O poema visual poluição, de marcos tavares

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LETRAS

ANDRÉ LUÍS DE MACEDO SERRANO

O POEMA VISUAL “POLUIÇÃO”, DE MARCOS TAVARES

VITÓRIA 2014


ANDRÉ LUÍS DE MACEDO SERRANO

O POEMA VISUAL “POLUIÇÃO”, DE MARCOS TAVARES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Línguas e Letras no Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para o título de Licenciado em Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa. Orientador: Prof. Dr. Orlando Lopes Albertino

VITÓRIA 2014


ANDRÉ LUÍS DE MACEDO SERRANO

O POEMA VISUAL “POLUIÇÃO”, DE MARCOS TAVARES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Línguas e Letras no Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para o título de Licenciado em Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa.

Aprovado em 01/08/2014

EXAMINADOR

______________________________ Prof. Dr. Orlando Lopes Albertino Orientador

VITÓRIA 2014


AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais, Rosemary & Marcelo, por sempre me incentivarem a conciliar os meus desejos com minhas responsabilidades. Agradeço ao professor Orlando, por ter me orientado e por ter me ajudado a “concretizar” este projeto. Agradeço a Andressa Takao, por todo o afeto e atenção que ela me dedica, e também pelas leituras e revisões sobre o presente texto. Agradeço a Marcos Tavares, por me disponibilizar material de consulta e depoimento. Agradeço a amigos, familiares e pessoas próximas, pois, de alguma forma, todos contribuíram para que eu tivesse alguma motivação para escrever.


Poesia ĂŠ a liberdade da minha linguagem Paulo Leminski


RESUMO O livro de poemas Gemagem (2005), de Marcos Tavares, reúne uma produção eclética em estilos de escrita, empregando desde versos tradicionais e populares até procedimentos vanguardistas e modernistas. Neste trabalho analisaremos o poema “POLUIÇÃO” (escrito em 1979), que explora aspectos “visuais”, “materiais” e “concretos” do texto. Dentre esses aspectos, observamos o uso de elementos tipográficos (o design da letra) e do espaço em branco da página como recursos que auxiliam a sintetizar visualmente a forma e o conteúdo do poema. Levando em consideração a síntese como princípio básico da composição do poema, faremos a análise do procedimento verbivocovisual (palavra, som e imagem em jogo) e a contextualização do momento histórico no Brasil e no Espírito Santo entre os anos 1970 e 1980, num período de literatura “marginal” e “engajada”. Este poema, por explorar o campo discursivo da “ecologia”, imbuído da crítica ao desenvolvimento econômicotecnológico à custa da natureza, retoma essa problemática do “engajamento” sob o viés da comunicação poética por meio do trabalho de arte, em oposição a posturas “antiformalistas” e “antiacadêmicas”, vigentes nos anos 70, que defendiam um “engajamento” que lutasse por uma expressão espontânea, talvez oriunda de uma ideia de inspiração poética. O objetivo, portanto, é verificar a significação dessa “estética visual” dentro da poesia eclética e multiforme desse autor.

Palavras-chave: Marcos Tavares. Poema visual. Poluição.


ABSTRACT The poem book Gemagem (2005), by Marcos Tavares, compiles a wide range of writing styles, from traditional and popular verse to avant-garde and modernist procedures. In this paper, the poem “POLUIÇÃO” (written in 1979) - which is constructed by “visual”, “material” and “concrete” elements of the text - will be analyzed. Within these aspects, it was observed the usage of typographic elements (graphic design of the letter) and also the blank space of the page as resources that help to visually synthesize the poem‟s form and content. Based on the synthesis as a principle of the poem‟s composition, it will be analyzed the “verbivocovisual” procedure (word, sound and image, in relation) and the context of the historic period of the 1970-1980's Brazil and Espírito Santo, in a period of “marginal” and “engaged” literature. This poem, by exploring the “ecology” discourse, imbued in the criticism of the technological-economical progress that destroys nature, recovers the problem of engagement by the perspective of the work of art, in opposition to “anti-academic” and “anti-formalist” positions, majoritary in the 70‟s, that defended an “engagement” that fights for spontaneous expression, maybe from the ideia of poetic inspiration. The objective of the present work, therefore, is to verify the signification of a “visual aesthetic” in that author‟s ecletic and multiformed poetry. Key Words: Marcos Tavares. Visual poem. “POLUIÇÃO”.


SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO………………………………………………………………………………8 2. ESCREVER E REESCREVER: A COMPOSIÇÃO DO POEMA E O TRABALHO DE ARTE……………………………………………………………………………………………20 3. O ESPAÇO DO POEMA E A VISUALIDADE.............................................................25 3.1. A visualidade no poema concreto....................................................................29 4. ARQUITETURA DO ESPAÇO: ANÁLISE DO POEMA “POLUIÇÃO”......................35 5. CONCLUSÕES...........................................................................................................43 6. REFERÊNCIAS...........................................................................................................45 ANEXO A – CAPA DO LIVRO GEMAGEM...............................................................47 ANEXO B – CAPA DA REVISTA LETRA.................................................................48 ANEXO C – POEMA “POLUIÇÃO” NA REVISTA LETRA.......................................49 APÊNDICE A – ENTREVISTA COM MARCOS TAVARES....................................50


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1. INTRODUÇÃO Vários são os problemas que o estudo desse poema, desse autor e do seu contexto histórico-cultural, no âmbito dos estudos literários, trazem consigo. Entenda-se a palavra problema pela usual concepção de dificuldade, limite; mas também pelos significados de possibilidade, abertura. Tal reflexão se faz necessária para situar as complexidades do objetivo central deste estudo: Pretendemos focalizar elementos da “poesia visual” e da “poesia concreta” no poema “POLUIÇÃO”, de Marcos Tavares. O autor, no entanto, publicou posteriormente aos movimentos literários de vanguarda a que estiveram vinculadas essas poéticas. E o fez num contexto de uma literatura regionalizada, no Espírito Santo – região historicamente afastada dos principais centros de produção cultural do país, onde os debates sobre as vanguardas se desenvolveram. Portanto, se há uma poética visual e/ou concreta no(s) poema(s) de Marcos Tavares, o que isto significa? Como e por que esse autor se apropriou dessas formas de escrita? Em que medida esta leitura problematiza a visão sobre a sua obra? Dois elementos que nos chamaram a atenção, a princípio, e que nos levaram à hipótese de vinculação do referido poema com as técnicas de composição do poema visual/concreto, foram: 1. Exploração do espaço em branco, fragmentando palavras e letras na página e extraindo significados dessa espacialização. 2. Tipografia (design gráfico da letra) diferenciada da maior parte dos outros poemas de Marcos Tavares, semelhante apenas a outros poemas que também parecem explorar o espaço concreto da página, podendo ser lidos/vistos. É o caso dos poemas “Ecológica” e “Cascos”.

Ao analisar esse autor a partir da perspectiva do poema visual/concreto, atribuindo-lhe intenções específicas a esse fazer literário, pretendemos encontrar uma “ética” que fundamente sua “poética” – sua prática literária. Portanto, é necessário que se busque a voz de onde parte a enunciação: Quem é Marcos Tavares? Onde e quando ele está situado?


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Marcos Tavares nasceu em 16 de Janeiro de 1957, em Vitória/ES, onde residiu até 1984, quando se mudou para Dores do Rio Preto, no interior do Espírito Santo. A mudança aconteceu por motivo de trabalho, em vista de classificação em concurso público (SEFAZ-ES) para o cargo de Auditor Fiscal. Anteriormente, já havia exercido diversas profissões: “aprendiz de tipógrafo, encadernador, auxiliar de oficina, cobrador de promissórias, estoquista, estagiário em empresas públicas, professor substituto entre outros” (TAVARES, 2005, p. 89-90), segundo relata em nota “sobre o autor”. Cursou as graduações de “Matemática” e “Economia”, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), entre 1980 e 1984, sem as concluir. Terminou o curso de Letras no ano de 1991 (na Fafile, em Carangola-MG). Marcos Tavares participou de uma geração literária que esteve vinculada principalmente ao período dos anos 70 e 80. Nessa época, o autor publicou em diversos suportes (revistas, jornais e coletâneas) e reuniu, por fim, seus contos em 1987 no livro No escuro, armados. Os poemas de Marcos Tavares, contudo, continuavam espalhados por toda parte, longe de fácil consulta: estavam dispersos nas páginas das revistas Letra e Ímã; nas coletâneas Daqui mesmo: 34 poetas (jornal A Gazeta, 1995) e Poetas do Espírito Santo (livro, 1982); e no suplemento cultural Tribuna Jovem (jornal A Tribuna, 1975-76). O livro Gemagem, publicado em 2005 com recursos da lei de incentivo cultural “Rubem Braga” de Vitória, retoma a trajetória do escritor, com poemas que vão desde 1976 até 2002, resgatando a memória da produção poética de Marcos Tavares, desde sua juventude nos anos 70, passando pela movimentação universitária dos 80 e reunindo escritos posteriores, depois que o autor se mudara para o interior do Espírito Santo em 1984.

O autor, portanto, produziu uma literatura que teve a restrição como contexto de produção mais imediato, pois viveu e publicou no Espírito Santo, uma região que não se encontrava alinhada junto aos eixos centrais de difusão cultural no Brasil. Como veremos mais adiante, os poemas “visuais” e “concretos”, no século XX, inserem-se numa produção de vanguarda, que se considera inovadora. Em sua maioria, as correntes de vanguarda se organizavam em grupos, tendendo a ser cosmopolitas, não regionais nem academizadas (foram anticonvencionais e antitradicionais). As vanguardas artísticas tiveram palco inicialmente na Europa, no começo do século XX, e


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influenciaram os movimentos modernistas no Brasil. Seria possível vincular um autor regional que retoma, inclusive, sua identidade capixaba (“Sou capixaba da gema/ Capixaba da gema do ovo”) em Gemagem (2005), a tais projetos de vanguarda de aspirações universais?

Talvez se coloque melhor esse problema trazendo a questão da vanguarda para o contexto de sua apropriação modernista no Brasil. Como Mendonça e Sá (1983) apontam, “A constituição da vanguarda no Brasil se mostra dentro de uma preocupação central lançada e realizada por Oswald de Andrade. Seu vetor é a incorporação dos dados novos de um contexto universal [...] a uma problemática de cultura nacional” (p. 25). Oswald de Andrade, poeta paulista da primeira geração do modernismo brasileiro, incorporou em sua escrita as tendências de vanguarda que vinham da Europa, reelaborando-as de modo a extrair das novas técnicas uma arte que não fosse apenas reflexo da cultura europeia, mas que tivesse relação direta com a realidade brasileira. Há uma preocupação com a nacionalidade não somente na obra de Oswald, mas nas aspirações de renovação dos grupos modernistas, em que se buscou ampliar e renovar o “repertório nacional”. Para Mendonça e Sá, “repertório” é a soma de informações globais, ou de uma determinada sociedade, ou mesmo de um indivíduo, e a função das vanguardas seria trazer informação nova que contribuísse para o avanço nos campos de ação humana (haveria vanguarda nas áreas política, tecnológica, artística, etc.). Portanto, poderíamos dizer que a vanguarda é experimental, e ela está em movimento, apontando para o futuro, porque ela acompanha os ritmos das transformações históricas. Oswald de Andrade rompeu com o repertório tradicional-clássico, de orientação europeia, e buscou um repertório que trouxesse uma informação autenticamente brasileira, nisso ele introduziu informação nova, produzindo poemas que trouxessem informação nova em seus níveis temáticos e de composição. Os poetas concretos, posteriormente, atualizam o repertório nacional com informações vindas do repertório artístico global, mas sem submissão do nacional aos moldes europeus. Podemos constatar que a apropriação de uma técnica visual/concreta retirada de um contexto de vanguarda, por Marcos Tavares, possa refletir não uma produção


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propriamente nova, afinal o poema concreto já havia se desgastado à época que Marcos Tavares começou a escrever, mas uma retomada da trajetória do modernismo e da importância de se pensar na problemática regional, nacional e universal num todo integrado. Como ressalta Oscar Gama Filho em Razão do Brasil: “Saber da literatura do Espírito Santo, do ponto de vista histórico, é saber das condições sociais determinantes da produção cultural brasileira” (1991, p. 4) Para compreender o particular, não se pode isolá-lo, mas integrá-lo no processo. Em suma, Marcos Tavares opera uma revisão das poéticas modernistas e de vanguarda tendo em vista a realidade concreta em que se situa. Ele utiliza os procedimentos dessas poéticas dentro de uma lógica própria, sem propor uma inovação estética, mas uma revisão do passado com vistas à atuação no presente. Não se trata mais de um projeto vinculado à visão de uma ideologia nacionalista ou regionalista, cunhada no âmago do modernismo, mas uma perspectiva mais próxima às tendências contemporâneas de incorporar esses dados variados, e heterogêneos (por isso ele escreve em diversos estilos de escrita desde os versos tradicionais até vanguardistas) a uma ação direta na e pela palavra. Há críticos literários que retomam o percurso do modernismo e das vanguardas no Espírito Santo, contando essa parte da História que fica um tanto “à sombra”, mais pelas falhas do que pelas conquistas desses movimentos em solo capixaba. No prefácio de Poetas do Espírito Santo, antologia organizada por Elmo Elton, há uma retomada da Literatura no Espírito Santo, desde os seus primórdios com José de Anchieta até os escritores mais recentes (como Marcos Tavares, Miguel Marvilla, Oscar Gama Filho, Bernadette Lyra, Fernando Tatagiba, incluídos na antologia). Nos relata Elmo Elton que: A Semana de Arte Moderna, celebrada em São Paulo (1922), ecoara nas letras poéticas do Espirito Santo apenas superficialmente. É verdade que, dez ou doze anos após sua ruidosa realização, alguns de nossos poetas, pouquíssimos, entre esses Newton Braga, começaram a publicar poesias ao gosto dos modernistas em voga, isto é, desmetrificadas e sem rima. Mas quase todas essas poesias, exceções à parte, eram esboçadas, diríamos, mais por uma espécie de “desencargo de consciência”, por mera imitação, quando não por troça. Contudo, na década de 40, apareceram, em livrarias de Vitória três ou quatro apreciáveis livros já com poemas de fatura mais atualizada, assinados por autores dali, um deles de Cachoeiro de Itapemirim. Haidée Nicolussi, espírito-santense e veterana colaboradora de Vida Capixaba, então residindo no Rio de Janeiro, lança, por sua vez, livro de feição modernista -


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Festa na Sombra (Ed. Pongetti, 1943), então festejado por críticos de renome. Na década seguinte, os capixabas Geir Campos e Marly de Oliveira, radicados fora do Estado, também publicam livros de feição modernista. Mas, só a partir de meados de 1960, certamente em decorrência da intensificação do ensino de literatura nas Faculdades de nosso Estado, onde as obras de grandes poetas modernos passaram a ser focalizados com freqüencia, daí advindo maior aquisição e leitura dessas obras, se verificou uma renovação de valores no panorama poético do Espírito Santo, atraindo, inclusive, a participação de outros poetas até então afeitos ao verso tradicional, como Ruy Cortês, por exemplo. Foram fundados clubes de poesia, promoveu-se em Vitoria, a teatralização de poemas desses jovens autores (Ultimato - Teatro "Carlos Gomes", 1972), os jornais mais lhe franquearam suas colunas, de forma que a poesia ali passou a ter nova roupagem, outro caminho. (ELTON, 1982, p. 7-8).

Outro crítico que explora esse viés da atualização modernista no ES é Luiz Busatto, no seu trabalho de fôlego “O modernismo antropofágico no Espírito Santo”, que relata com base em documentos de época - publicações nas “Revistas de Antropofagia”, em São Paulo, e no jornal “Diário da Manhã”, no Espírito Santo - a tentativa (inconclusa) de se trazer um “Congresso de Antropofagia” para Vitória, em 1929. A publicação do “Manifesto Antropofágo”, em 1928, por Oswald de Andrade, expôs as ideias do movimento, com propostas radicais, em tons de uma revolução surrealista-comunista; em resposta tanto à tradição literária, representada à época pelas poéticas neossimbolistas; quanto a outros movimentos modernos que já ocorriam durante a década de 1920, como o movimento modernista “Verde-amarelo” (grupo Anta), de propostas nacionalistas-ufanistas, em oposição a Oswald de Andrade, e tendo a participação de Plínio Salgado, que posteriormente se ligaria à ideologia integralista de cunho fascista. Houve correspondência de artistas do Espírito Santo com os antropófagos paulistas, e até mesmo algumas polêmicas na imprensa local, em vista da presença de ideias anticonvencionais nos meios intelectuais da província capixaba, porém: A antropofagia literária no Espírito Santo foi um episódio. Num curto espaço de tempo tentou-se instaurar a renovação literária local. O episódio representou uma consciência crítica das vanguardas mas não teve nenhuma obra de literatura que encarnasse suas propostas. O meio físico e cultural não se alteraram com a lufada vanguardista, antes, demonstraram que o gosto literário e estético possuem fortes áreas de resistência e não mudam com a velocidade das revoluções políticas e tecnológicas. (BUSATTO, 1992, p. 51)

E tais resistências talvez se explicassem, tendo em vista o panorama político-ideológico predominante no Espírito Santo:


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[...] contrastando com a iconoclastia dos paulistas, sua filial estava a serviço da construção de uma ideologia da cultura capixaba e possuía acentuadas tendências positivas. Os textos dos modernistas locais eram publicados no Diário da Manhã, órgão oficial do governo Aristeu de Aguiar (1928-30), e entre os participantes estavam o próprio secretário de Instrução, Atílio Vivacqua, e seu assessor Sezefredo Garcia de Rezende, um dos idealizadores da Academia Espírito-Santense de Letras” (GAMA FILHO, 1991, p. 107).

Portanto, a desvinculação da literatura e das artes com as tendências tradicionais, impulsionada pelo desenvolvimento industrial a que o país vinha passando, propiciaria terreno às ideias modernas, não mais norteadas por uma realidade pré-industrial, e que se vinculariam a grupos de direita e esquerda políticas (no caso dos antropófagos oswaldianos VS os verdeamarelos do grupo Anta). No Espírito Santo, por conta da situação do Estado, cultural e economicamente atrasado, esse confronto moderno foi praticamente inexistente até os anos 1960, pois o tradicionalismo cultural, associado a uma economia predominantemente agrária, sem a dinâmica do capital fabril, não teria condições suficientes para criar as condições materiais contraditórias que serviram de mote para a mentalidade moderna.

Não se formaram no Espírito Santo grupos de vanguarda que colocassem em prática suas intenções. O cenário, como mostrou Elton (1982) anteriormente, apresentava autores isolados, e marginais, que por vezes tentavam alguma renovação num ambiente cultural dominado pelo passadismo e pelo provincianismo. Órgãos oficiais de cultura e acervo literário foram surgindo e se estabelecendo, como o Instituto Histórico Geográfico do Espírito Santo (IHGES) e a Academia Espírito-Santense de Letras (AESL). Também se tentou uma renovação dentro da institucionalidade como quando: Em 1946, apareceu a Academia Capixaba dos Novos, idealizada por jovens escritores – entre eles Christiano Dias Lopes Filho, futuro governador – que pretendiam diminuir o marasmo literário vitoriense. Em 1947 se realizou, de 5 a 20 de dezembro, a Quinzena da Arte Capixaba, uma amostragem ampla que incluiu recitais poéticos, teatro, palestras, concursos, concertos e exposições (GAMA FILHO, 1991, p. 108).

Os “Novos” se diluíram e seus membros fundadores se dispersaram, porém: “Em 1959, conforme noticia Renato Pacheco, Jeová de Barros reiniciou as atividades da Academia Capixaba dos Novos” (GAMA FILHO, 1991, p. 109), agregando novos participantes a


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essa causa. Se por um lado, meio século já se havia passado e o Espírito Santo não apresentava renovações significativas na sua literatura: Por outro lado, o reacionarismo da Academia – chegou a trazer o ex-líder integralista Plínio Salgado a Vitória – não agradou a alguns dos novos autores que, esquerdistas, criaram, em 1962, na Folha Capixaba, órgão do Partido Comunista Brasileiro, a 'Coluna dos Novos', onde divulgavam seus trabalhos. Não contentes, escreveram, em 1963, um manifesto – nunca publicado – fundando o Clube do Olho, que, pretendendo renovar formalmente a literatura vitoriense, criticava o conservadorismo da Academia e a alienação reinante (GAMA FILHO, 1991, p. 109).

O “Clube do Olho” foi um grupo literário que trouxe tardiamente apropriações da vanguarda modernista de 1922. Entretanto, como ressalta Azevedo Filho (2008), os membros do “Clube do Olho” também possuíam conhecimento do panorama a eles contemporâneo, empregando recursos do poema concreto na composição de seu manifesto (texto espacializado e sintético: antidiscursivo) e ao mencionarem as propostas de Ferreira Gullar, que a essa altura já se engajara no movimento neoconcreto em oposição aos concretistas paulistas. Também adotando a alcunha de “Novos”, colocaram-se contra o “conservadorismo” da AESL, propondo uma renovação radical das letras locais: “Na ânsia de se modernizar, os novos optaram pelo antiacademicismo, tentando combater as estéticas em vigor na literatura produzida no Espírito Santo anteriores à I Semana, um misto de subprodutos parnasianos, simbolistas e românticos em plenos anos 60 (2008, p. 7)” A I Semana a que alude Azevedo Filho (2008), foi a Semana de Arte Moderna promovida pelo “Clube do Olho”, integrando diversas artes: Música, Literatura e Pintura – idealizada segundo os moldes da Semana de 22 dos primeiros modernistas. Contudo, nem as movimentações da I Semana, nem os poemas por eles escritos, ou mesmo o Manifesto que produziram chegaram ao conhecimento do público, sendo este mais um exemplo de uma intenção não concretizada de modernizar as produções artísticas e literárias no Espírito Santo. Apesar de que, essa tentativa de renovação, já partindo de uma lógica de grupo, em contato com elementos de vanguarda e do modernismo, esboça uma mudança no cenário do ES nos anos 60 – um princípio de contradição e de polêmica típico do surgimento da mentalidade modernista na cultura.


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Os anos 70 já apresentavam um panorama diferente, em período de Ditadura Militar no Brasil, no qual surge a poesia marginal, contestadora dos valores e das formas vigentes. Ribeiro (1993), em A Modernidade das Letras Capixabas, aponta que: “A Poesia Marginal é marcada pelo subjetivismo, um equilíbrio entre arte e vida, mistura de acaso cotidiano e registro imediato: „poesia do eu‟, experimental, sem o cerebralismo concretista [...]” (p. 37). Poesia que se queria livre para se expressar como bem entendesse. A liberdade a que almejavam os poetas da “geração mimeógrafo” (outro nome da poesia marginal, pois publicavam nesse suporte que permitia rápida e fácil distribuição) possibilitou, inclusive, que os novos escritores por vezes estivessem “Recuperando o rigor de todos os modelos estéticos, sem se prender a vanguardas de „ismos‟, os poetas da geração de setenta também fizeram poesia concreta, poesia visual e poema-objeto” (RIBEIRO, 1993, p. 37). Apesar de que essa conciliação não fosse vista com bons olhos por alguns adeptos da poesia marginal, de tendências radicalmente antiformalistas, conforme relato do autor em entrevista (APÊNDICE A) 1. A oposição que faziam esses poetas ao trabalho formal era a de que se poeta se submetesse à forma, ele seria privado de sua subjetividade. Mas isto não era consenso, pois também se via o experimentalismo de formas como uma possibilidade de escolha pessoal do poeta, segundo as limitações e a realidade concreta do próprio material a ser trabalhado: a linguagem. Marcos Tavares surgiu nesse contexto, conhecendo e interagindo com autores dessa época, em contato com os ideais da poesia marginal. Como relata o próprio autor no prefácio de Gemagem: Em 1978, atendendo a um convite seu [de Oscar Gama Filho], para ver a exposição poético-plástica intitulada Varais de Edifícios, é que, vencendo a timidez, iniciei contato pessoal com outros atuantes poetas de minha geração: Miguel Marvilla, Gilson Soares, Benilson Pereira, Ivaldo Venturini, José de Anchieta Gonzaga. Dos sucessivos encontros dessa inquieta turma surgiram estudos sobre Literatura, manifestos e idéia para formação de uma cooperativa que publicasse nossos livros – tarefa então muito árdua (TAVARES, 2005, p. 14).

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No Apêndice A, consta uma entrevista que realizei com o autor, em 19/05/2014. A leitura da entrevista poderá ser feita para situar algumas opiniões do autor sobre a poesia, sobre o seu modo de compor, sobre o seu momento histórico e sobre o poema que analiso neste trabalho. A entrevista foi realizada oralmente e transcrita por mim.


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Desde os anos 60, conforme ressaltou Elton (1982), com os “clubes de poesia” - dos quais poderíamos incluir o “Clube do Olho” - e com a difusão das literaturas modernas no Espírito Santo, houve uma progressiva mudança de consciência e de mobilização nos movimentos literários locais. Esta “mudança de direção” desaguou na geração marginal dos 70, que urgiam por se comunicarem pelas letras, mas se deparavam com a “barreira editoral”, e tentaram criar espaços alternativos para a difusão de suas ideias (Miguel Marvilla e Oscar Gama Filho, por exemplo, publicaram, em edição marginal, o livro “De amor à política”, 1979). E, enfim, os anos 80, num contexto de publicações de autores capixabas em diversos suportes: nos jornais (que abriram espaço mais amplo desde a década anterior), nas diversas revistas de cultura e arte que surgiram uma atrás da outra (Cuca, Ímã, Letra e Sim) e na almejada publicação em formato de livro, pela “Coleção Letras Capixabas”, com mais de 40 títulos ao longo da década, da editora universitária Fundação Ceciliano Abel de Almeida (FCAA). O clima de frenesi cultural favoreceu o intercâmbio de ideias entre artistas e aspirantes a literatos, donde se realizaram as Oficinas Literárias da profª Deny Gomes, que aproximaram muitos daqueles (incluindo o próprio Marcos Tavares, em 1981) que publicaram na mesma década e nas subsequentes. Surge então o “Grupo Letra”, que publicou revista homônima durante quase toda a década (1981- 1987). Na 1ª edição, o “Manifesto do Grupo Letra” abre a revista e expõe as intenções do grupo: “Somos a favor do artista capixaba criando em sua terra natal.” (LETRA, 1981, p. 7) Há uma identidade capixaba defendida no “Manifesto” que é anunciadora da movimentação e da sistematização, nos anos 80, da literatura no Espírito Santo. Isto aconteceu concomitante a uma nova configuração da literatura nacional de adesão dos poetas marginais às editoras. Tanto no Brasil quanto no Espírito Santo, os marginais deixaram os mimeógrafos, e a difusão dos seus poemas nos bares e nas ruas, e passaram a ser publicados pelas editoras. Por ter o Estado uma histórica fragilidade no setor editorial, o surgimento da “Coleção Letras Capixabas”, conjuntamente com diversos aparatos de difusão cultural, incluindo a “Revista Letra”, constituiu uma novidade para o circuito literário local, e a consolidação da “modernidade” na literatura capixaba, ainda no dizer de Ribeiro (1993).


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Em 1980, ingressando no curso de Matemática na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e com boa parte da obra ainda não publicada, à exceção de alguns poemas que saíram em jornal nos anos 70, Marcos Tavares adentra o “Grupo Letra”, composto por José Augusto de Carvalho, Luiz Busatto, Miguel Marvilla, Oscar Gama Filho, Reinaldo Santos Neves e Renato Pacheco. Retomando a 1ª edição de “Letra”, observamos outros dados interessantes: a apresentação, por parte dos editores, de Marcos Tavares como um “talento desconhecido”, pois pouco publicara, e a seleção de vários poemas e alguns contos desse autor. E que, inclusive, a crítica literária local consagrou a leitura de seus contos, publicados sob o título de No escuro, armados (1987). Mas é pertinente lembrar que, apesar de só haver publicado livro de poesia em 2005, Marcos Tavares publicava seus contos e poemas conjuntamente nas revistas e jornais dos anos 70 e 80. Portanto, acreditamos que o dado poético, concomitante com a prosa, influenciaria na composição desta, constituindo uma chave na leitura do texto desse autor.

Apresentado o autor, sua obra e o seu contexto histórico-cultural, aprofundaremos alguns tópicos que nos permitirão circunscrever melhor a sua poética, que foi produzida principalmente nesse período de transição entre os anos 70 e 80. Antes de partirmos para a análise do poema “POLUIÇÃO”, escrito em 1979, e publicado na Revista Letra n. 1 em 1981 (ANEXO B) (ANEXO C), iremos nos atentar à teoria da “composição”, no capítulo “Escrever e Reescrever: A composição do poema e o trabalho de arte”. Nesse capítulo, buscaremos evidenciar aspectos de uma escrita consciente de si, o que vincularia a obra de Marcos Tavares a uma vertente do “trabalho” poético. Esse dado nos é importante porque aponta mais solidamente para os poemas visuais e concretos, que se inserem em projetos que destacam a atividade “intelectual” em conjunção com a “sensível” no ato de escrever. Utilizaremos como base a conferência de João Cabral de Melo Neto “Poesia e Composição – A Inspiração e o Trabalho de Arte”, contida na compilação de manifestos e conferências vanguardistas, organizada por Gilberto Mendonça Teles, Vanguarda europeia e modernismo brasileiro (2012). João Cabral foi um escritor modernista, que laborou uma poesia formal e


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autorreflexiva, e influenciou diretamente os poetas concretos do grupo Noigandres, haja vista menção a ele no “Plano-piloto para a poesia concreta”; na lista dos precursores do movimento, em que figuram Mallarmé, Appolinaire, Oswald de Andrade e também: “joão cabral de melo neto (n. 1920)

- engenheiro e a psicologia da composição mais

antiode): linguagem direta, economia e arquitetura funcional do verso” (CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, apud TELES, 2012, p. 557). No capítulo seguinte “O espaço do poema e a visualidade”, discorreremos sobre os conceitos de “poema visual” e “poema concreto”, tentando elencar suas características estéticas e seus percursos na História. Como já vimos, essas poéticas estiveram inseridas na lógica dos projetos de vanguarda, que propuseram uma discussão sobre o Modernismo e sobre a modernização da literatura no Brasil. A “visualidade” na poesia remonta a formas pré-modernas (como o poema em forma de ovo, de Símias de Rodes, autor da Grécia Clássica) e que são retomadas já na problemática moderna da reprodução técnica, com o advento da imprensa e dos meios visuais de massa, como os jornais, os quadrinhos e o cinema. Esse dado “visual” é aproveitado criticamente no campo da arte de vanguarda (Caligramas, de Appolinaire, por exemplo) e também de autores do modernismo brasileiro (desde Oswald Andrade). Nos anos 1950 e 1960, o concretismo problematizará a composição “visual” na poesia, num campo polêmico de ideias, em que grupos de vanguarda se opunham entre si e se engajavam no contexto político-cultural do país. Utilizaremos, principalmente, o livro Poesia de Vanguarda (1883) no Brasil, de Antonio Mendonça e Álvaro de Sá, para embasar a análise dessas poéticas. No capítulo “Arquitetura do espaço: análise do poema „POLUIÇÃO‟”, retomaremos o contexto de produção do poema. Já estamos nos anos 70, em que vemos o esgotamento dos discursos das vanguardas e do modernismo. Nessa época, entrou em voga a literatura marginal, que se afastou do “engajamento” e da “crítica” do modo como os concebiam os grupos vanguardistas e modernistas. Propõem os marginais um “engajamento” mais direto e descompromissado da poesia, sem as amarras de movimentos e tendências, o que desencadeava uma série de poemas “esponteneístas”


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e de “circunstância” na maioria. E mesmo quando trabalhavam com as formas do poema concreto/visual, os poetas marginais dos anos 70 não aderiram, em geral, a projetos de vanguardas. Há, de fato, uma fragmentação dos grupos em indivíduos, colocando em crise toda a lógica precedente desenvolvida pelas poéticas modernas. As novas preocupações com o “engajamento” se fazem presentes em “POLUIÇÃO”, que se insere na esfera da ecologia, em consonância com os novos discursos anticapitalistas insurgentes nos anos 70, e também da pesquisa formal proposta pelas vanguardas e os movimentos modernistas. Veremos que essa retomada visa a uma crítica ao “espontaneísmo” da poesia marginal e a uma problematização do “engajamento” literário, já fora do escopo do projeto de vanguarda. Analisaremos, portanto, os procedimentos de composição do poema dentro dessa problemática histórica dos anos 70.

Ressaltamos, ainda, que a problemática de um livro de literatura capixaba pode ser trabalhada na sala de aula, com fins pedagógicos. O artigo de Vervloet (2012) “A „Literatura do Espírito Santo nas salas de aula?” coloca essa possibilidade, inclusive fazendo uma crítica às políticas públicas para o setor cultural, e pensando no ensino como uma saída para amenizar a situação. E por que não? Já que, em termos de Brasil, historicamente temos uma defasagem no setor editorial que é indicativa da dificuldade em ter público leitor? A solução em termos educativos poderia residir na formação de leitores, na tentativa de instrumentalizar as novas gerações para que possam ler e consumir literatura. No caso de uma leitura de Marcos Tavares, com um poema que se relaciona com características da literatura brasileira e da literatura internacional, no contexto de produção capixaba, há muito que se poderia trabalhar ao ensinar os alunos a lerem. O poema visual trabalha com dados materiais da composição e do espaço, e isto poderia ser utilizado como um recurso metalinguístico para instrumentalizar uma leitura eficaz por parte dos alunos. Passemos, portanto, ao capítulo sobre a “composição”. Veremos que a discussão sobre a ética do “trabalho” de arte poderá nos possibilitar uma chave de leitura para compreender os elementos poéticos do texto de Marcos Tavares.


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2. ESCREVER E REESCREVER: A COMPOSIÇÃO DO POEMA E O TRABALHO DE ARTE Escrever um poema é um “trabalho” conscientemente pensado (e repensado) ou é fruto da “inspiração”, do instante, do momento único e irrepetível? Esta questão foi levantada por João Cabral de Melo Neto, numa conferência por ele enunciada em 1952, sob o título “Poesia e Composição - A Inspiração e o Trabalho de Arte”. Ao pesar os dois conceitos, comenta o poeta: A composição literária oscila permanente entre os dois pontos extremos a que é possível levar as ideias de inspiração e trabalho de arte. De certa maneira, cada solução que ocorre a um poeta é lograda com a preponderância de um ou outro desses elementos. Mas essencialmente essas duas maneiras de fazer não se opõem (MELO NETO apud TELES, 2012, p. 529).

E também: “[...] a preponderância de um ou de outro desses conceitos, o fato de que se aproximem ou se afastem, suas tendências a confundir-se ou a polarizar-se são determinados pelo conjunto de valores que cada época traz em seu bojo.” (MELO NETO apud TELES, 2012, p. 530) Dessa forma, podemos entender que, do ponto de vista da composição do poema, ou seja, de uma estrutura criada a partir de um modo de escrever, seja planejado ou não, consciente ou inconsciente, há duas “idéias” que traduzem a atividade criativa. Essas “ideias” não se referem à atividade em si, pois estão permeadas de concepções do indivíduo em contato com seu meio social. Há uma valoração comunitária que partilha essa experiência, por meio da linguagem, sem chegar a nos mostrar os “bastidores” dessa empreitada. Afinal: “O ato do poema é um ato íntimo, solitário, que se passa sem testemunhas” (MELO NETO apud TELES, 2012, p. 526). Toda “composição” e toda “ideia” de composição se inscrevem no domínio do projeto, pois está permeada dessa performance com e para o mundo, enquanto um processo de comunicação, intermediado pelo meio social e pela linguagem. Nenhuma expressão é puramente subjetiva. Ela é intrinsecamente partilhada e “performatizada”. É a partir do prisma da “composição”, sob a perspectiva de um discurso, inserido num meio social, que analisaremos o posicionamento do autor quando ele se refere a sua poética. No prefácio de Gemagem, Marcos Tavares relata que “[...] escrever com


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alguma pretensão literária exige reescritura num sem-número de vezes.” (TAVARES, 2005, p. 11) Definição esta que aproximaria os seus poemas à “ideia” de trabalho. Contudo, reiteramos o que salienta Melo Neto (2012), quando ele diz que os conceitos de “trabalho” e “inspiração” não são necessariamente excludentes, podendo coexistir no projeto literário de um mesmo autor. No caso de Marcos Tavares, ainda quando a “inspiração” atua sobre os seus textos, a técnica literária parece ser continuamente perseguida: “Mesmo o poema „Os sete dias‟, que acredito ter concebido em sonho, ainda assim sofrera ele algum reajuste.” (TAVARES, 2005, p. 12) Ao analisarmos a reflexão metalinguística de Melo Neto (2012), observamos que há uma ética do “trabalho” de arte - uma poesia consciente, construída e não-espontânea – e que essa ética também norteia o discurso de Marcos Tavares. Esse discurso se mostra coerente com o projeto erigido na construção de sua poética. Basta observarmos a tensão constante entre a emoção e a razão nos seus escritos, como no poema “Da isenção do instante”, em que o eu-lírico diz: Quero um poema da minha boca e que seja grito e seja cortante e não se detenha ante coisa pouca, que nada há que o prenda ou arranque. (TAVARES, 2005, p.25)

Enuncia-se o temperamento efusivo desse “poema da cor do sangue” (TAVARES, 2005, p. 25) sob a mais rigorosa construção formal (estrofes em quadra com rimas alternadas). A emoção é traduzida sob uma linguagem racional e medida. Não há nesta poética “inspiração” que domine a revisão atenta da letra pela consciência crítica.

No artigo GEMAGEM: poesia de alto quilate, Motta (2006) nos aponta uma série de estilos poéticos nos poemas de Marcos Tavares e que: “[...] revelam um poeta consciente e atento às ideologias políticas e estéticas. Daí que a maioria dos poemas é construída segundo os padrões formais da poesia concreta, do poema processo, do poema-práxis, da arte engajada, da literatura popular e erudita.” O “trabalho” exercido sobre o texto poemático se revela estilisticamente nessa poética numa opção pelo “ecletismo”.

Acreditamos que o “ecletismo” de Marcos Tavares – característica já

apontada por Ribeiro (1993, p. 236) – não dilui a unidade de sua obra. Cada elemento é posto dentro de um projeto literário que vai se fazendo na escrita, conscientemente.


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Haveria nessa poética dos variados estilos, das variadas formas, uma ética do “trabalho”, enquanto uma escolha do artista em “experimentar” sua linguagem a nível formal. Assim poderemos entender por que Marcos Tavares se define como “poemador” - e não “poeta”. Observemos o conto “Revisão”, que segundo Oscar Gama Filho, em orelha-apresentação ao livro No escuro, armados (1987), contém dados biográficos do próprio autor, narrados sob a forma ficcional: Está tudo ali: sua luta penosa com a palavra, a lapidação lenta do texto, a luta continua com o dito e com o mal dito, a revisão contínua dos originais, o acréscimo de palavras novas e de frases de efeito a trabalhos que todos já davam como prontos, a inspiração que o assalta no meio da noite com jorro de idéias que o escritor não tem tempo de registrar: „um jugo de palavras‟, ele diz. (GAMA FILHO apud TAVARES, 1987)

Há uma imagem de escritor criada ficcionalmente na figura do narrador-protagonista desse conto, imagem esta que se ancora em dados biográficos do escritor empírico. A identificação visa a uma crítica de si, procurando atingir não a essência do escritor, mas o significado do próprio fazer literário para esse escritor. A certa altura do texto, diz o narrador: “Lido com palavras como o faz o lavrador com sua lavra: em intensa lida. […] Talvez o seja, sim, um poemador; mas um igual: nem maior nem menor, mas médio, crê - de mediana estatura” (TAVARES, 1987, p. 96). Essa imagem do “poemador” integra o discurso do personagem-escritor, espelhando-se na imagem do autor empírico. É nesse sentido que concordamos com Motta (2006) ao constatar uma ponte entre arte e vida nos poemas de Gemagem. Haja vista o poema “Re / Talhos” que utiliza a mesma estratégia do conto: Ainda acabo num hospício, ou em Faculdade de Letras. [...] O pai queria-me engenheiro, depois vieram outros filhos, e fiquei sendo o mais velho. (TAVARES, 2005, p. 19).

Nessas duas estrofes, dados autobiográficos são mobilizados no discurso do eu-lírico “poemador”. Na nota “sobre o autor”, em Gemagem (2005), menciona ele ser “Membro de numerosa prole, filho primogênito” (p. 89) e poderíamos rastrear, inclusive, a origem


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da afinidade do enunciador com a área de exatas (o autor trabalhou em áreas técnicas, como a tipografia, e ingressou no curso de Matemática em 1980) ao lermos no primeiro verso que o pai o queria engenheiro. Também há a “Faculdade de Letras”, a qual ele só se graduaria em 1991 (TAVARES, 2005, p. 90), apesar de o poema ter sido escrito em 1979. A própria literatura cria a necessidade de se construir essa memória, inscrita no lirismo do poema. É a necessidade de ficcionalizar que cria o discurso literário e realiza a performance do “poemador”.

Portanto, a enunciação do personagem se insere no projeto poético e ético do “poemador”, que exerce seu “ofício” de escritor ao trabalhar com a materialidade do texto, e se desdobra numa procura do “ecletismo”, ao experimentar variados estilos formais da escrita. Não há para o “poemador” a genialidade da figura do “poeta” (no sentido que essa palavra carrega romanticamente), mas um trabalho que é objetivo, matemático e concreto. A figura do “poemador”, no conto analisado, em analogia ao “lavrador”, aproxima-se das formulações do Poema-Práxis, representado principalmente no livro Lavra-Lavra, de Mário Chamie. A figura do “lavrador” integra o poema com uma realidade dada: o trabalho na lavoura. A figura do “poemador” o faz metalinguisticamente com a realidade da escrita, encarada com um trabalho, uma práxis do escritor. As palavras se inserem numa área de significações que tem uma ponte direta com essa realidade. Tanto a “poesia concreta” quanto o “poema-práxis”, enquanto correntes opostas dentro das vanguardas dos anos 1950-1960, demonstram novamente a apropriação “eclética” de Marcos Tavares, na tentativa de unir tendências opostas, juntando forma/conteúdo. Ainda segundo Oscar Gama Filho, em orelha a No escuro, armados (1987): Ecos concretistas estão presentes na utilização de palavras-valise (palavrasportmanteau) de Joyce e de Lewis Caroll, em que duas palavras se fundem para formar uma nova, sob o domínio de apenas uma sílaba tônica, como é o caso, por exemplo, de 'chuventar' e 'prostiputa'. Ecos praxistas podem ser achados no trabalho de levantamento de palavras pertencentes à área que será abordada (GAMA FILHO apud TAVARES, 1987).

Essa preocupação com a construção da forma/conteúdo da escrita, partindo do “trabalho” com a linguagem, também foi ressaltada por Reinaldo Santos Neves na


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introdução de Daqui mesmo: 34 poetas (1995), antologia poética publicada nos anos 90 que retoma alguns escritores capixabas, dentre esses Marcos Tavares, antes de Gemagem (2005): Marcos Tavares não tem livro de poesia publicado. Como porém deixar de fora um poema antológico por excelência como „Gema Gemido‟, em que Marcos mostra todo o seu esmerado trabalho de fusão de forma e conteúdo, a par de sua quase obsessiva preocupação com a linguagem? (1995, p. 4).

O poema referido por Santos Neves (1995) nos parece, inclusive, central dentro da obra de Marcos Tavares. O título do poema “Gema Gemido”, que contém o título do livro Gemagem, em si, já nos traçaria este caminho. O primeiro verso “dia a dia, adiado o tardio parto, perto”, em que as semelhanças sonoras entre as palavras e a posição delas no espaço nos levaria a perceber esse “trabalho” de fusão entre forma/conteúdo – por exemplo: “dia”, por proximidade e por eco, afeta o significado de “adiado” (e viceversa). Há uma preocupação com uma realidade – a caça predatória, tema pertinente à ecologia – e também uma articulação dos elementos formais do texto que realçam as significações possíveis dentro dessa problemática da “arara rara” 2, quase extinta. A partir desta percepção, do “trabalho” poético, e de que há uma ênfase no uso consciente da linguagem - literatura como construção - poderemos compreender a composição racionalista (até mesmo matemática) dos poemas de Marcos Tavares. Tal característica nos aponta para os poemas “visuais” e “concretos”.

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Remetemos novamente à entrevista (APÊNDICE A) quando Marcos Tavares, falando sobre o engajamento da poesia, da poesia que se entende como ação no mundo, menciona o poema “Gema Gemido” e a preocupação da forma/conteúdo como uma síntese. A síntese é um princípio que irá nortear a composição dos escritos de Marcos Tavares e, talvez, seja a chave para ler seus textos.


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3. O ESPAÇO DO POEMA E A VISUALIDADE No capítulo anterior, relacionamos o problema da “composição” do poema com uma perspectiva do “trabalho” de arte, e que constituiria, senão um aspecto intrínseco a toda produção estética, também uma “ideia” do próprio fazer poético. A “ideia” de trabalho, do ponto de vista do autor de literatura, é adesão da sua escrita a uma ética, a qual o leitor poderia identificar nos aspectos materiais de construção do próprio poema. A partir dos procedimentos poéticos o leitor conseguiria decodificar o projeto ético de determinado autor. Esta é uma perspectiva que encara a literatura como “comunicação”. Fazer um poema seguindo predominantemente a linha da “inspiração” comunica conteúdos poéticos que a tendência do “trabalho” não comunica, e viceversa. É por essa razão, que a “composição” do poema visual poderia nos levar a deduzir uma ética do “trabalho” presente na instância enunciadora do texto. A visualidade como procedimento se insere numa produção que comunica (e reflete sobre) as condições materiais do fazer poético. A palavra é vista não apenas como palavra, mas como palavra que se materializa num determinado espaço (por exemplo, a página de um livro) e utiliza recursos desse espaço para poder comunicar o poema. Mendonça e Sá (1983) apontam que: “Desde a antiguidade, e nas mais diversas culturas, o suporte onde se realiza o poema é preocupação fundamental para os poetas” (p. 110). Suporte é um conceito que se refere a esse espaço onde o poema se materializa: a poesia oral se realiza nos sons da fala; a poesia escrita, em livros, revistas, mimeógrafos, etc. Portanto, o poema visual está associado aos meios impressos, onde se pode inscrever um código linguístico (letras, ideogramas, etc.) e/ou outros códigos não linguísticos como a pintura e o desenho. Ressalte-se, ainda no comentário de Mendonça e Sá (1983), que o problema do espaço engloba toda a produção poética, pois toda ela se materializa em determinados suportes. As diversas formas de grafia poemática, como os sonetos e as baladas, preocupam-se não somente com o ritmo, mas implicitamente com a construção do espaço no poema (organização de estrofes, versos, rimas, quiasmos, etc.). Porém, nem toda a poesia reflete sobre esse processo. Um projeto poético que adere à “ideia” de trabalho (do poema como construção material), e nessa


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mesma perspectiva, a poesia que utiliza procedimentos visuais (como, por exemplo, um poema com as palavras no formato “palavras-cruzadas”, como nos passatempos lúdicos dos carmina figurata medievais) colocam em evidência metalinguisticamente o problema da forma no poema. Veremos mais adiante que a retomada da visualidade na poesia, já dentro do contexto das vanguardas do século XX, também será aproveitada pela poesia concreta, numa procura por uma síntese entre palavra, som e imagem: verbivocovisual. É importante observarmos primeiramente os poetas simbolistas – sobretudo na França – que começaram a fazer experimentos de linguagem antes mesmo do surgimento das vanguardas,

e

que

as

influenciaram

decisivamente.

No

campo

da

forma,

experimentaram o verso livre; os poemas em prosa; e também a visualidade, com Stéphane Mallarmé, na sua obra Un Coup de Dés (Um lance de Dados). Para Mendonça e Sá (1983): “Mallarmé, ao assumir a Página como unidade poética, o faz dentro da versificação de sua época, a qual adicionou brancos que ampliavam ou diminuíam a intensidade simbolista dos versos” (p. 111). O simbolismo tomava os seus temas e técnicas dentro da tradição do verso, e Mallarmé, ao mesmo tempo em que introduzia uma poética incomum, em questões formais, ainda utilizava como base a interface música e poesia, nos moldes tradicionais, subordinando o dado visual: Por isso a visualidade existente em Un Coup de Dés é da mesma natureza daquela encontrada em uma pauta musical – um acidente probabilístico, gerado por uma notação sonora. O preto das letras, tal como nas notas, indica som e o branco silêncio; as alturas das linhas tipográficas correspondem às linhas da pauta. O ritmo visual, se há, é comandado pelo som e pelo sentido (semântico) (MENDONÇA; SÁ, 1983, p. 112).

Dentro das vanguardas europeias do início do século XX, três influenciaram mais diretamente a poesia concreta: o cubismo, o futurismo e o dadaísmo. No artigo “A visualidade na poesia: os precursores do concretismo”, Márcia Arbex (1997) faz um percurso dessas três estéticas, ressaltando como que cada uma encarava a “visualidade” e como os poetas concretos retomam o problema do visual no seu projeto. Representando o cubismo, Guillaume Apollinaire começa seus experimentos para preparar a transição da lógica “analítico-discursiva” para a “sintético-ideogrâmica”, e


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retoma a tradição dos poemas desenhados em forma de objetos (um perfil de mulher, uma fonte de água, etc.), os quais chamou de “caligramas” (neologismo entre “caligrafia” ocidental-linear e “ideograma” oriental-espacializado). Segundo Arbex (1997): “[...] o caligrama realiza a fusão da imagem e da escrita, o que não seria possível obter no caso de uma narrativa linear utilizando o alfabeto latino. Além disso, o caligrama confere à metáfora um aspecto tangível” (p. 94). O caligrama influenciará principalmente alguns poemas concretos da primeira fase, a qual os poetas Noigandres nomearam poemas fisiognômicos: ou seja, aqueles que imitam formas de objetos reais. No futurismo, o líder do movimento Filippo Marinetti instaura as bases fundamentais das vanguardas, sob o mote “abaixo o passadismo”, em que propunha deixar para trás tudo o que fosse passível de contemplação e de museu para enxergar a beleza do futuro, do veloz e da guerra. Em termos de escrita: A negação da estrutura fixa do verso clássico, da métrica e da rima obrigatórias, deveria conduzir naturalmente a uma manifestação da liberdade individual e à instauração de uma ética do progresso. A reflexão de Marinetti abria, assim, o caminho para os movimentos de vanguarda enquanto ideologia de ruptura com a tradição e, portanto, como exigência de uma constante renovação das formas (ARBEX, 1997, p. 94).

Tal abertura poética, colocada pelo futurismo, será fundamental para a pesquisa de formas que as vanguardas se imbuem, nesse espírito de combate, que almeja ao “progresso” (tecnológico, político, artístico, etc.). Tal procura pelo novo levará: A poética das “palavras em liberdade”, apresentada no Manifesto Técnico da Literatura Futurista (1912), que também inspira-se no modelo da pintura, procurava explicitar a continuidade e a simultaneidade dos processos psíquicos que acompanham a sensação perceptiva (ARBEX, 1997, p. 94).

E são os experimentos com as “palavras em liberdade” que alçam essa experimentação visual da arte futurista, em que a velocidade de leitura do texto altera a percepção dos elementos do poema no espaço. Ainda segundo Arbex (1997): “Marinetti visa a exploração dos componentes visuais do texto a nível da grafia e da tipografia, superando o modelo linear e, por conseguinte, dando uma nova concepção plástica do espaço da página” (p. 95). Tanto no futurismo quanto no cubismo, a utilização da visualidade se insere numa crítica a formas identificadas como tradicionais e


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automatizadas, referidas ao passado. A mudança de forma, com o auxílio do recurso visual, bastante presente nos tempos modernos pelas tipografias publicitárias e jornalística, ou pelas novas formas de captar imagem como a fotografia e o cinema, significa também uma opção pelo avanço e pelo progresso técnicos. Tal progresso, no entanto, tem o seu lado devastador, como podemos observar na simpatia histórica da política fascista com a arte futurista. O discurso de progresso, utilizado por forças políticas de direita e de esquerda, deixou sua marca no século XX. No dadaísmo encontramos mais similaridades, dentro de uma perspectiva mais radical de destruição proposta pelas vanguardas: “Assim como os futuristas, os dadaístas pregam a liberação das palavras das regras gramaticais e sintáticas, da pontuação. O que se privilegia é a liberdade criativa, as emoções primitivas, o acaso e a capacidade de invenção” (ARBEX, 1997, p. 96). E ainda, na sua procura pelo “aleatório”, o dadaísmo: Ao querer expandir a arte, fazendo com que suas expressões - surjam como fragmentos da vida real, o dadaísmo acolhe novos e heterogêneos, plásticos ou sonoros, perecíveis e revalorizando assim os objetos desprezados pela cultura e contemporâneas (ARBEX, 1997, p. 96).

poesia e pintura então materiais inconvenientes, pela civilização

Veremos então que, assim como nas poéticas de vanguarda antecessoras, no Brasil dos anos 50, houve projetos de radicalidade e inovação. Porém: “No uso do espaço e na conceituação do tempo, cada corrente [da poesia concreta] mostra indiretamente posições ideológicas distintas e diferenças entre elas” (MENDONÇA; SÁ, 1983, p. 113). As diversas apropriações da “visualidade” na poesia concreta mostram pontos de tensão dentro do movimento, que nos apontam para o cenário político-cultural instável dos anos 60, quando surgiram – como cisão contra o grupo paulista Noigandres – diversos movimentos de vanguarda, como o “Neoconcretismo”, de Ferreira Gullar, e o “Poema/Processo”, de Wlademir Dias Pino. Todos esses movimentos, de alguma forma preocupados com o “visual”, procuravam fundamentações próprias para a renovação estética do poema. O “neoconcretismo”, por exemplo, tentou retomar a subjetividade dentro da poética de construção, negando a geometrização e a matemática dos concretistas paulistas. O “poema/processo”, por outro lado, radicalizou os aspectos


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gráficos do texto, chegando inclusive a um poema puramente semiótico, que integra diversas linguagens, e não precisava necessariamente do código linguístico para comunicar. Focaremos, a seguir, a “visualidade” no poema concreto do grupo Noigandres, composto pelos poetas paulistas Augusto Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, pois acreditamos que o poema de Marcos Tavares, retoma a visualidade dentro de uma preocupação mais próxima com o rigor da forma e a matemática da composição3.

3.1. A visualidade no poema concreto

Para entender suas formulações e metas, é importante ressaltar o contexto de renovação da poesia, com o surgimento do concretismo, em meio ao panorama literário no Brasil dos anos 50. Teles (2012) aponta uma “vanguarda natural”, oriunda do modernismo,

e

uma

“segunda

vanguarda”,

que

se

desenvolveu

com

o

experimentalismo contemporâneo após a poesia concreta. Esse segundo momento de vanguarda, a partir da poesia concreta, retomou princípios e procedimentos radicais que podemos observar no primeiro modernismo de 22, em contraposição a certos desdobramentos tradicionais encontrados na geração modernista de 45, com o retorno das formas fixas (sonetos, quadras, etc.), sem a pesquisa, a investigação formal e a novidade estético-informacional procurada pelo primeiro modernismo. As novas vanguardas que surgiram após e contra a poesia concreta também se colocaram no princípio da radicalidade, do anticonvencionalismo, e da renovação estética. Todavia, elas não negam os procedimentos considerados tradicionais, como o verso, a rima, e diversos recursos que têm relação direta com formas populares de poesia, como o “cordel”. Dentro das vanguardas dos anos 60, temos o “poema-práxis”, de Mário Chamie, e o “Violão de rua”, de Ferreira Gullar, que propõem um engajamento com as formas e conteúdos de poesia popular, um uso consciente e crítico da rima e do verso 3

Novamente, remeto-me à entrevista (APÊNDICE A) quando Marcos Tavares comenta que entrou em contato com a poesia concreta no final dos anos 70. Segundo ele, o concretismo dos irmãos Campos e de Décio Pignatari o influenciou pela “atomização da palavra” e pela “multissignificação da palavra”. Em outros termos, extrair o máximo de significados a partir do mínimo de elementos. Nessa perspectiva, a poesia seria síntese.


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linear, aliado a conteúdos “revolucionários”. Para os concretistas Noigandres, a forma tradicional estaria atrelada a um pensamento tradicional, e nesse sentido, estariam em posições contrárias a uma poética de vanguarda. Sublinhe-se, contudo, que tudo isso começou com as tentativas de inovação do concretismo nos anos 50, quando vários desses poetas, à exceção de Mário Chamie, ainda participavam do movimento da poesia concreta, mas já apresentavam dissidências quanto ao uso da “visualidade” e ao propósito poético-ideológico do poema.

Em meados dos anos 50, a poesia concreta não havia sido consolidada, e ainda estava em fase de articulação teórico-prática. Contudo, já existia uma mobilização das artes concretas, na pintura e na música, sendo formulada a nível internacional. Em 1956, o movimento da poesia concreta realizou exposição no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, buscando difundir suas propostas nos meios artísticos. Ressalte-se que a exposição também contou com a presença das artes visuais (pintura, desenho e escultura), além da poesia. Imbuídos da experimentação de novas formas, os artistas plásticos, por exemplo, trabalhavam a noção de tempo numa arte espacial: a pintura. E na música, investiu-se numa pesquisa espacial nessa arte tipicamente temporal. A poesia concreta tomou emprestada as formulações dessas artes sobre o tempo e sobre o espaço. A exposição no MAM, apesar de ousada, e: “a despeito do alto nível informativo, não teve grande repercussão, situando-se esta dentro dos limites do segmento social artístico da capital paulista” (MENDONÇA; SÁ, 1983, p. 103).

Nisso os poetas concretos tentaram polemizar nos meios jornalísticos, principalmente os jornais impressos. E para tanto, contaram com o apoio de poetas adeptos ao concretismo que residiam no Rio de Janeiro, como Ferreira Gullar. Pois o Rio, à época, editava os jornais de maior influência: O Globo e o Jornal do Brasil. E eles conseguiram, em 1957, um ano após a exposição no MAM: colocaram seus poemas nos jornais, e polemizaram contra poetas de tendência tradicional da Geração de 45. O cenário se tornou de contenda: Poetas e literatos tomaram posição. Manuel Bandeira, então decano do Modernismo, visitou a exposição e reforçou o apoio decisivo que dera ao movimento quer na sua coluna diária de crônicas quer realizando ele mesmo


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poemas concretos. A atitude de Bandeira enfraqueceu o lado acadêmico e dos poetas do verso. Gerou novos artigos e entrevistas que abalaram profundamente o meio literário, o qual mobilizou-se para uma negação teórica da poesia concreta (p. 106).

Nesse mesmo ano de 1957, já se havia realizado (novamente) a I Exposição Nacional de Arte Concreta, agora no Rio de Janeiro, e que obteve maior projeção do que a outra. A articulação chegou aos meios estudantis, com apoio da UNE, ainda em 1957, o que: “provocou o apoio dos jornais nacionalistas (O Semanário, Para Todos, etc.) e arrancou definitivamente a poesia concreta ao compromisso de luta por uma informação autenticamente brasileira” (p. 107).

Cada vez mais, as contradições internas entre os poetas concretos foram se delineando. Como aponta Teles (2012), o manifesto mais conhecido da poesia concreta: “[...] o „Plano-piloto para poesia concreta‟, de 1958, parece não haver representado o espírito geral do grupo de poesia concreta que participou da exposição de 1957” (p. 553). Tendeu-se a associar, cada vez mais, o termo “poesia concreta” ao projeto do grupo paulista Noigandres, estética e ideologicamente diverso de outros poetas

que

participaram

do

movimento

concretista

e

que

se

associaram,

posteriormente, a outros projetos de vanguarda. Como já mencionamos anteriormente, focaremos na poesia concreta Noigandres. “O material fundamental do Grupo Noigandres é a palavra considerada em sua carga semântica, seu som e sua forma visual (gráfico-espacial): a palavra-coisa, verbivocovisual, trabalhada em estado de dicionário, livre da sintaxe e da retórica” (MENDONÇA; SÁ, 1983, p. 113). A noção de verbivocovisual, enquanto procedimento que coloca em jogo os elementos de composição do poema, será essencial para a análise que se fará adiante do poema “POLUIÇÃO”. O verbivocovisual atua por: “[...] fatores de proximidade e de semelhança (visual e sonora), tendo em vista a simultaneidade, que levam a uma organização ótico-acústica no espaço gráfico” (p. 114). Dessa forma, há um rearranjo da sintaxe que cria uma autonomia e um destaque inéditos para a palavra, que se insere numa nova cadeia significações comandada por ecos e pela proximidade/distância entre essas palavras.


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Para os poetas Noigandres, há duas fases a que se pode reduzir a poesia concreta: A primeira é “fisiognômica”, num movimento imitativo do real. A segunda é “estrutural”, seguindo preceitos matemáticos e geométricos. Ambas as fases se inserem no problema do “isomorfismo”, na tentativa de se resolver o conflito fundo-e-forma a partir de composições simétricas. “Ovo novelo”, de Augusto de Campos, por exemplo, é um poema que representa vários aspectos dessa primeira fase fisiognômica. Há uma retomada da “figuração” que vimos anteriormente nos caligramas de Apollinaire, os quais recuperam uma longa tradição na poesia: Antes de Apollinaire, os caligramas chamavam-se “vers figures” (versos figurados) e constituíam um gênero menor da expressão poética. Eles eram considerados divertimentos filológicos, extravagâncias tipográficas ou jogos pueris, indignos dos grandes autores (ARBEX, 1997, p. 94).

A figuração, enquanto técnica que explora as potencialidades do “desenho” na letra, remonta a Apollinaire, mas também a formas muito praticadas na Idade Média e na Grécia Clássica. Nessa leitura que vincula o poema de Augusto de Campos ao velho campo da figuração e também ao objeto imitado pelo poema “Ovo”, de Símias de Rodes, acusaram os poetas concretos de não estarem trazendo informação nova, como eles preconizavam. Um poema que trata do objeto “ovo”, em seu conteúdo, e o desenha, em sua forma, seria apenas mais uma reprodução. Como poderíamos constatar no referido poema, abaixo:

(CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 1975, p. 133)


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No artigo-resposta de Décio Pignatari “Ovo novo no velho”, publicado em Teoria da Poesia Concreta (1975), podemos perceber que, rebatendo essa acusação, os poetas concretos não viam a característica fisiognômica de seus poemas, como “figuração”, no sentido clássico de desenho do objeto poemático, mas que os experimentos a que submetiam

essa

palavra-objeto

(ovo)

criavam

uma

dimensão

isomórfica

e

verbivocovisual em que todos os níveis materiais do poema se interpenetravam. Sendo então o recurso “visual” não mais meramente “figurativo”, mas exercendo uma função na estrutura do poema. Podemos verificar que os recursos paronomásticos nas três primeiras linhas dispõem as palavras, que se aproximam e se afastam espacialmente e sonoramente, e criam um campo sintático-semântico que joga inclusive com essa possibilidade de se descobrir o novo no velho ovo (a palavra “ovo” está contida na palavra “novo”). Dessa forma, “ovo novelo”, apesar de ainda próximo ao caligrama ou às formas de figuração tradicional do poema, procura direcionar o dado visual para uma reprodução do objeto que não seja uma mistura da pintura com a palavra, mas que seja gerada pela palavra nas suas múltiplas significações. Já na sua segunda fase, o concretismo ensaia uma “matemática da composição”, em que a procura do isomorfismo fundo-e-forma se encontra num trabalho com a estrutura lingüística, sem se preocupar tanto com a abordagem do objeto que observamos na fase fisiognômica. Vejamos o poema “Coca-cola”, de Décio Pignatari:

(CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI, 1975, p. 85)


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Mais uma vez a paronomásia se mostra fator fundamental na construção do jogo verbivocovisual. A similaridade sonora entre as palavras, a utilização do mínimo de termos, buscando o máximo de efeitos, e também o uso do espaço como elemento significativo do poema contribuem para que “coca-cola” consiga sintetizar sua crítica ao produto e à propaganda que ela considera vendedora de um produto-cloaca (ruim, péssimo). O arranjo gráfico-sonoro aqui não se insere mais numa preocupação com um objeto, mas com um discurso que considera enganador (a função da propaganda da coca-cola seria nos vender “cloaca” e pensarmos que estamos comprando algo bom). A crítica social aqui atinge o próprio sistema econômico capitalista em que vivemos. Um dos maiores símbolos do mercado (e da propaganda que o sustenta) é a coca-cola. Neste ponto, chegamos a uma conclusão interessante para a análise de “POLUIÇÃO”, que se aproximaria mais a esta segunda fase matemática do poema concreto. Desvinculado a formas de “figuração” do objeto, o poema concreto problematizaria visualmente uma área da linguagem que visaria a uma participação social do poema. Um engajamento na linguagem. No caso de “POLUIÇÃO”, o discurso ecológico em meio às angústias do final dos anos 70.


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4. ARQUITETURA DO ESPAÇO: ANÁLISE DO POEMA “POLUIÇÃO”

(TAVARES, 2005, p. 75)


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Vimos até agora um pouco sobre a biografia do autor Marcos Tavares; sobre a história da literatura brasileira no século XX, especificamente em termos de vanguarda e de modernismo; observamos o contexto “menor” da literatura no Espírito Santo, que constitui uma realidade dentro do sistema cultural brasileiro; e também comentamos os anos 70 e 80, época de contestação dos valores, por meio da literatura marginal. Passamos, em seguida, a analisar a ética e a poética de Marcos Tavares. A composição do poema, como trabalho material, consciente da forma e do conteúdo, o que nos levaria a uma escrita das múltiplas formas (experimentação) e de uma autorreferencialidade (pensar a literatura no próprio ato de fazer literatura). Retomamos o problema da visualidade na poesia, mais especificamente no concretismo, que direciona o debate estético para a arte de vanguarda, para uma ética do trabalho poemático (preocupação em planejar a forma do poema) e para uma solução do conflito forma e conteúdo pela utilização racional e geométrica dos elementos do texto (isomorfismo).

Neste capítulo, daremos prosseguimento à análise a partir da leitura do poema “POLUIÇÃO” (Ilustração acima). Primeiramente, é importante apreender aquilo que estaria “em torno” da composição. Ou seja, situar temporalmente o poema. Pensemos um pouco no que acontecia em termos históricos na década de 70. Como podemos observar na ilustração acima, “POLUIÇÃO” nos remete ao ano de 1979. O Brasil passava por um longo período de Ditadura Militar, desde 1964, na qual a centralização política regulava tanto a cultura quanto a economia nacional. Pouco antes dessa data: “[...] entre 1968 e 1974, período que ficou conhecido como os anos do „milagre brasileiro‟” (BITTENCOURT, 2006, p. 390), houve grande crescimento no setor industrial, o que provocou transformações na economia: “Entretanto, simultaneamente a ela [a economia brasileira], cresceu também a nossa dependência internacional, sobretudo em capital e tecnologia. Cresceram, igualmente, a dívida externa e a desigualdade social interna” (BITTENCOURT, 2006, p. 391) Em outros termos, o “progresso” tecnológico e industrial acelerou as contradições sociais e pôs em xeque valores opressivos perpetuados pela administração política de


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orientação militar. No final da década de 70, a poesia marginal já sendo veiculada nacionalmente e também no Espírito Santo, se via num compromisso de crítica a essa situação. A censura a grupos opositores ao sistema, por parte da Ditadura, e a situação historicamente restrita do meio editorial, contribuiu para a busca de meios alternativos de divulgação, daí o mimeógrafo ou mesmo uma associação independente de escritores como aconteceu no ES. À industrialização seguiu-se a urbanização, houve grande fluxo de migração de pessoas de Estados vizinhos e do interior do ES para a Região Metropolitana: “[...] o „inchaço demográfico‟ da Grande Vitória, sem infraestrutura urbana adequada, resultou na intensificação de favelas e inúmeros outros problemas sociais, oriundos da baixa renda do pessoal subempregado e desqualificado [...]” (BITTENCOURT, 2006, p. 399). Nesse sentido, o poema “Liga”, de Marcos Tavares, escrito em 1978, reflete sobre essa situação, de um ponto de vista que tenta retomar o potencial humanizador da arte (representado no texto pela referência ao poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade), em oposição à exploração do trabalho, predominantemente técnico e fabril, que vinha acontecendo nas “usinas de pelotização” de minério: o que me liga a ti não é o parafuso para o uso da usina de pelotização [...] mas as cordas do som, duro, itabirano, do canto de ferro do homem Drummond. (TAVARES, 2005, p. 56)

Observamos nesse poema, uma consciência da forma, que associa o título (“Liga”) à disposição dos versos no espaço da página, no qual se pode ver a linha da “liga de aço” desenhada no papel (semelhante aos poemas de “figuração” que mencionamos


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anteriormente); e também uma consciência do conteúdo, como podemos observar nos versos “Minério mineiro/ que de trem/ vem/ de Minas/ para Tubarão”, em que se buscarmos dados históricos, faz referencia a um acontecimento de industrialização recente em solo capixaba: “O Porto de Tubarão inicia suas operações em 1966. Duplica-se a Estrada de Ferro Vitória – Minas [...]” (BITTENCOURT, 2006, p. 401). O Porto de Tubarão, localizado em Vitória, recebe esse minério que vem de Minas Gerais e o utiliza para trabalho industrial, fazendo uso da mão-de-obra local. O eu-lírico do poema tenta estabelecer outra “liga”, não apenas do “ferro” enquanto material que vem de Minas, para exploração do capital sobre o trabalho do homem, mas também o “canto de ferro”, do poeta mineiro - a arte e a poesia como “liga” entre os homens. O poema opera uma síntese da forma e do conteúdo, utilizando recursos da linguagem para fazer uma crítica ao progresso econômico-tecnológico que atinge diretamente os seres humanos e suas relações. Dentre as críticas ao “progresso industrial”, surgiram vozes que defendiam a causa “ecológica”4, na qual podemos enquadrar o poema “POLUIÇÃO”. Na união entre forma e conteúdo, Marcos Tavares opera uma síntese visual, alicerçada numa composição que subordina seus elementos poéticos a uma ética do trabalho, e que estaria em oposição ao poema de composição “circunstancial” e “espontânea”, como queriam outros poetas da geração marginal, os quais almejavam liberdade e criavam uma poesia liberta da forma. Dentro dessa problemática, havia duas maneiras de se conceber o “engajamento” nos anos 70: um que estava alinhado a uma poética “antiformalista”, que imbuía sua crítica à opressão ao escrever um poema que estivesse 4

O autor menciona na entrevista (APÊNDICE A) que, no final dos anos 70, os “gritos contra o capitalismo” se faziam ouvir sob as mais diversas causas, dentre as quais, a bandeira da “ecologia” começava a ter adeptos, devido aos efeitos que a industrialização e a urbanização massiva vinham trazendo ao país. Também é interessante ressaltar que a reflexão sobre poesia e natureza vem sendo colocada na poesia visual desde o já citado “Ovo”, de Símias de Rodes. O pássaro que aparece no poema de Símias é símbolo tanto da poesia quanto da capacidade da natureza de gerar vida (colocando o ovo). Se observamos alguns aspectos de Gemagem (2005), encontraremos algumas pistas que parecem levar a uma reflexão que unem poesia e natureza. O poema "Gema Gemido", por exemplo, em seu tema, preocupa-se com a “caça predatória” dos animais. Seria o homem exterminando a natureza; ou mesmo a poesia, com o seu aspecto humanizar, como já observamos no poema “Liga”. A capa de Gemagem (2005) (ANEXO A) também apresenta a figura do “ovo” e alusão à “gema” do mesmo no título.


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liberto da forma. E outro que encarava o “engajamento” pelo trabalho com a linguagem, buscando conciliar a crítica social com o planejamento do poema segundo suas condições materiais. A opção de Marcos Tavares, como poemador, estava nessa última, mas isso não tornava sua poesia alienada, ou menos “engajada”, dos temas pertinentes aos anos 70. A preocupação de Marcos Tavares era de que não se poderia fazer poesia sem forma. Portanto, retomamos Mendonça e Sá (1983), que diz quanto ao uso consciente ou não-consciente do espaço: “De certa maneira, o uso do espaço base subordina-se ao repertório do poeta e à posição que o mesmo tem em relação à poesia, ao uso da linguagem, à ideologia e à própria vida” (p. 111). É nesse sentido que um poema visual para falar de um conteúdo que é político, econômico e social revela uma escolha significativa desse poeta na prática poética dos anos 70. Mas não há uma adesão a um projeto de poesia concreta, pois o poemador opta pelo “ecletismo” de estilos em sua escrita. A questão não é mais a das vanguardas, com seus “ismos”, pois nos anos 70, os poetas marginais não estão “engajados” na lógica de grupos de vanguarda. Podemos dizer que o dado visual e concreto são aproveitados dentro de uma ética própria ao poemador, no plano do trabalho de arte, que também se aproveita de outras tendências modernas e tradicionais da poesia para compor sua síntese pessoal no contexto de produção de literatura no Espírito Santo. Façamos agora uma leitura dos elementos textuais do poema “POLUIÇÃO” para que possamos extrair os significados que estejam sintetizados em sua composição. Faremos essa leitura com base na visualidade proposta pela poesia concreta Noigandres. Retomando os procedimentos que nos chamaram a atenção inicialmente (tipografia e utilização do espaço), tentaremos encontrar sua significação neste poema. Quanto à tipografia remeteremos ao poema “POLUIÇÃO” como foi publicado em Gemagem (2005), conferir ilustração acima, e como foi publicado pela primeira vez na Revista Letra (ANEXOS B e C). Comparando as duas versões, observamos que na Revista Letra, ainda em 1981, não se aplicaram recursos gráficos aos textos nela publicados, sendo que a preocupação gráfica estava mais voltada ao acabamento do volume, em si, como podemos observar na disposição das informações na capa. Isto se


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deve às dificuldades de editoração gráfica à época. Dificuldades essas que, em tempos mais recentes, pelo avanço tecnológico promovido pelo computador, mais acessível, tornou-se menos recorrente. Já em Gemagem (2005), o poema ganha uma tipografia diferenciada dos poemas escritos em verso. E essa tipografia, ainda, é semelhante a outros poemas nesse livro que trabalham com o dado visual, essencial na geração de sentidos, como no caso de “Cascos” (que espalha as letras na página, como se fossem cacos). Destarte, o comentário de Mendonça e Sá sobre a tipografia no poema concreto se mostra esclarecedor: “Uma vez que a estrutura gráfico-fonética gera o ritmo do poema, é desnecessária uma variação na forma e no tamanho das letras: de fato, a poesia noigandres utiliza o tipo futura regularmente e com espacejamento fixo na formação das palavras [...] (1983, p. 114-115). Portanto: “Tornam-se obsoletos, a partir daí, os recursos tipográficos como os de Mallarmé, os dos futuristas e outros, para obtenção de ritmo” (MENDONÇA; SÁ, 1983, p. 115). E observamos isso nos poemas de Marcos Tavares também. A tipografia diferenciada adquire um rigor simétrico que dispõe os elementos do poema de maneira ordenada na página. Não há o “caos” gráfico dos futuristas e dadaístas, que utilizam letras de tamanhos diferentes e tipos diversos, com vistas a um efeito de choque. Portanto, a tipografia rigorosa é um ponto que aproxima “POLUIÇÃO” de um poema concreto, e atualiza o dado visual como componente integrante da significação do poema. Assim seguiremos para a leitura de seus procedimentos visuais.

Quanto à utilização do espaço, seguiremos a disposição visual dos seus elementos. Podemos dividir o poema “POLUIÇÃO” em três partes: 1. O retângulo onde se alternam as palavras “tosse” e “CO” 2. A linha vertical em que “tosse” e “CO” ainda se alternam três vezes, dando espaço a “tóxico”, “monóxido” e “carbônico”. 3. A palavra “óbito” espacializada em quatro letras (ó, bi, t, o)


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As combinações das palavras e das letras, que materialmente se espalham e se contraem, levam o leitor a entrar no jogo matemático construído no poema. Através da forma (os aspectos sonoros e visuais do poema) inferem-se os sentidos. Em 1. as palavras “tosse” e “CO” se intercalam, deixando espaços em branco entre elas, formando um diagrama retangular em que “CO” parece enquadrar “tosse”. As combinações dentro desse diagrama sugerem leituras a partir do som, recombinando os sentidos na palavra. Em 2. “tosse” e “CO” se alternam mais três vezes, verticalmente. Depois, há três palavras-chave: “tóxico” (a partir do som aglutinado de “tosse” e “CO”); “monóxido” e “carbônico” (remetendo a “monóxido de Carbono”, composto químico representado pelas letras “CO”). A proximidade, no espaço e no som, entre essas palavras sugere alguma relação entre elas: CO é tóxico. Além disso, a este ponto, podemos estabelecer uma relação entre “tosse” e “CO”, em que a tosse é causada por esse composto químico, “tóxico”, que polui o ar das cidades. A lógica é de síntese: “tosse” e “CO” remetem a um elemento comum “tóxico”. Igualmente podemos aproximar “tosse” e “CO”, lendo o último como onomatopeia de tosse. Podemos imaginar uma pessoa tossindo e fazendo esse som repetidas vezes. Quanto a 3. a espacialização da palavra “óbito” leva a efeitos interessantes sobre o texto: O t em formato de cruz retoma visualmente o significado da palavra “óbito. O composto “bi” remete aos elementos binários5 utilizados ao longo do poema. A combinação “bi” e “o”, forma “bio”, prefixo que significa “vida” (em oposição à morte). A oposição entre “ó” e “o” (visualmente nas extremidades da palavra) pode remeter mais uma vez à morte, sendo o som aberto significando a vida e o som fechado, a morte. A

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Numa leitura da capa do livro (ANEXO A) poderíamos relacionar o aspecto binário como constituinte da própria construção do texto de Marcos Tavares. Um ovo e seu reflexo. A forma e o conteúdo. Homem e Natureza (no caso do poema ecológico). Etc. Ressalte-se que a leitura da capa como possível portadora de significação que complementa o texto poético se deve a própria leitura da “visualidade” (o espaço gráfico do livro material) como elemento importante para o projeto poético desse autor.


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letra “ó”, numa leitura que a signifique algo como um grito ou uma exclamação, também parece remeter a uma pessoa passando mal pelos efeitos da poluição. Os elementos de linguagem em “POLUIÇÃO”, no contexto de um poema concreto, que reproduz novas formas de comunicação poética numa sociedade industrial, criam um jogo “verbivocovisual” em que a forma remete a uma sociedade modernizada e urbana, ao mesmo tempo em que esse “progresso” tecnológico acarreta na poluição do espaço (tanto do urbano, quanto o do poema) e na morte dos seres que o habitam (sejam humanos ou não). Observamos que esse poema opera uma síntese dos elementos formais, visualidade e concretismo, e do conteúdo, industrialização e efeitos negativos na vida do planeta (discurso ecológico). E nessa síntese o poema encerra em si suas possíveis significações e, na área de linguagem que recorta, uma relação direta com o mundo.


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5. CONCLUSÕES Discutimos, ao longo deste estudo, alguns pontos-chave para compreender o poema "POLUIÇÃO", de Marcos Tavares, dentro do contexto de sua obra e de sua época. Atentamos nossa crítica para uma análise do texto, relacionando-o com os tópicos literários da composição, da consciência da escrita e do trabalho sobre a forma e o conteúdo. A figura do "poemador", que ficcionalmente introduz um duplo do autor na sua obra, ajudou-nos a apreender metalinguisticamente sua preocupação ética com o trabalho de arte. Seu discurso sustenta uma imagem do "poeta que trabalha" e projeta essa imagem em sua poética, a qual encerra formas matematicamente estruturadas e conteúdos que são desenvolvidos dentro da área de linguagem a que pertencem, como no engajamento ecológico de "POLUIÇÃO". A consciência da forma e do conteúdo, por parte desse "poemador", parece ter como projeto a síntese de ambos. E é nesse sentido que o engajamento passa não só pelo conteúdo abordado, mas pela forma como ele é trabalhado dentro do poema. Outra consideração sobre o sujeito "poemador" é que, apesar de ser uma instância enunciadora inerente à obra de Marcos Tavares, uma lógica interna a ela, ele nem sempre aparece representado por meio de uma voz lírica. O próprio poema "POLUIÇÃO", com a presença da linguagem trabalhada concretamente (a palavra em si e suas relações concretas com o campo verbivocovisual no espaço gráfico da página), sem um sujeito que a enuncie ou se expresse liricamente no texto, opera essa síntese de linguagem proposta pelo "poemador", paradoxalmente na sua ausência. É por isso que concluímos que a visualidade e o labor concretista da escrita de Marcos Tavares, também encontrados em outros poemas do livro (como os citados "Liga" e "Cascos"), representam um dado específico dentro de uma lírica e de uma ética mais ampla do "poemador" em sua obra. "Poemador" que ora se mostra, ora se esconde.

A leitura do poema "POLUIÇÃO", de Marcos Tavares, trazendo características da visualidade e do concretismo, que se relacionam com literaturas de diversas origens geográficas e históricas, aponta-nos para uma problematização de um termo já consagrado na crítica local: a literatura capixaba. O problema de se regionalizar um


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determinado tipo de literatura está em justamente podar suas potencialidades de recepção e de leitura em múltiplos contextos, além de restringir o conteúdo da obra a um certo "ambientalismo" que trabalha com um repertório fechado de significados dentro dessa região. No entanto, pensamos a literatura capixaba, a partir da constatação de Ribeiro (1993), em A Modernidade das Letras Capixabas: “Se aposto na modernidade das letras capixabas, ela provavelmente, estará além das fronteiras regionais” (p. 12). Parece-nos ser necessário discutir a literatura capixaba não pelo seu valor em si, mas pela condição de existência dos textos que concretamente circulam nesse meio. Trata-se de conhecer uma realidade problemática, com seus limites e potencialidades. Pensar num livro que circula no Espírito Santo como Gemagem (2005) é pensar nas condições materiais de sua produção, de sua recepção e também de seu valor cultural e histórico. Não devemos entender o termo como um aspecto diferenciador do que se escreve aqui em termos de valores. O valor literário passa necessariamente por um trabalho que é pertinente ao ato de fazer literatura, independentemente de sua vinculação geográfica. A literatura capixaba não é unidade, nem ideal, nem projeto, mas uma condição espaçotemporal que faz parte da história de vários livros – diferentes entre si – que aqui são publicados. É nesse potencial da literatura, fundamentalmente humano, que pensamos residir a importância do fenômeno da literatura capixaba, enquanto realidade histórica-cultural, e também do poema de Marcos Tavares, enquanto atualização concreta desse potencial humanizador.


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6. REFERÊNCIAS ARBEX, Márcia. A visualidade na poesia: os precursores do concretismo. Revista de Letras, Fortaleza, v. 19, n. 1/2, jan./dez. 1997. Disponível em <http://www.revistadeletras.ufc.br/rl19Art14.pdf> Acesso em: 08 Jul 2014. AZEVEDO FILHO, Deneval Siqueira de. A Literatura Brasileira Contemporânea do Espírito Santo num espaço intervalar da História Literária. REEL - Revista Eletrônica de Estudos Literários. Vitória, a. 4, n. 4, 2008. Disponível em: <http://www.periodicos.ufes.br/reel/article/view/3504/2772> Acesso em: 22 Mai 2014. BITTENCOURT, Gabriel Augusto de Mello. História geral e econômica do Espírito Santo: Do engenho colonial ao complexo fabril-portuário. Multiplicidade. Vitoria, 2006. BUSATTO, Luiz. O modernismo Antropofágico no Espírito Santo. SPDC/Ufes. Vitória, 1992. CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; PIGNATARI, Décio. Teoria da Poesia Concreta: textos críticos e manifestos 1950-1960. Livraria Duas Cidades. São Paulo, 1975. ELTON, Elmo. Poetas do Espírito Santo. FCAA/PMV. Vitória, 1982. GAMA FILHO, Oscar. Razão do Brasil: em uma sociopsicanálise da literatura capixaba. José Olympio Editora/Fundação Ceciliano Abel de Almeida. Rio de Janeiro/Vitória, 1991. MENDONÇA, Antônio Sérgio; SÁ, Alvaro de. Poesia de Vanguarda no Brasil. Edições Antares. Rio de Janeiro, 1983. MOTTA, Waldo. Gemagem: poesia de alto quilate. A Gazeta. Vitória, 04 Ago. 2006. REVISTA Letra. Vitória. Ano I. 1981. RIBEIRO, Francisco Aurélio. A modernidade das letras capixabas. Ufes. Vitória, 1993. SANTOS NEVES, Reinaldo (org.). Daqui mesmo: 34 poetas. A Gazeta/Ufes/CVRD. Vitória, 1995. TAVARES, Marcos. Gemagem. Flor&Cultura. Vitória, 2005. TAVARES, Marcos. No escuro, armados. Anima/FCAA. Rio de Janeiro/Vitória, 1987. TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e Modernismo Brasileiro: apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas. José Olympio Editores. Rio de Janeiro, 2012.


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VERVLOET, Sarah. A “Literatura” do Espírito Santo nas salas de aula? Revista Facevv, n. 9. Jul/Dez 2012. Disponível em: <http://www.facevv.edu.br/Revista/09/Artigo7.pdf> Acesso em: 08 Jul 14.


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ANEXO A - CAPA DO LIVRO GEMAGEM


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ANEXO B - CAPA DA REVISTA LETRA


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ANEXO C - POEMA “POLUIÇÃO” NA REVISTA LETRA


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APÊNDICE A - ENTREVISTA COM MARCOS TAVARES André: O arranjo gráfico-visual me parece que está imbricado em vários poemas de Gemagem e você até menciona no prefácio do livro que trabalhou como “encadernador” e “aprendiz de tipógrafo” antes de ser funcionário público. Na sua opinião, há alguma relação entre poesia e trabalho? Como você pensa a composição do poema? MT: No meu caso, em lidando com a palavra, acho que a minha passagem enquanto aprendiz de tipografia me foi muito proveitosa, porque eu via a palavra em formato metálico, transformando-se em letra. Ela no estado de tipografia transformando-se em letra no papel impresso. Então essa era uma vantagem. Muitas vezes, eu fiz composições tipográficas e eu enxergava nelas um verdadeiro poema visual, ainda sem conhecer o concretismo, isso eu tinha 11-12 anos de idade. Eu era aprendiz de tipografia e de encadernação na Escola Técnica Federal, em Jucutuquara. Agora no caso do poema “POLUIÇÃO”, você pergunta se haveria trabalho. Eu acho que poesia, arte, toda arte deve ter o trabalho: o artesanato, a elucubração, a pesquisa, a procura incessante da forma e esse poema a que você se refere, “POLUIÇÃO”, é um desses. Eu tentei obter uma síntese a partir de uma estrutura que passei a nutrir um grande interesse, que parece [ser] a estrutura de tudo o que está no nosso mundo – no planeta Terra, sobretudo. Ou seja, a cadeia carbônica. Então o formato dele lembra uma estrutura de [cadeia] carbônica.

André: Eu li o livro No escuro, armados, seu livro de contos, e na orelha Oscar Gama Filho faz um apanhado de várias características da sua escrita e menciona que ele encontrou aproximações [de sua escrita] com a poesia concreta e com o poema-práxis. Você considera que essas vertentes te influenciaram? Em que medida?

MT: Sim. Eu tomei contato com o concretismo e o poema-práxis em fins da década de 70 na leitura de revistas literárias, muitas delas, sobretudo a Revista Escrita, da qual eu cheguei a ser correspondente no Espírito Santo. Quanto ao concretismo dos irmãos


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Campos e Décio Pignatari, sobretudo esses, acho que herdei sim aquele gosto pela multissignificação da palavra, atomização da palavra, buscar o máximo de efeitos num determinado termo. Quanto a Práxis, a proposta do Mario Chamie, no manifesto-práxis dele, o principal era o levantamento do campo semântico, do campo de significações, palavras da mesma área semântica, e assim eu tentei proceder. Acho que seria uma linha para escrever, porque, no caso do conto, entre colocar esta palavra ou aquela, optar por aquela palavra que tenha afinidade, como eu disse, semântica, da mesma área de significações. Então isso me facilitou até a optar entra a utilização de uma e não de outra palavra, que seria, uma que fosse estranha, ou alienígena.

André: Tanto o concretismo quanto práxis se inserem num debate sobre as vanguardas no Brasil dos anos 50 e 60. E com relação às vanguardas o que você acha das poéticas de vanguarda? Qual o seu posicionamento em relação a elas? MT: Quando eu comecei a minha fase literária mais madura, em fins da década de 70, quando eu inicialmente publiquei no suplemento literário Tribuna Jovem, já estava ficando démodé o concretismo e o poema-práxis, porque fazia-se voz mais gritante, mais presente, as manifestações contra a Ditadura, a poesia engajada, a chamada poesia marginal estava predominando. Então tudo que viesse e cheirasse a formalismo concretista ou, ainda, academicismo – Mário Chamie por ser universitário –, como levantamentos, estudos, pesquisas formais, isso era antipático aos olhos daqueles, na maioria jovens, que queriam poesia “vencendo canhões”. Eles queriam um poema livre, um poema como preconizou o Ferreira Gullar no seu Poema sujo: “um poema sem amarras”, que desse expressão a esse combate contra um status quo opressivo. Então, eu acho até que a minha atitude foi até revolucionária porque resgatei características concretistas e praxistas nos meus textos. Eu estava indo contra a corrente dominante no meio universitário, na Ufes, na qual ingressei em 1980. Então, eu estava nadando contra a maré. Então, a verdade é que eu recebi um pouco de repressão por parte daqueles literatos, daqueles aspirantes a literatos. Eu não era visto com muita simpatia. Era sempre visto como um formalista, um acadêmico demais, alguém que estava


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devendo uma manifestação engajada, quando eu acho, com os olhos de hoje, que eu não destoei não, tenho poemas que tem até essa vertente engajada; por exemplo, “Miliciana”, nessa linha contestatória.

André: A quarta pergunta, ela vai um pouco nessa temática que você foi elaborando, no final, do engajamento. Então, vamos aproveitar e continuar essa questão. Nos seus poemas, eu noto uma recorrência com relação a temas do “meio ambiente”: Há o poema “POLUIÇÃO”, que é o que eu estou pesquisando agora, “Ecológica”, de 1992, o “Gema Gemido”, que parece ser um poema até central dentro do livro. Poesia e ecologia, elas se combinam de que forma? E, aproveitando o termo, há um engajamento no poema “POLUIÇÃO”?

MT: Sim. Acho que só há [engajamento]. Porque, no final da década de 70, com os gritos contra o capitalismo massacrante, extirpador da natureza, depredador, a ação predatória do capitalismo inconsequente, cresceu o grupo que abraçou a ecologia, como causa, como bandeira. E, essa expressão, teria que vir de alguma forma, e muitos poetas, muitos se fizeram poetas justamente para gritar, para extravasar esse grito contido, e necessário no momento, então eu acho que, de certa forma, eu também dei o meu grito, embora um grito formal, eu também estava consoante com a época, com as angústias do homem dessa época. A depredação do meio ambiente, como eu disse, a preocupação, com a conservação do planeta, a defesa dos animais, havia uma matança indiscriminada de certas espécies, algumas já em extinção, então, por exemplo, retomei nesse poema “Gema Gemido” a temática da arara, a arara em extinção, a “arara rara”, fazendo o uso, não só, do palíndromo, a arara, como também das aliterações, todos aqueles recursos que me eram disponíveis através do concretismo e também através do poema, chamado poema-práxis, o trabalho com a semântica, palavras dentro da mesma área de significação. Então, eu acho que, esse sim, é um poema que se aproveita do que havia de mais moderno em termos de linguagem e também de preocupação social, a meu ver, por isso que eu o fiz, o casamento perfeito entre forma e conteúdo.


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André: Para finalizar, conte-nos um pouco mais sobre o poema “POLUIÇÃO”. Como você o vê em relação ao resto do livro Gemagem? MT: Pudesse eu só escrever com poema-síntese, conforme esse, “POLUIÇÃO”. Porque falo isso? Porque, na minha visão de poemador, encerra o conteúdo e a forma. O conteúdo, conforme eu já disse, era algo angustiante para a sociedade, caso da poluição que nos afeta tanto, poluição ambiental, e no caso poluição por monóxido de carbono, o gás mais letal para os humanos, para a vida em geral. E também com a forma, a forma sintética que lembra uma cadeia carbônica, em consonância com os estudos químicos, as pesquisas mais recentes sobre agressão ao meio ambiente. E esse poema revela também um outro traço, o de que é indissociável a relação entre arte e ciência, então aí estão reunidos biologia, pela palavra óbito (morte da vida, óbito da vida), está presente, e também a conformação gráfica dele lembrando uma cadeia carbônica, [indiscernível] fortemente unidos, e o conteúdo, a expressão de uma época.


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