COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL
Um olhar pessoal sobre a Fotografia
O mundo que conhecemos é repleto de sensações, cheiros, expressões, emoções e ações que são partilhadas por todos nós de várias maneiras e formas. A comunicação, verbal ou não-verbal, é um meio essencial para estas ligações humanas e para a existência do homem enquanto ser social e enquanto pessoa. Na realidade, a comunicação é tão antiga quanto o homem. A Humanidade procurou, desde os tempos mais remotos, formas diversas de expressão e de comunicação (gestual, visual e verbal). Desde a existência dos primeiros Homos é possível verificar, através de vestígios pré-históricos, evidências arqueológicas e pinturas rupestres, que existia uma necessidade de comunicação entre os nossos antepassados (primatas). A forma como o ser humano comunica evoluiu, desde a comunicação visual (as pinturas de cenas do quotidiano e de caça) os gestos e sons primitivos (a linguagem verbal inicial seria muito rudimentar) até à linguagem verbal, oral e escrita (com a criação de códigos verbais), ou a linguagem corporal que conhecemos hoje em dia. Aliás, a evolução da comunicação é simultânea/paralela à evolução do Homem moldando-se assim à sociedade e às diferentes culturas existentes. A comunicação não-verbal, visual e corporal, pode ter um impacto tão grande, ou por vezes, maior do que a linguagem verbal. Tal como Darwin escreveu em 1861, não se pode “duvidar que a linguagem deva a sua origem à imitação e modificação, com apoio de sinais e gestos, de vários sons naturais e gritos instintivos do próprio homem”. É claro que a base de toda a evolução
da linguagem e da comunicação são os gestos e sinais, ou seja, a comunicação não-verbal. Porém, só a partir do início do século XX é que se verifica um maior interesse pela importância da comunicação não-verbal nas interações humanas, começando a surgir vários estudos sobre a questão dos movimentos e reações corporais do ser humano. Flora Davis, no seu livro “A comunicação não-verbal”, afirma que Edward Sapir, antropólogo alemão, defendia que havia a possibilidade de os gestos serem códigos que, não estando estipulados, toda a gente os compreende. Contudo, só a partir dos anos 50 do século XX é que vários antropólogos, psicólogos e cientistas começaram a explorar esta problemática de forma sistemática. Desde então, entendeu-se que a comunicação não-verbal deveria ser estudada e analisada de forma sistemática e como um todo, daí que este tipo de comunicação seja alvo de estudo em várias disciplinas, tais como a psicologia, antropologia, sociologia, etologia, cinética e a própria arte. A arte é uma forma de expressão e de comunicação. Ela tem uma linguagem própria e utiliza-a com a finalidade de comunicar. Podemos dizer que essa linguagem é a “linguagem artística”, que se diferencia dos outros tipos de linguagem, mas que tal como as outras linguagens, utiliza símbolos para comunicar, apropriando-se e explorando os vários meios de comunicação. Através de símbolos, a arte traduz emoções, sentimentos e pensamentos por meio de sons, movimentos, imagens, cores. Ela é, pois, uma forma de comunicar. Porém, contrariamente, por exemplo, à linguagem científica, a arte tem vários sentidos, ou seja, ela é polissémica e, como tal, bastante subjectiva. Isto faz com que as diferentes obras de arte sejam de interpretação livre e, até, ilimitada. O artista pretende, sem dúvida, expressar algo, transmitir uma dada mensagem através da sua obra, porém, esta pode ser interpretada de formas muito diversas (e, até, mal interpretada!), influenciadas pelas vivências e pela personalidade de cada indivíduo, pela sua sensibilidade artística. Mas isto é característico da própria linguagem artística e que a torna tão singular, única e intrigante, ela convida o “público” a dar-lhe um significado, a recriar-lhe um significado! E talvez seja por esta razão que as obras de arte são admiradas ao longo de gerações e gera-
ções, mantendo a sua vitalidade, dinamismo e atualidade, apesar da evolução da cultura e das conceções estéticas. A arte pré histórica, a antiga, a clássica e a medieval marcou as suas épocas de várias maneiras distintas deixando, assim, vestígios visuais de como os povos viviam e comunicavam entre si. Artistas modernos como Giotto, Alberti, Rafaello, Donatello, Leonardo da Vinci, Miguel Ângelo, Luca della Robia, Bellini, Rembrandt, Velazquez, Rousseau, Bach, Chopin, entre outros, já exploravam vários meios de representar e comunicar (a realidade, o mítico, o cristão, o imaginário) através da pintura, escultura, música e até da arquitetura. A maior parte das obras destes artistas foi apreciada e criticada no seu tempo e, apesar da sua antiguidade, continuam suscetíveis a novas críticas e interpretações. Foi com base no estudo compositórico, pictórico e técnico de muitos destes artistas modernos que foi possível uma melhor compreensão de formas de comunicar quer a realidade quer os sentimentos por meio dos diferentes tipos de arte. Com as transformações sociais e com a evolução das novas tecnologias, a cultura foi-se transformando, iniciando-se assim um dos tempos mais controversos da arte: A Arte Contemporânea. Os finais do século XIX e inícios do século XX foram marcados por um questionamento das antigas bases e formas de comunicação tradicionais da arte. O surgimento das novas tecnologias e meios de comunicação veio gerar um novo padrão de cultura, mais dinâmico e acessível a todos, dando origem a novos movimentos artísticos e novas áreas artísticas, quebrando todas as tradições. Devido à invenção e desenvolvimentos de novas tecnologias, entre as quais a criação da câmara fotográfica, surgiram novas áreas artísticas: Fotografia, Vídeo Art, Instalação e Performance. Muitas destas áreas acabam também, como forma de expressão, por apropriar-se e apoiar-se nas artes clássicas como a escultura, a pintura, a arquitetura e a música. Nos séculos XX e XI assiste-se a um Boom em termos de conceção de obras e sua significação. Devido à evolução das mentalidades e do livre arbitrio, as obras artísticas rumam para a conceptualidade e para o abstrato. O óbvio representado noutras épocas deixa de ter tanto valor e abre caminho para novos caminhos, não tão
óbvios, que levam o espectador a questionar-se mais frequentemente sobre o que vê. No que toca à Comunicação não-verbal no meio artístico, a fotografia é um dos meios artísticos que melhor se apropria deste tipo de comunicação. A fotografia representa e capta o pretendido apropriando-se de vários gestos, movimentos, sinais e símbolos. Este meio artístico é o mais fiel de todas as artes na medida que representa o real, embora possa manipulá-lo. Ela é utilizada para vários fins, isto é, como meio ilustrativo, representativo, artístico e documental tornando-se sempre um objeto de memória e registo. Segundo Roland Barthes, ela é submetida a várias divisões: “são de facto ou empíricas (profissionais vs amadoras), ou retóricas (paisagens/objectos/retratos/nu) ou estéticas (realismo/pictorialismo).” Este autor defende que ela é inclassificável e se divide em duas linguagens: uma expressiva e outra crítica, estando sempre ligada à semiologia, à sociologia e à psicanálise. Na fotografia existe sempre um Operator e um Spectator e estas duas dualidades dependerão sempre não só do tema trabalhado mas também da vivência e do olhar do Operator e de como o Spectator a interpreta e critica. Às vezes, perceber uma fotografia na sua raiz não é fácil, mas é necessário querer e ter uma certa sensibilidade estética e atitude crítica, reflexiva. Na minha opinião, a fotografia documental/jornalística e a artística são as mais difíceis de decifrar e são aquelas que poderão mexer mais com o Spectator. Isto deve- se ao facto de a fotografia documental/foto-jornalística retratar a realidade que vivemos de forma “ nua e crua”, e a artística também o poder fazer mas de formas mais metafóricas, irónicas e poéticas. Ao contrário da fotografia artística, a fotografia documental/jornalística têm um factor a seu favor: a representação do real de forma “nua e crua”. É um tipo de fotografia extremamente comunicativa e direta devido ao facto de retratar temas quotidianos, tais como situações de guerra, conflitos, pobreza, prostituição, culturas, comunidades, etc. “As fotos de reportagem são com muita frequência fotografias unárias (a foto unária não é forçamente pacífica). (…) Essas fotos de
reportagem são recebidas (de uma só vez), eis tudo.” (Roland Barthes). Com a facilidade de acesso à Internet e outros meios de comunicação, a representação deste tipo de realidades chega a nós com enorme facilidade. Além da sua chegada através de notícias online, em Portugal, um dos meios mais acessíveis e atuais para se “apreciar” este tipo de fotografia é o P3 online. Sendo leitora assídua do P3 na parte da cultura, é incrível ver Operatores contemporâneos a quererem retratar e a comunicar vários tipos de realidades de uma forma clean e direta. Nos vários trabalhos documentais existentes nesta plataforma é possível verificar um reconhecimento de gestos, movimentos, ações de outras culturas e realidades que se tornam reconhecíveis e comuns a momentos já vivenciados. Num dos artigos mais recentes do P3 cultura é possível conhecer um projecto fotográfico de Anna Liminowicz, a fotógrafa polaca que desenvolveu o projecto “In Between Blocks”. Neste projecto é explorada a homossexualidade e é bastante notável as semelhanças de uma vida quotidiana de um casal homossexual e heterosexual (imagens 1 a 3)
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Outro projecto igualmente interessante é o “City of Darkness Revisited” que retrata uma cidade-estado de Hong Kong chamado “Kowloon Walled City”, cidade fora de lei, onde o crime reina. É chocante ver as condições em que as pessoas vivem e mesmo assim a existência de expressão de alegria em algumas faces. (Imagens 5 a 7)
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Para se comprovar a variedade de partilha fotográfica e exploração de temas no P3, a reportagem do “Naked Bike Ride” consiste num protesto nu em bicicleta para relembrar a importância da utilização de transportes não poluentes nas grandes cidades, documentada por José Farinha, vem contrastar realidades como “Kowloon Walle City” e mostrar a luta da Humanidade pela sua sobrevivência. (Imagens 7 a 9)
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No que toca à fotografia artística, esta já não é tão direta, e é sujeita a uma maior crítica e diferentes conotações. Ela é inserida num âmbito mais amplo, explorando emoções de modo pensado e até mesmo provocado. Na minha opinião aquelas que são mais intrigantes são as que exploram o corpo, o nu, e a imperfeição ser humano: é um entregar de alguém com o resto do mundo, também nu e cru, mas de forma poética e irónica. É o comunicar e explorar do ser humano de uma forma igualmente “chocante” mas que se torna bela (para mim claro). No conjunto de fotografias do Paradise Regained (1968) de Duane Michals é possível verificar uma da vida quotidiana e monótona de um casal (fotografia 1) que se vai despindo das preocupações e desprendendo do que é material aos poucos e poucos acabando-me por se fundir com a natureza que vai surgindo à sua volta (Imagens 10 a 16). Mas todas elas têm uma coisa em comum: os corpos e as suas expressões, se notarmos com cuidado é possível verificar que as expressões e posições pouco se alteram ao longo das fotografias: a mulher em segundo plano e as expressões sérias mantêm-se. Apesar desta continuidade é possível verificar que a expressão do casal à medida que o espaço se vai “despindo” ganha outro poder. A introdução da natureza vem suavizar a seriedade e monotonia trazendo intriga, conforto e pureza. Este conjunto de fotografias, a meu ver, é uma crítica social à monotonia quotidiana e à falta de interação com a pureza
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dos corpos e mentalidades. Michels é um artista que se apropria da sociedade e do seu quotidiano para a criticar de forma poética intrigante explorando várias expressões faciais e corporais. Sendo outro exemplo o seu projecto “The Human Condition”. Ao contrário de Michals, Francesca Woodman tem uma obra muito característica. No documentário “The Woodmans” pude verificar as várias influências nas suas obras e como a artista trabalhava. Os pais, sendo eles próprios artistas, achavam que a obra da filha não era completamente auto biográfica, afirmando assim que ela usava-se como meio de expressão pois o ser humano relaciona-se com algo pondo-se no seu lugar e interiozando-se, tal como na fotografia em que a mesma se tapa com papel de parede para compreender como
seria se fosse papel de parede (imagem 17) . Na realidade a obra de Francesca é muito forte e cheia de significados, foi uma artista que explorou muito as emoções humanas, os movimentos corporais e espaços em abandono colocando-se a si, maior parte das vezes, como personagem principal. Nas seguintes imagens é possível verificar como a mesma comunica tão bem as emoções através da
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movimento e expressividade do corpo, conjugando sempre o factor luz. Sally Mann é outra pérola da fotografia, sendo conhecida pela sua famosa foto “Candy Cigarette”: um menina em 1º plano com seu olhar direto e pose já de adulta com um cigarro na mão inserida num meio completamente infantil de brincadeiras (Imagem 22). A artista retrata muitos cenários familiares, explorando muito o lado infantil, familiar e o desejo de as crianças se tornarem adultas. É uma fotografa que consegue, captar olhares e posições bastante expressivos que fazem direccionar o olhar para um só pormenor, e isso verifica-se bem através do seu conjunto de fotografias “Family Pictures”. Como é exemplo,
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a fotografia x que representa 3 crianças nas quais são duas raparigas e um rapaz no meio e é possível verificar a grande expressividade nos seus olhares e que as duas raparigas se encontram em posições altivas e de comando parecendo o rapaz estar a ser dominado pelas mesmas (imagem 22). E também a fotografia 23 que mostra um ambiente familiar completamente íntimo livre de preconceitos e cheia de emotividade. Apenas explorando este dois tipos de fotografia é possível verificar as grandes semelhanças, apesar de serem dois caminhos diferentes em termos técnicos e pictóricos acabam por se encontrar de uma maneira ou outra através de ges-
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tos, símbolos, emoções nos diferentes temas e meios explorados. Sem nunca esquecer que esta é a minha visão e o Spectator difere mediante os seus gostos, vivências e sensibilidade estética. Na realidade a fotografia é algo que se tornou comum, toda a gente fotografa. Porém, nem toda a gente sabe fotografar. Há quem defenda esta afirmação referindo-se a termos técnicos de utilização de uma máquina mas, na realidade, qualquer o pode aprender a usar uma máquina fotográfica. Isto não significa que desvalorize o conhecimento “cientifico” técnico da utilização de uma máquina, mas quem sabe fotografar também é aquele que sabe compor
e comunicar através de símbolos, podendo até chegar ao extremo de “má utilização” das definições da câmara como forma de expressão. O artista é aquele que olha para o mundo de uma forma especial, que o explora, (re)interpreta, mantendo sempre uma perspetiva crítica e de abertura. Eu, como apreciadora de fotografia, creio que na fotografia nesta forma de expressão se alcançou uma fase em que, usando uma expressão popular,“ou é 8 ou é 80”. Ou seja, quando observamos uma fotografia esta pode não nos dizer nada e reagimos “Ah! é só uma fotografia” [tal como Barthes se referiu acerca da fotografia de Koen Wessing de Nicarágua, “O exército em patrulha nas ruas”: “Esta foto agrada-me? Interessa-me? Intriga-me? Nem mesmo isso. Simplesmente ela existia (para mim)] ou para uma fotografia pode provocar em nós uma reação de espanto ou de encanto porque nos toca de alguma forma, ela “prende-nos”, evoca ou desperta em nós sensações, sentimentos, emoções, reflexões, até. Para quem não tiver sensibilidade estética, essa mesma fotografia não passaria de um corpo estranho. Talvez esta dualidade ocorra devido à quantidade de informação pictórica que recebemos hoje em dia, voluntária e involuntariamente; devido à internet e aos media acabamos por ficar assoberbados de informação visual. Mas é necessário realçar que a forma como olhamos para uma fotografia depende de cada um de nós, de como o mundo comunica connosco e como nós comunicamos com ele, da nossa cultura, das nossas origens, dos nossos valores, enfim, da nossa personalidade e da nossa sensibilidade, do nosso campo de experiências/vivências. A forma como uma fotografia comunica connosco é extremamente relativa e subjetiva. Apesar de haverem sinais/signos, movimentos, expressões e gestos que são fáceis de decifrar, no momento em que são utilizados em diferentes contextos podem ser conotados com mil e um significados. Como obra de arte, uma fotografia constitui-se como um campo aberto de sentido, um fluxo inesgotável de significação. Sendo a fotografia um meio extremamente comunicativo, resta saber até que ponto é que a mesma irá evoluir em termos comunicativos. Será que irá perder a sua força comunicativa e devido ao emergir do conceito de conceptua-
lidade se restringir a um ponto preto num fundo branco tal como a famosa tela “Branco sobre branco” de Malevich que gerou imensas discussões “sobre o que é arte”?. Na realidade, creio que nunca atingirá um extremo tão grande de se tornar tão “é isto. ponto.”. Porém, apesar de alguém já o poder ter feito, a fotografia é um meio extremamente expressivo e representativo que capta um momento, que congela o tempo numa imagem, que cria uma memória. Contudo, acredito que a mesma poderá chegar aos extremos da conceptualidade e da banalidade tal como a obra de Malevich. No entanto, podendo esta culminar nestes sentidos, haverá sempre alguém desejoso por transmitir o que sente, o que vê, o que quer que os outros vejam. Que se apodere do poder da fotografia e comunique através dela sem dizer uma única palavra, proporcionando ao Spectator uma miscelânea de emoções. A fotografia é e será sempre um meio de comunicação essencial para a Humanidade: “Uns pensam que a imagem é um sistema muito rudimentar em relação à língua, e outros que a significação não pode esgotar a riqueza inefável da imagem” (Roland Barthes).
Prof. Pedro Góis História e Teoria da Comunicação Ana Isabel Serôdio e Silva, 1º Ano LCD Faculdade de Belas Artes da Uni. do Porto