Revista Cenáculo

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Trabalho de Conclus達o de Curso de Jornalismo/UEPG


Foto: Danilo Schleder


Editorial A Revista Cenáculo surge com uma proposta diferente e inédita no jornalismo cultural do Paraná. Somos a primeira revista virtual que pretende destacar a cultura popular do nosso Estado por meio da valorização da reportagem. Queremos mostrar a diversidade cultural do Paraná, destacando as produções culturais sem visibilidade e as manifestações desconhecidas de grande parte da população. Com isso, olhamos além do que o mercado cultural tradicional diz que é cultura. Adefinição de cultura como algo elitizado e inacessível a certos setores sociais, ou como produto da indústria da cultura e do entretenimento não será encontrada nessas páginas. De modo algum. Aqui, olhamos para a cultura que está nos bares, nas brincadeiras das

Trabalho de Conclusão de curso de Jornalismo/UEPG. Reportagem e edição: André Packer Fotos: André Packer e Danilo Schleder Diagramação: André Packer Ilustração da Capa: Thiago Sit Orientação: Karina Janz Woitowicz

crianças, e em tantos outros lugares que costumam passar quase imperceptíveis em meio à vida cotidiana. “Cenáculo” foi o primeiro de uma incrível tradição de periódicos literários no Paraná. A publicação surgiu em 1985 e, hoje, homenageamos esse veículo com o nome daquele que começou o leque de jornais culturais do Paraná, que ainda contou com os geniais Joaquim e Nicolau. Tema esse que guia a entrevista da primeira edição da revista, com o criador do Relevo, Daniel Zanella. Esperamos que todos os pais de santo, quadrinistas, feirantes, artistas, e membros do povo se identifiquem e sintam-se representados nas páginas da revista. Aproveite a leitura!


Esp do

Sumรกrio

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Entrevista: Daniel Zanella (Editor do Relevo)

12 4 Ensaio fotogrรกfico: Grito Urbano

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pecial: No fundo quintal

Reportagem: as Hq’s no Paraná

Crítica: 25 anos do álbum Cemitério de Ele-

fantes

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21 Perfil: conheça o artista plástico hélio leites

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Entrevista

Foto: André Packer

Daniel Zanella

é jornalista freelancer da Gazeta do Povo e Revista Ideias, além de editor e criador do Jornal Relevo

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atsivertnE

O

encontro foi marcado no Café Arte e Letra, no centro de Curitiba, ponto de circulação de pessoas envolvidas no meio cultural da cidade. O ex-jogador de futebol e jornaleiro, Daniel Zanella, chega enquanto as caixas de som gritam um jazz. Jornalista freelancer da Gazeta do Povo e da Revista Ideias, acadêmico de Letras, editor e idealizador do jornal literário Relevo, trabalhou durante um ano e meio ensinando literatura para jovens de regiões periféricas de Curitiba. Daniel Zanella, em entrevista à Revista Cenáculo, fala sobre a decadência da crônica, a produção de um periódico literário e a eterna relação de Curitiba com jornais culturais. Por: André Packer

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Cenáculo: Quando e como começou o Relevo? Daniel Zanella: Ele surgiu em agosto de 2010. Eu estudava na Universidade Positivo e nós tínhamos no 1º semestre de Jornalismo uma disciplina chamada Planejamento Gráfico. Eu sempre escrevi pra impressos, especialmente crônicas, e já tinha experiência com distribuição de jornais, já que antes de começar a faculdade eu era jornaleiro. Aí eu percebi que poderia fazer a parte da diagramação do jornal, que sempre foi o que me travou em tentativas anteriores de ter um produto jornalístico. Quando aprendi a fazer a diagramação eu pensei: por que não fazer um jornal de literatura próprio? Eu já tinha contatos, eu mesmo já escrevia e já sabia os custos de forma parcial – já que cada formato tem um valor – e pensei: vou tentar fazer isso. Aí acabei fazendo por uns 15 dias a confecção do jornal com amigos que toparam integrar o primeiro número. Aí conversei com mais dois amigos lá de Araucária que tinham empresas, cada um deu 150 reais e consegui levantar o dinheiro da gráfica, que era 300 reais para dois mil exemplares de oito páginas nesse mesmo formato – tabloide e preto e branco. Aí eu comecei a ver que não era tão complicado assim fazer a parte de projeto gráfico. A parte de distribuição eu já fazia, até porque passei 7 anos entregando jornal na rua. Cenáculo: Como foi seu trabalho como jornaleiro e quando você percebeu que poderia ser jornalista? D.Z.: É uma trajetória bem peculiar minha entrada no mundo jornaleiro, porque eu era jogador de futebol antes de trabalhar com entrega de jornal. Eu joguei dos 11 aos 18 anos em Joinville, em 2003, e jogava no time adulto de futsal até que teve um problema na questão de patrocínio da cidade. Acabaram demitindo quase 90% da equipe e voltei para Araucária. Meu pai trabalhava no jornal da cidade, o Jornal Popular, e aí ele perguntou se eu não queria ajudar na madrugada, distribuindo nas bancas, panificadoras e às vezes fazendo panfletagem de semáforo. Isso foi mais ou menos no início de 2004 e fiquei até 2010 distribuindo jornais. Aí uma namorada me cobrou de fazer o ENEM, como eu trabalhava com distribuição eu não tinha muita dificuldade de provar que eu não tinha dinheiro, então concorri às vagas do Prouni. Acabei conseguindo uma das duas vagas da Universidade Positivo pra bolsista de baixa renda. Fiz essa virada de chave que foi sair da função de jornaleiro e comecei a trabalhar com conteúdo jornalístico. E a partir daí eu fundei o Relevo, que foi aquilo que me abriu os caminhos para desenvolver outros trabalhos na área jornalística. Cenáculo: Qual o principal diferencial do Relevo em relação aos outros jornais de Curitiba do mesmo gênero? Qual a sua relação com esses jornais e revistas, uma vez que você já escreveu 8 -Revista Cenáculo


atsivertnE para a Revista Jandique e trabalhou no Cândido? D.Z.: Curitiba tem um cenário propício para jornais impressos de literatura. Só de levantamento parcial temos o Rascunho, que é o maior jornal brasileiro de literatura, já tem 13 anos e é um jornal fantástico, talvez o principal recorte do que é produzido de contemporâneo em literatura. Temos o Cândido, que é um excelente jornal, inclusive trabalhei no Cândido entre 2011 e 2012, e eles têm uma equipe editorial gigante. Temos a Jandique do Otávio Linhares, que é um sujeito que tem um trabalho na cidade muito interessante, ele é escritor, tem trabalho com teatro também e é barista, que é uma coisa muito legal também. Temos também a revista Helena, da Secretaria de Cultura, que é trimestral e é de uma acuidade gráfica impressionante. E de certa forma esses veículos convergem por serem grupos que trabalham com crítica literária. Eu vejo no Relevo, de diferencial, não a questão editorial em si, porque convenhamos que o trabalho editorial que o Rascunho e o Cândido fazem são de uma natureza difícil de querer até se localizar lado a lado. Mas talvez seja a questão de que o Relevo aposta em publicar autores que não tem esse espaço ainda no que, digamos, é o mainstream da literatura. Porque se você publicar no Rascunho significa que você já tem uma existência literária. O Relevo aposta em fazer um caminho um pouco anterior, que é dar o caminho para o escritor que está começando a carreira. Ter um ombudsman que é o ouvidor do leitor, além do Relevo, no Brasil, só a Folha e o Jornal O Povo do Ceará com esse cargo. Ele não participa do dia a dia da redação, mas tem o trabalho de fazer uma análise crítica do jornal e responder algumas questões que o jornal não consegue desenvolver. E por último é o único veículo em preto e branco. É uma escolha estética talvez um pouco antiquada, mas é uma aposta que a gente tem. Cenáculo: Curitiba possui seis periódicos literários. O que a cidade possui de tão singular para conseguir criar todas essas iniciativas? Qual seria o motivo da criação desse cenário tão forte? D.Z.: Eu acho que tem três pontas que acabam dialogando e justificando parcialmente essa questão. A primeira é a tradição. Nós temos o Joaquim que é a revista que o Dalton Trevisan fez nos anos 40 e foi uma revista que na época teve uma influência nacional e alavancou a carreira do Dalton. Foi um veículo esteticamente muito importante. Nós tivemos o Nicolau no início dos anos 90. Temos também a questão do próprio Rascunho ser daqui e isso, de certa forma, acaba sendo um farol para outros veículos. Nós temos um grande jornal aqui [qual?] e o editor do jornal também é diretor da Biblioteca Pública e ele tem uma visão muito autocentrada do papel que ele tem na cidade. Aí temos também essa questão que, além da tradição, Curitiba sempre careceu de existir enquanto cenário literário. Então nós temos basicamente quatro grandes centros de produção literária: São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre. E Curitiba tem nomes que vencem prêmios regulares de literatura, mas acaba sentindo uma falta de uma cena um pouco mais pungente. Então, às vezes, essa ausência de uma identidade cultural em Curitiba acaba levando que alguns setores pensem que não vamos mudar essa tradição. Por fim, essa questão de que não é mais tão difícil produzir produtos culturais como outrora. Estava esquecendo de mencionar... nós temos um serviço de prestação de contas no jornal e não aceitamos dinheiro público. E ali é possível perceber que os custos não são tão altos como imaginamos. Com 1500 reais você consegue sustentar um jornal contanto que não almeje sobreviver dele num sentido financeiro e o Relevo não tem essa ambição. Mas se nós temos a ambição de dar espaço para novos autores, consideramos que 1500 reais para a distribuição que ele tem, circula em toda Região Metropolitana, circula em Curitiba, em pontos estratégicos, é um custo baixo. Então acho que são essas três coisas que acabam compondo esse cenário que de certa forma transforma Curitiba hoje na cidade com mais impressos culturais no país. olucáneC atsiveR- 9


Entrevista Cenáculo: O Relevo tinha uma proposta inicial de trabalhar exclusivamente com crônicas. O que aconteceu e como você decidiu aceitar novos gêneros? D.Z.: Na verdade eu nunca consegui produzir nada além de crônica e não significa que eu tenha algo aceitável na área de crônica. Mas nunca me aventurei em poesia, conto, romance – não tenho nem fôlego pra isso. Então eu pensei: vamos juntar os cronistas de jornal porque, digamos assim, é uma raça que está desaparecendo do cotidiano dos jornais impressos. Nós temos muitos articulistas, isso sim, um veículo como a Folha de S. Paulo tem mais de 120 articulistas. Mas o cronista, o sujeito com uma visão mais poética ou mesmo mais interpretativa do cotidiano, sem buscar o convencimento através do argumento, esse tipo de sujeito está em franca decadência, eu diria. Aí eu pensei: “pô, vou reunir uma equipe de cinco ou seis cronistas para a primeira edição”. Mas acontece que fomos recebendo retornos pessoais, por e-mail, que perguntavam se aceitávamos poesia, romance, artigo, aí acaba sendo uma questão natural mesmo. Mesmo dentro da crônica existe a discussão do limite da crônica e quando ela passa a ser conto. Você pega um autor como Fernando Sabino e não consegue identificar o que existe de ficção e o que é real: PAULO CÉSAR PINHEIRO & JOÃO idade. E é interessante que seja asNOGUEIRA, álbum de 1994 e QUANDO EU ME CHAMAR sim. Mas foi uma questão natural SAUDADE, de Nelson Cavaquinho, de 1996. de porque não publicar autores de outros segmentos sendo a própria : 100 CRÔNICAS ESCOLHIDAS, de crônica um gênero difícil de encaixotar. Rubem Braga, e OUTRAS HISTÓRIAS, de Guimarães Rosa.

Sugestões do entrevistado

MÚSICA

LITERATURA

Cenáculo: Você já teve entre seus : 2001, UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, de colaboradores Miguel Sanches Stanley Kubrick, e TEMPOS MODERNOS, de Charlie Chaplin. Neto, Bennet, Xico Sá... Quem você ainda gostaria de ver o nome no Relevo? D.Z.: Esses nomes são do começo da trajetória do jornal, que eu escrevia para os escritores porque eu queria realizar alguns sonhos editoriais. Por exemplo, publicamos uma crônica do Miguel Sanches Neto de 2001 em 2012. Era uma crônica que eu tinha guardado sobre o 11 de setembro. Era uma questão de relicário afetivo até. Mas nunca buscamos ter esses medalhões constantemente. Acontece até de uma forma natural que não percebo. Não é algo programado. Mas se pudesse escolher um autor para publicar no jornal que nunca tive a oportunidade é a Angélica Freitas. Ela é uma poeta paulista que tem dois livros excepcionais, “Rilke Shake” e “O útero é do tamanho de um punho” e é uma poesia mais engajada, quase feminista. E esses dias eu estava pensando... Um dia vou fazer essa proposta pra ela.

CINEMA

Cenáculo: Você começou a publicar seus textos como colaborações de jornais. E o Relevo conta com colaboradores. Você vê essa lógica como uma alternativa para o jornalismo cultural? D.Z.: Essa questão das colaborações até me incomoda um pouco no sentido de que de certa forma eu reforço isso que é a lógica de que as pessoas escrevam pra um jornal sem receber pra isso. Porque se elas não recebem pra produzir o que elas fazem, isso já colocará numa situação de amadorismo, porque se você dedica um tempo pra determinada coisa e não é remunerado 10 -Revista Cenáculo


atsivertnE por isso, acaba tendo que se resolver financeiramente de outra forma. E isso infelizmente é uma coisa comum no meio literário e eu até diria no meio cultural. Cenáculo: Você deixa bem claro que o jornal Relevo não aceita dinheiro público. Em nenhum momento você pensou em procurar um financiamento público? Por que? D.Z.: Porque é uma questão ideológica muito forte minha. Não me considero de esquerda, muito menos de direita, nem de centro, mas uma coisa que sempre me perguntei sobre uso de dinheiro público em cultura é o seguinte: que garantia eu tenho de que o dinheiro gasto, que é o dinheiro do contribuinte, com o produto cultural, ainda mais sendo meu produto cultural, está sendo bem gasto? Eu fico pensando assim de quantas coisas já avaliei de produto cultural que tinha dinheiro publico e eu pensei “esse dinheiro tá sendo mal gasto”. Esse dinheiro não devia estar sendo gasto aqui e sim com coisas mais prioritárias. Eu entendo que nós precisamos de cultura, nós temos uma necessidade espiritual de consumir coisas culturais bacanas. Mas, antes disso, nós temos que pensar que vivemos num país com sérias desigualdades e que as questões de transporte, saúde e educação básica são muito mais complicadas do que o meio cultural. Quando eu vejo atores do meio cultural reclamando da falta de verba eu fico pensando que eles poderiam bater nas empresas e pedir dinheiro pra eles. Você pode muito bem ir lá bater à porta de uma empresa e falar: eu tenho um projeto, você não quer investir seu dinheiro no meu projeto? Porque tem que ser dinheiro publico? Porque os artistas do meio cultural tem essa necessidade de ser financiados pelo dinheiro do contribuinte? O que acontece é que você acaba integrando um ciclo que não me parece muito benéfico, que é o ciclo do artista que só consegue produzir se estiver no cabedal do dinheiro público, dos editais, dos programas de lei de incentivo. Não é mais interessante investir esse dinheiro em coisas mais prioritárias, enquanto temos 10% de analfabetos no país? Não vou ser radical de dizer que não devia existir nenhum tipo de apoio financeiro ao meio cultural, mas me parece que em muitos casos esse dinheiro é mal gasto e as pessoas que acabam se acostumando com esse ciclo de receber dinheiro público são, no fundo, pessoas acomodadas. Então eu prefiro, se um dia o jornal não se sustentar mais porque está dando muito prejuízo, fechar o jornal e pronto. Ninguém vai poder dizer que esse dinheiro que o governo gastava com o jornal era mal gasto.


Ensaio

grito urb

Ensaio fotográfico por: André Packer

“O grafite está para um texto assim como um grito está para a voz. O grafite é um berro”, afirmou Paulo Leminski em palestra na Universidade Federal do Paraná, em algum dos anos do governo de José Sarney como Presidente da República (1985-1990). O poeta, grafiteiro assumido, é responsável por frases que estiveram nas paredes de Curitiba como “Sentado não tem sentido” e “O torto tem direito”. Leminski aparece como in-

fluência para pichadores e é constantemente homenageado em paredes pelo Paraná. Foz do Iguaçu é uma das cidades onde mais podemos notar a valorização do grafite por iniciativas como o “Grafite no Viaduto”, a “Ação Poética Tríplice Fronteira”, além do trabalho de artistas independentes. Esses grupos comprovam uma tese levantada pelo poeta curitibano: “A parede e a página criam uma incrível ambiguidade”.

Grafite independente localizado na Avenida República Argentina

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oiasnE

bano

Projeto “Grafite no Viaduto” é uma iniciativa da Prefeitura Municipal de Foz com o Parque Nacional do Iguaçu e realizado pela Companhia de Teatro Amadeu

Paulo Leminski, figura constante em pixações, grafitado em iniciativa do projeto Ação Poética Tríplice Fronteira

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Ensaio

Um dos caminhos para chegar no Paraguai vindo de Foz ĂŠ pelo viaduto grafitado pela Companhia de Teatro Amadeu

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Pichação do projeto “Grafite no viaduto”

Pichação do projeto “Grafite no viaduto” se localiza em uma das regiões com maior fluxo de carros da cidade.

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NO FU DO QUIN

“A minha família reagiu como se eu fosse dava de voz, mudava a maneira de agir, en levaram no médico achando que eu tinha pr

Por: André Packer

O

Paraná possui hoje 17.898 adeptos de religiões afro-brasileiras, segundo o Censo do IBGE de 2010. Tânia Mara é um dos 8.949 paranaenses que pratica tanto Umbanda quanto Candomblé. Aos oito anos Mãe Tânia teve, pela primeira vez,

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princípios de incorporação, visões e previsões. Quatro anos depois, muitos, inclusive a família Católica, já relacionavam o comportamento dela com a bruxaria. Por sorte, seu pai “muito cabeça aberta” levou Tânia para a Bahia fazer o santo – como chamam o recolhimento de 21 dias realizado no Candomblé para entrar em comunhão com a religião e os seus santos.

A religiosi ra mostra-se com de resistência cul brasileira. Duran polícia atacava te da e candomblé t manifestações. N escravidão ainda das teorias de “br chegavam da Eur


idade afro-brasileimo um elemento ltural na sociedade nte o século XIX, a erreiros de umbantentado reprimir as Na época, a questão da a era muito forte, além ranqueamento” que ropa. Por muito tempo

a população negra foi impedida de exercer suas práticas – como a proibição do samba e da capoeira - por uma ação policial em um primeiro momento e, posteriormente, por iniciativas da sociedade. “As religiões afro-brasileiras mostram uma questão importante no que tange a construção da identidade, embora a identidade da população negra também se construiu dentro de um

“Há grupos que se dedicam a discriminar as religiões afro-brasileiras para legitimar suas próprias organizações”

e uma pessoa louca. Porque muntão eles se assustavam. Me roblemas mentais”.

Foto: André Packer

UNDO NTAL

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Especial catolicismo popular”, afirma a integrante do Instituto Sorriso Negro, Maria Antônia Marçal. O atual cenário de aceitação das religiões afro-brasileiras mostra um retrocesso através de ataques e casos de preconceito com instituições e pessoas. Os casos mais famosos no Paraná aconteceram em Curitiba e Região Metropolitana. Em 2007, dois homens realizaram uma chacina ao matar ‘Pai Adão’ e mais quatro, além de ferir duas pessoas em um terreiro de Umbanda localizado no bairro Fazendinha. Mais recentemente, em 2013, dois homens mataram o pai de santo Guaraci de Souza Oliveira e um fiel, em São José dos Pinhais. O momento assusta os pais e mães de santo que, com medo, fecham seus terreiros para a sociedade – atendendo apenas grupos de conhecidos. Atualmente, a maioria dos espaços para prática das religiões afro-brasileiras são em fundos de quintal – abrindo mão do espaço dos seus terrenos para, em suas casas, construir um templo. Com o aumento do número de participantes nos terreiros, federações procuram incentivar a legalização dos espaços, através do registro de um CNPJ, alvará de funcionamento e estatutos. A busca pela regularização vem crescendo, através da Classificação Brasileira de Profissões (CBO) 2631, que 18 -Revista Cenáculo

reconhece ministros de culto, missionários, teólogos e profissionais semelhantes como profissões. Assim, possibilita-se o recolhimento do INSS e respaldo jurídico para quando, por ventura, acontecer algo relacionado à intolerância e preconceito. Pais de santo evitam entrevistas e passar o endereço e data das atividades religiosas e, mesmo assim, atendem cerca de 146 mil seguidores no Paraná, segundo o Conselho Mediúnico do Brasil (Cebras). Enquanto escrevo esta reportagem, os pais de santo seguem, quase escondidos, nos fundos dos seus quintais.

“Preconceito”? No dia 16 de maio de 2014, a Justiça Federal do Rio de Janeiro emitiu uma sentença na qual declara que os cultos afro-brasileiros não são religiões. Quatro dias depois, após pressão da Comissão de Combate a Intolerância Religiosa, o juiz Eugênio Rosa de Araújo voltou atrás da decisão. Os argumentos utilizados pelo juiz, em um primeiro momento, foram de que os cultos afro-brasileiros não seguem um texto-base, não possuem estrutura hierárquica e nem um deus a ser venerado. “Nós temos um deus. Oxalá é o nosso deus.

Oxalá é o deus da criação, então esses argumentos não são válidos”, diz Mãe Tânia sobre o assunto. A umbanda surgiu em São Gonçalo (RJ), na Rua Floriano Peixoto, e a

“Poucos santo fu id


laicepsE história centenária começa no antigo terreiro de Zélio de Moraes – espaço que recebeu as primeiras sessões da religião. O local foi vendido e vai se transformar em uma loja de alumínio. A ONG Projeto Legal pre-

para os orixás. O termo, além da alteração na grafia, tornou-se sinônimo de oferenda, ou feitiço, enquanto o verdadeiro significado é uma homenagem aos orixás, que agradece a alimentação, a produção da roça e a saúde. Em 2010 começa no Paraná a campanha “Sim, sou filho de santo” para aumentar o número de pessoas que admitem ser seguidoras de religiões af-

dias dep ois que soubera demitido m que e ” Viniciu u era p s Cardo so – Pa ai de i de san to tende instaurar inquérito civil para apurar sobre o dano ao patrimônio histórico. Enquanto no site do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), ao pesquisar “Igreja Católica” aparecem 473 resultados diferentes, o espaço onde surgiu a primeira religião totalmente brasileira será substituído por uma loja – justo na rua que leva o nome do Consolidador da República. “Essas menina aí, ó? Tudo macumbeira. Pode vê que são tudo umas menina nova. Tão tudo aqui pra faze macumba pra arranja marido”, diz o velho umbandista em um canto do terreiro. A Matumba era a batucada dos negros na senzala, quando batiam os tambores, dançavam e cantavam

ro-brasileiras pelo IBGE. Afinal, há uma diferença de 128 mil pessoas entre os números do Cebras e IBGE. A divergência dos dados divulgados tem relação direta com o preconceito e até o medo de se assumir. Como Maria Antônia Marçal, que descobriu que seu pai era umbandista só quanto estava na faculdade. “Perguntei porque ele nunca me levou no terreiro e ele disse que era por causa das cobranças da sociedade”.

As verdadeiras religiões afro-brasileiras

Registros de terreiros que funcionavam como pontos de prostituição e distribuição de drogas ajudam a prejudicar a imagem das religiões afro-brasileiras. A atuação de falsos praticantes das religiões afro-brasileiras também pode ser apontada como origens do preconceito. “Muitos que se dizem umbandistas ou outros cultos afros e divulgam cartazes com textos sobre amarração amorosa e feitiços, coisa que o verdadeiro religioso não faz”. Porém, como lembra Mãe Tânia, “os terreiros que trabalham com respeito e dignidade são religião”.

O terreiro Cacique Pena Branca já possui 49 anos de trabalhos e atua tanto no Candomblé quanto na Umbanda. “Tô quase fazendo bodas de ouro”, brinca Mãe Tânia. As festas são tão cheias, ao ponto de políticos comparecerem - apenas em anos eleitorais. O terreiro, localizado em Ponta Grossa, é uma referência no Paraná – dentre os 2930 terreiros identificados em 2010 - pois, além das atividades religiosas, desenvolve atividades sociais através da Sociedade Afro-brasileira Cacique Pena Branca. O preconceito contra as religiões afro-braolucáneC atsiveR- 91


Especial sileiras, como se pode ver, ocorre até em órgãos oficias e reconhecidos. Outro exemplo disso é a matéria de Ensino Religioso, optativa nas escolas estaduais, que: “contribuirá para superar desigualdades étnico-religiosas, para garantir o direito Constitucional de liberdade de crença e de expressão”, segundo as Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná. Porém, as religiões afro-brasileiras ainda não são vistas como religiões e carregam uma repre-

Marçal se diz assustada com posicionamentos tão ferrenhos quanto às religiões afro-brasileiras tanto de alunos quanto de professores. “A gente se pergunta como essa disciplina está sendo ministrada. De repente estamos fazendo

de Patrimônio Imaterial da Prefeitura de Curitiba, em 2007, registrou 58 cen-

o s a m , e o d t o n p a s o ã e n d l e a ã t i oh sp a – M m ar u n M r a a z i e n â r i ”T a v m o e t d n o a p s o e c d i l e angé ã m a o ev m u S“ e lico e ac tó

sentação simbólica negativa em setores da sociedade. A professora Maria Antônia

aquele ensino religioso de 30 anos atrás que só fala do cristianismo e do catolicismo”. Em 2009 foi organizado o Fórum Paranaense de Religiões de Matriz Africana (FRPMA) com o objetivo de diminuir o preconceito contra as religiões afro-brasileiras. O Projeto do Seminário

tros de umbanda em Curitiba. Nesse cenário de aumento de participantes da religião e, ao mesmo tempo, um aumento do preconceito, Mãe Tânia mantém a prática de suas atividades religiosas. E a senhora, mesmo com problemas de saúde, mantém-se animada com a proximidade do cinquentenário do terreiro e valente contra o preconceito. “Se tiver que levar cassetada e ser presa a gente vai levar, porque a gente só quer praticar a nossa religião”.

626%

é o número do crescimento de denúncias sobre intolerância religiosa no Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, de 2011 para 2012,.

247 mil

foi o número de denúncias com teor de intolerância religiosa registradas, entre 2006 e 2012, pela ONG SaferNetBrasil através da Central de Denúncias de Crimes Cibernéticos.

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33%

dos países analisados pela Pew Research Center, em dados de 2012 e 2013, mostraram casos de violência ou pressão contra minorias religiosas


acitírC

“Cemitério de Elefantes” completa 25 anos Banda Beijo Aa Força na Rodoviária de Curitiba. Foto: Peter Lorenzo

O clima sombrio e gelado de Curitiba criou uma atmosfera facilmente observada no disco, mesmo nas bandas mais new wave não há nada de ensolarado ou alegre. Por: Marcelo Mara

A

primeira coletânea de bandas da capital paranaense reuniu cinco nomes importantes para quem quer conhecer um pouco sobre o que aconteceu no rock curitibano na segunda metade da década de 80. O Beijo Aa Força (BAAF), uma dos anos 80 com a Contrabanda, umas das formação já veterana em 1989, abre o lado A primeiras bandas punk de Curitiba. Entretancom o ‘hit’ “Homem de ferro”, letra do escrito, o Ídolos de Matinée está mais para a new tor e poeta Marcos Prado (1961-1996), no wave sombria, que os próprios membros lado B “Diário de um palestino” traz preferiam chamar de trendie. Uma referências de funk branco, algo característica curiosa da banda é como o A Certain Ratio, entre a sua preocupação com o visual, o pop e a vanguarda. De todas que trazia sobretudos forrados as cinco bandas, o BAAF foi a com estampas floridas, cabelos única a lançar discos próprios, (Rodrigo Barros, gui- desgrenhados e armados que os além de participar de outras co- tarrista e vocalista do aproximava do estilo darkwave, letâneas. “Cemitério de Elefantes” Beijo Aa Força) ouça “O inimigo” e comprove. marcou sua primeira inserção em “A Produção das músicas foi redisco e trouxe bons resultados à banda. alizada pelo Ídolos de Matinée e por Marcos O Ídolos de Matinée é a única banCarneiro, no Estúdio Bidon, em São Paulo. da da coletânea a trazer uma garota na forFizemos uma pré-produção aqui em Curitiba, mação, a vocalista e tecladista Debora Daroit. em um porta-estúdio de 4 canais. Levamos A história do Ídolos de Matinée se confunde um dia gravando e não tivemos problemas. com a história do BAAF e nos leva ao começo

“Detesto este disco!”

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Crítica

Ídolos de Matinée no Graciosa Country Club em 1985. Foto

Dias antes da gravação tivemos um problema com o vocalista Mauro Mueller que deixou a banda. O vocal foi assumido pela tecladista Debby, que permaneceu até a dissolução da banda, em 1991. Na época nós não gostávamos da definição que nos deram: éramos chamados de Pós Punk. Achávamos que limitava demais o nosso som, por termos diversas influências: punk rock, música eletrônica, música clássica e etc. Então resolvemos nos chamar de Trendie, que é um estilo de som que busca estar sempre na frente. E na época, nós tentávamos. O Bons Garotos Vão para o Inferno tem um ótimo nome e sonoridade, a lembrança de Joy Division é imediata, mas não se trata de mera cópia, a banda mostra personalidade e boas letras, “Alice não mora mais aqui” e “Nunca adormeço” estão entre as melhores canções do álbum. “Na aquela época tudo era bem mais difícil de se realizar. E este disco, para nós (e creio que para os outros envolvidos também) foi um marco. A repercussão do disco foi restrita, restringido-se às pessoas que acom“O Ídolos de Matinée foi a maior banda de 1985 a 1991. panhavam as bandas locais, não atingiu Tocou nos templos sagrados do rock brasileiro. Se apre- um público mais abrangente. “Éramos sentou para plateias de seis mil pessoas no Rio de Janeiro Consequentemente, não uma grande tur e de 80 mil no Paraná. As músicas que fizeram com que houve retorno financeiro, e pouco a banda fosse respeitada no underground brasileiro foma, na qual todos se tempo depois do ram “Rock Marciano” e “Vamos Separar os Estados Unheciam, os shows reuni lançamento do idos da América”. As letras não eram convencionais e isso ajudou disco, o Bons tos amigos. Alguns até se para que o público desse valor som para o IDM. A marca Garotos Vão parte da minha família. T registrada da banda sempre foi a combinação do teclado Para o Infer- nós era algo como “estar à e da guitarra, que trocavam notas e não se limitavam a no se desfez, tempo”, e também era um uma marcação rítmica. O baixo era derivado do punk com cada intecação com as bandas ing rock e fugia da marcação tradicional, misturando ora grante tomando rumos difsequências melódicas, outras retas. nos influenciaram erentes na vida, Outra preocupação do Ídolos era o visual. Então (Debora Daroit, como foi o caso do visual + música + letras irreverentes levaram o IDM ao e tecladista do Ídolos de Sérgio, que foi embora posto de maior banda da segunda metade dos anos 80. inée) do país, e eu, que abanTínhamos facilidade em conseguir shows graças a essa donei completamente o cenário tríade” (Fernando Tupan, baixista do Ídolo de musical. O que ficou é o fato de o disco ter sido, talvez, um divisor de águas no rock Matinée) local, um precursor, e por isso é lembra22 -Revista Cenáculo


o: Arquivo pessoal

acitírC

do tanto banda produziu suas próprias canções que tempo de- foram gravadas em estúdios de Curitiba e São pois, mes- Paulo mo sem ter tido a “Lembro que foi feito na melhor das intenções pelo devida, e Rolando Castelo Junior, o batera da Patrulha do m e r e c i - Espaço, com as condições disponíveis na época, sob da, reper- muita pressão e sem muita grana. Gravamos num cussão na estúdio em São Paulo, o Quadrophenia, e foi o técépoca em nico, conhecido como Chimbau, quem deu a triste que foi ideia de gravar “mooooooorrrrrrrttttteeee” no meio da música “Homem de Ferro”. A mixagem e o corte lançado” (Danilo do vinil não ficaram muito bons, é verdade, mas vale S i l v e i r a , pelo registro histórico de uma época do rock curitibbaixista do ano. “Diário de Um Palestino” ficou bacana com um Bons Ga- dobro gravado em overdub e um rolo de timbales, rotos Vão num clima funk bluesy. A capa foi feita na brodagem Para o In- pelo Roberto Jubainski e acabamos indo divulgar o vinil até no Mario Vendramel com suas vendrametes ferno) O (risos)” (Luiz Ferreira, guitarrista do Beijo Aa Força) Te s s á l i a faz um som etéreo O projeto gráfico é simples, não traz ene introspectivo, algo entre Cocteau Twin, carte, nem fotos ou letras, apenas a ficha técFelt e bandas do selo 4AD, característica que nica na contracapa. Lançado unicamente em chamou a atenção do público e faz do Tessália LP o disco teve excelente repercussão local, e, uma das bandas mais cultuadas da história do reza a lenda, se esgotou nas lojas curitibanas rock curitibano até os dias de hoje. Arran- em rápidos 15 dias. Não houve reedições, asrjos muito bem elaborados em “Melilla” sim como todo o catálogo do selo que lançou e cone “Falset”. pequenas tiragens de seus discos.o IDM. A iam muiO Pós Meridion foi a última marca registrada da banda sempre foi a come tornaram banda a entrar no disco, quando o binação do teclado e da guitarra, que trocaTrendie para mesmo estava todo gravado. O som vam notas e não se limitavam a uma marcação carregado de percussão pesada e rítmica. O baixo era derivado do punk rock frente do seu égroove, de todas as bandas é a que e fugia da marcação tradicional, misturando ma identifi- mais se aproxima de uma produção ora sequências melódicas, outras retas. glesas que já ousada por outras bandas bra- sileiras. m” “Cemitério , vocalista de elefantes” saiu e Matpelo selo paulistano Marcelo Mara é formado em história na UEPG. Atualmente Vinil Urbano, proprieestuda Jornalismo e é dono do dade de Rollando Casblog de música independente tello Jr, baterista da PaDisco Furado trulha do Espaço. Cada


Perfil

Feira Por: André Packer

abriga arte, sonh

Largo da Ordem, em Curitiba, é

O espaço permaneceu como uma região comercial, até que, em 1973, “ i você na TV”, disse um dos hippies começaram a Feira do frequentadores da feira ao chegar na Largo. A feirinha era um barraca de Hélio. centro de escambo, onde cri“Eles são tão fracos de programação anças da cidade reuniam-se que tem que me entrevistar” para trocar gibis, e poucos anos “É, eu fiquei vendo” (rindo) depois se tornaria o palco “Meu filho, 63 anos... Se você olhar de um dos maiores artistas pra trás e não tiver uma história pra plásticos do Paraná. contar pros outros, ‘benzadeus’. Olha José Hélio esse aqui. O que você faz com palito Silveira Leite de sorvete?” podia muito “Jogo fora”. bem ser um “Aí o idiota aqui pega. Aí eu sonho personagem de em cima dele, lavo ele. Lixo e transAriano Suassuna formo num passarinho. Sabe o que é – daqueles que isso? É o sinalizador de TPM. No dia possuem uma que você usar esse aqui todo mundo sabedoria popular vai saber que vocês tão uma ARAincrível e responRA de brava. Passou os quatro dias dem qualquer você muda a cor da periquita. Põe a pergunta com verdinha pra regularizar o trânsito um verso na área”. Durante a história é possível rimado. perceber que a barraca do artista é, Porém, sem dúvidas, uma das mais movimen- Hélio tadas de toda a Feira do Largo. Leites, “Pego um palito de sorvete, transforcomo mo num passarinho e vendo por 10 é mais reais”, continua Hélio. “Eu não peguei conhecium palito de sorvete e fiz um passado, está rinho. Eu peguei um palito de sorvete em uma e transformei em pão. Então todo das mais palito de sorvete que você vê jogado de mil na rua, saiba que embaixo dele tem barracas na Feira do Largo um saco de pão te esperando”. da Ordem todo domingo Durante o século XVIII, a região do das 9 até as 14 horas. O atual Largo da Ordem, em Curitiba, paranaense, nascido na foi um centro de compras e vendas Lapa mas registrado em para tropeiros, fazendeiros e colonos. Apucarana, provoca os fre-

V

24 -Revista Cenáculo


lfireP

hos e projetos criativos

é palco do artista miniaturista Hélio Leites quentadores da feira a conhecerem seu trabalho. Com exposições na Alemanha, Itália, Portugal e Espanha, Hélio define-se miniaturista. Utiliza como matéria-prima de suas obras materiais recicláveis, como botões, palitos de fósforo queimados, palito de picolé, latas de sardinha, sapatos velhos e poesia. Cada um de seus trabalhos é acompanhado de um verso, seja dele ou de grandes escritores/pensadores, como Helena Kolody, Sócrates ou Confúcio. Além da poesia, o que acompanha todas as obras de Hélio é um fio de seu cabelo. “Já vai com meu DNA e meu genoma. Assim ninguém vai falsificar”. Cada um de seus trabalhos é acompanhado de um verso, seja dele ou de grandes escritores/ pensadores, como Helena Kolody, Sócrates ou Confúcio. Além da poesia, o que acompanha todas obras de Hélio é um fio de seu cabelo. “Já vai com meu DNA e meu genoma. Assim ninguém vai falsificar”.

De bancário a artista Formado em Economia, Hélio trabalhou durante 25, dos seus 63 anos, em um banco. “Eu carimbava cheque devolvido de pessoa que eu não conhecia. Nunca vi coisa mais inútil”. O melhor dia da vida de Hélio foi quando ele percebeu que podia sair do banco. Ao abandonar o emprego, começou a contar histórias em escolas porém, sem receber salário, teve que começar a cobrar até para tirar fotos. Cobrava um real. Atualmente, Hélio não precisa mais cobrar por nada – a não ser suas obras. Sua rotina é “viajar na maionese” durante a semana para no domingo “fazer o pão de queijo”. O artista já é figura intrínseca à Feira. A “corrente sanguínea” da cidade, como Hélio chama a feira, é de onde tira sua inspiração. “Cada embalagem que aparece eu faço uma história dela”. Além das embalagens e materiais recicláveis, Hélio defende que sua maior motivação é a humanidade. “Porque aqui, meu filho, passa todo tipo de gente. Passa o burro e vira inteligente, passa o doente e fica são, passa o honesto e as vezes passa olucáneC atsiveR- 52


Perfil o ladrão. E a todos eles eu dedico um dedinho da minha atenção”. As obras do feirante variam de dez até mais de 2 mil reais. Um dos trabalhos mais vendidos são as miniaturas realizadas em latas de sardinha. Um deles se chama “Sermão aos peixes” e custa 150 reais. “Quando eu consigo vender a peça muda de nome. Deixa de ser o sermão aos peixes e vira o verdadeiro milagre dos peixes. Porque fazer 150 reais com uma lata de sardinha é um verdadeiro milagre”. Hélio Leites, o homem que juntou economia com artes e virou miniaturista.

Invenções criativas Associação Internacional dos Kinderovistas, Museu Casa do Botão, Museu do Óculos e Fiu-Fiu Esporte Clube. Todos esses são nomes de projetos e ideias de-

senvolvidas pelo artesão paranaense. Quando questionado sobre seus projetos antigos, Hélio é pessimista: “Minhas ideias, geralmente, são todas um fracasso. Elas voltaram para o anonimato, onde é o lugar delas”. Ele gostaria que suas ideias chegassem a um nível mais elevado. Por exemplo, o Fiu-Fiu Esporte Clube, que trata-se de um clube de assobiadores, Hélio sonha com o dia em que nas escolas do Brasil as crianças, em vez de cantar o hino, só assobiassem. É uma iniciativa para resgatar a tradição do assobio como forma de comunicação e, por fim, fazer um coral de assobiadores. Já a Associação Internacional dos Kinderovistas é uma ideia que surgiu de uma angústia de Hélio. Em 1995, quando o chocolate começou a fazer sucesso no Brasil, o artesão percebeu que nenhum brinquedo que acompanhava o kinder representava o Brasil. “Lampião e Maria Bonita não tinha. Não tinham os heróis nacionais”. A partir disso, a Associação foi criada para discutir a criação de um Kinder Ovo Nacional – porém a ideia continua estacionada atualmente. O ateliê de Hélio nada mais é do que seu quarto, na casa da mãe, que mais parece uma dispensa por estar sempre lotado de latas e palitos. Dali surgiram outras ideias, como o Teatro de Boné: “um jeito de pôr fora da cabeça o que a gente não tem dentro”. O trabalho é a construção de uma história, através de miniaturas, feito em cima de um boné – que Hélio sempre faz questão de usar na feira. Faltariam páginas para relatar todos os projetos de Hélio, como o Museu do óculos, o Museu

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o Botão, …. Afinal, uma pessoa que ue transformar até um estrelador de m obra de arte com frases de Helena é alguém a quem sobram histórias ntar. “Deus dá a todos uma estrela. em dela um sol outros nem conseg-la”.

lfireP binóculo feito com o papelão do papel higiênico. “O que você vai ser quando crescer?”

“Igual você: artista” Hélio faz uma pausa e diz, com os olhos brilhando: “E aí, o que você fala?”

a profissional e popular

Hélio Leites conta uma de suas histórias enquanto segura uma de suas miniaturas. Foto: André Packer

Significador de insignificâncias”, o Leminski, e “artesão universitário”, o ele mesmo. Hélio é um personndefinível: economista, artesão, mina, poeta, não faltam profissões que rizem o trabalho do, além de tudo, . Hélio já teve um pouco de sua contada em dois livros, “Pequenas zas” e “Mínimos”, além da particinos filmes “O que é tristeza pra você” a Branca”. “Tanto artista bom que já pela feira e não teve um livro. Eu te”. Em 2010, Hélio se formou em Bes. Ao se formar, um professor lhe agora você já pode dizer que é artitico”. Hélio respondeu: “agora não mais ser”. O Trabalho de Conclusão so de Hélio foi uma miniatura – feita mente com palitos de fósforo - que vida de Sócrates. “Até ali minha ncia sobre Sócrates ia só até o do hians, aí me falaram: você precisa er o grego”. E deu certo. Logo na a frase que leu sobre o pensador Hélio “se apaixonou”. “Conhece-te a mo” e, a partir daí, tirou motivação zer seu TCC. Quando o assunto são as artes plástilio se exalta e afirma que a arte está do. “Eles já não tem mais o que Quando as pessoas procuram artes, m mais vai pra academia, mas vão a. “Cada exposição que fazem é mais go no caixão das artes plásticas”. No o papo chega uma criança com um olucáneC atsiveR- 72


E

squeça Gotham City e o Batman ou a Nova Iorque do Homem Aranha. Até mesmo Wakanda do Pantera Negra e Metrópolis do Super homem, porque a verdadeira cidade dos heróis dos quadrinhos é Curitiba. O Capitão Gralha desde os anos 40 circula pela capital do estado pelas mãos de Francisco Iwerten e ressurge em 1997 com uma edição especial, para comemorar os 15 anos da Gibiteca de Curitiba, ao homenagear o (até então) desconhecido super-herói curitibano. Na Gibicon (Convenção Internacional de Quadrinhos de Curitiba) 2014, o Gralha voltou a ser homenageado com uma edição especial de quadrinhos e um boneco do herói tupiniquim. “Por sinal, a Curitiba do Gralha é um personagem à parte em seu universo, onde todas as características da verdadeira são elevadas à enésima potência”, afirma José Aguiar, um dos criadores da história do super-herói pássaro. Assim como o Brooklyn está para Will Eisner, Curitiba está para o Gralha. O herói é um dos símbolos do cenário dos quadrinhos na capital do estado. O fortalecimento da literatura gráfica na cidade, que muito deve ao Gralha, começa nos anos 70 com uma editora chamada Grafipar.

Paraná assume posição de destaque na produção de HQs Por: André Packer

Q ua


Em 1977, durante o regime ditatorial, era um tabu falar sobre sexo, visto que a moral e bons costumes eram os valores máximos pregados pelo governo militar. A Grafipar fez o caminho contrário ao misturar terror, ficção científica, folclore e policial com erotismo, assim a editora se tornou referência dos quadrinhos nacionais. Curitiba moldou o mercado dos quadrinhos durante sete anos ao reunir os melhores desenhistas e roteiristas da época, como Mozart Couto, Rodval Mathias, Watson Portela, Gustavo Machado e Vilachã. Toda a história da editora foi contada no livro “Grafipar: a editora que saiu do eixo”, de Gian Danton. O primeiro diferencial da Grafipar é que foi a primeira editora de porte a sair do eixo Rio-São Paulo. O segundo é que a Grafipar praticamente não publicou quadrinhos gringos, aliás, publicou apenas no início, e poucos. Assim que Cláudio Seto assumiu, ele garantiu que a editora não fosse invadida pelos enlatados. “Toda vez que um agente procurava a Grafipar com um material (faroeste, por exemplo), ele mandava a equipe produzir algo semelhante, mas com tons de erotismo. Com isso, ele criou um grande mercado para quadrinistas e conseguiu diversos talentos para o seu cast, a ponto de muitos deles se

adrinh os: An

dré Cal

iman

mudarem para Curitiba”, afirma Gian Danton. A migração desses artistas para Curitiba reuniu diversos deles no bairro São Brás. Eles viviam como hippies – criando seus filhos e desenhando quadrinhos – e esses artistas chegaram a ser vizinhos de muro, foi o que ficou conhecido como a Vila dos Quadrinistas de Curitiba. Além do Gralha e a Grafipar como grandes marcos do quadrinho curitibano, a cidade construiu a primeira Gibiteca do mundo. Em 1982 foi inaugurada a Gibiteca que passa a transformar a cidade em um centro do gibi, ao centralizar produções e eventos. O projeto inicial foi pensado para onde hoje é a Rua 24 horas, mas com uma terrível crise econômica os planos foram mudados para um projeto mais modesto. Com 32 anos, o espaço possui um acervo de 33 mil títulos de gibis infantis, super-heróis, humor, terror, cartuns, fanzines, mangás e exemplares estrangeiros. Importantes nomes das HQs brasileiras, como Laerte, Angeli e Glauco, já estiveram na gibiteca para debater a importância do espaço. Toda essa história foi relatada por Key Imaguire Junior, um dos ideal-


Reportagem izadores do projeto, no liv- ro “Gibiteca de Curitiba”. A Gibiteca ajudou a cidade a se consolidar como um dos centros da HQ nacional e trazer eventos como o Festival do Gibi, Mostra Bienal de HQ, cinco Festivais Internacionais de Fanzines, e a Gibicon – que já é o 2º maior evento de quadrinhos do país.

Publicação Independente Os quadrinistas independentes tem uma nova plataforma para publicação de seus serviços, através do financiamento coletivo, ou “crowdfunding”. Ou seja, os quadrinhos dependem de doações que acontecem de acordo com o interesse das pessoas pela proposta da publicação. O site Catarse proporciona que artistas consigam se desvincular de editoras e possam produzir um produto sem vinculações mercadológicas. Em 2011, surgiu o primeiro projeto de quadrinhos por financiamento coletivo no Brasil. Eduardo Damasceno e Luis Felipe Garrocho lançaram o livro “Achados e Perdidos” através do crowdfunding. “Isso traz a tona uma discussão extremamente importante de “como se consumir entretenimento”. A partir do momento que a obra só existe se houver interessados o bastante para que isso aconteça toda a relação do autor e dos leitores com a obra muda”, afirma Eduardo que foi precursor na utilização do financiamento coletivo no Brasil. O Catarse possui atualmente 114 projetos de quadrinhos que podem receber doações. Na plataforma, é possível escolher um prazo entre 1 e 60 dias para receber o financiamento, sendo que o Catarse fica com 13% do total arrecadado. Em pesquisa realizada pelo site, 20% do financi-

Foto: André Packer

amento coletivo no país vem da região sul e 74% das pessoas que colaboram ganham até 6 mil reais por mês. O artista André Caliman utilizou o Catarse para a publicação de seu primeiro quadrinho independente, o álbum “Revolta”. Caliman arrecadou 17 mil e criou uma estratégia para divulgar o catarse: ele saia pelas ruas de Curitiba colando pedaços do quadrinho nas paredes. “Durante algum período de tempo o quadrinho no catarse foi a coisa que mais movimentou pessoas e dinheiro. Eu acredito que é porque o quadrinista já sabia fazer quadrinho sem qualquer tipo de apoio, já sabia o jeito de viabilizar. Quando surgiu o catarse ele potencialGIBICON izou”, afirma A 1º Gibicon aconteceu em 2012 Caliman. emCuritiba.Oeventoébienaleem Já o 2014 já se tornou o 2º maior evento paulista Felipe Cagno sobre quadrinhos no Brasil conseguiu concretizar três propostas pelo catarse – um longa-metragem e dois quadrinh o s . Nas duas HQs ele ultrapassou as metas de arrecadação, 15 mil a mais em “Lost Kids” e 11 mil em “3,2,1”. A renda excedente da proposta inicial também é destinada para o produto. No caso de Felipe, as páginas dos livros aumentaram, além de uma 2º edição na HQ “3,2,1”. “A ideia é que quanto mais arrecada melhor fica seu produto. É aquela coisa de dar de volta para quem apoiou um produto melhor”, afirma Felipe.



Agradecimentos

Ilustração da capa: Thiago Sit Design da capa: Kelvin Vieira Edição fotográfica: Danilo Schleder Crítica: Marcelo Mara Edição: Karina Janz Foto: Danilo Schleder


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