INRODUÇÃO À TEORIA DOCUMENTAL: UM ESTUDO SOBRE A TEORIA LITERÁRIA “JEDP” Ângelo Vieira da Silva 1
RESUMO:
Este artigo propõe introduzir as bases do movimento de crítica literária e das hipóteses documentais. Apresentando os elementos essenciais dos cinco livros que formam o Pentateuco, esse breve texto objetiva explanar a fundação da teoria literária denominada “JEDP”, além de expor uma síntese histórica sobre os principais expoentes críticos e suas contribuições teóricas acerca dos livros atribuídos a Moisés.
PALAVRAS-CHAVE: Crítica Literária, Teoria Documental, JEDP, Pentateuco, Moisés.
ABSTRACT:
This paper proposes to introduce the basics of movement literary criticism of the hypotheses documentary. Presenting the essential elements of the five books that make up the Pentateuch, this brief text aims to explain the foundation of literary theory called "JEDP", and expose a historical overview of the main critical exponents and their theoretical contributions about the books attributed to Moses.
KEY-WORDS: Literary Criticism, Documentary Theory, JEDP, Pentateuch, Moses.
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Mestrando (Me.P.) em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória (2012-2013), com ênfase na Análise do Discurso Religioso. Pesquisador na área de Apocalíptica, Literatura Enoquita, Pseudoepígrafos, Escatologia, Milenarismo. Bacharel em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP (2009-2010) e pelo Seminário Teológico Presbiteriano (intracorpus) Rev. Denoel Nicodemos Eller/MG (2002-2005).
2 “o direito de critica é inato da natureza humana” (José Carlos Rodrigues)
INTRODUÇÃO
Antes da era comum, os judeus dos últimos tempos estavam impregnados do ensino do escribismo nas escolas, de onde surgiu o rabinismo frequentemente citado em mensagens cristãs atuais. Aparentemente, foi “este rabinismo [que] Jesus condenou, sendo que a base deste ensino era a estrita observância da Lei de Moisés”, (RODRIGUES, 1921, p. 212), ou seja, do Pentateuco, da Torá. Por muito tempo, no contexto da igreja judaica e, por conseguinte, da comunidade cristã, a Lei de Moisés era ensino obrigatório (BENTZEN, 1968, p. 31) e inquestionável. Com o advento da crítica literária, os textos sagrados de cristãos e judeus foram iniciados em muitos processos de desconstrução. Dentre os textos sagrados, o ponto de partida nesse artigo é a compreensão do movimento das hipóteses documentais quanto à autoria do Pentateuco. A opinião tradicional atribui a Moisés a autoria da Torá, excetuando os poucos versos no final da obra, os quais relatam a morte do autor (HALLEY, 1971, p. 56). Por outro lado, a crítica literária enunciou possíveis interpelações ocasionais feitas por copistas e passou a questionar a autoria singular da obra judaica, propondo multi-autores. Esse debate é relativamente recente. Até o surgimento da filosofia deísta do século XVIII, tanto judeus como cristãos aceitavam as declarações contidas no Pentateuco sob a autoria literal de Moisés, o servo de Deus. Todavia, os críticos indagaram: a composição da Torá ocorreu no século XV antes da era comum (opinião tradicional) ou o Pentateuco é uma obra bem mais recente? Muitas críticas e ideias surgiram deste ponto em diante.2 É evidente que “o direito de critica é inato da natureza humana” (RODRIGUES, 1921, p. 309). Ao exemplo de alguns judeus ansiosos por responder às críticas da autoria mosaica do Pentateuco, surgiu a hipótese de uma autoria posterior de, pelo
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A Escritura Sagrada judaica defende apenas que Moisés escrevia (Êxodo 17.14, Êxodo 24.4-7, Números 33.1, Deuteronômio 27.1-13, Deuteronômio 31.9). Os conservadores postulam que estes textos provam que a Lei fora dada por palavra e também por escrito; que foi escrita num livro sob a imediata autoridade de Deus. Portanto, este deveria ser lido, obedecido e temido por todo o Israel.
3 menos, parte da Torá. Enfim, nenhum livro do Pentateuco está “salvo” de críticas, pois em nenhum deles também se atribuiu diretamente a autoria mosaica. Durante séculos, muitos questionamentos ficaram sem solução. Por outro lado, nos dias atuais esse tema é objeto de rigoroso estudo teológico, sendo que “a pesquisa do Pentateuco repercutiu para além de seus limites” (SCHMIDT, 1994, p. 49). Por isso, antes de conhecer a teoria literária “JEDP” ― que tenta responder a tais perguntas ―, é preciso conhecer o objeto de estudo em um resumo prático, os chamados escritos sagrados do Pentateuco atribuídos ao nome de Moisés.
1. O PENTATEUCO: SÍNTESE GERAL “Pentateuco” é um termo apropriado para denominar os livros que o compõem. “O termo Pentateuco é a denominação mais comum para descrever os primeiros cinco livros da Bíblia. Deriva do grego pente (cinco) e teuchos (rolo) e dessa forma descreve a número desses escritos, não o seu conteúdo” (DOCKERY, 2001, p. 144). Por causa dos seus centenários anos de uso, esse nome está consolidado na tradição cristã. Referindo-se aos mesmos livros que compõem o Pentateuco tem-se o termo “Torá” (do hebraico Torah), expressão ainda mais precisa e explicativa.3 Esse vocábulo é baseado no verbo yarah (hebraico), o mesmo para ensinar. Logo, a Torá é ensino. Aqui está a apreciação do conteúdo do Pentateuco, assim como seu propósito principal: instruir o povo de Deus sobre o próprio Deus, sobre o povo e sobre os propósitos divinos em relação ao povo. Por isso, “os judeus atribuem a torá, maior autoridade e santidade que ao restante das escrituras” (LASOR, 2002, p. 3). Com o propósito de guiar Israel em sua caminhada, em uma visão geral, o Pentateuco é determinado por um entrelaçamento estreito entre narrativas e mandamentos. No começo, o estilo de narração é predominante (Gênesis 9, 17; Êxodo 12). Algumas vezes são apresentadas ordens cúlticas, principalmente a partir de Êxodo 20. Desse ponto em diante, os trechos referentes à lei começam a ganhar destaque, fazendo parte da autocompreensão histórica de Israel. Em uma perspectiva mais estrita, é preciso identificar que os cinco livros que formam a Torá são Gênesis, Êxodo, Levitico, Números e Deuteronômio, tendo cada um 3
Por causa de seu vasto material legal (metade de Êxodo, a maior parte de Levitico, grande parte de Números e praticamente todo o Deuteronômio), o Pentateuco foi designado também como “lei” ou “livros da lei”.
4 deles sua característica particular. Para uma melhor compreensão de seus pormenores se apresenta abaixo uma síntese de seus assuntos predominantes (JUNIOR, 1995, p. 53, 62-63, 72-73, 80, 88-89).
1.1. O Livro de Gênesis No hebraico seu nome é “Breshith” (o mesmo que “no principio”). Em grego a palavra “gênesis” quer dizer “origem”; daí ser o livro que relata o principio de todas as coisas. É também um livro de genealogias, onde a expressão “filho de...” garante a historicidade dos fatos ali relatados. Seus primeiros onze capítulos tratam de temas universais, tendo como pano de fundo o Oriente Médio. A partir do capítulo 12, o foco central da história volta-se para Israel, tendo como palco a Palestina. Israel inicia-se com Abraão, cresce em uma família com Isaque e recebe o nome de Jacó. A terceira e última parte do livro nos mostra a providência de Deus intervindo no mundo. A história de José e sua venda pelos irmãos é uma mensagem de Deus sobre a preservação de seu povo. Gênesis pode ser dividido, conseqüentemente, em três blocos de assuntos: (a) Os primórdios de tudo (1–11), (b) os patriarcas (12–35) e (c) a providência (36–50).
1.2. O Livro de Êxodo No hebraico seu nome é “We’elleh Shemoth” (o mesmo que “e estes são os nomes”). Em grego “Êxodo” quer dizer “saída”. É um livro de libertação, de redenção; o caminho para a última, o meio sempre apontado ali, é o sangue. A obra revela que a família de Jacó descera do Egito para fugir da fome. Porém, após saciá-la, não voltaram a sua terra, antes, se acomodaram na aldeia por terem sido bem tratados pelo Faraó contemporâneo de José. Os faraós posteriores passaram a subjugar o povo e os escravizar no Egito por quatrocentos anos. Deus, por sua vez, levanta Moisés para libertar o povo da escravidão e conduzí-lo pelo deserto até Canaã. Na caminhada, Deus concede a lei ao seu povo, o sustento e a disciplina até a entrada na terra prometida. Êxodo pode ser dividido também em três blocos: (a) a libertação (1-12), (b) a locomoção (13-18) e (c) a legislação (19-40).
5 1.3. O Livro de Levitico Tanto nas expressões hebraica “wayyiqra” (“e chamou o senhor”) como na grega (“lei dos levitas”) o objetivo dessa literatura aponta para um manual de leis, um regimento para a vida de levitas e sacerdotes, princípios morais, espirituais, éticos, litúrgicos e cerimoniais a serem ministrados, visando a santidade do povo. Levitico se divide em cinco blocos de assuntos: (a) o sacrifício (1-7), (b) o sacerdócio (8-10), (c) a saúde (11-15), (d) a separação (16-22) e (e) as solenidades (23-27).
1.4. O Livro de Números O hebraico “bemidbarth” quer dizer “no deserto”. O título grego é a causa dos dois censos registrados no capitulo primeiro e vinte e seis. Enquanto o povo estava parado aos pés do Sinai recebendo as leis, onze meses se passaram (o relato deste período está desde Êxodo 20 até o final do livro de Levitico). Dali, o povo caminhou por trinta e nove anos. Seus sucessos e fracassos são descritos no livro de Números. A obra mostra ainda o preparo do povo para a jornada à Canaã e a ordem de Deus dada a Moisés para organização de 600 mil homens. Espias são mandados à terra e retornam com um relatório repleto de murmuração, acendendo a ira de Deus. Pode ser dividido em três etapas: (a) no Sinai (1-10.10), (b) do Sinai a Cades (10.11-20) e (c) de Cades a Moabe (20-36).
1.5. O Livro de Deuteronômio Vem do hebraico “Elleh haddebharim”. Em grego significa “segunda lei”. Moisés, à entrada de Canaã, fez uma retrospectiva de toda historia do povo no deserto no livro. Ele é um apelo à nova etapa a ser vivida, enfim, na terra prometida. A geração incrédula havia padecido e uma nova geração chegou a Canaã. É dividido em quatro discursos de Moisés: (a) Recorda! – 1º discurso (1-4), (b) Obedece! 2º discurso (5-26), (c) 3º e 4º discursos (27-34).
6 2. AS HIPÓTESES DOCUMENTAIS: O INÍCIO DO MOVIMENTO
Apresentada a síntese literária do Pentateuco, cumpre-se introduzir o início do movimento sobre as hipóteses documentais, que pode ser datado no ano de 1.750 da era comum. Naquele tempo, os estudos exegéticos no Pentateuco iniciaram uma nova era com o aparecimento da brochura de um médico francês chamado Jean Astruc (ARCHER Jr., 1974, p. 87), profundo conhecedor de textos bíblicos (RODRIGUES, 1921, p. 222). A despeito do surgimento de teorias inovadoras, 4 por volta do século XIX da era comum algumas proposições já estavam assentadas: o Pentateuco era considerado uma composição mista e o Moisés histórico não poderia ter escrito a Torá totalmente. Tais debates coincidiram com o descobrimento de outras fontes, levando muitos críticos a, pelo menos, mantê-lo como legislador, especialmente como autor do decálogo (SCHMIDT, 1994, p. 49). Ao longo de todo o século as teorias foram surgindo tendo os seus pontos mais fortes em 1.802, com Johann Vatter, em 1.836, com o alemão Friederich Bleek, em 1.853, com o filósofo e teólogo Hermann Hupfield, e em 1.883 com o alemão especialista em Antigo Testamento Karl Heinrich Graff. Foi nesse contexto que surgiu a teoria comumente conhecida como “JEDP”, quando o alemão Julius Wellhausen, brilhante sucessor de exímios conhecedores das línguas originais como Graff e Eduard Reuss, realçou tal teoria. Era o ano de 1.872 da era comum quando o estudioso alemão August Dillman concordou com o fato que o Javista fez uso do Eloísta; e, seis anos mais tarde, Wellhausen concluiu sua grande obra examinando todo o hexateuco. Eis a teoria documental JEDP, explicada a seguir. 1.1. A Teoria Documental – JEDP Considerando às críticas da autoria do Pentateuco, estudiosos do Antigo Testamento desenvolveram a denominada “teoria documental”. Essa é uma hipótese que 4
Uma das teorias que se pode rememorar envolve o livro de Josué, postulando que este não seria da categoria dos históricos e seria, literalmente, o complemento do Pentateuco, formando um hexateuco. Essa teoria do hexateuco vem pelo fato de originalmente os temas „saída do Egito’ e „entrada na terra cultivada’ estarem unidas originalmente. A tradição do Êxodo aponta para a tomada da terra. O livro de Josué fala da concretização da promissão constantemente repetida aos patriarcas, de que seus descendentes possuiriam a terra de Canaã (Gênesis 13.14-17). Assim, Josué formaria uma unidade com o Pentateuco (HOMBURG, 1979, p. 49).
7 procura separar as várias “fontes” subjacentes ao presente texto do Pentateuco (LASOR, 2002, p. 11). Enfatizando que a Torá é fruto de quatro documentos principais (fontes), a teoria documental identifica no texto porções que podem ser divididas por assuntos, pelo uso dos nomes de Deus (Yahweh e Elohim) e pela duplicação de seu conteúdo. A partir dessas informações, busca identificar partes maiores de materiais que se destacam pelas semelhanças de vocabulário, estilo e uniformidade de concepção teológica, formando o acróstico “JEDP” para representar as quatro fontes confirmadas e resumidas a seguir.
1.1.1. O Javista (J)
Geralmente, é a narrativa entre Gênesis 2 e Números 22.24. Outros atribuem ao Javista a morte de Moisés registrada em Deuteronômio 34. Segundo os especialistas, esta fonte foi escrita em Judá entre 950 e 850 antes da era comum por um escritor do Reino do Sul, de Judá. A fonte “J” destaca a proximidade de Deus freqüentemente em linguagem antropomórfica, onde Deus é descrito em termos humanos. Frisa a continuidade do propósito de Deus desde a criação, os patriarcas, até o papel de Israel como seu povo. Da mesma forma, tinha interesse especial na biografia pessoal, marcada por delineações vívidas do caráter, tendo, ainda, interesse em reflexões éticas e teológicas, típico dos profetas.
1.1.2. O Eloísta (E)
Provavelmente escrito entre 750 e 700 antes da era comum por um escritor desconhecido do Reino Setentrional israelita. É a narrativa da tradição de Israel junto com o “J”, porém, com mais objetividade no seu estilo narrativo, tendo menos cor conscienciosa de reflexão ética e teológica (ARCKER Jr., 1974, p. 96). Destaca-se a transcendência de Deus, dando preferência a Elohim como nome de Deus até a revelação do nome Yahweh a Moisés (Ex 3.6) e, com isso, passa a empregar os dois nomes para Deus. Por volta de 650 antes da era comum, um redator desconhecido fez junção de do “J” e do “E” em um único documento, o “JE”. A princípio, os estudiosos pensaram que “E” iniciasse em Gênesis 15, mas confirmaram depois seu início em Gênesis 20. A maioria dos especialistas localiza o ambiente do “E” no norte de Israel, pois dispensa
8 atenção especial a Betel, Siquém e às tribos de José, Efraim e Manassés (LASOR, 2002, p. 11). As partes remanescentes desse documento estão bem fragmentadas. Alguns entendem que esse fenômeno teria sido causado por algum redator que incluiu no “J” material encontrado no “E”. Por essa perspectiva, é quase impossível recuperar a fonte “E”. 1.1.3. O Deuteronomista (D)
O estilo desse livro é bem característico: prosaico, prolixo, paramétrico (cheio de exortações ou conselhos, “homilético”) e pontuado de frases estereotipadas (LASOR, 2002, p. 12). Foi composto possivelmente sob a direção do sumo sacerdote Hilquias, como programa oficial do partido da reforma patrocinado pelo rei Josias, no avivamento de 621 antes da era comum (ARCKER Jr., 1974, p. 96). A meta principal dessa reforma foi a centralização do culto a Yahweh em Jerusalém e a eliminação dos muitos locais de sacrifícios e dos numerosos santuários situados nos altos, distribuídos por toda a terra (HOMBURG, 1979, p. 68). Este documento foi influenciadíssimo pelo movimento profético, com destaque a Jeremias. Mais tarde, membros desta escola deutero-canônica fizeram uma obra de redação nas narrativas históricas registradas em Josué, Juízes, Samuel e Reis. Em termos gerais, essa fonte pode ser considerada como uma coletânea de mensagens acerca da lei.
1.1.4. O Escrito Sacerdotal (P)
É uma narrativa histórica expandida com textos legais e outros materiais. Interessada na origem e nos regulamentos das instituições de Israel, o “P” (do inglês “Priestly”) destaca genealogias, leis relacionadas ao culto, alianças, dias especiais como o Sábado, plantas de edifícios para o culto e procedimentos para sacrifícios e cerimônias (LASOR, 2002, p. 12). É composto por várias etapas de Ezequiel, como seu Código de Santidade (Levítico 17–26) de 570 antes da era comum até Esdras. O “P” destaca ainda, a santidade, a soberania e a transcendência de Deus, junto com a fixação do culto verdadeiro a Yahweh, tendo os sacerdotes como líderes. Localiza o culto de Israel no contexto da criação (Gênesis 1). Materiais mais antigos, tais como os rituais e os sacrifícios (Levítico 1–7) e as leis de santidade (Levítico 17–26), foram implantados nesse documento. A fonte básica do “P” é muitas vezes datada no meio do Exílio (550
9 antes da era comum) e sua compilação final, um pouco antes do século IV antes da era comum.
2. Os Expoentes Teóricos e suas Hipóteses
Nascido em 1.684 da era comum na cidade francesa de Sauve, Astruc era filho de um pastor protestante. Estudou medicina em Mountpelier, tornando-se professor desta disciplina em Paris (EISSFELDT, 1965, p. 161). Considerado o precursor do início do movimento sobre as hipóteses documentais, Astruc sustentou que nos dois primeiros capítulos de Gênesis Moisés citava um autor que só conhecia o nome Elohim e o outro autor só conhecia o nome Yahweh. Contudo, encontrou pouco apoio imediato à sua teoria (ARCKER Jr., 1974, p. 87). Outro expoente a ser estudado por suas hipóteses documentais é o teólogo alemão protestante Johann Gottfried Eichhorn. Este procurava correlacionar os assim chamados “relatórios paralelos” e “históricos duplicados”. Cedeu ao ponto de vista que o Pentateuco foi escrito depois de Moisés (ARCKER Jr., 1974, p. 87). Foi a partir daqui que a conte “JE” adquiriu importância com a introdução do conceito de mito (SHIMIDT, 1994, p. 50). Igualmente, o teólogo alemão Wilhelm Martin Leberecht de Wette acreditava que nenhuma parte do Pentateuco vinha dum período anterior à época de Davi. Aqui surgiu a teoria do documento “D” (ARCKER Jr., 1974, p. 88). Este não pertencia à Escola Documental, mas aos teoristas fragmentários, ou seja, daqueles que consideravam que a Torá fora composta na época de Salomão, onde apenas alguns fragmentos seriam de Moisés. Alexander Geddes, teólogo escocês, também partilhava desta visão. Outras contribuições devem ser citadas. Johann Vater dividiu o Gênesis em nada menos do que 39 fragmentos (o que naturalmente significou a divisão do “E” em diversos elementos). O alemão Heinrich Ewald ressaltou que a base essencial de Gênesis era muito antiga, se não inteiramente mosaica. Não admitiu o uso de repetições e títulos no texto hebraico para comprovar autorias diversas, como a de Eichhorn (ARCKER Jr., 1974, p. 88-89). Bleek, o estudioso e crítico bíblico alemão, criou o termo “Hexateuco” como sendo a forma final na qual a tradição mosaica chegara à sua forma escrita. Além disso, o conservador teólogo luterano e hebraísta Franz Dulitzsch propôs a teoria que todas as
10 porções do Pentateuco que o próprio texto atribuía à autoria mosaica eram genuinamente de Moisés (ARCKER Jr., 1974, p. 90). Hupfeld marcou sua época com a chamada “Revolução Coperniciana da história da Teoria Documental” sujeitando o documento “E” a um reexame total. Abraham Kuemem argumentou em prol da unidade do “D”, insistindo que as porções históricas deste “documento” não poderiam legitimamente ser separadas de porções legais (ARCKER Jr., 1974, p. 91-93). Henning B. Witter foi o primeiro a adotar a alternância entre os nomes de Deus, Elohim e Yahweh. Foi ele quem descobriu em Gênesis 1 uma fonte própria. Outro teólogo alemão, Karl David Ilgen, semelhantemente, evidenciou que ao lado de duas fontes escritas havia uma terceira que usa o primeiro nome de Deus da primeira fonte. Agora seriam três documentos (dois de Elohim e um de Yahweh). Assim, J. Hempel distinguiu três partes no “J”: “J1” (a história de Abraão para a conquista de Canaã, escrito certamente por Davi), o “J2” (a história de José) e o “J3” (a história primordial, omitindo o “P”), correspondendo às divisões do livro de Gênesis (PFEIFFER, 1941, p. 141). A discussão de Graff em 1.866 da era comum considerava que o código sacerdotal no Pentateuco continha uma legislação que era posterior, em origem, ao próprio Deuteronômio (621 antes da era comum), explicando como o “D” não demonstrava nenhum conhecimento das porções legais do “P”. As porções históricas do “P” eram, portanto, sem dúvida, muito antigas. Assim a ordem dos documentos acabou sendo, segundo Graff, o “P” histórico, um acróstico “EJDP” legal (PFEIFFER, 1941, p. 92-93). Foi com Julius Wellhausen que o movimento das hipóteses documentais ganhou força. Ele redefiniu a teoria documental com grande perícia e capacidade de persuasão, apoiando a seqüência acróstica “JEDP” na base da evolução (PFEIFFER, 1941, p. 93). Dentre aqueles que procuravam entender Wellhausen, destaca-se Willian R. Smith, seu primeiro intérprete perante o público, mesmo com convicções teológicas mais conservadoras do que os arquitetos da teoria documental. O relacionamento da teoria de Wellhausen e a teoria de Darwin serão mostrados adiante.
11 3. Wellhausen e o Evolucionismo
A teoria documental estava quase formulada definitivamente como a que se conhece nos tempos atuais. Wellhausen estava profundamente envolvido no movimento das hipóteses documentais, talvez, como o seu maior expoente. “Apesar de Wellhausen, [por exemplo], não ter contribuído com nenhuma inovação notável redefiniu a teoria documental com grande capacidade de persuasão, apoiando a seqüência JEDP na base da evolução”. Nesta época a teoria de Darwin sobre a origem das espécies, o evolucionismo, estava capturando a lealdade do mundo científico e estudioso, e a teoria do desenvolvimento do animismo primitivo até o monoteísmo sofisticado, conforme explanado por Wellhausen e seus seguidores, se harmonizou bem com o dialeticismo hegeliano (escola de filosofia contemporânea que então dominava o ambiente) e o evolucionismo darwiniano (ARCKER Jr., 1994, p. 93).
Neste sentido, o século XIX da era comum era predisposto para a teoria documental e o nome de Wellhausen se vinculou à teoria, por ter sido ele seu expoente clássico. Os impactos de seus escritos logo se fizeram sentir em toda Alemanha, recebendo mais e mais aceitação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Toda a história da teoria documental se fundamentou na hipótese de que Moisés não fora o autor da Torá. Dentre outros problemas, os nomes Elohim e Javeh seriam a identificação de dois pensamentos diferentes. Destarte, é possível que a proposta deste artigo em introduzir um assunto tão complexo possa despertar o surgimento de estudos mais profundos sobre o movimento das hipóteses documentais. Naturalmente, os judeus e cristãos conservadores vêm no arcabouço mosaico a autoridade divina, pelo viés da inspiração, razão pela qual a Torá deve ser crida e obedecida. Ambos os grupos vêem o objeto das críticas como palavra de Deus e, portanto, inerrante. O objetivo do artigo, por outro lado, não é a matéria de fé, mas a crítica literária a partir das fontes da Torá. O crítico literário continuará evidenciando os elementos essenciais que fundam a hipótese literária denominada “JEDP”, dentre outras, nos escritos bíblicos. O cientista da religião reconhecerá que o livro de fé dentro dos círculos judaicos e cristãos
12 permanecerá como a vox dei, a voz de Deus. Logo, “com efeito não há razão para que condenemos o escultor por saber muito bem a anatomia” (RODRIGUES, 1921, p. 309).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARCKER Jr., Gleason L. Merece Confiança o Antigo Testamento? São Paulo: Vida Nova, 1994; BENTZEN, A. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: ASTE, 1968; DOCKERY, David S. (Ed.). Manual Bíblico Vida Nova. São Paulo: Vida Nova, 2001; EISSFELDT, Otto. The Old Testament, an introducion. Oxford: Blackwell Publishers, 1965; GAGLIARDI, Ângelo Jr., Panorama do Velho Testamento. Niterói: Vinde Comunicações, 1995; HALLEY, H. H., Manual Bíblico de Halley. São Paulo: Vida Nova, 1971; HOMBURG, Klaus. Introdução ao Antigo Testamento. 3ª Ed. São Leopoldo: Sinodal, 1979; LASOR, Willian S. & HUBBARD, David A. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2002; McDOWELL, Josh. Evidência que exige um Veredicto – Volume 2. São Paulo: Candeia, 1993; PFEIFFER, Robert H. Introducion to the Old Testament. New York: London, 1941; RODRIGUES, José Carlos, Estudo Histórico e Crítico sobre o Velho Testamento 1 volume. Rio de Janeiro: Edimburgo, Typ. De T. & A. Constable, 1921; SCHIMIDT, Werner H., Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 1994; YOUNG, Edward J.; Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1964.