HC Silvio Barros II

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Supremo Tribunal Federal

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 115.998 PARANÁ RELATORA RECTE.(S) ADV.(A/S) RECDO.(A/S) PROC.(A/S)(ES)

: MIN. ROSA WEBER : SILVIO MAGALHAES BARROS II : THIAGO PAIVA DOS SANTOS : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por Silvio Magalhães Barros II contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que denegou a ordem no HC 211.781/PR. O Recorrente, Prefeito do Município de Maringá/PR, foi denunciado perante o Tribunal de Justiça Estadual pela suposta prática do crime de responsabilidade (art. 1º, XIII, do Decreto-Lei 201/1967), consistente na admissão de servidor contra expressa disposição de lei. Contra o ato de recebimento da denúncia, impetrado o mencionado writ perante o Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem em acórdão assim ementado: “HABEAS CORPUS. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITOS E VEREADORES (ARTIGO 1º, INCISO XIII, DO DECRETO-LEI 201/1967). CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES CONTRA EXPRESSA DISPOSIÇÃO DE LEI. ALEGADA EXISTÊNCIA DE NORMAS AUTORIZADORAS DAS NOMEAÇÕES EFETUADAS PELO PREFEITO. CONDUTA QUE EM TESE SE ENQUADRA NO TIPO LEGAL. ATIPICIDADE NÃO EVIDENCIADA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. O trancamento de ação penal na via do habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito. Precedentes. 2. No caso dos autos, imputa-se ao paciente a conduta de haver preenchido ilegalmente cargos cujo ingresso pressupõe a

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Supremo Tribunal Federal RHC 115998 / PR prévia aprovação em concurso público, nomeando para o exercício de funções comissionadas em seu gabinete pessoas cujas atividades sabia que não seriam ali exercidas, mas sim em órgãos da municipalidade nos quais atuariam como se servidores efetivos fossem. 3. Conquanto haja previsão de nomeação de servidores para cargos em comissão tanto na Carta Magna quanto na legislação municipal, o certo é que o paciente, em tese, os preencheu em desacordo com os referidos diplomas legais, que estabelecem que as funções comissionadas se destinam apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento. 4. Desse modo, a suposta designação, por parte do paciente, de pessoas para desempenhar funções próprias de servidores efetivos em diversas secretarias do município, embora nomeadas para ocupar cargos comissionados de assistente em seu Gabinete, autoriza a deflagração da ação penal, pois de conduta manifestamente atípica não se trata. 5. Ordem denegada.”

No presente recurso, alega a Defesa, em síntese, atipicidade da conduta ao argumento de que as contratações efetuadas observaram a Constituição e a legislação municipal. Requer, liminarmente, a suspensão dos efeitos do acórdão que recebeu a denúncia e, no mérito, o trancamento da ação penal. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Subprocurador-Geral da República Edson Oliveira Almeida, opina pelo não provimento do recurso. É o relatório. Decido. Trata-se de recurso ordinário em habeas contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça que denegou a ordem no HC 211.781/PR, para manter a ação penal contra o denunciado. Ao denegar a ordem, a Corte Superior de Justiça assim fundamentou:

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Supremo Tribunal Federal RHC 115998 / PR “(...) Ora, conquanto haja previsão de nomeação de servidores para cargos em comissão tanto na Carta Magna quanto nas Leis Complementares do Município de Maringá, o certo é que o paciente, em tese, preencheu em desacordo com os referidos diplomas legais, que estabelecem que as funções de confiança e os cargos em comissão destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.”

De fato, consoante jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, o trancamento da ação penal é medida excepcionalíssima, admitida apenas quando evidenciada a manifesta atipicidade da conduta ou falta de justa causa. Da minha lavra: “HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. DESCRIÇÃO SUFICIENTE DAS CONDUTAS NA DENÚNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. Paciente denunciada pelo Ministério Público Federal pela participação em organização criminosa, com outros cinquenta e cinco coacusados, entre empresários e servidores públicos, com o fito de fraudar licitações públicas. 2. Suficiente a descrição das condutas imputadas à paciente bem como a correlação com os crimes que lhe foram imputados (arts. 288, 313-A, 317 e 321 do Código Penal), cumpridos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal. 3. Pode-se confiar no devido processo legal, com o trâmite natural da ação penal, para prevenir de forma suficiente eventuais ilegalidades, abusos ou injustiças no processo penal, não se justificando o trancamento da ação penal, salvo diante situações excepcionalíssimas. Deve-se dar ao processo uma chance, sem o seu prematuro encerramento. 5. Habeas corpus denegado.” (HC 104414/AM, Rel. Min. Rosa Weber, 1ª Turma , DJe 13.8.2012)

Destaco ainda os seguintes precedentes: 3 Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 4333589.


Supremo Tribunal Federal RHC 115998 / PR

“HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO PELO CRIME PREVISTO NO ART. 1º, I, DA LEI 8.137/1990. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. NÃO OCORRÊNCIA. MEDIDA EXCEPCIONAL CUJA PERTINÊNCIA NÃO RESTOU DEMONSTRADA. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DO PROCESSO DE CONHECIMENTO PELA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. WRIT PARCIALMENTE CONHECIDO E DENEGADO. I – A denúncia narra fato típico imputado ao paciente, bem assim os indícios de materialidade e autoria, com destaque para o fato de o crédito tributário ter sido constituído, definitivamente, em novembro/2009, sem que exista qualquer causa de extinção da punibilidade ou de suspensão da pretensão punitiva. II – O trancamento da ação penal, em habeas corpus, constitui medida excepcional que só deve ser aplicada nos casos de manifesta atipicidade da conduta, de presença de causa de extinção da punibilidade do paciente ou de ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas, o que não ocorre na situação sob exame. III – A jurisprudência desta Corte, de resto, em diversas oportunidades, assentou o entendimento de que não se pode substituir o processo de conhecimento pela via excepcional do habeas corpus, o qual se presta, precipuamente, para afastar a manifesta violência ou coação ilegal ao direito de locomoção.” (HC 110.466/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, DJe 19.3.2012) “1. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em considerar excepcional o trancamento da ação penal, pela via processualmente acanhada do habeas corpus. Via de verdadeiro atalho que somente autoriza o encerramento prematuro do processo-crime quando de logo avulta ilegalidade ou abuso de poder (HCs 86.362 e 86.786, da minha relatoria; e 84.841 e 84.738, da relatoria do ministro Marco Aurélio).” (HC 107.187/SP, Rel. Min Ayres Britto, 2ª Turma, DJe

4 Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 4333589.


Supremo Tribunal Federal RHC 115998 / PR 29.3.2012).

Na espécie, a Corte Estadual, ao receber a denúncia, rejeitou a alegada atipicidade da conduta aos seguintes fundamentos: “Sabe-se que para ser considerada típica a conduta descrita na denúncia basta que ela se encaixe com perfeição em um comportamento previamente definido em lei como crime. Em termos técnicos, significa dizer que a tipicidade é a subsunção do fato delituoso à norma incriminadora. É com base nesse raciocínio que deve ser investigado se a conduta descrita pelo Ministério Público encontra, ou não, reprovação no âmbito penal. Pois bem. O Ministério Público diz que o Prefeito do Município de Maringá nomeou três servidores como Assistentes de Gabinete em cargos em comissão, mas designou-os para ocupar cargos de provimento efetivo, todavia, sem prévia aprovação em concurso público. Diz a denúncia que Antônio Carlos Gomes foi nomeado para exercer o cargo de Assistente de Gabinete, mas, na realidade, exercia a atividade de pedreiro, encanador e eletricista de manutenção. Durante o procedimento administrativo, Antônio declarou ao Promotor de Justiça que "... não sabe o que significa 'cargo em comissão, tampouco as funções que um funcionário deste tipo deve exercer (...) que o declarante apoiou o Prefeito Silvio Barros na última eleição; que na época da eleição o declarante era presidente da Associação dos Moradores do Guaiapó e tinha muita influência política no bairro; que em troca do apoio o Prefeito prometeu que lhe daria um cargo no Município..." (fls. 145/146). Ao prestar seu depoimento em juízo, por ocasião da ação civil pública, Antônio ratificou a declaração prestada ao Promotor de Justiça (fl. 170). A denúncia também diz que Eliane Goffi Mussio foi nomeada para exercer o cargo de Assistente de Gabinete, porém, exercia a atividade de auxiliar de enfermagem. Por

5 Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil. O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 4333589.


Supremo Tribunal Federal RHC 115998 / PR ocasião do procedimento administrativo Eliane permaneceu silente e, ao depor em Juízo, durante a ação civil pública, disse que "jamais trabalhou diretamente na sede da prefeitura; que após ser nomeada foi trabalhar direto no posto de saúde da Vila Morangueira." (fl. 167). Por fim, infere-se da denúncia que Cézar Augusto Pinto Rabelo, também nomeado para o cargo de Assistente de Gabinete, exercia, de fato, a atividade de auxiliar de serviços gerais. Ao prestar suas declarações perante o Promotor de Justiça disse que "foi admitido para trabalhar no gabinete do Prefeito Silvio Magalhães de Barros II; mas que prestava serviço na Secretaria Municipal de Esporte, onde realizava faxina nas dependências da Vila Olímpica..."(fl. 156). Em juízo, ratificou o que disse ao Promotor (fl. 168). O enquadramento dessa conduta pelo Ministério Público como sendo de nomeação de servidor contra expressa disposição de lei, tipificada como crime no art. 1o, inc. XIII, do DL 201/67, não se mostra de todo desarrazoada neste momento processual. De fato, em tese a conduta descrita na denúncia configura crime, haja vista que a designação de servidores não concursados para o exercício de cargos de provimento efetivo pode implicar transgressão não só ao texto constitucional, mas também à Lei Complementar Municipal n° 240/98. Veja-se que, embora os cargos comissionados sejam de livre nomeação pelo Prefeito, eles se destinam exclusivamente às atribuições de direção, chefia e assessoramento, as quais são absolutamente distintas das atividades de pedreiro, encanador, eletricista de manutenção, auxiliar de serviços gerais e auxiliar de enfermagem. Logo, não há como afirmar-se nesta fase inicial que a conduta descrita na denúncia não se encaixa no crime de responsabilidade consistente em ‘nomeação e servidor contra expressa disposição de lei”. Consequentemente, não há como acolher nesta fase o argumento relacionado à ausência de justa causa ante a suposta

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Supremo Tribunal Federal RHC 115998 / PR atipicidade da conduta.”

Narra a denúncia que o Recorrente, Prefeito de Maringá/PR, preencheu ilegalmente cargos públicos efetivos de auxiliar de enfermagem, eletricista de manutenção, encanador, pedreiro e auxiliar de serviços gerais, todos integrantes da estrutura funcional do Poder Executivo daquele Município, conforme Lei Complementar Municipal nº 240/98 e modificações posteriores, ocupados por pessoas não aprovadas em concurso público. Segundo a peça acusatória, o Recorrente burlava a exigência legal de concurso por meio de nomeações para cargos efetivos como se cargos comissionados fossem, atribuindo-lhes a aparência de legalidade. O Recorrente teria nomeado pessoas para prestar serviços junto a seu gabinete como assistentes, designadas, contudo, para exercerem atribuições de natureza e de complexidade distintas, a caracterizar o provimento irregular de cargos. Verifico das condutas descritas na denúncia e das decisões atacadas, que a conduta do Recorrente se amolda, em tese, ao tipo penal descrito no art. 1º, XIII, do Decreto-lei 201/1967 (“São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: (...) Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei”). Há indícios de que servidores nomeados para cargos em comissão - os quais, consoante art. 37, V, da CF/88, “destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” - exerciam atividades típicas de cargos de provimento efetivo. Assim, a denúncia, lastreada em suporte probatório mínimo com indícios suficientes de materialidade e autoria, contém a exposição do fato criminoso, a qualificação do acusado e a classificação do crime, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal. A higidez da peça inaugural afasta, por si só, o pretendido trancamento da ação penal. Nesse sentido os precedentes desta Corte: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. AÇÃO PENAL: TRANCAMENTO. D.L. 201/67:

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Supremo Tribunal Federal RHC 115998 / PR CONSTITUCIONALIDADE. PREFEITO. D.L. 201/67, art. 1.: CRIMES COMUNS. ALEGAÇÃO DE INEPCIA DAS DENUNCIAS. PROVA: EXAME. I. - O Supremo Tribunal Federal rejeitou a arguição de inconstitucionalidade do D.L. 201, de 1967. HC 70.671-PI, Velloso, Plenário, 13.04.94; HC 69.850-RS, Rezek, Plenário, "DJ" de 27.05.94. II. - Inviável o trancamento da ação penal se a denuncia descreve fatos que configurem, em tese, ilícito penal. III. - Os crimes denominados de responsabilidade, previstos no art. 1. do D.L. 201, de 1967, são crimes comuns, que deverão ser julgados pelo Poder Judiciário, independentemente de pronunciamento da Câmara Municipal. (...)” (HC 71669/PI, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 31.10.1995). “PENAL. PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. AÇÃO PENAL: TRANCAMENTO. PREFEITO: CRIME DE RESPONSABILIDADE: CRIME COMUM. PROVA: EXAME. Decreto-lei 201, de 1967. I. - Inviável o trancamento da ação penal se a denuncia descreve fatos que configurem, em tese, ilícito penal. (...)” (HC 71.296/SC, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 28.3.1995).

Assim, não vislumbro manifesta atipicidade da conduta ou causa de extinção da punibilidade a autorizar o trancamento da ação penal. Ante o exposto, nego seguimento ao presente recurso (art. 21, § 1º, RISTF). Prejudicado o exame do pedido de liminar. Publique-se. Brasília, 4 de julho de 2013. Ministra Rosa Weber Relatora

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