dos legisladores e de um Estado que se coloca como garantidor e defensor dos direitos fundamentais, porém, que não consegue superar a barreira da diversidade sexual por puro e simples preconceito. Para que seu direito à constituição de entidade familiar seja exercido, homossexuais precisam buscar o judiciário, onde estão expostos a eventual preconceito de Juízes, assistentes sociais, entre outros, que, por vezes deixam de levar em conta o princípio do melhor interesse do menor, preferindo
mantê-lo institucionalizado nas casas de acolhimento e orfanatos. Bom, para Torres, os nossos legisladores e aplicadores devem despertar desse sonho romanesco de amor cortês entre homem e mulher que tanto os influenciam e aceitar uma nova realidade social brasileira: a família homo afetiva, que é por sinal, uma realidade bastante frequente. O interesse do menor foi referenciado na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, em 1989 e serve desde então como fundo de apoio para algumas decisões favoráveis em prol da família homo afetiva. Ainda segundo o autor, a sexualidade dos pais não interfere na personalidade dos filhos, como apontam estudos feitos nos EUA desde 1970. Ele afirma que meninas são tão femininas quanto as outras assim como meninos são tão masculinos como os outros sendo que não foi encontrada qualquer tendência que sugerisse que filhos de pais homossexuais sejam necessariamente homossexuais. Além disto, a preferência em se manter uma criança em uma instituição em vez de entregá-la ao seio de uma família homo afetiva acaba por produzir diversos problemas sociais, por exemplo a marginalização destas crianças. Para o Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, o principal ponto da adoção é a convivência familiar, independentemente de orientação sexual dos pais. O art. 43 do ECA ensina que “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”. Podemos ver, portanto, que os argumentos para o indeferimento de processos de adoção por casais homossexuais estão baseados unicamente no preconceito. É triste perceber que não se leva em conta as abalizadas posições legais ou científicas, ou mesmo a mais importante de todas, que é o reconhecimento da afetividade.
Conclusão
Pudemos perceber que, apesar das lutas e da visibilidade adquirida pela causa LGBT, ainda devemos cobrar um maior posicionamento do governo para a elaboração de legislação que garanta expressamente os direitos dessa parcela da população. Esses
normativos devem vir no sentido de regulamentar tanto da união homo afetiva quanto da adoção por casais homo afetivos, visto que a família homo afetiva também é dotada de amor e afetividade. Não há diferença entre adoções, seja por homossexuais, seja por heterossexuais, uma vez que o que se preconiza é a convivência no seio de uma unidade familiar, visto que todos são aptos a fornecer amor e a ensinar valores.
A REINSERÇÃO DO EGRESSO DO SISTEMA PRISIONAL À SOCIEDADE Wasley Peixoto Marques19
B
oa noite! Primeiramente, gostaria de pontuar que é uma grande satisfação poder transmitir um pouco do conhecimento adquirido ao longo dessa, ainda breve, jornada acadêmica, principalmente ao estudar disciplinas como Direitos Humanos, que nos dão novas lentes sobre o que são e como podem ser as relações humanas e o convívio em sociedade. Pois bem, em meio a este contexto, a apresentação que trago a vocês é baseada em um trabalho de TGE, feito pela Eryca Rubielly, Letícia Barreto, Karina Juvenal e por mim, em que, primeiramente, tivemos como principal referência o livro “Desenvolvimento como liberdade”, do Prêmio Nobel em Economia Amartya Sen. Pois bem, a proposta de apresentação para este tema é partir de uma breve análise do sistema carcerário e de outros contextos, que estão direta e indiretamente envolvidos com ele. A partir disso, esperamos poder compreender a relevância da concretude dos direitos humanos, especialmente ao se tratar da liberdade humana, direito fundamental protegido por nossa Carta Magna. Primeiramente por questões metodológicas, necessitamos compreender o surgimento do sistema carcerário brasileiro e como ficou da forma como se encontra hoje. O sistema penitenciário brasileiro iniciouse no período colonial, de modo que a prisão era apenas o local onde os condenados ficavam esperando sua punição, eram verdadeiros depósitos de seres humanos e só serviam para evitar que os réus fugissem do castigo estatal futuro. Nesses cárceres, eles
19
Graduando em direito, Unifesspa, Turma 2015.
deveriam esperar a sua verdadeira sentença, que poderiam ser punições físicas, chegando até mesmo a pena de morte. Em meio a este contexto, ainda não havia um código penal, vigendo as ordenações Filipinas, advindas de Portugal. Com o passar do tempo e com o advento da constituição de 1824, as Ordenações Filipinas foram ultrapassadas pelas ideias iluministas, as quais propunham condições mais dignas de estadia dos encarcerados e que o uso das cadeias passasse a ser forma de punição. Essa última encontrou abrigo no Código Criminal Imperial, sendo então formulado o primeiro pensamento de privação de liberdade como sanção, no Brasil. Avançando no tempo, tivemos a criação do Código Penal de 1890, já que o Brasil neste período se tornou uma república, e este código trouxe algumas inovações, sendo a principal delas, a extinção da pena de morte. Mas somente em 1940, com criação do vigente código penal, que tivemos garantido por lei uma série de proteções e especificações de como deveriam ser as penas e as prisões, principalmente no que tange à privação de liberdade. Além disso, a partir de 1988, com a atual Constituição Federal, o Código Penal teve que se moldar aos princípios da constituição, uma das características do neoconstitucionalismo. Exposta essa trajetória do desenvolver do sistema carcerário, comecemos agora a refletir sobre quais as condicionantes que podem levar um indivíduo a cometer um crime. Nesse aspecto fizemos nossas análises a partir de dois eixos principais, haja
vista que, na prática, as condicionantes podem ser inúmeras. É a partir de então que notaremos o quão importante são os direitos humanos na sociedade em que vivemos, pois, das constatações que seguem, tem-se que, em muitos casos, os apenados tornam-se vítima do próprio sistema ou meio em que estão inseridos. A primeira questão é a desigualdade social, que é um dos pontos de partida para se compreender a criminalidade. A sociedade capitalista induz o indivíduo a buscar sempre o bem-estar material, ou seja, ele é influenciado por uma ideologia consumista. Só que, concomitante a isso, não são ofertadas oportunidades iguais a todos e muito menos condições ideais para que todos possam ter as mesmas possibilidades de ascensão social. Isso explica a colocação de Ana Maria Bianchi, professora de sociologia econômica da USP, quando assim diz: “[...] quando há riqueza e opulência convivendo com a miséria, aumenta o sentimento de privação do indivíduo, levando-o à violência. (Amaral, 1995) ”. Ou seja, encontra-se na criminalidade uma forma rápida e fácil de se obter os privilégios daquilo que, por outro caminho, seria mais difícil. Notaremos então, que a violência e a criminalidade possuem raízes e explicações econômicas, e isso será um obstáculo ao desenvolvimento pleno do Estado. Porém, não somente por um viés econômico justifica-se a criminalidade. A existência de uma cultura punitiva amplia a visão de um Estado opressor, sendo que as classes mais pobres também são (as maiores) vítimas da criminalidade. Sendo assim, para diminuir o número de indivíduos que optam pelo mundo do crime, é preciso que os direitos e garantias mínimas dos cidadãos sejam efetivados. São prestações positivas como educação, sa-
úde, lazer, transporte, dentre outros direitos fundamentais, que garantem o bem-estar da sociedade. Nesse sentido, temos a citação de Borges: “A atuação efetiva do poder público local, ao garantir a solução ou minimização dos graves problemas observados nas cidades brasileiras contribui fundamentalmente para não agravar o já caótico quadro de gestão judiciária e carcerária da pobreza. (BORGES, 2009). ” O segundo ponto que nós avaliamos foi especificamente relacionado à educação, direito que se perfaz como a base estrutural das relações sociais, econômicas e políticas de qualquer povo. É a educação que auxiliará no exercício da plena cidadania e no combate às desigualdades sociais. Para demonstrar isso, analisemos a colocação de Gilberto Dimenstein: [...] a família é pobre. Mora em uma casa onde não tem saneamento básico. O ambiente facilita a transmissão de doenças. As doenças enfraquecem o corpo, que fica desnutrido. A criança desnutrida não aprende direito o que é ensinado. E quem não estuda não consegue arrumar um bom emprego. Um jeito de quebrar esse ciclo tenebroso é a educação. Isto porque uma pessoa instruída pode defender melhor os seus direitos e saber quais são as suas obrigações (DIMENSTEIN, 1993) Notamos que a falta de direitos essenciais pode ser associada à ação da criminalidade, quando atrai os jovens para condutas ilícitas, em troca de uma fonte de renda rápida e fácil. No trecho exposto notamos que a descrição da vida de uma criança sem educação apenas piora sua situação, assim como também este direito acaba sendo a única forma possível de transformação. Pois bem, apresentados o sistema carcerário e as principais razões que o alimentam, trago agora um vídeo do grupo de rap “Racionais MC’s”, que em seu auge na década
de 1990 denunciava as mazelas vividas pelos detentos e pela população menos favorecida das grandes cidades brasileiras. A música (Diário de um detento), mesmo retratando a realidade da década de 1990, se mostra, infelizmente, bastante atual, sendo o videoclipe muito perspicaz e sucinto ao falar da realidade do detento. Temos ainda atual, por exemplo, os fatores que, segundo o rapper, geram um novo detento, como ódio, miséria e abandono. Destaque-se ainda a pertinência da canção ao relatar a indiferença com que as pessoas olham para o detento e para o ex-detento, como será pontuado mais à frente.
c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.
A partir dessa música, podemos então fazer uma melhor analogia entre o que está proposto em nossa lei e o que ocorre efetivamente na realidade enfrentada diariamente por detentos e ex-detentos.
Essas garantias, mesmo estando na constituição, ainda não são respeitadas ou concretizadas. Como bem exposto na letra do grupo de rap: “O ser humano é descartável no Brasil”; e as prisões ainda lembram as do período colonial em alguns aspectos, denotando que elas não cumprem aquilo que está positivado. O que temos por trás de um discurso de ressocialização é, na verdade, um sistema punitivista, cuja finalidade é apenas separar aqueles elementos considerados improdutivos ou maléficos à sociedade.
Do nosso ordenamento jurídico, temos que a lei, no seu plano ideal, objetiva a ressocialização daquele que perturbou a ordem social. Contudo, na verdade, o que encontramos é totalmente o oposto. Vejamos o que diz no Art.5º da CF.
Se os direitos humanos fossem realmente concretizados, poderíamos ter como resultados a redução do número de reincidências criminais e uma desconstrução de uma série de paradigmas sobre o sistema carcerário e a sua população.
“III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo;
Passada a condição de egresso, inicia-se o processo de reinserção (ou até mesmo inserção) dessa pessoa à sociedade e ao mercado de trabalho, dado o grande índice de desqualificação profissional no cárcere brasileiro. A questão é: será que o mercado de trabalho tem espaço para essas pessoas que foram “carimbadas” com o “selo” da prisão e agora tendem a sofrer o preconceito social e a marginalização? Para enfrentar essas questões, o Estado tem tentado atuar a partir de suas próprias forças, como por exemplo, com o Projeto de Lei 6.901/13, que altera a Lei de Licitações (8.666/93), determinando que as empresas contratadas por órgãos e entidades da Administração Pública para obras e serviços reservem 5% da mão-de-obra utilizada
para o cumprimento do contrato aos egressos do sistema penitenciário e apenados em regime semiaberto e aberto. Como apoio, o art. 25 da Lei de Execução Penal garante assistência ao egresso em sua reintegração, fornecendo alojamento e alimentação pelo prazo de dois meses, se necessário, podendo inclusive ser prorrogado. Conforme Teixeira (2011), é muito difícil para um ex-detento conseguir estabilizar sua vida financeira de maneira honesta, pois, a própria sociedade não o aceita. Não obstante, é notório que uma oportunidade de trabalho diminui em muito as chances de que o egresso volte a delinquir, além de ser fundamental para que ele se sinta, de fato, integrado à sociedade. Sendo assim, notamos que vivemos em sistema penal falido, em que punição é mais evidenciada do que as propostas de ressocialização, sendo pouco eficazes as propostas de reintegrar o ex-detento na sociedade. A partir de um olhar crítico e reflexivo, notaremos que o sistema carcerário brasileiro é excludente, classista, racista, sexista e opressor. A par disso, se faz necessário um esforço criativo para buscar alternativas mais inclusivas para a recepção do egresso. Nesse contexto existem alguns projetos que auxiliam o ex-detento na sua reintegração a sociedade, são exemplos, Projeto Começar de Novo e a Iniciativa estatal de exigir um corpo funcional constituído de 2 a 10% por ex-carcerários. É importante destacar que no contexto do mercado de trabalho, contratar um preso ou tutelado do Estado chega a custar três vezes menos que a contratação dos demais funcionários, regidos pela CLT. Desta forma, nota-se que o grande entrave para a atua-
ção desses indivíduos no mercado de trabalho é mesmo o preconceito, que faz valer a frase de Assis (2007): “O egresso desassistido de hoje continuará sendo o criminoso reincidente de amanhã.”. Compreende-se assim, que precisamos investir na concretização dos direitos fundamentais para o desenvolvimento dos indivíduos, o que não está relacionado apenas com a renda, segundo Amartya Sen. Na verdade precisamos utilizar o capital como um meio benéfico, nunca como um fim. Esta compreensão nos levará a repensar os estigmas, os preconceitos e as mazelas da nossa sociedade, principalmente no que concerne à liberdade dos indivíduos. Para além, com o intuito de compartilhar o conhecimento e construir uma reflexão crítica, trazemos ainda as seguintes colocações sobre o sistema carcerário e o sistema penal como um todo: sendo o citado sistema excludente, classista, racista, sexista e opressor, como ressocializar alguém o privando do convívio com a sociedade? Como é possível melhorar a convivência, impedindo que ela aconteça? Por fim, uma breve colocação para refletirmos um pouco mais sobre os direitos humanos de uma forma mais simples e informal. Se fizéssemos um paralelo entre a dignidade da pessoa humana e algum objeto, este poderia ser uma chave. Afinal, chaves abrem portas, mas quais portas essa chave abriria? Trata-se das portas dos Direitos Humanos, que quando abertas possibilita-nos trocar de lentes e ver o mundo através dessa mesma dignidade. Assim, começaríamos a ver o mundo sem distinção de raças, sexos, nacionalidade, ideologia, precedentes, seja o que for, mas veríamos a todos como, e unicamente como, seres humanos. Assim acredito que poderíamos viver em um mundo melhor.
EDUCAÇÃO, DIGNIDADE HUMANA E SISTEMA DE COTAS: O PROCESSO DE INSERÇÃO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS NO CONTEXTO SOCIAL, EDUCACIONAL E JURÍDICO BRASILEIRO Lewy Mota Pardinho20
H
istórico: estabelecer a conexão entre os eventos do passado, em especial a abolição da escravatura, mesmo libertando os escravos não garantiu a plenitude da cidadania e que culminaram no surgimento das ações afirmativas no Brasil, criando um elo com outros aspectos jurídicos e institucionais. Além de compreender o surgimento das ações afirmativas como política de abertura para grupos marginalizados no Brasil, buscaremos em outros países, exemplos que foram utilizados para inserir minorias no contexto social que até então se encontravam excluídos. Casos como da Índia, que buscou acabar com a segregação das castas, da França que ampliou a inserção de alunos provenientes de escolas públicas nas universidades, África do Sul com a luta contra o Apartheid, que destituiu a cidadania da maior parcela étnica da sociedade, o negro e dos Estados Unidos, que a partir da década de 50, inicia o processo de inserção dos negros como cidadão concreto americano e com as lutas pelos direitos civis, criariam as ações afirmativas e consequentemente, o sistema de cotas. Educação e Ordem Econômica: a relação renda e acesso à educação, as dificuldades encontradas na sociedade para garantir ensino de qualidade e com acesso amplo dos vários setores da sociedade. A triste realidade do Brasil quanto ao acesso à educação e ao mesmo tempo, a dificuldade que é visível para a continuidade do aprendizado, lembrando que as barreiras numa sociedade pautada na desigualdade tende a am-
20
Graduando em direito, Unifesspa, Turma 2015.
pliar as distâncias entre os próprios cidadãos, mesmo que no debate entre igualdade material e formal tende a dificultar uma resposta mais objetiva, daí que as ações afirmativas são tentativas, paliativas, de dirimir os obstáculos que determinadas desigualdades tenderam a criar para uma parcela significativa dos brasileiros. Compreensão entre igualdade formal e material: tentativa de explicar o surgimento de uma concepção excludente na sociedade a partir de um parâmetro meramente jurídico, sem levar em consideração a realidade humana de cada indivíduo. Com esse intuito, de relativizar a igualdade que as ações afirmativas surgem, assim como o sistema de cotas, o ingresso de determinados grupos que foram mantidos afastados de vários espaços da nossa sociedade, uma segregação velada que precisa ser apagada e dessa forma encontrar um meio comum de relação na sociedade, mais isonômica e igualitária. “O que seria a miséria humana?”: Possibilitar o lado crítico dos espectadores a partir de um questionamento pertinente ao fator desigualdade social. Em especial quanto ao conhecimento dos direitos humanos, a realidade que passamos sobre o respeito à dignidade da pessoa humana, o que realmente importa é apenas o que a lei diz ou a efetividade da igualdade entre os indivíduos? São questões importantes para se trabalhar em meio a sociedade, na procura de uma síntese de interesses, e não apenas uma parcela que possa ter garantido direitos e o restante se oprimir com deveres e
separações. Tratar com dignidade é destituir os limites da separação e mobilizar a igualdade. A entrada da norma, o que a CRFB de 1988 nos traz de mais importante quanto à dignidade da pessoa humana. Garantindo a todos os meios necessários para alcançar a plenitude da sua cidadania, claro que existem vários desafios, mas a viabilidade começa quando o direito e as leis tendem, em uníssono, a criar mecanismos para suplantar as diferenças, e a Constituição torna-se o principal motor dessa transformação. Apresentar, dentro da realidade do Brasil, a implantação das Ações Afirmativas como caminho necessário para dirimir as diferenças e os preconceitos na sociedade. O que é a lei de cotas e quais são seus reais objetivos. O debate acerca do sistema de cotas, os argumentos contra e a favor. Abrir mais questionamentos acerca do sistema de cotas, para que haja melhor vinculação com o tema proposto aos ouvintes. Propor em especial uma reflexão a partir do
tema central da apresentação, pois a implantação do sistema de cotas encontrou uma variedade de problemas para se efetivar, mas não por esse motivo que ela tendeu a ser um fracasso. E os vários mitos, que se verificaram em discursos e senso comum, aos poucos se tornaram letra vazia, já que o sistema de cotas, apesar dos vários problemas que suscitaram mais debates e críticas, realmente possibilitou uma transformação do ensino superior no país. Apresentação de estatísticas a respeito dos resultados obtidos com o sistema de cotas, além das disparidades existentes em outros contextos como no sistema judiciário no Brasil. O que não quer dizer que essa transformação realmente alterou o quadro social. Ainda é um começo, e as estatísticas demonstram o quanto precisa mudar e melhorar a condição dessas parcelas sociais que não buscam uma reparação histórica, mas redução das disparidades e consequentemente o fim das diferenças que tanto oneram as relações sociais, educacionais, políticas e trabalhistas.
A INDÚSTRIA DA SECA E A INSTRUMENTALIZAÇÃO DO SER HUMANO Chaira Lacerda Nepomuceno 21 Gabriela Araújo Dias22
P
rezados colegas de curso, esta apresentação tem por título “A Indústria da Seca e a Instrumentalização do Ser Humano”. Em primeiro lugar, quero ressaltar que o foco é criticar, de maneira geral, políticas públicas implantadas com vistas à mitigação dos efeitos da seca, e não criticar os agentes políticos, certo? Ainda que sejam citados nomes desses agentes, preciso advertir que não convém discutir partidarismos, apenas a implantação de políticas públicas na região Nordeste, que vem, há centenas de anos, fomentando a indústria da seca e usando o ser humano como meio para alcançar objetivos econômicos. Em outras palavras, as ações do Estado para mitigar os efeitos deletérios da seca acabaram se tornando um comércio, que favorece e enriquece uma certa classe, às custas do sofrimento de outras, que se tornam mercadoria de troca. Assim sendo, o principal objetivo deste trabalho é demonstrar que o argumento da falta de chuvas perpetua no Nordeste a “indústria da seca”, cuja mercadoria principal é a dignidade da pessoa humana, uma vez que trata o homem como meio para obtenção de lucratividades. Da doutrina, extraímos que a dignidade da pessoa humana é, ao mesmo tempo, limite e tarefa dos poderes Estatais. É limite porque o Estado não pode subjugar a condição humana ou utilizá-la como objeto ou meio para o alcance de seus fins. Pelo contrário, como tarefa do Estado, a condição humana gera diretos fundamentais de proteção, oponíveis ao próprio Estado e ao particular. 21 22
Graduanda em direito, Unifesspa, Turma 2015. Graduanda em direito, Unifesspa, Turma 2015.
Por isso, na Constituição da República temos que a dignidade da pessoa humana é um fundamento do Estado. Alguns autores usam o termo princípio, meta-princípio, para se referir à dignidade. O que realmente importa é entender que o ordenamento jurídico e a atividade estatal devem estar submetidos a esse fundamento, o qual serve também de guia para a interpretação de outras normas jurídicas. Temos até aqui duas lições: a primeira é que, em virtude da dignidade da pessoa humana, o ser humano não pode ser usado como um meio. Como fim em si mesmo, demanda do Estado prestações em forma de direitos que protegem a sua condição e lhe proporcionam condições para o desenvolvimento de sua autonomia e de seu projeto de vida. Agora, adentrando o ponto fulcral deste trabalho, temos que a seca no Nordeste não é só notícia nos jornais, como também é um fato que assola a região e com o qual os sertanejos convivem há centenas de anos, sem solução. Em nossas pesquisas, encontramos vários autores que citam o incorreto manejo do solo ocorrido desde o Brasil-colônia, que somado à baixa incidência de chuvas, convergem para um processo de desertificação do semiárido. Existe um mapa da desertificação do Nordeste no site do Ministério do Meio Ambiente, que pode ser visto logo abaixo. A coloração laranja escura delimita áreas mais críticas que apresentam maior probabilidade de virar deserto. E, toda a extensão
das áreas suscetíveis à desertificação, áreas coloridas no mapa, representa 16% do território brasileiro, onde habita 17% da população do país, dentre as quais 85% são considerados pobres.
Figura 01 – Mapa da desertificação23.
a seca, que fomentem a autonomia dos sertanejos, promovam a dignidade, pois, assim, estar-se-á cumprindo a Constituição. Desde 1538 tem-se registros de episódios de seca. Em 1877 (até 1879) ocorreu o episódio conhecido como “A grande seca”, marcado por intensa migração e estimativa de 500 mil mortes. No ano de 1915, outra grande seca assolou o sertão nordestino obrigando muitos a migrarem para as grandes cidades. Mesmo após o episódio da grande seca de 1877, o governo ainda não tinha criado nenhuma solução para se precaver, e se vendo novamente enfrentando uma seca, pensou em uma solução desumana, criando os primeiros campos de concentração dos refugiados da seca, verdadeiros currais humanos. Esses currais eram cercados por arames farpados e vigiados 24 horas por dia com água e alimentos controlados para confinar almas nordestinas castigadas pela seca. O primeiro campo de concentração criado ficava à oeste da cidade de Fortaleza, na região alagadiça do atual Otávio Bonfim e nesse campo ficavam cerca de oito mil pessoas. O mesmo campo foi desativado ainda em 1915 quando os retirantes foram incentivados a migrar para a Amazônia.
Temos que pensar, então, que se as soluções que vêm sendo adotadas não promovem a convivência com a seca, nem a recuperação de áreas degradadas pelo processo de desertificação, muito em breve teremos uma legião de refugiados ambientais dentro do nosso país, não obstante já ocorra a intensa migração rumo ao litoral, em especial. Desta forma, a palavra de ordem é a promoção de medidas de convivência com
Fonte: Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: http://www.mma.gov.br/. Acesso em: 20 mai. 2016. 23
A mesma solução foi utilizada na seca de 1932, quando o campo de concentração Otávio Bonfim foi reativado juntamente com a ampliação de outros. Corpos magros de cabeças raspadas se apinhavam aos montes dentro dos campos de concentração criados para condenar a massa castigada pela seca dos anos de 1915 e 1932. O poema “Campos de Concentração no Ceará”, de Henrique César Pinheiro, demonstra a situação vivida. Segue um trecho dessa obra:
No Estado do Ceará A exemplo do alemão Houve por aqui também Campo de concentração Lá era pra matar judeu Aqui o povo do sertão. Na seca de trinta e dois Criamos uns sete currais Para evitar que famintos Criassem problemas sociais E pudessem invadir Na capital seus mananciais. Currais foram construídos Em Senador Pompeu, Ipu, Quixeramobim e Crato, Fortaleza e Cariús. Fortaleza teve dois Otávio Bonfim, Pirambu. O Imperador declarou na época da Grande Seca que venderia até a última joia da Coroa para salvar os sertanejos. De fato, ele tomou uma providência: contratou engenheiros e os enviou ao Nordeste para construir poços. Ocorre que a seca, desde então, tornou-se um argumento político quase irrefutável para conseguir recursos, obras e outras benesses do governo. Em especial, as soluções hidráulicas, como construção de açudes e barragens. Assim, a primeira metade do século XX ficou marcada pela construção de açudes em propriedades particulares com verbas do governo federal, favorecendo os grandes produtores da oligarquia algodoeira-pecuária; relegando os nordestinos mais pobres e pequenos produtores à própria sorte e à mercê da possibilidade da ocorrência de chuvas. O nosso país tem dimensões continentais e em nossa sociedade, o gradiente de desigualdade segue essas proporções. Entre as regiões, temos uma imensa desigualdade. Dentro de uma mesma região, como o Nordeste, também vislumbramos que não há
proporcionalidade na distribuição de riqueza entre o semiárido, o agreste e o litoral, por exemplo. Percebe-se que, como explicação dessa desigualdade, dá-se sempre a mesma causa, a seca tratada como mera ausência de chuvas. Quando, na verdade, como já foi frisado, os recursos para o combate aos efeitos maléficos da ausência de chuvas se concentram em benefício de alguns privilegiados. E as medidas que poderiam beneficiar uma maior quantidade de pessoas não são priorizadas. No que tange à distribuição de riqueza, o indicador por quinto populacional é bastante explícito. O IBGE, para mensurar a distribuição de riqueza per capita das famílias, as divide em 5 pedaços (cada um equivale a 20% da população). Comparando-se a média do país, têm-se que o quinto das famílias mais ricas, em média ganha quase 16 vezes mais que a média das famílias do quinto mais pobre. Esse dado, por si só, já demonstra o abismo social existente entre classes sociais no país. Analisando apenas o quinto mais rico, a média brasileira é 54% maior que a média do Nordeste. A média do Sudeste, por sua vez, é maior 78% que a média nordestina. Dentro da região, a média é “puxada” para baixo em decorrência de anos de políticas de favorecimento de grandes proprietários em detrimento do pequeno produtor, do sertanejo lá na ponta da cadeia produtiva, aprofundando mais e mais a desigualdade. Retomando a ideia de dignidade que foi exposta no início da apresentação, trata-se, pois, de qualidade intrínseca da pessoa humana, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. Significa dizer que os seres humanos são materialmente iguais, decorrente de sua própria dignidade, inerente a todos de nossa espécie, que não decorre de uma característica, atributo ou renda auferida, mas do simples fato de ser humano. Assim, concluímos que a situação
de desigualdade é absolutamente incompatível com a dignidade da pessoa humana. Esse cenário de desigualdade entre regiões fragiliza a dignidade de quem se encontra assim. Impede o pleno desenvolvimento de sua autonomia e de seu projeto de vida. Daí se justificam políticas que venham a mitigar essa desigualdade, que nos dizeres do autor Peces-Barba, são mecanismos de diferenciação, ou seja, de trato desigual para os grupos que se encontram em desigualdade. Não é o que se depreende das políticas públicas que vem sendo implantadas há anos no semiárido, que agravam e aprofundam o abismo da desigualdade, exploram o sofrimento e a fome dos sertanejos e condicionam o desenvolvimento de sua autonomia. Daí decorre a definição da indústria da seca: um quadro resultante da combinação da incapacidade do poder público de alterar substancialmente a situação do semiárido, de um lado, e do outro, os interesses clientelistas de grupos políticos locais que se beneficiavam dos programas e obras do governo para minorar os efeitos da seca. Por exemplo, a política de distribuição de água em carros-pipa é uma prática reiterada. Não alcança o cerne do problema, não traz resultados duradouros e impede o desenvolvimento pleno da autonomia de quem necessita dessa água para sua subsistência. Isso sem mencionar o uso “eleitoreiro” dessa política na cooptação de votos. Diante da problemática da seca que estava devastando o solo nordestino foram exigidas do governo atitudes positivas para combater essa situação. Com isso, durante o Brasil império, o governo utilizou como solução para o enfrentamento da seca a abertura de poços artesianos profundos e outra medida que até hoje ainda está em curso; a transposição do Rio São Francisco. Acreditem vocês ou não, mas a ideia de transposição do Rio São Francisco surgiu
primeiramente no Brasil Império, mais especificamente no de 1847, por um engenheiro chamado Marcos Macedo. Diante da proposta apresentada, o então imperador, Dom Pedro II, contratou um engenheiro austríaco para realizar os estudos necessários antes da implementação do projeto. Entretanto, a ideia oficial do projeto de transposição do rio são Francisco surge quando a comissão científica sob o comando do engenheiro e físico brasileiro Guilherme Schuch de Capanema, o Barão de Capanema, propõe a abertura de um canal ligando o rio São Francisco ao Rio Jaguaribe e a construção de 30 açudes. Decorridos quase cem anos, no governo de Getúlio Vargas, foi criado o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e com isso, a transposição voltou a ser estudada como relevante para o combate à seca. No governo do presidente Itamar Franco, o projeto voltou novamente a ser estudado. Contudo o Tribunal de Contas da União não aprovou porque iria gastar uma quantidade bastante significativa de dinheiro. Já no ano de 2000, o deputado Marcondes Gadelha, defendeu a projeto afirmando que ele deveria ser implementado o quanto antes, mas, novamente, não foi para frente por vários motivos que fizeram o governo FHC desistir, dentre esses motivos destaca-se a falta de consenso em sua base de apoio, ou seja, uma parte defendia o projeto e outra parte criticava a sua implementação, em segundo lugar, houve a saída do principal defensor do projeto que era o ministro da integração nacional, Fernando Bezerra. Ainda se pode acrescentar que se o projeto fosse implementado haveria a possibilidade de queda de até 10% da produção de energia da central hidrelétrica do São Francisco, o que poderia causar problemas drásticos em um contexto de racionamento energético. Soma-se a esse contexto a pressão de movimentos sociais contrários à transposição.
Em 2004, no governo Lula, a ideia é retomada com mais força e novamente começam os conflitos entre aqueles que defendem o projeto e aqueles que são contrários a ele. O custo estimado das obras chegava a US$1,5 bilhão, mas ainda assim, o projeto foi aprovado em janeiro de 2005 pelo conselho de recursos hídricos. Um dos argumentos mais fortes sustentava que a implementação levaria à redução de gastos emergenciais causados pela seca. Porém, na melhor das hipóteses, 80% da população do polígono das secas ainda continuariam numa situação de vulnerabilidade e, portanto, iriam continuar necessitando de auxílio do governo em anos de crise. Nesse sentido, o projeto de transposição do rio São Francisco refere-se a uma política reiterada há mais de 180 anos para dotar o Nordeste de infraestrutura hídrica, sendo que o fenômeno das secas sempre foi colocado com entrave para o desenvolvimento dessa região. Josué de Castro vai criticar a confiança excessiva depositada nas políticas ofertadas pelo governo que consideram que toda a miséria do Nordeste se explica tão somente como pelo problema de falta de água. O autor acredita que as soluções hídricas parecem perpetuar a antiga intervenção política chamada “indústria da seca”. Por que isso iria acontecer? Quem nos dá a resposta é Ab´Saber que afirma que não haveria opiniões contrárias à implementação do projeto, se houvesse também projetos paralelos simples e bem distribuídos por todos os sertões, afim de melhorar as condições econômicas daqueles que moram no interior. Contudo, o autor critica o projeto, considerando-o como eleitoreiro e desenvolvimentista que apenas vai atender, mais uma vez, aos interesses dos grandes fazendeiros. Além disso, o custo da água transposta será muito caro, e se esse valor for cobrado dos pequenos agricultores estes não terão condições de pagar pelo custo da água sem prejudicar seu próprio sustento. Com isso, podemos deduzir que apenas os grandes
fazendeiros poderão utilizar a água sem causar grande dano ao seu bolso. Atualmente, segundo o Ministério da Integração Nacional a obra já apresentava um avanço de 81% em 2015 e tem previsão de ser acabada em dezembro de 2016 e início de 2017. Este projeto objetiva transpor uma parte das águas a jusante do reservatório de Sobradinho até açudes ou rios intermitentes dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba. Com isso, podemos concluir que as políticas de combate à seca não asseguram a dignidade da pessoa humana porque privilegiam a dependência ao invés da autonomia, fomentam o sofrimento e a fome da população que mais necessita apenas para garantir a lucratividade de alguns poucos e, nesse contexto, o sertanejo é usado como um meio lucrativo para a indústria da seca. Para encerrar, o poema “Nordestino, sim, nordestinado, não”, de Patativa do Assaré: [...] Mas não é o pai celeste Que faz sair do Nordeste Legiões de retirantes Os grandes martírios seus Não é permissão de Deus É culpa dos governantes Já sabemos muito bem De onde nasce e de onde vem A raiz do grande mal Vem da situação crítica Desigualdade política Econômica e social
SANEAMENTO AMBIENTAL COMO POLÍTICA PÚBLICA Marta da Trindade24 Iêda Cristina Dias Amorim25
B
oa noite! O nosso trabalho tem como tema o saneamento ambiental e desenvolvimento urbano. Todavia, a título de introdução, vamos fazer um breve comentário sobre o direito à cidade. Segundo Henri Lefebvre, o direito à cidade está fundamentado em duas visões: uma é a participativa e a outra é a referente ao acesso a bens e serviços urbanos. A participativa está focada na gestão democrática e na cidadania, sendo assim ela possui uma forma de controle popular, colocando em prática a participação efetiva dos habitantes da cidade na produção do espaço urbano, podendo opinar nas decisões e reformas do lugar onde vivem. Já na visão do acesso a bens e serviços urbanos, tem-se o foco na infraestrutura, mobilidade, etc. A teor do que dispõe a Constituição Federal: Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretriz geral fixadas em lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. A lei nº 10.257/2001 vem trazer contornos claros ao enfatizar a gestão democrática das cidades (art. 2º, II c/c art. 43-45, EC) e a garantia de cidades sustentáveis, que pressupõe o acesso à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura e serviços públicos, ao lazer e ao trabalho (art. 2º, I, EC). Essas garantias se projetam
24 25
Graduanda em direito, Unifesspa, Turma 2015. Graduanda em direito, Unifesspa, Turma 2015.
em inúmeros instrumentos de políticas urbanos previstos e regulamentados ao longo do Estatuto.
Saneamento ambiental
É o conjunto de investimentos públicos, necessário para resolver os problemas gerados na infraestrutura das cidades. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), o saneamento está baseado no controle de todos os fatores ambientais, que proporcionam um bem-estar, físico, mental e social das pessoas, evitando assim a insalubridade. Entende-se como salubridade ambiental, o estado de higidez (estado de saúde normal). Este tema engloba vários cuidados com o ambiente dentro de um país. A oferta do saneamento associa sistemas constituídos por uma infraestrutura física e uma estrutura educacional, legal e institucional, que abrange os seguintes serviços: •
•
ABASTECIMENTO DE ÁGUA: Com a qualidade compatível com a proteção da saúde e em quantidade suficiente para a garantia de condições básicas de conforto para toda população. COLETA: Tratamento e disposição ambientalmente adequada e sanitariamente segura de águas (esgotos sanitários, resíduos líquidos industriais e agrícolas).
•
•
•
•
•
•
ACONDICIONAMENTO: Coleta, transporte e destino final dos resíduos sólidos (incluindo os rejeitos provenientes das atividades doméstica, comercial e de serviços, industrial e pública). COLETA DE ÁGUAS PLUVIAIS E CONTROLE: Controle de empoçamentos e inundações. CONTROLE DE VETORES DE DOENÇAS: Transmissíveis por insetos, roedores, moluscos, etc. SANEAMENTO DOS ALIMENTOS: Tem como objetivo zelar pela qualidade e segurança dos alimentos que são consumidos. SANEAMENTO DA HABITAÇÃO: Nos locais de trabalho, de educação, de recreação e dos hospitais. CONTROLE DA POLUIÇÃO AMBIENTAL: Da água, ar, solo, acústica e visual.
A definição de saneamento ambiental, no Brasil, está prevista pela Lei Federal nº 11.445/07, a qual estabelece políticas nacionais e federais de saneamento, e vai englobar todos esses requisitos que falei acima.
Contexto histórico
Na Idade Média a prática de hábitos de higiene sempre foi precária, porém isso se agravou com o crescimento industrial no fim do séc. XVIII. Os camponeses que foram para as cidades sem nenhuma infraestrutura de saneamento tiveram vários problemas de Saúde pública e meio ambiente. Ainda de acordo com Cavinatto (1992), no Brasil do séc. XVI, os jesuítas admiravam-se com o ótimo estado de saúde dos indígenas. Contudo, com a chegada do colonizador e dos negros, rapidamente houve a disseminação de várias moléstias contra as quais os nativos não tinham defesas próprias do organismo. Doenças como varíola, tuberculose e sarampo resultaram em epidemias
que frequentemente matavam os índios. Com os colonizadores, suas doenças e forma de cultura, vieram também as preocupações sanitárias com a limpeza de ruas e quintais, e com a construção de chafarizes em praças públicas para a distribuição de água à população, então transportada em recipientes pelos escravos.
Saneamento ambiental no cenário mundial
Até meados da década de 80, a maioria das grandes organizações internacionais, dos governos e dos pesquisadores com interesse nas questões relacionadas às condições de vida e saúde das populações, priorizavam as populações rurais, mais especificamente a dos países em desenvolvimento, como o foco principal de suas atenções e investimentos (ROSSI-ESPAGNET et al., 1991). A primeira lei de saúde pública surgiu em 1848 na Grã-Bretanha, e em 1859 início da limpeza geral das canalizações de esgotos da capital. Entretanto, quando colocamos o saneamento ambiental em uma visão mundial observamos que muitos países ainda sofrem com a falta desses recursos. Bilhões de pessoas dos países em desenvolvimento não tem acesso a quantidade mínima de água potável. As populações que têm esses índices negativos mais alarmantes são as dos países pobres, onde se pode afirmar que o saneamento chega a ser inexistente. A diarreia, por exemplo, é uma das doenças que mais causa a morte de crianças. A Organização das Nações Unidas (ONU) repete o diagnóstico cada vez mais alarmante: mais de 1 bilhão de pessoas - o equivalente a 18% da população mundial - não têm acesso a uma quantidade mínima aceitável de água potável, ou seja, água segura para uso humano.
Se nada mudar no padrão de consumo, dois terços da população do planeta em 2025 5,5 bilhões de pessoas - poderão não ter acesso à água limpa. E, em 2050, apenas um quarto da humanidade vai dispor de água para satisfazer suas necessidades básicas. (Da Redação - Revista Atualidades Vestibular-2008).
Saneamento ambiental no Brasil Até meados dos anos 1970, no Brasil, os serviços de saneamento básico eram feitos por diversos órgãos, ainda que a responsabilidade fosse primariamente do município. Nesse sentido, foi criado o Plano Nacional de Saneamento, que definia as formas de financiar a melhoria de saneamento no país. Este plano executava o fornecimento de água, assim como criava de redes de esgoto, a partir de recursos do FGTS. Em decorrência da ineficácia desse plano, ele foi extinto, o que propiciou a privatização em larga escala desse setor. Reduzindo assim, na década de 1990, os investimentos por parte do governo federal nas políticas de saneamento ambiental. Como é de conhecimento de muitos, apesar de ser a sétima economia do mundo, o nosso país, em 2011, ocupava a 112ª posição em um conjunto de 200 países no quesito saneamento básico, segundo aponta um estudo desenvolvido pelo Instituto Trata Brasil e pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável. De acordo com esse trabalho, o índice de Desenvolvimento do Saneamento atingiu 0.581, indicador que está abaixo não apenas do apurado em países ricos, mas de muitos países do continente africano, do Oriente Médio e da América Latina. Segundo o estudo acima mencionado, no Brasil, apenas 82,5% dos brasileiros são atendidos com abastecimento de água tratada. São mais de 35 milhões de brasileiros
sem o acesso a este serviço básico. A região Sudeste apresenta 91,7% de atendimento total de água; enquanto isso, o Norte apresenta índice de 54,51%. A região Norte é a que mais perde, com 47,90%; enquanto isso, o Sudeste apresenta o menor índice com 32,62%. A média das 100 maiores cidades brasileiras em tratamento dos esgotos foi de 50,26%. Apenas 10 delas tratam acima de 80% de seus esgotos. Na região Norte apenas 14,36% do esgoto é tratado, e o índice de atendimento total é de 7,88%. A pior situação entre todas as regiões. Na região Nordeste apenas 28,8% do esgoto é tratado. Na região Sudeste 43,9% do esgoto é tratado. O índice de atendimento total de esgoto é de 78,33%. Na região Sul 43,9% do esgoto é tratado. Na região Centro-Oeste 46,37% do esgoto é tratado. A região com melhor desempenho, porém a média de esgoto tratado não atinge nem a metade da população. Em termos de volume, as capitais brasileiras lançaram 1,2 bilhão de m³ de esgotos na natureza em 2013. Vale ressaltar que quatro capitais estão entre as dez cidades com pior índice de saneamento no país: Teresina (PI), com 16,3% da população com saneamento, Belém (PA), 7,2%, Macapá (AP), 6%, e Porto Velho (RO), 2,2%. A pior cidade do país nesse quesito é Ananindeua, no Pará, localizada a 19 km de Belém: o município simplesmente não possui rede de esgoto. Ele é um dos seis municípios que não possuem tratamento de esgoto; dos outros cinco, dois são capitais, Cuiabá e Porto Velho. Na lista das dez piores, está Belém, com apenas 2,2% da população atendida por tratamento de esgoto. A partir desses dados, podemos concluir que nesse ritmo, nosso país dificilmente alcançará a meta de universalização de saneamento até 2033, estipulada pelo plano nacional de saneamento básico. A conclusão aponta para uma lentidão nos investimentos no saneamento por parte das três esferas de governo — nacional, estadual e municipal.
Falta investimento no setor
Um dos motivos para que o saneamento não melhore no Brasil é a falta de investimento. Para solucionar o problema, é preciso investir o que foi arrecadado com os serviços. Em decorrência da corrupção que assola nosso país, grande parte do dinheiro que deveria ser destinado a prestação de saneamento, foi/é desviada, motivo pelo qual é interessante que nós, cobremos das nossas autoridades a prestação de tais serviços. Em resumo, o quadro mostra que ainda falta muito a ser feito para melhorar o cenário do saneamento básico no Brasil, tanto em capitais como nas cidades de regiões metropolitanas e do interior.
Saneamento ambiental x Direitos humanos
Muitos de vocês devem estar se perguntando: “Afinal, qual a relação entre saneamento ambiental e direitos humanos? ” Vejamos o que relata um excelente texto da página Trata Brasil.org: Uma nova resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, adotada em dezembro de 2015, reconheceu o saneamento básico como um direito humano separado do direito à água potável. De acordo com o relator especial da ONU Léo Heller, a deliberação “dá para as pessoas uma percepção mais clara do direito (ao saneamento), fortalecendo sua capacidade de reivindicá-lo quando o Estado falha em prover os serviços ou quando eles não são seguros, são inacessíveis ou sem a privacidade adequada”. Devemos entender que a ausência de estruturas sanitárias adequadas tem um ‘efeito dominó’, prejudicando a busca e o desfrute
de outros direitos humanos, como o direito à saúde, à vida e à educação. A saúde é prevista como direito fundamental social e está presente no artigo 6º da Constituição Federal. Ainda, em seu artigo 196 preceitua: “Art. 196: a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco da doença e de outros agravos e de acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. A falta de saneamento favorece a transmissão de doenças infecciosas, como cólera, hepatite e febre tifoide, etc. Segundo estudo recente realizado pela ONU, somadas as abstenções escolares de todos os alunos no mundo, problemas ligados à falta de saneamento e água fazem com que 443 milhões de dias letivos sejam perdidos todos os anos, o que evidencia a influência do saneamento na educação. Como bem destacou Édison Carlos, presidente executivo do Trata Brasil: “Os resultados reforçam que as crianças são mesmo a parcela mais vulnerável quando a cidade não avança em saneamento básico, principalmente sofrendo com as diarreias. As carências em água potável e esgotos prejudicam o país agora e deixam sequelas para o futuro”. Obviamente, esta precariedade na rede de saneamento que afeta diretamente a saúde da população, também acarreta um número significativo de mortalidade, principalmente de crianças, como destacado anteriormente. Além disso, o mesmo Instituto também trouxe outros dados preocupantes, como o de que 7 crianças morrem por dia pela falta de saneamento. O Ministério da Saúde apontou que 60% das internações hospitalares de crianças estão relacionadas à falta de saneamento.
Diante do exposto, evidentemente o direito fundamental social à saúde está sendo negligenciado, e ao mesmo tempo, gerando uma situação de indignidade da pessoa humana, em contraposição com a proteção constitucional que lhe são conferidas. Isto é, saúde é uma condição essencial à dignidade da pessoa humana, cabendo assim, ao Estado, assegurá-la como direito de todos os cidadãos Ademais, a relação entre saneamento básico e proteção do meio ambiente resulta evidenciada, pois a ausência de redes de tratamento de esgoto resulta não apenas em violação ao direito à água potável e ao saneamento básico do indivíduo e da comunidade como um todo, mas também reflete de forma direta no direito a viver em um ambiente equilibrado, como é previsto pela Constituição Federal em seu art. 225: “Art. 225: todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” O meio ambiente passou a ser considerado indispensável para que as pessoas possam exercer seus direitos humanos fundamentais, dentre eles, o próprio direito à vida, e também à saúde, e ao comentar sobre o meio ambiente, referindo-se à garantia de um meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações, como visto em momento anterior, de acordo com a Constituição Federal. A garantia do mínimo existencial representa um patamar mínimo para a existência humana e condição mínima para que um indivíduo possa exercer a sua liberdade, pois caso não seja atingido certo nível de bemestar, as pessoas não têm condições de participarem da sociedade como cidadãos em igualdade.
Saneamento ambiental em Marabá
A cidade de Marabá surgiu inicialmente às margens do rio Tocantins, na região conhecida hoje como Marabá Pioneira. Inicialmente composta por apenas três núcleos, sendo um deles subdividido em folhas, o município cresceu significativamente nas últimas décadas, em virtude da migração interestadual. Esta, se deu em decorrência dos investimentos na área industrial da região em meados dos anos 2000, o que contribuiu significativamente para que a cidade fosse enxergada como solo fértil para novos empreendimentos, fenômeno que hoje acontece com o município de Canaã dos Carajás, por exemplo. Nesse âmbito, o crescimento da demanda populacional foi inevitável, assim como o crescimento dos lixos produzidos, da insalubridade, da má distribuição de água potável, da insuficiência de coleta de resíduos sólidos e líquidos, etc. Haja vista que a cidade não se encontrava preparada para abrigar tal demanda. Prova disso, são os escândalos dos últimos anos envolvendo a deposição ilegal de lixo hospitalar, já que o munícipio não possui incineradora, tendo que enviar o que produz para que seja destruído em outros municípios da região; as enchentes nas vias urbanas, causadas pela inexistência de drenagem; a insuficiência na coleta de resíduos sólidos e líquidos das ruas, entre outros. É interessante destacar que as enchentes periódicas que assolam o município na região da Marabá Pioneira, são consequência da localização do bairro, e não da ausência de drenagem urbana, pois aquela é uma região de várzea, e não deveria ser habitada, pois faz parte do curso do rio. Como é de conhecimento nacional, o país encontra-se em recessão, e a crise econômica bate à porta dos brasileiros. Por esse motivo, muitas empresas que contribuíram com a expansão territorial e populacional da região fecharam as portas,
deixando milhares de marabaenses desempregados. Sob essa lógica, podemos ver os frutos dos anseios capitalistas, o qual prioriza o lucro em detrimento da preservação ambiental e da saúde populacional, deixando de lado as políticas de saneamento. Durante o projeto de pesquisa desempenhado para construção desse trabalho, muitos foram os bairros visitados pela equipe, assim como moradores entrevistados. Diante o exposto, contrariando o disposto sobre saneamento ambiental no Plano Diretor Participativo do Município de Marabá, que diz: Art. 76. A Política Municipal de Saneamento Ambiental tem como objetivo assegurar a proteção da saúde da população e melhorar a sua qualidade de vida, alcançando níveis crescentes de salubridade ambiental por meio das ações, obras e serviços de saneamento. I. O Saneamento Ambiental, como o conjunto de ações que visam alcançar
níveis crescentes de salubridade ambiental, por meio do abastecimento de água, coleta e disposição sanitária de resíduos líquidos, sólidos e gasosos, promoção da disciplina sanitária do uso e ocupação do solo, drenagem urbana, controle de vetores de doenças transmissíveis e demais serviços e obras especializados; II. Por ocasião da revisão das concessões para a exploração dos serviços de saneamento ambiental, o Município deverá cobrar a universalização do abastecimento de água, como requisito para a renovação da concessão. Conclui-se que não há de fato, neste município, simetria entre a legislação e a realidade. Ademais, como mencionado alhures, é fato que população de baixa renda é a mais prejudicada com a ausência de saneamento ambiental, aumentando assim a desigualdade.
A ERA DO (DES)ENVOLVIMENTO SOCIAL
Eryca Rubielly Cabral Tolentino 26
B
oa noite! Eu vou mostrar para vocês a relação que se estabelece entre a globalização, o capital, o progresso e as pessoas que por eles são afetadas de forma negativa. Quando lembramos de globalização, automaticamente pensamos em desenvolvimento, internet, entre outros equipamentos tecnológicos que, claro, hoje se tornaram essenciais à vida de todos. Entretanto, a fim de evidenciar que a dignidade humana não pode ser tratada como um objeto, descartada a cada vez que o progresso se fizer necessário, irei lhes apresentar situações em que a globalização e o capital serão sinônimos de desemprego, exclusão e desapropriação, sob a ótica da produção do espaço urbano. O primeiro ponto a se considerar é a intensa segregação e marginalização da população, na qual os centros urbanos vão se desenvolvendo, tornando-se centros industriais, modernizados e repletos de condomínios, cada vez mais inacessíveis à parcela “não consumidora” da população, àqueles que não têm condições de desenvolver uma vida digna pagando absurdos de condomí-
26
Graduanda em direito, Unifesspa, Turma 2015.
nio ou com o aluguel das casas. Assim, essas pessoas vão sendo transferidas para os centros mais periféricos da cidade, onde acabam construindo habitações irregulares como favelas, cortiços, entre outros. Além disso, as próprias instituições estatais colaboram para essa marginalização, o que se percebe na execução do Programa Minha Casa, Minha Vida, em que os beneficiados são enviados para aglomerados distantes dos centros urbanos, locais desprovidos de segurança, acesso à educação e à saúde adequados por conta da distância e da precariedade do transporte, entre outros fatores. Esses indivíduos são tratados como seres externos à cidade, como reconhecem os próprios moradores aqui do bairro São Felix, que se referem à Marabá como uma outra cidade, não tendo um sentimento de identidade com a cidade da qual fazem parte. Veja-se, diante desse mapa, o quão próximo estão Marabá e São Felix, separados apenas por uma ponte de pouco mais de dois quilômetros, mas estes não se identificam como moradores da cidade da qual foram marginalizados.
Figura 227
Outro ponto importante nessa discussão são os resultados trazidos pela produção de megaeventos e megaprojetos, como a Copa do Mundo FIFA® 2014 e as Olimpíadas, realizadas em 2016. Além de trazer notoriedade ao país, atrair turistas de todo o mundo, capital financeiro de todas as partes (que, certamente, aumentarão o PIB do país) esses projetos têm outras faces, entre elas a da desapropriação. Sempre dando razões ligadas à necessidade do espaço para a construção da infraestrutura necessária à realização dos eventos e para os estádios, além de alegarem proteção dos cidadãos, que muitas vezes se encontram em áreas consideradas de risco, os governos fizeram desapropriações e demolições, como uma espécie de limpeza étnica em massa de favelas e conjuntos populares que se encontravam no entorno dos estádios e de outras áreas que teriam grande notoriedade durante esses eventos.
27
Fonte: Google Maps.
A autora Raquel Rolnik refere-se a esse processo como uma necessidade de criar uma imagem internacional da cidade, o que supõe a eliminação de manifestações de pobreza e subdesenvolvimento. O que mais chama atenção nesse processo é que, hoje, em alguns lugares foram utilizados somente 10% (dez por cento) das áreas desapropriadas, o que apenas sustenta a tese de limpeza das manifestações de pobreza. Além disso, no documentário chamado A caminho da Copa, percebe-se que o Brasil está percorrendo o mesmo caminho traçado pela África do Sul, em que foram construídos estádios enormes, que acabaram inutilizados, e hoje estão sendo discutidas propostas de implosão desses estádios, pois as prefeituras estão sem condições de mantê-los. Ainda nesse documentário, uma moradora de Vila Progresso, em São Paulo, relatou que não gostaria de ser retirada dali, afinal foi onde construiu toda a sua vida.
Figura 328
Nesta charge temos a figura de um catador de latinhas que será vítima do processo de remoção para os eventos, mas que tem sua condição ironicamente privilegiada durante esses mesmos eventos, pois, segundo a outra personagem da charge, ele terá muitas latinhas à sua disposição durante os jogos. A esse respeito e para que vocês conheçam mais sobre o tema, sugiro que leiam o livro Guerra dos Lugares, da Raquel Rolnik e também assistam aos documentários “Copa para quem?” e “A caminho da Copa”, do qual Raquel também participa. Ambos estão disponíveis no YouTube e, quanto ao livro, se alguém se interessar basta entrar em contato conosco e solicitar o empréstimo da obra. Nacionalmente falando, percebemos também a presença negativa de alguns projetos de desenvolvimento, como é o caso da
28
Fonte: Google Imagens.
construção de usinas hidrelétricas. E este será, então, o nosso foco no trabalho a partir de agora. Em 21/11/1975, iniciaram as obras da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no Sudeste do Pará. A empresa responsável era a Eletrobrás Eletronorte e o seu foco era atender o polo minero metalúrgico que seria instalado no Oeste do Pará. Com a construção foram inundados aproximadamente três mil e sete km², atingindo a pelo menos cinco mil e setecentas pessoas e cerca de sete municípios, entre os quais a cidade de Jacundá. Só para que vocês entendam melhor, eu trouxe um mapa para mostrar-lhes onde fica Tucuruí, Jacundá, Novo Repartimento, que também foi afetada pela inundação e, ainda, o tamanho e alcance do rio Tocantins, cujos braços vão se estendendo pelos territórios onde antes existiam civilizações.
Figura 429
Essa cidade teve sua história completamente marcada pelos interesses do capital. Sua formação histórica se deu por conta da pesca, do garimpo, da borracha, do caucho, entre outros produtos que atraíram diversas pessoas para a região. Quando alcançou sua independência política, em 1916, seus governantes, em grande maioria, estavam envolvidos com o comércio. Segundo os relatos, em meados da década de setenta, a empresa chegou à região, marcou uma reunião com todos os moradores, deu-lhes bebidas e comida e, já no final da noite, os informaram que dali em diante não poderiam mais nada plantar, somente arroz e que dali deveriam sair, pois a região iria ser alagada. Na ocasião, prometeu-lhes uma cidade com saneamento e arborização, 100 hectares de terras, transporte para que realizassem a transição até a Vila Arraias e uma indenização. Bom, o que eu posso dizer é que até hoje não há saneamento na Nova Jacundá. Além disso, quando chegou próximo da mudança, os funcionários da empresa voltaram arrogantes, não disponibilizaram transporte para todos, sendo que alguns tiveram 29
Fonte: Google Maps.
que se virar para conseguirem transportar seus pertences e, ainda, fixaram indenizações arbitrárias, de acordo com o que eles mesmos acharam justo. A cidade foi sendo esvaziada e destruída, a água tomou de conta de milhares de hectares de mata original, pois a empresa que estava responsável pela retirada das árvores faliu e não foi contratada outra; cobriu vários pontos de referência do rio Tocantins, como algumas cachoeiras, sítios arqueológicos datados da época da civilização, entre outras coisas. Os animais perderam seu hábitat natural e milhares de famílias perderam uma cultura, uma história, abandonando o lugar de seus antepassados, seus túmulos e onde nasceram seus filhos. Imaginem como se sentiram essas pessoas ao abandonarem o seu território, onde possuíam laços. Churchil costuma dizer que “primeiro fazemos nossas casas, depois elas nos fazem. Essas pessoas, então, foram desfeitas”. Aqui, temos uma fotografia tirada pela equipe de Noé Atzingen, que se propôs a desbravar aquelas regiões antes que tudo
fosse afogado pela água. Inclusive foi esse projeto que deu início à Casa da Cultura de
Marabá. Essa fotografia pôde capturar os laços dessas pessoas entre si e com seu território.
Figura 6
Esses e outros fatores, apesar de previstos, foram desconsiderados quando colocados numa balança ao lado dos (vinte e oito por cento) de faturamento que a empresa obteve com Tucuruí, que se tornou a principal responsável pelo desenvolvimento regional. O autor Amartya Sen diz que o desenvolvimento deve ser visto como um meio de aumentar a qualidade da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos, essa noção pode ser comparada com o conceito Kantiano de que o ser humano deve ser visto como um fim em si mesmo, não como um meio. Assim, enquanto ele é o fim, o desenvolvimento pode ser visto como um meio de alcançar a melhoria de sua vida, um meio de alcançar a manutenção de sua dignidade. Ao contrário dessa concepção, esses indivíduos foram privados de suas liberdades individuais, recebendo moradias inadequadas e insuficientes, tendo seu acesso a escolas ou assistência médica dificultado, sendo privados de água tratada e saneamento, além da liberdade de planejar suas vidas da maneira como consideravam melhor, que também está relacionada à noção de dignidade da pessoa humana. Foram privados, ainda, de sua cultura, pois a Eletronorte não construiu uma igreja para
que os moradores celebrassem suas missas e, quando finalmente foi construída uma igreja lá, foi quando alteraram o padroeiro da cidade para São João Batista, sendo que já fazia parte da cultura dos moradores o culto à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, para quem faziam uma festa todos os anos no mês de outubro. Essa mudança ocorreu porque a diocese de Tucuruí, da qual fazia parte a cidade de Jacundá, não quis aceitar a proposta da empresa de receber uma indenização para a construção da nova igreja, pois ela queria que a empresa mesmo fizesse a construção, para evitar que recebessem uma quantia insuficiente e arbitrária. No entanto, a empresa procurou a diocese de Marabá, que aceitou a proposta e tomou para si a responsabilidade sobre Jacundá. Percebemos, então, que do início ao fim esse processo foi marcado pela privação de liberdades e pelo desrespeito aos direitos humanos, que constituem a dignidade da pessoa humana. De forma breve, entendam que a dignidade é uma qualidade intrínseca e inalienável presente em todos, exatamente todos os seres humanos, que é irrenunciável e os faz merecedor da consideração e do respeito por parte do Estado e de outros indivíduos, gerando-lhes deveres e direitos e assegurando-lhes uma vida com condições existenciais mínimas e livre de
atos de cunho degradante e desumano. Essa dignidade pressupõe direitos humanos que exigem respeito, reconhecimento, promoção, proteção e tutela de todos, principalmente daqueles que detêm alguma autoridade. Assim, com base nesse entendimento, o que podemos dizer das pessoas que perderam sua cultura, seus meios de produção, pois, aqueles que ganharam alguma terra, foram terras nas áreas inférteis da cidade, o que os fez vender suas propriedades para quem teria condições financeiras de fazer o tratamento do solo, e diversos outros fatores? Agrave-se que alguns indivíduos foram vítimas inesperadas da inundação, pois a água alcançou locais não previstos pela empresa. Essas pessoas foram taxadas de oportunistas pela empresa, que afirmava que tinham ocupado locais já indenizados somente para que também recebessem indenizações. Foram levadas de forma totalmente arbitrária para a Vila Arraias, onde não sabiam como iriam reconstruir suas vidas.
Além disso, devem-se considerar os danos irreversíveis ao Meio Ambiente, diante da quantidade de hectares de mata fechada que ficaram submersas, de espécies da flora e fauna que perderam seu hábitat natural ou que submergiram junto a ele, das paisagens e belezas naturais que se perderam, entre outras coisas. As pessoas vítimas desse progresso deixaram, como diz Claudionor Silveira, de ser senhores de si e de seus costumes e passaram à condição de estrangeiros numa terra de estranhos, sendo que seus destinos começaram a ser traçados por elementos insensíveis aos seus problemas e angústias, alheios à sua realidade. Atualmente, após a inundação, a região da velha Jacundá, que virou um grande lago, é fonte de renda para alguns ribeirinhos que por lá fizeram moradia. Em períodos de seca, apenas a caixa d’água da cidade ostenta parte de sua bacia, como quem quer demonstrar que ali existia uma civilização, mas que o progresso cuidou de destruir.
Figura 830
Diante de tudo isso, conclui-se que, obrigando pessoas a saírem de suas casas, de suas cidades; oferecendo-lhes péssimas condições para readequarem suas vidas; destruindo as paisagens naturais oferecidas
30
Fonte: Silveira, 2001.
pelo rio Tocantins, além de grande parte de mata original da floresta amazônica, com toda a sua biodiversidade, a Eletronorte, empresa responsável pela construção da usina, deu-nos um exemplo claro de como
que, na era do (des)envolvimento social, não importa quem esteja envolvido no processo ou quem será afetado por ele, mas o progresso e o desenvolvimento têm que acontecer. Agora, com base nisso que eu mostrei para vocês, eu gostaria de lhes apresentar três questões para que vocês possam refletir a
respeito do assunto. A primeira é: até que ponto podemos chegar em nome do desenvolvimento? A segunda é: há outras maneiras de alcançá-lo que não seja passando por cima dos direitos de tantas pessoas? E, por último, o que tem sido feito para mudar esse quadro de desrespeito aos direitos humanos no que diz respeito à sede por progresso?
Conquistas, futuro e desafios para a Turma Direito 2016 Éllyda Landim31
Entre tantos desafios que enfrentamos ao longo da vida, este é, sem dúvida, um dos mais importantes. Entrar na universidade é uma grande conquista que envolve muito estudo, trabalho, dedicação e esforço daqueles que, além de exercer seu papel de estudante, dividese entre o casamento, o trabalho, os filhos e tantas outras responsabilidades. Estar na Unifesspa e fazer parte da turma de Direito 2016 é uma verdadeira honra. Integrar uma turma tão diversa, com pessoas de diferentes classes sociais, gêneros, etnias, pessoas com deficiência e com vivências tão distintas é uma experiência muito rica. Certamente, nos fará enxergar a vida sob diferentes óticas e fará de nós profissionais mais humanos. Sendo essa humanidade, o principal retorno que se espera em troca do pesado investimento que a sociedade faz na nossa formação nesta instituição pública. Em nosso primeiro dia de aula, durante o acolhimento realizado pelos veteranos, foi possível perceber o cuidado e o apoio entre as turmas, prática importante no decorrer de um curso universitário, que visa a integração. Como calouros, muitos vindos diretamente do ensino médio, essa atitude nos ajuda a desenvolver um sentimento de pertencimento a instituição da qual agora fazemos parte. Esperamos que, ao longo do curso, possamos contribuir com a construção dessa universidade, tornando-a cada vez melhor, mais humana, integradora e despida de preconceitos.
31
Graduanda em direito, Unifesspa, Turma 2016.