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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA DAS REVOLUÇÕES E MOVIMENTOS SOCIAIS

EDUARDO ALVES SIQUEIRA

SINDICALISMO NO SETOR PÚBLICO: A greve de 2006 dos servidores municipais de Maringá

MARINGÁ - PARANÁ 2018


EDUARDO ALVES SIQUEIRA

SINDICALISMO NO SETOR PÚBLICO: A greve de 2006 dos servidores municipais de Maringá

Trabalho de conclusão do Curso de Especialização em História das Revoluções e dos Movimentos Sociais – EAD, apresentado a Universidade Estadual de Maringá, como requisito para a obtenção do título de ESPECIALISTA EM HISTÓRIA DAS REVOLUÇÕES E DOS MOVIMENTOS SOCIAIS. Orientador: Prof. Dr. Ângelo Priori

MARINGÁ - PARANÁ 2018


DEDICATÓRIA Dedico esta monografia a todos os trabalhadores e trabalhadoras, especialmente aos servidores e servidoras municipais de Maringá, que sofrem na pele

a

truculência

de

governos

e

desacostumados ao diálogo e à democracia.

patrões


AGRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar e de forma especial, a minha amada família: a minha esposa Gisele, a meu filho Davi e a meus pais Nilton e Clotilde, que tiveram que compreender minhas constantes ausências durante o último ano e, ainda assim, me deram amparo afetivo e emocional para concluir o trabalho. Agradeço a todos os funcionários, dirigentes e ex-dirigentes do Sismmar, que me franquearam o acesso ao arquivo da entidade e me esclareceram várias dúvidas, contribuindo muito para o desenvolvimento da pesquisa, especialmente a Iraídes Baptistoni, Maria da Conceição Franco (Zica), Priscila Guedes e Paulo Vidigal. Agradeço aos servidores da Gerência de Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura de Maringá, liderada pelo historiador João Laércio, que me auxiliaram na busca dos jornais da época da greve de 2006. Agradeço também ao professor-orientador-historiador Reginaldo Benedito Dias, que me municiou com grande parte da bibliografia utilizada na monografia e me contou, pessoalmente ou por Whatsapp, episódios importantes da história do Sindicato e de Maringá.


RESUMO

Nas últimas décadas, é visível a crise de confiabilidade e credibilidade por que passam os sindicatos no Brasil e, em particular, os sindicatos do setor público. Esta monografia irá debater, com base nos autores estudados, a importância da atividade sindical a partir do surgimento das associações dos servidores públicos no final dos anos 1970. O objetivo central será recordar a origem do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Maringá (Sismmar) no contexto do “novo sindicalismo” e recontar a história da greve deflagrada pela categoria em 2006. Ficará evidenciado o papel essencial que os sindicatos ainda desempenham nos dias atuais, sobretudo na defesa e conquista de direitos trabalhistas. Papel que vem sendo subestimado pela sociedade, em função da perda de força e representatividade das entidades sindicais.

Palavras-chave: Sindicalismo. Sindicalismo do setor público. Novo Sindicalismo. Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Maringá (Sismmar). Greve de 2006 dos servidores municipais de Maringá.


ABSTRACT

In the last decades, it is clear the crisis of reliability and credibility for what the unions pass in Brazil, particularly the public sector unions. This monograph will debate the union activity importance from the emergence of the civil servant’s associations in the late 1970s, based on the studied authors. The main purpose will be recover the origin of the Labour Union of Municipal Civil Servants of Maringa (Sismmar, in Portuguese) on the “new unionism� context and retell the history of the strike broken out by the category in 2006. It will demonstrate the essential role that unions still play nowadays, especially on defence and achievement of labour rights. Role that is being underestimated by society, because of the loss of strength and representativeness of the union entities.

Keywords: Labour unionism. Public sector unionism. New unionism. Labour Union of the Municipal Civil Servants of Maringa (Sismmar). Strike of 2006 of the Civil Servants of Maringa.


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ________________________________________________________ 09 2. SINDICALISMO NO SETOR PÚBLICO ___________________________________ 11 2.1. Breve histórico do movimento sindical ________________________________ 11 2.2. O novo sindicalismo do setor público _________________________________ 16 2.3. Direito de greve no setor público ____________________________________ 24 3. A GREVE DE 2006 DOS SERVIDORES MUNICIPAIS DE MARINGÁ _________ 33 3.1. Prólogo: o Sismmar _______________________________________________ 33 3.2. Diário da greve __________________________________________________ 40 3.3. Epílogo: desdobramentos da greve __________________________________ 83 4. DESAFIOS DO SINDICALISMO NO SETOR PÚBLICO ____________________ 102 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ____________________________________________ 108 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _____________________________________ 113 7. ANEXOS _____________________________________________________________ 123


1. INTRODUÇÃO Nos dias atuais é visível a crise de confiabilidade por que passa o sindicalismo no Brasil de modo geral e, em particular, o sindicalismo do setor público, em virtude do descrédito e dos preconceitos que se alastraram na sociedade a respeito do tema. É nesse contexto que a monografia irá rediscutir a importância do sindicalismo, a partir do surgimento das entidades sindicais dos servidores públicos no final dos anos 1970. Mais especificamente, o trabalho pretende resgatar a origem do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Maringá (Sismmar) e recontar a história da greve deflagrada pela categoria em 2006. Na primeira parte, o trabalho discorrerá sobre os primórdios da atividade sindical no Brasil e no mundo, sobre o advento do “novo sindicalismo” no setor público e sobre a evolução do direito de greve da categoria. Em seguida, percorrerá a história do Sismmar e da greve de 2006. Nesta seção, serão narradas as causas, os fatos e as consequências da greve dos servidores públicos municipais. O objetivo central, além de recuperar a história do movimento grevista, será demonstrar como ela se situa na perspectiva maior da crise geral do sindicalismo nas últimas três décadas. Ao dar relevo aos acontecimentos que estão na memória daqueles que participaram direta ou indiretamente da greve de 2006, ficará evidenciado o importante papel da atividade sindical na conquista e manutenção de direitos trabalhistas. Papel que vem sendo subestimado pela sociedade, em função da perda de força e representatividade das entidades sindicais. No intuito de reproduzir os anseios, conceitos e preconceitos de diferentes setores da sociedade (servidores, população, imprensa, gestores e parlamentares), com relação à greve de 2006, levou-se em conta todo o espectro de documentos escritos e não escritos encontrados no decorrer da pesquisa. Para fundamentá-la, foram observados os pressupostos da Escola de Annales, bem como as contribuições de Michel Foucault para a análise de documentos históricos, apresentadas no artigo Documento/monumento: a ampliação dos materiais de pesquisa utilizados pela historiografia, de Verônica Karina Ipólito e Ângelo Priori. Entende-se, como os autores, que a historiografia deve dar voz às classes sociais dominantes, dominadas, marginalizadas ou excluídas, e confrontar as diferentes versões para que o resultado reflita de modo mais fiel os eventos do passado. É necessária, portanto, a apresentação dos discursos presentes nas diversas fontes de pesquisa. Tais discursos, sejam eles representativos de quem está no poder ou testemunhos de setores marginalizados da sociedade, podem se extraídos de qualquer registro sonoro, visual ou textual.

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Assim, em um primeiro momento, foram copiados, escaneados ou fotografados os documentos específicos sobre o Sismmar e a greve de 2006: leis, estatutos, artigos, matérias jornalísticas, processos administrativos, livros, cartas, comunicados, ofícios, cartazes, panfletos, registros audiovisuais etc. Essa etapa principiou com uma vasta busca na Internet, com ênfase nos canais de comunicação que cobriram diariamente os eventos da época: sites de jornais e do Sindicato; Blog do Rigon e Factorama; e páginas do Youtube. Depois, com autorização da entidade, esquadrinhou-se o arquivo físico do Sismmar. No acervo da Gerência de Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura de Maringá, foram exploradas as reportagens de 2006, 2007 e 2008 do jornal O Diário do Norte do Paraná 1 sobre a greve de 2006. Por último, registraram-se os depoimentos de servidores, dirigentes e ex-dirigentes sindicais. Infelizmente, os representantes da Administração Municipal na época, embora tenham sido procurados, não se dispuseram a colaborar com a pesquisa. Na segunda fase, foram consultados os textos de Arnaldo José França Mazzei Nogueira, Augusto César Buonicore, Cézar Guedes, Jorge Blascoviscki Vieira, Maurício Sardá de Faria e Sidney Jard da Silva, que embasaram a discussão sobre o sindicalismo do setor público e as relações de trabalho no Brasil. Os estudos do professor-orientador Reginaldo Benedito Dias, por sua vez, possibilitaram a narração de episódios importantes da história política de Maringá. A pesquisa ainda contou a contribuição valiosa do ex-dirigente sindical e ex-servidor municipal, Paulo Vidigal, que disponibilizou o trabalho acadêmico que fez sobre a greve de 2006, na área do Direito. Sua monografia norteou o exame das normas relativas aos direitos de greve e associação sindical, encontradas na legislação brasileira e nas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Com todo o material reunido, os procedimentos de leitura, análise e fichamento se inspiraram nas técnicas sugeridas por Umberto Eco no livro Como se faz uma tese em Ciências Humanas e no artigo O projeto de pesquisa: o conteúdo e seus itens, de Célia Maria Marinho de Azevedo. Ambos forneceram subsídios para desenvolver a metodologia e a redação do presente trabalho de conclusão de curso. Como resultado final, a monografia pretende oferecer o registro fidedigno de um fato histórico extremamente relevante para a história de Maringá e do Sismmar. Um registro da greve de 2006 que sirva, inclusive, como ponto de partida para novas pesquisas, ainda mais aprofundadas.

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A escolha de O Diário, como paradigma da imprensa maringaense, justifica-se por ser o jornal impresso de maior circulação no município, sem entrar no mérito da qualidade.

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2. SINDICALISMO NO SETOR PÚBLICO 2.1. Breve histórico do movimento sindical Antes de falar sobre o sindicalismo no setor público, é importante traçar uma rápida genealogia do movimento sindical no Brasil e no mundo. Sua gênese pode ser localizada na Inglaterra da segunda metade do século XVIII, na esteira das profundas transformações que acompanharam a 1ª Revolução Industrial. O liberalismo de Adam Smith e os preceitos do capitalismo, ainda embrionário, dominavam o pensamento político-econômico ocidental na época da transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea. Essas correntes serviram de base teórica para a exploração intensiva do trabalho assalariado pela burguesia emergente. Os conceitos de propriedade privada, estado-mínimo e livre-mercado deram ampla liberdade para que proprietários de fábricas e terras ditassem suas próprias regras nas relações entre empregado e empregador, contando com a omissão deliberada das autoridades do Estado. Tal liberdade, sobretudo no meio urbano, possibilitou grande margem de lucro ao empresariado da época. Assim, tornou-se rotina nas fábricas a existência de situações degradantes de trabalho: jornadas de 12 a 16 horas diárias; falta de equipamentos de proteção e condições mínimas de higiene; exposição a doenças, incêndios e explosões; trabalho infantil e de mulheres grávidas, baixos salários etc. Para reagir a esse quadro, como aponta Amauri Mascaro Nascimento (2011 apud VIDIGAL, 2014), surgiram em Londres as primeiras associações de trabalhadores, as tradeunions, voltadas primeiramente à reivindicação de melhores salários e redução das jornadas de trabalho. Essas agremiações inglesas se espalharam pela Europa e originaram os sindicatos da atualidade. A partir da Revolução Francesa, a classe trabalhadora ganhou novos aliados contra a hegemonia do pensamento liberal-capitalista no Ocidente. As doutrinas socialistas, comunistas e anarquistas, com destaque para o socialismo científico de Karl Marx e Friedrich Engels, fundamentaram as lutas sociais do operariado e dos camponeses. A crescente pressão exercida pelas organizações de trabalhadores impeliu os Estados-Nações europeus a editarem as primeiras leis trabalhistas já no início do século XIX, tendo a Inglaterra como pioneira. O advento das leis interrompeu a política não intervencionista adotada pelos governos nas relações de mercado e trabalho. Assim, os abusos cometidos pelos patrões passaram a ser coibidos, também, pelas vias legais. 11


De acordo com Sérgio Pinto Martins (2002 apud VIDIGAL, 2014), a legislação trabalhista, que se aprimorou desde então, contribuiu para impulsionar o movimento do “constitucionalismo social” após a 1ª Guerra Mundial. No cerne do movimento, os países foram estimulados a inserir em suas constituições nacionais preceitos básicos de direitos humanos e direito do trabalho. Nascimento (2011 apud VIDIGAL, 2014) afirma que o constitucionalismo social motivou a fundação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, na cidade de Genebra, órgão formado por representantes de trabalhadores, empregadores e países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU). No Brasil desse período, havia apenas normas avulsas sobre a questão trabalhista. Entre elas, as leis que tratavam de sindicatos rurais (1903) e urbanos (1907); Ministério do Trabalho (1930); trabalho feminino (1932); Justiça do Trabalho (1939); salário mínimo (1936) (NASCIMENTO, 2011, apud VIDIGAL, 2014). Destas, vale destacar as leis que autorizaram a criação de sindicatos rurais2 e urbanos3, nas quais o direito de sindicalização dos trabalhadores do setor privado foi oficialmente reconhecido. Não se deve esquecer que a legislação apenas legalizou movimentos que já existiam na prática. Com o fim da escravidão e a gradual substituição da mão de obra escrava por mão de obra assalariada, os governos brasileiros, imperial e republicano, em vez de apenas absorver a força de trabalho dos negros libertados, patrocinaram a vinda em massa de imigrantes europeus para trabalhar nas fazendas e na incipiente indústria brasileira. Na bagagem dos imigrantes, principalmente italianos, portugueses e espanhóis, chegaram também as ideias políticas e filosóficas cultivadas em seus países de origem. A união dos trabalhadores urbanos europeus e a disseminação da ideologia anarquista entre os brasileiros frutificaram na corrente do “anarcossindicalismo” em São Paulo. A modalidade sindical se caracterizou pela mobilização do operariado diretamente nas fábricas. Foram criadas, no período, agremiações informais em diversos bairros da capital paulista, conhecidas como Ligas Operárias. Imigrantes europeus, brasileiros e ex-escravos se reuniam nas ligas para discutir e propor melhorias dentro das fábricas. A organização dos operários paulistas, contra as mazelas da recente industrialização, culminou na primeira greve geral do

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BRASIL. Decreto nº 979, de 06 de janeiro de 1903. Faculta aos profissionais da agricultura e industrias ruraes a organização de syndicatos para defesa de seus interesses. Rio de Janeiro, RJ, jan. 1903. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto/antigos/d0979.htm> Acesso em: 09 fev. 2018. 3

BRASIL. Decreto nº 1.637, de 05 de janeiro de 1907. Crea syndicatos profissionaes e sociedades cooperativas. Rio de Janeiro, RJ, jan. 1907. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/19001909/decreto-1637-5-janeiro-1907-582195-publicacaooriginal-104950-pl.html> Acesso em 09 fev. 2018.

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Brasil, em 1917, movimento que se espalhou rapidamente para outros estados (SIQUEIRA, 2017). Para responder à ebulição dos movimentos populares e sindicais na primeira metade do século XX, o então presidente Getúlio Vargas sancionou a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT)4 em 1943, compilando de forma estratégica as leis já existentes e adicionando novos dispositivos. A CLT significou um grande marco para o Direito do Trabalho no Brasil. O DecretoLei regulamentou minuciosamente a relação entre empregados e empregadores no setor privado, definindo o papel do Estado como mediador, conciliador e árbitro de eventuais conflitos trabalhistas. Em seu artigo 511, reafirmou o direito de associação sindical dos trabalhadores rurais e urbanos, e o estendeu para profissionais liberais, autônomos e, inclusive, empregadores, com a finalidade de “estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais”. Na mesma direção, a OIT editou em 1949 a Convenção nº 98, dispondo sobre os direitos de sindicalização e negociação coletiva do trabalhador, ratificada pelo Brasil em 1952. Em contrapartida, a CLT impôs também uma série de restrições ao exercício desse direito e normas rigorosas para o funcionamento das entidades sindicais. Os sindicatos, por exemplo, deviam solicitar seu registro junto ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio para serem ou não reconhecidos pelo Estado. Havia, ainda, muitas outras regras a serem seguidas. O artigo 521 da CLT (atualizado em 1946) estabelece: Art. 521 – São condições para o funcionamento do Sindicato: a) proibição de qualquer propaganda de doutrinas incompatíveis com as instituições e os interesses da Nação [...]; d) proibição de quaisquer atividades não compreendidas no art. 511, inclusive as de caráter político-partidário [...].

Aqui, vê-se claramente que a proibição de “propaganda de doutrinas incompatíveis com as instituições e os interesses da Nação” e de “atividades de caráter político-partidário” traduzia a disposição de Vargas para controlar e reprimir qualquer manifestação contrária ao seu governo. Vale recordar que o Brasil ainda convivia com o ideário oligárquico da República Velha, simultaneamente à propagação das ideologias de esquerda no seio da classe

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BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro, RJ, mai. 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 09 fev. 2018.

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trabalhadora. Entre os dois polos, situava-se o governo personalista e centralizador de Getúlio Vargas, aliciando, equilibrando e debelando como pôde as forças de oposição. A CLT concebeu um modelo de organização sindical ao mesmo tempo parceiro, dependente e subserviente aos ditames estatais. Como prevê o artigo 521 (atualizado em 1966), “em circunstâncias que perturbem o funcionamento de entidade sindical ou motivos relevantes de segurança nacional”, o Ministério do Trabalho podia intervir imediatamente nos sindicatos. Instituiu também a contribuição sindical obrigatória, deduzida da receita das empresas e do salário dos trabalhadores e repartida pelo Estado entre centrais sindicais, confederações, federações e sindicatos de base. A contribuição favoreceu historicamente o surgimento dos chamados “pelegos”: sindicalistas que atuam em conformidade com o interesse de patrões e governantes para obter vantagens pessoais, em detrimento da categoria profissional representada. Apesar dos inúmeros avanços sociais e trabalhistas, a Lei desenhou um sistema autoritário e corporativista para o trabalho no setor privado, conferindo poderes quase ilimitados ao Estado para mediar, resolver ou reprimir qualquer conflito entre empregados e empregadores. Como sintoma do autoritarismo, os servidores públicos foram relegados na CLT. O artigo 7º declara expressamente que os preceitos da Lei não se aplicam aos “funcionários públicos da União, dos Estados e dos Municípios”, nem “aos servidores de autarquias paraestatais”. Quanto ao direito de sindicalização, o artigo 566 (reformulado em 1985) arremata: “Não podem sindicalizar-se os servidores do Estado e os das instituições paraestatais”, com exceção dos “empregados das sociedades de economia mista, da Caixa Econômica Federal e das fundações criadas ou mantidas pelo Poder Público” 5. Deixar a grande maioria dos servidores fora da CLT era sinal de que o governo desejava manter um controle cerrado sobre a máquina estatal. 5

No setor público brasileiro, coexistem dois regimes de contratação de pessoal: o estatutário e o celetista. O

regime estatutário consiste em leis específicas (estatutos) que regulam as relações de trabalho em todos os níveis da administração pública. Do estatuto dos servidores federais emanam as regras que norteiam os estatutos estaduais e municipais. Paulo Vidigal (2014) aponta três características que o distinguem: a “estabilidade após três anos de efetivo exercício”, o “regime próprio de previdência social” e as “garantias para desempenho de mandato eletivo”. O regime celetista, por sua vez, diz respeito aos servidores contratados sob as normas da CLT para trabalhar principalmente em empresas públicas, sociedades de economia mista e atividades temporárias, respeitando, ao mesmo tempo, os princípios da administração pública.

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Nas palavras de Maurício Sardá Faria (2009), No mesmo processo em que busca recuperar esse movimento autônomo dos trabalhadores para o interior de uma estrutura sindical de Estado, ao mesmo tempo em que isola e liquida o anarcossindicalismo pelas vias da oficialização e da verticalização (sem abandonar o meio usual da repressão), o corporativismo varguista busca construir ideologicamente uma nova relação entre capital e trabalho em que o Estado assume como papel central a regulação e harmonização dos conflitos de classe. Uma vez situado o Estado acima das classes, torna-se incompatível aos funcionários estatais almejarem uma forma de organização similar à classe trabalhadora.

Já o modelo sindical concebido na Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova fase do sindicalismo no Brasil, acenando para o horizonte democrático que se descortinou na época. Em sintonia com os fundamentos de cidadania, valorização do trabalho e livre iniciativa, a Carta estabelece: Art. 8º – É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; [….] III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; […] VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho […].

De forma simples e direta, a Constituição descreve no artigo acima as diretrizes básicas para a formação de um sindicato. Ela confere, pela primeira vez, ampla liberdade e segurança às entidades e dirigentes sindicais, pois veda de forma categórica a possibilidade de intervenção do Poder Público e protege os diretores contra eventuais demissões durante o exercício do mandato. Os critérios de organização só serão melhor desenvolvidos no Código Civil de 2002, no capítulo sobre as associações de direito privado, categoria na qual estão enquadrados os sindicatos. Essas e outras conquistas, consignadas na Carta, são o corolário das lutas históricas dos movimentos sociais e da classe trabalhadora brasileira, desde os anarcossindicalistas do início do século XX, até os metalúrgicos do ABC e os professores paulistas em 1978.

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2.2. O novo sindicalismo no setor público Uma vez que era proibida a sindicalização dos servidores públicos, restava-lhes a alternativa de constituir associações profissionais, de caráter recreativo, esportivo, cultural e/ou assistencial. Foram nelas que os trabalhadores do Estado começaram a organizar as demandas em comum da categoria, contando apenas com a mensalidade de seus associados (FARIA, 2009). Arnaldo Mazzei Nogueira (1999, p. 69) acrescenta que, mesmo representando os interesses corporativos do funcionalismo público, as associações “não tinham qualquer perspectiva de mobilização coletiva e estabeleciam com o Estado uma relação de subserviência e colaboração”. Não obstante, como observa Cézar Guedes (1994, p. 409), elas se multiplicaram a partir da década de 1950 e preencheram a lacuna que havia na legislação trabalhista sobre o direito de associação sindical no setor público. Ainda segundo o autor, a primeira experiência bem-sucedida de articulação geral dos servidores ocorreu em 1952, “quando foram criadas a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil e a União Nacional dos Servidores Públicos do Brasil”. Após um período de retração, dois eventos em 1978 marcaram a história do movimento sindical no Brasil, inaugurando a fase do “novo sindicalismo”: a greve dos metalúrgicos do ABC paulista (setor privado) e a greve dos professores da rede estadual de ensino de São Paulo (setor público). O ano foi emblemático, especialmente no setor público, pois deflagrou um processo inédito de organização dos servidores e representou uma mudança de paradigma dentro das antigas associações. Elas deixaram de ser organicamente assistenciais para assumir o papel de entidades sindicais, fazendo, inclusive, oposição política à Ditadura Militar. Os professores da rede pública ocuparam a vanguarda do movimento que nascia, a exemplo dos metalúrgicos na região metropolitana de São Paulo (NOGUEIRA, 1999, p. 52-53) A greve dos professores abriu caminho para a organização de outras categorias do funcionalismo que não possuíam cultura de ação sindical, como a dos médicos. O fato refletia uma tendência mundial de sindicalização dos “assalariados de classe média” 6 (FARIA, 2009).

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Entenda-se como assalariado de classe média, resumindo Augusto César Buonicore (2002), os profissionais

urbanos que realizam trabalho assalariado, intelectual e não manual, ligado principalmente ao setor de serviços: médicos, engenheiros, bancários, advogados, contadores, auxiliares administrativos etc.

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O associativismo no setor público apresentava particularidades típicas do novo sindicalismo no Brasil. À semelhança dos anarquistas da Greve de 1917, os novos sindicalistas mobilizavam os trabalhadores diretamente em seus locais de trabalho, sem que o movimento tivesse natureza institucional. Sua atuação se caracterizava por uma “prática sindical mais localizada e mobilizadora, buscando uma articulação nacional”. A proibição do direito de greve e sindicalização no serviço público “fez com que a iniciativa e a prática sindical tivessem aí um tom altamente politizado. Estavam em questão a liberdade de organização e expressão, a luta pelas liberdades democráticas” (GUEDES, 1994, p. 409), tão vilipendiadas durante a Ditadura. A experiência dos professores paulistas revela uma prática de auto-organização dos trabalhadores muito frequente no Brasil no final dos anos 70. Neste período, o movimento das oposições sindicais, desenvolvido nas principais categorias profissionais, não poucas vezes ultrapassava as entidades sindicais para levar à diante os processos de luta de forma autônoma e com ampla participação das bases, enfrentado nesses embates, além dos patrões e dos governos, as próprias direções dos sindicatos ou associações profissionais (FARIA, 2009).

A paralisação foi conduzida por um comando de greve alheio à cúpula dirigente do atual Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), que na época era contrário à greve. O movimento envolveu cerca de 80% da categoria e repercutiu, em seguida, nas greves dos educadores do Paraná, Brasília, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais (NOGUEIRA, 1999, p. 53). Sidney Jard da Silva (2005) reforça que, superado o período assistencialista, as associações de servidores passaram a participar ativamente da reorganização do movimento sindical no Brasil. Ou como pontua Jorge Blascoviscki Vieira (2007), “os servidores públicos não só adentraram a cena política em conjunto com os demais atores do sindicalismo, como também estiveram presentes em todos os momentos gerais marcantes para o novo sindicalismo”. Havia uma clara “diversidade política e ideológica” nas entidades do funcionalismo. As associações do novo sindicalismo, especificamente, eram comandadas por lideranças de esquerda, que defendiam “políticas socializantes” e faziam “oposição política aos governos” (NOGUEIRA, 1999, p. 58).

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Junto com bancários e metalúrgicos, os servidores formaram o eixo fundamental para a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983, durante o 1º Congresso Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), em São Bernardo do Campo. Assim como as associações, a CUT não existia legalmente (FARIA, 2009). O reconhecimento formal das centrais sindicais só foi regulamentado em 2008, através da Lei Federal nº 11.648. No decorrer dos anos 1980, os trabalhadores estatais tiveram representação cada vez maior na Central. Esta aglutinava não apenas sindicatos oficiais, mas também as organizações independentes do funcionalismo e os grupos de oposição dentro do movimento sindical. Com algumas exceções, “o novo sindicalismo dos funcionários públicos é filiado à CUT” (NOGUEIRA, 1999, p. 55). Após décadas de atividade clandestina, o direito de sindicalização do servidor público foi finalmente assegurado na Constituição de 1988. O artigo 37, inciso VI, preconiza: “é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical”. A condição de legalidade não alterou o modus operandi do movimento. Por outro lado, multiplicaram-se sindicatos novos ou recém-legalizados e suas formas de organização (NOGUEIRA, 1999, p. 56). Em 1990, para se ter uma ideia, foram criados 400 sindicatos no setor público, 239 no comércio e 237 na indústria (SILVA, 2005). O direito de sindicalização dos servidores já era tema da Convenção nº 151 de 1978 da OIT, acerca das relações de trabalho na administração pública. O Brasil a ratificou somente em 2010, como sinal da relutância dos governos em reconhecer o exercício da liberdade sindical na esfera pública. A Assembleia Nacional Constituinte de 1987, apesar do debate que se instalou, rejeitou a expressão “trabalhador público” para designar os servidores, embora eles já tivessem com o Estado uma relação típica de “empregado/empregador”, semelhante à do setor privado. Entre outras questões, o status de trabalhador público pressupunha a afirmação de uma identidade coletiva que desvinculava os empregados no aparelho estatal tanto da imagem do funcionário patrimonialista, quanto da figura do burocrata do tipo weberiano. Ao mesmo tempo, procurava incluir os empregados da administração pública dentro da concepção mais ampla de classe trabalhadora (SILVA, 2005 apud NOGUEIRA, 1999).

A Assembleia, contudo, também rejeitou a expressão “funcionário público”, que poderia remeter à caricatura tradicional do trabalhador pequeno-burguês, preguiçoso e

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privilegiado com altos salários. Os deputados constituintes optaram, então, pelo termo “servidor público” para chegar a um consenso com os oposicionistas. Mas, afinal, de onde surgiu a necessidade do “funcionário patrimonialista”, ou do “burocrata weberiano”, de se organizar em sindicatos e fazer parte da classe trabalhadora geral? Antes de responder, é necessário levantar alguns aspectos do funcionalismo público no período anterior a 1988. As políticas de nacional-desenvolvimentismo no Brasil, que remontam à Era Vargas e se estendem pela década de 1970, transformaram o Estado não só em provedor do bem-estar social e mantenedor da ordem, mas também em produtor de bens e mercadorias. Os objetivos eram, a priori, o desenvolvimento industrial e a independência econômica do país em relação às potências mundiais. Surgiram, nesse contexto, empresas estatais como a Petrobras, onde convivem dois tipos de assalariados do Estado: o servidor ligado ao setor produtivo e o servidor voltado à prestação de serviços públicos básicos. Os trabalhadores do “setor produtivo estatal” são responsáveis pela produção direta de bens, produtos e serviços comercializáveis, principalmente nas empresas públicas e sociedades de economia mista. Suas relações de trabalho são regidas pela CLT (GUEDES, 1994, p. 414). A segunda categoria realiza tarefas análogas às dos assalariados de classe média: profissionais liberais, autônomos, prestadores de serviços, funcionários de escritório, entre outros. É formada por trabalhadores do setor público, que atuam na administração direta do Estado, sob regime estatutário (GUEDES, 1994, p. 405). Eles são responsáveis pela prestação de serviços e execução de políticas públicas destinadas à população, em diversas áreas: educação, saúde, segurança, esporte, saneamento, habitação etc . No final da década de 1970, os servidores começaram a sofrer os primeiros ataques por parte dos governos militares. Iniciou-se, no período, uma política de ajuste fiscal, contenção de gastos públicos, demissões e cortes salariais que lhes acarretou uma crescente defasagem do poder aquisitivo nas décadas seguintes. Fato que já vinha ocorrendo há algum tempo nas potências capitalistas, por ocasião da crise mundial do petróleo. Os anos 1980, como se sabe, ficaram conhecidos como “década perdida” na América Latina. A queda brusca do preço das commodities e o galope da dívida externa devastaram a economia dos países latino-americanos, que dependiam quase que exclusivamente da exportação de produtos primários para alavancar o Produto Interno Bruto (PIB).

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Nesse contexto de crise generalizada, alguns intelectuais resgataram e atualizaram os princípios do liberalismo de Adam Smith para responder ao colapso das economias capitalistas. Os estudos originaram o “neoliberalismo”, cujo postulado se ampara na globalização dos mercados; na reafirmação das liberdades individuais e da propriedade privada; na privatização de empresas estatais; nas leis abstratas do livre-mercado; na concepção de um estado-mínimo, não intervencionista. O neoliberalismo encerrou, de certo modo, a hegemonia do “estado de bem-estar social”, ou do welfare state keynesiano, no pensamento econômico mundial. Diante das investidas contra o funcionalismo no Brasil, em nome da recuperação econômica, formou-se gradualmente entre os servidores uma consciência de classe. Eles passaram a se enxergar, também, como parte da classe trabalhadora geral. As políticas de austeridade fiscal e redução do Estado aprofundaram a “proletarização dos servidores públicos e a precarização das relações de trabalho”. Tais políticas ocasionaram demissões, perdas salariais e extinção de direitos trabalhistas, tendo como parâmetro, cada vez mais, os critérios de produtividade do setor privado (FARIA, 2009). O contexto de crise econômica e redemocratização política nos anos 1980 foram determinantes para despertar nos trabalhadores dos serviços públicos a busca pelas formas clássicas de associação e organização sindical e também de novas identidades de classe com os demais trabalhadores. Em torno dessa questão concorrem diversos outros fatores, mas o essencial, no caso do Brasil, foi a combinação da crise econômica, crise do Estado e transição política, que provocou o arrocho salarial e a deterioração das condições de trabalho dos funcionários públicos (NOGUEIRA, 1999, p. 54).

De outro modo, pode-se dizer que a resistência contra as medidas dos governos Figueiredo/Sarney, a formação de uma consciência de classe e os avanços político-sociais da Constituição de 1988 foram os grandes propulsores do sindicalismo no setor público. Contudo, outros fatores também merecem destaque. Em primeiro lugar, a estabilidade e as melhores condições de trabalho no Estado “favorecem a sindicalização e a participação no movimento sindical, comparativamente ao setor privado com alto índice de rotatividade e de economia oculta e informal” (NOGUEIRA, 1999, p. 62). Outro ponto diz respeito à negação das práticas de nepotismo e clientelismo como critério para contratar e promover os servidores na carreira (FARIA, 2009). A 20


necessidade de racionalizar a burocracia estatal, por conta do aumento de pessoal e do alcance dos serviços públicos, contribuiu para minar essas práticas (NISBET, 1978 apud NOGUEIRA, 1999, p. 69). Foram adotados, em obediência à Constituição, os concursos públicos e os planos de carreira, com regras claras para a progressão funcional. A falência do modelo de “troca de favores” levou alguns servidores a procurar proteção e segurança não mais no gabinete das chefias, mas sim na porta dos sindicatos. Ainda em alta no limiar da década de 1990, a taxa de sindicalização dos trabalhadores públicos começou a cair nos anos seguintes. As reformas estruturais implementadas pelos governos de Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso (FHC) aceleraram o processo de privatização das estatais e terceirização dos serviços públicos, seguindo a cartilha do Consenso de Washington7. Paralelamente ao desmonte da máquina pública, buscou-se “estancar a ofensiva dos sindicatos de funcionários públicos, tendo em vista o diagnóstico de que a organização sindical no Estado invade e abala as estruturas estatais” (VIEIRA, 2007). Se os anos 1980 foram uma “época de ouro” para o sindicalismo do setor público, a década de 90, ao contrário, assinala uma inflexão na tendência ascendente do número de greves, número de grevistas e número de jornadas não trabalhadas em função das greves no setor público. […] Conforme consta no boletim do DIEESE nº 193, no ano de 1996, aumentaram as “dificuldades nas negociações coletivas em comparação com anos anteriores” em função das políticas de contenção de despesas públicas e privatização das estatais (SILVA, 2005).

Mesmo em tal cenário, Silva (2005) informa que a greve dos petroleiros em maio de 1995 alavancou uma grande mobilização dos trabalhadores do setor público contra a quebra dos monopólios estatais e as reformas administrativa e previdenciária do Governo FHC. Insurgiram-se através de sindicatos vinculados à CUT: petroleiros, telefônicos, ferroviários,

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A estratégia neoliberal funciona da seguinte forma. Reduz-se a quantidade de serviços públicos prestados

exclusivamente por servidores para, em seguida, reduzir o próprio número de servidores, mediante programas de demissão voluntária, aposentadorias e suspensão de concursos públicos. Com a diminuição do funcionalismo e o avanço das privatizações, os sindicatos são golpeados pela perda de filiados e pela insegurança nascida entre os demais. Propaga-se, então, o justo receio dos servidores de terem prejudicadas sua remuneração, suas condições laborais e sua estabilidade no cargo, já que os trabalhadores do setor privado costumam realizar tarefas semelhantes por salários menores. Logo, participar de uma entidade sindical pode acabar sendo motivo de perseguição ou até de exoneração.

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eletricitários, funcionários de universidades, trabalhadores da saúde, da previdência, entre outros servidores federais e estaduais. Sobre a política para o funcionalismo no período, ficou registrado: O atual governo FHC esboça uma política que, guardadas as devidas proporções, significa certa continuidade da política de Collor no que se refere aos funcionários públicos e ao Estado, principalmente por esboçar uma política nada negociadora, com elementos autocráticos e por criar um jogo de “queda de braço” nesse campo. O enfrentamento com os petroleiros e as […] demissões esboçadas para os demais funcionários do setor público demonstram essa ausência de sensibilidade com os trabalhadores. [...] Alguns fatos, sem entrar no mérito, são autoexplicativos: […] a degradação salarial nos serviços públicos e sociais e ausência de reajustes para o serviço público federal desde janeiro de 1995; a reforma administrativa anunciando o fim da estabilidade no emprego […] e extinguindo a sustentação financeira dos líderes associativos e sindicais; a imagem negativa do funcionário público na sociedade; a precarização e terceirização do trabalho no setor público em geral e a recente reforma previdenciária, que amplia a tributação para grande parte dos servidores públicos ativos e inativos (NOGUEIRA, 1999, p. 59; 66-67).

A partir da eleição de Luís Inácio Lula da Silva (PT), em 2002, criou-se a expectativa de que o ex-líder sindical e metalúrgico frearia o desmantelamento estatal e, à frente da presidência, implementaria políticas socializantes que proporcionassem condições mais dignas de emprego e renda aos trabalhadores em geral. Os setores mais combativos do sindicalismo, diante da ambiguidade política e ideológica do Governo Lula, viram-se em uma encruzilhada, sobretudo os mais afinados com a CUT: de um lado, participar de um governo que flertava com o mercado financeiro e arriscar sua representatividade nos meios social e sindical; de outro, não participar de um governo que conjugava os ideais da esquerda e fortalecer a oposição e seu projeto neoliberal. O caderno de resoluções do VII Congresso do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Maringá (Sismmar), realizado em novembro de 2007, ilustra parte dos embates sindicais no setor público durante os anos 2000. No capítulo que analisa a conjuntura nacional, a categoria aprovou a seguinte tese: Diante dos acontecimentos da realidade, não é mais possível defender a tese de que Lula é um governo dos trabalhadores. Lula, apesar da origem pobre e operária, governa para os patrões. Nesse sentido, não difere em nada de FHC […].

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Em relação à previdência pública, em 2003, num golpe violento aos servidores públicos, acabou com a aposentadoria por tempo de serviço, passou a cobrar previdência dos aposentados e do 13º salário dos trabalhadores da ativa e ampliou de 7% para 11% a nossa contribuição para a previdência (Capsema). […] A política salarial para os servidores públicos também continuou a mesma de FHC: arrocho e desqualificação do servidor público. Durante a greve do funcionalismo federal, em 2006, Lula chegou ao cúmulo de oferecer 0,1% de reposição, quando as perdas chegavam a quase 50%. E, agora, em 2007, superou seu antecessor, apresentando projeto que pretende acabar com as greves no serviço público (Sismmar: “Caderno de Resoluções do VII Congresso do Sismmar”, 1011/11/2007).

Guardando semelhanças com as medidas de austeridade fiscal do governo de Michel Temer, a partir de agosto de 2016, o que estava em jogo naquela época, além da reforma da previdência, eram as reformas sindical, universitária e trabalhista. Aliás, o foco da reforma sindical era justamente regulamentar o direito de greve no serviço público, assunto do próximo capítulo deste trabalho. Adiante, sobre o papel da CUT no Governo Lula e as dissidências no mundo sindical, o caderno relata: […] os trabalhadores passaram a se organizar por fora da CUT, pois ela não encampava as principais lutas contra o Governo – o que foi considerado por muitos como uma traição. Diante disso, abriu-se uma imensa crise. Ao longo dos ataques do Governo e do silêncio da Central, o movimento se dividiu em dois: por um lado os que estavam contra as reformas neoliberais do Governo e por outro os que ainda mantinham ilusões no Governo e na CUT. Os sindicatos […] estavam na CUT, mas para lutarem contra as reformas foram obrigados a lutarem contra a própria CUT, braço do Governo no movimento sindical. Para tentar reaglutinar os lutadores, foi criada a Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), uma coordenação que aglutinaria sindicatos e movimentos, mesmo os que estivessem atuando por dentro da CUT, com o objetivo de fortalecer a luta contra as reformas. […] Com tudo isso, manifestações importantes foram realizadas, principalmente dos servidores públicos. Os servidores na conjuntura atual, juntamente com os estudantes, assumiram o papel de protagonistas nas lutas contra o governo: os professores, os controladores de voo, os trabalhadores do Ibama, Correios, bancos públicos, servidores de todas as esferas fizeram greves, em grande parte para defender o que estavam perdendo.

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As divergências ideológicas e de condução da política nacional entre as centrais e seus sindicatos atravessaram os governos petistas de Lula (2003-2010) e Dilma Roussef (20112016). Mas, para o objetivo deste tópico, não convém aprofundá-las, nem adentrar as especificidades do sindicalismo a partir do Governo Temer, ainda muito recentes e nebulosas. As questões discutidas até aqui são suficientes para se ter uma ideia geral das lutas empreendidas pelos trabalhadores do setor público na tessitura dos governos. 2.3. Direito de greve no setor público A reboque do direito de sindicalização, a Constituição de 1988 legalizou o direito de greve no serviço público civil, excluindo mais uma vez os militares. Após várias décadas, os movimentos de greve dos trabalhadores estatais deixaram de ser um crime, passível de prisão ou punições, para encontrar guarida na ordem constitucional: Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: […] VI – é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical; VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica (atualizado em 1998) […] (BRASIL, 1988).

No setor privado, tal direito e suas limitações já não eram uma novidade na legislação brasileira e foram referendados no artigo 9º da Constituição. Além do permissivo legal para a paralisação coletiva e voluntária do trabalho, ficou prevista a elaboração de uma lei que discorreria sobre as restrições ao direito de greve em serviços essenciais e as ações que poderiam ser consideradas ilegais e abusivas. Embora o tema seja objeto de regulamentação nos últimos séculos, há notícias de paralisações no mundo desde eras longínquas. Os escravos da Antiguidade e, depois, os servos da Idade Média já ousavam cruzar os braços para tentar melhorar suas condições de vida e trabalho. Todavia, foi no desenrolar da 1ª Revolução Industrial, na França, que se popularizou o termo “greve”, com o sentido que lhe atribuímos hoje: Grève em francês quer dizer cascalho, areal. Antes da canalização do Rio Sena, em Paris, as cheias do rio depositavam pedras e gravetos numa praça, a qual se denominou Place de Grève. Nesse lugar se reuniam os trabalhadores à procura de

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emprego. Com o surgimento das paralisações do trabalho, os trabalhadores passaram a reunir-se na mesma praça em que faziam greve. Daí passou-se a usar em francês o nome grève para denominar as paralisações dos trabalhadores [MARTINS, 2002 apud VIDIGAL, 2014].

No Brasil, desde a 1ª República, o direito de greve veio sendo tratado como um delito. O Código Penal de 1890 trazia, no artigo 205, as penas de multa e prisão para quem aliciasse os empregados de algum estabelecimento a interromper seu trabalho “sob promessa de recompensa ou ameaça”. Adiante, no artigo 206, aquele que provocasse a suspensão do trabalho para “impor aos operários ou patrões aumento ou diminuição de serviço ou salário” também seria detido (VIDIGAL, 2014). Durante a presidência de Getúlio Vargas, as penalidades ao exercício da greve sofreram alterações. A Lei nº 38 de 1935 e o Decreto-Lei nº 431 de 1938, que definiam os “crimes contra a ordem política e social”, ainda a tratavam como delito, punindo com prisão quem incitasse a greve em serviços públicos. (MARTINS, 2002 apud VIDIGAL, 2014) Curiosamente, ambas as leis estabeleciam apenas a perda do cargo aos funcionários públicos que organizassem paralisações por iniciativa própria. No Decreto-Lei nº 1.237 de 1939, que instituiu a Justiça do Trabalho, e na CLT de 1943, a cessação coletiva do trabalho poderia acarretar aos envolvidos as penas de afastamento, demissão, perda de mandato sindical ou prisão, contanto que fosse deflagrada “sem prévia autorização do tribunal trabalhista” (MARTINS, 2002 apud VIDIGAL, 2014). Nos casos de paralisação de serviços públicos, a punição deveria ser aplicada em dobro. A greve no setor privado deixou de ser crime e se converteu em direito somente na Constituição de 1946. Em 1964, a Lei que regulamentou o artigo 158 da Constituição estendeu o direito de greve também aos celetistas do setor público: Lei nº 4.330/1964. […] Art. 4º – A greve não pode ser exercida pelos funcionários e servidores da União, Estados, Territórios, Municípios e autarquias, salvo se se tratar de serviço industrial e o pessoal não receber remuneração fixada por lei ou estiver amparado pela legislação do trabalho (BRASIL, 1964).

A Constituição de 1967 reiterou o direito de greve aos trabalhadores do setor privado, mas, em sentido contrário, o proibiu ao funcionalismo público, sem distinção entre estatutários e celetistas. Na mesma linha, a Lei de Segurança Nacional de 1978 previu pena de

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reclusão a quem promovesse ou incitasse a suspensão do trabalho em serviços públicos ou atividades essenciais, definidas em lei específica (MARTINS, 2002 apud VIDIGAL, 2014). A situação denotava a mudança de direção que a legislação sofreu a partir do Regime Militar, sobretudo nos “anos de chumbo". Como sinal do recrudescimento, foram suprimidas penas mais brandas como o afastamento, a demissão ou a cassação do mandato sindical daqueles que, de alguma forma, comprometessem o funcionamento das atividades públicas. A necessidade de manter um Estado forte e autoritário não permitia aos militares tolerar que os trabalhadores desse mesmo Estado se rebelassem contra a ordem estabelecida. Como visto no subcapítulo anterior, a partir de 1978, as greves capitaneadas pelos metalúrgicos do ABC paulista e professores da rede estadual de São Paulo, com pautas políticas e salariais, pressionaram fortemente as bases já fragilizadas da Ditadura. Em conjunto com os movimentos sociais e a campanha pelas Diretas Já, a CUT e os setores mais avançados do novo sindicalismo contribuíram de modo decisivo para acelerar o processo de redemocratização do país na década de 1980. Os esforços conjugados da sociedade culminaram na formação da Assembleia Nacional Constituinte, que elaborou e promulgou a Constituição de 1988. Como frutos da participação ativa do funcionalismo na luta pelas liberdades democráticas, os direitos de associação sindical e greve dos trabalhadores estatais finalmente se consolidaram. Conforme a Carta, a greve no serviço público civil será exercida “nos termos e nos limites definidos em lei específica” (artigo 37, inciso VII). Paulo Vidigal (2014) observa que, decorridos trinta anos da Constituição, a lei específica a que se refere o inciso VII do Art. 37, que regularia o exercício do direito de greve dos servidores públicos, ainda não foi criada. Paira sobre o tema uma lacuna legislativa. Em decorrência disso, o Poder Judiciário tem aplicado por analogia a Lei 7.783/89 (Lei de Greve) para regular a greve de servidores públicos.

A Lei nº 7.783 de 1989 regulamenta, de forma originária, os “serviços ou atividades consideradas essenciais, impondo novas restrições à realização de greves” no setor privado (FARIA, 2009). Em consonância com a previsão constitucional, o artigo 16 dispõe que os termos e limites ao direito de greve do servidor público serão definidos em lei complementar. A Lei de Greve derivou da Medida Provisória nº 59/1989 e continua em vigor nos dias atuais. Na sentença proferida em um Mandado de Injunção de 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que ela “deve ser aplicada aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis enquanto não for 26


promulgada uma lei específica”. Quanto à “lacuna legislativa”, existem projetos de lei no Senado que buscam disciplinar a matéria (VIDIGAL, 2014). A Lei se destina originalmente aos trabalhadores do setor privado porque resulta do parágrafo 1º do artigo 9º da Constituição, no capítulo sobre os direitos sociais da coletividade: Art. 9º – É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. § 1º – A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (BRASIL, 1988).

Contudo, na ausência da legislação específica, o STF decidiu estender a aplicabilidade da Lei nº 7.783/1989 às greves do funcionalismo, por conta de uma certa analogia entre os setores público e privado nesse aspecto. Ela prescreve uma série de exigências para que uma greve seja considerada legal e não abusiva. No artigo 2º, o exercício legítimo do direito de greve é entendido como “a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador. A “cessação coletiva do trabalho” só será permitida se a negociação das demandas trabalhistas entre empregado e empregador, ou servidor e gestor público, fracassar (artigo 3º). Porém, antes de ser deflagrada, a entidade sindical deve convocar uma assembleia geral, na forma do respectivo estatuto, para definir as reivindicações da categoria profissional representada e deliberar sobre uma possível paralisação do trabalho (artigo 4º). Em caso de deliberação pela greve, a entidade patronal ou, diretamente, os patrões e chefes do Poder Executivo deverão ser notificados da decisão com antecedência mínima de 48 horas (artigo 3º, parágrafo único). Aos sindicatos e grevistas, a Lei autoriza o uso de métodos pacíficos para convencer os trabalhadores a aderirem à greve. Poderão ser arrecadados recursos financeiros destinados à manutenção do movimento. Os empregadores, públicos ou privados, estão proibidos de coagir seus subordinados a retornarem ao trabalho involuntariamente. Estão proibidos, ainda, de impor obstáculos à divulgação dos atos e acontecimentos da greve nos locais de trabalho. Por outro lado, os grevistas não podem bloquear, sob ameaça de violência ou agressão, o acesso dos trabalhadores que desejem trabalhar, nem danificar a propriedade de ente público ou privado (artigo 6º). Ou seja, os tradicionais “piquetes” são permitidos, contanto que sejam pacíficos e não violem os direitos fundamentais de outro indivíduo.

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Conforme o artigo 7º, seguidas as normas da Lei, a participação no movimento paredista “suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho”. Traduzindo para o setor público, as obrigações mútuas entre gestores e servidores, celetistas ou estatutários, ficam suspensas no transcorrer da greve. Todavia, como será aprofundado em outro momento, a Justiça do Trabalho não tem competência legal para resolver os conflitos dentro da administração pública, fato que tem gerado inúmeras complicações às greves do funcionalismo. O parágrafo único do mesmo artigo dispõe: “É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos artigos 9º e 14”. Aqui, entra-se em um dos pontos fulcrais da Lei de Greve: a essencialidade (artigo 7º, parágrafo único). Enquanto durar o movimento, o sindicato da categoria ou, na ausência deste, uma comissão de negociação precisa designar uma equipe mínima de trabalhadores para garantir a continuidade dos serviços considerados essenciais ao bem-estar da população. A definição da equipe, da quantidade de membros e de quais atividades essenciais serão mantidas dependerá de um acordo com o empregador ou com a entidade patronal que o representa. Não havendo acordo, é facultado ao empregador contratar novos funcionários para realizá-las ou contratar os serviços de uma empresa privada. A terceirização, nesses casos, tornou-se bastante comum na esfera estatal (artigo 9º). No artigo 10, estão listados os serviços e atividades essenciais, segundo os critérios da Lei: Art. 10 – São considerados serviços ou atividades essenciais: I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II – assistência médica e hospitalar; III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV – funerários; V – transporte coletivo; VI – captação e tratamento de esgoto e lixo; VII – telecomunicações; VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais; X – controle de tráfego aéreo; XI – compensação bancária (BRASIL, 1989).

A questão da essencialidade reaparece no artigo seguinte. Porém, a recomendação de um pacto formal entre sindicatos, empregadores e trabalhadores para manter as atividades essenciais é colocada de modo mais enfático. As partes, agora, ficam “obrigadas, de comum 28


acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”. O parágrafo único do artigo 11 esclarece: “São necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”. E, dessa vez, caso não haja acordo, o Poder Público terá a responsabilidade de assegurar o cumprimento da essencialidade (artigo 12). Vale notar que o rol de atividades essenciais descritas no artigo 10 não esgota as possibilidades e tem caráter apenas ilustrativo. Tendo em vista que a Lei foi pensada para a iniciativa privada, é compreensível que o serviço de segurança pública, atribuição primordial do Estado, esteja fora da lista. Mas o critério de analogia adotado para interpretar o direito de greve do funcionalismo permitiria, em tese, incluí-la entre os serviços essenciais, pois a falta de segurança pública coloca em “perigo iminente” a saúde e a sobrevivência da população. De qualquer forma, o direito de greve de policiais militares e civis ainda é tão controverso que não convém abordá-lo neste trabalho. Além do propósito de atender às “necessidades inadiáveis da comunidade”, a Lei traz outro conceito para definir a essencialidade. No artigo 9º, os serviços e atividades essenciais são aqueles “cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos”, ou que sejam “essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento”. Esse ponto diz respeito, principalmente, aos objetivos finalísticos de uma empresa ou entidade pública. Uma fábrica não pode prescindir de suas máquinas e equipamentos em boas condições para entrar em operação, assim como um órgão público de saúde não pode prestar atendimento satisfatório à população com aparelhos e utensílios médicos danificados. Se a greve envolver a interrupção de serviços essenciais, a entidade sindical ou a comissão de negociação dos trabalhadores fica obrigada a comunicar o fato às instâncias de representação patronal com antecedência mínima de 72 horas (artigo 13). Apesar do cuidado ao tratar do tema, “a Lei nº 7.783/89 não estipula um percentual mínimo de trabalhadores necessários para manutenção dos serviços e atividades essenciais durante a realização da greve” (VIDIGAL, 2014). Tradicionalmente, o percentual que se convencionou adotar corresponde a 30% do total da equipe que trabalha em cada área essencial. Entre as restrições, a Lei proíbe a prática do lock-out. Segundo o artigo 17, ela consiste na “paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos 29


empregados”. Na ocorrência de lock-out, os grevistas têm assegurado o direito de receber os salários normalmente. É comum acontecer nas greves de servidores públicos a abstenção por parte do ente público de realizar acordos com o sindicato/trabalhadores para fixar um percentual de servidores para atendimento das atividades essenciais. Essa abstenção merece atenção por parte do sindicato ou trabalhadores, pois pode motivar o Poder Judiciário a declarar a abusividade da greve pela inobservância do art. 11 da Lei (VIDIGAL, 2014).

O artigo 14 informa que o abuso do direito de greve se configura pela “inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho”. O artigo seguinte acrescenta: “A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos no curso da greve será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista civil ou penal”. Portanto, qualquer deslize, seja por desobediência às regras, seja por depredação de propriedade alheia, por exemplo, pode ensejar a declaração de ilegalidade e abusividade da greve pelo Poder Judiciário. É válido registrar que a Lei nº 7.783/89 não contempla as greves por motivação política e de solidariedade a outras categorias profissionais. Limita-se a regular a suspensão do trabalho resultante do vínculo direto entre empregado e empregador, sobretudo em questões salariais. As greves políticas e de solidariedade pressupõem, na maioria das vezes, a inexistência do vínculo empregatício. Assim, não é possível, em termos legais, que os trabalhadores de uma empresa paralisem o serviço para obter benefícios aos trabalhadores de outra empresa. Da mesma forma, não é lícito aos servidores de uma prefeitura entrar em greve contra uma decisão do governo federal. Caso contrário, é facultado ao ente empregador descontar os dias parados do salário dos grevistas, com respaldo da Justiça. Esses movimentos, cruciais para a evolução do direito do trabalho no Brasil, não oferecem qualquer proteção jurídica aos participantes. A circunstância ajuda a compreender a índole das leis que tratam do direito de greve no país. Nota-se que o objetivo é quase sempre proibir, restringir ou controlar as manifestações que coloquem em xeque a burocracia estatal e a ordem burguesa. Voltando ao tema da Justiça do Trabalho, quando se fala em “acordo, convenção ou decisão”, a Lei de Greve remete ao seu papel constitucional de mediar, conciliar e julgar os conflitos de trabalho, especialmente no setor privado. A atribuição já constava no artigo 643 da CLT e reafirmou-se no artigo 114 (atualizado em 2004) da Constituição:

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Art. 114 – Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II – as ações que envolvam exercício do direito de greve. […] § 1º Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. § 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito […] (BRASIL, 1988).

Embora a Carta estenda essa competência ao setor público em geral, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) de 1992, que os efeitos da norma atingem apenas os trabalhadores da iniciativa privada e os servidores estatais regidos pela CLT. A Adin nº492-1 questionava a validade do artigo 240 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais (Lei nº8112/1990). A Suprema Corte julgou-o inconstitucional porque atribuía ao servidor estatutário os direitos de negociação coletiva e ajuizamento de ações na Justiça do Trabalho. Na interpretação dos ministros, tais direitos só caberiam aos celetistas. Em trecho do processo, a subprocuradora-geral da República na época, Odília Ferreira, lembrou que o STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já haviam reconhecido a prerrogativa da justiça comum para julgar as contendas no Estado (STF, 1992). Normalmente, a negociação coletiva entre empregados e empregadores no setor privado dá origem aos acordos e convenções coletivas de trabalho 8, documentos com valor jurídico-normativo. Nessa etapa, é obrigatória a participação de sindicatos patronais e profissionais (artigo 8º, inciso VI, da Constituição). Fracassada a negociação, as entidades sindicais podem instaurar uma ação de dissídio coletivo 9 na Justiça do Trabalho, havendo ou não suspensão das atividades. O STF entendeu que os mesmos direitos não valem para os servidores estatutários. Não exclui, todavia, a possibilidade de se estabelecer um diálogo entre as partes para resolver 8

CLT. Art. 611 – Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho. § 1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho (BRASIL, 1943). 9

Dissídio coletivo é uma ação judicial decorrente do conflito trabalhista, levada para apreciação e julgamento da Justiça do Trabalho.

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os conflitos de trabalho na esfera pública. Na análise de Raimundo Simão de Melo (2006, apud VIDIGAL, 2014), não obstante tenha o STF, na mencionada ADIn 492-1, negado o direito de negociação coletiva ao servidor público [...], tal deve ser considerado em relação a assinatura de instrumentos normativos, com força de lei, que são resultado de um processo negocial. Porém, não está proibindo o diálogo social entre os entes públicos e os sindicatos de servidores públicos na busca da necessária solução dos conflitos coletivos de trabalho. Esse diálogo pode levar à assinatura de um “protocolo de intenções”, pelo qual se compromete o ente público a apresentar um projeto de lei ao Poder Legislativo com as reivindicações dos servidores […].

No decorrer deste trabalho, será evidenciado como a falta de uma legislação específica e um foro exclusivo para julgar as greves do funcionalismo pode prejudicar as reivindicações da categoria. De qualquer forma, as greves no Estado alcançaram grande destaque na história do Brasil e ainda ocupam a vanguarda do movimento sindical na atualidade. No princípio do novo sindicalismo, elas se distinguiram pela “longevidade”. A paralisação de vários setores causou a perda de muitas jornadas de trabalho no período. Uma vez que agiam por fora da estrutura sindical oficial, as organizações dos servidores nasceram “desembaraçadas dos seus vícios corporativos” e levaram mais adiante “a liberdade e a democracia sindicais, pelo menos nesse primeiro momento” (FARIA, 2009). Como nas greves entre 1978 e 1988, as pautas do funcionalismo público são basicamente “econômicas e políticas”. Talvez, até “mais políticas” do que as da classe trabalhadora em geral, porque surgem no interior do Estado e interferem diretamente nas obrigações da administração pública em relação à sociedade. Se for analisada a dinâmica do movimento grevista, dada pela longevidade das greves, sobretudo salariais, negociações difíceis e morosas, longas jornadas não trabalhadas, poucas conquistas econômicas, envolvendo setores estratégicos, como saúde e educação, entre outros, pode-se afirmar que o sentido da liberdade sindical no Estado e da garantia da atividade sindical é bem mais complexo e abrangente (NOGUEIRA, 1999, p. 56).

Devido à paralisia dos serviços públicos, o prejuízo das greves acaba sendo “socializado” com toda a população. Elas costumam durar mais porque, tradicionalmente, se

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trava uma disputa “em que servidores públicos e governo procuram responsabilizar uns aos outros pelo desgaste junto à população” (GUEDES, 1994, p. 411). Serão narrados, no capítulo seguinte, a formação do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Maringá (Sismmar) e os eventos da greve de 2006, na qual alguns dos elementos que definem as paredes na burocracia estatal, como a longevidade, as demandas político-econômicas, o prejuízo social, a troca de acusações, as brigas judiciais, estiveram fortemente presentes.

3. A GREVE DE 2006 DOS SERVIDORES MUNICIPAIS DE MARINGÁ 3.1. Prólogo: o Sismmar O Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Maringá (Sismmar) nasceu na esteira do novo sindicalismo no Brasil. Como relata o texto de apresentação no site da entidade, Antes da Constituição de 1988, os servidores públicos não tinham direito à sindicalização. Havia associações que cumpriam, à revelia da lei, o papel de sindicatos. Em Maringá, a categoria dos professores municipais já havia formado em 1987 uma associação com o objetivo de lutar pelos interesses da categoria. No ano seguinte, com a nova Constituição, se tornou possível o registro legal das entidades sindicais e nasce então o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Maringá (Sismmar, xxxx).

O Sismmar foi fundado em 28 de novembro de 1988, quase dois meses após a promulgação da Constituição Federal. O texto informa que a assembleia de fundação, no Auditório da Biblioteca Municipal [Bento Munhoz da Rocha Neto], contou com aproximadamente 200 servidores. Na data, aprovou-se o estatuto da entidade e foi eleito presidente o professor da rede municipal, Claudemir Romancini, que era filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT). Seguindo a tendência dos sindicatos do setor público, o Sismmar se filiou à CUT já no ano seguinte. O site também cita “lutas históricas” empreendidas pelo Sindicato desde sua criação: as greves de 1989 e 2006; as campanhas da trimestralidade e contra a privatização das escolas municipais e da coleta de lixo no início dos anos 1990; e a revisão do Plano de Carreira, 33


Cargos e Remuneração (PCCR) de 1998. Ironicamente, parte dessas lutas só teve desfecho nos últimos anos e ainda reverberam em 2018. Aliás, muitas peças do xadrez político da década de 1990 retornaram em outras posições a partir dos anos 2000. Embora já existisse desde 1967, a Associação dos Funcionários Municipais de Maringá (AFMM) não cumpria o papel de defender os interesses sociais, políticos e econômicos dos associados. Os componentes da história de formação do Sismmar, como a abertura de uma associação de cunho sindical, a falta de amparo legal, o pioneirismo dos professores, a regularização pós-1988 e a filiação à CUT, denotam a sintonia dos servidores maringaenses com o novo sindicalismo dos trabalhadores públicos. A primeira greve da categoria ocorreu de 16 a 22 de março de 1989. Segundo o Jornal do Sismmar, de abril daquele ano, o movimento reivindicava reajuste salarial de 127%, com base na Lei da Trimestralidade, contra os 58% propostos pelo então prefeito Ricardo Barros (1989-1992), eleito pelo Partido da Frente Liberal (PFL) e filho do ex-prefeito Sílvio Magalhães Barros I (1973-1977). É preciso recordar que a inflação em 1989 ultrapassou os 1.500%. Por isso, a fim de evitar a corrosão dos salários, os reajustes eram feitos trimestralmente, levando-se em conta o índice oficial do período. O prefeito chegou a acionar o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) em Curitiba para se pronunciar sobre legalidade da greve. Mas, tendo em vista que o julgamento dos impasses na administração pública não eram de sua competência, o TRT apenas emitiu um parecer acerca do índice de inflação a ser considerado no cálculo. As negociações tiveram a mediação do Arcebispo de Maringá, Dom Jaime Luiz Coelho, de pastores e alguns vereadores. Os grevistas se concentravam na Praça da Prefeitura. Entre as atividades, promoveram orações e um “abraço” ao Paço Municipal. No dia 22 de março, após avanços e recuos, o prefeito apresentou nova proposta de reajuste, que foi defendida pelo Sindicato e aprovada em assembleia, decretando assim o fim da greve. O sucesso do movimento fez com que a data-base dos servidores fosse transferida para o mês de março de cada ano. Nos dizeres do Jornal, a greve foi amplamente vitoriosa. Um grande saldo a ser considerado é aquele que sentimos diretamente no bolso, ou seja, o reajuste conseguido com o movimento é muito maior, para a grande maioria dos servidores, do que aquele proposto inicialmente pelo prefeito. Mas, longe de ser um presente, foi conquistado com muita luta, com a presença da categoria na praça e com a organização dada pelo Sindicato. E este é o nosso maior saldo (SISMMAR, 1989).

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Na sequência, o texto identifica um obstáculo à atividade sindical no Estado: a fragmentação do trabalho. Os funcionários públicos em geral, e particularmente na Prefeitura de Maringá, estão divididos em uma infinidade de setores e secretarias, conforme o cargo e a função que ocupam na hierarquia. Existem assessores, coordenadores, professores, médicos, gerentes, diretores, espalhados pelas Secretarias de Educação, Saúde, Habitação, Segurança, Assistência Social etc. Há também uma significativa desigualdade salarial entre eles, que repercute em grandes desigualdades socioeconômicas. Essa diferenciação contribui para desunir o funcionalismo e justificam sua falta de “tradição de lutas coletivas”. Apesar das dificuldades do período, o site do Sismmar registra que a greve de 1989 teve adesão de 80% a 90% de um total aproximado de três mil servidores municipais. O Jornal daquele ano estimava em dois mil o número de filiados nos primeiros quatro meses da fundação. A inserção do Sindicato no novo sindicalismo corroborou-se com a participação na greve geral contra o Plano Verão e a “política de arrocho” do Governo Sarney em 1989. O movimento organizado pela CUT e Central Geral dos Trabalhadores (CGT) aconteceu nos dias 14 e 15 de março daquele ano. Em Maringá, mobilizou diversas categorias dos setores público e privado. A greve geral foi tão determinante para a união do funcionalismo municipal que serviu de gatilho à paralisação dos servidores já no dia 16 de março. Segundo o Jornal, as passeatas superaram as expectativas, conseguindo fechar o comércio por onde passava, e obtendo a adesão espontânea de milhares de pessoas que se concentraram depois na Praça Raposo Tavares, numa das maiores manifestações da história da Cidade (SISMMAR, 1989).

O texto discute, em seguida, o tema da contribuição sindical. De modo taxativo, a diretoria se coloca contra o desconto obrigatório em folha, afirmando que a utilização do recurso seria definida pelos servidores em assembleia. O entendimento era de que a contribuição sindical é nociva ao sindicalismo, porque favorece o surgimento de dirigentes “pelegos”. Facilita, ainda, a sobrevivência de sindicatos que não realizam “trabalho de base”, isto é, a tarefa de convencer trabalhadores em seus locais de trabalho a se filiarem e pagar mensalidades voluntariamente. Trabalho este que aumenta a representatividade, a autonomia financeira e o poder de negociação dos sindicatos nas disputas trabalhistas. As direções que comandaram o Sindicato a posteriori manifestaram a mesma compreensão. Na atualidade, o dinheiro é repartido entre os servidores filiados.

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Além dos assuntos mencionados, o periódico traz informações e esclarecimentos sobre índices de inflação, dissídios coletivos, congresso da CUT e criação do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). O Jornal do Sismmar nº01, de abril de 1989, contextualiza aquele tempo de modo muito fiel, exibindo fotografias que retratam com vivacidade os dias da greve. Durante o governo de Ricardo Barros, o Sismmar passou por outros momentos marcantes de sua história. Os embates da época foram contaminados pelo cenário político nacional e internacional. De um lado, estudiosos e políticos defendiam neoliberalismo como panaceia para superar a crise dos anos 1980 e adentrar os anos 1990 com desenvolvimento econômico e social. De outro, os que mantinham a convicção na retomada do “Estado de bem-estar social” a fim de debelar a crescente desigualdade social no Brasil, em harmonia com sindicatos e movimentos sociais e, ainda, com os princípios da Constituição de 1988. A seguir, estão reproduzidos alguns relatos do historiador maringaense Reginaldo Benedito Dias (1995, p. 4; 6) sobre o período: Quem conhece a história de Maringá e acompanhou de perto a sucessão municipal de 1988 deve ter ficado surpreso quando o prefeito Ricardo Barros (PFL) anunciou, nos primeiros meses de 1989, que a prioridade imediata de sua recém-empossada administração era promover ampla privatização dos serviços públicos. […] Até 1989, momento em que o Executivo anunciou a deflagração da privatização, não se tem notícia de insatisfação popular para com a qualidade dos serviços públicos municipais. […] O tema da privatização, longe de ser reivindicado pela população, foi introduzido mais por influxos dos debates ideológicos nacionais, com os quais o novo prefeito estava sintonizado, do que por demandas locais de inversão no padrão da gestão pública. […] A introdução da privatização foi anunciada com bastante convicção no início da nova Administração, que logo se intitulou “Administração Liberal”.

O programa da autodenominada Administração Liberal se concatenava com as políticas de desestatização e enxugamento da máquina pública, iniciadas na curta presidência de Fernando Collor de Mello (1990-1992) e retomadas por Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). O então prefeito de Maringá desencadeou a onda privatizante pela terceirização do serviço de coleta de lixo. Houve a contratação de uma empresa privada para realizar a coleta mediante contrato de prestação de serviços, com metodologia e prazo determinados. O passo seguinte foi a terceirização do ensino público municipal por meio de um sistema complexo de 36


“escolas cooperativas”10. As medidas foram implementadas de forma autocrática, sem um amplo debate com a comunidade maringaense. Para justificá-las, a administração valeu-se do argumento discutível de que “os serviços públicos seriam, por natureza, perdulários e ineficientes, enquanto os serviços da iniciativa privada seriam sempre mais eficientes e baratos” (DIAS, 1995, p. 6). Visando frear a política neoliberal de Ricardo Barros, surgiu um movimento popular conjugado no Fórum Maringaense em Defesa do Patrimônio Público, entidade formada por diversas agremiações, associações, partidos políticos e sindicatos, entre eles, o Sismmar. Embora apresentasse suas medidas como “verdadeira revolução na gestão pública”, com uma pesada campanha de marketing para demonstrar resultados positivos, o prefeito não conseguiu disfarçar a situação precária das contas públicas. O pagamento do funcionalismo estava atrasado, assim como o pagamento de fornecedores e das próprias escolas cooperativas (DIAS, 1995, p. 25). Outro legado da Administração Barros para o serviço público foi o processo da trimestralidade. Conforme o site do Sismmar, em 1990, o prefeito revogou a Lei que obrigava o Município a reajustar trimestralmente o salário dos servidores, por conta dos astronômicos índices de inflação da época. O Sindicato ingressou com uma ação judicial que buscava reparar as perdas salariais de quase 3.800 servidores municipais. Apesar da vitória final do Sismmar na Justiça, em 2014, o acordo para quitar os prejuízos da trimestralidade só foi celebrado em outubro de 2017, pelo atual prefeito de Maringá, Ulisses Maia, personagem que reaparecerá algumas vezes ao longo da monografia. As polêmicas em torno das privatizações e o deficit das contas públicas ajudaram a sepultar a candidatura de Miro Falkembach (PFL), aliado de Barros no pleito municipal de 1992, e eleger com folga seu adversário político: o ex-prefeito de Maringá entre 1983 e 1988, Said Felício Ferreira (PMDB). Ademais, a Justiça anulou as licitações que viabilizaram a contratação das cooperativas de ensino, julgando-as inconstitucionais. O desfecho da gestão de Ricardo Barros, hoje ministro da Saúde do Governo Temer, entrou para o anedotário da cidade:

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Segundo Dias (1995, p. 10), “o modelo de privatização consistia na contratação de empresas que, constituídas por professores e profissionais do meio educacional, receberiam toda a infraestrutura necessária (prédios, carteiras etc.) e mais um custo por aluno atendido, suficiente para cobrir despesas, pagamento de pessoal e garantir uma margem de lucro. […] As empresas escolares receberam o nome de escolas cooperativas. Tentavase legitimar o nome ‘cooperativa’ através da exigência de que o corpo de sócios das empresas fosse composto por profissionais que atuariam na escola e que houvesse, no mínimo, 50% do quadro dos trabalhadores da escola no corpo dos sócios […]”.

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A “quebra” dos cofres públicos expôs, nos últimos dias de dezembro, o prefeito a um enfrentamento com os servidores do município que, estando com o pagamento de seu 13º atrasado, deflagraram uma contundente e insólita greve. Já no primeiro momento do movimento, os servidores ocuparam e controlaram as dependências do prédio em que se localizava o gabinete do prefeito. Para esquivar-se do choque com os grevistas, o prefeito chegou a fugir por uma janela que não estava sendo controlada, fato noticiado nacionalmente pela Rede Globo de Televisão (DIAS, 1995, p. 28).

Desse modo, encerra-se o primeiro grande ciclo de lutas do Sismmar. Entretanto, no xadrez da política maringaense há diversos paralelismos. Eis que, nas eleições de 2004, vence o candidato do Partido Progressista (PP), Sílvio Magalhães Barros II, filho de Sílvio Barros I e irmão de Ricardo. O fato apenas realçou a conhecida hereditariedade política dos Barros. Ele já havia disputado as eleições de 1996, perdendo para Jairo Gianotto (PSDB). Nas eleições de 2000, a cunhada Cida Borghetti Barros concorreu à Prefeitura pelo PP, todavia, foi derrotada por José Cláudio Pereira Neto (PT). Em 2004, Cida chegou a ser cotada novamente, mas o PP lançou Sílvio como candidato na coligação com o Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB). À revelia das pesquisas eleitorais, que apostavam em João Ivo Caleffi (PT) e Dr. Batista (PTB) no segundo turno, Sílvio Barros II conquistou votos para prosseguir no páreo. O candidato do PP vinha atrás de Caleffi nas pesquisas do segundo turno. Contudo, tendo a seu favor recursos para a campanha, estratégias de marketing, o apoio da imprensa e do empresariado local, Sílvio reagiu e sagrou-se vencedor, ao lado do vice Carlos Roberto Pupin (PDT) (DIAS, 2008, p. 202; 212-214). Caleffi havia assumido a Prefeitura em 2003, após a morte de José Cláudio por câncer no intestino. O candidato petista à reeleição fez parte de uma coligação com o Partido Humanista da Solidariedade (PHS) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Caleffi foi escolhido, na chapa com o vice Rubem Almeida Mariano, para concorrer à Prefeitura no lugar do ex-secretário municipal, Ênio Verri, também do PT (DIAS, 2008, p. 198). Logo, a coligação representou a alternativa de esquerda nas eleições daquele ano.

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A eleição de Sílvio Barros II em 2004 significou a retomada da política privatista de Ricardo Barros, que na época era deputado federal pelo Paraná. Nas conjunturas nacional e estadual, o presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) e o governador paranaense Roberto Requião fundamentavam seus governos em princípios sociais-democráticos. Maringá se situava, então, no centro de uma “queda de braço” ideológica que ultrapassava suas fronteiras. Ironicamente, Sílvio se comprometeu com as seguintes propostas na campanha de 2004:

No final de 2005, aconteceu a eleição para a diretoria do Sismmar (quadriênio 20052008). Duas chapas principais estavam na disputa: uma ligada ao PT e à CUT, que tentava a reeleição; outra ligada ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e à Central Sindical e Popular – Coordenação Nacional de Lutas (CSP-Conlutas), entidades que se formaram a partir de dissidências do PT nacional e da CUT. Venceu a chapa PSTU-Conlutas, em uma campanha eivada de ataques à gestão cutista anterior. A presidência ficou a cargo da servidora da Secretaria de Assistência Social, egressa do movimento estudantil, Ana Pagamunici, cuja posse seria em 29 de novembro de 2005. A postura da nova gestão do Sindicato, intitulada Trabalhadores em Luta, se apresentou desde o início de franca oposição ao governo de Sílvio Barros II. 39


Passados alguns dias da posse, o jornal Hoje, de 14 de dezembro de 2005, estampou na manchete de capa: “Começa greve na Saúde de Maringá”. Os servidores já tinham aprovado em assembleia o indicativo de greve, exigindo a regulamentação definitiva da carga horária dos profissionais da Secretaria de Saúde. Deliberou-se enfim pela paralisação na Assembleia de 13 de dezembro daquele ano. No mesmo dia, assistiram à sessão da Câmara Municipal de Maringá para saber se a Administração havia apresentado o projeto de lei que resolveria o impasse e, ao mesmo tempo, pressionar os vereadores em prol da causa do funcionalismo. O imbróglio começou, segundo matéria do jornal O Diário do Norte do Paraná (09/12/2005), quando o prefeito Sílvio Barros II assinou um decreto que obrigava os trabalhadores da Saúde a cumprir a carga horária legal para a qual foram contratados, amparado no relatório de uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR). Alguns funcionários (médicos, dentistas, enfermeiros etc.) cumpriam jornada de trabalho reduzida, fruto de um acordo informal celebrado há 15 anos com o ex-prefeito Said Ferreira. A nova diretoria do Sismmar abriu o mandato encampando, de imediato, a greve da Saúde, que durou apenas um dia. E já no primeiro mês de 2006 organizou um protesto contra a terceirização do Hospital Municipal. O jornal Hoje relatou: Com palavras de ordem e faixas, cerca de 40 entidades protestaram ontem, nas proximidades do Terminal Urbano, contra a terceirização do Hospital Municipal de Maringá.

Os manifestantes

responsabilizaram

o governo

municipal

pelo

sucateamento da saúde pública. As entidades ali representadas ainda cobraram a falta de diálogo com o prefeito Sílvio Barros sobre a proposta de entrega da administração do Hospital à iniciativa privada. […] O secretário municipal da Saúde, Antonio Carlos Figueiredo Nardi, explicou à reportagem do Hoje que pretende se inspirar no modelo paulista de contrato de gestão hospitalar para aumentar a eficiência do HM (JORNAL HOJE, 26/01/2006).

Estava configurado, assim, o clima de rivalidade entre Sismmar e Prefeitura que culminou na greve dos servidores municipais em 2006, assunto do próximo capítulo. 3.2. Diário da greve Superados os primeiros embates na área da Saúde, o novo ingrediente para a greve foi a campanha salarial de 2006. O Sismmar oficiou o prefeito, em 08 de fevereiro daquele ano, 40


reiterando o pedido de reunião para tratar do pagamento das progressões funcionais e da reposição da inflação acumulada em 2005. Informou, ainda, que estava marcada a Assembleia Geral dos servidores no dia 18 de fevereiro (sábado), a fim de apreciar as propostas do Poder Executivo. A data-base da categoria tinha vencido em janeiro. A resposta na íntegra, assinada pelo chefe do Gabinete do Prefeito (Gapre), Benivaldo Ferreira, foi a seguinte: “De ordem do Exmo. Sr. Prefeito Municipal, em resposta ao seu Ofício nº51/2006 – Sismmar, informamos que o assunto ali contido estará apto a ser enfocado em tempo oportuno, qual seja, após o fechamento do balanço” (Ofício nº154/06-Gapre). Mesmo sem reunião com o prefeito, a categoria realizou a Assembleia e aprovou a primeira pauta de reivindicações: - Reposição das perdas salariais dos servidores municipais, equiparada ao percentual do salário mínimo nacional, que será de 16,67%, distribuídos da seguinte forma: 4,98% de reposição salarial (que é o índice das perdas acumuladas no ano de 2005, segundo IPC da FIPE) e 11,69% de reajuste salarial; - Publicação imediata do edital com resultado da avaliação dos servidores para fins de progressão funcional e início imediato do pagamento da progressão salarial aos servidores que já foram avaliados; - Criação de uma comissão para discussão e implementação da proposta de revisão do PCCS (ou PCCR) da Administração Direta, Indireta e do Magistério, apresentada pelo Sismmar no ano de 2003; - Regulamentação, em lei, da jornada diferenciada de trabalho dos servidores da Saúde, conforme o que estava sendo desenvolvido há mais de 10 anos e conforme as normativas das Conferências Nacional, Estadual e Municipal de Saúde; - Pelo fim do projeto que prevê parceria com entidades privadas, terceirização ou privatização do Hospital Municipal; - Manutenção dos servidores que participam das comissões de negociação com a Administração Municipal e das manifestações reivindicatórias da categoria em seus locais de trabalho, e fim de qualquer possibilidade de perseguição aos servidores por suas convicções ideológicas (Ofício nº65/06-Sismmar).

O Sismmar solicitou, no mesmo ofício, uma reunião com o Executivo e a comissão de trabalhadores eleita na Assembleia, com o objetivo de abrir a negociação da campanha salarial. O jornal Folha de Londrina, de 21 de fevereiro (terça-feira), repercutiu o resultado da Assembleia de sábado no Cine-Teatro Plaza. Enfatizou na matéria que o funcionalismo ameaçou entrar em greve se o prefeito não sinalizasse o atendimento das reivindicações. A presidente do Sindicato, Ana Pagamunici, declarou em entrevista ao jornal que “desde o início 41


de janeiro os sindicalistas estão tentando, sem sucesso, ser recebidos na Administração para negociar os tópicos da pauta”. Quanto ao atraso na data-base da categoria, o secretário de Administração à época, Ademar Schiavone, alegou ter havido um problema no sistema de informática da Prefeitura, motivo pelo qual sua equipe não finalizou o “balanço das contas” no início do ano. No decorrer da pesquisa, foram encontrados vários ofícios que narram a comunicação entre Sismmar e Prefeitura antes da deflagração da greve de 2006. Em um deles, o Sindicato confirma a participação no encontro agendado pelo Executivo, via telefone, para o dia 09 de março. Todavia, ele não aconteceu. No final do mês, houve uma Assembleia Geral Extraordinária no Auditório Joubert de Carvalho (Biblioteca Municipal). Diante da ausência de proposta por parte da Administração, os servidores deliberaram por mais uma tentativa de reunião no prazo de três semanas, pois outra assembleia já estava marcada. Após um hiato no mês de abril, o Sismmar voltou a oficiar a Prefeitura em 16 de maio, requerendo a indicação de membros para compor a comissão que a representaria nas negociações. O segundo ponto solicitava, em caráter urgente, o agendamento de uma reunião. O Sindicato encerrou o documento recordando que vários ofícios foram enviados e não obtiveram retorno. A primeira resposta, encontrada durante a pesquisa, veio no dia seguinte e pedia que o Sismmar informasse o nome de três servidores que integrariam a comissão de negociação. Conforme depreende-se de um ofício de 02 de junho da Secretaria de Administração, a reunião finalmente aconteceu em 31 de maio. O secretário da pasta apresentou a proposta oficial nos seguintes termos: 1)

Implantar, a partir de 01 de junho de 2006, o salário mínimo de R$450,00,

com a concessão de abono diferenciado aos servidores que ganham menos que esse valor; 2)

Efetuar o pagamento de 40% do Abono de Natal [13º salário], que será

incluso no salário de junho; 3)

Efetuar o pagamento integral da reposição salarial, que é um direito do

servidor, e que, segundo os dados do IPC da FIPE, é de 4,53%, em duas parcelas, acrescidas no salário de todos os servidores no percentual de 2,24% no salário de julho e de 2,24% no salário de agosto/2006. Obs.: anexo, estamos enviando a Vossa Senhoria cópia da mensagem e do projeto de lei que está sendo enviado hoje, dia 02, para a Câmara Municipal de Maringá, para ser votado, em regime de urgência, na

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sessão do dia 06 de junho, em primeira discussão, desde que seja aprovado pelos servidores na assembleia da categoria; 4)

Conforme já explicamos a Vossa Senhoria, o edital com o resultado das notas

abrangendo todos os mais de 4.600 servidores que têm direito à progressão funcional até o dia 30/11/2005, já está sendo entregue pessoalmente a cada um e, até o dia 28 de julho, esperamos ter o resultado dos valores que cada servidor tem a receber, para que, a partir do mês de agosto, possamos iniciar as negociações para o pagamento da progressão [...]; 5)

Noticie-se ainda que já nomeamos a comissão para estudar as propostas de

alteração do Plano de Cargos e Salários e do Estatuto do Magistério, cuja cópia está em suas mãos (Ofício nº297/06-Seadm).

Além do projeto de lei em regime de urgência, a Prefeitura distribuiu panfletos para divulgar a proposta nos locais de trabalho. Na mesma data, o Sismmar protocolou na Secretaria de Administração o seguinte expediente: O Sismmar [...] coloca-se à disposição para negociar o estabelecimento do funcionamento dos serviços essenciais, ainda que pese a negativa de Vossa Senhoria para tanto (conforme telefonema no dia 02/06/06, às 10h10), desconsiderando a notificação de deflagração da greve, informada através do Ofício nº175/06-Sismmar, encaminhado ao Exmo. Prefeito Municipal, e da publicação em jornal de circulação da cidade no dia 02 de junho de 2006. Solicitamos, mais uma vez, que seja agendada reunião para estabelecer os serviços essenciais e que a negativa por parte da Administração seja formalizada, para preservar os preceitos legais do movimento paredista (Ofício nº176/06Sismmar)

A preocupação da Entidade Sindical era atender às exigências da Lei de Greve, estudadas no capítulo 2.3 deste trabalho, no tocante ao prazo para notificar o empregador antes da paralisação e ao acordo para definir os serviços considerados essenciais. Outro ponto a destacar se refere à negativa do prefeito em reconhecer o comunicado da greve e o pedido para negociar a essencialidade. A recusa da Administração pode ter configurado a prática do lock-out, expressamente vedada na Lei de Greve. Em resposta ao ofício reproduzido acima, o secretário de Administração justificou que a notificação foi desconsiderada por entender que já estavam em processo de negociação. Nas palavras dele, não havia “razão para existir a

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greve, ainda mais que o Sr. Prefeito Sílvio Barros atendeu integralmente ao que é de direito do servidor” (Ofício nº 298/06-Seadm). O jornal O Diário noticiou, ainda em 02 de junho, que a Prefeitura organizou uma grande reunião com os funcionários que ocupavam cargos de chefia, comissionados e efetivos11, no Auditório Dona Guilhermina, região central de Maringá. Cerca de 1,5 mil pessoas compareceram, segundo o jornal. O objetivo era mobilizar os chefes de setor para difundir entre os subordinados a proposta oficial do prefeito. A presidente do Sismmar afirmou na matéria que havia pressão do Executivo para “intimidar os funcionários, além da dificuldade do Sindicato em afixar material sobre a mobilização nos setores de trabalho e até de conversar com os funcionários durante o expediente”. Um dos argumentos para negar o reajuste de 16,67%, aprovado pelos servidores em assembleia, eram os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 2000, quanto ao gasto da Administração Pública com pessoal: limite de alerta (48,6%, art. 59), limite prudencial (51,3%, art. 22) e limite máximo (54%, art. 20). Nas campanhas salariais do funcionalismo, tradicionalmente, a LRF é utilizada como pretexto para rejeitar propostas de reposição inflacionária e aumento salarial. A Prefeitura alegava em 2006 que, se fosse elevada em 16,67%, com base no reajuste do salário mínimo nacional, a folha de pagamento ultrapassaria o limite máximo de 54%, incorrendo na série de restrições e medidas determinadas pela LRF nesse caso. Em 03 de junho (sábado), o Sismmar comunicou ao prefeito que a categoria decidiu, em Assembleia na mesma data, não aceitar a proposta da Administração. O expediente do Sindicato reforçou a notificação de greve “no dia 05/06/06, a partir das 00h00”, feita através do Ofício nº175/2006-Sismmar, de 01 de junho. Reiterou também o pedido de reunião para tratar da essencialidade, acrescentando que o Sismmar já estava em contato com os chefes dos setores essenciais a fim de organizar uma escala de trabalho mínima durante a greve. A manchete de capa do jornal O Diário de 04 e 05 de junho (domingo/segunda) trazia: [Título] Servidor municipal pára a partir de segunda-feira. [Subtítulo] Assembleia da categoria realizada no sábado decidiu entrar em greve a partir da meia-noite de domingo. Trabalhadores querem reajuste de 16,67%, mas Prefeitura oferece 4,53% em duas vezes. [Abaixo da foto de capa] Depois da assembleia que votou a favor da 11

Os servidores em cargo de comissão ou comissionados (CC) são aqueles de livre nomeação e exoneração, cuja indicação parte dos chefes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para exercer atribuições de chefia e assessoramento. Por sua vez, os servidores efetivos com função gratificada (FG) são trabalhadores aprovados em concurso público que, por decisão dos chefes dos Três Poderes, foram escolhidos para desempenhar funções de chefia, com gratificação nos salários.

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paralisação do funcionalismo a partir de segunda-feira, servidores municipais fazem passeata pela Avenida Brasil, no Centro (JORNAL O DIÁRIO, 04-05/06/06)

A reportagem contextualizou o movimento e apresentou quais questões estavam em pauta. Uma delas era a indignação suscitada nos servidores quando o prefeito Sílvio Barros II encaminhou sua proposta de reajuste à Câmara Municipal, em forma de projeto de lei, sem debatê-la antes com a categoria. O Sismmar reafirmou que Sílvio não teria reconhecido o indicativo de greve, nem se dispôs a um a acordo sobre o funcionamento dos serviços essenciais. Segundo a reportagem, “mais de cem pessoas ficaram em pé” na Assembleia de sábado. Cerca de 90% dos presentes eram trabalhadores da Secretaria de Educação, enquanto a segunda categoria mais representada integrava a Secretaria Municipal de Serviços Públicos (extinto SAOP12). Apenas 40 servidores votaram contra a greve, sob o argumento de que era necessário “definir um planejamento para a paralisação e a abertura de um calendário de negociação com a Administração”. Encerrada a Assembleia, o funcionalismo saiu em passeata pela Avenida Brasil. Na segunda-feira (05/06) seria formado, com representantes do Sindicato e dos servidores em geral, o Comando de Greve, responsável pela organização dos atos da paralisação. Ficou definido unilateralmente pelo Sismmar que 30% dos serviços do Cemitério Municipal, Secretaria de Trânsito, Hospital Municipal e da coleta de lixo seriam mantidos. O primeiro dia da greve repercutiu bastante no dia seguinte, 06 de junho (terça-feira). Como é de praxe no jornalismo, as edições dos jornais são finalizadas na noite em que acontecem os fatos e distribuídas no dia seguinte. A coluna de informes do jornal O Diário desse dia trazia relatos de um servidor da Secretaria de Fazenda que teria sido agredido “a pontapés” por um grevista em piquete, quando tentava retornar ao Paço Municipal após o horário de almoço. Segundo nota da Prefeitura, escolas e postos de saúde foram trancados com correntes e cadeados. Enquanto isso, os vereadores da base aliada de Sílvio Barros II se reuniram no gabinete do então presidente da Câmara, John Alves Corrêa (PMDB), para discutir a greve do funcionalismo, sem a presença dos vereadores de oposição. O Diário dedicou a terceira página inteira à paralisação, apresentando um panorama dos principais acontecimentos do primeiro dia. Na reportagem de Juliana Daibert, de 06 de junho, vinha o título: “Greve não atinge todos os setores da Prefeitura”. De acordo com as 12

O Serviço Autárquico de Obras Públicas (SAOP) foi extinto em 19 de dezembro de 2005, através da Lei Complementar nº591, que transformou-o em Secretaria Municipal de Serviços Públicos (atual Semusp), órgão ligado à Administração Direta do Município.

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informações, a adesão foi maior entre os servidores das Secretarias de Educação, Serviços Públicos e Trânsito. O prefeito decidiu manter em tramitação na Câmara o projeto de lei que estabelecia a reposição de 4,53% da inflação de 2005 na folha do funcionalismo, mesmo tendo sido rejeitada em assembleia pela categoria. Como reflexo da tensão entre Prefeitura e grevistas, Silvio Barros deixou a Câmara bastante irritado e mal conversou com a imprensa. Disse apenas que não vai negociar com o Sindicato em greve e vai esperar a decisão da Justiça sobre a legalidade do movimento. Até o final da tarde, a única ação ajuizada pela Prefeitura havia sido um Interdito Proibitório (Autos 431/06). A liminar pedida e concedida ainda de manhã pela juíza Carmen Ramajo, da 3ª Vara Cível, foi cassada por volta das 14h30. Por algumas horas, a liminar garantiu o acesso de funcionários e contribuintes na Prefeitura e em alguns locais onde havia piquete, como aconteceu na Secretaria de Serviços Públicos (JORNAL O DIÁRIO, 06/06/06).

Por seu turno, os servidores em greve percorriam as secretarias municipais na tentativa de convencer mais colegas a interromper o trabalho. Houve violência em alguns locais. Uma professora da Escola Municipal Jesuína Jesus de Freitas alegou ter sofrido agressão na perna. Outras cinco profissionais registraram denúncia de agressão na Delegacia da Mulher quando tentavam entrar em uma escola da Vila Santa Isabel. O blog de notícias do jornalista Ângelo Rigon relatou que a secretária da Mulher, Terezinha Beraldo Pereira, irmã do ex-prefeito José Cláudio, teria chutado uma auxiliar de serviços gerais que tentou barrá-la ao entrar no Paço ontem pela manhã. Terezinha afirmou, em emissora de rádio, ter sido agredida verbalmente pelos grevistas. Ainda segundo O Diário, os servidores decidiram em Assembleia, no final da tarde do dia 05, permanecer em greve por tempo indeterminado e realizar passeata no Centro. Ao descrever o quadro geral do primeiro dia, a matéria fez um retrato da paralisação em diversos setores da Prefeitura. O Sismmar contabilizou a participação de aproximadamente dois mil servidores. Em algumas unidades básicas de saúde (UBS), foram encontrados “cadeados colados com superbonder” e portas lacradas. Na maioria das UBS e no Hospital Municipal, os serviços foram paralisados apenas parcialmente. O secretário de Saúde, Antônio Carlos Nardi, comemorou que, na visão dele, “nem 5% dos funcionários da Saúde interromperam o trabalho”.

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A secretária de Educação, Norma Deffune, constatou problemas em quase todos os 50 centros municipais de educação infantil (CMEIs) daquela época. Das 36 escolas municipais, em seis delas os funcionários aderiram à greve. A Administração apurou que 20% dos trabalhadores da Secretaria de Serviços Públicos cessaram o trabalho no dia anterior. Portando faixas, os servidores realizaram um manifesto na entrada da Secretaria. O acesso ao setor de abastecimento estava fechado com cadeado, mas foi liberado ainda de manhã para as ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). O setor mais afetado da Secretaria foi a coleta de lixo. Apenas 30% dos funcionários da coleta continuaram trabalhando, com o objetivo de respeitar a essencialidade do serviço. O restante ficou mobilizado na Praça Renato Celidôneo (Praça da Prefeitura). O Jornal também relatou as reclamações dos moradores vizinhos ao Paço Municipal sobre o barulho feito pelos grevistas. A presidente do Sismmar, Ana Pagamunici, concedeu rápida entrevista a O Diário:

Ao jornal Folha de Londrina, de 06 de junho, a presidente estimou entre 60% e 70% a adesão à greve, em um quadro de aproximadamente 7,4 mil servidores na época. Quanto aos piquetes organizados em frente ao Paço, assegurou: “São piquetes pacíficos para sensibilizar os servidores. Não há ameaça ou coação contra quem quer trabalhar”. Acrescentou que se sentia indignada com a presença de um funcionário designado pela Administração para filmar as assembleias. O prefeito Sílvio Barros contestou as declarações da presidente do Sindicato à Folha de Londrina. Em sua ótica, os serviços públicos funcionaram normalmente e a paralisação seria “puramente política”. Alegou que as despesas com pessoal estavam no limite da LRF e não poderia conceder aumento maior que a inflação acumulada em 2005. O prefeito sustentou que o Comando de Greve tinha a colaboração de pessoas não ligadas à Administração: “É por isso que eles reclamam quando mando gravar as assembleias e dizem que estão sendo 47


perseguidos”. Comunicou que as provas foram juntadas à ação judicial que questionava a legalidade da greve. A presidente esclareceu que as pessoas citadas por Barros eram representantes de sindicatos de outras categorias, apoiadores da causa do funcionalismo público municipal. Sobre os piquetes, o prefeito protestou: “Eles dizem que o piquete é pacífico, mas não deixam os servidores passar e já houve até agressões”. A liminar expedida pela juíza Carmen Lúcia Rodrigues, da 3ª Vara Cível de Maringá, nos Autos nº431/2006 de Interdito Proibitório, vedava taxativamente o bloqueio da entrada dos prédios públicos municipais e determinou que os grevistas mantivessem uma distância mínima de 50 metros desses locais. Estabeleceu, ainda, multa diária de R$ 10 mil a R$ 20 mil em caso de descumprimento da ordem judicial. O jornalista Andye Iore, um dos responsáveis pelo blog maringaense Factorama, também escreveu sobre o assunto para a Gazeta do Povo. Conforme a reportagem, entre os incidentes mencionados acima, a Administração acusou os grevistas de terem cortado os cabos do caixa eletrônico e dos telefones da Secretaria de Serviços Públicos. A comunicação via ofício entre Sindicato e Administração, no dia 06 de junho, se limitou a notificar o prefeito sobre o cumprimento da essencialidade no Hospital Municipal Drª Thelma Villanova Kasprowicz. Anexo ao documento, seguiu a ata de uma reunião com dirigentes sindicais, Comando de Greve, membros da Administração e o diretor do Hospital. Diante da recusa do Executivo em negociar, infringindo a Lei de Greve, o Comando de Greve entendeu que, para a Administração Pública, o Hospital Municipal não é um serviço essencial, mas em respeito à população, o Comando de Greve decidiu manter os serviços de urgência e emergência com número mínimo de funcionários, aprovando para tanto a escala de funcionamento acordada com a direção do Hospital Municipal em dezembro de 2005, quando ocorreu a última greve da Saúde, uma vez que não houve aumento sensível no quadro de funcionários (SISMMAR, Ata de Reunião, 06/06/06).

O fato, segundo o Sismmar, seria informado à Procuradoria Regional do Trabalho. Junto com os documentos, foram encontradas também as escalas de trabalho montadas, onde estavam relacionados os servidores e os horários em que trabalhariam de 07 a 25 de junho no Hospital. Na matéria de 07 de junho (quarta-feira), de O Diário, o jornalista Leonardo Filho relatou que três dos onze caminhões da Secretaria de Serviços Públicos vinham realizando a coleta de lixo desde o início da greve. As áreas centrais eram priorizadas devido à grande 48


concentração de edifícios, em detrimento dos bairros mais afastados que já começavam a ter acúmulo de lixo nas ruas. Embora houvesse piquetes nos centros de educação infantil e escolas municipais, a Secretaria de Educação recomendou aos pais que levassem os filhos normalmente às aulas de 07 de junho. Contudo, os pais receberam o seguinte comunicado da direção da Escola Municipal Octávio Periotto:

Outro problema verificado foi a queda do sistema de Internet do Paço Municipal. Na versão do Executivo, os grevistas teriam cortado o cabeamento da rede. Um oficial de Justiça entregou à presidente do Sindicato, na mesma data, o mandado de reintegração de posse emitido pela juíza Carmen Lúcia Rodrigues. O advogado do Sismmar, Avanílson Alves Araújo, declarou que apresentaria um recurso (agravo de instrumento) contra a determinação judicial. A troca de acusações e processos judiciais prosseguiu ao longo de toda a greve. De um lado, o prefeito culpava o Sindicato pelos atos de violência e vandalismo registrados. De outro, o Sindicato rebatia veementemente as acusações. É importante frisar que não cabe neste trabalho julgar qual lado estaria certo e qual lado estaria errado. Será priorizada aqui a narração dos fatos documentados e a exposição do comportamento da imprensa, da Prefeitura e do Sindicato, com relação ao movimento. O retrato da greve na Educação, de acordo com a Secretaria, mostrava que 28% dos funcionários das escolas municipais e 44% dos funcionários dos CMEIs aderiram à paralisação. O jornalista Paulo Pupim informou que os grevistas acompanharam a sessão de 06 de junho da Câmara de Vereadores. O objetivo era protestar contra o projeto de lei do Executivo sobre a reposição salarial de 4,53%, que poderia entrar em regime de urgência na pauta de votação. O líder do prefeito na Câmara, Dorival Dias (PSDB), foi vaiado e, como reflexo das rixas partidárias na política maringaense, provocou: “Eu só queria identificar os simpatizantes do PT e já consegui”. Em seguida, o vereador Humberto Henrique (PT) lamentou a “falta de humildade” de Sílvio Barros. O vereador Mário Verri (PT) chegou a

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dizer na tribuna: “o nosso prefeito não tem controle emocional nenhum”. Procurada pela reportagem do Jornal, a assessoria de Sílvio não atendeu as ligações nem se pronunciou a respeito. Na matéria de 07 de junho, da Folha de Londrina, o jornalista Fábio Cavazotti reproduziu a reação do prefeito acerca dos conflitos do dia anterior: “Absolutamente chocante”. A Administração acusou os grevistas de terem organizado piquetes ilegais e agredido outros servidores com “mordidas”. Em nota oficial, afirmou que até mesmo pais de alunos sofreram agressões na entrada dos CMEIs. Todas as ocorrências foram levadas à Polícia Civil, segundo a nota. A Administração procurou minimizar o impacto da greve perante a opinião pública. Difundiu o discurso de que o trabalho nas secretarias municipais não foi afetado e ocorreu “dentro do previsto”. No entanto, o secretário de Serviços Públicos, Diniz Afonso, admitiu os efeitos negativos na coleta de resíduos, pois o lixo já se acumulava nas ruas. Apesar dos prejuízos, a Administração descartou qualquer possibilidade de apresentar nova proposta. O secretário de Administração, Ademar Schiavone, decretou: “Com os grevistas não vamos negociar. Estamos no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal”. Na edição de 08 de junho (quinta-feira) de O Diário, o jornalista Leonardo Filho informou que, no dia anterior, os grevistas dissolveram os piquetes e fizeram um ato no Hospital Municipal para atrair mais adeptos à greve. Formaram, no Paço Municipal, uma corrente com 700 pessoas, que percorreram o local em silêncio e depois se reuniram de mãos dadas em torno da Prefeitura. Em alguns pontos de concentração dos grevistas, como na Secretaria de Serviços Públicos, a Polícia Militar (PM) acompanhou a entrada dos servidores que não participavam do movimento. O Sindicato acionou a Procuradoria Regional do Trabalho para mediar as negociações. Segundo o advogado do Sismmar, os grevistas foram orientados a não “radicalizar” os atos. Estava planejada a retomada de piquetes pacíficos em algumas secretarias. Sete boletins de ocorrência foram abertos na 9ª Subdivisão da Polícia Civil de Maringá (9ª SDP), de acordo com a reportagem de Leonardo Filho. Alguns ônibus do transporte escolar, por medida de segurança, ficaram no pátio da Delegacia à disposição dos motoristas que não estavam em greve. O número de caminhões da coleta disponíveis subiu para cinco, e o número de trabalhadores, de 18 para 30. O secretário de Trânsito, Valdir Pignata, estimou que apenas 22 dos 85 funcionários permaneceram em serviço. A paralisação provocou a queda de 50% do valor auferido com a cobrança de estacionamento rotativo (EstaR). O cabeamento do sistema 50


de rede do Paço Municipal foi restaurado, restabelecendo parcialmente o atendimento do setor de arrecadação de tributos. Na avaliação da secretária Norma Deffune, a adesão à greve aumentou na Educação. No Hospital Municipal, 30 servidores, do total de 329 na época, paralisaram, enquanto as unidades de saúde funcionaram normalmente. Assim foi o balanço do terceiro dia de greve (07/06), na matéria de O Diário. Ainda no dia 08 de junho, o Sindicato oficiou o Prefeito sobre a decisão da categoria na última Assembleia. As demandas iniciais foram resumidas no documento: O Sismmar [...] vem à presença de Vossa Excelência informar que, em Assembleia realizada no dia 05 de junho de 2006, a categoria decidiu permanecer em greve até que as reivindicações sejam atendidas. Nossas reivindicações são: 1. Reajuste salarial de 16,67% [...]; 2. Pagamento imediato da progressão funcional; 3. Implementação imediata do PCCS; 4. Fim das perseguições aos servidores; 5. Não desconto dos dias parados na greve; 6. Não utilização da greve como expediente de retaliação contra qualquer servidor, especialmente os funcionários em estágio probatório (Ofício nº

183/2006-

Sismmar).

O jornalista Leonardo Filho, na edição de 09 de junho (sexta-feira) de O Diário, relatou que, no dia 08, o procurador do Trabalho de Maringá, Fábio Aurélio da Silva Alcure, se prontificou a mediar um acordo entre Prefeitura e grevistas, convidando as partes para uma audiência em 14 de junho. No campo da Educação, a maioria dos centros de educação infantil e das escolas municipais atendia parcialmente. Apenas dois CMEIs estavam com os portões trancados e aulas suspensas. Na Escola Municipal Jesuína de Jesus, a mãe de uma aluna afirmou que os grevistas não deixavam ninguém entrar e, no tumulto, até uma criança foi empurrada. Em entrevista a O Diário, o secretário Antônio Carlos Nardi garantiu que, apesar da paralisação, o atendimento nas unidades de saúde e no Hospital Municipal ocorreu dentro da normalidade. Perguntado pela reportagem a respeito do quarto dia de greve (08/06), o advogado do Sismmar, Avanílson Araújo, lamentou que a Administração tenha judicializado a greve dos servidores logo no início, antes de estabelecer um diálogo permanente com a categoria. Sobre os supostos atos de violência dos grevistas, o advogado assegurou que, mesmo havendo fatos

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isolados, não se tratava de determinação do Comando de Greve nem do Sindicato. Ademais, pelo clima de tensão, houve, naturalmente, provocações e agressões de ambos os lados. O Blog do Rigon noticiou, em 09 de junho, que a lataria e o retrovisor de um veículo da equipe de O Diário teriam sido danificados pelos grevistas na última terça-feira (06/06). O incidente não foi relatado no Jornal. Na análise do blogueiro, o Jornal reduziu o espaço dedicado à greve a partir de então. O texto continua: Do caminhão de som que auxilia o movimento, vários servidores sugeriram que O Diário não tem divulgado corretamente a greve. Circula entre os grevistas a informação de que, dos R$ 102.012,68 gastos por Silvio II nos primeiros quatro meses deste ano somente com a publicação de atos oficiais, R$ 94.012,68 foram para O Diário – valor maior do que o destinado em todo o ano passado. O número não inclui os valores recebidos com a veiculação de campanhas publicitárias. Silvio II gastou mais de R$ 2 milhões e 553 mil com publicidade de janeiro de 2005 a abril deste ano (BLOG DO RIGON, 09/09/06).

Como se percebe na postagem acima, a hostilidade entre Prefeitura e grevistas contaminou também a imprensa local. O jornalista Andye Iore, por exemplo, publicou em seu blog Factorama o texto “A democracia é uma farsa”: Muito me espanta o prefeito Silvio Barros ir a programas radiofônicos ou televisivos e dizer que há democracia na Prefeitura de Maringá. Em março, quando apurava o uso de máquinas públicas em obras particulares, o prefeito se recusou a falar comigo. O fato se repetiu no início da greve dos servidores quando tentei, por dois dias seguidos, falar com o prefeito através de sua assessoria de imprensa e nem resposta tive. [...] O mais estranho é o prefeito ir ao Programa do Toledo, na rádio Cultura AM, às 6h, e no Jornal da Manhã, na TV Band, às 7h. Como uma disposição de acordar tão cedo para falar com a imprensa não se repete a outros órgãos? (FACTORAMA, 09/09/06)

A edição de 10 de junho (sábado) do jornal O Diário forneceu um quadro geral do quinto dia de greve (09/06), sob o título “Lixo fica acumulado nas ruas”. Leonardo Filho, que vinha sendo escalado para cobrir a greve do funcionalismo público municipal, anunciou que a Prefeitura contrataria trabalhadores terceirizados para operar a coleta de lixo. “Serão 96 homens que vão trabalhar em três turnos nos 11 caminhões da Secretaria de Serviços Públicos”, escreveu o jornalista. Conforme a reportagem, em alguns bairros o serviço não era

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realizado desde segunda-feira. A empresa responsável pelos terceirizados teria o prazo de 60 dias para atuar na coleta. O advogado do Sismmar manifestou, de pronto, que acionaria o Ministério Público por entender que a terceirização era irregular, visto que 30% do serviço estava sendo mantido pelos servidores. A intenção de Avanílson Araújo encontrava respaldo nos artigos 9º e 11 da Lei de Greve, segundo os quais o Poder Público só poderia terceirizar serviços essenciais na ausência de acordo entre as partes envolvidas na greve, ou a partir do descumprimento da essencialidade pactuada. No caso em estudo, a Administração se negou a discutir a manutenção das atividades essenciais com o Sindicato. E, na ausência do acordo, os próprios grevistas se comprometeram a manter 30% do serviço de coleta de lixo, considerado essencial por ambas as partes. No distrito de Iguatemi, os servidores em greve abordaram um caminhão da coleta para tentar convencer o colega motorista a paralisar o trabalho. A Polícia Militar foi chamada, porém, não houve confronto e os grevistas liberaram o local sem resistência. O prefeito Sílvio Barros ordenou que os caminhões fossem estacionados na Praça da Catedral. O secretário de Serviços Públicos, Diniz Afonso, justificou: “É para mostrar que os caminhões estão à disposição da coleta, mas os funcionários não querem trabalhar”. Conforme a reportagem, os grevistas caminharam do Paço à Praça da Catedral para protestar contra a ordem do prefeito. A situação nas Secretarias de Educação e Saúde permanecia estável, com atendimento parcial. Paralelamente, a Administração resolveu atacar o movimento pela via judicial. A Procuradoria-Geral do Município (Proge) ingressou com uma ação declaratória de ilegalidade e abusividade da greve na Justiça Comum. O procurador-geral Laércio Fondazzi argumentou a existência de irregularidades na Assembleia que deliberou pela paralisação, entre elas, a contagem dos votos de aposentados e crianças. Outra falha alegada pelo Executivo concerne à notificação da greve, que, na análise do procurador, teria sido protocolada horas antes de seu início, contrariando o prazo mínimo de 48 horas previsto na Lei de Greve. Fondazzi declarou ao Jornal: “O Sindicato protocolou uma notificação antes, mas dizendo que continuava negociando, o que invalidou essa notificação”. Além disso, a Administração considerou abusivos e ilegais os piquetes que bloquearam o acesso de munícipes e servidores não grevistas aos prédios públicos. O Sismmar preferiu aguardar a comunicação pelo oficial de Justiça antes de se pronunciar. O prefeito concedeu a seguinte entrevista a O Diário:

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A cobertura do sexto dia de greve (10/06), em O Diário (11-12/06), ficou a cargo do jornalista Eduardo Xavier. Segundo a reportagem, a Prefeitura pretendia definir, ainda no fim de semana, a empresa que realizaria o serviço de coleta em caráter emergencial, com caminhões e combustível fornecido pela própria Administração. O secretário de Serviços Públicos estimou que o acúmulo de lixo nas ruas passava de 1,5 mil toneladas, conforme o cálculo de 300 toneladas por dia. No domingo (11/06), o Comando de Greve se reuniria para avaliar a primeira semana do movimento e planejar as próximas ações. A maior adesão de grevistas, naquele momento, se dava nas Secretarias de Educação, Serviços Públicos, Saúde e Trânsito. A presidente do Sismmar reiterava que 70% dos servidores municipais estavam “de braços cruzados”. Ao passo que a Prefeitura reduzia a estimativa para 20%, no intuito de enfraquecer a greve perante a opinião pública. Apesar dos boatos de que os paredistas iriam boicotar a Campanha de Vacinação contra a Paralisia Infantil naquele ano, o fato não ocorreu e as crianças foram vacinadas normalmente em todas as unidades de saúde do Município. Questionada pelo Jornal sobre a postura do prefeito frente a greve, Ana Pagamunici asseverou: “De total desrespeito com o movimento e com o Sindicato dos Servidores. Ele não dialoga”. O oitavo dia da greve (12/06), narrado por Leonardo Filho em O Diário de 13 de junho (terça-feira), se destacou pela notícia de que a empresa Ponta Grossa Ambiental ficaria responsável pela coleta de lixo a partir daquela segunda-feira. Revoltados com a situação, os grevistas impediram, logo de manhã, os funcionários terceirizados de sair com os caminhões da Prefeitura, que estavam no pátio da Polícia Ambiental de Maringá. De acordo com o repórter, cogitou-se acionar a PM para garantir a retirada dos veículos, mas a estratégia não funcionou. O secretário de Serviços Públicos, Diniz Afonso, atribuiu ao Sindicato e a 54


grevistas mais radicais a culpa pelas quase duas mil toneladas de lixo acumuladas nos bairros: “Infelizmente, os grevistas não deixam nossas equipes trabalharem. Vamos tentar colocar equipes durante a noite e madrugada”. Um oficial de Justiça da 3ª Vara Cível de Maringá e a Polícia Militar monitoravam as ações no local e, a cada incidente, registrava-se um boletim de ocorrência. À reportagem de O Diário, a Prefeitura lembrou que os bloqueios poderiam ensejar multa diária de R$ 20 mil. O advogado do Sismmar afirmou que a contratação da Ponta Grossa era ilegal, pois os grevistas estavam respeitando a essencialidade da coleta de lixo. Disse, ainda, que recorreria na Justiça contra as multas aplicadas ao Sindicato. Sobre a reunião com a Procuradoria do Trabalho na quarta-feira, o procurador-geral Laércio Fondazzi alertou que, se os piquetes continuassem, a Administração dificilmente cederia ao diálogo. Leonardo Filho contou que cerca de 30 mães de alunos do CMEI Aparecida Fortunata Bartalini Seneme, no Parque Itaipu, protestaram no local contra a greve do funcionalismo público. Uma delas declarou: “Não trabalho há quase dez dias. Tenho dois filhos na creche e não tenho com quem deixar. Sou diarista e não tenho como pagar alguém para cuidar dos meus filhos”. Na área da Saúde, a adesão à greve tinha aumentado, principalmente no Hospital Municipal, segundo levantamento da Administração. No dia 13 de junho (terça-feira), o Blog do Rigon relatou um incidente na Vila Esperança. Lideranças do movimento grevista teriam impedido um trator de recolher o lixo acumulado nas calçadas. A PM chegou no local, com cachorros, para permitir que os funcionários da Ponta Grossa Ambiental realizassem a coleta. Na tarde deste dia, um morador do Parque Hortência teria despejado uma carriola cheia de lixo em frente ao Paço Municipal, conclamando mais pessoas a fazer o mesmo, sob aplausos dos servidores em greve. Como resposta à provocação, a Prefeitura comunicou que moradores do Jardim Industrial deixariam lixo na porta do Sismmar. Na matéria de 14 de junho de O Diário, Leonardo Filho veiculou a informação de que o juiz da 5ª Vara Cível, Siladelfo Rodrigues da Silva, indeferiu a ação declaratória de ilegalidade e abusividade da greve, impetrada pela Prefeitura. O diretor do Procon na época, Ulisses Maia, criticou a reação do Sismmar: “O juiz não decidiu nada liminarmente. O Sindicato, mal intencionado, anda divulgando que a greve foi considerada legal, mas não foi”. Por outro lado, o advogado Avanílson Araújo destacou: “Com certeza nós estamos mais tranquilos agora. Isso faz cair por terra todas as declarações do prefeito que afirmava ilegalidade da greve”.

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A audiência entre Sismmar e Prefeitura na Procuradoria do Trabalho estava marcada para a tarde daquela quarta-feira (14/06). De acordo com o Jornal, embora o prefeito tenha confirmado a participação, sua assessoria justificou uma possível ausência de Sílvio Barros devido às ações “radicais” dos grevistas. Avanílson Araújo, porém, estava otimista com a reunião: “Estamos enviando ofício todos os dias, pedindo para que ocorra uma negociação pacífica”. A Prefeitura negou qualquer tentativa de acordo por parte do Sindicato. Enquanto isso, a coleta de lixo continuava sendo o setor mais prejudicado pela paralisação, mesmo com 30% dos servidores em atividade. A Prefeitura já havia solicitado às Promotorias de Meio Ambiente e Saúde Pública a abertura de um inquérito civil contra o Sismmar. Na manhã do dia 14, o prefeito se reuniu com empresários, autoridades, diretores da Associação Comercial e Empresarial de Maringá (Acim), líderes religiosos, secretários e vereadores da base aliada, no Maringá Clube. O objetivo era discutir o andamento e os prejuízos da greve. No dia 15 de junho (quinta-feira), feriado de Corpus Christi, o Blog do Rigon divulgou uma notícia inusitada. Duas servidoras, postadas em uma janela do Paço Municipal, anunciavam ao microfone: “Atenção, servidores, […] não houve nenhuma decisão da Justiça de Maringá sobre a legalidade da greve. O despacho do juiz está à disposição de todos nos murais da Prefeitura”. As circunstâncias indicavam que o ato seria uma estratégia da Administração para desmobilizar o funcionalismo. Na edição de feriado do jornal O Diário (15-16/06), um colunista escreveu a seguinte nota, sem assinatura: Falta bom senso, sobra provocação. A impressão é que o vírus da arrogância e da intransigência tomou conta de alguns setores de Maringá. Servidores municipais em greve hostilizam e agridem os que não aderiram ao movimento; a Administração Municipal, inábil, se nega ao diálogo com justificativas pífias; a Procuradoria do Trabalho aciona a Polícia Federal para retirar repórteres de um prédio público; populares se atracam com grevistas… Em prevalecendo provocações, só resultarão radicalismos. E nada será resolvido (O DIÁRIO, 15-16/06/06).

Em reportagem da mesma edição, Leonardo Filho informou que, pela primeira vez em dez dias, Prefeitura e Sindicato “sentaram para tentar negociar o fim da greve”. Contudo, a tão aguardada audiência em 14 de junho não aconteceu. Representantes do Executivo declararam que só entrariam em negociação se pudessem filmá-la. O procurador do Trabalho, Fábio 56


Aurélio Alcure, negou o pedido e, na falta de um acordo, encerrou a reunião. “Por causa de uma fita os interesses da comunidade são deixados de lado. Percebe-se que a Prefeitura é quem não quer conversa”, queixou-se o advogado do Sismmar, Avanílson Araújo. Participaram da audiência o vereador Humberto Henrique (PT) e o presidente da subseção local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-Maringá), Aírton Kenji Ueda. No lugar do prefeito, esteve presente a comissão eleita no encontro do Maringá Clube, formada pelo secretário de Gestão, José Luiz Bovo; o procurador jurídico do Município, Laércio Fondazzi; e o diretor do Procon, Ulisses Maia. Conforme a reportagem, ao saberem do encontro no Maringá Clube, na manhã do dia 14, os grevistas se deslocaram até o local com um carro de som. Ulisses Maia revelou no evento que os servidores em greve sofreriam descontos pelos dias não trabalhados. Ana Pagamunici falou ao Jornal sobre os episódios recentes:

Quanto à situação do lixo, o secretário de Serviços Públicos alertou que o problema vinha se agravando perto de escolas e clubes sociais, em razão das festas juninas. De acordo com Diniz Afonso, os funcionários da Ponta Grossa Ambiental realizavam a coleta em caminhões basculantes improvisados, sobretudo nos pontos mais críticos da cidade. Mais casos de violência foram verificados pelo Jornal. Na manhã do dia 14 de junho, nas proximidades da Secretaria de Serviços Públicos, um vigia em greve foi atropelado por um Ford Fiesta com adesivo da Secretaria de Saúde, segundo testemunhas. O SIATE socorreu o servidor e levou-o para o Hospital Metropolitano de Sarandi. A assessoria de imprensa da Prefeitura garantiu que o vigia se jogou no capô do veículo. O motorista do Fiesta acabou não sendo identificado. Na noite de terça-feira (13/06), um grupo de homens, dirigindo carro e motocicletas, barrou a coleta do lixo no Jardim Industrial e Parque Itaipu. O serviço seria executado pelos próprios munícipes, a partir de um acerto com a Prefeitura. Armado com pedaços de madeira, 57


segundo O Diário, o grupo entrou em confronto com os moradores. Testemunhas disseram depois à PM que os agressores eram “grevistas da Prefeitura”. As pessoas feridas registraram queixa na 9ª SDP de Maringá. A reportagem tentou contato com o Sismmar, mas não obteve retorno. De forma súbita, aconteceu na tarde de 16 de junho (sexta-feira) uma reunião entre Prefeitura e Sindicato. A sessão no Gabinete do Prefeito resultou na assinatura de um “termo de pré-acordo”. No documento assinado pelo prefeito Sílvio Barros e pela presidente do Sismmar, Ana Pagamunici, as partes se comprometeram a respeitar algumas condições bilaterais antes de restabelecer o processo de negociação: 1) Da parte dos servidores públicos municipais, haverá a liberação total dos portões da SAOP para todos os equipamentos e máquinas e ainda a garantia do número mínimo de 30% dos servidores sob comando da Administração, em respeito à essencialidade do serviço, até o término das negociações […]: a) A liberação dos portões, máquinas e pessoal se dará 30 minutos antes da realização da reunião de negociação a ser agendada entre as partes, ficando condicionada à realização desta ao efetivo cumprimento da medida. 2) Da parte da Prefeitura do Município de Maringá, ficam assegurados na pauta de reivindicações da categoria os seguintes pontos iniciais: a) A Prefeitura se dispõe a discutir mecanismos de compensação ou ajuste salarial que estejam dentro dos limites constitucionais, além dos 4,53% de reposição do índice. b) A Prefeitura se dispõe a rediscutir com o sindicato o assunto relativo a servidores pagos pela Administração, colocados à disposição do Sismmar. c) A constituição imediata de uma comissão de negociação dentro de critérios justos para os servidores estáveis, com finalidade de discutir, elaborar e apresentar proposta de revisão do Plano de Carreira, Cargos e Salários e do Estatuto da categoria. d) Ao final da negociação, será discutida a forma de compensação aos grevistas dos dias parados.

O termo de pré-acordo foi notícia em O Diário, no dia 17 de junho (sábado), 13º dia da greve. O jornalista Leonardo Filho confirmou a liberação dos 11 caminhões da coleta de lixo por parte dos grevistas, no final da tarde do dia anterior. Havia grande expectativa, de ambas as partes, quanto ao fim da greve. O Jornal deu destaque novamente aos transtornos gerados pelo acúmulo de lixo. Os moradores entrevistados se diziam muito aborrecidos com o mau cheiro. A situação piorava 58


quando animais de rua reviravam os sacos e espalhavam o lixo pelas calçadas. Além do problema sanitário, a greve continuou ocasionando problemas policiais. Uma servidora da Secretaria de Serviços Públicos, que pretendia trabalhar, acusou ter sido agredida por um grevista. A reportagem apurou que os confrontos entre grevistas e não grevistas acarretaram aproximadamente 20 inquéritos policiais até aquele momento. Mas nenhuma prisão foi decretada. A correspondência entre Prefeitura e Sindicato, no dia 17, indicava que a negociação realizada na noite anterior não prosperou. Para compreender a tensão envolvida no processo, vale reproduzir o teor dos documentos. Primeiro, um trecho da carta assinada pela comissão de negociação da Prefeitura: Considerando que foi assinado um termo de pré-acordo para abertura do processo de negociação entre o Sismmar e a Prefeitura do Município de Maringá, cujo teor foi dado ao conhecimento de toda a população através da imprensa, e que o Sindicato decidiu unilateralmente desconsiderá-lo ao interromper a coleta de lixo às 23h00 do dia 16 de junho, fica entendido que a Prefeitura voltará à mesa de negociações assim que as horas paradas da coleta sejam compensadas. No caso do Sismmar não concordar com o cumprimento daquilo que foi assinado, todos os pontos que foram NEGOCIADOS ficarão sob suspeita, pois, se as condições mínimas para a conversação não são honradas, não há certeza de que o que for acordado na sequência será cumprido por parte do Sindicato (Comissão de Negociação da Prefeitura, 17/06/06).

No mesmo dia, a comissão que representava os trabalhadores e o Sismmar respondeu: 1) Na perspectiva do comando de greve, houve um retrocesso na pauta pré-acordada para o início das conversações, em especial, no que diz respeito à proposta concreta de recuperação das perdas salariais da categoria, uma vez que os representantes da Prefeitura não trouxeram sequer um estudo de impacto financeiro ou a alternativa de qualquer outra medida que pudesse contemplar o pleito dos servidores, demonstrando uma falta de seriedade e comprometimento em solucionar rapidamente o conflito estabelecido há quase duas semanas. 2) Por outro lado, em outros pontos sinalizados na pauta pré-acordada, a resposta oferecida pela Prefeitura traduziu-se em um discurso ideológico de interferência na autonomia da Entidade Sindical, principalmente, quando se tentou discutir o retorno dos diretores sindicais liberados. 3) Ainda durante a tentativa de conversação, os representantes do Comando de Greve receberam informações de que os caminhões liberados para o serviço estavam

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sendo retomados, à força, através de utilização da empresa de segurança privada “Kamilus”, que funciona irregularmente na cidade, fato que não será tolerado para o possível reinício das negociações.

A comissão concluiu o documento afirmando que, devido à falta de um “proposta concreta” da Administração, considerou suspenso o acordo. Por esse motivo, a coleta de lixo foi mais uma vez interrompida. A coluna de informes de O Diário publicou nota sem assinatura, na edição de 18 e 19 de junho (domingo e segunda-feira), dizendo que as negociações haviam retornado à “estaca zero”. Apesar da expectativa de solução do conflito, no entender do colunista, Prefeitura e Sindicato voltaram a criar um falso impasse, numa marcação de posição absolutamente desnecessária. Ora, se volta a faltar bom senso e sobrar intransigência, quem continuará arcando com o ônus é justamente a população, que vê o lixo se acumular cada dia mais em frente às suas casas (O DIÁRIO, 18-19/06/06).

Na reportagem principal, o jornalista Leonardo Filho cobriu os bastidores da última reunião. Sobre a quebra do pré-acordo, Ulisses Maia, um dos membros da comissão de negociação da Prefeitura, declarou: “Eles não estão cumprindo o que combinamos”. Foi assinado um documento entre o prefeito e o Sismmar liberando a coleta. Desse jeito fica difícil tentarmos negociar com o Sindicato”. A presidente do Sismmar, Ana Pagamunici, garantiu que 30% do serviço estava sendo mantido e justificou: “Na verdade, a coleta parou às 23 horas porque é o horário de encerramento do trabalho dos coletores”. Ana ainda afirmou: “o prefeito devia ter participado da reunião de ontem (sexta-feira) até o final. Por isso que as negociações continuam demoradas”. De acordo com a reportagem, os principais pontos de concentração dos grevistas eram na Secretaria de Serviços e no Hospital Municipal. No dia 19 de junho, o Sismmar divulgou uma moção de solidariedade ao jornalista Andye Iore, no site recém-lançado da entidade. Em reportagem de junho para o Jornal Hoje de Maringá (sem data), ele havia denunciado que um grupo de quase 50 pessoas, algumas encapuzadas, agrediu grevistas reunidos na garagem de ônibus da Prefeitura, de madrugada, e retirou os veículos. Na moção, o Sindicato presta solidariedade a Andye Iore pela “corajosa” investigação a respeito dos seguranças da empresa Kamillus, contratados pela Ponta Grossa Ambiental para escoltar os caminhões da empresa. Segundo relato em seu blog Factorama, eles andavam armados com revólveres e cassetetes. Andye contou que, na madrugada de 19 60


de junho, seu veículo foi fechado por três motocicletas no Centro da cidade. Mesmo depois de identificar-se, os seguranças continuaram a ameaçá-lo. O documento concluiu: Esse trágico episódio reafirma as denúncias feitas pelo Sismmar durante a greve, período no qual vários servidores foram intimidados, um atropelado, três espancados e outros ameaçados com armas por esses mesmos seguranças. Repudiamos essa prática truculenta, antidemocrática e ditatorial que pretende intimidar os servidores de se manifestarem e a imprensa de fazer seu trabalho de cobertura dos fatos (Sismmar, 19/06/06).

A comissão criada para coordenar a escala da essencialidade comunicou ao Ministério Público, na mesma data a ocorrência de condutas antissindicais dentro do Hospital Municipal. O diretor e um enfermeiro, na perspectiva da comissão, estavam boicotando a escala para prejudicar os grevistas e favorecer os não grevistas. Os servidores em greve eram designados para trabalhar em dias e horários diferentes daquilo que foi acertado com a diretoria do Hospital, enquanto os não grevistas recebiam folgas nesses mesmos dias e horários, inclusive nos finais de semana. Ainda no dia 19, o Gabinete do Prefeito respondeu a um ofício de 08 de junho do Sismmar. A Administração apresentou no documento uma proposta reformulada para os servidores: 1) Reposição integral da inflação 2005 de 4,53% (em duas parcelas: julho e agosto). Em razão de limitações legais da Constituição Brasileira e da Lei de Responsabilidade Fiscal, o Município de Maringá está impedido de oferecer reajuste salarial maior […]. 2) Iniciar o pagamento da progressão e dos atrasados a partir do mês de novembro de 2006 […]. 3) Iniciar os trabalhos de revisão do PCCS do magistério e dos demais servidores a partir de julho/2006 […]. 4) Não reconhecemos acusação de perseguição de servidores, não é prática desta Administração. 5) Considerando a necessidade de fechamento da folha no dia 20, para pagamento dia 30, em havendo aceitação da presente proposta pela assembleia dos servidores e a greve sendo encerrada na data de hoje, a Administração se compromete a descontar metade dos dias parados nas férias e a outra metade deverá ser

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compensada pelo servidor em horas de trabalho na mesma proporção dos dias parados. No caso de não aprovação para encerramento da greve hoje, infelizmente o desconto integral dos dias parados terá que ser feito na folha de junho […] (Ofício nº833-Gapre, 19/06/06).

Em nota de 21 de junho, nos informes de O Diário, consta que a Secretaria de Administração instaurou processo administrativo contra a servidora Maria da Conceição Franco, conhecida como Zica. A pedagoga foi acusada de distribuir panfletos com críticas ao prefeito Sílvio Barros, em março de 2006, no Centro Municipal de Educação Infantil Laura Parente Bossolan. O texto se intitulava “Desmonte da saúde pública de Maringá”. Outra notícia veiculada nesse dia, tratou da polêmica sobre a terceirização da coleta de lixo. Consoante reportagem de Paulo Pupim, a Prefeitura decidiu firmar novo contrato temporário com a Ponta Grossa Ambiental. O objeto seria disponibilizar mais 96 trabalhadores para atuar no serviço. Paralelamente, o prefeito enviaria um projeto de lei à Câmara Municipal pedindo autorização para privatizar definitivamente a coleta, mediante contrato de concessão. Revoltados, os grevistas acompanharam a sessão do Poder Legislativo, a fim de saber se o projeto entraria ou não na pauta, o que não ocorreu. Mesmo assim, apelaram aos vereadores para que rejeitassem de imediato a matéria. Os servidores alegaram ao Jornal:

O problema da coleta não será resolvido com a privatização. […] A solução virá com o fortalecimento do setor público, a valorização do servidor e as melhorias das condições de trabalho e de salários pagos aos atuais coletores municipais (O Diário, 21/06/06).

Embora o secretário de Serviços Públicos, Diniz Afonso, tenha assegurado que apenas a coleta seria terceirizada naquele momento e que nenhum servidor seria demitido, a assessoria de imprensa da Prefeitura comunicou, em 20 de junho, que os serviços de poda, roçada e varrição também seriam terceirizados. De acordo com a reportagem, 160 servidores trabalhavam na coleta. O jornalista lembrou que o ex-prefeito Ricardo Barros havia adotado a mesma medida entre 1989 e 1992. No entanto, foi revogada por seu sucessor, Said Ferreira, sob a justificativa de que o valor pago pela tonelada de lixo coletada era muito elevado.

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Em outra matéria de 21 de junho, Leonardo Filho relatou que cerca de 1,2 mil servidores recusaram a segunda proposta da Administração, na Assembleia de 20 de junho (terça-feira) no Auditório Dona Guilhermina. Apenas duas pessoas discursaram a favor, mas a plateia ouviu de costas. Ao saber da decisão, o secretário Ademar Schiavone avisou que os dias de greve seriam descontados irreversivelmente. O advogado do Sismmar entrou com um mandado de segurança preventivo na Justiça para tentar impedir os descontos. Na sessão de terça-feira da Câmara, os vereadores decidiram intermediar uma reunião entre Prefeitura e servidores. Porém, não definiu-se data porque o prefeito estava em viagem. Segundo dados da Administração, 1,7 mil servidores sofreriam descontos salariais em função da greve. Do total de grevistas, 60% eram da Secretaria de Educação; 25%, da Secretaria de Serviços Públicos. Somente dois caminhões da Ponta Grossa Ambiental estavam em operação. No 17º dia do movimento, estimava-se em 4,6 mil toneladas a quantidade de lixo na cidade. Outra preocupação do Executivo eram as chuvas, pois estas levavam água contaminada do lixo até os córregos. O jornalista encerrou o quadro geral informando que o juiz Abílio de Freitas determinou a intervenção da Polícia Militar para liberar os caminhões da Secretaria de Serviços Públicos. Pela estimativa do Sindicato, o movimento grevista teria alcançado a adesão de 75% do funcionalismo municipal. De acordo com o Boletim de Greve nº6, publicado no site da entidade, os servidores rejeitaram a proposta da Administração, na Assembleia de 20 de junho, por tê-la considerado idêntica à proposta anterior, já reprovada na Assembleia de 05 de junho. O Sismmar publicou uma carta aos movimentos sociais, organizações e entidades de direitos humanos no site, em 22 de junho, denunciando os casos de violência protagonizados pelos seguranças da Kamillus. Na edição de 22 de junho (quinta-feira), O Diário se concentrou novamente na questão do saneamento. Leonardo Filho entrevistou uma médica sanitarista da 15ª Regional de Saúde de Maringá. Ela enumerou as doenças que o acúmulo de lixo nas ruas poderia causar, devido à proliferação de ratos, insetos e outros bichos, entre elas, a gastroenterite, a leptospirose e a hepatite A. Procurado pela reportagem, o secretário Diniz Afonso se mostrou preocupado com a grande quantidade de resíduos gerados pelas festas juninas e festas da Copa do Mundo de 2006. Ele calculou que 350 toneladas de lixo se acumulavam a cada dia na cidade. O Centro de Mídia Independente (CMI), um portal nacional de notícias na Internet, reverberou as denúncias de violência feitas pelo Sismmar contra Prefeitura de Maringá. O CMI chegou a relatar que o prefeito Sílvio Barros se retirou dez minutos após o início da última reunião entre as partes. No mesmo horário, os carros dos membros do Comando de 63


Greve foram fechados por seguranças armados, encarregados de tomar os caminhões dos grevistas e colocá-los a serviço da Ponta Grossa Ambiental. A reportagem de 23 de junho (sexta-feira) de O Diário informou que a Prefeitura firmou novo contrato com a Ponta Grossa Ambiental, a fim de disponibilizar mais 10 caminhões para a coleta. Em resposta ao jornalista Murilo Gatti, o prefeito descartou a possibilidade de decretar estado de emergência no município. Sílvio Barros cobrou o cumprimento das liminares judiciais por parte dos grevistas, antes de retomar as negociações: Primeiro, os grevistas terão que demonstrar que são pessoas dignas de viver em Maringá, que é uma cidade ordeira. Para isso, precisam cumprir com o que acordaram e respeitar as determinações judiciais. Depois sentamos para conversar. É só marcarem o dia e o horário (O Diário, 23/06/06).

O prefeito lembrou que, além dos dias descontados, os servidores em greve teriam prejudicados também a progressão funcional e outros benefícios da carreira. Quanto à reposição salarial de 4,53%, reiterou que não poderia conceder reajuste maior, pois o percentual oferecido já ultrapassaria o limite prudencial da LRF. Não obstante, comprometeuse a manter bancar o reajuste e aumentar a arrecadação do Município para evitar penalidades do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR). Na madrugada do dia anterior (22/06), 20 viaturas e 40 soldados da PM tentaram liberar os caminhões coletores da Secretaria de Serviços Públicos, mas encontraram os pneus murchos. Para impedir a retirada de outros caminhões, os grevistas formaram um cordão de isolamento e acenderam uma fogueira em frente ao portão da Secretaria. Na versão da Prefeitura, eles teriam murchado os pneus. O Comando de Greve negou a acusação e garantiu que a ação foi executada por desconhecidos para denegrir o movimento. Segundo Murilo Gatti, os servidores empilharam sacos de lixo diante da Secretaria e interditaram a rua com os detritos deixados ali pelos moradores do Jardim América. A presidente do Sismmar se pronunciou:

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O Blog do Rigon informou, em 23 de junho, que o vereador Valter Viana havia apresentado requerimento em regime de urgência na sessão do dia anterior. O expediente solicitava antecipação das férias escolares na rede municipal de ensino, com o objetivo de evitar o contato dos alunos com o lixo acumulado nas imediações de escolas e CMEIs. Com a chegada dos dez caminhões e o reforço de mais trabalhadores da Ponta Grossa Ambiental, o problema da coleta começou a ser resolvida, conforme matéria de 24 de junho (sábado) de O Diário. Ao jornalista Murilo Gatti, a Administração Municipal previu que a situação seria normalizada em, pelo menos, uma semana. A presidente do Sismmar, Ana Pagamunici, comentou a declaração do prefeito Sílvio Barros sobre a reposição da inflação de 4,53%: “Se um reajuste pode superar o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, deveriam demitir alguns funcionários de cargos de confiança e, principalmente, os parentes”. A presidente salientou que as reivindicações do funcionalismo não se resumiam ao reajuste. Havia também a pauta das progressões, da revisão do PCCR e do fim das perseguições, motivo de muita reclamação por parte dos servidores municipais. Prefeitura e Sindicato ainda participaram de uma reunião sobre a greve, em 23 de junho, com os promotores Maurício Kalache e Elza Sangali, na Promotoria da Saúde. “Minha casa virou um lixão”, protestou um comerciante entrevistado pela reportagem. O munícipe contou que, ao retornar de viagem na madrugada de quarta-feira, deparou-se com uma “montanha de lixo” na calçada de sua residência. Vizinhos afirmaram que “pessoas de colete verde” foram os responsáveis pelo ato. O comerciante, morador da Vila Esperança, disse que acionaria a Justiça por causa do constrangimento.

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O Diário narrou que dois motociclistas atacaram “a pontapés” um carro da Ponta Grossa Ambiental nas proximidades do Cemitério Municipal. O motorista da empresa registrou denúncia na 9ª SDP. Na madrugada do dia 23, dois ônibus de transporte escolar tiveram os pneus murchados e os bicos de ar danificados por pessoas não identificadas. Outro fato relatado na mesma edição dizia respeito à proliferação de ratos e baratas pela cidade. A coordenadora do setor de zoonoses e pragas da Secretaria de Saúde alertou: “O lixo é o alimento e há hoje uma explosão de alimentos. […] Quanto mais alimentos disponíveis maior será a população de ratos”. Entrando no 20º dia da paralisação, os servidores realizaram Assembleia no sábado, 24 de junho. O site do Sismmar divulgou o resultado da Assembleia e, ao mesmo tempo, fez uma longa reflexão sobre o desenvolvimento da greve. No texto, o Sindicato recorda que o prefeito usou a mídia para dizer que só voltaria a negociar se os grevistas cumprissem as determinações judiciais e sua parte nos acordos. Em contrapartida, o autor indaga: “Será que podemos confiar na palavra do prefeito?”. E emenda: “Vejamos algumas promessas que o prefeito Sílvio Barros II fez durante sua campanha eleitoral”: O prefeito prometeu em sua campanha que os servidores teriam a “livre escolha do banco para recebimento do salário”. Mas por que ainda somos obrigados a depositar em apenas um banco, escolhido pela Prefeitura? O prefeito prometeu que “os reajustes salariais serão concedidos integralmente na data-base da categoria, de acordo com o índice da inflação”. Mas por que então o Prefeito não pagou até agora nosso reajuste? O prefeito Sílvio Barros II prometeu em sua campanha que “não haverá privatização em nenhuma área durante a Administração Sílvio Barros”. Então, por que o Prefeito está tentando privatizar o Hospital Municipal, a merenda escolar e principalmente a coleta de lixo? […] Nós cumprimos com nosso acordo no dia 16 de junho, abrindo os portões da SAOP para que o Prefeito negociasse. Sabem o que o prefeito fez? Saiu da reunião 10 minutos depois de começar e deixou sua equipe de negociação sozinha, sem fazer nenhuma proposta por escrito, sem atender nenhuma de nossas reivindicações […]. Um dia antes da Campanha da Vacina, a Administração afirmou nos meios de comunicação que os servidores iriam boicotar a Campanha. Sabe o que aconteceu? Todos os servidores da Saúde foram vacinar as crianças, mesmo estando em greve […]. Agora o prefeito está dizendo que os servidores furaram os pneus dos caminhões. Mas como os servidores fariam isso se a greve é do lado de fora dos

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portões da SAOP? Por que razão iriam furar os pneus se precisamos dos caminhões para garantir os serviços essenciais? E, assim, as inverdades vão ganhando boa parte da imprensa, preocupada com os negócios, não com a verdade. São raros os veículos que guardam o tom de imparcialidade e menos ainda os que preservam um perfil de compromisso social e com o direito dos trabalhadores (Sismmar, 24/06/06).

A Assembleia decidiu, no mesmo sábado, que todos os caminhões coletores e servidores da Secretaria de Serviços Públicos retornariam ao trabalho, na expectativa de que o prefeito voltasse a negociar com a categoria. O Comando de Greve se reuniu imediatamente com representantes da Administração para definir um acordo, registrado em ata, sobre o funcionamento da coleta de lixo a partir daquele momento. A coluna de informes de O Diário, de 25 e 26 de junho (sábado e domingo), publicou nota em que o prefeito mostrava desconfiança com relação ao acordo: “Eles não são muito de cumprir o que falam. Só acredito vendo. Só papel assinado não vale”. Na mesma edição, a reportagem “Greve pode estar perto do fim”, assinada por Elaine Utsunomiya, informa que o Comando de Greve e a comissão da Prefeitura voltariam à mesa de negociação na manhã de terça-feira (27/06), no Tribunal do Júri do Fórum de Maringá, a convite do Ministério Público. Além dos vereadores, participariam também os promotores de Justiça Maurício Kalache e Elza Sangale. Diante do iminente retorno dos servidores da Secretaria de Serviços Públicos, a Administração acelerou a retomada da coleta para dar conta das quase 5 mil toneladas de lixo espalhadas pela cidade. O domingo foi marcado por provocações de ambos os lados. O Sismmar publicou em seu site, no dia 26 de junho (segunda-feira), o texto “Um desafio ao prefeito Sílvio Barros II”: O prefeito Silvio Barros II superou neste domingo, dia 25 de junho, os limites do populismo. Desacostumado ao trabalho árduo que afeta a maioria dos trabalhadores do país, ele substituiu por um dia o ar-condicionado pelo calor das ruas, a empáfia habitual pela humildade forçada e o conforto do seu prédio pelo odor fétido dos lixos acumulados por sua Administração. [...] A operação é tão simples que o prefeito sacrificou seu domingo para limpar umas duas ou três cestas de lixo, acompanhado por seus cargos de confiança, que outrora ameaçavam os servidores na greve. Segundo o prefeito, os trabalhadores da SAOP provavelmente “estavam cansados” em função da greve e por isso não foram trabalhar. Conclusão: o prefeito foi trabalhar no lugar deles. Uma vez que o prefeito afirmou ser capaz de substituir o papel dos coletores, fica uma questão a ser respondida: serão os coletores capazes de substituir o papel do prefeito? Queremos lançar esse desafio: o prefeito irá trabalhar

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não um dia, mas durante um ano no lugar dos coletores e os coletores irão administrar a cidade por um ano no lugar do prefeito (Sismmar, 26/06/06).

O texto prossegue com uma lista de compromissos que os servidores assumiriam se o desafio fosse aceito, entre eles, a promessa de que o prefeito não sofreria perseguição em caso de greve. No mesmo tom, seguiu-se nova postagem: Enquanto o ex-prefeito Ricardo Barros inventava uma nova modalidade esportiva: “o salto em janelas”, o prefeito Silvio Barros II está tentando criar o “arremesso de lixos”. Pensa que limpar as ruas de Maringá é um esporte para quem não tem o que fazer aos domingos. Durante sua prática esportiva, o prefeito declarou a um jornalista que o Sindicato “assinou um acordo” dizendo que os coletores trabalhariam no domingo. Para desmentir mais uma vez o prefeito, reproduzimos abaixo o documento original [Acordo para Funcionamento da Coleta de Lixo, 24/06/06] assinado pelo gerente da Coleta de Lixo, onde estão registrados os dias e horários em que os coletores iriam trabalhar. Mais uma vez o Sindicato cumpre sua parte no acordo, abrindo os portões da SAOP. Será que o prefeito irá descumprir mais uma vez a sua parte? Veremos na terça-feira… (Sismmar, 26/06/06).

O Sindicato distribuiu um panfleto em 27 de junho (terça-feira), no qual solicitava doações de alimentos a um fundo de solidariedade criado para atender aos trabalhadores em greve. No documento, a entidade contextualizou a situação dos grevistas, ameaçados de sofrer descontos no salário de junho. O Diário do dia 27 anunciou: “Hoje é o dia D da paralisação”. O jornalista Murilo Gatti escreveu que a reunião do Fórum naquela manhã seria mais importante para os maringaenses do que as partidas da Copa do Mundo. Na Assembleia de segunda-feira (26/06), na Praça da Prefeitura, cerca de 1,5 mil servidores já haviam ratificado a decisão de aguardar a negociação do dia seguinte, antes de definir as próximas ações. Em três dias de coleta, uma tonelada de resíduos foi recolhida, segundo avaliação do Secretário de Serviços Públicos. Diniz Afonso contou que o prefeito Sílvio Barros e ocupantes de cargo comissionados trabalharam cinco horas no domingo e encheram um caminhão com sete toneladas de lixo. Apesar da expectativa, a tentativa de acordo fracassou novamente. Murilo Gatti conta na reportagem de 28 de junho (quarta-feira) que, na reunião mediada pelos juízes Abílio de Freitas e Carmen Ramajo, a Administração sugeriu duas consultas: uma ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sobre a limitação de reajustes salariais a funcionários públicos em ano eleitoral; e outra ao TCE, acerca das restrições da LRF. À revelia do Sindicato, a Prefeitura 68


resolveu efetuá-las e aguardar a resposta antes de retomar a negociação. “Fiquei bastante decepcionado porque sou obrigado a agir dentro da lei. Se agir fora, independente do prejuízo com a imprensa, tem as ações e processos. O Ministério Público é absolutamente impiedoso”, se defendeu Sílvio Barros. O prefeito também criticou a conduta dos grevistas: “Fazem tudo o que a lei não permite, como piquetes e o bloqueio dos bens públicos”. Sobre a negociação, a presidente do Sismmar declarou: A proposta da Prefeitura é uma clara atitude de quem não está interessada em resolver a questão da greve. Foi um desrespeito à Justiça e aos promotores […]. Juridicamente sabemos que a Lei [Eleitoral] não se aplica aos municípios [sem eleições naquele ano]. Isso é um desrespeito à população que quer ver o fim da greve. É falta de vontade para resolver o problema (O Diário, 28/06/06).

O portal Tribuna do Paraná, no mesmo dia, questionou Ana Pagamunici a respeito da última reunião: “Eles não só retiraram a proposta de 4,53%, como apresentaram uma proposta de reajuste de 0,39% […]. Nós entendemos que a Prefeitura não quer acabar com a greve. […] Os servidores sentem-se palhaços”. Os grevistas realizaram em 28 de junho (quarta-feira), na Praça da Prefeitura, uma Assembleia para debater os rumos do movimento. Ficou deliberado que fariam, naquela manhã, uma ocupação pacífica e simbólica do Paço, cantando o Hino Nacional de mãos dadas. A partir desse ponto, a greve avançou para seu clímax. Pelo blog Factorama, o jonalista Fábio Linjardi informou que aproximadamente 500 servidores foram até o Gabinete do Prefeito de manhã, a fim de protestar contra os descontos nos salários. Os grevistas tentaram entrar no local, mas a Polícia Militar foi chamada. Sílvio Barros, que estava reunido com os promotores de Justiça Maurício Kalache e Mônica Louise de Azevedo, deixou o gabinete pela saída de emergência que levava até a garagem do Paço Municipal, lembrando a fuga de Ricardo Barros em 1989. Entrevistado horas depois pela CBN, rádio administrada por membros da família Barros em Maringá, o prefeito disse que alertou os promotores sobre a possibilidade de “quebradeira”, caso houvesse desconto no salário dos grevistas. Sílvio Barros disparou: Olha, isso só vai terminar na hora em que a sociedade maringaense decidir que pessoas desordeiras, descumpridores da lei e da ordem, pessoas que não respeitam o Executivo, nem o Legislativo, nem o Judiciário, portanto, não respeitam a democracia, pessoas que não respeitam a população e nem sequer respeitam o

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servidor que eles dizem defender […], a nossa sociedade decidir que nós não queremos essas pessoas na nossa cidade, acabou. Esse tipo de gente não é bemvinda à sociedade de Maringá. […] A nossa imprensa não pode incentivar, estimular um movimento grevista desse tipo, a greve é um direito legítimo, mas dentro da lei e da ordem, pra isso que existe lei (Rádio CBN, 28/06/06).

De acordo com Fábio Linjardi, o prefeito também concedeu entrevista ao programa Dia a Dia, da Rádio Cultura: A primeira coisa que fiz foi ligar para o governador [Roberto Requião] e pedir para que a força policial atuasse […]. Eu quero a prisão daqueles que comandaram essa invasão. Eles foram filmados, fotografados e não são servidores […]. Eles querem colocar o Comando de Greve em meu gabinete […]. O governador ficou injuriado. Ele não aceita esse tipo de atitude e me disse que estava ligando para o comando da Polícia [Militar], determinando

a desobstrução do Paço Municipal (Factorama,

28/06/06).

O blogueiro contou que uma porta de vidro, entre a Assessoria de Imprensa e o Gabinete do Prefeito, foi quebrada durante a ocupação. Os grevistas acusaram os seguranças privados pelos danos. A Prefeitura, por outro lado, imputou a culpa aos grevistas. O jornalista Andye Iore fotografou para o Factorama toda a movimentação daquele dia e escreveu:

Os grevistas retiraram as cadeiras do Paço e sentaram no chão esperando que a Polícia Militar cumprisse a reintegração de posse. Mesmo com o cansaço, eles permanecem conversando e cantando. Alguns servidores se sentiram intimidados e reclamaram ao serem fotografados pela P2 [policiais à paisana]. Os policiais improvisaram uma base na rampa entre o primeiro e segundo piso do Paço e se movimentam constantemente fazendo pressão psicológica contra os grevistas (Factorama, 28/06/06).

Mais tarde, relatou que os móveis da sala de espera do Gabinete ficaram destruídos. Havia aproximadamente 30 policiais dentro do Prefeitura. Padres celebraram uma missa no local. Os grevistas se acomodaram no térreo do Paço durante a noite. Às 20 horas, um major da PM chegou para cumprir a ordem judicial de reintegração de posse.

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O Sismmar publicou uma extensa carta em seu site, no dia 28, em que sintetizava todos os acontecimentos da greve até a ocupação do Paço Municipal. O texto conta que os servidores entraram de mãos dadas na Prefeitura, cantando o Hino Nacional:

Enquanto isso, pessoas alheias ao movimento começaram a quebrar os vidros do Gabinete do Prefeito para comprometer a mobilização dos servidores. Nenhum servidor quebrou nada. Ao contrário, caminharam no Paço sem que nenhum incidente fosse relatado. Quando chegaram ao Gabinete do Prefeito, os vidros já estavam quebrados e os responsáveis teriam fugido pela porta dos fundos, conforme relataram várias testemunhas (Sismmar, 28/06/06).

O Sindicato fez um apelo aos movimentos sociais, organizações de direitos humanos, entidades sindicais, instituições e autoridades para que manifestassem apoio à causa do funcionalismo municipal. O pedido se justificava, segundo o Sismmar, porque os meios de comunicação apresentavam as notícias de forma unilateral e distorcida: “O prefeito Sílvio Barros II (PP) permanece impunemente atacando os servidores nas rádios, televisão e jornais da cidade e região, falando inverdades e se recusando a negociar uma melhor proposta à categoria”. Foi encontrada durante a pesquisa a degravação dos programas televisivos que reportaram os fatos de 28 de junho. O documento estava assinado por um perito ad hoc da Comissão Especial de Processo Administrativo Disciplinar (CEPAD), instaurada em julho para apurar a responsabilidade pelos incidentes daquele dia. O programa de Airton Costa, na RIC TV/Record, teve a presença de Willy Taguchi, vice-prefeito de Maringá no mandato de Ricardo Barros (1989-1992). Taguchi clamava para que autoridades independentes ajudassem a mediar e resolver o conflito entre Prefeitura e servidores. Airton Costa respondeu ironicamente: “Mas nem o arcebispo deu conta e ele foi lá conversar e não resolveu […]”. O segundo programa transcrito foi o Maringá Urgente, da TV Maringá/Band. Dentre os destaques da edição, o apresentador Eduardo dos Santos relatou que a ida dos grevistas ao Gabinete do Prefeito se deu por causa de uma declaração de Sílvio Barros em uma emissora de rádio, naquela manhã. De acordo com alguns servidores, o prefeito teria ofendido os garis dizendo que eles não eram trabalhadores. O repórter Índio Maringá informou em seguida: “[…] eles resolveram então vir conversar com o prefeito frente a frente e mostrar para o 71


prefeito que eles estão trabalhando, que são sérios e querem trabalhar, mas querem um salário digno […]”. Na edição, comentou-se também sobre os vidros e móveis quebrados:

Eduardo dos Santos: “Agora teve um caso grave que aconteceu, inclusive uma funcionária da Prefeitura ligou no meu celular desesperada pedindo socorro pra gente tentar apressar a chegada da polícia lá, porque acusaram os grevistas de estarem quebrando tudo [...]”. Índio Maringá: “Olha as duas vidraças quebradas ali, uma na antessala e outra na sala de imprensa, e os grevistas e os manifestantes, eles têm a fita do momento em que um segurança da Prefeitura, eles teriam essa fita”. Eduardo dos Santos: “Eles teriam essa fita? Mas não deram para nós?”. Índio Maringá: “Não, eles não deram para nós, mas teriam, segundo a Ana Pagamunici, [...] eles têm a fita onde um dos seguranças […] teria quebrado as vidraças para chamar atenção da polícia e jogar a culpa nos manifestantes, eles garantem que não foram eles que quebraram. […] A Prefeitura nega, nega veementemente, e diz que eles teriam quebrado, […] agora a polícia está no local e a fita vai ser requisitada pela polícia pra saber realmente quem quebrou aí essas vidraças”. […] E tem outra denúncia grave, Eduardo, […] seguranças armados estariam na antessala do prefeito, e há toda uma tensão porque não é para nenhum manifestante abrir nenhuma sala, porque pode acontecer o pior […]” (PMM/CEPAD: “Laudo Pericial de Degravação”, 26/10/06).

Em meio à desordem instalada no Paço Municipal, a presidente do Sismmar, Ana Pagamunici, concedeu entrevista ao repórter Guilherme Mendes, do programa Aqui Agora (TV Tibagi/SBT). Ela voltou a afirmar que pessoas ligadas à Administração teriam danificado o patrimônio público para criminalizar o movimento: “[…] amanhã, o prefeito vai sair na televisão dizendo que foi a gente que quebrou; quero que a população saiba que quem quebrou esse vidro foi gente da Administração, […] nós estamos aqui ordeiros e pacíficos”. O Laudo Pericial de Degravação da CEPAD também transcreveu os programas de 29 de junho (quinta-feira). A começar pelo programa Aqui Agora, da TV Tibagi/SBT, o apresentador Oseias Miranda introduziu as informações desde a noite do dia anterior (28/06): “De posse do mandado de reintegração de posse, a Polícia foi acionada para fazer a desocupação do prédio da Prefeitura, houve confusão e alguns dos manifestantes que resistiram tiveram que ser retirados à força”. A repórter no local comunicou que a tropa de choque da PM havia chegado às 12h15min. Centenas de policiais foram destacados para cumprir o mandado. Vale reproduzir aqui alguns trechos do laudo, em que o perito traduz as imagens da reportagem: 72


Perito ad hoc: “Em relação às imagens mostradas durante a fala da repórter, temos, às 01h12, o mandado de reintegração de posse sendo lido pelo oficial de justiça Frank Marcos Sakiyama […]. Os grevistas cantam o Hino Nacional. Às 01h15, temos os primeiros grevistas sendo levantados pelos policiais para serem retirados do Paço. […] Às 01h50, [...] a presidente do Sismmar, Ana Pagamunici, resiste aos policiais e começa a declarar em alto som para os policiais soltarem ela, […], e com isso uma confusão começa a se generalizar onde grevistas que a apoiam vão em socorro de sua líder e os policiais pedem calma para eles […]. A presidente do Sismmar continua gritando, e isso causa um tanto de apreensão entre os policiais e os grevistas. Às 02h14, Ana Pagamunici continua resistindo aos policiais e alguns grevistas vão em seu socorro novamente porque ela grita que os policiais a estão machucando [...]. Às 02h42, vemos a servidora Elizete Maria Brito da Silva [...] sendo levada por um policial, olha para a presidente do Sismmar sendo carregada por policiais e fala, olhando para a câmera: ‘Essa é a justiça’; e repete: ‘Essa é a justiça’ […]. Vemos um grevista [...] que se recusa a sair e se mantém inerte, sendo que dois policiais tiveram de carregá-lo. Às 03h02, vemos o servidor Alex Pires de Souza [...] sendo retirado do Paço algemado e levado por três policiais. […] Às 03h13, vemos a servidora Patrícia Lofrano Zani, que estava vestida com uma blusa de frio preta […], sendo retirada da Prefeitura, sendo carregada por três policiais, dois a seguram pelos braços e uma policial, as pernas. Às 03h22, vemos o ônibus da Polícia Militar parado e vários grevistas dentro dele e ainda vários entrando [...]. Às 03h33, vemos o servidor Odair Nespolo [...], que apoia sua mão em uma das janelas do ônibus. O mesmo clama por socorro, ao ouvir uma manifestante, que não aparece na cena, gritando que tem alguém passando mal [...]. Às 03h41, vemos o ônibus da Polícia saindo e levando cerca de 40 grevistas para depor na delegacia” (PMM/CEPAD: “Laudo Pericial de Degravação”, 26/10/06).

De volta ao estúdio, Oseias Miranda informou que a Polícia Civil tinha solicitado na manhã de 29 de junho a prisão temporária de doze pessoas. O pedido seria encaminhado para análise do Ministério Público. Cerca de 40 grevistas, que resistiram à ao mandado da Justiça, acabaram detidos pela PM e levados à 9ª SDP. Após prestarem depoimento e assinarem um termo circunstanciado, foram liberados pela Polícia Civil. O programa Paraná TV, da RPC/Globo, calculou que 230 policiais, de diversos batalhões da região, participaram da operação na madrugada. Segundo a repórter Anelise Camargo, os grevistas detidos ainda responderiam criminalmente por desobediência a ordem judicial.

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Sobre os eventos do dia anterior, o jornal O Diário de quinta-feira (29/06) expôs na manchete de capa: “Grevistas tomam Prefeitura”. Além dos incidentes já relatados, a Administração anunciou ao jornalista Murilo Gatti que 15 servidores, supostamente responsáveis pelo vandalismo, responderiam a processo administrativo disciplinar. Ana Pagamunici rebateu as acusações: “Entramos para fazer um ato cívico, mas quando passamos próximo ao Gabinete fomos agredidos pelos vigilantes da Prefeitura”. Um tenente da PM presenciou o momento em que arremessaram uma cadeira no vidro, porém, não conseguiu identificar a pessoa em razão do tumulto no local. Assustados com a situação, os funcionários que trabalhavam no Paço começaram a ser dispensados a partir das 10h30min. “Percebi a aproximação em torno da sala e ouvi vozes e palavras de ordem. Depois escutei o ruído de vidros quebrando e batidas nas paredes do gabinete”, disse o promotor Maurício Kalache, que estava reunido com Sílvio Barros naquele instante. No final da tarde de quarta-feira (28/09), os manifestantes entraram em acordo com a Polícia Militar e abandonaram o Gabinete do Prefeito para se concentrar no térreo do Paço Municipal. Segundo O Diário, os grevistas receberam o apoio de sindicalistas do setor público de Cascavel, Campo Mourão e Foz do Iguaçu. Por sua vez, a Associação dos Municípios do Setentrião Paranaense (Amusep) condenou a ocupação e manifestou solidariedade a Sílvio Barros. Murilo Gatti estimou que 1,5 mil servidores estiveram no prédio da Prefeitura. O então delegado-chefe da 9ª SDP abriu inquérito policial para investigar a depredação do patrimônio público. Durante a tarde, ele e outros policiais se instalaram na Proge, com o propósito de ouvir testemunhas e analisar imagens de câmeras de vídeo. O delegado apurou a suspeita de cinco crimes: dano qualificado, atentado contra a liberdade de trabalho, crime de perigo, crime de paralisação de trabalho de interesse coletivo e formação de quadrilha. O Diário comunicou que o mandado de reintegração de posse, expedido pela juíza Carmen Ramajo, foi entregue à PM perto das 17h30min do dia 28. Os policiais aguardavam reforço dos batalhões de outras cidades para cumpri-lo, pois as tentativas de desocupação pacífica não tinham prosperado. Nesse ínterim, a coleta de lixo na cidade era realizada somente pela Ponta Grossa Ambiental. Questionado se a Administração tomaria providências contra os servidores que participaram da ocupação, o prefeito Sílvio Barros respondeu: “Aos baderneiros, desordeiros, cidadãos que nem merecem viver em Maringá, e, aliás, alguns nem vivem, esperamos que eles sejam presos pelo quebra-quebra na Prefeitura. Eu também vou pedir a demissão deles”.

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Pela informação de Andye Iore, no Factorama, cerca de 200 policiais militares executaram a ordem judicial, por volta da 00h20min do dia 29 de junho. O advogado do Sismmar, Avanílson Araújo, saiu algemado por um policial sem identificação no uniforme. Os grevistas lotaram a sessão da Câmara Municipal no mesmo dia. Antes de o presidente do Legislativo, John Alves (PMDB), iniciá-la, Ana Pagamunici proferiu um discurso inflamado contra a operação policial da madrugada. Segundo o jornalista, o pedido de prisão temporária de 12 pessoas derivou de investigação da Polícia Civil. Elas foram identificadas através de fotografias, analisadas no escritório improvisado da Procuradoria Jurídica. O Blog do Rigon informou na quinta-feira (29/06) que a PM se dirigiu à Secretaria de Serviços Públicos para dissolver a concentração de grevistas e desobstruir o prédio. O jornalista replicou uma nota do blog de Ronaldo Nezo, na qual o secretário de Administração estimou que 1.713 servidores receberiam menos da metade de seus salários por causa da greve. O número partiu de uma avaliação dos registros de folha-ponto. Na mesma data, o Blog do Rigon reproduziu um manifesto da advogada Jacheline Batista Pereira, integrante do Conselho Permanente de Direitos Humanos do Paraná. O texto dialoga com a trajetória conturbada dos 25 dias de greve. A advogada lembrou que os representantes de movimentos sociais, organizações não governamentais, sindicatos e da Igreja Católica permaneceram no Paço Municipal até que houvesse tranquilidade entre os grevistas, diante da iminente operação da Polícia Militar: Logo após a retirada do local das entidades e organizações de apoio aos funcionários públicos, a tropa de choque da Polícia Militar do Estado do Paraná, atendendo ao comando do governador Requião e do secretário de Segurança Pública do Paraná, em conluio com o prefeito Sílvio Barros II, cercou a Prefeitura com mais de 100 policiais e cachorros e iniciaram uma verdadeira sessão de horrores contra os servidores municipais (Blog do Rigon: “Da luta dos trabalhadores do serviço público de Maringá à barbárie”, 29/06/06).

Jacheline Batista considerou ilegal a detenção do advogado do Sismmar em pleno exercício da função. Em sua opinião, o escritório improvisado pela Polícia Civil na Prefeitura, para fotografar e filmar manifestantes, parecia o Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de inteligência da Ditadura Militar. Os eventos da desocupação foram narrados pelo jornal O Diário em 30 de junho (sexta-feira). O jornalista Fábio Linjardi informou que o micro-ônibus do 10º Batalhão de Apucarana teve os bancos rasgados e peças quebradas. Apesar dos testemunhos de violência 75


na operação policial, um capitão da PM julgou “excelente” a reintegração: “Usamos um grande efetivo para não ter que usar a força policial”. Além do contingente de Maringá, foram destacados policiais de Paranavaí, Londrina, Apucarana, Cruzeiro do Oeste, Campo Mourão e Jacarezinho. Uma servidora do Hospital Municipal afirmou ter sido agredida por um dos PMs: “Chutaram a minha perna, olha como está roxa”. Em torno de 27, dos 46 detidos, foram acusados de depredar o micro-ônibus da PM, entre eles, o advogado Avanílson Araújo. A Polícia Civil confirmou o pedido de prisão de 12 servidores ao juiz da 1ª Vara Criminal, Cláudio Camargo Santos. A solicitação seria apreciada antes pelo Ministério Público. O Diário divulgou os nomes. Na lista, constavam membros do Comando de Greve, dirigentes sindicais e lideranças do PT, com destaque para a presidente do Sismmar, Ana Pagamunici; Luiz Steinle de Araújo, que se tornaria vereador em 2016; e Iraídes Fernandes Baptistoni, atual presidente do Sismmar, desde 2011. A Administração Municipal declarou que tentaria exonerar os funcionários que supostamente participaram da depredação do Gabinete do Prefeito, entre eles, a presidente do Sismmar, Ana Pagamunici. “Temos o registro de tudo o que aconteceu. Identificamos os responsáveis através da Polícia […]. Vamos instaurar um processo administrativo para a demissão dos responsáveis pelo vandalismo”, completou o secretário de Administração, Ademar Schiavone. No final da tarde de sexta-feira (30/06), o Sindicato divulgou no site que o pedido de prisão temporária de 12 servidores foi indeferido pelo juiz da 1ª Vara Criminal. A promotora de Justiça do Ministério Público, Arisângela Cristina Tibeletti Vargas da Silva, emitiu parecer considerando que os grevistas se reuniram “por motivos diversos do cometimento de crimes, pois se tratam de funcionários públicos reunidos em greve, em que há reivindicações de classe em relação à Administração Pública”. Conforme a publicação, desde o início o prefeito Sílvio Barros julgava o movimento como fruto de interesses alheios ao funcionalismo municipal, catalisados por um grupo político. Outra tese da Administração sustentava a ilegalidade da greve, mesmo sem um julgamento definitivo da Justiça. Para ilustrar, o Sindicato reproduziu as palavras do secretário Ademar Schiavone à imprensa: “independente da greve ser legal ou não, os dias parados serão descontados”. O texto continua: O pedido de prisão temporária dos servidores é apenas o coroamento de uma política de intransigência, que procura condenar dirigentes sindicais, servidores do Comando de Greve e pessoas solidárias ao movimento, como forma de intimidar a categoria e

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pôr um fim à greve na base da truculência (Sismmar: “Prisão de trabalhadores municipais é negada pela Justiça”, 30/06/06).

A Assembleia realizada na sexta-feira (30/06) deliberou pela continuidade da paralisação e instituiu, ainda, o dia 29 de junho como “Dia de Luto e Luta pelo Respeito e Dignidade dos Servidores Municipais de Maringá”, a ser lembrada anualmente pela categoria. Em postagem do Factorama, Andye Iore comparou a ação policial no Paço com outras operações envolvendo sem-terras. O jornalista cita três casos em que majores da PM comandaram reintegrações pacíficas de fazendas, após muitas horas de negociação. Um deles liderou a desocupação da Prefeitura, que durou cerca de 20 minutos. Mesmo com um efetivo de 230 policiais, alguns grevistas tiveram que ser arrastados e carregados até o micro-ônibus da PM. Fábio Linjardi, que também escrevia para o Factorama, chegou a publicar uma enquete no blog:

O Blog do Rigon divulgou, em 30 de junho, um trecho do parecer do Ministério Público sobre o pedido de prisão de 12 servidores, no qual a promotora responsável pelo caso reconhece a necessidade de apurar o “vandalismo” no Paço Municipal: “[…] porém, entendido como ato isolado, sem ânimo determinado para prática reiterada de crimes, que possa justificar a verificação da ocorrência de crime de quadrilha”. O jornalista também transcreveu parte do despacho do juiz Cláudio Camargo dos Santos, da 1ª Vara Criminal: O juiz destacou que ‘a simples leitura do artigo 1º da Lei 7960/89 demonstra a impossibilidade de se acolher a requisição do Dr. Delegado de Polícia’, que ‘os representados têm endereço fixo e conhecido, por se tratarem de pessoas envolvidas com o Comando de Greve’ e que ‘não se vislumbra, nem de longe, que a segregação temporária seja imprescindível para as investigações’ (Blog do Rigon: “Justiça não acolhe pedido de prisão dos grevistas”, 30/06/06).

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Na reportagem de 01 de julho (sábado), O Diário retrata os efeitos da greve na rede municipal de ensino. De acordo com Fábio Linjardi, o movimento alterou o calendário escolar de 46% dos quase 15 mil alunos do ensino fundamental. Os dias de aula perdidos seriam repostos aos sábados e durante as férias, conforme a realidade de cada estabelecimento afetado pela greve. Nos centros de educação infantil, 63% das crianças não tiveram atendimento. A diretora de ensino Elizabeth Marques afirmou que algumas mães ficaram com receio de levar seus filhos às escolas e CMEIs, após o episódio do Paço Municipal, temendo que as ocupações se espalhassem. Relatou, inclusive, que parte dos servidores retornou ao trabalho um dia depois do incidente. A Administração nomeou na sexta-feira (30/06), através da Portaria nº334/2006Gapre, a comissão que conduziria os processos administrativos contra os funcionários que participaram da ocupação. “A população exige isso. Há milhares de pessoas que anseiam trabalhar na Prefeitura e outros que não querem. A essas, vamos dar a oportunidade de procurar outra atividade”, justificou o prefeito Sílvio Barros. Segundo a reportagem, cerca de 400 pessoas decidiram na Assembleia de 30 de junho manter a paralisação por mais alguns dias: “Ana transmitiu aos servidores que o fim da greve, nesta semana, seria desonroso, uma vez que os grevistas foram retirados pela Polícia de dentro da Prefeitura, à força [...]”. De qualquer forma, a presidente do Sismmar admitiu que as negociações voltaram à “estaca zero”. O Sindicato fez em seu site, no dia 03 de julho (segunda-feira), um apelo à “população maringaense”, pedindo doação de dinheiro e/ou alimentos aos grevistas cujos salários foram descontados. Entre justificativas e ataques à Administração, a entidade questiona: “Você sabia […] que o dinheiro gasto com propaganda, cargos de confiança e empresas privadas dariam para pagar a reposição dos servidores?”. Embora a informação contida na pergunta não seja totalmente exata13, o prefeito Sílvio Barros recebeu muitas críticas do funcionalismo pelo aumento dessas despesas durante sua gestão. Ao final, o recado: “Você pode não concordar com a greve, mas não pode deixar que centenas de pais e mães de família morram de fome por causa do prefeito”. Fábio Linjardi informa, na edição de 04 de julho (terça-feira) de O Diário, que o contrato de 30 dias com a Ponta Grossa Ambiental custaria 1,1 milhão ao Município, incluindo a mão de obra e os caminhões. Com o retorno gradual dos coletores, a situação da 13

É preciso lembrar que o reajuste de 16,67% foi negado pela Administração sob o argumento de que as despesas com recursos humanos extrapolariam os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Ainda que a Prefeitura economizasse com propaganda e terceirizações, a reivindicação poderia ser novamente negada, com base no mesmo argumento. Por outro lado, a redução dos cargos de confiança possibilitaria um reajuste maior, pois diminuiria os gastos com pessoal em relação à receita corrente líquida, em conformidade com a LRF.

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coleta de lixo voltou a se normalizar. Os descontos salariais, o fim dos piquetes e falta de negociação com o Executivo contribuíram para reduzir o número de grevistas, sobretudo nas Secretarias de Educação e Serviços Públicos. Estava programada uma Assembleia no mesmo dia (04/07) para deliberar sobre o destino do movimento. Segundo a reportagem, o Sismmar recolheu os extratos bancários dos servidores que sofreram descontos. Em troca, entregava-lhes uma cesta básica, comprada com recursos de um fundo de greve. “Precisamos de doações […]. Quem puder doar qualquer tipo de alimento e até dinheiro para os servidores, é bem-vindo”, disse Ana Pagamunici. O secretário de Administração, Ademar Schiavone, declarou encerrada a negociação com o Sindicato e descartou a possibilidade de restituir os valores descontados, referentes a 16 dias de paralisação. O Diário promoveu uma enquete com quatro trabalhadores da Prefeitura: “Você vai permanecer em greve ou voltar ao trabalho?”. Dos quatro entrevistados, dois continuariam na paralisação. Em matéria de Murilo Gatti, consta que o projeto de lei protocolado em 21 de junho na Câmara de Vereadores, visando terceirizar 100% da coleta de lixo, foi arquivado. A Administração recuou e decidiu pleitear a terceirização de apenas parte do serviço, conforme o coordenador de Políticas Públicas e Meio Ambiente, Jurandir Guatassara Boeira. O fim da greve foi decretado na manhã de 04 de julho, em Assembleia da categoria. Mesmo assim, os servidores resolveram se manter em estado de greve e continuar os protestos contra a Administração. Ângelo Rigon divulgou em seu blog a realização do “Ato contra a Violência e contra a Fome”, organizado pelo Sismmar, a partir das 15 horas do dia 04. Os convites foram espalhados pela Internet e, além de apresentações culturais, estava prevista a participação de diversas autoridades. No local haveria barracas para arrecadar alimentos e colher assinaturas em um manifesto, cujo objetivo seria mostrar ao prefeito o apoio da população e das entidades representadas à causa do funcionalismo público municipal. Em 05 de julho, a Administração enviou um ofício ao Sindicato, em tom provocativo: Em atenção ao Ofício 198/06, é preciso, inicialmente, obter alguns esclarecimentos, pois o expediente carece de clareza. 1) Processo de criminalização: esta Administração não tem conhecimento do que representa essa palavra utilizada no item 1 do ofício. Aguardamos os esclarecimentos. 2) Cortar salário:

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a) A MM. Juíza de Direito, Dra. Carmen Lúcia Rodrigues Ramajo, nos autos sob nº489/2006, de Mandado de Segurança impetrado pelo Sismmar, pleiteando que não houvesse desconto dos dias parados, decidiu pelo indeferimento da petição inicial e denegou liminarmente a segurança pleiteada. b) O promotor de Justiça, Dr. Mauricio Kalache, avisou ao prefeito e à própria presidente do Sismmar, na reunião realizada no dia 23 de junho, na sala da Promotoria Pública, de que, se o prefeito não fizesse o desconto dos dias parados, estaria passível de ação do Ministério Público por ato de improbidade administrativa. c) O Sismmar recusou formalmente as propostas da Administração que consideravam a compensação dos dias parados para o não desconto. 3) Negociação encerrada: é preciso relembrar que, na parte final da Audiência Pública realizada no dia 27 de junho, no Fórum de Maringá, com a presença de dois juízes de Direito, cinco promotores de Justiça, um representante da Igreja Católica (Monsenhor Almeida) e vereadores, o Sismmar manifestou expressamente que aquilo era o “fim das negociações”. O prefeito, por sua vez, informou que, por parte da Administração, a negociação não estava encerrada, cabendo, portanto, a Vossa Senhoria a reabertura das negociações, preferencialmente sob mediação do Poder Judiciário […] (Ofício 907/06-Gapre, 05/07/06).

O fim da greve foi noticiado pelo jornal O Diário somente na quarta-feira (05/07). Segundo Fábio Linjardi, os servidores voltariam ao trabalho no dia seguinte, sem nenhuma das reivindicações atendidas. “Quem acha que essa foi a última greve do governo Sílvio Barros está enganado”, ameaçou a presidente do Sismmar, Ana Pagamunici. Às 17 horas, estava programada uma manifestação na Praça Raposo Tavares. A intenção era alertar o prefeito sobre a possibilidade de uma nova paralisação. A presidente reconheceu que os descontos salariais ajudaram a selar o fim da greve: “Contra a polícia, a gente até pode se defender. Mas sem os salários, não dá”. Logo após o fim do movimento, Sílvio Barros anunciou que a primeira parcela de 40% do 13º salário seria paga já no mês de julho. Além disso, o prefeito encaminhou, na mesma data, um projeto de lei à Câmara Municipal para ser votado em sessão extraordinária, no qual estabelecia o valor de R$450,00 como o “salário mínimo” do funcionalismo. Estas medidas já haviam sido propostas anteriormente, mas acabaram rejeitadas pela categoria em assembleia. A Secretaria de Educação concebeu de imediato um calendário para reposição das aulas perdidas. O Sismmar, todavia, recorreu à Justiça contra a reposição na forma pretendida pela Prefeitura. O advogado Avanílson Araújo explicou à reportagem que os profissionais da 80


Educação só aceitariam compensar as aulas se recebessem pelas horas-extras ou se lhes fossem restituídos os valores descontados de seus salários: “Nós queremos repor as horas. Se o prefeito cortou o salário, está determinando que não sejam repostas as aulas”. A um público de aproximadamente 400 pessoas, o advogado declarou na última Assembleia: “É bom que o prefeito saiba que vai levar milhares de ações por danos morais, por chamar os servidores de vagabundos e baderneiros”. Ulisses Maia concedeu entrevista a O Diário:

Segundo o Blog do Rigon, o então presidente nacional da Conlutas e do PSTU, José Maria de Almeida, conhecido como Zé Maria, esteve em Maringá na tarde do dia 05, acompanhado de um dirigente da CUT e da presidente do Sismmar, para entregar a Sílvio Barros um documento com as demandas do funcionalismo. Alegando outro compromisso, o prefeito não se encontrou com Zé Maria, que acabou sendo recebido pelo chefe do Gabinete do Prefeito, Benivaldo Ramos Ferreira, e o diretor do Procon, Ulisses Maia. Este havia escrito um artigo polêmico para O Diário, em 30 de junho, no qual associava os motivos da greve à relação entre Sismmar e Conlutas: Maringá assistiu assustada a cena da invasão do Paço Municipal e do quebra-quebra. Procurando uma explicação, vemos que tudo está explícito em um documento escrito pelo próprio Sismmar, à disposição na internet, no site da Conlutas […]. Analisando o documento, destacamos alguns pontos e ideias:

“Desde

a

fundação de nosso Sindicato, queremos contribuir nessa construção com algumas propostas, por uma alternativa de luta, classista, democrática, antiburocrática e

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anticapitalista. […] É preciso assumir as reivindicações da classe de forma consequente, e, por pequenas que sejam, cada vitória ajudará a Conlutas a ganhar autoridade real entre os trabalhadores […]. A Conlutas deve resgatar os métodos de luta abortados pela burocracia sindical nos últimos anos, como as greves, os piquetes, as paralisações, as ocupações de fábricas e a greve geral”. Esse documento está no site da Conlutas e segue assinado pela presidente e demais diretores do Sismmar de Maringá. Isso explica porque a greve na Prefeitura teve início. O Sindicato sabe, desde abril, que o limite oferecido pelo prefeito é o possível e o legal. [...] O Sindicato está usando os servidores municipais para defender a bandeira da Conlutas. Não estão interessados nos direitos dos servidores […] (O Diário: “Quem o Sismmar está defendendo”, 30/06/2006).

Andye Iore escreveu para o site da Gazeta do Povo, em 05 de julho, que a greve de 2006 foi a mais longa da história de Maringá, superando a paralisação de 12 dias na gestão de Ricardo Barros, em 1990. A Assembleia decisiva aconteceu no salão da Paróquia São Miguel Arcanjo, perto do antigo aeroporto da cidade. O Comando de Greve apresentou um balanço das ações para cerca de 800 pessoas. O jornalista relatou que 90% dos presentes votaram a favor do retorno ao trabalho na quinta-feira (06/07). O Sismmar estimou um gasto de R$ 50 mil na paralisação, com verba proveniente do fundo de greve e das doações recebidas. A questão dos descontos seria debatida na Justiça, segundo o advogado do Sindicato, pois não havia declaração de ilegalidade da greve. Ao jornalista Roger Pereira, do site Tribuna do Paraná, Ana Pagamunici reafirmou: “A recusa do prefeito em negociar, a tentativa de criminalizar o movimento e o desconto dos dias paralisados do pagamento dos servidores enfraqueceram o movimento. Vamos voltar ao trabalho e esperar o momento certo para retomar a greve”. A coluna de informes de O Diário, de 06 de julho, chegou a publicar a seguinte nota: Os servidores municipais não se dão por vencidos. O sindicato da categoria (Sismmar) organiza uma nova assembleia para o próximo dia 29. Quer avaliar a possibilidade de retorno à greve. O recuo do movimento grevista ainda não foi bem digerido pelos sindicalistas. Sabem que o fim da greve representou uma vitória da Administração Municipal. Não houve nenhum ganho, somente o desconto dos dias parados nos salários de 1.700 servidores (O Diário: Informe Diário, 06/07/06).

O prognóstico não se concretizou. Apesar de paralisações pontuais ao longo dos anos, os servidores municipais voltaram a vivenciar a experiência de uma greve geral somente em 2016, dez anos depois. 82


3.3. Epílogo: desdobramentos da greve As consequências da greve de 2006 foram muitas. As lembranças e os traumas continuam firmes na memória de quem participou, como gestor ou servidor, daqueles longos 30 dias de paralisação. O Sindicato custou a admitir o resultado e, como reflexo, prosseguiu com as ações de protesto contra a Administração Municipal. O “Ato contra a Violência e contra a Fome”, em 05 de julho, teve a cobertura da jornalista Carla Guedes, de O Diário: Com faixas pretas nos braços, em símbolo de luta, os servidores municipais reuniram 400 pessoas, ontem, na Praça Raposo Tavares, para o Ato contra a Violência e contra a Fome, que teve apoio de líderes sindicais e entidades que lutam pelos direitos dos trabalhadores. “A população está do nosso lado. Já temos várias assinaturas em um abaixo-assinado para cobrar entendimento entre Prefeitura e Sismmar”, disse Ana Pagamunici, presidente do Sindicato dos Servidores. [...] O coordenador da Conlutas, José Maria, esteve no evento e disse que as reivindicações são legítimas e necessárias. “Não admitiremos que o servidor público seja tratado como quadrilha” (O Diário: “Prefeitura e Sismmar tentam acordo”, 06/07/06).

A fotografia de Douglas Marçal para a reportagem mostrava a presença de um caixão no ato. Em outras imagens do evento, divulgadas por Ângelo Rigon, é possível identificar frases e palavras como “diálogo”, “liberdade de expressão” e “Sílvio Barros matou a democracia”, escritas em folhas de sulfite. Em uma das fotografias, um manifestante exibia um panfleto com a imagem do prefeito sobre o caixão. Em 12 de julho de 2006, Sílvio Barros participou de um debate na OAB de Maringá, a convite do presidente da subseção local Aírton Kenji Ueda, com público aproximado de 120 pessoas, entre advogados e assessores do prefeito, segundo O Diário. A matéria não assinada, de 14 de julho (sexta-feira), revelou: “Sílvio Barros não escondeu a irritação em alguns momentos do debate. Seu semblante mudava toda vez que se referia ao Sindicato dos Servidores Municipais, o Sismmar. Idem para o assunto greve”. Sobre a paralisação, o prefeito reafirmou: Foi motivada e convocada baseada numa reposição salarial que a Constituição do Brasil não permite que seja dada e ponto final. O Sindicato já tinha em mãos a

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certidão do Tribunal de Contas do Estado atestando que o nosso limite de comprometimento da folha de pagamento com a arrecadação já superava 50% em dezembro [de 2005]. Se o limite constitucional é de 54%, como é que se pretende uma reposição de 16%?” (O Diário: “Debate na OAB”, 14/06/06).

Ao longo de julho, o Sismmar continuou recebendo doações em dinheiro e alimentos. O Sindicato dos Trabalhadores da Justiça Federal do Paraná, regional de Maringá, por exemplo, doou mais de 500 litros de leite aos servidores municipais que tiveram os salários descontados. O advogado e mestrando em Ciências Sociais, Avanílson Araújo, publicou um texto no site do Sismmar, em 21 de julho de 2006. O artigo era um desagravo às afirmações do prefeito Sílvio Barros de que os grevistas precisavam “provar que são dignos de morar em Maringá” e também deviam cumprir as determinações judiciais antes de se entabular qualquer negociação. Araújo mencionou três casos em que o descumprimento de leis e ordens judiciais foram perpetrados por autoridades municipais. O primeiro evocava a dívida acumulada de 200 milhões (na época) da trimestralidade, quando o ex-prefeito Ricardo Barros deixou de cumprir a lei que previa o reajuste trimestral da remuneração dos trabalhadores do Município. O segundo se referia à recusa do presidente da Câmara Municipal em 2006, John Alves Corrêa (PMDB), de obedecer à ordem judicial que determinava a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o suposto superfaturamento na compra de 20 laptops. Por último, citou a contratação sem licitação, pela Prefeitura, da empresa Transresíduos para executar obras no “lixão” de Maringá, considerada ilegal pelo Poder Judiciário. O advogado reflete: Em qual destes casos a força policial será utilizada para fazer valer as decisões judiciais? Pois bem, o que os trabalhadores fazem ao questionar a legalidade, dentro da ordem burguesa, nada mais é do que exercitar um direito de colocar em xeque a legitimidade de determinado ato (judicial ou administrativo). Ou seja, ainda que se pudessem enquadrar as ações dos grevistas dentro da perspectiva da desobediência civil, o seu objetivo seria de demonstrar que o emprego coercitivo do aparelho de Estado não se justifica em atos desta natureza. […] O que os trabalhadores fazem numa greve é demonstrar as próprias contradições desta sociedade dividida em classes e mascarada sob o manto da igualdade jurídica, afinal, o prefeito pode, o presidente da Câmara pode, o deputado federal pode, só os trabalhadores não podem

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se organizar e reivindicar direitos (Sismmar: “Só os trabalhadores não podem”, 21/07/06).

A animosidade entre Prefeitura e Sindicato se acentuou muito com a publicação da Portaria nº334/2006-Gapre, no Órgão Oficial do Município de 14 de julho de 2006. O documento nomeava três membros para compor a Comissão Especial de Processo Administrativo Disciplinar (CEPAD), que conduziria os processos contra 32 servidores que participaram da ocupação do Paço Municipal. Eles foram acusados de “insubordinação grave em serviço” e “dilapidação do patrimônio municipal”, com fundamento no artigo 187, incisos VI e X, do Estatuto dos Servidores Públicos Municipais de Maringá (Lei Complementar nº239/1998). Entre os processados, seguindo a linha dos pedidos de prisão, constavam membros da gestão Trabalhadores em Luta (2005-2008) do Sismmar: Ana Pagamunici, Lino Gregório de Souza, Priscila Guedes da Luz e o ex-diretor Paulo Emerson Vidigal; e militantes do PT e futuras dirigentes sindicais: Patrícia Lofrano Zani, Cibele Cristina Telles Campos, Maria da Conceição Franco (Zica) e Iraídes Fernandes Baptistoni. Em depoimento à CEPAD, em 19 de outubro de 2006, a supervisora educacional Iraídes Baptistoni fez um extenso relato de sua atuação no dia da ocupação do Paço Municipal. Enquanto esteve na parte externa do local, perto da meia-noite de 29 de junho, se disse surpreendida com a quantidade de policiais, cães e tropa de choque que chegaram para efetuar a reintegração. Testemunhou, em seguida, pessoas saindo sozinhas do Paço, algumas acompanhadas ou carregadas por policiais, e outras, devidamente escolhidas, sendo presas sob golpes de cassetete na cabeça e nas pernas. O Blog do Rigon replicou uma nota do Sismmar sobre os 32 processos administrativos: Dando continuidade a sua política de criminalizar o movimento sindical, a Administração Municipal, agora, abriu processo administrativo contra 32 servidores e, ainda, ameaça abrir outros. Sobre esses fatos, temos a dizer o que segue:  A responsabilidade maior pela duração da greve, sem dúvida, foi da Administração Municipal […]. Em vez de investir numa solução negociada, a Administração preferiu levar a greve ao esgotamento e criminalizá-la.  […] Esta greve foi a primeira em que os servidores foram acusados de formação de quadrilha e execrados com pedido de prisão preventiva, requerimento providencialmente negado pelo juiz. Em Maringá, nunca se viu uma greve municipal resultar na instauração de processos administrativos.

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 […] Esse método de criminalização do movimento sindical vem sendo usado para “limpar o terreno” de manifestações de oposição de toda a natureza. Basta olhar a lista dos indiciados. É fato visível a olho nu o indiciamento das principais lideranças do sindicato, além de servidoras e servidores que esposam divergência com a linha da administração (Blog do Rigon: “Protesto contra perseguição aos servidores”, 27/07/06)

O Sindicato difundiu inúmeras cartas, panfletos e abaixo-assinados, buscando esclarecer a sociedade sobre os fatos relativos à greve e angariar apoio para a defesa do funcionalismo. Na mesma direção, o PT lançou o manifesto “Cadê a coerência do Prefeito?”, assinado por Rubem Almeida Mariano. O partido o enviou também a organizações nacionais e internacionais, como a OIT. Dentre os destaques, o documento questiona a conduta de Sílvio Barros ante os processos e o pedido de prisão de 12 funcionários: São dois pesos e duas medidas. Persegue, irracionalmente, servidores exemplares e acoberta perigosamente maus servidores de carreira ou CC, como são os casos do diretor do SAOP, o qual liberou de maneira irregular máquinas públicas para prestar serviço em propriedade particular; do seu motorista, o qual foi flagrado fazendo compras com a sua família no centro de Maringá, em horário de serviço, com carro oficial do Município; e do superintendente do Aeroporto, o qual foi preso pela Polícia Federal e, ainda, responde processo por suspeita de participação em um mega-esquema de sonegação (PT: “Cadê a coerência do prefeito?”, julho de 2006).

Sílvio Barros chegou a realizar reuniões setoriais com os funcionários para falar sobre o movimento grevista e a reposição dos dias parados 14, na tentativa de driblar a influência do Sindicato. Ângelo Rigon acompanhou um dos encontros de manhã, no Cine-Teatro Plaza, e adiantou que o diretor do Procon Ulisses Maia seria elevado a chefe do Gabinete do Prefeito. Dirigentes do Sismmar estavam no local divulgando a Assembleia de 29 de julho. O jornalista relatou assim o final do evento: A presidente Ana Pagamunici se manifestou algumas vezes, mas quando ela falava o pessoal do som aumentava muito o volume do microfone do prefeito. […] Terminada a fala, Sílvio II agradeceu e desligou o microfone e então foi vaiado. Algumas pessoas protestaram por que só o prefeito é quem falava. Numa de suas falas, quando as pessoas se manifestavam ele disse: “Durante a greve vocês falavam

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Jornal O Diário: “Sílvio negocia desconto dos dias parados”, 22/07/06.

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o que queriam no caminhão de som, agora é a minha vez” (Blog do Rigon: “Prefeito fala a servidores e é vaiado”, 24/07/06).

Assembleia do dia 29 aconteceu, mas o retorno à greve não foi aprovado pela categoria. Os cerca de 300 trabalhadores preferiram permanecer em estado de greve, com chance de retomá-la a qualquer tempo. Durante a Assembleia, foi aprovado o lançamento de uma “campanha contra as perseguições”. O ato estreou com uma panfletagem no Terminal Urbano e na Prefeitura. Um comentário da servidora Zery Monteiro sobre o evento no CineTeatro Plaza foi reproduzido pelo Blog do Rigon: A frase dita por Lima Barreto: “o Brasil não tem povo, tem platéia”, sempre me incomodou. Afinal, como a gente pode ficar assistindo tanta coisa acontecendo [...] sem fazer nada. [...] Quando me falaram que eu não havia ganhado nada com a greve, eu disse que “sim, claro que ganhei, apesar das dificuldades, meu marido e meus filhos me olham com orgulho, eu sou uma vencedora, afinal atravessei um pântano que é a política de Maringá, carreguei um peso morto que é o servidor não grevista e aguentei um monte de sanguessugas que são os CCs. Eu consegui atravessar, claro que eu venci”. O Plaza não estava cheio de servidores, mas estava lotado de cidadania (Blog do Rigon: “Estava lotado de cidadania”, 29/07/06).

O cenário pós-greve prosseguiu dessa forma, entre ataques e contra-ataques de ambos os lados, principalmente na esfera judicial. Os processos administrativos, segundo o Sismmar, começaram viciados. O prefeito já tinha declarado à imprensa, em várias ocasiões de 2006, que demitiria os 32 servidores. Quase um ano depois, Sílvio Barros publicou 26 decretos de demissão por insubordinação grave, 02 por depredação de patrimônio público e 04 advertências, em 25 de maio de 200715. A tese que embasou a decisão partiu da Comissão Especial de Processo Administrativo Disciplinar (CEPAD). Os integrantes entenderam que a “invasão” do prédio da Prefeitura, a depredação do Gabinete, o descumprimento de ordem judicial e a resistência à ação policial justificavam os pareceres da CEPAD16. O Sismmar havia promovido, um mês antes, um ato público em frente ao Paço Municipal contra as demissões, que eram tidas como certas. Segundo o site da entidade, o protesto de 19 de abril teve a participação de parlamentares, religiosos e sindicatos de várias partes do Brasil. Formou-se uma comissão para tentar sensibilizar o prefeito Sílvio Barros, no 15 16

Jornal O Diário: “Sílvio Barros oficializa 28 demissões”, 26/05/07. Jornal O Diário: “Sindicância sobre a greve decide pela demissão de 28”, 24/04/07.

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sentido de arquivar os processos e desistir das demissões. Participaram representantes do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes), CUT e Conlutas; os parlamentares Tadeu Veneri (PT), Humberto Henrique (PT), Mário Verri (PT), Profª. Josete (PT), Belino Bravin (PP) e Alberto Abraão (PV)17. Eles foram atendidos nesse dia pelo vice-prefeito, Carlos Roberto Pupin. Uma nova reunião com Sílvio Barros ficou agendada para 24 de abril. No entanto, mesmo após o encontro, o chefe do Executivo permaneceu irredutível e reafirmou que seguiria o parecer da CEPAD. Restaria aos processados apresentar recursos administrativos. O advogado do Sismmar, Avanílson Araújo, garantiu que, se fracassasse a via administrativa, tentaria também evitar as demissões pela esfera judicial18. A demissão dos 28 servidores, sacramentada pelo prefeito em maio de 2007, foi a consequência mais dura da greve. Além de outros obstáculos, a Administração dificultou o acesso aos processos, cerceando a defesa dos acusados. O Sismmar e os servidores tiveram que reivindicar ao chefe de gabinete na época, Ulisses Maia, as cópias que vinham sendo sonegadas há 45 dias19. Depois da pressão, a Proge se comprometeu a fornecê-las no dia seguinte à reunião com Maia20. No intuito de sensibilizar a opinião pública, o Sindicato intensificou as ações de conscientização e informação. Divulgou, por exemplo, a situação de duas servidoras demitidas: uma auxiliar de enfermagem em licença-maternidade, mãe de uma filha e um bebê recém-nascido; e uma educadora, mãe de dois filhos e grávida do terceiro 21. Junto com uma comissão dos demitidos, o Sismmar se reuniu com o arcebispo de Maringá, Dom Anuar Battisti, pedindo apoio para a reintegração dos servidores e a campanha de arrecadação de alimentos22. O chamado “movimento pela reintegração dos 28 servidores demitidos injustamente” fez panfletagem na feira livre do Estádio Willie Davids, em um sábado, e recebeu várias doações de alimentos dos feirantes23. Uma questão fundamental, ainda sem resposta, tinha sido levantada há um ano atrás no Boletim do Sismmar, intitulado “Maringá, crescendo com tirania” 24. Na capa, havia em primeiro plano a imagem de Adolf Hitler com o pé direito sobre outra imagem, em segundo 17

Sismmar: “Após ato público, prefeito marca reunião com o Sismmar”, 20/04/07. Jornal O Diário: “Sindicato vai tentar reverter demissões”, 26/04/07. 19 Sismmar: “Chefe de Gabinete do Prefeito recebe Sismmar e demitidos”, 05/06/07. 20 Sismmar: “Após pressão, procurador jurídico se compromete a entregar cópia dos processos”, 06/06/07. 21 Sismmar: “Jumana e Patrícia demitidas pelo prefeito Sílvio Barros”, 09/06/07. 22 Sismmar: “Comissão dos 28 demitidos, juntamente com o Sismmar, faz reunião com o arcebispo de Maringá”, 09/06/07. 23 Sismmar: “Feirantes são solidários com os demitidos”, 16/06/07. 24 O título do boletim era uma paródia ao slogan da gestão de Sílvio Barros: “Maringá, crescendo com cidadania”. 18

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plano, que retratava uma assembleia lotada de servidores com as mãos levantadas. O informativo resgata um episódio de 2006: Após dizer que os servidores desconheciam as leis e, portanto, foram enganados pelo Sindicato, é reproduzida uma montagem de fotos e vídeos […] que tenta criminalizar o movimento e culpabilizar os servidores pelos vidros quebrados no Paço Municipal. [...] Aliás, nenhum grevista aparece quebrando qualquer prédio público. E, em seguida, desafia o Sindicato a provar que não foram os trabalhadores. Ora, o ônus da prova é do acusador! Quem acusa é quem tem de provar. Afinal, quem possui uma “Controladoria de Recursos Humanos”, encarregada de filmar, gravar e acompanhar todos os atos dos servidores, é a Prefeitura (Boletim Sismmar: “Maringá, crescendo com tirania”, 29/07/06).

Em contrapartida, a Administração fez sua própria campanha para justificar as demissões. Em maio de 2007, distribuiu um informe de quatro páginas, assinado pela assessoria de imprensa e pela Proge, contendo fotografias de pessoas encapuzadas, piquetes, caminhões com pneus vazios, correntes, cadeados, móveis e vidros quebrados no Gabinete do Prefeito. Em certo ponto, o texto questiona: Quem participou da greve? A maioria dos servidores não aderiu à greve. No entanto, mesmo querendo trabalhar e manter os serviços à população, foram impedidos pelos piquetes dos grevistas. Essa foi a primeira ilegalidade da greve: a lei estabelece que, no caso de uma greve, os trabalhadores que desejarem trabalhar têm esse direito […]. Por que as demissões? Os processos administrativos não foram abertos em razão da greve, mas por terem invadido a Prefeitura e terem se recusado a obedecer a ordem judicial de desocupação. Piquetes, lixo nas ruas e cidade sem serviços. Servidores que não serviram a população, que impediram os colegas de trabalhar, furaram pneus de veículos, trancaram ruas com carros e pessoas, fecharam escolas e creches com cadeados. Invadiram a Prefeitura, desobedeceram ordem judicial: Maringá não merece e não aceita baderna e desrespeito às leis (PMM: “Esclarecendo sobre a demissão de servidores”, maio de 2007).

O Sindicato contra-atacou com uma carta publicada no site da entidade: No dia 25 de maio, o prefeito Silvio Barros II cometeu uma grande injustiça. Dos mais de 4 mil que participaram da greve no ano passado, demitiu 28 servidores que lutavam por seus direitos. [...] Trabalhadores que têm um salário baixíssimo, bem

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diferente do grande número de cargos de confiança que a Administração contratou sem concurso. [...] Entre os demitidos estão a presidente do Sindicato, seis diretores e pasmem: uma trabalhadora grávida e outra amamentando. [...] O prefeito, que era o acusador, também foi o julgador, cumpriu sua promessa: ele mesmo assinou a demissão dos 28 trabalhadores que lutavam pelos direitos de mais de 7 mil servidores. [...] A verdade é que fomos demitidos oficialmente por “insubordinação em serviço”, e não por danos ao patrimônio como o prefeito quer fazer acreditar. Não há provas disso. Vale lembrar que repudiamos tais atos e somos os primeiros interessados na identificação dos responsáveis. A pena de demissão por insubordinação não se aplica a esse caso, pois não estávamos em serviços, e sim em greve.

Em meio à “queda de braço”, a juíza Carmen Lúcia Rodrigues Ramajo, da 3ª Vara Cível de Maringá, proferiu decisão liminar favorável ao Sismmar na “ação ordinária com pedido de tutela antecipada” (Autos nº626/2007). Ou seja, o pedido de reintegração de 22 servidores demitidos foi deferido provisoriamente pela Justiça, até que a ação fosse julgada em caráter definitivo. Os outros seis demitidos entraram com ações individuais. No terceiro item do texto, a juíza fundamenta parte de sua decisão: 3 – [...] No caso, [há] indícios, ao menos do que se verifica dos autos até este momento, de que as garantias fundamentais concernentes ao devido processo legal não foram respeitadas, não tendo sido observados, nos processos administrativos que culminaram com a exoneração dos servidores substituídos, os princípios da impessoalidade (eis que o senhor Prefeito Municipal, que teria sido vítima da insubordinação dos servidores foi quem decidiu pela punição a ser aplicada, com base no relatório da comissão processante); da igualdade de tratamento, pois alguns servidores envolvidos na alegada “invasão” do Paço e na “depredação do patrimônio público” foram apenas advertidos (penalidade mais branda dentre as previstas em lei), enquanto outros foram exonerados (penalidade mais severa), não obstante os relatórios finais juntados aos autos demonstrem serem, praticamente, iguais; e da proporcionalidade (medida entre o ato praticado pelos servidores e a punição aplicada). Ademais, é questionável se os servidores em questão encontravam-se “em serviço” quando do evento em que ocorreram as condutas questionadas, já que se encontravam em greve. [...] Da mesma forma, verifico evidente perigo de dano irreparável aos substituídos caso a liminar não seja concedida. Isso porque sua reintegração implica o recebimento de seus vencimentos, verbas de natureza alimentar (3ª Vara Cível de Maringá: Autos nº626, 15/06/07)

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Ao final, a magistrada determinou que os 22 funcionários fossem reintegrados a seus cargos no prazo de cinco dias, a contar da notificação. Por força da liminar, a Prefeitura expediu a Certidão nº260/2007, em que suspendia os “decretos exoneratórios” e reintegrava os servidores listados a partir de 25 de junho de 2007. A Administração ainda ingressou com um “agravo de instrumento” em segunda instância para recorrer da decisão. Contudo, os juízes da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) negaram provimento ao recurso, através do Acórdão nº18771. O Sismmar comemorou o retorno dos trabalhadores e realizou um ato público em frente ao Paço Municipal na manhã de 26 de junho 25. Também estiveram presentes os representantes de centrais sindicais, movimentos sociais, sindicatos, autoridades religiosas e o vereador Humberto Henrique. Os procuradores do Sindicato na ação judicial, Avanílson Araújo e Eliana Ferreira (advogada da Conlutas), leram a certidão emitida pela Prefeitura. Depois, como de praxe, os manifestantes subiram as rampas do Paço cantando o Hino Nacional. Coincidentemente, os principais enfrentamentos da greve ocorreram nos meses de junho, de 2006 e 2007. Outra sentença favorável ao funcionalismo veio em 18 de julho 2007, quando o juiz da 6ª Vara Cível de Maringá determinou liminarmente a reintegração dos outros seis servidores demitidos26. Esta sentença foi ratificada, em caráter definitivo, pelo juiz da 6ª Vara Cível, Belchior Soares da Silva, em 12 de maio de 201127. E, por último, em 28 de agosto de 2017, o juiz substituto da 1ª Vara da Fazenda Pública, Fabiano Rodrigo de Souza, declarou a nulidade dos 32 processos administrativos nos seguintes termos: 2.2. Do mérito. [...] O próprio réu admite que os processos se originaram porque desrespeitada a ordem judicial para desocupação do Paço Municipal, ensejando grave insubordinação. Contudo, impende ressaltar que insubordinação é ato de revolta, manifestação explícita de descumprir ordem recebida, expressando-se na forma exacerbada de desrespeito, com consciente postura funcional contrária à de obediência e de respeito exigidos para a regularidade do serviço público. E para que haja insubordinação é necessária que a ordem tenha partido de superior hierárquico, o que por certo não é o caso dos autos. Ou seja, não poderia ser instaurado um procedimento administrativo pautado em grave insubordinação por descumprimento a uma ordem judicial. Neste caso, eventualmente configuraria crime de desobediência, hipótese já apurada pelo Juizado Especial Criminal desta Comarca, conforme consta dos autos. Ante o exposto, observa-se que a demissão dos 25

Sismmar: “Reintegração dos demitidos, vitória de todos os trabalhadores”, 26/06/07. Sismmar: “Justiça determina reintegração de mais seis servidores”, 18/07/07. 27 Sismmar: “Mais uma vitória”, 12/05/11. 26

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substituídos viola o princípio da legalidade, posto que o fato não se amolda às condutas arroladas nos processos administrativos disciplinares que ensejaram as demissões. [...] 3. Dispositivo. Ante o exposto, julgo PROCEDENTES os pedidos deduzidos nesta ação ordinária proposta pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Maringá – Paraná em face do Município de Maringá, para o fim de, confirmando a antecipação de tutela conhecida, declarar a nulidade dos 32 procedimentos administrativos disciplinares instaurados em virtude da greve do ano de 2006 e condenar o réu ao pagamento de todos os vencimentos aos servidores-substituídos desde a data de sua demissão até a data da efetiva reintegração, com os reflexos legais, devendo ser acrescido de juros e correção monetária nos termos da fundamentação. De resto, JULGO EXTINTO O PROCESSO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, a teor do art. 487, [inciso] I, do CPC.

As dirigentes do Sismmar durante a gestão Trabalhadores em Luta, Ana Pagamunici e Priscila Guedes, divulgaram uma nota em 2017 comemorando a decisão recente 28. Prestaram, ainda, homenagem a uma das servidoras demitidas, que faleceu antes de conhecer o resultado da ação judicial. Elas, porém, alertaram: “A Prefeitura Municipal ainda pode recorrer […]. Mas este processo é evidentemente um processo político […]. É preciso detê-lo, acatando a decisão do juiz e não apresentando recurso”. No jornal do Sismmar, de maio e junho de 2007, a entidade chegou a declarar na época: “Um governo forte não precisa demitir. Um governo fraco, ao contrário, necessita de autoritarismo para se manter no governo”. A greve dos servidores municipais gerou outra série de processos administrativos e judiciais. Além dos já mencionados, continuou a tramitar desde 2006, sem resolução, os Autos nº500 da ação de declaração de ilegalidade e abusividade do movimento grevista, sob responsabilidade do juiz substituto da 5ª Vara Cível de Maringá, Abílio Freitas. Em virtude dos incidentes na desocupação do Paço Municipal em junho de 2006, instaurou-se um inquérito policial militar para investigar o possível crime de desobediência, cometido por cerca de 45 pessoas. Em maio de 2008, eles foram absolvidos pelo magistrado do Juizado Especial Criminal de Maringá, José Cândido Sobrinho: Em verdade, a conduta dos réus não se subsumiu ao tipo penal incriminador pelo qual foram denunciados (artigo 330, do Código Penal), pois [...] a ciência do autor do fato para cumprimento da ordem judicial deve ser pessoal e inequívoca, o que inocorreu na decisão sub judice, em que a ordem judicial foi endereçada ao requerido, Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Maringá e demais 28

Blog do Rigon: “A vitória, 11 anos depois”, 01/09/17.

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grevistas, e o conhecimento da decisão, que concedeu o interdito proibindo a invasão dos prédios públicos, [...] se deu através de oficial de justiça, de forma genérica, não sendo direcionada a pessoa determinada e especificada. […] Posto isto, [...] com base no art. 43, inciso I, do CPP [Código de Processo Penal], acolhendo o respeitável parecer do Ministério Público, REJEITO A DENÚNCIA” (Sismmar [site]: “Vitória dos trabalhadores”, 30/05/2008).

As servidoras Cibele Campos, Maria da Conceição Franco e Iraídes Baptistoni processaram a Prefeitura por danos morais, alegando que foram indiciadas apenas por questões ideológicas e que tiveram sua honra maculada pelas denúncias veiculadas na imprensa, sobretudo quando figuraram na lista dos pedidos de prisão temporária da Polícia Civil. No entanto, os juízes da 3ª Câmara Cível do TJ-PR julgaram improcedente a ação, em dezembro de 2015. Em 2008, o ex-dirigente do Sismmar, Paulo Vidigal, viu-se novamente ameaçado de demissão via processo administrativo disciplinar29. O então auxiliar de enfermagem foi um dos demitidos em 2007 e um dos 44 acusados no inquérito policial militar iniciado em 2006. Segundo um panfleto da oposição do Sismmar, Vidigal vinha sendo perseguido por sua participação ativa na campanha contra as privatizações do Hospital Municipal e da coleta de lixo, bem como pela denúncia que fez ao Ministério Público sobre a falta de médicos e ambulâncias para o SAMU. Exemplo disso, remete à agressão sofrida pelo servidor em um evento promovido pela Prefeitura em agosto de 2006, denominado Espaço da Cidadania. Na época, Paulo Vidigal afirmou ao Jornal Hoje que dois seguranças se sentaram a seu lado durante o evento. Depois, na saída, junto com outros colegas, os seguranças o abordaram, tomaram-lhe uma câmera fotográfica, agrediram-no e ainda fizeram ameaças30. Por descumprir, em 11 ocasiões, a ordem judicial que proibia os piquetes violentos na greve, a juíza Carmen Ramajo aplicou, em abril de 2008, multa de R$ 200 mil ao Sismmar. A entidade asseverou que recorreria da multa31. No dia seguinte, publicou uma resposta em seu site. O texto atacava a decisão da juíza e enumerava supostos casos de “abusos de poder” por parte do prefeito Sílvio Barros: Os abusos estão presentes na conduta do Governo Sílvio Barros II em relação aos trabalhadores, desde o início do mandato. Em quase quatro anos, o atual prefeito somente recebeu o sindicato duas vezes, uma na greve da Saúde em 2005, e outra na 29

Panfleto da oposição sindical Trabalhadores em Luta: “Colegas servidores(as)”, 2008. Jornal Hoje: “Servidor diz que foi agredido em evento”, 18/08/06. 31 Jornal O Diário (site): “Abusos na greve de 2006 rendem multa de R$ 200 mil ao Sismmar”, 24/04/08. 30

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greve de 2006, sem apresentar qualquer solução para os problemas da categoria, que acumula perdas salariais num percentual de 19% até o momento. A extinção da assistência médica à saúde dos servidores (Capsema), pelas mãos da caneta do Excelentíssimo Prefeito, sem qualquer debate ou diálogo com a categoria, colocou em risco a saúde de muitos servidores. [...] Estamos enfrentando filas enormes e chegamos a ficar até seis meses esperando uma única consulta. A trimestralidade, uma ação que persiste há 17 anos, é o maior exemplo do abuso dos governos em relação aos servidores. Desde 1995, a ação está ganha, mas até o momento nenhum trabalhador recebeu o que lhe é devido. O Governo Silvio Barros II, que se elegeu prometendo saldar essa dívida, abusou da boa fé dos servidores, dizendo-lhes algo que não demonstra interesse em cumprir. [...] Há cerca de dois anos estamos esperando um posicionamento da Justiça contra os descontos abusivos feitos pela Prefeitura na remuneração dos grevistas, que não se limitaram aos dias paralisados, estenderam-se para descontos de 12 dias nas férias, no 13º salário, na suspensão do direito à licença-prêmio e da progressão, contrariando uma liminar de legalidade da greve (Sismmar [site]: “Os abusos do poder”, 25/04/08).

Outro desfecho favorável ao Sismmar se deu na sentença do juiz da 5ª Vara Cível, Siladelfo Rodrigues da Silva, em junho de 200832. O veredito proibiu a Prefeitura de aplicar penalidades funcionais aos grevistas, garantindo-lhes o direito integral a progressão, licençaprêmio, quinquênio, férias, 13º salário e avaliação do estágio probatório, sob pena de multa de R$ 10 mil em caso de descumprimento. Mais uma vez, a Administração recorreu ao TJ-PR. O prefeito Sílvio Barros ainda se envolveu em outras polêmicas com a categoria durante sua gestão. Acabou, por exemplo, com as eleições para diretores de escolas e CMEIs, possibilitando ao chefe do Executivo indicar CCs para a função. Reduziu, de quatro para um, o número de trabalhadores que poderiam ser liberados para exercer mandato classista no Sindicato, mediante alteração no Estatuto33. Em março de 2007, foi noticiado um caso de cerceamento da liberdade sindical, envolvendo uma servidora filiada ao Sismmar e a diretora do CMEI Maria Doná Ferraz. A servidora afirmou ter sido agredida no local ao tentar divulgar um seminário promovido pela entidade sindical. Segundo a diretora, havia uma determinação da Prefeitura, desde a época da greve, para proibir a entrada de pessoas que difundissem qualquer tipo de propaganda 34. O Sismmar fez um requerimento pedindo a abertura de processo administrativo contra a diretora do CMEI. 32

Site do Sismmar: “29 de junho de 2008: Dia de Luta e Luto dos Servidores Municipais”, 26/06/2008. Site do Sismmar: “Vítima de visível perseguição política”, 22/05/2007. 34 Requerimento Sismmar, 14/03/2007. 33

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Em maio de 2007, o Ministério Público moveu ação por improbidade administrativa contra Sílvio Barros35. De acordo com o Sindicato, o processo decorreu da denúncia feita pela entidade em abril de 2006, a respeito de alguns CCs que exerciam funções de servidores concursados em locais diferentes da lotação original: o Gabinete do Prefeito. A maior polêmica, entretanto, aconteceu em janeiro de 2007, quando a Administração deixou de efetuar o repasse patronal de 8%, sobre a folha de pagamento, à Caixa de Pensão e Aposentadoria dos Servidores Públicos Municipais de Maringá (Capsema) 36, previsto na Lei Complementar nº386/2001. A Justiça, porém, obrigou-o a cumprir a Lei em vigor. Não obstante, a Capsema, que existia desde 1962 e vinha sendo gerida por um conselho de funcionários de carreira, acabou extinta pela Lei Complementar nº 687, de 13 de novembro de 2007, e deu lugar ao Sistema de Atenção à Saúde dos Servidores do Município de Maringá (Sama)37, sem qualquer debate com os principais interessados. Na prática, a Prefeitura abriu caminho para privatizar o sistema de saúde do funcionalismo, contratando uma empresa privada para administrá-lo. A medida foi aprovada pelos vereadores da base aliada do prefeito, com maioria na Câmara Municipal, sob protestos da categoria Para amenizar o clima de tensão, Sílvio Barros concedeu um reajuste salarial de 3%, em abril de 2007, mais um abono de R$70,00 e outro abono variável para que o menor salário da Prefeitura ficasse em R$500,00, sem nenhuma discussão ou resistência 38. O Sismmar fez questão de frisar que o reajuste era equivalente aos “termos da pauta de reivindicações que deflagrou a greve”. A estratégia pode ser interpretada como forma de rebaixar a influência do Sindicato e desmobilizar a categoria, exibindo uma suposta benevolência da Administração. Desde junho de 2006 e no decorrer dos anos seguintes, diversos intelectuais, autoridades e organizações nacionais e internacionais manifestaram, em discursos ou por escrito, solidariedade aos grevistas e condenaram a postura antidemocrática do prefeito Sílvio Barros na condução da greve. Entre as autoridades, constam: os vereadores maringaenses Humberto Henrique e Mário Verri, presidente do PT municipal Rubem Mariano, deputados estaduais Tadeu Veneri e Prof. Luizão, deputado federal Dr. Rosinha, todos do PT; a vereadora maringaense Marly Martin (DEM); Ivan Bernardo e Zé Maria do PSTU; Rafael Iatauro, chefe da Casa Civil do Governo do Paraná; Anderson Carvalho, conselheiro da OAB-RJ; Luiz Gin, presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias do Paraná; Alejandro Sanchez, representante da 35

Jornal do Sismmar: “Sismmar denuncia cargos de confiança”, maio/junho de 2007. Jornal do Sismmar: “Capsema: retorno do repasse é vitória da categoria”, maio/junho de 2007. 37 Jornal do Sismmar: “Novo plano de saúde para o servidor é uma armadilha”, novembro/dezembro de 2007. 38 Jornal do Sismmar: “Bate e assopra”, maio/junho de 2007. 36

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Frente Obrero Campesino do México; Emir Sader, sociólogo e cientista político; Alfredo Cáceres, membro da Frente de los Trabajadores y Pueblo da Argentina; sindicalistas da Espanha, Venezuela, Colômbia e de várias partes da Argentina. A lista de entidades inclui: PT, PSTU, CUT, Conlutas, Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato), Andes-SN, Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino de Maringá (Sinteemar), Associação dos Docentes da Universidade Estadual de Maringá (Aduem), Associação de Reflexão e Ação Social (Aras Cáritas), Coordenação Nacional de Lutas Estudantis (Conlute), Sindicato dos Servidores Municipais de Londrina (Sindserv), Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Associação dos Professores da Universidade Federal do Paraná, Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (Confetam), Ong Maria do Ingá, Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Teresina (Sindserm), Associação de Petroleiros do Paraná e Santa Catarina, Associação dos Servidores Públicos de Formosa-GO, Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Centro de Estudos e Debates Socialistas do Rio Grande do Sul (CEDS), Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Sindicato dos Metalúrgicos de Santa Catarina, Associação dos Produtores Rurais do Assentamento Bandeira, Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe), Associação de Servidores da USP, Sindicato dos Servidores Estaduais da Saúde do Paraná (SindSaúde-PR), Partido Socialista de los Trabajadores de Bogotá (Colômbia), entre outras organizações nacionais e latinoamericanas. Por outro lado, os comentários na imprensa maringaense, ao longo desse período, em sua maioria foram desfavoráveis ao funcionalismo público municipal. Em certos casos, houve até incitação ao crime. Seguem alguns dos mais representativos: Negociações Sismmar. Sou servidor público há 14 anos e, nesse tempo, nunca vi negociação do Sismmar que realmente fosse positiva para o servidor. No último ano, a administração fez uma proposta de reajuste salarial que foi rejeitada pelo atual comando do Sismmar. O impasse perdurou por três meses até que, finalmente, o sindicato apresentou à prefeitura a mesma proposta que ela já tinha oferecido. Com isso, perdemos três meses de reposição salarial. O sindicato deveria refletir melhor seu papel antes de se pronunciar pelos servidores e lhes causar prejuízo […] (Comentário em O Diário: “Caixa Postal”, 03/06/2006). Lado ruim da greve. Se eu fosse o prefeito, e se isso fosse possível, mandaria todos esses grevistas embora e contrataria pessoal novo, já que a lista de espera é enorme.

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Nós, pais e contribuintes, sofremos demais com a paralisação nos serviços básicos, como escola, creche, hospitais e coleta de lixo, resultado dessa baderna (Comentário em O Diário: “Caixa Postal”, 07/06/2006). Nova decoração. Maringá está tão bonita com os enfeites da Copa do Mundo. As ruas estão todas coloridas de sacos plásticos: tem saco verde, amarelo, azul, branco e tem até saco preto, que significa o “luto” da prefeitura. Quem passa por Maringá acha até bonito, mas quem se diverte são os cachorros que reviram os lixos amontoados nas calçadas (Comentário em O Diário: “Caixa Postal”, 18/06/2006). Caça Grevistas. Eu acho que o prefeito deveria colocar todo o pessoal do sindicato num paredão e meter tiro neles, quem sobrar vivo, leva um de misericórdia na cabeça. Vão trabalhar cambada de vagaba (Comentário no site do Sismmar: “Às organizações, movimentos e entidades de direitos humanos”, 22/06/2006). Prefeito articulado. Gostaria de saber quanto a prefeitura gastou para o prefeito Sílvio Barros falar, em horário nobre, na emissora mais cara da região, pois acredito que não foi de graça. […] Ele gosta muito de argumentar, quase consegue me comover (Comentário em O Diário: “Caixa Postal”, 27/06/2006). População Maringaense. Acredito que o Dr. Brandão está completamente errado em pedir a prisão de 12 pessoas… Isto é um absurdo, pois o que ele deveria fazer era pedir a prisão de todos estes baderneiros! (Comentário no Blog do Rigon: “Sem justificativa”, 30/06/2006). Anônimo. É triste ver que a cada dia que passa os cidadãos de Maringá ficam mais BURROS, porque só pode ser burrice achar que a culpa da greve é dos trabalhadores, será que as pessoas não veem que se o Sílvio Barros atendesse às reivindicações da categoria nada disso estaria acontecendo, e não comprem o discurso dele de que não pode conceder o aumento em função da Lei de Responsabilidade Fiscal, só pra população ficar ciente quase 20% dos servidores da Prefeitura são CC's e FG's, se tirasse metade deles (ainda sobraria muito) dava pra dar o aumento e ainda fazer algo de útil pra cidade que não seja propaganda dele mesmo […] (Comentário no Blog do Rigon: “Sem justificativa”, 30/06/2006).

O advogado e vereador Homero Marchese, que atualmente responde por infração ético-parlamentar em uma Comissão Processante na Câmara Municipal, também comentou sobre a greve na época: Greve interminável. Lamentável a greve. De repente, a população se viu refém de um grupo pequeno, mas organizado, e passou a ter de suportar inconveniências advindas do precário funcionamento do serviço público. Não bastasse o modo escolhido para apresentar sua reivindicação aos dirigentes da cidade, o movimento grevista parece revestir-se de motivação político-ideológica. Ao prefeito cabe não abrandar diante da abusividade do movimento que enfrenta. Aos grevistas, é

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importante lembrar que as portas da iniciativa privada estarão sempre abertas àqueles dispostos a enfrentar a instabilidade cotidiana da economia (Comentário em O Diário: “Caixa Postal”, 02-03/07/2006).

A longa batalha pela empatia da opinião pública, travada entre Prefeitura e Sindicato, interferiu no resultado de duas eleições no final de 2008. Em outubro daquele ano, Sílvio Barros disputou a reeleição. Entre seus adversários, estavam figuras bastante conhecidas da política municipal, com destaque para os sindicalistas Claudemir Romancini (PSOL) e Ana Pagamunici (PSTU). Em detrimento da forte representação da esquerda no pleito municipal, que incluía os candidatos Ênio Verri (PT) e o ex-prefeito João Ivo Caleffi (PMDB), o prefeito se reelegeu no primeiro turno, com 57,04% dos votos39:

O resultado demonstra que, apesar da rejeição de parte significativa do funcionalismo, a gestão de Sílvio Barros (2005-2008), obteve alta aprovação da sociedade maringaense. Vale ressaltar que impopularidade do prefeito entre os servidores também não era unânime. Sílvio Barros acabou sendo reconhecido por sanear as contas do Município e, ao contrário de outros prefeitos, conseguiu garantir o pagamento regular dos fornecedores e do funcionalismo, durante todo o mandato. Outro fator decisivo para a alta aprovação de seu governo diz respeito à grande quantidade de obras realizadas no período, bem como os projetos faraônicos que deixou como herança, nem sempre grata, aos sucessores. Além disso, o peso negativo das greves no serviço público geralmente recai sobre os próprios grevistas. Diferentemente de patrões e gestores públicos, os trabalhadores e sindicatos não dispõem de recursos para divulgar o movimento e suas teses nos meios de comunicação de massa. Porquanto os grandes órgãos de imprensa representam uma fatia importante do empresariado, é previsível que esses canais se inclinem para o lado das elites 39

Site do Sismmar: “Resultado das eleições”, 07/10/2008

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político-econômicas. Não causa surpresa, então, o desfecho das eleições para a diretoria do Sismmar em novembro de 2008. Depois de uma disputa acirrada nas urnas, a chapa 03 (Pra Mudar), ligada à CUT e ao PT, venceu no segundo turno a chapa 02 (Trabalhadores em Luta), ligada à Conlutas e ao PSTU, que buscava a reeleição com Ana Pagamunici. A nova presidente para o mandato de 2008 a 2011 seria a supervisora educacional Patrícia Lofrano 40. Posteriormente, devido a irregularidades no exercício da função, Lofrano foi substituída pela vice-presidente Solange Marega. A gestão Trabalhadores em Luta se despediu fazendo um balanço do período em que esteve à frente do Sindicato41. Na capa do jornal de novembro de 2008, destacou a greve da saúde em 2005, a greve geral em 2006, a reintegração dos demitidos em 2007 e a campanha pelo pagamento da trimestralidade em 2008. O texto faz um comparativo da situação deixada pela gestão da CUT (1988-2005) e a entregue pela gestão da Conlutas (2005-2008), tecendo inúmeras críticas à gestão cutista anterior. Em seguida, o informativo lista as ações promovidas durante o mandato e aquelas que estavam em curso ou apenas planejadas, com uma breve introdução: “As dificuldades e os equívocos foram muitos. Em parte por falta de experiência de uma nova direção. Em parte pelo descaso e pelas dívidas que encontramos no Sindicato”. No VII Congresso do Sismmar, ficou evidente a rivalidade nacional entre as centrais sindicais. A diretoria Trabalhadores em Luta conseguiu que fosse aprovada no evento a filiação imediata à Conlutas. O caderno de resoluções contextualiza o nascimento da entidade: A Coordenação Nacional de Lutas foi constituída em Goiás [Luziânia], em março de 2004, por 1.764 representantes de 269 sindicatos, como resposta à política traidora da direção da CUT e com o objetivo de encaminhar a luta contra as reformas neoliberais [do Governo Lula], principalmente as reformas da previdência, sindical e trabalhista. A Conlutas nasceu como um movimento e protagonizou as principais lutas contra as reformas. […] Em maio de 2006, no Congresso Nacional dos Trabalhadores (Conat), os sindicatos e movimentos […] apontaram a necessidade […] transformá-la em uma entidade nacional de caráter sindical e popular, que aglutinasse os sindicatos, os movimentos populares e os desempregados (Sismmar: “Caderno de Resoluções do VII Congresso do Sismmar”, 10-11/11/2007).

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CUT: “Eleições sindicais em Maringá”, 06/11/2008. Informativo do Sismmar: “Gestão Trabalhadores em Luta”, novembro de 2008

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Por ocasião da vitória cutista na eleição do Sismmar em 2008, o PSTU nacional publicou uma nota em seu site: O Sismmar integrou-se ao processo de construção de uma alternativa nacional, rompendo com a CUT e construindo a Conlutas. A chapa também lamenta o resultado e a vitória da CUT, que vai “retornar ao sindicato e ajudar Lula e seu governo a implementar as políticas contra os trabalhadores” (PSTU: “Conlutas perde no segundo turno dos servidores de Maringá”, 10/11/2008).

Assim, logo em fevereiro de 2009, cerca de 200 servidores aceitaram em Assembleia na Biblioteca Municipal a refiliação à CUT 42. A gestão Pra Mudar inaugurou também a campanha salarial daquele ano. Alguns itens da pauta de reivindicações ecoavam a greve de 2006: revisão do PCCR, pagamento da progressão funcional, pagamento da trimestralidade e anistia dos “prejuízos da greve”43. As perdas geradas pelo movimento paredista também foram tema do VIII Congresso do Sismmar, em 22 e 23 de outubro de 2010. A nova diretoria não encontrou facilidades, porém, conquistou certos avanços. Após dois anos de negociações e assembleias, Prefeitura e Sindicato assinaram um acordo na 5ª Vara Cível de Maringá, em dezembro de 2010, encerrando perdas e processos decorrentes da greve44. Os servidores grevistas não seriam mais prejudicados em progressões funcionais e licença-prêmio. E a data-base da categoria ficou estipulada para abril de cada ano 45. Como visto anteriormente, algumas ações judiciais só tiveram resolução a partir de 2009. O TJ-PR, por exemplo, julgou improcedente a ação de reparação de danos movida pela Administração contra o Sismmar, em função da queda de arrecadação do estacionamento rotativo (EstaR)46. No final de 2011, a eleição para a diretoria do Sindicato 47 selou a continuidade da gestão cutista. A chapa de situação Pra Avançar venceu a chapa Renovação, de Priscila Guedes. A presidência da gestão Pra Avançar (2011-2015) ficou a cargo da supervisora educacional Iraídes Bapstistoni, que havia sido dirigente no mandato anterior. A diretoria recém-empossada alcançou duas vitórias históricas no período, que remontam às reivindicações da greve de 2006. A despeito dos conflitos político-ideológicos com o prefeito Carlos Roberto Pupin (2013-2016), eleito com a benção da família Barros, os servidores municipais enfim conquistaram a revisão do Plano de Carreira, Cargos e 42

Site do Sismmar: “Sismmar sai da Conlutas e se filia à CUT”, 16/02/2009. Site do Sismmar: “Organizando as demandas”, 10/03/2009. 44 Site do Sismmar: “Fim do ano… Fim de processo da greve”, 31/12/2010. 45 Câmara Municipal de Maringá: Lei Ordinária nº8514, de 01/12/2009. 46 Site do Sismmar: “Mais uma vitória em relação à greve”, 27/01/2009. 47 Site do Sismmar: “Três chapas inscritas para eleição do Sismmar”, 22/07/2011. 43

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Remuneração (PCCR Geral), através da Lei Complementar nº966, de 04 de dezembro de 2013; e do PCCR do magistério, Lei Complementar nº1019, de 15 de maio de 2015. A database da categoria passou para março de cada ano, a partir de 2013. A aprovação dos projetos na Câmara Municipal foi defendida de forma veemente pelos vereadores Humberto Henrique, Mário Verri, Dr. Manoel Sobrinho e Ulisses Maia. A presidente do Sismmar, Iraídes Baptistoni, acabou reeleita no final de 2015 para o mandato até 2019, pela chapa Novos Rumos48. As servidoras Cibele Campos e Solange Marega, que faziam parte da gestão Pra Avançar, concorreram juntas em outra chapa. Dez anos depois, em 2016, Iraídes enfrentou uma nova greve, agora como presidente. O movimento foi deflagrado porque o então prefeito Carlos Pupin se negou a cumprir a Lei Municipal que previa a reposição anual da inflação dos últimos 12 meses, conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)49. O INPC daquele ano atingiu 11,08%. A greve de 2016 teve adesão de aproximadamente sete mil servidores, quase 60% da categoria, pela estimativa do Sindicato, e transcorreu de 29 de março a 03 de abril. Após disputas judiciais, retaliações, manifestações e atos políticos, os grevistas saíram vitoriosos e conseguiram o pagamento da reposição de forma parcelada. Não constam registros de nenhum caso de violência durante os seis dias de paralisação. 2016 também foi ano de eleições municipais. Concorrendo com Sílvio Barros, o exdiretor do Procon, ex-chefe de gabinete, ex-secretário e ex-vereador Ulisses Maia venceu a eleição para prefeito no segundo turno, de modo surpreendente. A exemplo de Ana Pagamunici em 2008, Priscila Guedes concorreu à Prefeitura em 2016, pelo PSTU. Maia havia se comprometido com as demandas do funcionalismo desde o último mandato de vereador (2013-2016) e aproveitou-as como promessas em sua campanha eleitoral. Em 2017, com o respaldo legal dos vereadores e do novo prefeito, o Sindicato e os servidores alcançaram mais três conquistas históricas: o vale-alimentação, a revisão da lei contra o assédio moral50 e o acordo final para o pagamento da trimestralidade. Assim, fechou-se um ciclo dos desdobramentos da greve de 2006. As vitórias vieram lentamente, não como dádivas de uma administração comprometida com seus colaboradores, mas como resultado de um longo e persistente processo de luta do movimento sindical dos trabalhadores públicos municipais de Maringá. 48

Site do Sismmar: “Resultado oficial das eleições do Sismmar para a gestão 2015/2019”, 09/12/2015.

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Site do Sismmar: “Assembleia delibera pelo fim da greve e Câmara aprova lei com o reajuste de 11,08%”, 03/04/2016. 50 A Lei Complementar nº1.103, de 29 de novembro de 2017, aperfeiçoou a redação da Lei Complementar nº435, de 18 de novembro de 2002.

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4. DESAFIOS DO SINDICALISMO NO SETOR PÚBLICO Como visto no capítulo anterior, a greve de 2006 apresentou muitos dos elementos que caracterizam os conflitos no setor público de maneira geral: longevidade, demandas políticoeconômicas, prejuízo social, troca de acusações, brigas judiciais, disputas na imprensa pelo monopólio da verdade. Guedes (1994, p. 411) já observou que os prejuízos da paralisação de servidores da administração direta são compartilhados por toda a sociedade, devido à suspensão de serviços básicos até para a sobrevivência da população. Consequentemente, elas seriam mais longas que as do setor privado, havendo, durante e ao final, “uma disputa em que servidores públicos e governo procuram responsabilizar uns aos outros pelo desgaste junto à população”. Vidigal (2014) entende que as greves do funcionalismo público são marcadas, via de regra, por confrontos com os governos porque os chefes do Executivo geralmente se recusam a negociar e reagem com ameaças, demissões, prisões e/ou processos judiciais, ao invés do diálogo. Citando Melo (2006 apud Vidigal, 2014), Ocorre que os administradores públicos não resolvem os problemas dos servidores (em certos casos, nem “negociam” com eles as reivindicações) e também parece não se preocuparem com o desconforto acarretado ao povo. Trata-se de uma questão mal resolvida no nosso sistema de relações de trabalho no setor público.

Nogueira (1999, p.67) faz uma avaliação precisa sobre o problema ao tratar da greve dos professores das universidades federais em 1998: Foram aproximadamente 90 dias de greve de âmbito nacional e as relações com o governo foram marcadas pela morosidade dos processos de negociação, desgaste do movimento grevista e ausência de democracia. [...] Não houve repressão policial, mas também não houve efetividade nas negociações trabalhistas, não surgiram mecanismos sociais de solução – mediação ou arbitragem – do conflito e não houve, de fato, democracia nas relações de trabalho dentro do estado democrático constitucional. […] Diferentemente do setor privado, a especificidade desse movimento é o seu significado diretamente político. Não do modo como se acusa o movimento, pelo lado do governo, de que se trata de movimento partidário com fins

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políticos. É político porque está dentro do Estado, envolve diretamente a dimensão pública, o contribuinte e a sociedade como um todo.

Mas, para além das rusgas naturais dos movimentos grevistas, o exercício do sindicalismo no Estado enfrenta dificuldades que são intrínsecas à própria organização do espaço público. Nogueira (2005) sustenta que “as dificuldades das relações coletivas de trabalho no setor público na instância do político são defrontar-se com um poder difuso de decisão entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo”. As mudanças periódicas de governo fazem com que as conquistas obtidas anteriormente possam ser alteradas ou extintas a qualquer momento por força de lei, em virtude da falta de convenções e acordos coletivos, ou mesmo da ausência da Justiça do Trabalho para mediar, arbitrar e resolver os dissídios trabalhistas. Segundo o autor, o Poder Legislativo deveria exercer este papel. Mas, em face da conjuntura atual do sistema político-partidário, “o interesse pessoal de continuidade política prevalece sobre o interesse público”. Instaura-se, por consequência, uma relação de cumplicidade do Poder Legislativo com o Poder Executivo, no intuito de manter a influência dos parlamentares junto aos chefes de Estado, tendo em vista futuras vantagens eleitorais ou até mesmo formas de enriquecimento ilícito. Silva (2005) declara: “o Estado é responsável pela persistência da 'estratégia de confronto'”, por julgar que, embora tenham sido reconhecidos os direitos de greve e organização sindical na esfera pública, “não há no aparelho estatal alternativas institucionais para a resolução dos conflitos trabalhistas”. Sobre o papel da Justiça do Trabalho nos dissídios do Estado, o procurador-geral da República, Aristides Alvarenga, sustentou na Adin nº492-1 de 1992 (vide capítulo 2.3) que o direito de negociação coletiva assegurado aos servidores civis da União pela Lei nº8.112/1990 é “incompatível com a sistemática adotada pela Constituição Federal, […] já que qualquer vantagem atribuída ao servidor há de ser conferida por lei”. O ministro do STF, Carlos Velloso, relatou trechos do parecer da subprocuradora-geral Odília Oliveira no processo: a) o regime jurídico único tem caráter estatutário, objetivo, pois “os direitos, deveres, garantias e vantagens dos servidores públicos – seu status, enfim – são definidos unilateralmente pelo Estado-legislador, que pode, também unilateralmente, alterá-lo a qualquer momento, sem se cogitar de direito do servidor à manutenção do regime anterior; […]

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e) “o processo trabalhista é incompatível com o caráter estatutário do regime jurídico dos servidores públicos e com a superioridade jurídica de que goza o Estado nas relações dele derivadas. Não há lugar para a conciliação, que pressupõe a capacidade de transigir e, como já se mostrou, o Estado não pode abrir mão de seus privilégios, porque conferidos no interesse público, que é indisponível” […] (STF: Adin nº492-1/DF, 12/11/1992).

Outro desafio a ser superado são os preconceitos contra o funcionalismo público e o sindicalismo em geral. Guedes (1994, p. 418) analisa que a chamada “crise do Estado”, caracterizada pelas iniciativas de reduzir sua atuação via cortes de investimentos públicos, privatizações, terceirizações, suspensão de direitos sociais e trabalhistas etc., faz com que o serviço público em si seja “alvo de críticas como se ali estivesse resguardado um conjunto de trabalhadores privilegiados que não oferecem contrapartida à sociedade que lhes sustenta”. O autor recorda que, nas eleições de 1989, Fernando Collor saiu vitorioso com seu discurso de “caça aos marajás”, termo depreciativo para se referir aos funcionários públicos. No entanto, Guedes considera injustas as críticas, pois, apesar do sucateamento deliberado dos serviços públicos e do próprio Estado, este ainda é provedor de uma gama de “serviços e produção de insumos cuja extinção representaria um retrocesso para a economia e a sociedade brasileiras”. Parte do preconceito pode se atribuir ao fato de que, segundo Nogueira (2005), não há no relacionamento coletivo dentro do Estado, nas atividades de administração, controle e de prestação de serviços públicos, produção direta de valor para acumulação de capital. Trata-se então de trabalho assalariado improdutivo nos termos discutidos no capítulo inédito do Capital de Marx.

A essência do trabalho no serviço público direto não obedece aos “parâmetros econômicos válidos para os demais assalariados no sistema de produção de mercadorias e de valor”. A variação salarial não implica, em tese, na redução ou aumento dos lucros. A prevalência de “critérios políticos sobre os critérios econômicos na definição das condições de trabalho e salários” dificulta a atividade sindical nesse aspecto. Por outro lado, o viés político do sindicalismo no Estado possibilita ao funcionalismo pugnar pela democratização das decisões e do debate sobre a gestão e a qualidade dos serviços públicos, ou ainda rediscutir a própria natureza e abrangência do Estado brasileiro. Nogueira (1999, p. 57) acrescenta: O Estado político brasileiro contém estruturas internas marcadas pela autocracia, autoritarismo e pelo controle de grupos particulares que obstaculizam a construção

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da esfera pública democrática não burguesa. Esta forma de poder presente no Estado, apesar da democracia constitucional, não permite maior participação e influência das camadas populares e trabalhadoras da sociedade nas decisões políticas e administrativas, mostrando o limite do nível de democracia política conquistado. […] Isso reflete também na própria ausência de democracia no relacionamento entre servidores e Estado, caracterizado por confrontos periódicos sobre assuntos elementares das condições de trabalho e salário, principalmente nas áreas sociais da educação e da saúde, entre outras, cuja consequência para aqueles que vivem do trabalho na sociedade capitalista é sua exclusão da própria democracia.

O autor avalia que uma das estratégias para neutralizar a mobilização dos trabalhadores do setor público consiste na pulverização da categoria em diversos cargos, salários, classes, condições laborais, níveis de autoridade e poder. Essa forma de diferenciação acontece também externamente, entre trabalhadores do setor privado e funcionários públicos, ou entre assalariados da economia formal e informal. Em um Estado que se divide em inúmeros departamentos, divisões e setores, administrados por pessoas que comandam e outras que obedecem, os conflitos se tornam inevitáveis. Logo, poderá haver disputas entre indivíduo e organização burocrática, conflitos interpessoais, entre grupos sociais, entre diferentes posições hierárquicas, entre o pessoal da máquina permanente e o pessoal temporário, abuso do poder estatal sobre os funcionários, ausência de participação na decisão, entre muitos outros aspectos (NOGUEIRA, 2005).

Nogueira (2005) considera que as lutas do “pessoal do Estado” ocorrem de modo geral em momentos de crises econômicas e estruturais. Contudo, não visam a priori mudanças na burocracia estatal para melhor atender aos anseios da população, muito menos transformações no atual regime democrático capitalista. Embora possua, em tese, o papel de árbitro e mediador de conflitos na sociedade, “o Estado capitalista tem como função manter a ordem do capital em detrimento das esferas sociais e coletivas”. O estudioso completa: A organização sindical pressiona por mudanças nas velhas relações dentro do Estado, mas está muito distante de representar o conjunto dos funcionários públicos e de alterar suas práticas antigas baseadas na fragmentação por setores e segmentos, no corporativismo de categorias, no conflito entre os níveis hierárquicos e institucionais (NOGUEIRA, 2005).

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A CUT, ao representar os principais segmentos da classe trabalhadora, seria o espaço ideal para discutir o “resgate do sentido do trabalho público e da transformação do Estado”. Contudo, Nogueira (1999, p. 66) não enxerga entre os trabalhadores dos setores público e privado “uma pauta de solidariedade e uma agenda estratégica de articulação claramente definidas”. O autor defende a importância da atividade sindical não só no sentido de buscar melhores condições de trabalho e remuneração, mas também de incutir na classe trabalhadora em geral a consciência política necessária para combater as tentativas de exploração pelo patronato. Porém, há situações em que os sindicatos não representam os interesses do trabalhador e, pior ainda, servem como obstáculos. Em contraponto, ações efetivas e responsáveis dos sindicatos muitas vezes não recebem o devido apoio dos trabalhadores da base (Nogueira, 2005). Tais circunstâncias levam o sindicato ao descrédito ou sugerem que determinada categoria é incapaz de se organizar. Do ponto de vista organizacional, as entidades sindicais apresentam problemas de “superposição e duplicidade nas formas de representação”. A liberdade sindical, preconizada pela Constituição, “não produz necessariamente o pluralismo sindical no caso do setor público. O que existe é uma pluralidade entre associações e sindicatos e uma verdadeira pulverização e fragmentação sindical” (Nogueira, 1999, p. 57). A efetividade do sindicalismo no Estado depende muito da índole política dos governantes: autocrática ou democrática. A postura democrática de um governo “legitima e reconhece os sindicatos, o que muito contribui para a atuação dos sindicatos com as suas bases e para a participação nos níveis institucionais”. Em contrapartida, um governo autocrático pode emperrar a atividade sindical, “criando todo os tipos de dificuldades e inclusive não reconhecendo o direito de livre associação sindical inscrito na Constituição Federal” (Nogueira, 1999, p. 58-59). De acordo com Nogueira (2005), os sindicatos do setor público têm se mostrado mais combativos e vêm preservando as formas clássicas de ação do movimento sindical, especialmente na organização das greves, na mobilização de grandes categorias e nas negociações de pautas políticas, econômicas e sociais. Tal condição teria dois motivos principais: “a defesa das categorias hoje muito ameaçadas pela ideologia e práticas antiestatais e a defesa da esfera pública e a manutenção do status quo anterior, principalmente do Estado de bem-estar social e dos direitos sociais”.

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Nesse aspecto, as lutas do setor público deveriam funcionar como elos de ligação com o restante da classe trabalhadora. Mas, para o autor, o que ocorre é um paradoxo, “porque, ao mesmo tempo que se mostra mais ativo, representa um movimento de retaguarda, defensivo e estrategicamente posicionado na esfera da reprodução do sistema, não se colocando no centro da acumulação e do progresso”. Ou seja, ao mesmo tempo que o sindicalismo dos servidores se apresenta mais atuante, ele ainda faz parte de uma engrenagem social que reproduz a lógica do sistema capitalista, sem conseguir abalá-lo. Ao passo que os sindicatos do setor privado já estão há muito tempo “afastados de orientações anticapitalistas e socialistas e da estratégia de confrontação” e vivem uma crise mais profunda em função do desemprego e do processo de desindustrialização do país nas últimas décadas, que afeta diretamente suas bases (Nogueira, 2005) Faria (2009) entende que o corporativismo dos funcionários públicos e a desarticulação com os demais trabalhadores do setor privado, ou mesmo em relação aos servidores celetistas, revelam as barreiras que separam as diversas categorias de trabalhadores no Brasil. Nogueira (1999, p. 56) acredita que, para superá-las, será necessária a “construção de alianças com as classes que vivem do trabalho”, inclusive para legitimar o caráter essencial do serviço público na vida de cada cidadão. Na avaliação do autor, A ausência do chamado “estado do bem-estar social” no Brasil e a precariedade dos serviços públicos, com destaque para os setores sociais, colocam problemas de caráter estratégico que não descartam a luta pela transformação da natureza capitalista e privatizante do Estado. […] É imperativo para o movimento sindical dos funcionários combinar dupla questão: 1) a luta pela melhoria das suas condições de trabalho e salário por meio de negociação ampla e transparente, viabilizando também formas de participação nas políticas e na gestão do Estado em busca da melhoria da qualidade dos serviços públicos; e 2) a luta pela transformação do Estado, no sentido de ampliar a esfera pública não privada e não burguesa, favorecendo o conjunto das classes trabalhadoras. (Nogueira, 1999, p. 65-66).

É importante salientar que as reflexões apresentadas aqui não esgotam as possibilidades de representação e ação do movimento sindical dos trabalhadores públicos. Elas apenas traçam um panorama histórico nacional dos obstáculos enfrentados pela categoria, e não consideram possíveis exceções à crise do sindicalismo no mundo atual.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os desafios que se impõem ao sindicalismo no setor público, discutidos no capítulo anterior, colocaram-se de forma bastante clara na greve dos servidores municipais de Maringá em 2006. Infelizmente, os grevistas acabaram estigmatizados pela população e pelos próprios colegas que não participaram da greve e se tornaram verdadeiros párias em seus locais de trabalho. Do lado oposto, os políticos da família Barros foram ainda mais estigmatizados pelo funcionalismo, diante do acúmulo de rixas históricas. Tal circunstância contribuiu, até certo ponto, para decidir a eleição de 2016 em favor de Ulisses Maia. Uma parcela significativa dos servidores fez uma explícita campanha “anti-Barros” naquele ano. A duração de 30 dias foi considerada muito extensa e desgastante para as partes em litígio. Os efeitos da paralisação afetaram toda a população maringaense. Já a responsabilidade pelos prejuízos sociais, como a suspensão de grande parte da coleta de lixo e a redução do atendimento na Educação e na Saúde, foi rechaçada tanto pela Prefeitura quanto pelo Sindicato. Era surpreendente a dificuldade que o então prefeito Sílvio Barros demonstrou de dialogar com o Sismmar e o Comando de Greve, em detrimento dos inúmeros ofícios enviados pela entidade solicitando reuniões. Do mesmo modo, FHC apostou na morosidade das negociações para desgastar a greve dos professores federais em 1998, que se arrastou por três meses. Em Londrina, no ano de 2006, os servidores municipais ficaram paralisados por 106 dias e a última parcela dos descontos arbitrários do período só foi quitada em 2017. No caso de Maringá, o Poder Executivo conjugou, além da morosidade, a recusa em negociar e a repressão para lidar com o movimento grevista. Sílvio Barros chegou a abandonar uma reunião após dez minutos de seu início, deixando os representantes da Prefeitura sem nenhuma proposta satisfatória para encerrar a paralisação. O Sismmar ainda tentou negociar o funcionamento das atividades essenciais, em observância à Lei de Greve, mas o prefeito se negou desde o início. A repressão veio em forma de ameaças, retaliações, terceirização de serviços públicos, agressões por parte de seguranças privados, a tentativa de forçar a prisão de grevistas após a ocupação do Paço Municipal, a demissão de 28 servidores e as ações judiciais contra o Sindicato. No entanto, a violência em certas ocasiões não foi exclusividade da Administração Municipal. Foram registradas ocorrências policiais e relatos na imprensa, segundo os quais parte dos grevistas impedia o acesso de servidores não grevistas aos locais de trabalho, mediante ameaça ou agressão. Com maior e menor intensidade, os piquetes pacíficos ou 108


violentos se mantiveram durante toda a paralisação, assim como a troca de acusações entre Prefeitura e Sindicato. De qualquer modo, algumas indagações ainda restam daquele período. Não seria possível evitar a generalização da violência? Por que não dialogar com o Sindicato e acabar com a greve o mais rápido possível para não prejudicar a população? Se era inviável o reajuste pretendido pela categoria, em função da LRF, por que não apresentar uma proposta razoável que contemplasse outros itens importantes da pauta de 2006, como o fim do assédio moral e a revisão do plano de carreira? Sobre o assédio moral e as perseguições, a Administração repetiu várias vezes que não ocorriam dentro da Prefeitura. Sobre o plano de carreira, propôs na época formar uma comissão para discuti-lo, ignorando completamente a minuta elaborada pelo Sismmar e relegando o PCCR para depois de sua gestão. A disputa pelo discurso oficial da imprensa, como era de se esperar, pendeu para o lado da Administração. Sílvio Barros possuía boas relações com o empresariado local e injetava recursos públicos na mídia em forma de publicidade oficial e propaganda. Consequentemente, ao prefeito ficou garantida a aparição regular nas rádios, na televisão e nos jornais. Por outro lado, o Sismmar e os servidores em greve só dispunham do site institucional, das redes sociais e do auxílio de blogs jornalísticos, tradicionalmente contrários ao modus operandi político da família Barros. Como exemplo da influência do poder econômico sobre a opinião pública, um grupo apócrifo, autodenominado Movimento pela Defesa do Servidor Público de Maringá (MDSM), patrocinou um outdoor comparando os reajustes concedidos ao funcionalismo público pelos governos municipal, estadual e federal, nos termos da revisão anual prevista na Constituição: Sílvio Barros: 6,5% (em um ano); Roberto Requião: 0,0% (em quatro anos); Lula: 0,1% (em quatro anos). O outdoor ainda carregava a pergunta: “A quem interessa a greve?”. Em seguida, citava provocativamente o site da Conlutas. A ligação do MDSM com a Administração Municipal e a falta de representatividade junto ao funcionalismo era tão suspeita quanto óbvia, arrisco-me a dizer. E o comparativo em si não considera o abismo salarial existente entre servidores municipais, estaduais e federais. Portanto, a peça publicitária de grande porte serviu apenas para confundir a população e jogá-la contra os funcionários públicos. A greve de 2006 se mostrou, então, um terreno fértil para analisar os problemas inerentes ao sindicalismo do setor público. A diferenciação salarial entre os diversos cargos e a divisão da categoria em uma infinidade de setores determinou diretamente sua capacidade de organização. De forma geral, servidores com altos salários e melhores condições de 109


trabalho dificilmente são solidários aos servidores que recebem baixos salários e, na maioria das vezes, realizam as funções mais insalubres e perigosas da administração pública. O inverso parece verdadeiro: as classes de baixa renda do funcionalismo também não se solidarizam com as causas de classes mais altas, como procuradores, médicos, engenheiros, arquitetos, auditores etc. O fato é que a adesão ao movimento grevista em Maringá predominou nas Secretarias de Serviços Públicos, Educação e Saúde, pontos de grande concentração de servidores e reconhecidos pela sobrecarga de trabalho. A questão da adesão suscita uma dúvida comum às greves de maneira geral: os sindicatos e trabalhadores paredistas representam a maioria ou a minoria dos trabalhadores não paralisados? A resposta é complexa e difícil de mensurar. Por um lado, um grande contingente de trabalhadores não entra em greve por discordar das reivindicações ou da atuação dos grevistas e dos respectivos sindicatos. Por outro, esse mesmo contingente pode até concordar com as demandas e a postura da entidade sindical, mas o medo de retaliação, perseguição, demissão etc. faz com permaneçam em serviço durante as paralisações. Não foram encontrados dados suficientes para uma análise precisa da representatividade do Sismmar naquela época. Mas, de acordo com as fontes pesquisadas, a Prefeitura possuía cerca de 7,5 mil servidores em seu quadro funcional. Do total, aproximadamente 3,5 mil eram filiados ao Sindicato e 1,5 mil aderiram à greve de 2006. Outro ponto fraco da atividade sindical no Estado, como visto anteriormente, concerne à falta de uma instância única e legítima para mediar, arbitrar ou solucionar os conflitos de trabalho. Na esfera privada esse papel é exercido pela Justiça do Trabalho, e os celetistas ainda contam com a segurança jurídica dos acordos e convenções coletivas. Já no setor público a responsabilidade se divide confusamente entre a Justiça Comum e o Poder Legislativo. Os processos judiciais decorrentes da greve de 2006, para se ter uma ideia, foram julgados por varas cíveis, criminais e, inclusive, da fazenda pública de Maringá. Os onze vereadores da base aliada do prefeito na Câmara Municipal pouco ou nada fizeram a favor ou contra o movimento. Apenas chancelaram as decisões de Sílvio Barros, esmagando no voto os quatro vereadores de oposição. A relação de cumplicidade entre Legislativo e Executivo acabou sufocando as tentativas de mediação encabeçadas por Humberto Henrique (PT), Mário Verri (PT), Dr. Manoel Sobrinho (PCdoB) e Marly Martin (PPL). A iniciativa do Ministério Público do Trabalho, de mediar o conflito, também não deu resultado. A instituição não possuía a prerrogativa de arbitrá-lo e decidi-lo.

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As caricaturas e os preconceitos disseminados na sociedade, sobre a suposta condição privilegiada do funcionalismo público em geral, também prejudicam a organização dos trabalhadores do Estado. Embora não seja o único fator envolvido, é notório que qualquer reivindicação trabalhista, seja por meio de greve ou manifestações, pode ter ou não ter sucesso em razão do apoio popular que determinada causa possui ou não possui. Entretanto, para além dos preconceitos arraigados, a opinião pública tende a favorecer os gestores pela influência política e econômica destes sobre os meios de comunicação de massa. Dessa forma, a balança geralmente pesa contra os servidores que se manifestam e, pesa ainda mais, contra os sindicatos da categoria. Ressalvadas as especificidades de cada setor, a situação não é muito diferente na iniciativa privada. A existência e a função dos sindicatos no Brasil são ignoradas, ou simplesmente rejeitadas, por uma parcela significativa da sociedade, de todas as classes sociais e faixas etárias. As entidades sindicais perderam representatividade junto aos trabalhadores mais humildes, da base, do “chão de fábrica”, e mobilizá-los para alguma causa se tornou um imenso desafio. O horizonte negativo pode ser atribuído a pelo menos três fatores: 1) ao capitalismo contemporâneo, que busca cortar na raiz, por meios políticos e jurídicos, qualquer tentativa de organização da classe trabalhadora; 2) à discriminação aos sindicatos que a mídia ajuda a difundir, em prol do avanço do capitalismo e do liberalismo econômico; 3) e, por último, à própria perda de credibilidade que a atuação inócua de muitos sindicatos provocou. Apesar dos impasses do sindicalismo na contemporaneidade, a instituição “sindicato” continua sendo o espaço legítimo de proteção, defesa e conquista de direitos para a classe trabalhadora em geral. A atividade sindical deve ser revalorizada e novamente encarada como instrumento catalisador da vontade dos trabalhadores. O sindicalismo do setor público, em especial, esbarra em outro problema ainda mais grave: a própria concepção de Estado está em xeque no mundo atual. Portanto, a abrangência e os limites estatais precisam ser repensados e reconstituídos de forma democrática. Ao contrário do que se possa pensar, a greve de 2006 não foi apenas um movimento corporativista dos servidores municipais de Maringá, em prol de ganhos econômicos. A greve pleiteou o respeito a princípios constitucionais, dos mais básicos: liberdade sindical e direito à honra, à imagem, à liberdade, com o fim do assédio moral. A gestão Trabalhadores em Luta (2005-2008) pugnou sempre pela participação do funcionalismo nas decisões de governo, a exemplo de outras gestões do Sismmar. A diretoria da época, além disso, estava concatenada com a recomposição nacional das forças de esquerda, que romperam com o Governo Lula e a 111


CUT em nome de um projeto verdadeiramente socialista para o país. A articulação com PSTU, Conlutas e movimentos sociais era programática. Como visto ao longo do trabalho, as ações do Sismmar em Maringá, antes, durante e depois de 2006, mostraram que a união dos trabalhadores em torno de seu sindicato ainda é necessária para lidar com a intransigência de governos autocráticos. As vitórias demoraram, mas vieram. Infelizmente, chegou-se a um estágio no Brasil em que a luta sindical, de modo geral, deixou de ser por direitos e benefícios para se limitar à manutenção de direitos e benefícios já adquiridos. Esta monografia entende, com base nos autores estudados, que as crises do sindicalismo no Brasil e do conceito de Estado podem ser enfrentadas pela atuação em conjunto de sindicatos, movimentos sociais e setores politizados da sociedade, comprometidos com a democratização autêntica das relações de poder e com a defesa incansável do acesso de todo cidadão a serviços públicos de qualidade.

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, C. M. M. O projeto de pesquisa: o conteúdo e seus itens. Revista Expedições: Teoria da História e Historiografia, Goiânia, ano 2, n. 3, dez. 2011. Disponível em: <http://www.cdn.ueg.br/arquivos/revista_eletronica/conteudoN/614/ EXPEDIC0ES,_n.3,_art.6 _celia_C0RRIGID0.pdf>. Acesso em: 20 out. 2016. BUONICORE, A. C. Assalariados urbanos: proletariado ou nova classe média? Revista Princípios, São Paulo, n. 64, fev/mar/abr. 2002. Disponível em: <http://revistaprincipios.com.br/artigos/64/cat/1273/assalariados-urbanos-proletariado-ounova-classe-m&eacutedia-.html>. Acesso em: 29 jan. 2018. DIAS, R. B. A privatização do ensino em Maringá: história de uma experiência contraditória e polêmica. In: DIAS, R. B. (Org.). O público e o privado na educação: a experiência da privatização do ensino em Maringá e temas afins. Maringá: Secretaria de Educação do Município de Maringá, 1995. p. 01-37. DIAS, R. B. Da arte de votar e ser votado: as eleições municipais em Maringá. Maringá: Clichetec, 2008. p. 195-218. ECO, U. Como se faz uma tese em Ciências Humanas. Tradução de Ana Falcão Bastos e Luís Leitão. 13ª edição. Lisboa: Editorial Presença, 2007. FARIA, M. S. Brasil: o “novo sindicalismo” no setor público. La Question Sociale, Paris, jun. 2009. Disponível em: <http://vivelasociale.org/revue-la questionsociale/html/ LQS/LQS_1/por_QS1_11_bresil.pdf>. Acesso em: 20 out. 2016. GUEDES, C. Os trabalhadores no setor público brasileiro: prática sindical, conquistas e armadilhas – análise do período pós-1978. In: OLIVEIRA, B. et al. (Orgs.). O mundo do trabalho: crise e mudança no final do século. São Paulo: Scritta, 1994. p. 403-424. IPÓLITO, V. K.; PRIORI, A. Documento/monumento: a ampliação dos materiais de pesquisa utilizados pela historiografia. In: Introdução aos Estudos Históricos (no prelo). UEM: Maringá, 2010. Disponível em: <http://server2.docfoc.us/uploads/ Z2015/12/12/cNS1Hrgbjd/2d86ff0b1bafb2db84be7a993dc2163f.pdf>. Acesso em: 20 out. 2016. NOGUEIRA, A. J. F. M. Emergência e crise do novo sindicalismo no setor público brasileiro. In: RODRIGUES, I. J. (Org.). O novo sindicalismo: vinte anos depois. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 51-72. NOGUEIRA, A. J. F. M. Relações de trabalho no setor público. In: 3º CICLO DE DEBATES EM ECONOMIA INDUSTRIAL, TRABALHO E TECNOLOGIA, 2005, São Paulo. Disponível em: <http://www.pucsp.br/eitt/downloads/III_Ciclo_Arnaldo_Nogueira.pdf>. Acesso em: 20 out. 2016. SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE MARINGÁ. Sobre o Sismmar. Disponível em: <http://www.sismmarmaringa.com.br/?page_id=3895>. Acesso em: 20 out. 2016.

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SILVA, S. J. Sindicalismo do setor público nos anos 90: persistência da lógica do conflito. Tempo da Ciência, Toledo, vol. 12, n. 24, 2º semestre 2005. Disponível em: <revista.unioeste.br/index.php/tempodaciencia/article/download/450/365.> Acesso em: 20 out. 2016. SIQUEIRA, E. A. Greve geral, 100 anos depois. Outras Palavras. 25 abr. 2017. Disponível em: <https://outraspalavras.net/uncategorized/greve-geral-100-anos-depois>. Acesso em: 25 jan. 2018. VIDIGAL, P. Considerações acerca do direito de greve do servidor público e violações de direitos dos servidores municipais de Maringá na greve de 2006. 2014. Monografia (Graduação em Direito) – Faculdade Maringá, Maringá. VIEIRA, J. B. Os novos atores sociais na transição democrática: o sindicalismo do setor público. Textos para Discussão FEE, Porto Alegre, n. 20, nov. 2007. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br/wp-content/uploads/2014/03/20140324020.pdf>. Acesso em: 20 out. 2016.

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7. ANEXOS

04/11/1988 - Edital da Assembleia de Fundação do Sismmar

Abril/1989 – Jornal do Sismmar nº1 (Fotos: Edson Guitti e Márcio Damásio)

14/12/2005 – Jornal Hoje (Foto: João Mário Góes)

26/01/2006 – Jornal Hoje (Foto: João Mário Góes)

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02/06/2006 – Jornal O Diário (Foto: Ivan Amorin)

04/06/2006 – Jornal O Diário (Foto: Douglas Marçal)

04/06/2006 – Site do PSTU/Regional Maringá

09/06/2006 – Jornal O Diário (Foto: Douglas Marçal)

04/06/2006 – Jornal O Diário (Foto: Douglas Marçal)

10/06/2006 – Jornal O Diário (Foto: Douglas Marçal)

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13/06/2006 – Jornal O Diário (Foto: Cléber França)

14/06/2006 – Jornal O Diário (Foto: Cléber França)

14/06/2006 – Jornal O Diário (Cléber França)

15/06/2006 – Jornal O Diário (Douglas Marçal)

18/06/2006 – Jornal O Diário (Foto: Douglas Marçal)

21/06/2006 – Jornal O Diário (Foto: Douglas Marçal)

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22/06/2006 – Jornal O Diário (Foto: Rafael Silva)

25/06/2006 – Jornal O Diário (Foto: Douglas Marçal)

22/06/2006 – Factorama (Foto: Andye Iore)

27/06/2006 – Jornal O Diário (Foto: Ricardo Lopes)

28/06/2006 – Jornal O Diário (Foto: Henri Jr.)

27/06/2006 – Jornal O Diário (Foto: Douglas Marçal)

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28/06/2006 – Site do Sismmar (Foto: autoria desconhecida)

29/06/2006 – Jornal O Diário (Foto: Rafael Silva)

28/06/2006 - Factorama (Foto: Andye Iore)

28/06/2006 - Factorama (Foto: Andye Iore)

28/06/2006 - Blog do Rigon (Foto: autoria desconhecida)

28/06/2006 – Site do Sismmar (Foto: autoria desconhecida)

28/06/2006 – Factorama (Foto: Andye Iore)

28/06/2006 – Factorama (Foto: Andye Iore)

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28/06/2006 - Factorama (Foto: Andye iore)

28/06/2006 - Factorama (Foto: Andye iore)

28/06/2006 - Factorama (Foto: Andye iore)

28/06/2006 - Factorama (Foto: Andye iore)

DESOCUPAÇÃO DO PAÇO MUNICIPAL – MADRUGADA DE 29/06/2006

30/06/2006 – Jornal O Diário (Fotos: Ivan Amorin)

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29/06/2006 - Factorama (Foto: Andye Iore)

30/06/2006 - Blog do Rigon (Foto: autoria desconhecida)

05/07/2006 – Jornal O Diário (Foto: Douglas Marçal)

30/06/2006 - Blog do Rigon (Foto: autoria desconhecida)

05/07/2006 - Blog do Rigon (Foto: autoria desconhecida)

26/06/2007 – Site do Sismmar (Foto: autoria desconhecida)

14/07/2006 – Jornal O Diário (Foto: Douglas Marçal)

30/07/2006 – Jornal O Diário (Walter Fernandes)

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03/07/2006 – Blog do Rigon (Foto: autoria desconhecida)

13/06/2006 – Jornal O Diário (Charge do Lukas)

15/06/2006 – Jornal O Diário (Charge do Lukas)

23/06/2006 – Jornal O Diário (Charge do Lukas)

30/06/2006 – Jornal O Diário

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