Na Zona 7... a Zona Velha

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HISTÓRIA

Na Zona 7... a Texto e fotos AIRTON DONIZETE

P

ernas e braços do raquítico recém-nascido estavam queimados de pontas de cigarro. A mãe não podia ficar com ele. Na Zona Velha, mulher que tivesse filho tinha de doá-lo aos três meses de vida. “Desfazia-se da criança como se desfaz de um cachorrinho”, diz Guiomar. Uma vizinha dela o adotou. Guiomar, que havia dado à luz o primeiro filho, amamentou-o por alguns meses. Sob o cuidado da mãe adotiva, o menino sobreviveu, cresceu, estudou e hoje é um profissional de sucesso em Maringá.

Por muitos anos, as casas de madeiras que abrigavam as prostitutas de Maringá funcionaram nas ruas e em partes das avenidas Guaíra e Paraná, na área central da cidade

A Zona Velha por muitos anos se localizou no Jardim Ipiranga, na Zona 7, que engloba parte das avenidas Paraná e Guaíra. As casinhas de madeiras enfileiradas se assemelhavam acaixotes de abelhas. O assoalho sustentava-se em pilares de concreto. Pão e doce Guiomar Batista, 67, viu a vida se desenvolver no bairro. Divorciada, dois filhos e duas netas, ela nasceu em Aquidaban, distrito de Marialva, e se mudou para a Zona 7 em 1953. “A gente era criança e ia lá comprar pão e doce”, diz. “Entre os bares das mulheres tinham os que funcionavam como comércio”. Por volta das 16 horas, o local começava a se transformar. As mulheres se produziam e ficavam sentadas na frente dos bares. Das 18 horas em diante, o som aumentava. “A gente até tinha se acostumado com a cantoria e o barulho dos pistões”, lembra-se, acrescentando que as mulheres da Zona Velha eram educadas e conviviam em harmonia com os moradores. Ela diz que naquele tempo a linha férrea, que está rebaixada, seguia paralela à Avenida Guaíra. Por causa do intenso movimento nas casas das mulheres, havia constantes acidentes no local. “Um dia o trem atropelou um homem, e eu vi o coração dele separado do corpo, ainda batendo”, narra. “Aquilo até hoje não saiu da minha cabeça”.

Avenida Guaíra outrora movimentada pela Zona Velha de Maringá


a Zona Velha Uma mulher adotou o frágil menino, que nascera na Zona Velha. A amiga lhe deu de mamar por alguns meses. Sob o cuidado da mãe adotiva, ele sobreviveu, cresceu, estudou e hoje é um profissional de sucesso em Maringá.


HISTÓRIA

Guiomar diz que as mulheres da Zona Velha conviviam harmonicamente com os moradores

Uma das últimas casas de madeira da Avenida Guaíra, na Zona 7

Fim Segundo Guiomar, a Zona Velha acabou na primeira gestão do prefeito João Paulino Vieira Filho (1961/1964). As mulheres se transferiram para a Vila Marumby. Duas ruas sem saídas cortam a Quintino Bocaiúva: Travessas Olívia Lina e Laélia. A reportagem não conseguiu informações sobre os nomes, mas há quem diga que elas moravam ali e teriam sido homenageadas por autoridades políticas da época. Na esquina das ruas Quintino Bocaiúva e Benjamim Constant há um terreno cercado. Ali, havia as últimas casas da Zona Velha. O aposentado Turíbio Francisco Carvalho, 88, que mora há mais de 30 anos no local, diz que lá vivia uma senhora idosa remanescente da antiga zona. “Ela ficou doente e morreu aí sozinha”, afirma. “Pra ajudar, cheguei a doar um fogãozinho a ela”. O desempregado Paulo Marcos de Barros, 58, que mora na Zona 7 há mais de 50 anos, conta que a Zona Velha se espalhava pelo local. No terreno onde hoje está o prédio do Corpo de Bombeiros havia várias casas. Um pouco acima funcionava a Delegacia de Polícia. “Eu era moleque, mas ia lá sondar as mulheres pelo buraco da fechadura”, recorda-se. Figurões O militar EdgarSchamber, 65, lembra que figurões de Maringá e região frequentavam a Zona Velha. “Eu era menino, mas via chegar aqui carros de políticos, empresários, médicos, advogados”, afirma. O imobiliarista João Alves Siqueira, 77, diz que na época de solteiro frequentava a Zona Velha. Ele lembra que na rua Quintino Bocaiúva havia um grande buraco formado pela erosão. “Isso aqui era pura terra”, conta. “Na calada da noite, a gente escutava tiros e gritos seguidos de correria, era morte ou feridos na certa”. Muitos frequentadores da zona bebiam vinagre para evitar doenças sexualmente transmissíveis. “Diziam que o ácido matava os agentes transmissores, o que nem sempre se confirmava”, comenta Siqueira, entre risos.


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