Acordao Guarda Municipal

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 983.770-1, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA.

AUTOR: PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ.

INTERESSADA: CÂMARA MUNICIPAL DE MARINGÁ.

RELATOR: DES. ANTONIO LOYOLA VIEIRA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ALEGAÇÃO DE VÍCIO MATERIAL EM DISPOSITIVOS DA LEI COMPLEMENTAR Nº 671/2007 - LEI COMPLEMENTAR QUE AUTORIZOU A TRANSPOSIÇÃO OU ASCENSÃO FUNCIONAL DE SERVIDORES - OFENSA AOS ARTIGOS 1º, III, E 27, II, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL DO PARANÁ – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL QUE DETERMINA A REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO – AÇÃO JULGADA PROCEDENTE PARA O FIM DE DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DOS ARTS. 3º, “CAPUT” E §§ ÚNICO, E 5º, NA PARTE QUE SE REFERE À “COMPLEMENTAÇÃO DO QUADRO DE PESSOAL DA GUARDA MUNICIPAL” DA LC Nº 671, DE 28 DE AGOSTO DE 2007.   


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VISTOS, relatados e discutidos esses autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 983770-1, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba em que é autor o Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná e interessada a Câmara Municipal de Maringá.

Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça objetivando que os artigos 3º, “caput” e parágrafo único, e 5º, na parte que se refere à “complementação do quadro de pessoal da guarda municipal” da LC nº 671, de 28 de agosto de 2007, sejam declarados inconstitucionais por ofensa aos artigos 1º, inciso III, e 27, inciso II, da Constituição Estadual do Paraná.

Cabe a transcrição dos referidos dispositivos:

“Art. 3º.Em decorrência da transposição prevista nesta Lei, o cargo de Agente de Vigilância, descrito no Anexo I da Lei Complementar nº 240/98, passará a denominar-se Guarda Municipal, permanecendo inalterados a sua jornada de trabalho, o vencimento, a quantidade de vagas e a disposição no subgrupo ocupacional, conforme segue.

Parágrafo único. Com a nova denominação estabelecida no caput deste artigo, fica extinto o cargo de Agente de Vigilância. Art. 5º. A complementação do quadro de pessoal da Guarda Municipal será feita mediante a realização de concurso público na forma da lei, em que será exigido ensino médio completo, como requisito mínimo para preenchimento do cargo, e serão avaliadas a capacidade intelectual, por   


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meio de prova escrita, a aptidão física e psíquica e os antecedentes dos candidatos, indispensáveis ao desempenho de sua missão, assegurada a participação de pessoas do sexo feminino.

Alega o autor que os mencionados dispositivos legais padecem de inconstitucionalidade material, na medida em que autorizam a transposição ou ascensão funcional de servidores, traduzindo manifesta afronta ao princípio do concurso público.

Afirma que com tal atitude pretende a Câmara Municipal de Maringá promover a transposição ou ascensão de servidores que ingressaram em carreira diversa, ou seja, os Vigilantes Municipais passaram a exercer as funções destinadas aos integrantes da Guarda Municipal, que foi criada no ano de 2007.

Ressalta que restou configurado vício de inconstitucionalidade material diante da ocorrência da transposição, que não mais é possível com o advento da Carta Constitucional, de forma a exigir a adoção de providências, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, tendentes a extirpar do mundo jurídico o disposto no artigo 3º, caput e parágrafo único; e no artigo 5º, na parte que refere “a complementação” do quadro de pessoal da Guarda Municipal, ambos da Lei Complementar Municipal nº 671/2007.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça em parecer de lavra da ilustre Subprocuradora-Geral de Justiça Samia Saad Gallotti Bonavides, manifestou-se pela procedência do pedido inicial, para o fim de que seja declarada a inconstitucionalidade dos artigos 3º, caput e parágrafo único, e 5º, na parte que se refere à “complementação do quadro de pessoal da guarda municipal” da LC nº 671, de 28 de agosto de 2007, por ofensa aos artigos 1º, inciso III, e 27, inciso II, da Constituição Estadual do Paraná.   


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Também fez consignar que a modulação dos efeitos da decisão, nos termos da manifestação de fls. 160-163, sugere indevida regularização das ascensões funcionais realizadas e, por isso, não merece acolhimento, sendo o caso apenas de se preservar os atos praticados pelos Agentes de Vigilância no exercício das funções atinentes à Guarda Municipal de Maringá, respeitando o princípio da segurança jurídica.

É o relatório.

Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça objetivando que os artigos 3º, caput e parágrafo único, e 5º, na parte que se refere à “complementação do quadro de pessoal da guarda municipal” da LC nº 671, de 28 de agosto de 2007, sejam declarados inconstitucionais por ofensa aos artigos 1º, inciso III, e 27, inciso II, da Constituição Estadual do Paraná.

Como consagrado, a Ação Direta de Inconstitucionalidade é o instrumento processual por meio do qual se busca a proteção do ordenamento jurídico, extirpando-se os efeitos de determinada lei ou ato normativo maculado pelo vício da inconstitucionalidade, seja ele formal ou material.

No presente caso, após detida análise da peça inicial e da documentação apresentada, verifico a ocorrência de inconstitucionalidade material, pois detecto a presença de uma norma que se choca com disposições e princípios estabelecidos na Constituição Estadual. O objeto da presente Ação compreende os artigos 3º, caput e parágrafo único, e 5º, na parte que se refere à “complementação do quadro de pessoal da guarda municipal” da LC nº 671, de 28 de agosto de 2007, pretendendo a Câmara Municipal de Maringá promover a transposição ou ascensão de servidores que ingressaram em carreira diversa, ou seja, os Vigilantes Municipais passaram a exercer as funções destinadas aos integrantes da   


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Guarda Municipal, que foi criada no ano de 2007, traduzindo manifesta afronta ao princípio do concurso público. Para melhor compreensão do assunto, transcrevo abaixo a literalidade dos dispositivos impugnados:

“Art. 3º.Em decorrência da transposição prevista nesta Lei, o cargo de Agente de Vigilância, descrito no Anexo I da Lei Complementar nº 240/98, passará a denominar-se Guarda Municipal, permanecendo inalterados a sua jornada de trabalho, o vencimento, a quantidade de vagas e a disposição no subgrupo ocupacional, conforme segue.

Parágrafo único. Com a nova denominação estabelecida no caput deste artigo, fica extinto o cargo de Agente de Vigilância.

Art. 5º. A complementação do quadro de pessoal da Guarda Municipal será feita mediante a realização de concurso público na forma da lei, em que será exigido ensino médio completo, como requisito mínimo para preenchimento do cargo, e serão avaliadas a capacidade intelectual, por meio de prova escrita, a aptidão física e psíquica e os antecedentes dos candidatos, indispensáveis ao desempenho de sua missão, assegurada a participação de pessoas do sexo feminino.

Nota-se que os dispositivos autorizam o provimento derivado dos servidores através da figura da transposição, o que é vedado pela Constituição Federal e também pela Constituição do Estado do Paraná. O princípio do Concurso Público, previsto no artigo 37, inciso II, da Constituição Federal de 1988, é considerado um dos mais importantes para a atuação do adminis  


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trador público, considerando-se o seu viés moralizador e garantidor da isonomia e da eficiência no serviço público. O cumprimento de tal princípio é uma forma de oportunizar a todos o acesso a esses cargos, além de garantir à administração a aquisição de profissionais que detenham as condições mínimas de exercício de funções públicas.

O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou diversas vezes sobre o tema, tendo inclusive editado a Súmula n. 685 (DJ - 14/10/2003), no sentido de que “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.

No caso dos autos, a Lei impugnada previu forma de provimento derivado vedada, sem observância da previsão constitucional, disposta nos artigos 1º, inciso III, e 27, inciso II, da Constituição Estadual do Paraná, "in verbis": Art. 1°. O Estado do Paraná, integrado de forma indissolúvel à República Federativa do Brasil, proclama e assegura o Estado democrático, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais, do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político e tem por princípios e objetivos:

III - a defesa da igualdade e o conseqüente combate a qualquer forma de discriminação;

Art. 27. A administração pública direta, indireta e fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, eficiência, motivação, economicidade e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional 11 de 10/12/2001) (vide Lei 16867 de 12/07/2011)   


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II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, respeitada a ordem de classificação, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão;

Conforme se verifica, a infração da lei em comento reside no fato de promover a transposição ou ascensão de servidores que ingressaram em carreira diversa, violando o princípio constitucional do concurso público.

Nesse sentido, conforme bem destacado pela douta Procuradoria-Geral de Justiça (fl. 204), “a legislação impugnada ao promover a ascensão funcional dos Agentes de Vigilância de Maringá à categoria de Guardas Municipais, a um só tempo, violou o princípio da isonomia e burlou o comando constitucional que impõe a imprescindibilidade do concurso público”. Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, 25ª ed., Ed. Malheiros, págs. 276 e 277, com muita propriedade, comenta o assunto, "in verbis":

"O que a Lei Magna visou com os princípios da acessibilidade e do concurso público foi, de um lado, ensejar a todos iguais oportunidades de disputar cargos ou empregos na Administração direta e indireta. De outro lado, propôs-se a impedir tanto o ingresso sem concurso, ressalvadas as exceções previstas na Constituição, quanto obstar a que o servidor habilitado por concurso para cargo ou emprego de determinada natureza viesse depois a ser agraciado com cargo ou emprego permanente de outra natureza, pois esta seria uma forma de fraudar a razão de ser do concurso público”.

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A presente matéria é pacífica na Corte Superior, com reiteradas decisões no seguinte sentido:

"DECISÃO: ACORDAM os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em excluir do pólo passivo do writ o Secretário de Estado da Administração e da Previdência e a Presidente da Comissão de Revisão de Enquadramento e, no mérito, DENEGAR o mandado de segurança. EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDORES PÚBLICOS ENQUADRAMENTO FUNCIONAL - TRANSPOSIÇÃO DE CARGO DE NÍVEL MÉDIO PARA OUTRO DE NÍVEL SUPERIOR - INVIABILIDADE - HIPÓTESE DE PROVIMENTO DERIVADO BANIDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 (ART. 37-II) - NECESSIDADE DE PRÉVIO CONCURSO PÚBLICO - ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO ILEGAL - PODER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA -INTELIGÊNCIA DAS SÚMULAS 346 e 473 DO STF - PRAZO DECADENCIAL DE CINCO ANOS (ART.54, LEI Nº 9.784/99) - AFRONTA À COISA JULGADA ADMINISTRATIVA E AO DIREITO ADQUIRIDO NÃO CARACTERIZADA - AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO - ORDEM DENEGADA.". (Processo nº 857540-8, Data Publicação: 24/01/2013, Órgão Julgador: Órgão Especial, Data Julgamento: 19/11/2012, Rel. Des. Telmo Cherem). " DECISÃO: ACORDAM os integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em denegar a ordem, com encaminhamento ao Ministério Público de cópias da petição inicial, da resposta da autoridade impetrada (fls. 76/85), do parecer do Ministério Público (fls. 91/96) e deste acórdão, para exame de possíveis irregularida  


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des praticadas em relação aos apontados servidores. EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. PEDIDO DE REENQUADRAMENTO FUNCIONAL. INADIMISSIBILIDADE DE REENQUADRAMENTO FUNCIONAL POR TRATAR-SE DE TRANSPOSIÇÃO FUNCIONAL. PRÁTICA VEDADA PELO ARTIGO 37, INCISO II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INVESTIDURA EM CARGO DIVERSO DAQUELE QUE FOI INVESTIDO PERMITIDO SOMENTE ATRAVÉS DE CONCURSO PÚBLICO. A transposição de cargos no serviço público, sem prévia aprovação em concurso para o cargo a ser ocupado, é inconstitucional. O fato do servidor já ser concursado para um cargo não o habilita para outra carreira. SEGURANÇA DENEGADA". (Processo nº 375599-9, Data Publicação: 16/03/2007 , Órgão Julgador: Órgão Especial, Data Julgamento: 05/03/2007 , Rel. Des. Marcos de Luca Fanchin).

Assim, não pode prosperar a disposição legal municipal ora em questão que permite a transposição ou ascensão de servidores que ingressaram em carreira diversa, sem a observância dos princípios dispostos na Constituição Estadual e da República.

Em que pese a manifestação do Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Maringá de fls. 160-163, entendo que não há razoabilidade a justificar a modulação dos efeitos da decisão, conforme bem delineado pela douta Procuradoria-Geral de Justiça (fl. 205), “[...] a modulação dos efeitos da decisão, nos termos da manifestação de fls. 160-163, sugere indevida regularização das ascensões funcionais realizadas e, por isso, não merece acolhimento. É caso, apenas, de se preservar os atos praticados pelos Agentes de Vigilância no exercício   


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das funções atinentes à Guarda Municipal de Maringá, sugestão que atende à segurança jurídica”.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a Ação Direta de Inconstitucionalidade, para o fim de declarar a inconstitucionalidade dos artigos 3º, caput e parágrafo único, e 5º, na parte que se refere à “complementação do quadro de pessoal da guarda municipal” da LC nº 671, de 28 de agosto de 2007, com efeitos ex tunc.

ACORDAM os Senhores Desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, à unanimidade de votos, em conhecer e julgar procedente o incidente de declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc, nos termos do voto do Relator.

O julgamento foi presidido pelo Senhor Desembargador CLAYTON CAMARGO, com voto, e dele participaram as Senhoras e Senhores Desembargadores TELMO CHEREM, REGINA AFONSO PORTES, SÉRGIO ARENHART, MIGUEL PESSOA, RUY CUNHA SOBRINHO, RUI BACELLAR FILHO, MARQUES CURY, MARIA JOSÉ DE TOLEDO MARCONDES TEIXEIRA, LUIZ SÉRGIO NEIVA DE LIMA VIEIRA, PAULO ROBERTO VASCONCELOS, EUGÊNIO ACHILLE GRANDINETTI, ASTRID MARANHÃO DE CARVALHO RUTHES, LUÍS CARLOS XAVIER, LUIZ CEZAR NICOLAU e CLAYTON DE ALBUQUERQUE MARANHÃO, todo acompanhando o Relator. Curitiba, 19 de agosto de 2013.

Des. ANTONIO LOYOLA VIEIRA – Relator

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