Sérgio Nesteriuk
1ª edição
Uma edição do I Programa de Fomento à Produção e Teledifusão de Séries de Animação Brasileiras – ANIMATV
apoio
realização
São Paulo - 2011
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Bibliotecária Silvia Marques CRB 8/7377)
N468 Nesteriuk, Sergio. Dramaturgia de série de animação/ Sergio Nesteriuk, autor. - São Paulo: Sergio Nesteriuk, 2011. Uma edição do primeiro Programa de fomento à produção e teledifusão de séries de animações brasileiras - ANIMATV. ISBN 978-85-911964-0-1 1.Animação-televisão 2.Animação-produção de séries 3. ANIMATV – programa de televisão I.Título. CDD 791.450
Conteúdo sob a licença Creative Commons by-nc-sa. Para ver uma cópia dessa licença visite o site: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/
Agradeço: Rune Tavares, idealizador e incentivador do projeto deste livro, colegas da ABCA – Associação Brasileira do Cinema de Animação, grupo de trabalho idealizador do ANIMATV, em especial Ale Mchaddo, Arnaldo Galvão e Marta Machado (ABCA), Ministério da Cultura e suas Secretarias do Audiovisual (SAV) e de Políticas Culturais (SPC), a Empresa Brasil de Comunicação - TV Brasil, a Fundação Padre Anchieta – TV Cultura e a ABEPEC - Associação Brasileira das Emissoras Públicas pela iniciativa pioneira, Cristiane Oliveira, pela paciência, leitura atenta e constante incentivo, equipe do ANIMATV por toda atenção e dedicação, especialmente Marina Volpatto e Bárbara Fernandes pela revisão, Ricardo Troula, por conseguir interpretar tão bem meus devaneios a la Jacopo Peterman, Andréa Catropa, pela revisão e dicas de estruturação do texto, colegas, estudantes, alunos, professores e profissionais que tenho convivido e que tanto me ensinam, todos aqueles que com muito empenho e dedicação mantem viva a animação no Brasil. Muito obrigado!
Dramaturgia de Série de Animação
Prefácio
Índice
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Introdução
Capítulo 1 1. A Narrativa Seriada na Televisão
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1.1 Formas Predecessoras da Narrativa Seriada na Televisão Séries de animação no cinema
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1.2 Repetição, Serialidade e Fragmentação: A “Estética da Repetição” e o “Minimalismo Narrativo”
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1.3 Estruturas e Tipologia da Narrativa Seriada na Televisão
Capítulo 2 2. Séries de Animação Televisiva 6
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Índice
2.1 Um Breve Histórico da Televisão e Características do Meio 2.2 História das Séries de Animação para Televisão
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Séries de animação para televisão além dos Estados Unidos e Japão
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2.3 A Experiência Brasileira
/
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Séries de animação brasileiras ANIMATV
/ 124
2.4 Análise das Séries
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“Bob Esponja Calça Quadrada” (“SpongeBob Square Pants”) The Simpsons
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Capítulo 3 3. Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação 3.1 Conceito Geral da Série 3.2 Apresentação (Overview)
/ 155 / 160
3.3 Criação, Desenvolvimento e Apresentação do Universo 3.4 Criação, Desenvolvimento e Apresentação de Cenários
/ 180 / 188
/ 133
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3.5 Criação e Desenvolvimento das Personagens 3.6 Sinopse Técnica e Sinopse Comercial
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3.7 Roteiro
/ 192 / 208
3.8 Storyboard
3.9 Outros Elementos e Aspectos a Considerar
Capítulo 4 / 236
/ 226
4. Estudo de Caso
/ 243 / 246
4.1 Série Selecionada: “Tromba Trem” Episódio piloto: “O Estrangeiro”
/ 249 / 253
Entrevista com Zé Brandão, autor de “Tromba Trem” 4.2 Série Selecionada: “Carrapatos e Catapultas” Episódio Piloto: “Caixa de Luz”
/ 255
Entrevista com Almir Correia, autor de “Carrapatos e Catapultas” Considerações finais Posfácio
/ 262
/ 270 / 272 / 283
para saber mais sobre o autor
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Dedico este livro a Andrea, Natasha e Ravi. Sempre.
Dramaturgia de Série de Animação
Prefácio
ANIMATV – PROCESSOS CRIATIVOS, PRÁTICA E RESULTADOS DE SUCESSO Pensar política pública em animação é muito mais do que simplesmente ampliar a indústria. É promover a expertise e a capacitação de profissionais cada vez mais especializados. É também investir em novos processos que deem vez e voz a experiências e criações singulares a partir de processos coletivos. É oportunizar ideias, propostas e iniciativas por meio do encorajamento de cada profissional do setor produtivo de conteúdos audiovisuais de animação. Trata-se, sobretudo, de respeitar o espectador, na maioria das vezes, a criança, como cidadã crítica, reflexiva e participante. Ao resgatar um pouco da história das séries de animação e de socializar a riqueza das informações do projeto ANIMATV, este livro tem o mérito de chamar a atenção dos leitores para os bastidores dos processos criativos e de produção das séries, servindo como fonte inspiradora para novas produções. Ao valorizar os compromissos éticos e estéticos inerentes às séries ora produzidas, a Secretaria do Audiovisual reconhece a animação como uma área estratégica de fomento, formação, criação e pesquisa; como poderosa ferramenta de expressão, linguagem e de integração social; como setor de relevância artística e econômica em âmbito nacional e internacional.
A Secretaria do Audiovisual ao longo dos últimos anos investe no setor de animação por meio de editais, programas, projetos e experiências singulares e inéditas que estão sendo propostas e colocadas em prática. Queremos e podemos mais, muito mais. Os animadores brasileiros imprimem a cada dia sua marca de qualidade, talento, técnica, responsabilidade e compromisso em suas produções, tornando o Brasil visível no cenário internacional. Que a leitura deste livro promova reflexões, diálogos, inquietações e, principalmente, ações concretas, perenes e consequentes em novos processos de criação e produção da animação brasileira. Que o Brasil avance ANIMADO e ANIMANDO!
ANA PAULA DOURADO SANTANA Secretária do Audiovisual
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Prefรกcio
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Dramaturgia de Série de Animação
Introdução Os primórdios da animação remetem a tempos ancestrais, quando o homem já procurava registrar o movimento de ações diversas por meio da sequência de imagens nas paredes de cavernas, em tapetes ou em peças de cerâmica. Pouco depois dessas primeiras manifestações surge, no Oriente, o teatro das formas animadas, em que personagens inanimadas ganham vida por meio da manipulação direta de bonecos. Temos aqui a origem das duas bases centrais da animação: a técnica e a narrativa, capazes de dar vida àquilo que não a tem, ou seja, de evocar a anima. O advento dos brinquedos óticos durante a Idade Média possibilitou um gradativo aperfeiçoamento da tecnologia da animação e a posterior criação do cinema de animação no final do século XIX. A popularização do cinema e, em seguida, da televisão durante o século XX consolidaram a cultura do audiovisual, na qual a animação sempre ocupa papel de grande importância. A animação é uma importante forma de comunicação e expressão contemporânea, com forte presença nas artes e na cultura do século XX e início do XXI. Neste sentido, a animação é um produto cultural que pode ser influenciado, como também pode influenciar as sociedades nas quais se encontra inserida. Além disso, tanto o seu pensamento quanto sua prática envolvem complexas relações inter e transdisciplinares com as mais diversas áreas do saber, como a administração, as artes, a comunicação, o design, os estudos culturais, a narratologia, a psicologia e a tecnologia, entre outras. Com o envelhecimento de seus espectadores e a expansão de sua popularidade por todo o mundo, a animação atravessou diferentes épocas e ultrapassou fronteiras e barreiras etárias, étnicas, sociais, econômicas e culturais diversas. A importância da animação também pode ser verificada, além de suas dimensões artísticas e culturais, pelo célere crescimento econômico do setor – um de maiores perspectivas no atual cenário global. Considerando filmes, séries, games (que, grosso modo, podem ser definidos
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Introdução
como um tipo de animação interativa) e demais produtos e mídias relacionadas, a animação se apresenta hoje como a maior indústria do entretenimento e uma das maiores entre todas as outras do mundo. No Brasil, a animação sempre despertou grande interesse no público, desde as primeiras exibições no país, há mais de cem anos. O Anima Mundi, por exemplo, em pouco tempo se consolidou como o maior festival mundial de animação em termos de público, com pouco mais de 100.000 espectadores por edição. Raras vezes, entretanto, este fascínio do público brasileiro com a animação é suprido por obras produzidas no país, que acabam por ficar restritas a um circuito distante do grande público. Apesar, ou justamente por conta disso, a animação brasileira conquistou tradição e reconhecimento internacional nas áreas da publicidade e da produção de curtas-metragens. Falta ao país, portanto, expandir essa referência para o desenvolvimento de filmes de longametragem e de séries de animação – sem mencionar as novas possibilidades oferecidas pelas tecnologias digitais. É justamente nas salas de cinema e nas grades de programação das emissoras de televisão que a animação encontra o grande público. Todavia, esses espaços são ocupados no Brasil quase que em sua totalidade por produções estrangeiras. Assim, perdem todos: autores e produtores, que limitam seu campo de atuação e mercado de trabalho; o público, que desconhece a qualidade e mesmo a existência de produções animadas nacionais e o país, que não aproveita o potencial cultural e econômico dessa significativa forma de expressão e comunicação da contemporaneidade. Sob a perspectiva econômica, a exploração de novos territórios da animação brasileira representa uma das maiores possibilidades, não apenas da Economia da Cultura, mas também de toda a chamada Economia Nova. Neste novo modelo de economia, há uma mudança de paradigmas em que, a partir da reconfiguração dos modelos de produção e circulação, a capacidade criativa passa a ter papel mais importante do que o próprio capital. Ignorar essa perspectiva seria, portanto, desperdiçar todo um mercado inexplorado com uma das melhores previsões de crescimento no cenário mundial atual. Da perspectiva cultural, a expansão da animação para além do mercado da publicidade e do circuito de curtas-metragens representa a possibilidade de apresentar ao grande público mais uma forma de manifestação realizada por artistas brasileiros. Assim como outras formas de expressão, como a literatura, as artes plásticas e a música, por exemplo, a animação também pode ajudar a divulgar e valorizar, nacional e internacionalmente, toda a riqueza e a diversidade cultural de nosso país – seja pela presença de conteúdos típicos em seus roteiros ou pelo reconhecimento de um estilo ou escola própria da animação brasileira, distinta das demais. No Festival Anima Mundi de 2007, um importante passo foi dado a favor da animação nacional. Por ocasião do Anima Forum, a Associação Brasileira de Cinema de Animação -ABCA propôs à Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura que se fizesse uma projeção para a realização de um programa semelhante ao realizado com documentários no DOCTV (Programa de Fomento à
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Dramaturgia de Série de Animação
Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro), mas para a área da animação. Pouco depois, com o apoio da Coordenação Executiva do DOCTV, a ABCA apresentou um primeiro projeto do que seria o ANIMATV às emissoras TV Brasil e TV Cultura, bem como à Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais – entidades que posteriormente se associaram ao projeto e viabilizaram suas ações. Em 2008, por parte do Ministério da Cultura, é criado o “Programa Nacional de Fomento à Animação Brasileira” (ProAnimação), que tem como objetivo principal: “(...) fomentar o desenvolvimento de ações de capacitação, produção, difusão e distribuição da animação brasileira no Brasil e no exterior”. No Granimado (Festival de Animação de Gramado) desse mesmo ano, é lançado o Programa ANIMATV ação que foi incorporada ao ProAnimação. Além das entidades citadas, o ANIMATV contou ainda com a participação da Secretaria de Políticas Culturais do Ministério da Cultura para sua viabilização. Além da seleção dos projetos inscritos e da exibição dos episódios pilotos em um circuito nacional de teledifusão, o ANIMATV realizou uma série de ações continuadas, as quais veremos mais detalhadamente no decorrer deste livro, objetivando a capacitação dos agentes envolvidos e a potencialização de inserção das séries selecionadas no mercado internacional. E é justamente no escopo dessas iniciativas do ANIMATV, e especialmente da estruturação da Oficina de Desenvolvimento de Projetos, que surge a proposta de desenvolvimento deste livro, a partir da percepção de uma escassez bibliográfica sobre animação em língua portuguesa. O objetivo principal, portanto, é o de colaborar neste cenário, ao trazer questões que acreditamos serem caras ao estudo e à produção de séries de animação. Neste sentido, o livro está organizado em quatro capítulos. No primeiro, trataremos da questão da narrativa seriada na televisão, começando com um panorama sobre suas formas predecessoras antes da televisão, seguido de aspectos conceituais e teóricos referentes a esta modalidade narrativa especificamente na televisão. O segundo capítulo é focado nas séries de animação, apresentando inicialmente as principais características do meio (televisão), para depois passar a uma abordagem histórica das séries de animação, incluindo a experiência brasileira. No final desse capítulo, foram realizadas análises de duas séries internacionais emblemáticas por conseguirem aliar à criatividade traços autorais e sucesso comercial: “Os Simpsons” e “Bob Esponja Calça Quadrada”. O capítulo seguinte abordará uma metodologia consagrada para a elaboração de uma bíblia de produção de série de animação, desde a ideia inicial até seu desenvolvimento final e pitch – uma espécie de apresentação comercial em que se buscam parceiros para a coprodução das séries. Dessa maneira, serão vistos nesse capítulo temas relacionados ao conceito geral da série, sua apresentação (overview), criação do universo narrativo, cenários, personagens, sinopse técnica (springboards), sinopse comercial, roteiro, storyboard e demais elementos e aspectos atinentes a serem considerados na elaboração do projeto.
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Introdução
O quarto e último capítulo traz um maior detalhamento sobre as ações realizadas pelo ANIMATV e os critérios avaliativos, balizados por parâmetros adotados internacionalmente, utilizados para a definição das duas séries selecionadas pelo Programa para a produção de outros doze episódios além do piloto. Conhecer esses parâmetros permite levá-los em consideração durante a elaboração do projeto e das demais etapas subsequentes, aumentando assim o potencial da série e de suas perspectivas. Esse capítulo apresenta, ainda, análises narrativas das séries selecionadas pelo ANIMATV (“Tromba Trem” e “Carrapatos e Catapultas”), seguidas de entrevistas com seus respectivos autores. Ao longo desses capítulos, há uma variação conforme a proposta e a demanda de cada parte do texto, entre abordagens mais teóricas, conceituais, históricas, expositivas, analíticas e metodológicas. Essa alternância é resultado da própria diversidade temática relacionada ao universo das séries de animação, envolvendo complexas questões como as articulações entre arte e técnica, forma e conteúdo, teoria e prática, educação e entretenimento, demandas autorais e comerciais, entre outras tantas. Nas considerações finais, ao invés de fazer uma revisão daquilo que foi abordado durante todo o livro, procuramos desenvolver algumas dicas e conselhos que, acreditamos, possam auxiliar tanto iniciantes quanto iniciados na área. Contatos, comentários, críticas e sugestões são benvindos e podem ser dirigidos diretamente ao autor. Desejamos, desde já, uma boa leitura a todos.
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AtelevisĂŁo narrativa seriada na
CapĂtulo 1
Dramaturgia de Série de Animação
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1. A Narrativa Seriada na Televisão
A Narrativa Seriada na Televisão
O embrião da produção em série acompanha a humanidade desde tempos remotos, já que determinados padrões (no campo das artes, da construção de artefatos e até mesmo de estruturação do pensamento) podem ser observados nos povos mais antigos, o que nos permite especular que tais padrões de produção tenham surgido a partir do momento em que o homem passou a viver em grupo. Desta forma, a repetição e as inerentes transformações destes padrões permitiram a transmissão de conhecimento através das gerações e a consolidação das diferentes culturas a partir de suas próprias especificidades. Com a expansão das civilizações, surge um maior intercâmbio entre os povos, nem sempre pacífico, é verdade. Surgem também processos de trocas, misturas e, em alguns casos, imposições de determinados padrões que adquirem, assim, aspectos de uma serialidade comum – ainda que com eventuais características diferentes em épocas e lugares distintos. Todavia, é a partir das inovações tecnológicas decorrentes da Revolução Industrial, em meados do século XVIII, e de seus diversos impactos econômicos, políticos e sociais, que a produção em série atinge outra escala. A velocidade e as dimensões das transformações decorrentes da industrialização resultaram em mudanças expressivas no modo de vida do homem e da própria dinâmica de boa parte do mundo contemporâneo. Tal processo também se reflete no contexto das artes e da comunicação. Com a criação e o aperfeiçoamento de alguns dispositivos técnicos inventados previamente, como a prensa de Johannes Gutenberg, a comunicação humana passa de uma escala artesanal para outra, análoga à industrial. É o momento em que surge o fenômeno identificado por pensadores da Escola de Frankfurt, como Theodor Adorno e Max Horkheimer, como Indústria Cultural, que está atrelada à criação dos chamados Meios de Comunicação de Massa.
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A Narrativa Seriada na Televisão
É preciso lembrar que anteriormente a essa etapa, uma obra possuía a aura de peça única, o que provocava o distanciamento e a reverência do público. Nas sociedades primitivas, esse distanciamento estava calcado nas questões relacionadas ao sagrado e à experiência religiosa e, paulatinamente, com o advento das grandes civilizações e, posteriormente, dos Impérios, com o poder. No mundo moderno, o acesso à arte passa a ser compreendido como símbolo de status social. A “reprodutibilidade técnica” (Benjamin, 1985) e o surgimento de outras formas de comunicação e expressão – como a fotografia e o cinema – eliminam a diferença conceitual existente entre original e cópia, o que torna mais fácil o acesso do público à obra por meio de sua reprodução e distribuição. Com essa “dessacralização”, a obra se liberta de antigos paradigmas e abre novas possibilidades de criação, produção, divulgação e interpretação. Se por um lado a questão da ampliação do acesso aos produtos culturais ocasionada por esse processo é enaltecida, por outro, alguns pensadores – como os próprios Adorno e Horkeimer – entendem esse traço como sendo prejudicial à sociedade, na medida em que contribui para a perda da originalidade da obra e também para a instrumentalização de uma elite que tem a possibilidade de manipular este processo desde sua raiz, podendo interferir efetivamente no juízo valorativo do público. Posteriormente, esse aspecto comercial e mercadológico da obra foi explorado por movimentos como, por exemplo, a pop art entre as décadas de 50 e 60, sobretudo nos Estados Unidos e Inglaterra. As questões introduzidas por esses movimentos passavam, entre outras, pela apropriação e subversão de formas populares de cultura de massa e influenciaram não apenas a arte como também, em uma dinâmica de retroalimentação, a própria comunicação a partir da segunda metade do século XX. Voltando ao tema específico deste livro, as narrativas seriadas, estas surgem provavelmente junto com as demais modalidades narrativas baseadas na oralidade, adquirindo formas e características distintas por meio de diferentes suportes ao longo do tempo. Neste capítulo, como uma forma de melhor contextualizar nosso objeto de estudo e proporcionar um sucinto panorama, trataremos brevemente de algumas dessas formas predecessoras e de alguns de seus exemplos mais conhecidos. Especificamente no que tange à animação, a serialidade surge, diferentemente do que poderiam imaginar alguns, no cinema - antes mesmo das conhecidas séries de desenhos animados para a televisão. Esse período “pré-televisão” serviu como uma espécie de laboratório para as futuras experiências que a animação passaria a ter com a outrora nova mídia audiovisual. Em seguida, traremos algumas reflexões sobre conceitos centrais da serialidade narrativa, como a fragmentação, a descontinuidade e a repetição, que nos permitem pensar em certas estruturas e categorias intrínsecas à narrativa televisiva. Se este primeiro capítulo tem como objetivo principal contextualizar a serialidade narrativa e refletir sobre seus aspectos, não poderíamos deixar de terminá-lo especulando acerca das possibilidades diante de novas tecnologias ainda não exploradas em toda sua potencialidade pela animação, como é o caso dos games, da internet, de aparelhos celulares e dos demais dispositivos digitais.
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A Narrativa Seriada na Televisão
1.1
Formas predecessoras dA narrativa seriada na televisão
1.1 Formas Predecessoras da Narrativa Seriada na Televisão Com o desenvolvimento da fala, o homem desenvolveu também a capacidade de expandir sua comunicação para além do gestual. A evolução da fala possibilitou a criação das línguas com vocabulários e sintaxes próprias. A oralidade, enquanto modalidade presencial, pressupõe que o emissor de uma determinada mensagem compartilhe com seus receptores um mesmo tempo e espaço, hic et nunc (aqui e agora). Se por um lado há uma limitação física no alcance imediato daquela mensagem, por outro, existe a possibilidade de uma interação em tempo real na construção do texto (discurso) por parte dos receptores – como o que ocorre no caso de perguntas e intervenções durante uma conversa, por exemplo. Entretanto, a transmissão daquela mensagem sofre transformações inerentes (desejáveis ou não) em seu conteúdo sempre que se desloca temporal e espacialmente, como ocorre na brincadeira “telefone sem fio”. Isso porque a fala, por si só, existe essencialmente no momento de sua reverberação muito mais do que no espaço físico enquanto registro. Certa história transmitida de geração para geração, pode assumir formas (versões) distintas em épocas e lugares diferentes. Um dos gêneros narrativos ancestrais mais significativos na história da humanidade é a mitologia. Alguns autores, como Joseph Campbell, Mircea Eliade e Roger Callois dedicaram boa parte de suas obras para estudar e pensar a mitologia e suas mais diversas relações com o homem. Por mitologia podemos entender o estudo de um conjunto de mitos pertencentes a uma determinada cultura, associado a certas crenças ou sistemas religiosos – e é por esta associação que a mitologia pode ser entendida diferenciadamente das lendas ou do folclore. Na medida em que a mitologia aborda questões universais e atemporais, de caráter atávico e existencial, seu conhecimento e estudo possuem, além de relevância cultural e social, grande importância para a criação e a análise de qualquer história. São narrativas de
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caráter simbólico que podem ser compreendidas de maneiras diferentes: como uma forma de responder, explicar ou confortar o homem diante de questões para as quais ele não possui resposta; como um conjunto de valores morais ocultados em forma de histórias; ou mesmo como uma grande metáfora da própria natureza humana. Não por acaso, parte expressiva dos psicanalistas - como o fizeram Freud e Jung - se utilizou de conhecimentos e referências mitológicas para formularem suas ideias e teorias. Com o surgimento da escrita, inicialmente cuneiforme e por hieróglifos, por volta de 5.500 a.C., entre os sumérios e os egípcios e, posteriormente, organizada em alfabeto pelos fenícios, surge também a possibilidade do registro. Com isso, o homem desenvolve a capacidade de registrar suas mais diversas mensagens e conhecimentos em um suporte, que preservado ou reproduzido na íntegra, possibilita a sua fixação. Com a invenção da prensa de Gutenberg (séc. XV) e, depois, com a Revolução Industrial (séc. XVIII), diversificam-se os suportes e as possibilidades do homem se comunicar por meio de mensagens passíveis de se deslocar no tempo e no espaço. O aumento expressivo da escala de reprodução destes suportes e de seu alcance fez com que pensadores da Escola de Frankfurt, como vimos, desenvolvessem, por meio de um viés sociológico, suas teorias acerca da Indústria Cultural e dos Meios de Comunicação de Massa – estigmas que permanecem até hoje associados a tais meios, como o jornal, o rádio, o cinema e a televisão. Com o aumento na produção de livros e o surgimento de periódicos (jornais e revistas), há uma expansão do acesso às modalidades de produção cultural escrita, que desta forma pouco a pouco vai abandonando seu caráter prévio de restrição às elites. Muitas das histórias transmitidas oralmente através das gerações foram registradas em suporte impresso, reproduzidas e disseminadas por todo o mundo. Por outro lado, também podemos observar a criação e o desenvolvimento de formas narrativas seriadas próprias, como é o caso do romance de folhetim e da história em quadrinhos moderna.
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Embora muitos considerem que a arte sequêncial tenha surgido com o homem pré-histórico e explorada por pintores ao longo da história da arte (como podemos observar, por exemplo, no quadro “A Tentação de Santo Antão”, de Hieronymus Bosch, pintor em atividade entre os séculos XV e XVI), a história em quadrinhos moderna tem sua origem no século XIX. É nesta época que os jornais começam a trazer sátiras com charges de figuras políticas da época. Com o tempo, o gênero foi se aperfeiçoando e se diversificando em técnicas, estilos e conteúdos. Entre os precursores, estão os cartunistas Rudolph Topfer e Wilhelm Busch. No Brasil, destaca-se o trabalho pioneiro de Angelo Agostini, italiano radicado no Rio de Janeiro, que produziu diversas charges e caricaturas durante o Segundo Reinado e que também é considerado um dos primeiros a utilizar textos em forma de legenda. Mas foi somente na década de 30 do século XX que estas histórias passaram a ser compiladas e apresentadas na forma de revista, dando origem aos gibis. Com o sucesso do novo formato, artistas passaram a criar diretamente suas histórias nele, sem necessariamente passar antes pelo jornal. No final desta mesma década, a dupla Joe Shuster e Jerry Siegel cria “Superman”, o primeiro de uma série de super-heróis que povoam o universo deste gênero. A presença de super-heróis nas histórias em quadrinhos é tão marcante que para alguns é sinônimo do gênero – da mesma forma que, para alguns, animação é um gênero exclusivamente infantil. “Superman” foi ainda o primeiro super-herói a aparecer em animação, produzida na década de 40, pelos irmãos Fleischer. O super-herói é uma personagem fictícia baseada em arquétipos ou estereótipos que possui poderes extraordinários ou mesmo sobrehumanos. Suas aventuras, normalmente voltadas para a defesa da humanidade contra os supervilões, podem se prolongar por anos ou mesmo décadas, criando assim verdadeiras sagas. Outros atributos e características recorrentes que podemos associar aos super-heróis são: uma identidade secreta, a adoção de um código ético e moral, o uso de um uniforme próprio, amigos ou pessoas próximas que podem (ou não) saber de sua identidade, ter uma sede ou um esconderijo, e possuir um ponto fraco (físico ou psicológico). Na década de 50, a história em quadrinhos já havia se popularizado por todo o mundo e trazia também outros conteúdos, como suspense, terror e guerra. Dado o sucesso do gênero entre jovens e crianças, houve grande polêmica acerca da temática, do conteúdo e do possível efeito nocivo de muitas das histórias em quadrinhos – semelhante ao que ocorreu posteriormente com a televisão e, mais recentemente, com os games. Na década seguinte, uma série de cartunistas considerados undergrounds, como Robert Crumb, foi responsável
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por uma grande renovação do gênero e ampliação do seu nicho. Hoje as histórias em quadrinhos possuem estilos e temáticas diversas voltadas para os mais diferentes públicos e propósitos. O preconceito outrora sofrido deu lugar ao respeito e a um maior entendimento dessa arte, que é, inclusive, pesquisada por um número cada vez maior de pessoas. O romance de folhetim, por sua vez, é reconhecido como o primeiro gênero literário a explorar exclusivamente a serialidade. Caracteriza-se principalmen te pela presença de uma narrativa ágil, com profusão de eventos, e a presença dos chamados “ganchos de tensão”: efeitos de suspensão que funcionam como uma espécie de “isca” para o leitor continuar lendo os próximos números. Nesse tipo de texto, a trama torna-se mais importante do que as próprias personagens, constituindo o principal elo com o leitor. O gênero (feuilleton) surgiu no início do século XIX, na França, e foi importado com grande sucesso para o Brasil. Eram publicados capítulos diários ou semanais, normalmente na parte inferior das páginas das seções destinadas ao entretenimento nos jornais. Em termos de conteúdo, possuía abrangência semelhante a dos demais gêneros literários, indo desde conteúdos superficiais até outros mais complexos. No entanto, a presença predominante de linguagem clara, temas populares e polêmicos para os padrões da época e a própria acessibilidade ao jornal asseguraram uma disseminação mais ampla de muitas de suas histórias. Importantes autores da literatura brasileira, como Joaquim Manuel de Macedo, Camilo Castelo Branco, José de Alencar, Machado de Assis e Lima Barreto escreveram romances de folhetim para jornais da época. Em alguns casos, a compilação dos episódios foi publicada, posteriormente, na forma livro (peça unitária). Um exemplo bastante conhecido é o clássico da literatura brasileira “O Guarani”, de José de Alencar. Publicado originalmente entre janeiro e março de 1857, no “Diário do Rio de Janeiro”, a história do romance de Peri e Ceci tornou-se depois um livro, que vem sendo comercializado até os dias atuais. Apesar de seu grande sucesso na época, o romance de folhetim perde, aos poucos, sua importância e prestígio com a chegada do rádio, a partir da década de 20. Muitos autores do gênero passaram a escrever roteiros para a nova mídia sonora, emprestando todo o conhecimento adquirido para a criação de narrativas em série. Experiências isoladas, entretanto, foram realizadas posteriormente
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com algum sucesso, como os romances de Suzana Flag (pseudônimo de Nelson Rodri gues), nos anos 40, e de Janete Clair, também dramaturga de televisão, nos anos 70 e 80. Durante sua era de ouro, que durou até a popularização da televisão nos anos 60, a ficção era um dos principais gêneros do rádio. Nomes importantes da dramaturgia mundial, como Bertold Brecht e Orson Welles, entre inúmeros outros, emprestaram seu talento para o gênero. A ficção no rádio podia se apresentar em forma de peça unitária (“radiatros”); em fragmentos dentro de outros programas (sketches) ou em série (radionovelas). No Brasil, assim como em boa parte da América Latina, ao contrário dos Estados Unidos e da Europa, as radionovelas prevaleceram sobre os “radiatros” e fizeram enorme sucesso, principalmente junto ao público feminino da época. Por isso, os principais anunciantes destes programas eram marcas de produtos de limpeza, de higiene pessoal e de cosméticos. Os roteiros das primeiras radionovelas exibidas no país eram traduzidos de autores estrangeiros, sobretudo cubanos, como “Em Busca da Felicidade”, de Leandro Blanco, e “O Direito de Nascer”, de Félix Caignet. Esta última ficou mais de três anos no ar e foi considerada a radionovela de maior sucesso no país. Entre as décadas de 40 e 50, somente a Rádio Nacional - uma das principais emissoras da época, juntamente com a Rádio Tupi - exibiu um total de 807 produções de 118 autores distintos. Entre os autores brasileiros pioneiros da radionovela estão Oduvaldo Viana, Amaral Gurgel e Gilberto Martins, seguidos de outros roteiristas como Dias Gomes, Ivani Ribeiro, Janete Clair e Mario Lago. Uma das radionovelas de autoria nacional mais bem sucedidas foi “Jerônimo, o Herói do Sertão”, de Moysés Weltman, que posteriormente foi adaptada para os quadrinhos e para a televisão. A radionovela tinha como principal aliado para seu sucesso o emprego da linguagem sonora e musical. O uso de fala, música, efeitos sonoros e do “silêncio” estimulava a imaginação do ouvinte, que diante da ausência de qualquer imagem pronta era responsável, ele mesmo, pela construção destas em sua mente. Em outras palavras, cada ouvinte era capaz, a partir de uma mesma mensagem original, de construir imagens mentais próprias, não necessariamente parecidas com aquelas que rondavam a mente do autor ou de outros ouvintes. A era de ouro do rádio chega ao fim com a chegada da televisão, que o tira do posto de principal mídia da época. Ouvintes e, junto com eles, anunciantes migram do rádio para a televisão. A narrativa seriada, assim como outros gêneros, abandona o rádio, que é obrigado a se diferenciar da programação televisiva e a se reinventar para não deixar de existir.
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Apesar de haver em diversos países protótipos e experiências desde o final do século XIX, o boom da televisão se deu efetivamente a partir da década de 50 do século XX, após o fim da Segunda Guerra Mundial. Filmes como a “Era do Rádio”, de Woody Allen, e “A Hora Mágica”, de Guilherme de Almeida Prado, retratam bem este momento de transição da era do rádio para a da televisão. Todavia, trataremos melhor da história, das características e das formas narrativas da televisão no segundo capítulo deste livro. Seguindo uma linha um pouco mais cronológica, trataremos agora especificamente das séries de animação, que tiveram a sua origem no cinema no início do século XX.
Séries de animação no cinema Historiadores da animação, como Beckerman (2003), Bendazzi (1994) e Crafton (1993), associam os primórdios da animação a determinados registros ancestrais, como as pinturas nas cavernas de Altamira, as cerâmicas do Antigo Egito, a tapeçaria da Pérsia Antiga, passando pelo teatro das formas animadas no Oriente e os brinquedos óticos na Europa Moderna (como, por exemplo, o thaumatrópio, a lanterna mágica, o flip book, o zootrópio, o zoopraxinoscópio e o fenaquistiscópio). Contudo é a partir do praxinoscópio e da primeira exibição do teatro ótico de Chrales-Émile Reynaud, no Museu Grevin, em Paris, no ano de 1892, que surge o chamado cinema de animação. Este é, curiosamente, mais antigo do que as primeiras experiências de cinema realizadas pelos irmãos Lumière (cinematógrafo, de 1885) ou por Thomas Edison (cinematógrafo, de 1888). Reynaud desenvolveu animações com até 15 minutos de duração, tempo muito superior ao proporcionado pelos brinquedos óticos predecessores, que permitiam a criação de narrativas mais desenvolvidas.
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Com a popularização do cinema no início do século XX, muitos animadores se utilizaram dessa tecnologia e de sua linguagem para divulgarem suas obras, que fizeram grande sucesso junto ao público. Pioneiros do cinema da animação, como J. Stuart Blackton, Émile Cohl, Ladislav Starevich e Winsor McCay ajudaram a popularizar - por meio de histórias carismáticas e também de técnicas e efeitos sofisticados para os padrões da época - o cinema de animação. Os filmes produzidos (curtas-metragens) eram exibidos nos chamados nickelodeons, ambientes que posteriormente acabaram sendo substituídos pelas salas de cinema. Os nickelodeons, normalmente localizados nos bairros mais afastados do centro, eram pequenas salas para a projeção de filmes dos mais variados temas e gêneros, com duração média de 15 minutos. As exibições dos filmes eram acompanhadas por uma trilha sonora executada ao vivo em um piano ou órgão. O preço do ingresso era bastante acessível a toda a população, que normalmente usava “moedinhas” para pagar a entrada nas sessões, que concorriam, na época, com o teatro de variedades (vaudeville). Com a expansão das cidades, foram surgindo salas de cinema maiores, mais confortáveis e mais adaptadas para a exibição dos filmes de longametragem, o que fez com que os nickelodeons fossem gradativamente desaparecendo. A partir do sucesso dos filmes unitários de animação em curta-metragem (com duração média de dez e máxima de 30 minutos), abriu-se espaço para a produção e exibição de séries de animação. Ao invés de se assistir a um curta unitário, a ideia era que universos e personagens que tivessem boa aceitação pudessem cativar o público e fazê-lo retornar e assistir a um novo episódio. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento de uma série, ao invés de vários curtas unitários, permite a otimização de seu processo de produção por meio do aproveitamento de elementos previamente elaborados.
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Exibidas tanto nos nickelodeons quanto nas salas de cinema, as séries de animação surgem no final da década de 10 e diminuem de produção a partir dos anos 60 do século XX, quando passam a ser produzidas, em sua quase totalidade, diretamente para a televisão. Atualmente a presença da animação no cinema se restringe aos longas e curtas-metragens, estes últimos exibidos em festivais, mostras ou, eventualmente, antes de um filme de maior duração em cartaz no circuito comercial. É importante salientar que, da mesma forma como ocorreu por muitos anos com a televisão, a grande maioria das produções seriadas de animação foi realizada nos Estados Unidos, ainda que algumas destas por animadores estrangeiros. A presença de mão de obra qualificada e de uma boa infraestrutura facilitou a rápida criação de uma indústria do setor no país. Nos demais países, a animação esteve mais próxima da produção autoral de curtas-metragens (unitários) e da publicidade (comerciais), com apoio do governo ou da iniciativa privada, mas sem seu aspecto de serialidade. Ainda que houvesse animadores norte-americanos considerados mais experimentais, como Mary Ellen Bute, os irmãos Quay, Harry Smith, John Whitney e outros tantos estrangeiros residentes nos Estados Unidos, esse tipo de produção era restrito a um circuito mais específico e acabava não tendo a mesma projeção do que as séries comerciais nesse país. Como veremos, muitas destas séries inicialmente produzidas para o cinema foram e, em alguns casos, ainda são reaproveitadas e reprisadas em inúmeros canais de televisão por todo o mundo. Outras “migraram” do cinema para a televisão, isto é, deixaram de ser exibidas no cinema e passaram a ser produzidas e exibidas exclusivamente na televisão. Outras, ainda, simplesmente deixaram de ser produzidas e exibidas, à medida que este tipo de produção perdeu seu espaço nas salas de cinema para os filmes de longa-metragem e as próprias séries de animação se consolidaram na televisão. Nomes importantes da animação, como Otto Messmer, Pat Sullivan, Walt Disney, Ubbe Iwerks, os irmãos (Max e Dave) Fleischer, Amadee J. van Beuren, Tex Avery, Hugh Harman, Rudolf Ising, George Pal, Walter Lantz, Paul Terry, William Hanna, Joseph Barbera, Chuck Jones, entre inúmeros outros, viveram de maneira decisiva esse momento. Também foi nessa fase, por conta da demanda e da velocidade de produção, que observamos o surgimento dos primeiros estúdios de animação, marcando a passagem de um sistema de produção artesanal para outro mais industrial - favorável à produção em larga escala e em série. Fato importante quando mencionamos a produção de animação em série ocorre em 1914, quando J.R. Bray e Earl Hund registraram a patente do papel de celuloide (acetato), composto originário da mistura da cânfora com o algodão pólvora. O acetato pode ser entendido como um, entre inúmeros exemplos, da importância que a tecnologia possui na animação, proporcionando a criação de novas técnicas e métodos de produção. No caso do acetato, a possibilidade do animador desenhar e pintar em uma folha transparente permitiu que elementos do desenho estáticos ou repetidos em uma mesma cena fossem desenhados uma única vez e reproduzidos a cada fotograma. Cada desenho ocupava um acetato diferente, que era sobreposto aos demais em diferentes camadas (layers). Por exemplo: quando uma personagem corresse sobre um cenário estático, mantinha-se o acetato com o desenho desse cenário, substituindo apenas os intervalos com o movimento da personagem. Esse método possibilitou uma grande economia no trabalho do animador, já que, antes de sua criação, todos os elementos do desenho tinham que ser elaborados a cada fotograma - o
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que, muitas vezes, proporcionava um efeito “trêmulo” a alguns desenhos. A nova tecnologia ainda possibilitou a criação de “bibliotecas” de cenários e personagens, que podiam, desde que conservado o acetato, ser repetidos em outras animações ad infinitum. No exemplo anterior, toda vez que quiséssemos fazer uma personagem correr por um novo cenário, bastaria usar a sequência de desenhos previamente feitos da corrida desta personagem e substituir apenas o local (cenário) da ação. O aperfeiçoamento do uso do acetato possibilitou que, durante a década de 50, a United Production of America (UPA) desenvolvesse uma técnica posteriormente chamada de “animação limitada”, também conhecida como “animação econômica”. Esta técnica, conforme veremos melhor mais adiante, não proporciona a reprodução de movimentos “realistas”, permitindo que desenhos animados pudessem ser produzidos de maneira relativamente mais rápida e barata também para a televisão. Algumas das primeiras séries de animação no cinema estavam ligadas aos irmãos Van Beuren, que mais tarde, em 1921, fundariam sua empresa, responsável pela produção de diversas séries de animação do período “pré-hollywoodiano”. “Toodle Tales” (1914-1957), inicialmente produzida pela International Film Service, que tinha como animador responsável Burt Gillet, foi uma das primeiras séries de animação no cinema e contava com a presença, a cada novo episódio, de diferentes fábulas. O maior sucesso dos irmãos Van Beuren no final da década de 10 foi “Out of the Inkwell”, série resultado das experiências que Max Fleischer inaugurou em rotoscopia alguns anos antes. Outra referência foi o trabalho de Dave van Beuren no campo das artes circenses que, com o auxílio do animador Dick Huemer, resultou na criação da personagem principal da série “Koko, the Clown”. Inicialmente produzida por outros estúdios, a série trazia o próprio Max Fleischer (também colaborando como roteirista e produtor) interagindo diretamente com os desenhos, integrando assim imagens filmadas em live action com animação. Entre 1919 e 1929, foram produzidos e exibidos mais de 100 episódios da série. Outra série que teve seu início no final da década foi “Aesops Film Fables”, de Paul Terry. Baseada nas fábulas da Grécia Antiga atribuídas a Esopo (tais quais “A Raposa e as Uvas”, “A Tartaruga e a Lebre” e “O Lobo e o Cordeiro”), influenciou diversos animadores, entre eles, Walt Disney. A série passou a ser produzida pelos estúdios Van Beuren a partir de 1929, totalizando cerca de 130 episódios até 1935, ano de seu término. Entretanto, a série mais popular da época revelou uma das fórmulas básicas para o sucesso do gênero: a presença de uma personagem carismática. Trata-se do Gato Félix, cuja criação é alvo de controvérsia entre Otto Messmer e Pat Sullivan. O felino ainda inaugurou toda uma escola de personagens e mesmo um gênero de animação baseados em animais com características humanas, os chamados funny animals. Sua primeira aparição aconteceu ainda com o nome de Master Tom, uma versão inicial de Félix presente no curta “Feline Follies”, de 1919. O estrondoso sucesso desta estreia fez o estúdio de Pat Sullivan, onde Otto Messmer trabalhava, produzir um novo curta, “The Musical Mews”. Com outro design, a personagem volta com seu novo nome em “The Adventures of Felix”, curta-metragem lançado no final do mesmo ano (1919). Com excelente trabalho de apoio na promoção e divulgação dos filmes e da personagem, a série se tornou um enorme êxito, sem
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qualquer precedente na animação. No universo de Félix, qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento. A personagem possui uma cauda mágica que pode assumir as mais diversas formas e funções para lhe auxiliar nas aventuras e confusões em que se vê envolvido. Entre os anos de 1919 e 1936, cerca de 200 episódios da série foram exibidos no cinema. O sucesso de Félix também proporcionou a criação de produtos diversos, principalmente brinquedos, revelando assim também o potencial do licenciamento de produtos na animação. O Gato Félix estava presente não só no cinema, como também nos quadrinhos da época, o que ajudou a personagem a se tornar um ícone da cultura popular norte-americana. Além dos filmes, dos quadrinhos e dos produtos licenciados, sua presença enquanto mascote era bastante comum nas mais diversas agremiações e associações, desde equipes esportivas até regimentos militares. Entretanto, com a transição do cinema mudo para o sonoro, a série passa por algumas dificuldades técnicas e conceituais de adaptação e acaba perdendo espaço para as produções de Disney. Em 1936, após obter permissão do irmão de Sullivan, os estúdios Van Beuren chamaram Burt Gillet, animador formado por Sullivan e que já havia trabalhado em “Toodle Tales”, para produzir novas animações da personagem, agora coloridas e sonorizadas. Com uma forte influência do estilo Disney, com quem Gillet também havia trabalhado, a série não conseguiu reeditar o sucesso de outrora e acabou sendo descontinuada. Problemas de ordem pessoal e também de saúde, que levaram Sullivan à morte em 1933, também colaboraram para o final da série no cinema. “Bold King Cole”, seu último episódio produzido, em cores e com som, foi exibido em 1936. Posteriormente, entre 1958 e 1961, houve uma tentativa de reviver a personagem na televisão, por meio de uma série reformulada, dirigida por Grim Natwick, animador também responsável pela criação da personagem Betty Boop durante a década de 30. Vale lembrar que, antes mesmo da estreia de Félix, em 1918, a Rossi Film produziu “Aventuras de Bille e Bolle” no Brasil. O curta-metragem, uma das primeiras animações do país, teve suas personagens principais inspiradas em duas figuras já conhecidas no mundo dos quadrinhos de Budd Fischer: Mutt e Jeff. Realizada por Eugênio Fonseca Filho, a ideia inicial da animação era se tornar uma série, o que não chegou efetivamente a acontecer. Além da continuidade do sucesso dos estúdios Van Beuren, a década de 20 testemunha o surgimento dos estúdios Disney, ainda hoje um dos gigantes da animação. Após trabalhar com desenho e animação em algumas agências de publicidade e estúdios, Walt Disney funda, em 1922, com seu irmão Roy e seu amigo, o também animador Ubbe Iwerks, os Laugh-O-Gram Studios. Disney, então com 21 anos de idade, contratou um time reunindo alguns dos principais animadores da época, com quem havia tido a oportunidade de trabalhar previamente, como Carmen Maxwell, Hugh Harman, Friz Freleng e Rudolph Ising. Em seu primeiro ano de atividade, a empresa Laugh-O-Gram Studios produziu nove curtasmetragens baseados em contos de fadas, como “Cinderela”, “O Gato de Botas” e “Cachinhos Dourados e os Três Ursos”. Apesar do relativo sucesso que os filmes tiveram na cidade de Kansas, os estúdios não conseguiram custear a folha de pagamento de seus funcionários,
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principal responsável por suas despesas. No ano seguinte, em 1923, produziram sua última animação, “Alice´s Wonderland”, que serviu como uma espécie de episódio piloto da próxima série animada do novo estúdio de Disney. Roy, Walt e Ubbe Iwerks mudaram-se para Hollywood, onde fundaram a Disney Brothers Cartoon Studio, renomeada como The Walt Disney Studio em 1926. A partir de 1924, começam a produzir de forma regular episódios da série “Alice Commedies”. A série, que misturava filmagens em live action com animação, apresentava as aventuras fantásticas de uma menina chamada Alice com seu gato Julius – que para alguns trazia semelhanças em seu design com o Gato Félix. Ao todo foram produzidos mais 19 episódios até o final da série, com o episódio “Alice the Whaler”, em 1927. Com o fim de “Alice Commedies”, os estúdios Disney foram incumbidos de criar uma nova série para distribuição da Universal Pictures. Pensada e desenvolvida por Ubbe Iwerks, “Oswald, the Lucky Rabbit” torna-se um grande sucesso em pouquíssimo tempo. Maxwell, Harman, Freleng e Ising, que haviam trabalhado com Disney e Iwerks na Laugh-O-Gram Studios, integram a nova equipe. Porém, em 1928, depois de animar nove episódios, Disney descobre que seu produtor, Charles B. Mintz, havia contratado seus quatro animadores e aberto estúdio próprio, passando a animar os novos episódios da série, que tiveram seus direitos negociados com a Universal. Depois de perder os direitos de “Oswald”1, os estúdios Disney começaram a trabalhar em um novo projeto. A ideia surgiu de Walter Disney, que havia adotado um rato como bicho de estimação em seu antigo estúdio em Kansas. A partir de alguns esboços de Disney, Ubbe Iwerks trabalhou o design da personagem pensando em sua animação. Disney emprestou sua própria voz e personalidade para a personagem. A esposa de Walt Disney batizou o camundongo com o nome de “Mickey Mouse”. Assim, em 1928, Mickey aparece em sua primeira animação, “Plane Crazy”, episódio em que a personagem faz alusão ao aviador norte-americano Charles Lindbergh. Um segundo episódio (“Gallopin’ Gaucho”) foi lançado em 1928, mas, com problemas de distribuição e críticas quanto a eventuais semelhanças visuais e narrativas em relação a outras séries, Disney e Iwerks retrabalharam a animação e lançaram o terceiro episódio, “Steamboat Whillie”, que utilizou recursos de áudio (como diálogo, efeitos e música) por meio do som ótico na película, uma evolução técnica. O lançamento, no ano anterior (1927), daquele que foi considerado o primeiro filme sonoro (talkies),“O Cantor de Jazz”, contribuiu para que boa parte das salas de cinema nos Estados Unidos estivessem equipadas com dispositivos que permitiam a exibição de filmes com essa tecnologia. Ainda assim, os estúdios de animação da época ainda continuavam produzindo filmes mudos (ainda que muitos deles fossem exibidos com trilha sonora executada ao vivo). Uma exceção a essa regra, ainda que não tenha alcançado muita projeção, foi “Sound CarTunes”, série realizada pelos irmãos Fleischer para exibição de som por meio de outro sistema (o fonofilme, inventado por Lee de Forest). “Steamboat Whillie”, por sua vez, alcança grande 1. Recentemente, em 2006, a Disney readquiriu os direitos de “Oswald” da Universal.
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reconhecimento por parte do público e Disney sonoriza os dois episódios anteriores de Mickey Mouse, que são relançados e exibidos com maior projeção. Entre 1928 e 1953, os estúdios Disney produziram 141 episódios da personagem para o cinema. Outros quatro episódios isolados para cinema foram produzidos nos anos de 1983, 1990, 1995 e 1999, dois destes por ocasião das festividades de natal. Nos últimos anos da década de 20, Mickey Mouse supera em popularidade a personagem do Gato Félix, até então maior sucesso de animação da época. Durante as décadas seguintes, Mickey Mouse se consolida como uma das principais personagens do mundo da animação, participando de histórias em quadrinhos, filmes de longa-metragem, série para televisão, jogos de videogame, parques temáticos, além do licenciamento para diversos produtos. Também foi responsável pela criação de dezenas de outras personagens relacionadas ao seu universo, como Minnie, Pluto, Pateta, Tico e Teco, Bafo de Onça e Pato Donald - que depois mereceu o desenvolvimento de seu próprio universo ficcional2. Passando por diferentes utilizações e modificações em seu design, Mickey Mouse tornouse, em muitos países do mundo, o principal símbolo dos estúdios Disney, dos Estados Unidos e até mesmo do capitalismo. Por conta disso, a personagem também vem sendo parodiada em inúmeros protestos e manifestações (como aquelas ocorridas durante a Guerra do Vietnã e a Guerra Fria). De forma menos virulenta, também tem sido ironizada em animações tão diversas quanto “Macaco Feio, Macaco Bonito” (animação brasileira de 1933, produzida por Luiz Seel e João Stamato), “South Park” e “The Simpsons”, por exemplo. Entusiasmado com a utilização do som na animação, Walt Disney lança, em 1929, sua nova série, “Silly Simphonies”. Diferentemente das séries produzidas até então, “Silly Simphonies” não possuía repetição de elementos narrativos entre si, como personagens e ambientes. Em comum, os 75 episódios, produzidos entre 1929 e 1939, havia a utilização da música como elemento central da animação. Composta inicialmente pelo compositor e arranjador Carl Stalling, a música era o principal elemento condutor da narrativa em todas as histórias da série, que juntas formavam uma espécie de “filme musical”. Stalling foi também o responsável por um sistema que permitia trabalhar o ritmo musical ainda no planejamento da animação, de maneira que música e animação estabelecessem uma relação de indissociabilidade e de mútua transformabilidade. No início da década de 30, a indústria de animação já havia se consolidado nos Estados Unidos. Disney aproveita a projeção da série “Silly Simphonies” como uma espécie de base para experimentação de processos de produção (tecnologia, técnicas de animação, roteiros, 2. Após alguns desentendimentos, Ubbe Iwerks rompe, em 1930, com Walt Disney e funda o seu próprio estúdio, o Ub Iwerks Studio. Apesar de contar com financiamento de Pat Powers e conseguir um contrato para distribuição com a MGM, Iwerks não consegue alcançar o mesmo sucesso que havia tido no estúdio anterior e seu estúdio acaba fechando em 1936. Após trabalhar por algum tempo no Leon Schlesinger Productions (posteriormente renomeada para Warner Bros), onde chegou a dirigir dois episódios da série “Looney Tunes”, e na divisão de cartoons da Columbia Pictures, Iwerks acaba voltando para os estúdios Disney na década de 40. Lá, Iwerks passa a trabalhar com o desenvolvimento de efeitos visuais. Um de seus trabalhos mais conhecidos nesta função foi feito para o filme “Os Pássaros”, de Alfred Hitchcock. A partir da década de 60, auxilia também na criação de atrações para os parques temáticos da Disney, lançados em 1955 com a inauguração da Disneyland.
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criação e desenvolvimento de personagens) junto ao público. Um exemplo destas experiências foi o contrato de exclusividade, por cinco anos, para uso do novo sistema de cores Technicolor, que permitia uma projeção full color. O primeiro episódio da série produzido com esta nova tecnologia foi “Flowers and Trees”, seguido por “Os Três Porquinhos”. O sucesso da série foi tão grande que outras séries semelhantes foram criadas por concorrentes, normalmente com nomes parecidos, como “Happy Harmonies”, “Merrie Melodies” e “Looney Tunes”. As duas últimas foram produzidas pela Warner Bros e são, provavelmente, o maior sucesso da produtora em animação. Surgiram inicialmente para concorrer, como vimos, com “Silly Simphonies”, da Disney, mas também para promover o vasto acervo musical que a empresa possuía. Lideradas pelo produtor Leon Schlesinger, as séries, produzidas regularmente desde 1930, contaram ainda com a participação de importantes animadores, como Hugh Harman e Rudy Ising, também responsáveis pela criação dos estúdios de animação da Warner Bros3. Entre 1930 e 1970, foram produzidos cerca de 1000 episódios de “Merrie Melodies” e “Looney Tunes” para o cinema. Ainda hoje, episódios esporádicos para o cinema são produzidos, mas em número muito menor – de 1970 até 2010 foram apenas 33. Além dos filmes em si, toda uma galeria de personagens foi criada, como Gaguinho (Porky Pig), Patolino (Daffy Duck) e Pernalonga (Bugs Bunny). As séries posteriormente reuniram suas personagens e tornaram-se uma só, que foi também foi produzida para televisão e ainda é exibida com sucesso em muitos países. Apesar, ou justamente por causa de seu sucesso, a série foi alvo de críticas por tratar de maneira estereotipada culturas e raças estrangeiras. Com o sucesso de “Mickey Mouse” e “Silly Simphonies”, os estúdios Disney adquiriram experiência e acumularam conhecimento necessário para a produção de seu primeiro longametragem de animação: “Branca de Neve e os Sete Anões”4. Baseado no conto de fadas dos Irmãos Grimm, o roteiro do filme começou a ser escrito em 1934 e só foi terminado no final de 1935, quando teve início a produção da animação. O filme, que tem 83 minutos de duração, estreou no final de 1937 e foi exibido, no ano seguinte, com sucesso em salas de cinema de todo o mundo. A fim de favorecer a promoção de seu filme de longa-metragem, os estúdios Disney lançam, em 1937, um dos primeiros package films da história do cinema. Um package film é um filme, em live action ou animação, que apresenta uma compilação ou coleção de curtas-metragens, dirigidos por um ou mais diretores, que se interligam por meio de uma temática, evento, personagem, local ou objeto. Em muitos casos, permite o reaproveitamento de materiais prévios, compilados em uma nova organização, podendo atingir um público mais novo, desconhecedor das produções mais antigas, ou ainda fãs saudosistas e os colecionadores. “Academy Award Review of Walt Disney Cartoons” apresentava uma compilação de cinco episódios de “Silly Symphonies” premiados com o Oscar. Posteriormente, quando foi relançado 3. Estes estúdios de animação foram desativados nos anos 60, quando a empresa passou a priorizar produções em live action, como “Who´s Afraid of Virginia Woolf?” e “Bonnie and Clyde”. 4. Ao contrário do que alguns afirmam, este não é o primeiro filme de longa metragem de animação. Os primeiros longas de animação, “El Apostól!” (1917) e “Peludópolis” (1931), este último sonorizado, foram dirigidos pelo italiano, radicado na Argentina, Quirino Cristiani.
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em 1966, foram adicionados outros quatro episódios da série. Ao todo, os estúdios Disney lançaram mais nove package films: “Fantasia” (1940), “Saludos Amigos” (“Alô, Amigos”, 1942), “The Three Caballeros” (“Você já Foi à Bahia?”, 1944), “Make Minie Music” (“Música, Maestro!”, 1946), “Fun & Fancy Free” (1947), “Melody Time” (1948), “The Adventures of Ichabod and Mr. Toad” (1949), “The Many Adventures of Winnie the Pooh” (1977) e “Fantasia 2000” (1999). Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os estúdios de animação norte-americanos tiveram uma diminuição na oferta de trabalho, além de uma diminuição de parte seu quadro de funcionários, que foi servir ao exército. Os estúdios Disney acabaram encontrando na propaganda para o governo norte-americano uma fonte de renda adicional. Durante esse período, foram lançados seis filmes de longa-metragem: “Pinnochio” (1940), “Fantasia” (1940), “Dumbo” (1941), “Bambi” (1942), “Saludos Amigos” (“Alô, Amigos,” 1942) e “The Three Caballeros” (“Você já Foi à Bahia”, 1944). Nestes dois últimos filmes, a ambientação acontece em países da América Latina, resultado do tour realizado anteriormente por Walt Disney nestes países como parte da chamada “política da boa vizinhança” do governo norteamericano. Desse intercâmbio cultural surgem personagens como Panchito (México), Pedro (Chile), Gauchito (Argentina) e Zé Carioca (Brasil). Sobre Zé Carioca, conta-se que a personagem foi pensada por Walt Disney enquanto estava no Rio de Janeiro e escutava muitas piadas envolvendo papagaios. Disney teria ainda se inspirado na personalidade de algumas pessoas com quem teve contato em sua visita ao país. Talvez por isso, a personagem tenha se tornado muito mais popular no Brasil do que nos Estados Unidos e no resto do mundo. Por aqui, Zé Carioca ganhou produção própria de história em quadrinhos, assim como todo um universo de personagens, tais quais Rosinha, Nestor, Pedrão, Zico e Zeca, Zé Galo, Morcego Verde, e a Anacozeca, uma espécie de associação especializada em cobranças de dívidas do protagonista. A viagem de Walt Disney serviu ainda para que ele se ausentasse dos estúdios durante uma greve de cinco semanas de seus funcionários. A greve foi motivada pela demissão de um dos seus principais animadores, Art Babbit, que havia organizado a criação de um sindicato de animadores para negociar melhores condições de trabalho. Manifestações anteriores já haviam ocorrido nos estúdios Iwerks (1931) e Van Beuren (1935) e, somadas às outras manifestações posteriores, resultaram na criação de um sindicato dos animadores nos Estados Unidos no final dos anos 40. Ainda a respeito da viagem de Disney ao Brasil, vale registrar que, entre 1938 e 1939, o chargista Luiz Sá produziu “As Aventuras de Virgolino” e “Virgolino Apanha”. As animações tinham, segundo relatos, traços sofisticados e um estilo próprio bastante apurado. Sá pretendia exibir seus filmes diretamente para Walt Disney. Entretanto, os filmes foram recusados pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Decepcionado, Luiz Sá acabou ficando sem as cópias destes seus filmes de animação: uma perdeu-se no laboratório, e outra foi vendida para uma loja de projetores e distribuída como “brinde”, em vários pedaços, para os clientes. Os estúdios Disney também produziram outras séries que trouxeram importantes personagens ao seu universo na década de 30, como Pluto, Pato Donald (Donald Duck) e Pateta (Goofy). Mas outras produções, além daquelas produzidas por esses estúdios, também tiveram êxito no período, como Betty Boop. Baseada na It girl Clara Bow e na cantora Helen Kane, a personagem se tornou a primeira sex symbol da animação. Criada por Grim Natwick, a série,
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produzida pelos estúdios Fleischer, exibiu 110 episódios entre os anos de 1932 e 1939. Com forte presença nos quadrinhos da época (1934-1937), a série foi reprisada na televisão, lançada em coletâneas de DVD - a exemplo do que também aconteceu com boa parte das primeiras séries de animação para o cinema - e se tornou uma espécie de ícone pop cult, presente, ainda hoje, em camisetas, action figures e objetos diversos. Outra personagem importante na história da animação criada nessa época foi Popeye. Adaptada dos quadrinhos de Elzie Crisler Segar, a animação tem como protagonista um marinheiro de meia idade, com fortes braços tatuados e que fuma cachimbo. Popeye tem como namorada Olívia Palito e recorre ao espinafre a fim de adquirir força extra para superar seus desafios, como, por exemplo, vencer Brutus, seu principal antagonista. Produzida inicialmente pelos estúdios Fleischer (1933-1942) e depois pelos Famous Studios (1942-1957), foram exibidos cerca de 230 de seus episódios no cinema. Entre 1960 e 2003, a série foi produzida de maneira mais ou menos regular para a televisão e exibida em diversos canais e países, sendo relativamente conhecida até os dias atuais. O final da década de 30 marca também o início da carreira do animador Walter Lantz na qualidade de produtor independente, um dos primeiros na indústria norte-americana de animação. Depois de passar por alguns estúdios e de ter trabalhado em algumas séries, Lantz cria “Andy Panda”, que é distribuído pela Universal Pictures (1939-1947) e, em sua fase final (1948-1949), pela United Artists. Ainda que houvesse uma hegemonia norte-americana na produção de séries de animação para o cinema, a Inglaterra registrou, na década de 30, uma experiência singular com a produção e a exibição da série “Puppetoons”, de George Pal. A série ficou conhecida por usar uma variação da técnica de stop motion, o puppetoon, na qual um objeto - ou parte dele é substituído por outros, quadro a quadro (replacement animation). Na década de 40, Pal começa a trabalhar nos Estados Unidos, onde passa a ser produzido pela Paramount Pictures e chega a ter quatro animações indicadas ao Oscar. Durante a década de 40, novas séries surgem e se juntam às anteriores, que continuavam sendo exibidas. William Hanna e Joseph Barbera, que haviam trabalhado juntos na década de 30, criam e dirigem sua primeira série de sucesso para a MGM, “Tom and Jerry” (“Tom e Jerry”). Baseada em situações cômicas de gato e rato, a série foi feita a partir do sucesso de uma animação feita em 1939, “Puss Gets the Boots”. “Tom e Jerry” teve enorme sucesso de público e de crítica, conquistando sete Academy Awards. Entre 1940 e 1967, foram produzidos e exibidos 161 episódios da série para o cinema. Ao lado de “Tom e Jerry”, a outra série de maior sucesso dessa década talvez tenha sido “Woody Woodpecker” (“Pica-Pau”). A ideia da criação da personagem teria surgido durante a lua-de-mel de Lantz, em uma cabana às margens de um lago, onde o casal era constantemente incomodado por um ruidoso pica-pau carpinteiro. A primeira aparição da personagem aconteceu em um episódio de “Andy Panda”, em 1940, “Knock Knock”, no qual Pica-Pau incomodava o urso e seu pai (Papa Panda) apenas por diversão. Incomodada, a personagem Andy Panda tentava capturar a ave, mas sempre por meio de formas previsíveis, o que tornava a fuga do pica-pau demasiadamente fácil. Ao final, impotente e incapacitado, o panda acabava enlouquecendo e desistindo da empreitada. Estava delineada aí a fórmula de sucesso da série.
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“Pica-Pau” talvez tenha sido a primeira série a introduzir como protagonista uma personagem agressiva e lunática. O desenho fez grande sucesso durante a Segunda Guerra Mundial e a personagem foi, a exemplo do ocorrido anteriormente com o Gato Félix, amplamente adotada como mascote. Entre 1940 e 1972, foram produzidos e exibidos cerca de 200 episódios para o cinema. A série ganhou ainda três Academy Awards e migrou posteriormente para a televisão, onde manteve o seu sucesso. No ano de 2009, uma emissora televisiva brasileira reprisou alguns episódios clássicos da série durante o horário nobre e conseguiu picos de liderança na audiência. Por outro lado, “Pica-Pau” sofreu muitas críticas por seu humor negro e sua violência gratuita; no Canadá, por exemplo, a série chegou mesmo a ter sua exibição proibida. Além de Lantz, outro animador que teve grande destaque no período foi Paul Terry. Fundados em 1929, os estúdios de Terry, Terrytoons, emplacaram, também a partir da década de 40, suas duas séries de maior sucesso no cinema: “Heckle and Jeckle” (“Faísca e Fumaça”) e “Mighty Mouse” (“Super Mouse”), este último criado por Izzi Klein para parodiar o Super-Homem. O final dos anos 40 marca, para os estúdios Disney, um período de lançamento da maioria de seus package films e de início da produção de live action, com a série “True Life Adventures” e do longa “Treasure Island” (“Ilha do Tesouro”). Em 1950, em parceria com a empresa CocaCola, os estúdios promovem sua primeira aparição na televisão, “An Hour in Wonderland”, que foi um especial de Natal na rede ABC com duração de uma hora. Os estúdios só voltariam à televisão em 1954, com “Disneyland” (depois intitulado “The Wonderful World of Disney”, ou “O Maravilhoso Mundo de Disney”, em português). O programa reunia materiais diversos (preexistentes ou não) e teve 52 temporadas e 1224 episódios exibidos em horário nobre (prime time). Tem início assim a participação dos estúdios Disney na televisão, processo que culminaria com a criação de um canal próprio, o Disney Channel, no ano de 1983. Com 50 filmes de longa-metragem produzidos, inúmeras séries para cinema e televisão, parques temáticos, canal próprio de televisão, jogos, brinquedos, sites, games, licenciamentos diversos, além das aquisições de outras companhias, como a Pixar (2006) e a Marvel (2009), a Walt Disney Company é uma das maiores companhias comerciais de todo o mundo, com faturamento anual na ordem de U$ 40 bilhões. Da admiração à crítica, da idolatria ao ódio, as opiniões e reações do público e de profissionais da animação em relação à Disney são proporcionais ao crescimento da própria companhia nos últimos 80 anos. Como afirma Moreno (1978), “apesar da temática pobre, das soluções formais simplistas, ideologia conformista, a contribuição de Disney ao cinema de animação é inegável”. A década seguinte marca o início das séries de animação na televisão e a diminuição, como vimos, do número de produções desse gênero para o cinema. Novas tentativas de criação de séries originais foram feitas, sem, contudo, conseguir reeditar o sucesso das décadas anteriores no cinema. Walter Lantz cria sua segunda série de maior sucesso depois de “Pica-Pau”, “Chilly Willy” (“Picolino”), um simpático pinguim que buscava sempre um meio para permanecer aquecido. Picolino, que tem como antagonista o cachorro Smedley, gosta de panquecas e de roubar peixes da morsa Leôncio (Walty Walrus), personagem que também aparece em outras animações de Lantz. Produzida entre 1953 e 1972, a série teve cerca de 50 episódios exibidos no cinema. Em 1957, após terem saído da MGM, William Hanna e Joseph Barbera fundaram o seu próprio estúdio
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de animação, Hanna-Barbera. Apesar de ter seu nome associado à produção para televisão, que, de fato, foi seu “carro chefe”, o Hanna-Barbera produziu uma única série de animação para cinema, “Loopy le Beau” (“Loopy de Loop”). A série, que teve cerca de 50 episódios produzidos entre 1959 e 1965, contava as aventuras de Loopy, um lobo educado e gentil, com sotaque francês. O objetivo do “lobo bom” era o de mudar a imagem de sua espécie junto às pessoas e de se integrar à sociedade, por isso, além de seu comportamento impecável, costumava ajudar as pessoas. Porém, além de nunca conseguir atingir esse objetivo, Loopy era constantemente perseguido, inclusive pelas próprias pessoas que havia auxiliado, e tinha que acabar fugindo da cidade simplesmente pelo fato de ser um lobo. Um ano antes do lançamento de “Loppy le Beau”, na antiga Tchecoslováquia, Zdenìk Miller lança “Krtek” (“A Toupeira”). Inspirado pelo estilo Disney, Zdenìk criou um desenho com o objetivo de ensinar às crianças sobre o processamento do linho. A ideia da personagem surgiu após seu criador tropeçar em um montinho de terra durante uma caminhada. O primeiro filme da série, “Jak Krtek ke Kalhotkám Pøišel” (“Como a Toupeira Conseguiu as suas Calças”), fez grande sucesso em outros países do leste europeu, além da Austrália, Índia, China, Áustria e Alemanha. Apesar de este primeiro episódio ser narrado, Zdenìk decidiu-se por não utilizar falas nos demais episódios, o que garantiu maior universalidade de sua obra. Até o ano de 2002, foram produzidos e exibidos cerca de 50 episódios desta série. Os anos 60 marcam o término da produção para o cinema de séries desenvolvidas anteriormente, como “Faísca e Fumaça”, “Super Mouse”, “Looney Tunes”, “Tom e Jerry”, “Pateta” e “Loopy le Beau”. Além disso, o sucesso de séries como “The Flintstones” (“Os Flintstones”) na televisão pareceu não ter deixado dúvidas de que o futuro da animação seriada estava mesmo na nova mídia. Para muitos historiadores da animação, como Jerry Beck, este período marca o fim da chamada animação clássica.
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No entanto, foi observada uma espécie de “último fôlego” das séries de animação no cinema, antes da efetiva consolidação do gênero na televisão. Novas ideias proporcionaram uma “sobrevida” para essas séries – ainda que sem contar com a mesma força das décadas anteriores. Uma destas séries foi “The Beary Family” (“A Família Urso”), que trazia histórias “humanas” com uma família de ursos: Ursolão (Charlie), o pai, Úrsula (Bessie), a mãe, Ursolina (Susi), a filha mais nova, Ursolino (Junior), o filho mais velho e Goose, um ganso de estimação. A trama básica dos cerca de 30 episódios, produzidos entre 1962 e 1972, mostra Ursolão tentando economizar dinheiro ao realizar pequenos serviços técnicos ou construir acessórios para casa, ao invés de contratar um profissional especializado ou de adquirir o referido acessório diretamente em uma loja. No final, após uma série de trapalhadas, o prejuízo acaba sendo sempre maior do que a suposta economia que almejava. Em 1963, dois animadores da extinta Warner Bros Cartoons, Friz Freleng e David DePatie, fundam a DePatie-Freleng Enterprises, também conhecida por DFE Films. O estúdio de animação situado em Hollywood começou suas experiências por meio de séries para o cinema, passando, posteriormente, para a televisão e a publicidade. Após seu fechamento, em 1981, boa parte de suas produções foram adquiridas pela Marvel Comics, pertencente hoje à Disney. O estúdio estreou com o “pé direito” ao fazer os créditos de abertura do primeiro filme de “A Pantera Cor-de-Rosa”, dirigida por Blake Edwards e estrelada por Peter Sellers, no papel do impagável inspetor Jacques Clouseau. O sucesso foi tamanho que a personagem voltou nos créditos das sequências do filme e ganhou sua própria série no cinema, com cerca de 120 episódios exibidos até 1980. Com um estilo novo, temática diferenciada e abordagem inusitada, a série ganhou inúmeros fãs e também foi produzida e exibida na televisão. Além de “The Pink Panther” (“ A Pantera Cor de Rosa”), o estúdio produziu para o cinema a série “The Inspector” (“O Inspetor”). Apesar de alguns acharem que a série é uma referência ao inspetor Clouseau, a personagem principal não possui nome e, ao contrário do célebre inspetor, é organizada e relativamente competente. O humor da série surge a partir dos vilões, das situações inusitadas que se apresentam e do relacionamento do inspetor com o comissário da polícia francesa, a Sureté. Os 35 episódios da série foram exibidos nos cinemas entre 1965 e 1969. A DePatie-Freleng Enterprises produziu ainda, com pouco sucesso, algumas outras séries no cinema, como: “Roland and Rattfink” (“Bom Bom e Mau Mau”, entre 1968 e 1971, com 17 episódios), “The Ant and the Aardvark” (“A Formiga e o Tamanduá”, entre 1969 e 1971, com 17 episódios) e “Tijuana Toads” (“Toro e Pancho”, entre 1969 e 1972, com 17 episódios). Em 1969, surge na União Soviética “Íó, Iîãîäè!” (“Ei, Espere!”), uma série do tipo pastelão que conta a história de um lobo travesso (Âîëê) com pretensões artísticas, que tenta, a todo custo, capturar uma lebre (Çàÿö). A série, que teve a maioria dos seus episódios dirigidos por Vyacheslav Kotyonochkin, foi bastante popular na União Soviética e ainda o é na atual Rússia, apesar das críticas menos favoráveis dos animadores locais. Experiências isoladas fora dos Estados Unidos, como as de George Pal, Zdenìk Miller e de Vyacheslav Kotyonochkin mostram, apesar da impossibilidade de se competir quantitativamente com a indústria norte-americana de animação, que o mercado internacional, em toda a sua dimensão e pluralidade, sempre esteve aberto para outros tipos de produções; diferentes, tanto em sua forma quanto em seu conteúdo, daquelas produzidas nos Estados Unidos.
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A década de 70 representa o fim da presença das séries de animação no cinema. Todas as séries produzidas regularmente, e que ainda não tinham terminado ou migrado para a televisão, chegaram ao seu final. A DePatie-Freleng Enterprises ainda tenta algumas últimas experiências com: “The Blue Racer” (“A Cobrinha Azul”, entre 1972 e 1974, com 17 episódios), “Hoot Kloot” (“Xerife Hoot Kloot”, entre 1973 e 1974, com 17 episódios) e “The Dogfather” (“O Poderoso Cachorrão”, entre 1974 e 1976, com 17 episódios). De lá para cá, o cinema, como dissemos, se tornou espaço para a exibição de filmes de longa-metragem e a televisão, para as séries em animação. Experiências esporádicas e isoladas aconteceram na década de 80 e 90, como a exibição de três curtas-metragens da personagem Roger Rabbit. “Tummy Trouble”, “Roller Coaster Rabbit” e “Trail Mix-Up” foram exibidos antes de filmes de longa-metragem da Touchstone/Disney, como “Querida, Encolhi as Crianças”, “Dick Tracy” e “Viagem ao Grande Deserto”, respectivamente. O mesmo ocorreu com alguns episódios especiais de “Scooby Doo”, exibidos antes de seus próprios filmes de longa-metragem. Atualmente alguns estúdios, como a Disney, a Dreamworks e a Pixar estão exibindo filmes de curta-metragem antes de suas animações principais. Ainda assim, trata-se de peças unitárias, e não seriadas. No final de 2007, a Walt Disney Pictures lançou um episódio isolado do Pateta para cinema: “How to Hook up your Home Theater” (“Como Instalar o seu Home Theater”). Quase 50 anos após o lançamento de seu último episódio para o cinema, Pateta volta em uma animação, dirigida por Kevin Deters e Stevie Wermers-Skelton, na qual se envolve em suas tradicionais confusões e trapalhadas. O episódio isolado foi feito como uma espécie de revival e não há previsão de lançamento de novos episódios da personagem. No entanto, a experiência recente mais conhecida desse tipo talvez tenha sido aquela dos três episódios de “Scrat”, o esquilo dente-de-sabre do filme “A Era do Gelo”. Sua primeira aparição aconteceu em 2002, no curta de abertura do filme “A Era do Gelo”, do estúdio Blue Sky. “Gone Nutty”, também conhecido por “Scrat´s Missing Adventure”, mostra as aventuras do esquilo para conseguir salvar ao menos uma das nozes que havia coletado. Dirigida pelo brasileiro Carlos Saldanha, a narrativa agradou enormemente ao público e foi indicada ao Oscar de melhor curta de animação. A receptividade a essa primeira experiência fez com que Scrat voltasse em um novo episódio, “No Time for Nuts”, exibido em 2006, antes do longa “A Era do Gelo 2”. Neste novo episódio, ao procurar um lugar para esconder sua noz, o esquilo acaba encontrando uma máquina do tempo próxima ao corpo congelado de um cientista, que aparenta ser Albert Einstein. Ao acionar por acidente a máquina, Scrat acaba indo parar na Idade Média e, depois de aparentemente ter se dado bem, acaba em um futuro sem nozes. Scrat volta a aparecer antes de “A Era do Gelo 3”, no curta “Surviving Sid”, no qual faz uma “ponta”, novamente envolvido em sua saga com as nozes. O sucesso da personagem fez com que ela fosse incorporada em uma trama paralela no próprio longa, desta vez acompanhado por Scratita, um esquilo fêmea por quem se apaixona - ao mesmo tempo em que rivaliza com ela para ficar com a noz. Scrat é um entre tantos exemplos existentes na animação de “breakout character”, isto é, personagem que transita entre diferentes histórias em diferentes séries, mídias e formatos, ainda que com aparições únicas.
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1.2 a “estética da repetição”
repetição, serialidade e fragmentação: e o “minimalismo narrativo”
1.2 Repetição, Serialidade e Fragmentação: A “Estética da Repetição” e o “Minimalismo Narrativo” Como afirmamos, os processos desencadeados pela Revolução Industrial deram origem à elaboração em série dos mais diversos produtos. É o momento em que observamos, por exemplo, o surgimento do design moderno e de suas diversas escolas, responsáveis pelo pensamento de diferentes metodologias e processos de planejamento e criação dos produtos industrializados ou industrializáveis. Diferencia-se, assim, o trabalho do designer moderno daquele do artesão, uma espécie de precursor que se dedicava ao desenvolvimento de objetos a partir de um conhecimento empírico obtido por transmissão familiar ou via relação mestreaprendiz. Ao contrário das práticas modernas, o trabalho do artesão não era especializado e ele se responsabilizava por todas as etapas de produção desses objetos, necessitando de um tempo de aprendizado para se aperfeiçoar em cada um desses estágios. No esquema de produção em série, é observada a recorrência de elementos comuns, como a presença de equipamentos e processos sistematizados e padronizados, e cada funcionário se especializa na repetição de uma única e determinada função, repetindo-a maciçamente. Por conta desta repetição excessiva, houve muitas críticas quanto à desumanização do trabalho e do próprio trabalhador, considerado nesse processo - sob um ponto de vista negativo - como um autômato. Alguns movimentos se insurgiram contra esse modelo de produção, como o Ludismo, cujos defensores ficaram conhecidos como “quebradores de máquinas”. Inspirado por essa questão, Charles Chaplin fez o filme “Tempos Modernos” (uma crítica divertida e genial ao ritmo alucinante a que a linha de produção submeteu os operários), no qual a personagem Carlitos interpreta um trabalhador de uma grande fábrica que, após muitas confusões e trapalhadas, acaba sendo vítima de um colapso nervoso.
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Apesar dessa parcela de “sofrimento” humano causada pela mudança de papéis e de expectativas em relação ao desempenho de cada trabalhador, ao padronizar seus processos e materiais, a produção em série consegue um aumento expressivo na velocidade e no volume da fabricação de produtos, com barateamento progressivo do seu custo. Não tardou, portanto, que essa racionalização chegasse também à produção cultural. Quando é pensada e produzida em série, a obra se liberta de sua aura, de sua condição de peça única, associada, como vimos, ao sagrado ou, posteriormente, ao status social. A “reprodutibilidade técnica”, qualidade atribuída pelo pensador alemão Walter Benjamin (1985) às novas formas expressivas - como a fotografia, o cinema e a gravura - tornava impossível distinguir o original da cópia. Conceitualmente, a primeira ampliação de um negativo não é diferente da segunda; ao contrário do que ocorreria, por exemplo, com duas telas a óleo pintadas por um mesmo artista. Para Benjamin, essa “dessacralização” da obra a liberta de antigos paradigmas e inaugura novas potencialidades artísticas e políticas. A reprodutibilidade técnica nas artes e na comunicação favoreceria, portanto, a democratização da estética, na medida em que essas obras já seriam produzidas objetivando a própria reprodução. Pensemos no negativo de uma foto, por exemplo, que não carrega o prestígio de “original”, mas é visto como uma matriz que carrega a informação a ser ampliada e, aí sim, estabelecer uma relação com seu público. Por outro lado, pensadores da Escola de Frankfurt (como Adorno e Horkheimer, que no livro “Dialética do esclarecimento” utilizam pela primeira vez o termo para designar as novas formas de arte reprodutíveis), compreendem esse processo como sendo prejudicial ao entendimento humano por transformar a cultura em mercadoria, submetendo manifestações legítimas em instrumento de manipulação capitalista. Movimentos artísticos como a pop art, em meados da década de 50 e 60, principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, exploram essa questão de forma diversa. Ao se apropriarem de ícones da cultura de massa e subverterem a sua lógica, agregando a estes ícones o status de obra de arte e sua aura, promovem uma espécie de retroalimentação, isto é, devolvem para a cultura e para a própria sociedade contemporânea novos elementos de reflexão sobre seus usos e costumes. Um dos mais famosos artistas dessa tendência, Andy Warhol, enxergava nos produtos em série uma possibilidade de partilha de um mesmo objeto por todas as classes sociais, indiscriminadamente. Portanto, utilizava as imagens de produtos industrializados, como as garrafas de refrigerante ou as latas de sopa, já que estas eram consumidas da mesma forma tanto pela elite quanto pelos setores populares.
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Omar Calabrese (1987) é um pesquisador que busca compreender o funcionamento da repetitividade na produção cultural, atribuindo-lhe três funções: como modelo de produção em série a partir de uma matriz; como mecanismo estrutural de generalizações de texto; e como condição de consumo dos produtos comunicativos por parte do público. A primeira função é condição do próprio modo de produção em série. Já a segunda, permite a criação de um sistema apto às generalizações do conteúdo efetivamente produzido. Por fim, a terceira função corresponde à possibilidade de transformar o processo em um bem, atribuirlhe um valor e comercializá-lo junto ao público. Para o pensador italiano, estas funções geram uma “estética da repetição”, diferente daquela tradicionalmente presente nas artes clássicas. Ainda segundo o autor, as formas mais comuns de repetição na cultura contemporânea seriam a retomada de um tema prévio de sucesso e o decalque, isto é, a reformulação de narrativas consagradas a partir de pequenas alterações. Assim é possível considerar que a produção cultural em série depende tanto dos elementos invariáveis quanto dos variáveis. Os elementos invariáveis (fixos) funcionam não apenas estabelecendo uma continuidade com as expectativas e conhecimentos do público, mas, principalmente, como reiteração das partes estruturais dos códigos do sistema de uma série. Assim, por exemplo, ao assistir a um episódio de uma sitcom, o espectador já espera das personagens determinadas reações, e o roteirista irá interagir com essa demanda de forma a atendê-la ou frustrá-la, de acordo com as reações que queira causar. Já os elementos variáveis têm a função de palimpsesto, isto é, de introduzir novas peripécias e informações a partir de uma estrutura previamente existente. Podemos, portanto, comparar este modo de produção à própria dinâmica da vida cotidiana, que ao se renovar, também se mantém atada às estruturas cumulativas prévias. Esse novo modelo de produção altera, obviamente, toda a cadeia da produção cultural. Sob a perspectiva da criação, a própria noção de autoria passa a ser questionada, visto que muitas vezes o processo criativo em si é resultado direto de colaborações diversas em diferentes estágios de desenvolvimento do produto. A própria serialidade implica, muitas vezes, um “autor no gerúndio”, isto é, um autor de uma obra aberta, que se apresenta em constante estágio de criação. Em outras palavras, o autor de uma obra seriada tem a possibilidade de construí-la em movimento, uma espécie de work in progress sujeito às interferências diretas de seu público. Quanto à recepção de produtos culturais, é preciso pensar que a serialidade estabelece novos critérios de apreciação da obra. Inicialmente devemos considerar sua apresentação
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como fragmentação de um sintagma, de um fluxo contínuo maior, seja o episódio, muitas vezes separado em partes pelos breaks comerciais, seja a própria série, constituída em sua totalidade pela soma de seus episódios exibidos separadamente. À experiência de mediação do público, a partir de seu próprio repertório, somase a uma nova experiência que a mensagem seriada é capaz de produzir, descontínua e fragmentariamente, baseada na intertextualidade. A esse receptor atribui-se o papel de interator capaz de reorganizar elementos (objetivos e subjetivos) preexistentes e proporcionar novas (re)leituras desse mesmo sintagma. Tais leituras só conseguem ser apreendidas em sua totalidade por aqueles que compartilharem a estrutura dos códigos do sistema de serialidade que se apresenta. Neste caso, as séries passam a funcionar com uma espécie de arquitexto, de uma enciclopédia na qual, por meio de um processo de aprendizagem, o próprio espectador estabelece o seu conceito de serialidade a partir de processos de compreensão, interpretação e de diferentes estratégias de leitura. Para Lorenzo Vilches (1984), dentro desta estrutura seriada da produção cultural, as séries de televisão se apresentam como um caso à parte. Para o pensador espanhol, há três fatores principais que interferem diretamente em sua produção: a estrutura produtiva, a estrutura narrativa e as expectativas dos destinatários. A estrutura produtiva representa como as rotinas dos aparatos envolvidos interferem sobre o produto. Diz respeito, portanto, aos níveis e formas de autonomia técnica e criativa que o autor e o realizador da série possuem. A estrutura narrativa, por sua vez, diz respeito à maneira como a serialidade será efetivamente apresentada ao público, como veremos melhor mais adiante. Por fim, a expectativa do público é um fator que engloba aspectos sociológicos, midiáticos, psicológicos e que aborda suas relações intertextuais, permitindo integrar as partes distintas de uma série com seu todo. A intertextualidade permite ao público fixar os tópicos centrais da série e de suas articulações com determinadas situações, episódios e com a própria série. É, portanto, uma atividade semântica que possibilita ao espectador memorizar, em longo prazo, aspectos importantes para que sejam evocados em momentos oportunos. Também podem ser registrados elementos secundários, que, eventualmente podem ser esquecidos ao final do episódio. Estes elementos normalmente servem para ligar uma determinada sequência à outra, ou para “presentear” o espectador mais atento com informações adicionais (easter eggs), que não chegam a ser cruciais para o entendimento da narrativa, mas que adicionam um valor, uma sensação ou dado extra. Para Vilches, as séries de televisão possuem ainda elementos que o autor denomina de paratextuais, isto é, elementos que, mesmo não pertencendo diretamente à série, acabam atuando para ela. É o caso, por exemplo, das chamadas exibidas durante os intervalos comerciais, das críticas e comentários da imprensa, de estudos acadêmicos, e das vinhetas de abertura e de encerramento dos episódios. Aliás, a respeito dessas vinhetas, usualmente compostas por uma sequência de imagens acompanhada de trilha musical, devemos considerar uma dupla função. Em primeiro lugar, servem para separar a série do fluxo televisual, isto é, indicar que aquele determinado episódio está começando e depois terminando. Uma emissora de televisão pode ter uma programação bastante diversa e é interessante pontuar a presença de uma série específica dentro deste fluxo contínuo e ininterrupto. A segunda função representa a possibilidade de uma exploração
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mais subjetiva e simbólica acerca da própria identidade da série. Por tradicionalmente possuir maior flexibilidade em sua criação e estruturação, as vinhetas de abertura e encerramento de uma série procuram associar determinadas imagens e conceitos a fim de agregar certos valores à própria série. A serialidade narrativa proporciona, como vimos, a construção de um texto fragmentado e descontínuo, na qual a repetição de seus elementos constituintes e a imposição de um determinado ritmo de exibição da obra determinam características próprias e específicas. Se, por um lado, algumas pessoas criticam essa forma, associando-a a fatores da produção industrial – daí, por exemplo, a denominação pejorativa de “enlatados” para se referenciar às séries de televisão – e a certo mau gosto, é preciso que reconsideremos alguns fatores. A noção de que a produção em série destitui uma obra de sua essência está ainda impregnada de uma visão que atrela a obra à genialidade de sua autoria, na qual a aura do criador e o status da obra única ou da peça unitária se fazem presentes. Os novos parâmetros de produção artística e cultural solicitam, portanto, que conheçamos e pensemos os paradigmas presentes da narrativa em série, libertando-nos de preconceitos fundados na reprodução automatizada de uma tradição reflexiva. As transformações de gêneros narrativos trazidas pela televisão se processam de forma mais rápida e dinâmica do que normalmente nas outras mídias, por isso mesmo, muitas vezes de forma mais veloz do que a nossa capacidade de assimilá-las e de responder a elas criticamente. O caráter dinâmico desse tipo de manifestação cultural deve-se, sobretudo, ao fluxo contínuo e ininterrupto de sua produção, consumida vorazmente por seu público, invadindo o cotidiano de inúmeras pessoas. Se a própria noção de obra é alterada, alteramse também sua concepção, distribuição, recepção e interpretação, o que leva Calabrese a definir uma “estética da repetição”. À noção clássica de autor, incorpora-se agora a dinâmica de processos colaborativos e de work in progress. A noção do espectador contemplativo dá lugar a um espectador que, a partir da constante verificação de seus conhecimentos adquiridos, estabelece leituras de segundo grau, uma espécie de “bricolagem pósmoderna” na qual constitui e valoriza o potencial intertextual da série. A presença de uma dialética (entre ordem e novidade, entre repetição e inovação) evoca vicissitudes e seduz o espectador, convidando-o a participar desta teia de relações na qual quanto mais emaranhado se estiver, melhor.
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estruturas e tipologia
da narrativa seriada na televisão
1.3 Estruturas e Tipologia da Narrativa Seriada na Televisão Assim como qualquer outra metodologia de classificação ou estudo de gênero, podemos partir dos mais diversos critérios para chegar a diferentes resultados. Isso significa que é possível pensar em diferentes formas e modelos classificatórios da narrativa seriada na televisão. Em um primeiro momento, a partir de uma classificação genérica mais abrangente, podemos aplicar os mesmos critérios já utilizados e consagrados no audiovisual e nas demais formas narrativas às séries de animação. Conforme veremos mais detalhadamente no próximo capítulo, ao longo de sua existência, as séries de animação exploraram diferentes temáticas, o que, neste sentido, permite que possam ser pensadas nos mesmos termos classificatórios dos demais produtos audiovisuais, por exemplo: aventura, suspense, humor, drama, educação etc. Esta estrutura temática, obviamente, acaba por classificar em um mesmo grupo animações que, apesar de uma eventual semelhança retórica, podem possuir diversas outras diferenças entre si. Em outras palavras, ao se mudar de um critério classificatório para outro, animações que eventualmente pertençam a um mesmo gênero a partir de um determinado parâmetro podem pertencer a gêneros diferentes se baseadas em novos parâmetros. Os modos de produção, distribuição, recepção e interpretação das narrativas seriadas na televisão possuem características próprias para que as classifiquemos como um gênero próprio e específico dentro da televisão e do próprio audiovisual. Todavia, sabemos que é possível aplicar outros critérios para novas classificações dentro deste gênero, isto é, existem diferentes tipos e gêneros de séries de televisão. A distinção entre produtos animados e em live action (registros diretamente filmados ou gravados em tempo real) pode, por si só, ser um destes critérios, visto que estas linguagens do
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audiovisual, apesar de algumas semelhanças evidentes, possuem técnicas, estéticas e retóricas intrínsecas relativamente diferentes entre si. Como nosso objeto de estudo se restringe aqui às séries de animação, enfocaremos os aspectos deste tipo de série, o que não significa que parte do exposto aqui também não se possa aplicar às séries não animadas, em live action. As séries de animação também podem ser classificadas de acordo com seu estilo, isto é, seus processos próprios de enunciação. Tal classificação corresponde à adoção de um conjunto de elementos e estratégias de representação do som e da imagem capazes de estabelecer um gosto formal comum. Em animação observamos, desde os anos 40, uma discussão estilística que acompanha o universo da animação até os dias atuais. Em 1943, três animadores “rebelados” dos estúdios Disney - Zack Schwartz, David Hilberman e Stephen Bosustow - fundam um estúdio que deu origem a United Production Artists (UPA). A nova associação acreditava que a animação não deveria ter como modelo único de referência o estilo “realista” de Disney, no qual a animação apresenta um traço sofisticado, com movimentos fluidos e acabamento impecável. Para esses animadores, a adoção de um modelo único de animação, que busca verossimilhança com representantes imediatos no “mundo real”, fora da animação, pode ser entendida como um fator limitador de exploração de suas potencialidades criativas, estéticas e de linguagem. Em outras palavras, a animação não deve obrigatoriamente observar as mesmas regras de um universo que lhe é exterior, ficando assim livre para explorar novos e infinitos estilos que incluam representações mais estilizadas. A partir desta convicção, o estúdio desenvolveu um novo estilo de animação: a “animação limitada”, cuja técnica foi depois aperfeiçoada por outros estúdios, principalmente Hanna-Barbera. Em primeiro lugar, nesse estilo é feito um estudo de roteiro e de storyboard a fim de se detectar a efetiva necessidade de cenas e planos com movimento. Ao se utilizar uma única imagem estática durante alguns segundos, tem-se uma economia significativa de tempo e recursos de produção. “Truques”, como pequenos movimentos de câmera ou de cenário, podem ainda ser utilizados para a associação ou sensação de movimento às imagens estáticas utilizadas. Soma-se a este estudo prévio a utilização inteligente da linguagem audiovisual, por meio de enquadramentos e da própria edição dos planos. Proporcionalmente em relação àquelas cenas ou planos em que efetivamente se faz necessária a presença técnica do movimento, são idealizadas sequências mais simples de desenhos, que não correspondem necessariamente à representação exata do movimento trabalhado. Dessa forma,
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uma personagem pode andar com poucos frames e de forma cíclica, movimentando apenas as pernas sem dobrar os joelhos ou sem mexer o resto do corpo, tal qual faria uma pessoa ao caminhar de fato na rua, por exemplo. Assim, as personagens das animações limitadas costumam estar divididas em diferentes camadas (layers), facilitando a sua animação. Com maior volume de episódios, essas séries passaram a utilizar bibliotecas de movimentos já animados. Uma sequência de uma personagem caminhando poderia ser reaproveitada em inúmeras situações, modificando-se apenas partes desta personagem, como sua cabeça, suas roupas ou seus acessórios. Mesmo sequências inteiras já animadas poderiam ser reprisadas na íntegra, como um flashback ou como uma cena que se repete, exatamente da mesma forma, em diferentes episódios. Para exemplificar, pensemos na transformação de uma personagem comum em um super-herói, que pode ocorrer sempre da mesma maneira. Essa cena poderá utilizar um mesmo trecho animado em todos os seus episódios, facilitando sobremaneira o trabalho do animador nessa etapa. Outra característica observada nas animações limitadas é a simplificação do desenho (traço) e da pintura de personagens, cenários e objetos de cena. Da mesma forma, a ausência de sombras e eventuais rastros nos movimentos tornam o traço mais fácil e rápido. A pintura, por sua vez, apresenta uma estrutura mais “chapada”, com reduzidas variações em sua paleta de cores e em seu degradê. A retificação de formas orgânicas e o uso de pinturas “chapadas” não chegaram a provocar grandes incômodos ao público, visto que este novo estilo de animação está mais próximo de uma estética contemporânea, presente nas artes e no design. Por fim, uma última característica singular das animações limitadas é o uso expressivo da linguagem sonora e musical. Trilhas sonoras dinâmicas e sofisticadas, aliadas a efeitos sonoros caricatos e diálogos ágeis e trabalhados garantem uma atmosfera sonora envolvente que, ao mesmo tempo em que auxilia na imersão do espectador na trama e no próprio universo da série, dificulta a percepção dos truques visuais que objetivam a economia de movimentos. Um dos marcos divisores entre uma linha de animação mais estilizada e outra, mais realista, se deu em 1950, quando “Gerald McBoingBoing” ganhou o Oscar de melhor curta em animação. A animação, que foi o primeiro grande sucesso da UPA, apresenta um garoto que, ao invés de falar, comunica-se por meio de efeitos sonoros. Este primeiro curta deu origem a três outros, todos indicados ao Oscar. O sucesso dos filmes deu origem a uma série de televisão, a primeira a ser exibida regularmente em horário nobre e que fez escola, sendo adotada como modelo de produção entre diversos
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estúdios e animadores que, desta forma, ajudaram a consolidar o novo estilo – sobretudo, mas não apenas, na televisão. Além de uma classificação baseada em critérios estilísticos, Lorenzo Vilches afirma ser possível classificarmos as séries em tipos relativos à estruturação e à apresentação de seus elementos narrativos e das relações destes mesmos elementos. Nesse sentido, o tipo topológico compreende as séries que priorizam o uso de locações como forma de associações diversas do espectador. O local se estabelece, portanto, como elemento central da trama e toda a dinâmica narrativa da série gira em torno de sua ambientação. Apesar de normalmente apresentarem enredos superficiais, podem gerar situações enunciativas originais quando utilizadas para situações como a ironia, por exemplo. O tipo enciclopédico representa as séries que estabelecem relações de intertextualidade dentro de um “sistema enciclopédico”, isto é, a série funciona como um conjunto de possibilidades virtuais do gênero. Aqui, o papel do espectador é interiorizar um conjunto de regras do gênero, que permite a compreensão de uma série potencialmente infinita de eventos e episódios. Já o tipo rendado (encajes) possui uma estrutura baseada na definição de objetivos ou missões diferentes que devem ser cumpridas a cada novo episódio. Ainda que se trate de missões diferentes, não há a necessidade de o espectador ter referências prévias para compreender um episódio isoladamente do contexto da própria série. Da mesma maneira, elementos apresentados em um episódio podem eventualmente não aparecer nos demais, tendo sua importância restrita a uma única participação. As funções narrativas resultantes da relação entre os elementos variáveis com os elementos invariáveis de uma série podem, ainda segundo o mesmo autor, criar cinco esquemas possíveis. No primeiro, fixo, se encaixam os casos das séries com o maior grau de redundância. Os temas e perfis psicológicos das personagens permanecem invariáveis de um episódio a outro. A excessiva repetição de elementos o transforma em uma espécie de protótipo de uma estrutura extremamente simplificada, com grandes possibilidades de dilatação temporal. No esquema fixo com variações de personagens, o tema central e o perfil psicológico das personagens principais da série permanecem invariáveis na medida em que novas personagens vão surgindo. Essas novas personagens, de hierarquia secundária, assumem as funções variáveis da série. O terceiro esquema é denominado pelo pesquisador como fixo com variação psicológica. Neste esquema, a série avança com a resolução de conflitos interiores das personagens principais, que vão se apresentando paralelamente às ações de cada episódio. A profundidade psicológica pode relegar a ação ao segundo plano, uma vez que as nuances da psique humana e suas instabilidades podem gerar o combustível necessário para o desenvolvimento narrativo. Há, portanto, uma espécie de predomínio da personagem e de seu interior sobre as ações exteriores. Já no esquema fixo com variação de tema, a personagem e seu perfil psicológico permanecem estáveis, mas há uma variação temática (“aventura”) a cada novo episódio. Neste caso, as personagens se apresentam consolidadas na série e, muitas vezes, fora delas – como é o caso dos super-heróis.
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A Narrativa Seriada na Televisão
Por fim, o esquema de personagens fixos representa as séries nas quais há uma identificação muito forte entre o ator (indivíduo que interpreta um papel) e sua personagem (o papel representado). Tem-se assim uma série conhecida por apresentar uma personagem que interpreta diversas “máscaras” e interage com temas diversos, de modo que se estabelece uma espécie de biografia desta personagem. Além de critérios estilísticos e narrativos, Arlindo Machado propõe um critério possível de classificação das séries televisivas baseado na estruturação e apresentação da fragmentação ofertada ao espectador. Como sabemos, a programação televisiva é constituída pela presença de diversos programas que, por sua vez, estão estruturados em diversos blocos. Mesmo filmes produzidos originalmente para cinema e pensados para serem assistidos sem pausas ou interrupções, quando exibidos em uma emissora de televisão são, normalmente, apresentados de maneira fragmentada. Diferentemente das produções cinematográficas, os programas de televisão, independentemente de seu gênero, são concebidos para atender a essa fragmentação. O programa também pode ser pensado como parte de um todo, que pode se estender por semanas, meses ou mesmo anos. Neste caso, temos a presença de uma narrativa seriada que se apresenta de forma descontínua e fragmentada. Desta forma, o enredo é apresentado em diferentes capítulos ou episódios, que podem, por sua vez, estar organizados em blocos divididos pelos breaks comerciais. Apesar das pausas oferecerem a possibilidade de inserção de anunciantes comerciais, principal fonte de renda das emissoras privadas, permitem também uma espécie de pausa para o espectador “respirar” ou mesmo realizar outras atividades breves. Mesmo emissoras públicas que não possuem comerciais publicitários também costumam inserir intervalos nos programas. Para Machado, existem três tipos principais de narrativas seriadas na televisão, a partir da maneira como a fragmentação é oferecida ao espectador e estruturada na própria série. No primeiro tipo (“capítulos”), há uma ou diversas narrativas (entrelaçadas ou paralelas) principais que se apresentam de forma contínua e linear. Isto é, deve-se assistir aos episódios em uma ordem cronológica predeterminada de exibição, na qual o entendimento de um episódio é fundamental para o entendimento do próximo, e assim por diante, em um encadeamento teleológico. No segundo tipo (“episódios seriados”), cada episódio se constitui como uma história completa e autônoma, com a repetição de elementos narrativos centrais na série. A partir de um padrão básico, recorrente, elementos variáveis são apresentados possibilitando variações em torno de seu eixo. Não é necessário, portanto, que o espectador assista a episódios prévios em determinada ordem para que se entenda o episódio atual, da mesma forma que este não é necessário para os próximos. Como não há ordem de exibição, os diferentes episódios da série podem ser exibidos em qualquer ordem, garantindo assim maior possibilidade de reprises. O terceiro tipo (“episódios unitários”), por sua vez, apresenta as séries em que cada episódio possui independência narrativa e, ao mesmo tempo, apresenta elementos narrativos diferentes entre si, podendo mudar de personagens e mesmo de universos criativos inteiros. Neste caso, o que possibilita que os diferentes episódios se constituam como série é uma determinada temática comum recorrente, como narrativas de suspense, terror ou fantásticas, por exemplo.
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Independentemente do critério e do próprio gênero a que uma série de animação pertença ou no qual possa estar classificada, é importante registrar que atualmente as séries de animação para televisão possuem algumas estruturas fixas possíveis de fragmentação. Em primeiro lugar, a duração de cada episódio pode ter de um a dois; sete; 11 ou 22 minutos. No primeiro caso, a duração mais curta é utilizada nos chamados interprogramas, histórias rápidas e dinâmicas apresentadas, normalmente, no intervalo entre um programa e outro de uma emissora de televisão. A duração de sete minutos é um formato mais tradicional, bastante utilizado principalmente em algumas séries de animação mais antigas. Já os episódios de 11 minutos são os mais praticados nos dias de hoje. Episódios de 7 e de 11 minutos também costumam ser agrupados em um mesmo programa a fim de completar uma determinada carga horária própria de sua janela de exibição. Assim, episódios diferentes de séries diferentes podem ser apresentados e exibidos em um mesmo programa. Por fim, os episódios mais longos, de 22 minutos, não costumam ser exibidos junto com outras animações, tendo, na maioria dos casos, exibição em um programa próprio que se encaixa na janela de meia hora das emissoras de televisão. Os breaks comerciais, e, por consequência, os blocos de cada episódio, são definidos por cada emissora de televisão em função da quantidade de seus anunciantes. Assim, a quantidade e a localização exata do trecho de interrupção para as pausas de cada episódio competem a cada emissora exibidora da série. Séries exibidas em emissoras diferentes, normalmente não concorrentes entre si, podem ter quantidade e localização de breaks diferentes. Na maioria dos casos, séries de interprogramas ou de sete minutos de duração não costumam ter breaks comerciais. Já as séries com 11 minutos de duração costumam ter apenas um break e as de 22 minutos três breaks comerciais. Já uma temporada, isto é, o conjunto de todos os episódios exibidos no intervalo de um ano, costuma ser composta de 26 episódios, podendo eventualmente chegar a 52 (“supertemporada”). No próximo capítulo, delinearemos uma breve história da televisão e algumas de suas principais características, para depois traçarmos um panorama da história das séries de animação nesta mídia. Em um segundo momento, trataremos da experiência brasileira de produção das séries de animação para televisão (mais conhecidas como “desenhos animados”), finalizando o capítulo com análises de duas séries atuais de grande sucesso internacional.
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A Narrativa Seriada na Televis達o
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Séries de
Capítulo 2
animação televisiva
Dramaturgia de Série de Animação
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séries de animação televisiva
2. Séries de Animação Televisiva Neste capítulo, discutiremos inicialmente a história e alguns aspectos característicos da principal mídia da segunda metade do século XX e que, mesmo assim, ainda se apresenta em determinados aspectos como uma ilustre desconhecida para muitas pessoas: a televisão. Os estudos sobre a televisão são relativamente recentes e divididos em algumas linhas distintas, das quais enfatizaremos elementos referentes à crítica social e aos estudos de sua linguagem e estética. Conhecer, mesmo que brevemente, tais características permite uma ampliação da visão do meio e uma melhor exploração de suas potencialidades. Em seguida, abordaremos a história das séries de animação para televisão. Nesse sentido, veremos que as animações exibidas inicialmente na televisão eram reprises dos antigos theatricals já exibidos no cinema, proporcionando assim um reaproveitamento de material (ready made). As primeiras séries de animação feitas especificamente para a televisão, também conhecidas por desenhos animados, surgem em 1949 nos Estados Unidos, quando essa mídia ainda era uma novidade. De lá para cá, com a popularização da televisão e, mais recentemente, com o surgimento da internet, muita coisa aconteceu. Na maioria dos casos, uma série de animação para televisão requer uma grande estrutura de produção, distribuição e comercialização, que permita à série “se pagar” e também se popularizar, preferencialmente para além de seu país de origem. Nessa indústria, os Estados Unidos ocuparam papel praticamente hegemônico até os anos 70, quando os animes japoneses passam a ser exibidos com maior frequência fora do Japão. Há alguns anos, países como Canadá, Espanha, França e Inglaterra também têm conquistado maior espaço na criação e desenvolvimento de desenhos animados no mercado internacional.
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Mesmo que tenha sido definido um modelo estrutural dominante de criação e produção, experiências, ainda que em menor quantidade, realizadas em outros países fora deste eixo também revelam soluções criativas e o desenvolvimento de produtos inteligentes. Neste sentido, abordaremos alguns destes casos como uma forma de apontar eventuais novos caminhos estilísticos e de desenvolvimento. Em um terceiro momento deste capítulo, trataremos da experiência brasileira em animação que, grosso modo, possui reconhecimento técnico e criativo em termos de produções autorais de curtas metragens e de publicidade. Os desafios para as próximas décadas residem no desenvolvimento de filmes de longa-metragem e de desenhos animados – além da exploração dos potenciais das chamadas “novas mídias”. Observaremos em linhas breves esta experiência desenvolvida de maneira independente da televisão brasileira. Durante cerca de 40 anos, as únicas animações vistas na televisão brasileira eram criadas e produzidas no exterior, salvo raras exceções, como o extinto programa “Lanterna Mágica”, apresentado por Roberto Miller na TV Cultura. Somente no início dos anos 90 é que pequenas séries de curta duração e com número limitado de episódios passaram a ser vistas, sobretudo, nas emissoras públicas e educativas. A partir do início deste século, a situação parece ter se modificado um pouco. Apenas nos dois últimos anos, quatro séries brasileiras com coprodução internacional passaram a ser vistas em emissoras de televisão de todo o mundo. A TV Rá-Tim-Bum, canal infantil com programação 100% nacional - também assistido no Japão, Estados Unidos e Portugal -, anunciou ainda a exibição de três novas séries em coprodução com estúdios brasileiros. Neste sentido, destacamos o ProAnimação, criado pelo Ministério da Cultura em 2008 e destinado ao desenvolvimento da indústria da animação brasileira. Como um dos primeiros resultados desse programa, tivemos o lançamento do ANIMATV, voltado ao desenvolvimento de séries de animação brasileiras. Faremos o estudo de caso de duas destas séries. Por fim, o capítulo termina com uma análise livre de duas séries internacionais, “Bob Esponja Calça Quadrada” e “Os Simpsons”, escolhidas por conta de suas bem sucedidas trajetórias, o que vai ao encontro do ensejo da criação de uma indústria da animação em nosso país. Esperamos que as ideias e informações apresentadas neste capítulo sirvam não apenas para um maior conhecimento histórico e teórico, mas também como importante elemento na construção de um repertório fundamental para a elaboração de novas séries de animação.
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um breve histórico da televisão e características do meio
2.1 Um Breve Histórico da Televisão e Características do Meio Como afirmamos anteriormente, ao longo de sua existência, o homem vem utilizando diferentes formas e suportes para expressar ideias, sentimentos e sensações resultantes de suas vivências. Desde os primórdios da sua existência até os dias atuais, o constante crescimento da comunicação humana pode ser entendido como uma condição de nossa espécie, ainda que, para muitos, a pluralidade e diversidade proporcionada por este crescimento represente, paradoxalmente, uma menor capacidade do homem efetivamente se comunicar e dialogar com o outro. Este crescimento comunicacional também pode ser entendido como uma forma de compensação humana pela inexorabilidade da morte. A produção vertiginosa de códigos e signos seria, neste sentido, resultante da tentativa de se explicar o inexplicável, de buscar o sentido da vida e de perpetuá-la por meio da obra, imortalizando assim o autor e seu legado. O estudo da comunicação, da linguagem e das mídias, em seus mais diversos aspectos, vem sendo realizado por diferentes pensadores e pesquisadores em épocas e culturas diferentes. Seguindo esta ideia, devemos levar em conta que o advento de uma nova mídia não aniquila necessariamente uma anterior – mesmo depois do advento da escrita, o homem continuou usando a fala para se comunicar, por exemplo. A introdução de novas formas do homem se relacionar com o mundo faz com que algumas destas sejam consideradas mais apropriadas em determinadas situações do que outras. Também é possível observar a incorporação e a reconfiguração de algumas destas formas precedentes a outras, como podemos observar na presença da oralidade no universo audiovisual, por exemplo. O domínio ou a valorização de uma destas formas em detrimento de outras em uma cultura ou sociedade interfere diretamente no juízo valorativo, nas referências e na própria interpretação da realidade. Para muitos, após o advento da televisão, passamos a viver a “era do audiovisual”, na qual a imagem passa a ser supervalorizada.
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Os primórdios da televisão remontam ao início do século XIX, com as transmissões de fotos por aparelhos de facsimile, técnica aperfeiçoada, sobretudo, para a transmissão de imagens jornalísticas à distância. A descoberta da fotocondutividade do selênio (1876) e a invenção do disco de Nipkow (1884) permitiram que vários países, como Estados Unidos, Japão, União Soviética, Inglaterra, França e Alemanha desenvolvessem, entre o final do século XIX e início do XX, pesquisas em laboratórios sobre a televisão eletromecânica. Entretanto, com o início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), as pesquisas e os projetos para o lançamento da televisão ficam estagnados. As primeiras emissoras, assim como os primeiros aparelhos de televisão comercializados, com cerca de 40 linhas de resolução, surgem apenas em 1928. O dado curioso fica por conta da primeira imagem transmitida pela televisão: um boneco do gato Félix. A personagem foi escolhida por conta de seu contraste (branco e preto) e também pelo fato de ser uma imagem amplamente conhecida e de fácil identificação. Para os mais supersticiosos, foi uma espécie de presságio do sucesso que a animação teria na nova mídia. Em 1936, as emissoras e aparelhos passam a trabalhar com o modelo eletrônico e, após outro período de estagnação, desta vez por conta da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o novo modelo de televisão se consolida e se desenvolve. Com um número muito maior de linhas de resolução (525 ou 625, dependendo do sistema), a televisão eletrônica se populariza rapidamente, desbancando o lugar do rádio como principal meio de comunicação de massa. O fato de os Estados Unidos terem tido menos prejuízos com os conflitos mundiais e de não terem sofrido ataques em seu próprio território fez com que a economia do país se desenvolvesse sobremaneira no período do pós-guerra. É quando se firma o modelo do american way of life baseado, principalmente, na produção e no consumo de bens. Nessa esteira, a televisão surge como um território relativamente virgem para ser explorado. Transmissores, câmeras, monitores, equipamentos e profissionais diversos, ligados direta ou indiretamente ao setor, foram responsáveis pela criação de todo um modelo econômico baseado nesta nova mídia. Em seu “ano zero”, entretanto, os pioneiros da televisão tiveram grandes dificuldades em pensar uma linguagem própria - assim como normalmente ocorre também com outras mídias. Apesar de nesta mesma época o cinema já ter desenvolvido uma gramática mínima, a principal referência utilizada pela televisão foi o rádio – principal meio de comunicação de massa nesta época. Não por acaso, a televisão era chamada inicialmente em muitos países pela alcunha de “rádio com imagens”. Apesar da ausência de imagens, o rádio também é considerado uma mídia terciária, isto é, um meio de comunicação à distância. Além disso, rádio e televisão também tinham em comum o predomínio dos programas “ao vivo” em sua grade, o que, por si só, assegura uma característica bastante distintiva em relação à sétima arte. No final dos anos 50 e início dos anos 60, a televisão se beneficia de dois avanços tecnológicos: o videotape e a transmissão em cores. Vale observar que o videotape, ou VT, garantiu não apenas maior dinamismo à produção televisiva, como também o desenvolvimento de programas que não seriam viáveis sem a presença deste dispositivo tecnológico, que permite a gravação de sons e imagens para posterior edição e reprodução. Apesar desta nova possibilidade, ainda hoje boa parte da programação
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televisiva, principalmente dos canais abertos, é ou possui fortes marcas ou resíduos dos programas ao vivo, provavelmente em função da maior facilidade e da economia de sua produção. Em relação à transmissão em cores, a televisão “tira o atraso” de quase três décadas em relação ao cinema, que já exibia com certa regularidade filmes coloridos desde a década de 30. Com o mote “a vida é colorida”, a televisão passa a trabalhar melhor a questão do uso das cores em suas produções, o que representou um avanço expressivo em sua direção de arte, sobretudo em áreas como as de figurino e cenografia. Assim, pouco a pouco, a televisão desenvolve e consolida gêneros, estéticas e gramaticas próprias, distintivas do cinema e dos demais meios e formas de comunicação e expressão. A partir da segunda metade do século passado, o modelo de televisão eletrônica foi sendo instalado nos demais países de todo o mundo – processo que englobaria praticamente todos os países do planeta até o final do século XX. Assim como normalmente acontece a maioria das mídias, a televisão surge de forma elitista, restrita a uma camada financeiramente privilegiada da população em um dado país ou região, e acaba se popularizando, tornando-se posteriormente acessível para a grande maioria dessa população. Isso fez com que a televisão se transformasse na principal mídia da segunda metade do século XX, ocupando em muitos países, como nos Estados Unidos e no Brasil, um papel de grande destaque na vida social. Um importante autor que versou sobre a televisão foi Marshall McLuhan. Em seu terceiro livro, “Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem”, de 1964, McLuhan identifica o papel da tecnologia na sociedade contemporânea como uma extensão do próprio homem e afirma que a televisão exerce uma força sinestésica unificadora capaz de determinar a sensorialidade de diversos grupos sociais. O pensador canadense cunhou ainda, a partir de sua observação sobre o papel da televisão, o termo “aldeia global”, no qual as redes eletrônicas e de telecomunicações tornariam as comunidades de todo o planeta muito mais próximas – fato consolidado pela disseminação da internet no século XXI. O autor classifica os meios de comunicação em duas categorias, a partir de uma terminologia que tomou emprestado do universo musical do jazz: quente (jazz clássico) e frio (cool jazz). Meio quente é aquele que em função de sua alta definição e baixo ruído, exige pouco esforço para captação de uma mensagem, prolonga um único sentido e não deixa espaços para serem preenchidos – como, por exemplo, a fotografia. Já o meio frio, como a televisão, possui baixa definição, exige envolvimento e participação do destinatário para completar as lacunas, uma vez que pouca informação é efetivamente fornecida. Neste sentido, um meio frio possibilita ao destinatário uma participação maior e mais ativa do que a de um meio quente. Inúmeros outros estudos vêm sendo realizados desde a segunda metade do século XX sobre os mais diversos aspectos da televisão. Podemos destacar, obedecendo ao interesse deste livro, duas grandes vertentes: os estudos sociais e os estudos de linguagem. A primeira aborda os aspectos sociais da televisão com enfoque especial nos estudos da recepção, isto é, na influência desta mídia na sociedade e em seus diversos impactos comportamentais. A presença massiva da televisão no cotidiano costuma ser interpretada a partir de efeitos considerados negativos ou positivos. Os efeitos negativos da televisão normalmente estão associados ao caráter pervasivo e ubíquo da mídia. Pervasivo, pois tende a se espalhar e se fazer efetivamente presente em
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todos os lugares ao qual chega. A imagem de indígenas em ocas ou de uma família sentada em um sofá assistindo à televisão é bastante presente no imaginário contemporâneo e ilustra bem este caráter pervasivo do meio, inclusive em ambientes privados. A ubiquidade, por sua vez, é atribuída por sua onipresença, sua capacidade de estar em diversos lugares concomitantemente. Destes dois aspectos associados surgem as maiores preocupações quanto ao poder da televisão, seu discurso, sua ideologia e a sua capacidade de eventualmente manipular grandes contingentes de pessoas de uma única vez. A televisão também costuma ser acusada de restringir, em extensão e profundidade, determinados temas e conteúdos, colaborando para uma visão simplificada e limitada da realidade. Além da superficialidade, os temas costumeiramente abordados são apontados como triviais, quando não banais e, em alguns casos, vulgares. Destarte, a superficialidade e a banalidade da televisão colaboram na “deseducação” do cidadão, transformando o sujeito em um ser limítrofe, alienado. Quando esta lógica é pensada em termos coletivos, tem-se a formação de um público homogeneizado e virtualmente mais fácil de ser manipulado por aqueles que efetivamente produzem o discurso do meio e que, portanto, detêm o poder. Duas metáforas são comumente evocadas para tentar ilustrar o papel e a relação da televisão com a sociedade: a da janela e a do espelho. Entendida como janela, a televisão permite, quando aberta, revelar em seu interior um mundo novo, diferente daquele existente do lado de fora (ou de dentro) da janela. Enquanto espelho a televisão reflete sons e imagens de um mesmo mundo no qual ela também se encontra inserida. As metáforas são empregadas principalmente quando se procura entender prioritária ou exclusivamente normas e comportamentos sociais por meio de uma possível relação direta de influência e de causa-efeito entre televisão e sociedade, sem considerar outros
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elementos diversos de ordem política, econômica e cultural. Apresenta-se assim, a partir de uma leitura negativa de ambas, um paradoxo ou mesmo um dilema de causalidade: a televisão é ruim por conta da sociedade na qual ela está inserida ou é a sociedade que é ruim por causa da televisão que possui? Quem influencia quem? Os efeitos positivos da televisão, por sua vez, são evocados a partir de uma visão instrumentalista do meio, isto é, a televisão não é por si só, boa ou má, ela simplesmente é um instrumento, uma ferramenta. Sua natureza é determinada assim, pela utilização que se faz dela bem como pela motivação e intencionalidade das pessoas que definem este uso. Desta forma, a partir dos mesmos poderes desta mídia, seu potencial é utilizado para a transmissão de mensagens educativas ou edificantes, que colaboram positivamente no processo formativo de constituição do cidadão enquanto sujeito próprio, com autonomia de pensamento e que pertence, ao mesmo tempo, a uma coletividade. Já os estudos sobre a linguagem da televisão buscam identificar os signos presentes nesta mídia e compreender a dinâmica de seus sistemas, utilizada na criação de uma gramática própria. Neste sentido, devemos considerar alguns aspectos históricos e culturais que influenciaram no desenvolvimento de uma linguagem intrínseca à televisão. Apesar de um grande entusiasmo inicial em relação às potencialidades do meio por parte de artistas e teóricos, a televisão foi, pouco a pouco, se distanciando da noção de uma nova forma elaborada de arte e expressão. Conforme afirma Machado (2000), se o interesse pela literatura, cinema ou por quaisquer outras formas sofisticadas de arte representam uma demonstração de “educação, refinamento e elevação do espírito”, o interesse pela televisão é entendida como “sintoma de ignorância, quando não de desequilíbrio mental”. Porém, conforme aponta o mesmo autor, afirmar que na televisão só exista banalidade é um “duplo equívoco”. Primeiro por dar a impressão de que as coisas sejam muito diferentes “fora da televisão”. A banalização é, infelizmente, um fenômeno observável em toda a Indústria Cultural e não apenas na televisão, diferenciando-se assim, noções como as de popular e popularesco, quantidade e qualidade. No cinema, por exemplo, os filmes mais assistidos não correspondem aos filmes considerados pela crítica especializada como as obras mais significativas do meio, o mesmo ocorre com a literatura e seus best-sellers e assim por diante.
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Em segundo lugar, mesmo que em menor número, é possível identificar “vida inteligente” dentro da televisão. A diferença em relação às outras mídias é a mudança de escala proporcionada pela televisão. Mesmo que uma pequena parcela dos programas exibidos atinja uma pequena porcentagem do público espectador, estamos falando de números muito maiores do que um trabalho de alta qualidade poderia almejar em qualquer outra forma de comunicação e expressão. Machado propõe, portanto, uma mudança de enfoque: ao invés de se enfatizar o que a televisão tem de pior, deslocar o foco para a “diferença iluminadora, aquela que faz expandir as possibilidades expressivas desse meio”. Para tanto, é preciso entender a televisão como um dispositivo audiovisual, isto é, olhar também “da tela para dentro” e não apenas seus “impactos sociais”. É preciso, portanto, rever a falsa noção de que na televisão não existe nada além do banal ou do trivial. Em outras palavras, é fundamental analisar o conjunto de seus programas, o que permite entender a televisão como uma forma singular de comunicação e expressão “através da qual uma civilização pode exprimir a seus contemporâneos os seus próprios anseios e dúvidas, as suas crenças e descrenças, as suas inquietações, as suas descobertas e os voos de sua imaginação”. Ao se conhecer um repertório expressivo fundamental de obras televisivas, ao invés de apenas aquilo que o meio tem de pior, o público espectador, assim como estudantes, pesquisadores, produtores, diretores e demais profissionais teriam outro leque de referências, o que permitiria novas e diferenciadas abordagens do meio.
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Esta abordagem valorativa da televisão remete ao conceito de quality television, surgido em meados dos anos 80 na Inglaterra. Ao se pensar a televisão a partir de uma perspectiva valorativa, questões acerca do conceito de qualidade se tornam cruciais. O mote é o de que o modelo industrial e a demanda comercial não necessariamente inviabilizam a produção de obras de qualidade acentuada. Ao contrário, a arte não pode ser entendida de maneira dissociada de sua época, incluindo aí, seus recursos, tecnologias, modelos sociais, culturais e econômicos vigentes. Não existe razão, portanto, para que a seleção das obras mais significativas para televisão tenha critérios essencialmente diferentes daqueles utilizados em outras áreas. Todavia, o conceito de qualidade pode se apresentar de forma ampla e genérica, suscetível a diferentes acepções ou entendimentos a partir de uma predisposição prévia. Nesse sentido, o pesquisador Geoff Mulgan (1990) enumera sete acepções possíveis para o termo qualidade na televisão. A primeira acepção se refere a um conceito estritamente técnico, isto é, o uso apropriado dos recursos do meio, como fotografia, roteiro e interpretação, por exemplo. Uma segunda acepção refere-se à capacidade efetiva de um programa atingir com êxito seu público- alvo, isto é, sua audiência e, consequentemente, anunciantes. Desta maneira, um bom programa pode ser entendido como qualquer outro produto dentro de uma lógica de marketing. Qualidade também pode ser entendida como a capacidade de um programa ousar, inovar e romper com padrões preestabelecidos e paradigmas dentro de um determinado gênero, ampliando assim os horizontes estéticos e de linguagem. Uma quarta acepção possível engloba os aspectos educativos, pedagógicos e morais, ou seja, sua capacidade de transmitir mensagens e valores considerados socialmente edificantes. Próxima a esta acepção encontra-se outra, a noção de qualidade como a capacidade interativa de um programa gerar reflexão, interesse público, participação e mesmo mobilizações em torno de temas políticos e ideológicos. A sexta acepção proposta por Mulgan diz que qualidade pode ser entendida como a valorização das diferenças, das individualidades e das minorias, normalmente excluídas ou abordadas de maneira distorcida pela grande mídia. Por fim, uma última acepção do termo qualidade diz respeito à diversidade, a capacidade de abordar os aspectos plurais e multiculturais de qualquer sociedade. A riqueza e a heterogeneidade destas acepções devem ser entendidas não como um problema, mas sim como uma virtude da televisão. Para o autor, independentemente das acepções utilizadas, a discussão sobre qualidade na televisão é não apenas fundamental como também imprescindível. Além disso, para o pesquisador inglês, quanto mais um programa conseguir combinar estas diversas acepções, maiores serão seus atributos. Em outras palavras, a qualidade de um programa reside em sua capacidade singular de aglutinar a maior quantidade de qualidades possível. Por fim, não devemos esquecer-nos de considerar as três formas de edição possíveis na televisão: a da emissora (ao definir a grade de programação e as inserções comerciais), a do programa (por meio da escolha de enquadramentos, montagem das cenas e ritmo de edição) e a do espectador (a partir da própria maneira como assiste ao programa, incluindo aí o efeito de mudar de canais, conhecido como zapping, estimulado após o advento do controle remoto na metade da década de 50 e popularizado a partir da de 70). Como qualquer outro produto cultural, a televisão acompanha as mudanças e transformações culturais e sociais de maneira inerente e dinâmica, uma vez que ela própria
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se encontra inserida nesta mesma sociedade. Desta maneira, novos gêneros, abordagens e linguagens surgiram de forma intrínseca ao próprio desenvolvimento da televisão – ainda que certos paradigmas permaneçam imutáveis. Tecnologicamente, o modelo eletrônico permanece, desde a década de 60 até os dias atuais (após o advento da transmissão em cores e do videotape), sem alterações estruturais expressivas. Entretanto, atualmente estamos passando por um período de transição para um novo paradigma do meio: o modelo digital de televisão. Vivemos hoje, portanto, um novo e importante momento de transformações nesta mídia, com a mudança do modelo eletrônico para o digital. Mais do que alterações na resolução do som e da imagem ou na proporção da tela, a televisão digital representa a possibilidade de uma profunda mudança estrutural e conceitual do próprio meio, que instiga novas reflexões e projeções para o futuro desta mídia – as quais serão discutidas melhor no final deste livro, junto com as demais perspectivas para o futuro da animação.
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História 2.2
das séries de animação para televisão
2.2 História das Séries de Animação para Televisão Para Jason Mittell, as séries de animação na televisão (conhecidas no Brasil como desenhos animados), constituem um gênero próprio dentro desta mídia audiovisual. Para o pesquisador americano, o principal fator de definição da especificidade deste gênero é, mais do que qualquer fator artístico ou estético, a presença de um modelo centrado na produção. Nesse sentido, o papel da indústria da animação foi fundamental para a criação e a efetiva consolidação dos desenhos animados em todo o mundo. Historiadores da televisão mencionam o fato de que, em 1929, a primeira imagem transmitida à distância sem fios, pelo canal 4 (W2XBS), filial da NBC em Nova Iorque, foi a de um boneco em papel machê do Gato Félix. A escolha da mascote teria se dado, como vimos anteriormente, pelo fato de ser uma imagem popular e de fácil reconhecimento em um dispositivo que possuía, naquela época, apenas 40 linhas de resolução. Dez anos após essa transmissão experimental, em 1939, o mesmo canal (W2XBS) exibe a primeira animação produzida exclusivamente para a televisão, “Willie, the Worm”, dirigida pelo animador da Disney Chad Grothkopf. Tratou-se, porém, de uma espécie de curta-metragem baseado em um poema infantil, exibido de forma isolada e não seriada. Em seus anos iniciais, a televisão não produziu novas animações, apenas reprisou séries e episódios já exibidos no cinema (theatrical). Apesar de não haver uma duração específica, os episódios das séries de animação no cinema possuíam em média seis ou sete minutos. Ao serem exibidos na televisão, eram agrupados e apresentados dentro da grade da emissora em um programa conduzido por um apresentador – formato ainda comum em muitos programas infantis. O reaproveitamento dos theatricals (ready made) aconteceu por alguns fatores históricos distintos. Em primeiro lugar, o enorme volume de produção animada acumulado no cinema deu
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uma falsa impressão de “recurso inesgotável”. Essa visão mais imediatista fez com que muitas emissoras e produtores não julgassem necessário produzir novos conteúdos, apenas escolher entre os já existentes. Em segundo lugar, com o início da crise da exibição das séries de animação no cinema em função da consolidação do longa-metragem, o custo para compra destes episódios caiu drasticamente, tornando assim muito mais vantajoso financeiramente para as emissoras comprar os theatricals do que efetivamente produzi-los. Além disso, o valor de uma animação inédita na época podia custar até 16 vezes mais do que o custo de um programa em live action com o mesmo tempo produzido para televisão. Outro fator que podemos apontar para o reaproveitamento dos theatricals foi a notória ação da Suprema Corte norte-americana de 1949 contra o “block booking”. Nesta ação do Estado, foi quebrado o monopólio dos principais estúdios de cinema, que praticamente obrigavam as salas de projeção a exibir as suas produções “B” e “C” em troca da cessão de seus melhores filmes (“A”). Além de favorecer os grandes estúdios, essa prática também inviabilizava a veiculação de produções menores, que não tinham qualquer janela de exibição fora do chamado circuito “independente” ou “alternativo”. Destarte, os grandes estúdios acabaram expandindo seus negócios para a televisão, adquirindo e depois comercializando, por exemplo, os antigos theatricals com as redes (nacionais) e emissoras (regionais) de televisão.
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Mittell observa um fenômeno curioso na migração destas séries de animação do cinema para a televisão: enquanto no cinema eram assistidas por um público diverso, mas predominantemente adulto, na televisão estas mesmas séries passaram a ser assistidas quase que exclusivamente pelo público infantil. Tal perspectiva se manifestou de maneira tão forte que ainda hoje é possível encontrar disseminada a falsa noção de que desenho animado é sinônimo de entretenimento infantil. Apesar de não haver uma única explicação consensual capaz de justificar este fenômeno, podemos apontar as diferenças características fundamentais entre estas duas mídias como uma de suas possíveis causas. Podemos também atribuir parcialmente esta mudança de público à censura que muitas das animações sofreram por parte da Federal Communications Commission (FCC), órgão responsável pela regulamentação e classificação do conteúdo veiculado na mídia norteamericana, com atuação marcante a partir da década de 40. Diversos episódios ou seus trechos considerados ofensivos ou inapropriados foram banidos ou reformulados. Em outras palavras, a aparição ou menção à violência, humor negro, cigarros, bebidas alcoólicas, armas, erotismo e qualquer conteúdo “suspeito” era censurado sob a rubrica de proteção às crianças. Assim, inúmeros episódios acabaram sendo excluídos ou mesmo modificados, restringindo o escopo do material efetivamente exibido na televisão. Com o aperfeiçoamento das técnicas de animação limitada, inicia-se timidamente a produção de novas séries específicas para a televisão (cartoons), todavia relegadas ao público infantil. Os episódios eram exibidos principalmente no horário do sábado de manhã, considerado pelos anunciantes e pelas próprias emissoras como um horário inexpressivo comercialmente e destinado às crianças. Assim, os desenhos animados foram inicialmente um tipo de produção de baixo orçamento, marginalizada pela crítica, pelos anunciantes e até mesmo pelas próprias emissoras. O grande precursor das séries de animação para a televisão foi o produtor Jerry Fairbanks. Ele criou a “janela” do horário de sábado de manhã para programas infantis – horário até então abandonado pelas emissoras – e produziu, em 1949, o piloto de uma das primeiras séries pensada exclusivamente para televisão, “Crusader Rabbit”. A série, dirigida pelo animador Alex Anderson, que havia trabalhado anteriormente no Terrytoons Studios, teve 195 episódios produzidos. O enredo girava em torno das aventuras de um coelho cavaleiro e era visualmente considerada como uma espécie de animatic, com poucos movimentos ou sequências efetivamente animadas. Fairbanks foi responsável ainda pela comercialização, durante os anos 50 e 60, de inúmeras séries de animação diretamente para emissoras locais em todos os Estados Unidos. Outro desenho animado apontado como precursor foi “Tele-Comics”, uma produção da Vallee Video de 1949, também exibida em canais regionais. A série foi posteriormente comprada pela NBC e rebatizada, no ano seguinte, para “NBC Comics”. Os episódios apresentavam histórias de aventura com imagens estáticas (ou com ligeiros movimentos), dubladas por atores de rádio, uma espécie de “rádio ilustrado” que garantia certa dinâmica narrativa. Uma terceira série foi exibida em caráter experimental, em um programa local veiculado na WNBT-TV de Nova York, também em 1949: “The Adventures of Pow Wow”. Produzida pela TempeToons e dirigida pelo animador Tom Baron, a série tinha como personagens principais o pequeno índio Pow Wow, uma amiga índia e o sábio pajé que, juntos, buscavam salvar a floresta, os animais
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e a vida selvagem de diversos problemas. Sem uso de fala e com enredos baseados na mitologia e no folclore nativo norte-americano, a série foi considerada politicamente correta e obteve relativo sucesso entre o público infantil, tendo sido reprisada na rede CBS em 1956. Estima-se que, no início da década de 50, apenas 9% dos domicílios nos Estados Unidos possuíam aparelhos de televisão. Como a verba publicitária destinada à nova mídia era bastante restrita, o que limitava o orçamento das emissoras para novos programas que exigissem maior aporte financeiro, programas ao vivo e baseados no diálogo (fala) eram, portanto, o carro chefe da programação. Nos anos seguintes, apenas outras duas séries de animação foram produzidas para a televisão: “Jim and Judy in Teleland” (1949-1950) e “Winky Dink and You” (1953), este último reconhecido como o precursor do licenciamento em animação, uma vez que o programa servia para a venda de um kit (“Winky Dink Kit”) composto por papel, lápis colorido e crayons, que permitia às crianças interagirem com o programa por meio de desenhos e pinturas. Em 1951, os estúdios Disney começam a produzir especiais de natal para a rede de televisão ABC. Os especiais foram exibidos, por exigência do próprio Walt Disney, sem intervalos comerciais, apenas com a menção do patrocinador ao início e ao final dos programas. Pouco depois, em 1954, interessado em uma aproximação com a rede ABC para a construção de seu parque temático, o estúdio estreia nessa mesma emissora “Disneyland”. Esse programa era apresentado por Walt Disney em pessoa e exibia materiais (animados e em live action) pertencentes ao acervo do estúdio, aproveitando assim também os antigos theatricals. O programa semanal de uma hora de duração foi exibido praticamente de forma ininterrupta em horário nobre, desde sua estreia, em diferentes emissoras (ABC, 1954-1960; NBC 19611980; CBS 1981-1983; ABC 1985-1988; NBC 1988-1990; Disney Channel 1990-1996; ABC 19972008). Rebatizado posteriormente como “The Wonderful World of Disney” (“O Maravilhoso Mundo de Disney”), a série, que teve seu último programa inédito exibido na véspera do natal de 2008 e que ainda é reprisada em alguns países, é o segundo programa mais duradouro de toda a história da televisão, com 52 temporadas e cerca de 1300 episódios. Segundo o pesquisador de cartoons Hal Erickson, “Disneyland” foi a primeira série a promover a animação em horário nobre na televisão e também a atender todos os grupos demográficos, sendo considerada, à época, o quarto programa favorito do público nos Estados Unidos, logo atrás do tradicional “Ed Sullivan Show”. A participação de Walt Disney na televisão, mídia a qual havia declarado antipatia e recusado ofertas prévias, causou alvoroço no meio. Para competir com “Disneyland”, a CBS contratou Paul Terry para dirigir, em 1953, “Barker Bill’s Cartoon Show”, programa que tinha como apresentador um corpulento chefão de circo que anunciava animações antigas da Terrytoons, como “Farmer Al Fafa” e “Kiko, the Kangaroo”. O sucesso da série, exibida duas vezes por semana, levou a CBS a comprar todo o acervo de 40 anos do estúdio Terrytoons, com cerca de 1.000 animações. Posteriormente, em 1955, a emissora acabou por comprar o próprio estúdio, que se tornou assim uma divisão da CBS responsável pela produção de animações da emissora durante muito tempo.
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Todavia, na metade da década de 50, as principais animações exibidas na televisão eram, em sua quase totalidade, frutos do reaproveitamento de antigos theatricals que haviam sido adquiridos por empresas que os revendiam diretamente para diferentes redes ou emissoras desde que não coincidisse a exibição de uma mesma série em uma região comum. Uma das exceções deste período foi “The Mighty Mouse” (“Super Mouse”), série que foi originalmente pensada para parodiar o Super-Homem e que acabou tendo sucesso muito maior quando reeditada na televisão do que quando exibida pela primeira vez no cinema. O superherói camundongo de formas antropomórficas, criado por Izzi Klein, fez enorme sucesso, principalmente junto ao público infantil. Disney e Terrytoons produziam, eventualmente, algumas novas animações para a televisão Entretanto, a base permanecia “ready made”, pois, como afirmamos anteriormente, não havia a percepção da necessidade de novas produções; os desenhos animados ainda eram vistos como um gênero menor, de audiência específica e restrita aos horários menos prestigiados das emissoras, não justificando, portanto, qualquer tipo de gasto ou investimento. Em 1955, a então pequena empresa de brinquedos Mattel resolve, em uma iniciativa arrojada, investir toda sua verba publicitária no patrocínio de um ano do programa “The Mickey Mouse Club”, exibido na rede de televisão ABC. O carro chefe desta ação foram dois brinquedos: a “Mattel’s Burp Gun”, direcionado para os meninos, e a boneca “Barbie”, direcionada para as meninas. O sucesso sem precedentes desta ação fez com que outras empresas de brinquedos e produtos destinados ao público infantil, como cereais matinais, por exemplo, fizessem o mesmo. A partir do interesse das empresas, outras emissoras também abriram sua programação no horário do sábado de manhã para novas séries de desenhos animados. Apesar da audiência deste horário ser menor do que a do horário vespertino durante a semana, o anunciante tinha a oportunidade de atingir diretamente o seu nicho, tornando assim o custo do investimento mais vantajoso. No ano seguinte, em 1956, a rede americana CBS exibiu um programa de meia hora, com desenhos animados da UPA, intitulado “Gerald McBoing-Boing Show”. O programa, exibido em horário nobre, apresentava episódios de novas séries como “Dusty of the Circus”, “Twirlinger Twins” e “Punch and Judy”, além do próprio “Gerald McBoing-Boing”. O objetivo era rivalizar com “Mickey Mouse Club”, programa da Disney na ABC, produzindo mais animações por um custo menor. Apesar da grande audiência, “Gerald McBoing-Boing Show” foi retirado do ar no ano seguinte, sob pretexto de alto custo de produção alegado pela emissora. Com a direção de Stephen Bosustow, um dos fundadores da UPA, o estúdio retira-se definitivamente do cinema em 1959, após produzir cerca de 600 animações. Apesar de seu sucesso com os antigos theatricals, o estúdio não conseguiu reeditar o mesmo desempenho na televisão. A UPA sofreu grande pressão do comitê de investigação anticomunista norteamericano (“The House Un-American Activities Committee”)5, que investigou seus roteiristas 5. Além da UPA, diversos artistas, profissionais e empresas das áreas das artes, da comunicação e da cultura foram perseguidos e sofreram censuras e outras dificuldades criadas pelo comitê, que tinha como objetivo principal livrar a América (os Estados Unidos) da ameaça comunista.
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Bill Scott e Phil Eastman e forçou a demissão de um de seus mais talentosos animadores, John Hubley. Além do aspecto emocional, o fato abalou também a base criativa do estúdio, que iniciou seu processo de crise financeira. Em 1957, a ABC convida Walter Lantz para produzir novos episódios exclusivos para a televisão de sua série “The Woody Woodpecker” (Pica Pau), que foi exibida na emissora até 1960. Posteriormente, a série foi reeditada na NBC (1970-1972) e é esporadicamente reprisada com grande sucesso em todo o mundo, a despeito de críticas quanto ao comportamento da protagonista, da presença de personagens estereotipadas e de certo humor negro. Em 1958, o produtor Joe Oriolo tenta reeditar na televisão o sucesso do gato Félix, buscando uma atualização da série com algumas mudanças no enredo e a introdução de novas personagens à trama. A série, exibida na CBS entre os anos de 1958 e 1961, não consegue, entretanto, nem de perto repetir o êxito obtido anteriormente no cinema. Neste mesmo ano, a MGM (Metro-Goldwyn-Meyer Studios Inc.), que havia hesitado em produzir para a televisão, fecha seu departamento de animação para cinema e, entre os seus funcionários desligados, estavam os experientes animadores William Hanna e Joseph Barbera. Os dois trabalhavam no estúdio desde a década de 30 e juntos haviam ganhado sete Academy Awards, sendo responsáveis, entre outros projetos, pelas séries “Tom e Jerry” e “Droopy”. Em parceria com a Columbia Pictures, sócia em 20% do capital da nova empresa, Hanna e Barbera fundam a H-B Enterprises, renomeada para Hanna-Barbera Productions em 1959. Nesta nova empreitada, o estúdio ajudou a formar novos profissionais e contou com uma grande equipe de animadores, composta por nomes como Carlo Vinci, Kenneth Muse, Lewis Marshall, Michel Lah e Ed Barge. O primeiro projeto estreou no final de 1957: “The Ruff and Reddy Show” (“Jambo e Ruivão”), uma série em que Ruff (Jambo), um gato, tem como amigo Reddy (Ruivão), um cão. A primeira série de Hanna e Barbera para a televisão teve boa acolhida, o que permitiu que a dupla desenvolvesse um novo projeto no ano seguinte.
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Assim, em 1958, a Hanna Barbera produz “Huckleberry Hound Show” (“Dom Pixote”), que tinha como principal atração o desenho animado, inspirado nas aventuras da célebre personagem Tom Sawyer, presente em diversas obras do escritor Mark Twain. A série tinha como protagonista um cachorro azul com sotaque caipira e que cantarolava constantemente a canção “Oh, Querida Clementina”. Outro desenho animado exibido no programa era “Pixie & Dixie and Mr. Jinks” (Plic, Ploc & Chuvisco), série que trazia o gato Chuvisco contra os ratos Plic e Ploc, em um ambiente doméstico. Apesar da inevitável comparação com “Tom & Jerry”, esta série tinha uma atmosfera mais tranquila, uma vez que Chuvisco era menos violento do que Tom - ainda que alguns o considerassem mais sinistro do que o outro gato. “Huckleberry Hound Show” (Dom Pixote) fez grande sucesso e tinha, segundo pesquisas da época, 40% de seu público formado por adultos. Era o início da produção de animações com apelo intergeracional, capazes de atingir igualmente crianças e adultos, público designado em língua inglesa pelo termo “kidult”. Uma das fórmulas para esse feito era a própria estrutura das animações da Hanna Barbera, que apresentava de forma implícita e figurada questões contemporâneas por meio de um visual infantil, com áudio (sobretudo trilha sonora e diálogos) mais adulto. Com “The Ruff and Reddy Show” (Jambo e Ruivão) e “Huckleberry Hound” (Dom Pixote), o então recém-formado estúdio Hanna-Barbera definiu as bases de um novo modelo de produção de séries de animação para a televisão norte-americana, baseada nos moldes da animação limitada e que conseguia atingir simultaneamente tanto o público infantil quanto o adulto (kidult). Na esteira do sucesso dessas experiências da Hanna-Barbera, o produtor pioneiro do desenho animado na televisão Jay Ward, lança as séries “Rocky and His Friends” e “The Bullwinkle Show” em 1959. Posteriormente ambas fundiram-se numa mesma série chamada “The Rocky and Bullwinkle Show” (“As Aventuras de Rocky and Bullwinkle”) – exibida no Brasil pela Rede Globo no final dos anos 90. Com personagens tolos, roteiros absurdos e recursos de linguagem como trocadilhos, duplo sentido e sátiras, a série tinha como protagonistas Rocky (Dentinho), um esquilo voador e a morsa Bullwinkle (Alceu). Rocky possuía uma personalidade ingênua, honesta e representava o cérebro da dupla. Bullwinkle por sua vez era moralista, ainda que bem intencionado, otimista e persistente, porém um tanto quanto estúpido – o que gerava diversas situações cômicas na série. Juntos, os dois tinham que superar os malvados planos dos antagonistas Mr. Big e Fearless Leader (Temerário Líder), que contavam com o apoio de Boris Godunov e da femme fatale Natasha Fatale, agentes do país fictício de Pottsylvania – uma nítida paródia ao contexto da Guerra Fria do final dos anos 50 e início dos 60. Um recurso curioso utilizado em “The Rocky and Bullwinkle Show” era a presença de quadros específicos dentro do programa, como “O Senhor Sabe Tudo”, no qual Bullwinkle tentava ensinar ao telespectador uma lição de moral, mas acabava sempre se atrapalhando e dizendo coisas sem sentido. Em 2000, foi lançado um filme em live action baseado nesta série de televisão, porém, sem grande repercussão. Ainda em 1959, a Hanna Barbera lança outro programa contendo séries apreciadas por crianças e adultos, “The Quick Draw McGraw Show” (“O Show do Pepe Legal”). No programa,
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além da série que contava as aventuras de um cavalo antropomórfico homônimo, eram exibidos episódios de “Augie Doggie and Doggie Daddy” (“Bob Pai e Bob Filho”) e de “Snooper and Blabber” (“Olho Vivo e Faro Fino”). Outras séries animadas foram produzidas exclusivamente para televisão por estúdios menores nos anos 50 e, em alguns casos, foram exibidas apenas em um circuito local ou regional. Entre estas séries, podemos mencionar: “Tom Terrific” (Terrytoons, 1957-59), “Deputy Dawg” (Terrytoons, 1957-72), “Spunky and Tadpole” (Beverly Hills Productions, 195861), “Capt’n Sailorbird” (Magic Screen Pictures, 1959), “Bucky and Pepito” (Trans-Artists Productions, 1959), “Matty’s Funday Funnies” (Famous Studios, 1959-61) e “Clutch Cargo” (Cambria productions, 1959). Esta última inaugurou (e praticamente sepulcrou) a técnica conhecida como syncro-vox, que consiste na utilização da imagem filmada ou gravada da boca do dublador no lugar da boca da personagem animada, técnica esta considerada um exemplo extremo de economia do custo de produção. Devemos destacar mais duas séries produzidas fora do eixo dos principais estúdios da época, mas que tiveram algum reconhecimento posterior. A primeira delas foi “Colonel Bleep” (Soundac, 1957), considerada a primeira série de animação colorida na história da televisão. Criada por Robert D. Buchanan e dirigida pelo animador Jack, foi exibida e reprisada até meados dos anos 70. Na série, o protagonista Coronel Bleep viaja pelo tempo (para o passado e para o futuro) e pelo espaço sideral, procurando livrar o universo das ameaças do sombrio Dr. Destructo. Para ajudar em sua missão, Bleep conta com a ajuda de dois terráqueos de épocas diferentes: Squeek, um menino dos anos 50 caracterizado de cowboy e Scratch, um forte e musculoso homem das cavernas. Por suas histórias inusitadas e seu visual arrojado, a série influenciou alguns futuros animadores, como John Kricfalusi – criador da série “Ren & Stimpy” nos anos 90. Outra série diferenciada produzida nos anos 50 foi “Gumby” (1957-1988), provavelmente a primeira e uma das poucas séries para televisão realizadas com a técnica de stop motion. A série, que utilizava “massinha” (clay), foi inicialmente pensada por Art Clokey em 1953, a partir de seu curta-metragem de animação “Gumbasia”, realizado como trabalho de conclusão de curso orientado pelo artista sérvio Slayko Vorkapić na University of South California. “Gumby” tinha como personagens o protagonista Gumby (um boneco inspirado nos biscoitos modelados em forma humana conhecidos como gingerbreads), seu amigo Pokey (um pônei falante), The Blockheads (um par de bonecos vermelhos de cabeça quadrada), Nopey (o cachorro de Gumby que responde a tudo com um sóbrio “não”) e Prickle (um dinossauro amarelo que encarna o papel de detetive a la Sherlock Homes). Se a década de 40 viu o início da produção de séries de animação para a televisão com apenas quatro produções (“Crussader Rabbit”, “Tele-Comics”, “The Advetures of Pow Wow” e “Jim and Judy in Teleland”), a década de 50 se encerra com um total de 25 novas séries, cerca de seis vezes mais do que o total produzido na década anterior. Esta base de produção de desenhos animados criada no final dos anos 50 fez com que houvesse uma “corrida pelo ouro” na década seguinte. Esse afã atingiu não só os envolvidos na produção de séries de animação, como também o mercado publicitário, que passou a produzir uma quantidade cada vez maior de animações em
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suas propagandas na televisão – fato que colaborou com a renda e a receita de muitos animadores e estúdios. O cenário foi favorecido também pela grande oferta de animadores disponíveis no mercado, uma vez que estes haviam sido dispensados dos grandes estúdios de animação para cinema – a exemplo do ocorrido com os próprios William Hanna e Joseph Barbera. Com a popularização dos programas em cores no início dos anos 60, os antigos theatrical em preto e branco deixam de ser exibidos na televisão, restringindo a oferta dos “ready made” – vale lembrar que uma boa parte dos theatricals era em preto e branco. Com isso, forçou-se a produção de novas animações coloridas, que tinham, nessa época, como principal janela de exibição a televisão. Temos aqui mais um exemplo de como os elementos tecnológicos influenciaram na dinâmica de produção da animação ao longo de sua história. A partir do sucesso de suas séries lançadas no final da década de 50, a Hanna-Barbera amplia sua capacidade produtiva e passa a contar com novos talentos em sua equipe, como os roteiristas Michael Maltese e Warren Foster. Esta estrutura proporcionou a criação, em 1960, da série de animação de maior sucesso na história da televisão até então: “The Flintstones” (“Os Flintstones”). A série, ambientada na Idade da Pedra, mostrava o cotidiano de duas famílias trabalhadoras vizinhas em um subúrbio (bairro periférico) da cidade fictícia de Bedrock. “The Flintstones” foi inspirada por uma sitcom (comédia de situação) bastante popular na televisão da época, “The Honeymooners”, e também pela série de animação para cinema “Stone Age Cartoons”, dirigida por Dave Fleischer e distribuída pela Paramount Pictures nos anos 40. “The Flintstones” foi, provavelmente, a primeira série de animação estruturada como uma sitcom, apresentando enredos domésticos, cenários suburbanos, situações artificiais (forçadas), humor óbvio e, até mesmo, a inserção sonora de efeitos de risadas (laugh track). Com 22 minutos de duração por episódio, a série permaneceu sendo exibida por seis anos com grande sucesso durante o horário nobre. Nesta visão fantasiosa do passado, os homens da caverna conviviam com animais préhistóricos, como tigres dentre de sabre e dinossauros, e possuíam um estilo de vida contemporâneo, utilizando, porém, uma tecnologia compatível com os recursos disponíveis na Idade da Pedra. Por exemplo: músicas podiam ser escutadas a partir de aparelhos semelhantes a um toca-discos, mas todo ele feito de pedra e com a função da agulha sendo executada pelo bico afiado de uma ave, e assim por diante. O êxito de “The Flintstones” fez com que a Hanna-Barbera se consolidasse como a maior produtora de desenhos animados dessa década e uma das maiores, se não a maior, de todos os tempos – ocupando papel de grande destaque no meio até os anos 90. Desta forma, o estúdio foi o principal fornecedor de desenhos animados, principalmente para o horário do sábado de manhã, das principais redes norte-americanas de televisão. Muito criticada pela Disney e também pelos animadores mais tradicionais, o estúdio conseguia oferecer séries por um custo até dez vezes mais barato do que o das concorrentes. Na temporada de 1961-62, as chamadas “Big Three” (as três maiores emissoras abertas dos Estados Unidos: ABC, CBS e NBS) possuíam um total de sete animações em horário nobre durante suas grades semanais. Na opinião de Mittell, a “corrida pelo ouro” para preencher essa demanda levou a um ciclo “inovação-imitação-saturação”.
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Inúmeras outras séries foram produzidas nos estúdios Hanna-Barbera durante a década de 60, sem, contudo, ter a mesma repercussão do que “The Flinstones”, entre elas: “Top Cat” (“Mandachuva”; 1961-62) “Jonny Quest” (1962-63), “Wally Gator” (1962-63), “Magilla Gorilla” (“Maguila, o Gorila”, 1963-67), “The Jetsons” (“Os Jetsons”, 1964-65), “The Atom Ant” (“A Formiga Atômica”, 1965-67), “Space Ghost” (1966-68), “Frankestein Jr.” (1966-68), “The Impossible” (“Os Impossíveis”, 1966-68), “Shazzan” (1967-69), “Birdman” (“Homem Pássaro”, 1967-69), “Galaxy Trio” (1967-69), “Moby Dick” (1967-69), “Young Sanson and Goliath” (“Jovem Sansão e Golias”, 1967), “The Herculoids” (“Os Herculóides”, 1967-68), “Fantastic Four” (“Quarteto Fantástico”, 1967-68), “Wacky Racers” (“Corrida Maluca”, 196870) e “Banana Splits” (live action com animação, 1968-70). A ABC, objetivando ampliar o sucesso obtido com “The Flintstones”, estreia, em 1960, o novo programa “The Bugs Bunny Show”. Produzido pela Warner Bros. Cartoons, o programa reunia episódios das séries de “Looney Tunes” e contava ainda com a produção e a direção dos experientes animadores Chuck Jones e Friz Freleng. Depois de três temporadas em horário nobre, o programa se mudou em definitivo para o horário do sábado de manhã da ABC, onde permaneceu de forma ininterrupta até o ano 2000, totalizando assim a impressionante marca de 40 temporadas e mais de 1.000 episódios exibidos. O universo de “Looney Tunes” criou uma das maiores, mais ricas e diversas galerias de personagens de toda a história do desenho animado. Algumas destas personagens ganharam inclusive suas próprias séries. Entre as personagens de maior sucesso de “Looney Tunes” estão: Bugs Bunny (Pernalonga), Duck Dogers, Daffy Duck (Patolino), Elmer Fudd (Hortelino TrocaLetras), Foghorn Leghorn (Frangolino), Marvin Martian (Marvin Marciano), Pepé Le Pew (Pépe, o Gambá), Penelope Pussycat (Penélope), Porky Pig (Gaguinho), Road Runner (Papa-Léguas), Speedy Gonzales (Ligeirinho), Sylvester (Frajola), Tasmanian Devil (Taz), Tweety (Piu-Piu), Willie E. Coyote (Coiote) e Yosemite Sam (Eufrazino Puxa-Briga).
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Dois anos após “Gerald McBoing Boing Show”, a UPA faz sua segunda tentativa na televisão com “Dick Tracy” (1961-62). A série detetivesca era normalmente exibida em emissoras locais após o horário do sábado de manhã, reservado aos desenhos animados, e era considerada uma espécie de versão infantil para a prestigiada série em live action “Os Intocáveis”. Baseado na história em quadrinhos homônima, publicada durante a década de 30 por Chester Gould, a série acabou tendo mais projeção nos anos 90, após o lançamento do filme de longa-metragem “Dick Tracy”, produzido e dirigido por Warren Beatty. O estúdio tenta melhor sorte com a exibição de dois filmes de longa-metragem em animação, caminho pelo qual os estúdios Disney já haviam conseguido sucesso. O primeiro destes longas foi “1001 Arabian Nights”, dirigido por Jack Kinney, que apresenta o protagonista Mr. Magoo no contexto das tradicionais histórias do folclore árabe. O segundo longa animado produzido pela UPA foi “Gay Purr-ee”, dirigido por Abe Levitow, em 1962, um romance musical envolvendo dois gatos (Mewsett e Mewrice) em Paris, e que contou com trilha musical interpretada pela atriz e cantora norte-americana Judy Garland. Pouco depois, em 1964, a UPA lança a série “The Famous Adventures of Mr. Magoo”, exibida no mesmo ano na rede NBC. Com 26 episódios, a série, mesmo sendo exibida em horário nobre, acabou não tendo sequência e o estúdio encerra suas atividades. Sem conseguir êxito na televisão e na produção de filmes de longa-metragem, a UPA enfrenta uma séria crise financeira que culmina com a venda de seu acervo cinematográfico para a Columbia Pictures. Os direitos de “Mr. Magoo” passam para a DFE Films, que tenta, também sem êxito, reeditar a série no final da década de 70. De maneira paralela às produções dos estúdios mais conhecidos, “The Beatles” (ABC, 1965-67), dirigida por George Dunning e produzida por Al Brodax, também apontou novas direções para a animação. A série, exibida durante o auge da popularidade da banda inglesa, se beneficiou do sucesso do quarteto de Liverpool e inspirou a criação, em 1968, do aclamado longa “Yellow Submarine” - no qual foi repetida a dupla Dunning-Brodax. “The Beatles” foi a primeira de uma série de desenhos animados adaptados a partir de pessoas ou grupos “reais”, como “The Jackson 5ive” (ABC, 1971-73) e “Harlem Globe Trotters” (CBS, 1970-71). Além da Hanna-Barbera e da Warner Bros. Cartoons, três outros importantes estúdios, que iniciaram suas atividades na década de 60, também tiveram relativo sucesso no meio. Um deles foi a Filmation, fundada em 1963 pelos produtores Lou Scheimer e Norm Prescott, que já haviam produzido anteriormente desenhos animados como “Bozo: The World’s Most Famous Clown” (195862) e “Popeye” (1960-62). O primeiro desenho animado oficialmente produzido pela Filmation foi “Rod Rocket”, série que mostrava as aventuras de um menino chamado Rod Rocket e seu melhor amigo, Joey. Juntos eram enviados pelo inteligente e excêntrico Professor Argus para uma missão espacial cujo objetivo principal era resgatar a neta do professor, a jovem Cassie. Três anos depois, em 1966, a Filmation lança sua primeira série baseada naquilo que se constituiria como uma das principais marcas do estúdio: super-heróis – sobretudo da DC Comics. Assim, vai ao ar em 1966 na CBS “The New Adventures of Superman”, dirigida por Hal Sutherland. Superman torna-se, portanto, o super-herói pioneiro dos quadrinhos e também das séries de animação no cinema e na televisão. A série abre as portas para maior presença de super-heróis, já popularizados nos quadrinhos, que tiveram excelente recepção junto ao público infantil no horário
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do sábado de manhã. Outras séries de super-heróis produzidas pelo estúdio nesta década com boa repercussão foram “Aquaman” (CBS, 1968-70) e “Batman” (CBS, 1968-69). A Filmation também utilizava os princípios característicos da animação limitada, incorporando algumas marcas distintivas, como o corte rápido de planos reaproveitados ou que não estavam devidamente animados. Isso porque, em dois ou três segundos de exposição na tela, os defeitos ou truques se tornavam praticamente imperceptíveis diante da condução narrativa como um todo. Em outras palavras, os cortes rápidos faziam com que o espectador não tivesse tempo hábil para a percepção de eventuais falhas na imagem, apenas para a compreensão do sentido principal do plano. Outro expediente bastante utilizado pelo estúdio eram os longos movimentos de câmera, sobretudo panorâmicas, pelos cenários estáticos. Neste caso, o menor movimento de câmera que fosse era o suficiente para quebrar a sensação de imagem parada e monotonia do plano. Além disso, a Filmation possuía em muitas de suas séries animadas sequências de live action o uso do recurso de rotoscopia – desenho por cima de imagem previamente registrada. As experiências da Filmation fora do nicho de super-heróis não tiveram tanto êxito, como se pôde observar com as séries “Journey to the Center of Hearth” (ABC, 1967), “Fantastic Voyage” (ABC, 1968), “The Archie Show” (“Turma do Archie” – CBS, 1969) e “The Hardy Boys” (ABC, 1969). Contudo, o estúdio permaneceria na ativa até meados da década de 80, principalmente por conta do seu principal nicho. O segundo estúdio a iniciar as suas atividades nessa década foi a Rankin/Bass Productions, fundada em 1964 por Arthur Rankin e Jules Bass, originalmente com o nome Videocraft International. Especializado em stop motion, o estúdio também produziu animações tradicionais em 2D com terceirização da mão de obra nos estúdios japoneses Toei Animation e Mushi Production. Um dos seus pontos fortes eram as dublagens realizadas por uma talentosa equipe, em estúdio de áudio próprio. Apesar da presença relativamente discreta, a Rankin/ Bass produziu seis séries nos anos 60, além da participação em filmes de longa-metragem e especiais para a televisão. Os estúdios encerrariam suas atividades na década de 80, após o término de sua série de maior sucesso, “Thundercats”. O outro estúdio com presença marcante nesse período foi o DePatie-Freleng Enterprises (também conhecida por DFE Films), fundado no mesmo ano em que a Filmation (1963). A DFE Films foi estabelecida por Friz Freleng e seu amigo e parceiro David H. DePatie. Juntos, eles conseguiram montar um estúdio aproveitando todos os equipamentos, infraestrutura e mesmo os funcionários da Warner Bros. Cartoons, que encerrou suas atividades com animação no cinema no ano de 1963. Além das séries de animação, o estúdio também teve atuação destacada junto à publicidade, especiais para a televisão, aberturas de programas e aos remanescentes theatricals – conforme vimos no capítulo anterior. Entre as principais séries produzidas pelo estúdio de Depatie e Freleng na década de 60 estavam: “Super President” (NBC, 1967-68), “Super Six” (NBC, 1966-69/reeditada em 1978), “Here Comes the Grump” (1969-71) e “The Pink Panther Show” (1969-78), este último o maior sucesso do estúdio.
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O programa apresentava, além dos episódios da célebre personagem Pantera Cor-de-Rosa, que lhe rendeu o único Oscar do estúdio em 1964, outras séries que o estúdio exibia de forma simultânea no cinema (theatricals), como “The Inspector” (O Inspetor), “Roland and Rattfink” (“Bom bom e Mau Mau”), “The Ant and the Aardvark” (“A Formiga e o Tamanduá”) e “Tijuana Toads” (“Toro e Pancho”) - a maioria destas criadas pelo talentoso roteirista e animador John W. Dunn. Além da estrutura, a DFE Films assumiu da Warner Bros. Cartoons também a produção de “Looney Tunes”. Inicialmente dirigido pelo próprio Freleng, o estúdio terceirizado acabou contratando Robert McKimson para a direção da série até o ano de 1967, quando a Warner Bros. decidiu reabrir seus próprios estúdios e assumir novamente a produção de “Looney Tunes”. Por um lado, a década de 60 marca o boom das séries de desenhos animados na televisão, saltando de 25 séries produzidas na década anterior para cerca de 150. Por outro, marca
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também o início da vigilância ideológica, sobretudo nas questões tangentes à violência, questões estas que outrora já haviam assolado o teatro, o rádio, os quadrinhos e o cinema. Em 1961, Newton Minow, executivo responsável pela FCC, já havia encabeçado um movimento de crítica à banalidade da televisão, que teve como principal alvo justamente os desenhos animados. Em resposta, foram produzidas e exibidas séries de caráter predominantemente educativo, como “Discovery”, “Exploring”, “1,2,3 – Go!” que, apesar de agradarem aos críticos, não tinham audiência expressiva e afastavam os principais anunciantes. Por isso mesmo, esse nicho de programas acaba confinado às emissoras públicas, que buscam no chamado “edutainment” (entretenimento educativo), uma forma de agregar às séries aspectos educativos de forma divertida. Um dos programas de maior sucesso na televisão norte-americana neste formato foi “Sesame Street”, programa em live action com pequenas cenas animadas e participação de bonecos de manipulação (puppets), criados pelo bonequeiro Jim Henson. Garibaldo e sua turma tiveram 37 temporadas e mais de 4100 episódios, tornandose um dos programas infantis de maior duração de todos os tempos. “Sesame Street” foi ainda exibido em mais de 120 países de todo o mundo, ganhando, em alguns casos, versões próprias que incorporavam conteúdos específicos destes países. No Brasil, “Vila Sésamo” tinha uma hora de duração e foi exibido nas redes Globo e Cultura de televisão durante a década de 70. Em 1963, Lyndon Johnson entra no lugar de Minow na FCC e adota a política “hands off”, isto é, de não intervenção direta sobre os programas de televisão. Contudo, sobretudo após a morte de John F. Kennedy (1963) e de Martin Luther King (1968), aumentam as críticas e pressões referentes à linguagem e ao conteúdo dos desenhos animados por parte da mídia e também por parte de diversos órgãos e entidades como NABB (National Association for Better Broadcasting) e ACT (Action for Children´s Television). Teóricos e pesquisadores do campo das ciências sociais dão suporte e legitimidade a estas críticas, como George Gerbner, autor da teoria da enculturação (cultivation theory). Segundo esta teoria, a televisão teria o poder de influenciar a maneira como as pessoas, sobretudo crianças em fase de formação, constroem suas identidades e passam a ver e interagir com o mundo. Por meio da criação de um ambiente simbólico comum sem precedentes, os telespectadores padronizariam seus pensamentos, comportamentos e atitudes a partir de modelos fornecidos pela televisão, que teria poder semelhante àquele ocupado pelas religiões em tempos ancestrais. Ainda segundo Gerbner, o nível de influência da televisão poderia variar em função da quantidade média de horas assistidas por dia pelas pessoas – quanto mais tempo assistido, maior a influência. Os estudos de Gerbner, aliados a pressão de órgãos como NABB e ACT, fazem com que a questão chegue ao congresso norte-americano por meio do senador John Pastore. Como resultado, além das novas séries educativas, surgem novos desenhos animados com humor mais leve, como “Wacky Racers” (“Corrida Maluca”) e “Scooby-Doo”. Desse modo, a década de 70 se inicia com um intenso debate sociológico como pano de fundo para as séries de animação. No ano de 1973, em artigo de grande repercussão de Bill Greeley na Revista Variety, os desenhos animados voltam a ser atacados. Entidades e
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organizações étnicas rezingam visões estereotipadas e reclamam maior representatividade nas séries. Independentemente da audiência, essas questões afetam diretamente os anunciantes, que, muitas vezes, por conta da pressão desses grupos, repensavam a associação da imagem de suas marcas aos desenhos animados. Ao mesmo tempo, o governo restringe a quantidade e o tipo de propaganda voltada para o público infantil (como, por exemplo, comerciais de doces ou de produtos que contivessem açúcar), considerando este público vulnerável às mensagens persuasivas da publicidade. Por fim, o licenciamento de produtos, outra importante fonte de receita dos estúdios, também é limitado pelo governo. Esta nova realidade impõe uma redução de custos que afeta toda a cadeia produtiva das séries animadas para a televisão, determinando novas estratégias e métodos de produção. O número de episódios por temporada cai de 26 para a metade. Reprises de séries antigas também passam a ser frequentes, desde que atendendo aos critérios qualitativos exigidos pelo governo e pelas entidades sociais representativas. Inicialmente com o objetivo de contemplar estas exigências educativas e sociais, surgem, como uma espécie de subproduto derivado das séries de desenhos animados, vinhetas e interprogramas animados. Trazendo as personagens mais conhecidas das séries, este novo formato animado, com duração entre 30 segundos e dois minutos, é exibido nos intervalos dos programas durante toda a grade de programação das emissoras, abordando temas socialmente edificantes de forma politicamente correta. Também era comum a presença de quadros especiais nos finais dos episódios, nos quais as protagonistas pediam para as crianças serem boazinhas, respeitarem seus pais, fazerem a lição de casa, se alimentarem direito e praticarem atividades físicas. Um dos principais nomes dos desenhos animados na década de 70 foi o do executivo Fred Silverman, entusiasta dos cartoons que chegou inclusive, ele mesmo, a dublar diversas vozes de personagens. Com passagem por importantes cargos executivos nas três grandes emissoras norte-americanas (ABC, CBS e NBC), o executivo garantiu a continuação de exibição de desenhos animados nestas emissoras em um período de grandes dificuldades financeiras para o setor. A década de 70 também presencia o surgimento de novas séries de animação para a televisão, normalmente dentro dos preceitos do socialmente edificante e do humor leve. Entre estas séries podemos destacar: “The Adventures of Gulliver” (“As Aventuras de Gulliver”, Hanna-Barbera, ABC 1970), “Doctor Dolittle” (“Doutor Dollitle”, DFE Films, NBC 1970-71), “Josie and the Pussycats” (“Josie e as Gatinhas”, Hanna-Barbera, CBS 1970-71), “Sealab 2020” (“Laboratório Submarino”, Hanna-Barbera, NBC 1972), “The Barkleys” (“Os Caretas”, DFE Films 1972), “Fat Albert and the Cosby Kids” (Filmation, CBS 1972-84), “Bailey’s Comets” (“Os Cometas”, DFE Films 1973), “The Addams Family” (“A Família Addams”, Hanna-Barbera, 1973-74), “Valley of the Dinossaur” (“Vale dos Dinossauros”, Hanna-Barbera, CBS 1974-76), “Baggy Pants and the Nitwits” (“Charlie Gato & Os Super Velhacos”, DFE Films, NBC 1977), “Captain Caveman and the Teen Angels” (“Capitão Caverna e as Panterinhas”, Hanna-Barbera, ABC 1977-80). Enquanto isso, do outro lado do mundo, os animes se consolidam na televisão nacional. No Japão, o termo “anime” é utilizado para designar todo e qualquer tipo de animação, onde quer que
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tenha sido produzido. No ocidente, entretanto, o mesmo termo é utilizado como uma designação genérica para se referenciar a todo e qualquer tipo de animação realizada no Japão, normalmente exibida em forma de série na televisão. A primeira animação realizada no Japão, “Imokawa Mukuzo Genkanban no Maki”, dirigida por Oten Shimokawa, é de 1917. Até a década de 60, o anime é exibido nas salas de cinema, principalmente na forma de curta-metragem. O primeiro anime exibido de forma não seriada na televisão foi “Three Tales” de Keiko Kozonoe, na NHK, no ano de 1960. No ano seguinte, a TBS TV (Tokyo Broadcasting System Television) exibe “Otogi Manga Calendar”, dirigida por Ryuichi Yokoyama, que é não apenas a primeira série de anime produzida e exibida no Japão, como também a primeira série de qualquer gênero televisivo produzida no país. O anime está estritamente ligado aos mangás, conhecido atualmente como as histórias em quadrinhos produzidas no Japão. Assim, é relativamente comum encontrar mangás que se tornaram animes e vice-versa. As raízes do mangá remontam ao século VIII, no período Nara, com os emakimonos, os primeiros rolos de pintura japonesa. Nestes, já era possível perceber histórias contadas por meio de imagens com texto em separado. No período Edo (séculos XVII a XIX), os rolos são substituídos por livros e os desenhos são comumente utilizados para ilustrar romances e poemas. Com o advento da estampa japonesa (ukyo-e), no século XVI, surgem livros com predomínio de imagens em relação ao texto escrito, em outras palavras, livros pensados muito mais para serem vistos do que propriamente lidos. Estes livros se tornam extremamente populares no Japão, onde o termo mangá, que em romaji (transcrição fonética do japonês para o alfabeto romano) significa “desenhos irresponsáveis”, foi cunhado no século XIX. O mangá moderno surge, entretanto, no século XX, a partir da influência das revistas comerciais européias e norte-americanas. O precursor do mangá moderno Osamu Tesuka tinha como principais referências obras de Walt Disney e dos irmãos Fleischer – os olhos grandes que caracterizam as personagens do gênero, por exemplo, teriam vindo de Betty Boop. Tezuka foi responsável por criar algumas das características que definem o gênero contemporaneamente, como o exagero nas proporções dos olhos, boca, nariz e sobrancelhas (que garantem maior expressividade facial), uso de efeitos gráficos (como os traços e as linhas que fazem alusão ao movimento), alternância de planos (semelhante, neste aspecto, ao storyboard) e uso da figura semântica de linguagem das onomatopeias. Antevendo a possibilidade de sucesso da adaptação dos mangás para séries de desenhos animados na televisão, dois dos principais estúdios de animes do Japão começam a produzir
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para a televisão na década de 60. O primeiro deles foi a Toei Animation, que contava em seu elenco com animadores como Isao Takahata, Hayao Miyazaki, Mamoru Oshii e Yasuo Otsuka. A primeira produção do estúdio veiculada na televisão japonesa foi “Ookami Shonen Ken”, no ano de 1963. Atualmente, o estúdio é considerado o maior produtor de anime do mundo. Após o vencimento de seu contrato com a Toei Animation, Osamu Tezuka resolve abrir seu próprio estúdio de animação, formando, inclusive, a própria mão de obra. Denominado Mushi Productions, o estúdio de Tezuka é inaugurado com o objetivo de concorrer com a Toei Animation. Logo na estreia, sua primeira série “Mighty Atom” (“Astro Boy”), exibida no Japão em 1963, atinge grande sucesso e é exibida em diversos países de todo o mundo durante as décadas de 60 e 70, inclusive nos Estados Unidos e Brasil. Adaptado a partir de um mangá de Tezuka originalmente publicado em 1952, “Astro Boy” foi o primeiro caso de um anime para televisão exibido fora do Japão com sucesso. Desde então, a grande maioria dos animes tem relação direta com mangás. Na maior parte das vezes, animes são feitos a partir do sucesso de mangás, mas, em outros casos, o anime também pode preceder o mangá ou mesmo ambos podem ser feitos simultaneamente. “Astro Boy” é uma série animada de ficção científica, ambientada em um futuro no qual seres humanos convivem com androides. O protagonista da série é Astro, um poderoso robô criado pelo ministro da Ciência, Dr. Tenma, para compensar a ausência de seu filho Toby, morto em um acidente de carro. Apesar de tratar Astro com carinho, Dr. Tenma percebe que o menino robô não é capaz de preencher a falta de seu filho. O cientista vende o menino robô para um circo, onde é posteriormente descoberto pelo novo ministro da ciência, Professor Ochanomizu, que o adota e o trata como um filho. Orientado pelo professor, Astro passa, por meio de suas habilidades e poderes, a combater as forças do mal, quase sempre representadas por robôs e alienígenas. Após seu início na década de 60, os animes se consolidam no Japão no final da década de 70, favorecendo a criação de uma forte indústria de animação no país. A Toei Animation produziu, nestas duas décadas, cerca de 50 séries, como “Uchuu Patrol Hopper” (“Space Patrol Hopper”, 1965), “Kaizoku Ouji” (“Pirate Prince”, 1966), “Himitsu no Akko-chan” (“Akko-chan’s Secret”, 1969-70), “Mahaou no Mako-chan” (“Magical Mako-chan”, 1970-71), “Mazinger Z” (“Tranzor Z”, 1972-74), “UFO Robo Grendizer” (1975-77), “Majokko Megu-chan” (“Witch Girl Meg”, 1974-75), “Getter Robo G” (“Starvengers”, 1975-76), “Magne Robo Gakeen” (“Magnetic Robot Gakeen”, 1976-77) e “Eiko no Tenshitachi: Pink Lady Monogatari” (“Glorious Angels: The Story of Pink Lady”, 1978-79). A Mushi Productions realizou um pouco menos neste mesmo período: 16 séries, conseguindo, entretanto alguma projeção com animes como “Ginga Shonen Tai” (“Galaxy Boys Squad”, 196365), “The Amazing 3” (“W3”, 1965-66), “Kimba, the White Lion” (“Kimba, o Leão Branco”, 1965-66), “Gokū no Daibōken” (“The Adventures of Goku”, 1965-66) e “Princess Knight” (“A Princesa e o Cavaleiro”, 1967-68). Desta forma, enquanto a indústria de animação vivia um momento delicado nos Estados Unidos, no Japão a década de 70 representou a consolidação do anime no país. Além da Toei Animation e da Mushi Productions, havia a Tatsunoko Production, que produziu cerca de 30 séries nestas duas décadas, e a TMS Enterteinment, principal estúdio de anime para cinema do Japão, que acumulou no mesmo período cerca de 35 séries exibidas na televisão. Surgem ainda
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outros estúdios especializados em animes para televisão, como A Pro, Madhouse Production, Sunrise e Nippon Animation. Juntos, os estúdios de anime no Japão produziram cerca de 210 séries de animação para a televisão nas décadas de 60 (55 ao todo) e 70 (com 155 títulos). Tais números transformaram o país, ao lado dos Estados Unidos, em um dos maiores produtores de séries de animação para a televisão e abriram as portas para a grande popularização da cultura japonesa em todo o mundo a partir da década de 80. Além das diferenças visuais em termos de design de personagem, traços de cenários e paleta de cores, os animes também guardam diferenças narrativas estruturais em relação aos desenhos animados norte-americanos, como a presença majoritária de universos fantásticos, batalhas épicas, tramas e subtramas complexas e, até mesmo, a morte da protagonista no final da série. Algumas das primeiras séries de anime exibidas a partir dos anos 70 com sucesso fora do Japão foram “Uchū Ēsu” (“Space Ace”, 1964-66), “Jungle Taitei” (“Kimba, the White Lion”, 1965-66), “Mahha Gō Gō Gō” (“Speed Racer”, 1966-68), “Taro Kid” (“Skyers 5”, 1967-69) e “Ribon no Kishi” (“Princess Knight”, 1967-68). A década de 80, nos Estados Unidos, também ficou conhecida como a “Era Reagan”, por conta do governo do presidente Ronald Reagan entre os anos de 1981 e 1989. Durante boa parte desse período, a FCC é presidida por Mark S. Fowler, que tinha como principal lema a máxima “deixe o mercado decidir”. Reflexo de uma era marcada por políticas favoráveis aos grandes negócios e ao laissez-faire, a visão de Fowler representa o entendimento da televisão como um meio de negócios mais do que um meio artístico ou mesmo educativo, com predomínio das formas de entretenimento. Assim, diversas séries baseadas em brinquedos preexistentes ou que foram criados a partir de licenciamento, dominam o cenário da animação na televisão. A parceria com empresas como Mattel e Hasbro promoveu uma espécie de saturação desse tipo de série de desenho animado, também conhecido em língua inglesa pela expressão “toys-cum-cartoons”. Séries populares pertencentes a esta categoria foram:
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“He-Man and the Masters of the Universe” (“He-man e os Mestres do Universo”, Filmation, 1983-85), “Dungeons & Dragons” (“Caverna do Dragão”, coprodução Marvel, Toei Animation e TSR Entertainment, 1983-85), “Transformers” (Sunbow productions, 1984-87), “Challenge of the GoBots” (Hanna-Barbera, 1984), “She-Ra, Princess of Power” (“She-Ra, a Princesa do Poder”, Filmation, 1985-87), “Thundercats” (Rankin/Bass, 1985-90), “Silver Hawks” (Rankin/Bass, 1986) e “Teenage Mutant Ninja Turtles” (“Tartarugas Ninjas”, Muramaki Wolf Senson, 1987-96). Nesse contexto de novo crescimento do setor, um estúdio francês radicado nos Estados Unidos em 1982 se torna um dos principais produtores de séries de animação para a televisão. Trata-se da DIC Entertainment, responsável pela produção de mais de 40 séries nos anos 80, entre elas: “Inspector Gadget” (1983-86), “Rainbow Brite” (1984-86), “Denis, the Menace” (“Denis, o Pimentinha”, 1986-88), “The Real Ghostbusters” (“Os Caça-Fantasmas”, 1986-91) e “G.I. Joe” (1989-91). A década de 80 marca também a entrada definitiva do anime no mercado norte-americano, por meio da exibição de séries como “Robotech” (Harmony Gold e Tatsunoko Productions, 1985-88), “Macron 1” (Ashi Productions, 1985), e “Tranzor Z” (Toei Animation, 1985-87). Em pouco tempo, o anime se oferece como uma commodity quente, isto é, um produto sem diferenciação, com baixo custo de produção e, consequentemente, de vantajosa aquisição para exibição nas emissoras. O sucesso do anime é tão grande, que ele se estabelece como uma espécie de um gênero próprio dentro da animação, atingindo um público segmentado e, na maioria das vezes, extremamente aficionado - também conhecidos pelo termo otaku. A consolidação do anime no Japão e em todo o mundo possibilitou que esse tipo de animação explorasse diversas temáticas e que surgissem, com o tempo, alguns subgêneros, como: artes marciais, aventura, comédia, drama, escolares, esportes, fantasia, ficção científica, garotas mágicas, hentai (erótico, pornográfico), horror, robôs (mechas), sobrenatural e inúmeros outros. A presença regular e crescente do anime na televisão de todo o mundo a partir de meados dos anos 70 pode ter influenciado, ainda na infância, uma série de animadores fora do Japão. Como consequência, é possível observar, sobretudo a partir dos anos 90, uma série de desenhos animados que, apesar de não serem considerados animes em si, incorporaram algumas características do gênero, como o design de personagens, o estilo da animação ou mesmo seus elementos narrativos. O aquecimento do mercado de animação fora dos Estados Unidos gerou grande oferta de mão de obra barata e qualificada, capaz de executar os mesmos serviços técnicos realizados pelos animadores norte-americanos por um custo muito inferior. Assim, muitos estúdios norteamericanos mantêm seus núcleos criativos no país, mas começam a terceirizar parte de suas animações no Japão, Filipinas, Coréia, Tailândia e em alguns países da América Latina, barateando significativamente os custos de produção e aumentando suas margens de lucro. Se por um lado houve o aquecimento do setor, por outro, a concorrência aumentou sobremaneira. Com a insistência da DFE Films em continuar produzindo séries de animação para o cinema e a rejeição em cortar custos de produção em detrimento da qualidade de suas animações, o estúdio não consegue se tornar competitivo dentro do novo panorama e acaba
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sendo comprado pela Marvel Comics em 1981. Freleng volta aos estúdios da Warner Bros., enquanto DePatie faz a transição para a nova empresa. A Hanna-Barbera também enfrenta problemas e passa pela década com dificuldades. Apesar de emplacar um grande sucesso no começo dos anos 80, com “The Smurfs” (“Os Smurfs”, NBC, 1981-89), perde sua liderança de duas décadas no setor. Após um novo sucesso, com “Muppet Babies” (CBS, 198491), o estúdio lança “The Funtastic World of Hanna-Barbera”, um programa semanal que reprisava suas principais séries, além de reeditar alguns novos episódios de “The Jetsons” (“Os Jetsons”). Em seguida, começa a produzir séries baseadas em suas antigas personagens, porém com idade infantil, como “The Flintstones Kids” (“Os Pequenos Flintstones”, ABC, 1986-88) e “A Puppett Named Scooby-Doo” (“O Pequeno Scooby-Doo”, ABC, 1988-91). Em 1987, o estúdio produziu “Hanna-Barbera Superstars 10”, um programa que incluía dez novas séries baseadas em seus clássicos. Nesse programa, apresenta-se um dos mais famosos crossovers da história da animação, “The Jetsons Meet the Flintstones” (1987-88), em que Elroy Jetson constrói uma máquina do tempo que acidentalmente leva sua família à pré-história, momento no qual irão conhecer os Flintstones que posteriormente, também por acaso, viajam no tempo rumo ao futuro. Em 1989, um especial no canal TNT (“Hanna-Barbera’s 50th: a Yabba Dabba Doo Celebration”) comemora os seus 50 anos de produções para a televisão. Entretanto, com poucas animações “no ar” e com sua mão de obra terceirizada na Ásia e Austrália, diversos profissionais do estúdio, como o produtor Tom Ruegger, aceitam o convite da Warner Bros. para a restruturação de seu departamento de animação. Lá, os ex-funcionários da HannaBarbera produzem séries como “Tiny Toon Adventures” (CBS, 1992-95) e “Animaniacs” (Fox Kids, 1993-95). Em 1990, a Hanna-Barbera licencia suas personagens para Universal Studios, que produzem algumas adaptações para filmes de longa-metragem em live-action. Desde 1967, a Hanna Barbera tinha como holding a Taft Broadcasting, empresa pertencente à família do ex-presidente norte-americano William Howard Taft. Passando por dificuldades financeiras, a Taft Broadcasting é comprada pela American Financial Corporation em 1987 e tem seu nome mudado para Great American Broadcasting. Afundada em dívidas, a nova companhia coloca à venda a Hanna-Barbera, que tem seus estúdios e acervos comprados pela Turner Broadcasting em 1991 por U$ 320 milhões. Em 1986, começa a funcionar uma quarta rede aberta de televisão nos Estados Unidos, a Fox Broadcasting, com emissoras nas seis maiores cidades norte-americanas, atingindo cerca de 25% da população do país – número bastante inferior aos das “Big Three”. No ano seguinte, é lançado na Fox “The Tracey Ullman Show”, apresentado pela atriz e humorista homônima e que contava com quadros musicais, humor e pequenas “pílulas” (“bumpers”) animadas, que eram apresentadas ao início e ao final de cada bloco. Uma dessas pílulas mostrava pequenas animações criadas por Matt Groening com as personagens de uma família chamada Simpson. Em três temporadas, foram produzidos 47 minutos de animação, ao longo de cerca de 50 pílulas no “The Tracey Ullman Show”. O sucesso da experiência foi tão grande que, em 1989, a Fox decide produzir episódios completos desta série para um programa de meia hora na emissora. O primeiro episódio exibido foi “Simpsons Roasting on an Open Fire”, um especial de Natal exibido em 17 de dezembro de
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1989. O segundo episódio da primeira temporada foi “Bart, the Genius”, exibido em horário nobre no dia 14 de janeiro de 1990. A primeira temporada de “The Simpsons” (“Os Simpsons”) teve 13 episódios exibidos no primeiro semestre de 1990 e, desde então, a série não saiu mais do ar no horário nobre. Atualmente, em sua vigésima segunda temporada e próxima da marca de quinhentos episódios, é uma das séries de animação mais assistidas de todos os tempos. O êxito de canais a cabo fundados no início dos anos 80 - como MTV, ESPN e CNN -provou haver espaço para a segmentação das emissoras na televisão. Ao invés do domínio das grandes emissoras abertas, que tratavam de temas gerais, tornou-se possível acompanhar canais específicos, que abordam um determinado segmento 24 horas por dia, como música, esportes, jornalismo e, posteriormente, animação. A partir da segunda metade dos anos 80 e início dos 90, os Estados Unidos presenciaram o surgimento de novos canais UHF, a cabo e também uma maior independência das emissoras locais, que passaram a produzir alguns programas próprios ao invés de simplesmente reproduzir integralmente o conteúdo das grandes redes. Estes eventos proporcionaram um aumento da demanda e, por consequência, uma maior oferta para programas que buscavam, em conteúdos e abordagens diferenciadas, estratégias para conquistar uma nova audiência. Apesar de serem consideradas menores, estas emissoras estavam, normalmente, mais abertas à inovação e dispostas a correr mais riscos do que os grandes canais tradicionais. Além disso, a elevada quantidade destas emissoras em todo o território norte-americano aumentou o volume de produções, ainda que não atingissem a mesma audiência dos programas exibidos em rede nacional. É importante observar que para a nova geração de adultos da época, independentemente da qualidade em si, os desenhos animados pertencem à memória de suas infâncias e, de uma forma ou de outra, colaboraram na formação identitária de toda uma geração. E é justamente na década de 90 que o desenho animado se expande e começa a ganhar prestígio. Além do elemento geracional mencionado acima e da diversificação e expansão dos canais de televisão, outros fatores colaboraram para esta transformação. Em primeiro lugar, houve o ressurgimento de longas-metragens em animação entre as maiores audiências, com filmes como “Who Framed Roger Rabbit” (“Uma Cilada para Roger Rabbit”, 1988), “The Little Mermaid” (“A Pequena Sereia”, 1989), “Beauty and the Beast” (“A Bela e a Fera”, 1991), e “The Lion King” (“O Rei Leão”, 1994). Tal ressurgimento fez com que a animação voltasse a se evidenciar na mídia em geral e também junto ao grande público, o que acabou por favorecer todo o setor. Outro elemento importante foi a ousadia de alguns canais locais e a cabo. Enquanto os canais abertos de televisão viviam uma espécie de “ressaca” das experiências passadas, com cópias de séries de sucesso, adaptações de celebridades e de super-heróis dos quadrinhos, além da reprise de séries antigas, os novos canais davam vazão à segmentação das séries animadas para a televisão. Em alguns casos, inclusive, exibindo séries animadas produzidas em outros países do mundo, o que auxiliou na diversificação e na ampliação do próprio entendimento do gênero. Um dos programas pioneiros na exibição de animação não americana nos Estados Unidos foi “Pinwheel”, exibido entre os anos de 1977 e 1990 no canal a cabo Nickelodeon. No programa, eram exibidos inúmeros curtas-metragens e séries de animações de países como Suécia, Inglaterra, Bélgica, França e, sobretudo, dos países do Leste Europeu.
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Neste sentido, também é válido registrar que a partir das políticas introduzidas por Mikhail Gorbachev em 1985, como a perestroika e a glasnot, na extinta União Soviética, e também a partir da queda do muro de Berlim (1989), grandes transformações começam a ocorrer nos países pertencentes ao regime político comunista do Leste Europeu. Se, por um lado, parâmetros capitalistas ocidentais passam paulatinamente a influenciar o cotidiano destes países, por outro, o resto do mundo passa a conhecer toda a diversidade e riqueza artística e cultural que se escondeu por trás da chamada Cortina de Ferro, principalmente nos países pertencentes às antigas União Soviética, Iugoslávia e Tchecoslováquia. O grande pioneiro da animação no Leste Europeu foi Vladislav Starevich, conhecido por suas animações em stop motion com insetos. Por ter ido morar na França, foi um dos poucos animadores soviéticos a ter sua obra conhecida e difundida mundialmente muito antes do fim da Guerra Fria. Seu principal trabalho, com grande repercussão internacional, foi o curta “La Voix du Rossignol” (“The Voice of the Nightingale”, 1923), premiado em todo o mundo. O cinema foi, como sabemos, um meio extremamente popular nos países do Leste Europeu, o que fez com que surgissem inúmeros estúdios que produziam propagandas, curtas e longas-metragens. É curioso notar que o desenvolvimento das principais características da animação nestes países se deu de forma própria, independente, isto é, sem intercâmbio com os demais países do mundo e longe de qualquer influência do dominante modelo norteamericano de produção. Apesar de, em alguns casos, serem utilizadas para propaganda ou sofrerem algum tipo de censura pelo governo, as animações dos países da Cortina de Ferro adquiriram formas, linguagens, estéticas e retóricas próprias, que permaneceram, durante muitos anos, confinadas nesses países, sem serem vistas no resto do mundo.6 Três grandes escolas de animação, responsáveis pela formação da mão de obra e pela produção das animações, podem ser apontadas como as principais do Leste Europeu até meados dos anos 80, e que ainda continuam ativas. A primeira delas, a Soyuzmultfilm, é um estúdio fundado em 1936, tendo produzido mais de 1.500 animações. No seu auge, o estúdio chegou a empregar mais de 700 funcionários e produzir cerca de 45 animações por ano. A Soyuzmultfilm também é conhecida pela enorme diversidade de temas, estilos e técnicas presentes em suas animações - diferentemente da maioria dos estúdios, que normalmente buscam determinadas especializações ou segmentações. Outra importante escola de animação do Leste Europeu é a Escola Checa, também conhecida por Escola de Praga. Suas animações pertencem atualmente a Krátký Film Praha – instituição criada por decreto presidencial em 1945 – da qual fazem parte dois importantes estúdios. Um deles, o Studio Bratři v triku, é considerado o maior estúdio de animação da República Checa. Por ele passaram alguns dos principais nomes da animação do país, como Jiři Trnka, Břetislav Pojar, Jiři Brdečka e Zdeněk Miler. Com mais de 1.600 animações produzidas e centenas de prêmios no mundo todo, o estúdio trabalha atualmente, além de desenvolver projetos próprios, em coproduções com a Alemanha, a Suíça, a Holanda e os Estados Unidos. 6. Após nova organização política e geográfica, os atuais países internacionalmente reconhecidos que ocupavam territórios pertencentes ao Leste Europeu são: Albânia, Armênia, Bielorrússia, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Croácia, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Georgia, Hungria, Letônia, Lituânia, Macedônia, Moldávia, Montenegro, Polônia, República Checa, Romênia, Rússia, Sérvia e Ucrânia.
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Além disso, há o estúdio de Jiři Trnka, no qual o animador desenvolveu a maioria de seus filmes utilizando a técnica de stop motion, por meio da manipulação de bonecos. Antes de animar, Trnka tinha grande experiência profissional com a criação de bonecos e também com ilustração. O animador, amplamente premiado e reconhecido, tornou-se notório por aliar uma alta carga poética em sua dramaturgia à pesquisa de novos materiais, processos e técnicas para seus trabalhos, tornando-se uma das maiores e mais importantes referências no mundo da animação. A terceira escola de animação de grande influência no Leste Europeu foi a Escola de Zagreb, formada principalmente pela Zagreb School of Animation (pertencente à Zagreb Film, fundada em 1953 e que produziu mais de 600 animações e recebeu inúmeros prêmios. Entre eles, um Oscar, em 1962, pelo curta “Surogat” (“Lonely Guy”) de Dušan Vukotić, que se tornou o primeiro animador não americano a ganhar tal prêmio. Entre os principais animadores da Escola, encontram-se nomes como os de Nikola Kostelac, Vatroslav Mimica, Dušan Vukotić e Vladimir Kristl. A Escola de Zagreb também se tornou conhecida pela produção de 12 séries, a maioria feita em película, mas também exibidas na televisão, como: “Inspector Mask” (195056), “Professor Balthazar” (1967-74), “Maxi Cat” (1972-73) e “Leteći Medvjedići” (“The Little Flying Bears”, coprodução com CinéGroup do Canadá, 1990-91). Além destes três principais, é importante frisar que dezenas de outros estúdios têm participação ativa e importante no cenário da animação no Leste Europeu. Dentre esses, podemos mencionar o NuKu Film Studio, localizado atualmente na Estônia e um dos principais estúdios de stop motion em todo o mundo, e a Pannónia Film Stúdió, produtora estatal húngara de curtas, longas e séries, responsável pela formação dos principais animadores do país, como Attila Dargay, Marcell Jankovics, Ferenc Rófusz, György Koyásznai, Sándor Reisenbüchler, István Orosz, Liviusz Gyulai, Dóra Keresztes e Zsolt Richlv. Com a queda da Cortina de Ferro, surgem também diversos novos estúdios de animação, não mais estatais, mas privados. Um deles é o estúdio Pilot, um dos primeiros estúdios privados do Leste Europeu, fundado em 1988 por Aleksandr Tatarskiy, Igor Kovalyov e Anatoliy Prokhorov. Conhecido pelo senso de humor aguçado e pela técnica apurada de suas obras, o estúdio, um dos maiores da Rússia, conseguiu rápida projeção com curtas-metragens como “The Hunter” (1993) e “Bukashki” (2003). Atualmente, o estúdio também desenvolve alguns projetos de séries de animação para a televisão. Ressaltamos que, apesar de haver um domínio comercial dos desenhos animados americanos e japoneses no mercado mundial, existem inúmeras experiências de séries de desenhos animados para televisão em diversos outros países de todo o mundo. Ainda que em menor volume e com menor projeção internacional, estas séries pensadas e produzidas fora do eixo dominante possuem, muitas vezes, qualidade e técnicas criativas tão grandes, senão maiores, do que as séries de maior sucesso comercial. No final deste capítulo, falaremos um pouco mais de algumas delas. Além de alguns programas de televisão, como “Pinwheel”, da Nickelodeon, diversas mostras e festivais começam a exibir com maior frequência e regularidade as animações dos países da extinta Cortina de Ferro. Nesses eventos, tanto o público quanto os realizadores passaram a ter um contato mais sistemático com essas obras. Também os estúdios do Leste Europeu dão início a coproduções com estúdios de outros países que, aos poucos, começam a ser exibidas na grade regular das grandes
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emissoras. Isso sem mencionar os próprios animadores desses países que migraram para os Estados Unidos e começaram a trabalhar na grande indústria dos desenhos animados. Com tudo isso, foi natural que a animação do Leste Europeu começasse a se tornar uma referência para a produção de séries animadas ocidentais. Podemos, portanto, levantar a hipótese de que, ao lado dos outros fatores aqui apontados, a queda da Cortina de Ferro tem relação direta com a renovação e diversificação dos desenhos animados norte-americanos a partir da década de 90. Uma das primeiras séries em que isso se manifestou de forma bastante perceptível foi “Rugrats”, produzida pelo estúdio Klasky Csupó, fundado pelo animador húngaro Gabor Csupó com sua esposa Arlene Klasky. Com a ampliação da cobertura para todo o território norte-americano e seu maior direcionamento para as séries de animação, o canal Nickelodeon resolve produzir, em 1991, séries originais de animação. Desta iniciativa, saem três das principais séries exibidas pela emissora nesta década. A primeira delas, “Doug” (1991-99), criada por Jim Jinkins, contava o cotidiano de Doug Funnie, um menino de onze anos, na cidade fictícia de Bluffington, para onde sua família havia se mudado. A segunda série foi justamente “Rugrats” (1991-2004), criada pelo estúdio de Gabor Csupó e Arlene Klasky. A série apresenta uma possível visão de mundo de uma turma de bebês, que conseguem se comunicar entre si, mas que não são compreendidos pelos adultos, apesar de conseguirem entender tudo o que estes dizem. Uma das personagens, Angelica Pickles, posteriormente adicionada à série, consegue se comunicar igualmente com os dois mundos, sendo assim uma espécie de elo entre eles. A série, destinada para o público infantil, conseguiu um fato raro: oferecer um entretenimento de qualidade com criatividade e que foi elogiado por pais, adultos e organizações sociais, premiado pelos críticos e adorado pelas crianças. A terceira série lançada pelos novos estúdios da Nickelodeon foi “Ren & Stimpy”, do criativo e irreverente animador canadense John Kricfalusi. Os episódios giram em torno das bizarras situações vividas pelos dois protagonistas que dão nome à série: Ren, um cachorro chihuahua neurótico e Stimpy, um gato bem humorado e estúpido. Com estilo de animação semelhante ao dos theatricals realizados entre as décadas de 40 e 60 (período conhecido como a Era de Ouro da Animação Americana), a série abusava de humor negro e de violentas trapalhadas. A ideia inicial da série surgiu em 1978, quando Kricfalusi, então estudante de animação, viu uma fotografia de Elliot Erwitt intitulada “New York, 1946”, na qual uma imagem registra próximo ao chão de uma rua urbana um chihuahua em primeiro plano, encarando a câmera ao lado dos pés de uma mulher. A primeira animação de Kricfalusi foi o curta “Ted Bakes One”, de 1979, exibido em festivais e alguns canais a cabo. Nos anos 80, trabalhou em diversas séries na Filmation e Hanna-Barbera, até passar a trabalhar em alguns projetos do diretor Ralph Bakshi, como o videoclipe de “Harlem Shuffle”, da banda Rolling Stones, e em alguns episódios do revival da série “Mighty Mouse” (“Super Mouse”). Em 1989, Kricfalusi apresenta o projeto de sua série para a Nickelodeon, que financia a produção de um episódio, “Big House Blues”, que foi animado no próprio estúdio de Kricfalusi,
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o Spümcø. No piloto, Ren e Stimpy são capturados pela carrocinha e vão parar em um canil, onde conhecem Jasper e Phil, este último enviado para tirar um “grande sono”. A vida dos dois parece estar por um fio quando são adotados por uma doce e delicada menina. O episódio foi exibido com sucesso em diversos festivais de animação pelo mundo, até que a Nickelodeon promovesse sua estreia na grade da emissora em agosto de 1991. Por conta das inúmeras controvérsias causadas pela série e pela resistência de Kricfalusi em adequá-la ao controle da emissora, o autor acaba desligado de “Ren e Stimpy” no final de 1992. No total, a série teve cinco temporadas e foi exibida até 1996, sem ter, as últimas, a mesma irreverência e ousadia que caracterizou as duas primeiras temporadas. Duas séries criadas pelo produtor Peter Keefe e dirigidas pelo animador Tom Burton consolidam um retorno à produção de séries de animação mais autorais para a televisão no início dos anos 90. A primeira delas, “Widget” (1990-92), tem como protagonista um extraterrestre roxo, oriundo da nebulosa Cabeça de Cavalo, que tem o poder de mudar de forma e possui um grupo de amigos formado por jovens humanos. Juntos, eles enfrentam diversos desafios, inclusive defender o planeta de perversos vilões alienígenas interessados em extrair os recursos naturais da Terra. A outra série criada por Keefe é “Mr. Bogus” (1993-94), dividida em duas partes distintas: a primeira animada de forma tradicional em acetato e a segunda em stop motion. Um dos ambientes recorrentes da série é um balcão de cozinha no qual as personagens passam por diversas aventuras com utensílios domésticos. A protagonista da série, Mr. Bogus, é uma estranha criatura que vive nas paredes de uma casa no subúrbio. Em alguns episódios, as histórias também são ambientadas em seu próprio mundo - Bogusland, uma dimensão paralela de formas curvas e distorcidas -, sempre apresentando enredos delirantes. Após o lançamento de “Doug”, “Rugrats” e “Ren & Stimpy”, a Nickelodeon produz uma quarta série, também com grande repercussão. Trata-se de “Rocko’s Modern Life” (“A Vida Moderna de Rocko”, 1993-96), criada pelo animador Joe Murray e cujo diretor criativo foi Stephen Hillenburg, que desenvolveria mais tarde sua própria série, “SpongeBob SquarePants” (“Bob Esponja Calça Quadrada”), no final da década. A série gira em torno de Rocko, um marsupial (wallaby) de formas antropomórficas, que imigrou da Austrália para a cidade fictícia de O-Town, nos Estados Unidos, onde passa por diversas situações e aventuras sui-generis. “Rocko’s Modern Life” é carregada de duplos sentidos, insinuações, alusões e paródias contemporâneas. Os episódios das quatro temporadas foram escritos por 30 roteiristas diferentes, o que garantiu uma enorme diversidade estilística dentro de uma linha mestra comum à série. Em 1996, a Nickelodeon desenvolve duas novas séries originais: “Kablam!” e “Hey Arnold!”. A primeira foi uma espécie de miscelânea de animações realizadas por animadores diversos com diferentes técnicas, que tinham em comum entre si apenas o tom humorístico do programa. Apesar da ousadia da proposta, a série teve quatro temporadas e foi descontinuada no ano de 2000. Já “Hey Arnold!”(1996-2002) traz como protagonista um menino cabeçudo, idealista, que sempre tenta fazer a coisa certa e ver o melhor das pessoas. O tom da série foi comparado, por muitos, com “The Charlie Brown and Snoopy Show” (1983-85), série baseada
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nos populares quadrinhos de Charles M. Schulz que, apesar de ter apenas duas temporadas na televisão, deixou uma considerável legião de fãs. O Nickelodeon está atualmente presente em mais de 200 países do mundo, incluindo Oriente Médio, Europa, Oceania, América Latina e Índia e possui ainda outros quatro canais a cabo: “Nick Jr”, voltado para crianças em idade pré-escolar; “TeenNick”, voltado para adolescentes; “TV Land”, com reprise de séries e programas “clássicos”, e “NickToons”, voltado exclusivamente para desenhos animados. O canal possui ainda um braço especializado na produção de filmes de longametragem em animação, a maioria deles baseados em suas séries de maior sucesso. Além do Nickelodeon, outro canal de grande importância para a história da animação na televisão foi o Cartoon Network. Como vimos, o canal surge a partir da aquisição, por parte do magnata das comunicações norte-americano Ted Turner, de todo o acervo da Hanna-Barbera. Turner pensou que, ao invés de usar este material de forma dispersa entre seus canais, poderia criar um veículo específico para tal propósito. Em 1994, o Cartoon Network era o quinto canal a cabo mais popular e, em 2001, o segundo – sucesso maior que as previsões mais otimistas de Ted Turner. Em seus primeiros anos, o canal vivia praticamente da reprise de séries adquiridas da Hanna-Barbera e de alguns outros estúdios. A primeira série original do canal foi “The Moxy Show” (1993), uma das séries de animação pioneiras contendo personagens animadas tridimensionalmente (3D). Parte do sucesso do Cartoon Network, a partir da década de 90, pode ser explicada por políticas e programas inteligentes para a produção de novas séries de animação. Em 1995, a Cartoon Network lança “What a Cartoon Show” (também conhecido como “The Cartoon Cartoon Show”), concebido pelo produtor e diretor criativo Fred Seibert. O conceito central do projeto foi abrir espaço para novos e talentosos animadores desenvolverem pilotos de séries autorais. Cada projeto selecionado contou com uma consultoria de dois experientes profissionais (Jesse Stagg e Kelly Wheeler) antes de passar por uma estreia mundial no canal. O primeiro piloto exibido foi “The Powerpuff Girls in Meat Fuzzy Lumpkins”, do animador russo Genndy Tartakovsky, em fevereiro de 1995. Ao todo, foram produzidos e exibidos 48 pilotos, dos quais 18 resultaram em séries regulares, algumas de grande sucesso como “Dexter’s Laboratory” (“Laboratório de Dexter”, 1996-2003), também de Genndy Tartakovksy, “Cow and Chicken” (“A Vaca e o Frango”, 1997-99), de David Feiss, “Johnny Bravo” (1997-2004), de Van Partible, “Ed, Edd n Eddy (“Du, Dudu e Edu”, 1999-2009), de Danny Antonucci, “Larry and Steve”, que mais tarde deu origem à série “The Family Guy”(1999-atual), de Seth MacFarlane, “Courage, the Cowardly Dog” (“Coragem, o Cão Covarde”, 1999-2002), de John Dilworth e “Mike, Lu & Og” (1999-2000), de Mikhail Shindel. A experiência de “What a Cartoon Show” foi considerada uma mistura do estilo clássico de produção dos theatricals da década de 40 com o humor e a originalidade das séries de televisão da década de 90. O êxito da iniciativa fez com que Fred Seibert lançasse “Oh Yeah! Cartoons”, o maior programa de desenvolvimento de desenhos animados de todos os tempos. Entre os anos de 1998 e 2001, o novo programa rendeu cerca de 100 episódios pilotos produzidos e exibidos, que deram origem a séries como “The Fairly OddParents” (“Os Padrinhos Mágicos”, 2001-atual), de Butch Hartman, “ChalkZone” (“Mundo Giz”, 2002-2009), de Bill Burnett e Larry Huber e “My Life as a Teenage Robot” (“Uma Robô Adolescente”, 2003-2009) de Rob Renzetti.
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Juntos, os dois programas de formação de séries ajudaram a revelar novos nomes da animação, como Alex Kirwan, Antoine Guilbaud, Bob Boyle, Bill Burnett, Butch Hartman, Byron Vaughns, Carlos Ramos, C. Milles Thompson, David Wasson, Jaime Diaz, Greg Emison, John Eng, John Fountain, Ken Kessel, Larry Huber, Pat Ventura, Rob Renzetti, Seth MacFarlane, Steve Marmel, Thomas Fitzgerals, Vincent Waller, Zac Moncrief. Outro canal de televisão que teve papel crucial para o desenvolvimento das séries de animação na década de 90 foi a MTV. Fundada em 1981, a emissora atingiu em cheio o público jovem e praticamente criou a indústria dos videoclipes. Entre um clipe musical e outro a emissora costumava desenvolver uma série de vinhetas utilizando técnicas experimentais de animação e de videografismo, reforçando sua identidade visual junto ao seu público. Dez anos após sua inauguração, em parceria com a BBC, a MTV lança uma das experiências mais radicais em termos de séries de animação na televisão: “Liquid Television” (1991-94). Com dezenas de episódios realizados por animadores independentes, isto é, com alguma experiência em curta-metragem, mas nenhuma em televisão, a série apresentava episódios diferentes entre si, mas que tinham em comum apenas uma linha mestra pautada em um visual diferente daquele normalmente visto nos desenhos animados. Com episódios variando da abstração à crítica, “Liquid Television” fez enorme sucesso junto ao público da emissora e serviu de base para o lançamento de algumas das futuras séries originais da MTV. A primeira destas séries foi “Æon Flux” (1991-1995), criada pelo animador coreano Peter Chung. Ambientada em um futuro distópico, a série incorporou referências diversas do anime, do artista austríaco Egon Schiele, de quadrinistas como Moebius e, segundo o próprio autor, até mesmo de técnicas de animação dos “Rugrats”. Com enredo singular e técnica apurada, “Æon Flux” agradou o público jovem fã de ficção científica. Em 1993, é lançada a série dos anárquicos “Beavis and Butt-Head” (1993-97), dois jovens fãs de rock pesado que vivem em uma conservadora cidade no Estado do Texas. A comicidade da série vem da não adoção de regras e convenções sociais por parte das personagens principais, normalmente agindo de maneira grosseira e desagradável com os outros – inclusive entre si. Desprovidos de bom senso ou de noção moral, Beavis e Butt-Head normalmente agem instintivamente e terminam os episódios sem maiores problemas, ainda que possam prejudicar outras personagens. Uma das cenas recorrentes na série mostra a dupla sentando-se em um sofá, ligando a televisão e começando a comentar um videoclipe de uma banda qualquer. Em 1996, a série ganhou um filme de longa-metragem animado, “Beavis and Butt-Head do America”. A MTV anunciou que a série deve voltar a partir de 2011. Em seguida, a emissora produziu e exibiu as séries “The Brothers Grunt” (1994-95), de Danny Antonucci, “The Head” (1994-96) de Eric Fogel, “The Maxx” (1993-98), baseada na personagem de Sam Kieth e dirigida por Gregg Vanzo, “Daria” (1997-2002) de Glen Eichler e “Downtown” (1999), uma sitcom animada criada e dirigida por Chris Prynoski, George Krstic e Anne D. Berstein. A MTV também ficou conhecida por duas séries originalmente desenvolvidas para o canal humorístico “Comedy Central”, mas que foram exibidas na emissora. A primeira delas “Dr. Katz, Professional Therapist” (“Dr. Katz, Terapeuta Profissional”, 1995-2002) criada por Jonathan Katz e Tom Snyder, na qual o terapeuta Dr. Katz tinha como cliente atores e humoristas famosos. Entre
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uma sessão e outra, a série era entrecortada por trechos do cotidiano do terapeuta, envolvendo normalmente seu filho Benjamin, sua secretaria Laura e seus dois amigos, Stanley e a garçonete Julie. Muitos dos diálogos da série eram definidos pelos próprios atores, por meio de improvisações a partir de temas ou situações norteadoras, depois da escrita do roteiro em si. A outra série exibida na MTV e produzida originalmente no “Comedy Central” foi “South Park” (1997-atual), de Trey Parker e Matt Stone. A série foi baseada em dois curtas realizados pelos autores em 1992 e que se tornaram um dos primeiros casos de mídia viral da Internet. A série apresenta quatro meninos (Stan, Kyle, Eric e Kenny, que sempre morre nos episódios) que vivem estranhas aventuras na cidade fictícia de South Park. Cercada de humor negro e sátira, “South Park” aborda uma ampla variedade de temas como sexo, violência, mídia, cultura pop e outros. Na esteira do sucesso permanente de “The Simpsons” e das demais séries exibidas em outros canais, a Fox lança, também no final dos anos 90, outros desenhos animados originais e criativos em horário nobre, com relativo sucesso, como “King of The Hill” (“O Rei do Pedaço”, coprodução da Film Roman, Deedle-Dee Productions, Judgemental Films e 20th Century Fox Television, 1997 - 2009) de Mike Judge e Greg Daniels, “Family Guy” (“Uma Família da Pesada”, coprodução Fuzzy Door Productions e 20th Century Fox Television, 1999 – atual) de Seth MacFarlane, “Futurama” (coprodução The Curiosity Company, Rough Draft e 20th Century Fox Television, 1999 – 2003; 2008 - atual) de Matt Groening e “The PJ’s” (coprodução Imagine Entertainment, Touchstone Pictures, The Murphy Company e Will Vinton Studios, 1999 - 2001), série de stop motion criada por Eddie Murphy, Larry Wilmore e Steven Tompkins. Um estúdio que volta a ter destaque na produção de séries de animação para televisão na década de 90 foi a Warner Bros. Cartoons, com duas séries baseadas em personagens do universo de Looney Tunes produzidas por Steven Spielberg e criadas por Tom Rueger: “Tiny Toon Adventures” (1990-95) e “Animaniacs” (1993-98). Em 1995, o estúdio lança duas séries originais e inventivas que trariam grande sucesso. A primeira delas, “Pinky and the Brain” (“Pinky e o Cérebro”, 1995-98), criada pela dupla Spielberg e Rueger, apresenta como protagonistas uma dupla de ratos brancos que utilizam os laboratórios Acme como base para seu principal plano: dominar o mundo. Pink é um rato branco, alto e bastante bobo, por vezes idiota. Cérebro é um rato branco baixo, gordinho e bastante inteligente. Os elaborados planos de Cérebro para dominação do mundo acabam sempre dando errado, normalmente por conta de alguma trapalhada de Pink. O principal antagonista da dupla é Bola de Neve (Snowball) um hamster amarelo de nariz vermelho que possui inteligência tão aguçada quanto a de Cérebro e que também deseja dominar o mundo, mesmo que para isso se utilize de métodos nefastos. A outra série da Warner Bros. Cartoons foi “Freakazoid!” (1995-99), criada por Bruce Timm, Paul Dini e Steven Spielberg, e que apresenta a história de um nerd que acaba acidentalmente indo parar no ciberespaço, de onde volta na forma de um super-herói de pele azul. Maníaco e insano, Frekazoid foge do estereótipo do super-herói clássico e convive em seu universo com uma série de personagens excêntricas, sejam elas aliadas ou não. “Tiny Toon Adventures” e “Animaniacs” foram exibidas por outro canal importante para a animação nesta década, a Fox Kids. Entre as cerca de 80 séries exibidas pela emissora nesta década, podemos destacar: “Bobby’s World” (“Mundo de Bob”, 1990-98), de Howie Mandel, “Taz-Mania” (1991-95), de Art Vitello, “Eek, the Cat” (1992-97), de Savage Steve Holland e Bill
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Koop, “Life With Louie” (1994-98), de Matthew O’Callaghan e Louie Anderson, “Where on Earth is Carmen Sandiego?” (“Carmen Sandiego”, 1994-99), criada por Pjil Harnage e dirigida por Joe Barruso, “Goosebumps” (1995-98), criada por R. L. Stine e dirigida por Deborah Forte. A Fox Kids exibiu ainda novas produções ou adaptações envolvendo antigas personagens dos desenhos animados, como “Tom & Jerry Kids” (1990-93), dirigida por Carl Urbano, Don Lusk, Paul Sommer, Robert Alvarez e Jay Sarbry, “Droopy, Master Detective” (1993-94) produzida por Joseph Barbera e dirigida por diversos animadores, “Casper” (“Gasparzinho, o Fantasminha Camarada”, 1996-98), dirigida por Marija Dail e “Godzilla” (1998-2000), dirigido por Audu Paden, Natan Chew, David Hartman e Sam Liu. A emissora a cabo da rede Fox também exibiu séries baseadas em super-heróis criados por Stan Lee, como: “Batman” (1992-95), desenvolvida e produzida por Bruce W. Timm, Eric Randomski e Alan Burnet, “X-Men” (1992-97), dirigida por diversos animadores e “Spider-Man” (“Homem-Aranha”, 1994-98), dirigido por Bob Shellhorn. Além dos canais de televisão aqui apresentados, outros três canais voltados para a animação surgem no final da década de 90: “Teletoon” (1997 – atual), “Treehouse TV” (1997 – atual) e “Animax” (1998-atual), este último voltado apenas ao anime. Juntos, são responsáveis pela exibição de dezenas de outras séries de animação na televisão. O período a partir do início da década de 90 é conhecido nos Estados Unidos como “American Animation Renaissance” (Renascimento da Animação Americana), e marca um novo crescimento não apenas quantitativo como qualitativo das séries de desenhos animados. Assim, podemos apontar a ampliação e a diversidade dos canais, a abertura da animação norte-americana para estúdios e animações estrangeiras, o fator intergeracional, os programas formativos de novos talentos, a ousadia criativa de novos animadores e as facilidades de produção introduzidas pelas tecnologias digitais como os principais elementos responsáveis por esse “renascimento”. Todavia, grupos e entidades sociais, como o ACT, voltam novamente a pressionar a FCC para tomar providências em relação ao conteúdo das novas séries. A ação surte efeito apenas nas séries de animação infantis, que passam a incorporar novas questões politicamente corretas, como a ecologia, por exemplo. Desta vez, porém, as séries de animação são consideradas iguais aos demais gêneros televisivos e produtos audiovisuais, devendo indicar a classificação etária e se adequar ao horário de exibição. Eventualmente, ações isoladas na justiça foram movidas contra algumas dessas séries, normalmente envolvendo questões particulares específicas, associadas à imagem de determinadas figuras públicas que sentiram ridicularizadas ou mencionadas indevidamente em determinados episódios. A virada de século vê o surgimento de um dos maiores sucessos da história do desenho animado, ao lado de “The Flintstones” e “The Simpsons”, “SpongeBob SquarePants” (“Bob Esponja Calça Quadrada, 1999-atual”), de Stephen Hillenburg, série da qual trataremos com mais detalhes no final deste capítulo. O início do novo século marca a consolidação das séries de desenho animado na televisão. O avanço constante das tecnologias digitais facilitou o desenvolvimento dos desenhos animados, reduziu o tempo de produção, inaugurou novas possibilidades criativas e favoreceu o modelo de coprodução internacional, aproximando estúdios geograficamente distantes.
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Além disso, novos canais exibidores de desenhos animados surgem em todo o mundo, como “Boomerang” (2000), “BBC Kids” (2001), “Adult Swim” (2001), “TV Rá-Tim-Bum” (2004), “Jetix” (2004-10), “Animania HD” (2004-09), “Cartoonito” (2006), “4Kids TV” (2008), “Tooncast” (2008) e “The Hub” (2010), ampliando ainda mais a janela de exibição das séries de animação. Apesar de não termos um distanciamento histórico que nos permita examinar fatos recentes com a mesma segurança com a qual examinamos o passado, podemos fazer algumas considerações sobre os desenhos animados nesta primeira década do século XXI. Em primeiro lugar, é possível observar uma descentralização, ainda que lenta e paulatina, do eixo Estados Unidos – Japão na criação, produção e distribuição de séries de animação para a televisão, mesmo que, em alguns casos, sob a forma de modelos de coprodução. Além da diversidade estilística, esse processo tem estimulado a indústria da animação em outros países que já desenvolveram (ou estão desenvolvendo) seu potencial no setor. Além do Leste Europeu, outras localidades vêm criando e produzindo, com alguma regularidade, séries originais de animação para a televisão, como Alemanha, Austrália, Canadá, Coréia, Dinamarca, Espanha, França, Índia, Inglaterra, Itália, Irlanda, México e Suécia. Outra tendência perceptível é o crescimento das séries adultas de animação. Da mesma forma que é um terrível equívoco considerar que toda animação seja infantil, também o é pensar que toda animação adulta seja pornográfica ou contenha palavrões. Devemos aqui, portanto, fazer uma observação a fim de diferenciar o conceito de censura do de públicoalvo. Uma série de animação adulta não necessariamente contém cenas de sexo, palavrões, violência e demais conteúdos inapropriados para menores. É claro que parte destas séries exploram temáticas consideradas mais “pesadas”, mas uma animação também pode, sem utilizar tais recursos, ser considerada adulta pela sutileza de seus traços, pelo tipo de humor ou pela complexidade de seu roteiro, por exemplo.
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Uma das primeiras séries na televisão a apontar esta tendência adulta foi “Space Ghost Coast to Coast” (“Space Ghost de Costa a Costa”, 1994-2001), criada por Mike Lazzo e exibida inicialmente no Cartoon Network. Pensada em um formato de paródia aos clássicos programas de entrevistas (talk shows), a série apresenta o protagonista Space Ghost como entrevistador de personalidades “reais”, que aparecem em uma tela de vídeo ao seu lado. Variação da série original da HannaBarbera desenvolvida nos 60, “Space Ghost Coast to Coast” resgatou uma galeria de vilões que ocupam agora papel de auxiliares, como o louva-a-deus gigante Zorak (líder da banda do estúdio), e o homem de lava dentro de uma armadura, Moltar (produtor do programa). Os dois trabalham como uma espécie de pena a ser paga por seus crimes prévios e não escondem seu desgosto e falta de motivação para a realização de tais atividades. Space Ghost ganhou um irmão gêmeo extremamente inteligente e de personalidade maquiavélica, Chad, que pode ser distinguido pelo cavanhaque, por uma voz mais grave e pelo uso de gírias em suas falas. Apesar de parodiar o formato de um programa de entrevistas, os episódios costumam criar situações inusitadas, como respostas sem sentido (provavelmente editadas previamente para não responder às perguntas do entrevistador). Outro exemplo ocorre no início do programa, quando o protagonista costuma perguntar para o entrevistado - uma personalidade humana do “mundo real” - sobre seus superpoderes. Sátira do estereótipo de apresentador de programas de entrevista, Space Ghost manifesta comportamentos e atitudes egocêntricas e arrogantes, é desinformado, desconhecedor de suas limitações e responde sempre de forma violenta às provocações. Exibidas depois das 23h30min (late night), as séries adultas de animação, como “Space Ghost Coast to Coast”, se proliferam por toda a televisão, culminando, em 2001, com a criação de um canal exclusivo para tal tipo de série, o “Adult Swim”. O nome do canal é uma analogia ao termo utilizado em língua inglesa para os horários em que piscinas públicas estão restritas ao uso de adultos. Entre as principais séries produzidas e exibidas pelo canal estão: “Robot Chicken” (“Frango Robô”, 2005-atual), de Seth Green e Matthew Senreich, “Aqua Tenn Hunger Force” (“Aqua Teen: O Esquadrão Força Total”, 2000 – atual), de Matt Maiellaro e Dave Willis, “Harvey Birdman: Attorney at Law” (“Harvey, o Advogado”, 2000-07), de Michael Ouwellen e Erik Ritcher e “Sealab 2021” (“Laboratório Submarino 2021”, 2000-05), de Adam Reed e Matt Thompson. A maioria destas séries baseia-se em releituras de personagens da Hanna-Barbera. O canal também exibe séries originalmente produzidas e/ou exibidas em outros canais, mas que se encaixem no perfil da programação, como “Family Guy”, “King of The Hill”, “American Dad”, “Futurama”, “The PJ’s” e também alguns animes mais voltados ao público adulto, como “Neon Genesis Evangelion” (Studio Gainax, 1995-96), criado por Yoshiyuki Sadamoto e dirigido por Hideaki Anno, “Bleach” (2004-atual), criado por Tite Kubo e dirigido por Noriyuki Abe, “Full Metal Alchemist” (2003-2004), criado por Hiromu Arakawa e dirigido por Seiji Mizushima, “Ghost in the Shell: Stand Alone Complex” (2002-2003), criado por Masamune Shirow e escrito e dirigido por Hajime Shimomura e “Cowboy Bebop” (1998-99), de Shinichirō Watanabe. Criado a partir do extinto canal TNN (The National Network), surge, em 2003, um novo canal com programação destinada ao público adulto jovem masculino (young male adults), Spike TV, posteriormente renomeado apenas como Spike. Apesar de não exibir apenas animações, o canal foi responsável pela criação de algumas séries destinadas ao perfil de seu público-alvo. Uma das primeiras iniciativas nesse sentido se deu em 2003, quando Kricfalusi foi convidado pelo canal para voltar a dirigir suas duas personagens, desta vez na série “Ren & Stimpy Adult
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Party Cartoon” (“Ren & Stimpy só para Adultos”, 2003-04). Todavia, a ousadia e irreverência foram tamanhas que a série teve grandes dificuldades em conseguir patrocinadores, o que acabou levando ao final da temporada no ano seguinte de sua estreia. Outras séries originais exibidas pelo canal foram “Gary, the Rat” (2003), escrito e dirigido por Mark e Rob Cullen, que tinha como protagonista um imoral rato advogado, “Stripperella” (2003-04), criada por Stan Lee e dirigida por Kevin Altieri, que apresentava a sexy heroína Erotica Jones, uma agente secreta que tinha como disfarce a profissão de stripper, além da reprise de algumas séries como “Conversation Pieces” (1983), de Peter Lord – um dos primeiros trabalhos do Estúdio Aardman.
A animação com temática mais adulta ou “séria” já era realizada há muito tempo por animadores como Ub Iwerks e Tex Avery. Apesar de não chegar a ser uma novidade em si, é a partir do século XXI que elas se multiplicam e ganham maior espaço, definindo assim um novo perfil de público e nicho de mercado. Estas séries, muitas vezes de baixo orçamento, se caracterizam, de uma maneira geral, por diálogos ágeis e inteligentes, personagens jovens, presença de animais estranhos, humor físico e sofisticado juntos, ironia e referências a temas contemporâneos. Além das séries adultas, é importante frisar que diversas outras séries originais infantis e kidults foram produzidas e exibidas nesta década. Entre as mais conhecidas podemos mencionar: “Clifford, the Big Red Dog” (“Clifford, o Gigante Cão Vermelho”, 2000-03), criada por Norman Bridwell, Deborah Forte, Martha Atwater e dirigida por John Over, “Yu-
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Gi-Oh” (2000-06), dirigida por Kunihisa Sugishima, “Samurai Jack” (2001-04), criada Gennddy Tartakovsky e dirigida por Tartakovsky e Rob Renzetti, “The Proud Family” (2001-05), criada e dirigida por Bruce W. Smith e Dooren Spicer, “What’s With Andy?” (“Lá Vem o Andy”, 200107), criada por Andy Griffiths e dirigida por Tim Deacon, “The Grim Adventures of Billy and Mandy”, (“As Terríveis Aventuras de Billy e Mandy”, 2001-08) dirigida por Maxwell Atoms, “Hamtaro” (2001-04), dirigida por Osamu Nabeshima, “Jimmy Neutron” (2002-06), dirigida por Keith Alcorn e Mike Gasaway, “¡Mucha Lucha!” (2002-05), dirigida por Eddie Mort e Lili Chin, “KND – Kids Next Door” (“Turma do Bairro”, 2002-08), dirigida por Tom Warburton, “Kim Possible” (2002-07), dirigida por Bob Schooley e Mark McCorkle, “Naruto” (2002-07) e “Naruto Shippuden” (2007-atual), criadas por Masatohi Kusakabe e dirigidas por Hayato Date, “Teen Titans” (“Jovens Titãs”, 2003-06), criada e dirigida por Glen Murakami, “Lilo & Stich” (200307), criada por Chris Sanders e Dean DeBlois e diridiga por Snaders, Debois, Roberts Gannaway, Tony Craig, Vic Cook e Don McKinnon, “Code Lyoko” (2003-07), dirigida por Tania Palumbo e Thomas Romain, “Atomic Betty” (“Betty Atômica”, 2004-08), dirigida por Trevor Bentley, Mauro Casalese, Rob Davies e Olaf Miller, “The Backyardigans” (2004-atual), dirigida por Dave Palmer, “Foster’s Home for Imaginary Friends” (“A Mansão Foster para Amigos Imaginários”, 2004-09), “Brandy and Mr. Whiskers” (“As Aventuras de Brandy e Sr. Bigodes”, 2004-06), criada por Russel Marcus e dirigida por Timothy Björklund, John McIntyre e Steve Loter, “Pocoyo” (2005-07), dirigida por Guillermo Garcia Carsí, Guillermo Garcia David Cantolla e Luis Gallego, “Charlie and Lola” (2005-08), criada por Lauren Child e dirigida por Kitty Taylor, “Avatar: the Last Airbender” (2005-08), criada por Michael Dante DiMartino e Bryan Konietzko e dirigido por Lauren MacMullan, Dave Filoni, Giancarlo Volpe, Ethan Spaulding e Joaquim dos Santos, “Camp Lazlo” (“O Acampamento de Lazlo”, 2005-08), dirigido por Joe Murray, “Ben 10” (2005-08), “Ben 10 Alien Force” (“Ben 10: Força Alienígena”, 2008-10), “Ben 10: Ultimate Alien” (“Ben 10: Supremacia Alienígena”, 2010-atual), criados por Duncan Rouleau, Joe Casey, Joe Kelly, Steven T. Seagle, Dwayne McDuffie e Glen Murakami, “Grossology” (2006-09), dirigida por Sylvia Branzei, “Pucca” (2006-09), dirigida por Craig McCracken e Rob Renzetti, “Ying Yang Yo” (2006-09), criada por Bob Boyle e dirigida por Mark Ackland, “The Emperor’s New School” (“A Nova Escola do Imperador”, 2006-08), criada e dirigida por Mark Dindal, “Back at Barnyard” (“O Segredo dos Animais”, 2007 – atual), criada e dirigida por Steve Oedekerk, “Total Drama Island” (“Ilha dos Desafios”, 2008), dirigida por Jennifer Pertsch e Tom McGillis, “The Penguins of Madagascar” (“Os Pinguins de Madagascar”, 2008 – atual), dirigido por Bret Haaland e Nick Filippi, “Kid vs Kat” (2008 – atual), criada por Rob Boutilier e dirigida por Boutilier, Josh Mepham e Greg Sullivan, “Phineas and Ferb” (2008 – atual), dirigida por Dan Povenmire e Jeff “Swampy” Marsh, “The Secret Saturdays” (“Os Sábados Secretos”, 2008 – atual), criada por Jay Stephens e dirigida por Scott Jeralds, “Inazuma Elleven” (“Super Onze”, 2008 – atual), “Star Wars: The Clone Wars” (“Star Wars: a Guerra dos Clones” -2008-atual), criada por George Lucas e dirigida por Genndy Tartakovsky e Rob Coleman, “Bakugan Battle Brawlers” (2010 – atual), dirigida por Mitsuo Hashimoto e “Kick Buttowski: Suburban Daredevil” (“Kick Buttowski: um Projeto de Dublê”, 2010- atual), criada por Sandro Corsaro e dirigida por Chris Savino. Outra tendência dos desenhos animados neste início de século é o crossmedia, processo pelo qual as séries também se tornam presentes em outras mídias e suportes, como filmes, games, sites na Internet, aplicativos e materiais extras (como ringtones, papel de parede para computador, comentários dos diretores, making ofs, etc), garantindo que o aficionado possa continuar interagindo com o universo da série mesmo após a exibição na televisão – sobretudo considerando o perfil de um público cada vez mais adepto das chamadas “novas mídias”. Além de “premiar” o espectador mais
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entusiasta e favorecer a fidelização de sua relação com a série, o crossmedia se apresenta ainda como uma expansão das formas tradicionais de licenciamento. Se, na televisão, as séries de animação se consolidam como um dos gêneros mais populares do audiovisual contemporâneo – foram produzidos mais desenhos animados nos últimos 15 anos do que em seus primeiros 45 anos na televisão –, uma nova gama de possibilidades se oferece na interface com as tecnologias e mídias digitais. Apesar da televisão ainda ser o principal meio para se produzir e exibir séries de animação, com o avanço dessas tecnologias, outros formatos podem oferecer interessantes possibilidades para futuros animadores. Desde os anos 80, a popularização do sistema de vídeo cassete doméstico, o VHS (Video Home System), permitiu outras formas de distribuição para algumas séries de animação. Uma primeira modalidade se deu por meio de um sistema chamado “direct to vídeo”, que possibilitava a venda de séries de animação diretamente para o público por meio de fitas VHS, disponibilizadas em lojas ou entregues pelo serviço postal, sem necessariamente serem exibidas previamente em emissoras de televisão. Assim, muitos estúdios pequenos e médios conseguiram viabilizar seus negócios, por vezes segmentados, sem depender das tradicionais estruturas das distribuidoras e emissoras de televisão. Outra modalidade inaugurada com o VHS foi a compilação de antigas séries “fora do ar” para colecionadores, ou mesmo para novos espectadores que não tiveram a oportunidade de assistir às suas exibições na televisão. Além de um aumento no faturamento, esta segunda modalidade possibilitou também que séries antigas permanecessem evidenciadas na memória do público. Atualmente esta estrutura de distribuição ainda existe, tendo atualizado o suporte do VHS para o DVD (Digital Video Disc) ou mesmo diretamente pela internet (on demand). A própria internet se oferece como território de projeção para dezenas de novas séries de animações, sobretudo de baixíssimo orçamento ou feitas por realizadores estreantes. Assim, alguns animadores têm encontrado na rede mundial uma forma possível de viabilizar suas produções e exibir seu material. Além do caso mencionado anteriormente de “South Park”, que se tornou um dos primeiros virais na internet, ganhando enorme projeção, outro caso de sucesso na rede é a série “Happy Tree Friends”, criada por Aubrey Ankrum, Rhode Montijo e Kenn Navarro, disponível na internet desde 2000, e também exibida em alguns países pela MTV (2006 – atual). O sucesso da série reside no contraste de seu visual “bonitinho” com o humor negro de seus enredos extremamente violentos, sendo por vezes comparada à “Itchy & Scratchy”, uma espécie de “metasérie” exibida dentro dos Simpsons. Não indicado para crianças, ainda que seja bastante popular entre elas, a série não apresenta fala (quando muito grunhidos ininteligíveis) e mostra, de maneira sádica e cruel, detalhes de alguma morte que irá inevitavelmente acontecer. Com personagens e protagonistas em formas de mamíferos antropomórficos, que se revezam na participação de cada episódio, a animação costuma começar com alguma situação cotidiana ordinária que antecede a anunciada tragédia. Ao final, é mostrado um trocadilho a partir de uma moral que resultou no final funesto da história, como por exemplo: “Por isso, nunca se esqueça de lavar atrás da orelha”. Assim, a série é assistida muito mais para se saber “como” do que exatamente “o quê” vai acontecer. Se, por um lado o caráter metamórfico da trajetória dos desenhos animados gera certa imprevisibilidade quanto ao seu futuro, por outro, sua constante renovação acompanha as
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próprias transformações da sociedade contemporânea – ao menos em comparação com certos gêneros audiovisuais televisivos que parecem permanecer “congelados”.
Séries de animação para televisão além dos Estados Unidos e Japão Como dissemos anteriormente, a grande maioria dos desenhos animados tem sido produzida pelos Estados Unidos e Japão. A partir da década de 80 percebemos o surgimento de grandes estúdios de animação voltados para a produção de séries para a televisão em países como Canadá, Inglaterra, França e, mais recentemente, Coréia do Sul e Espanha. Tais países produzem, atualmente, muitas séries de grande sucesso comercial exibidas em canais de televisão de todo o mundo. Todavia, devemos lembrar que a animação, independentemente da televisão, é uma arte universal e que pode se manifestar de diversas formas em diversos formatos – o desenho animado é apenas uma delas. Assim, muitos países desenvolveram uma tradição em animação mais expressiva e constante na produção de curtas-metragens do que em séries para televisão, por exemplo. Interessa-nos aqui, neste final de capítulo, mencionar – ainda que brevemente – algumas séries desenvolvidas fora do “grande eixo” comercial e que apresentaram alguma qualidade diferenciada, digna de análise. Contudo, isso não significa que essa diferenciação só possa se manifestar fora deste eixo – além de algumas das séries já mencionadas anteriormente, cito aqui, apenas a título de novo exemplo, a série americana “Lenore – the Cute Little Dead Girl” (2002) de Roman Dirge, inspirada no universo sombrio da poesia de Edgard Allan Poe. Uma das primeiras séries que gostaríamos de destacar é “Krteček” (“The Mole”), criada pelo animador checo Zdeněk Miler, que traz como protagonista uma simpática e curiosa toupeira. Com cerca de 50 episódios produzidos e exibidos de maneira irregular, entre os anos de 1963 e 2002, a série teve grande sucesso nos países do Leste Europeu. A primeira aparição da protagonista se deu em um curta-metragem voltado para o público infantil, que tinha como objetivo ensinar para as crianças o processo de produção do linho. A ideia expandiu-se, ainda que normalmente a personagem principal mostrasse como as coisas são feitas, sempre abordando um tema por episódio, como carro, telefone, pirulito e guarda-chuva, por exemplo. No primeiro episódio, havia a presença de um narrador que foi retirada. A série tornou-se, então, sem falas, sonoramente apresentando somente interjeições da toupeira, feitas pelos próprios filhos de Miler, que também serviam como uma espécie de consultores (público-alvo) dos episódios. Já “Bolek i Lolek” é uma série criada e dirigida por Wladyslaw Nehrebeck, exibida entre os anos de 1963 e 1986 com grande sucesso nas emissoras de televisão de alguns países do Leste Europeu. A série infantil apresentava dois irmãos, inspirados nos próprios filhos de Nehrebeck, que passavam muito tempo ao ar livre e se envolviam em algumas aventuras e peripécias em meio à natureza. Em 1973, em resposta às solicitações feitas pelo público, foi adicionada à série uma personagem feminina chamada Tola. Com traço singular e a presença de uma trilha sonora que auxiliava a pontuar as diversas situações dramáticas, os episódios também não possuíam fala. Na Polônia, país de origem da série, as personagens ainda hoje podem ser vistas licenciadas em diversos produtos e mídias. Em 1986, as personagens ganharam um filme de
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longa-metragem em animação, “Bolek i Lolek na Dzikim Zachodzie” (“Bolek and Lolek in the Wild West”), dirigido por Stanislaw Dulz e produzida pelo Studio Filmów Rysunkowych. Produzida na Zagreb School of Animation, a série “Professor Balthazar” foi criada pelo premiado animador croata Zlatko Grgić e dirigida por ele em parceria com Ante Zaninović e Boris Kolar. A primeira temporada surgiu a partir do sucesso da personagem principal no curta-metragem “The Inventor”, de 1967. No total, foram produzidos 59 episódios em quatro temporadas (1969, 1971/72, 1977 e 1978) da série, originalmente pensada para o público infantil. Porém, acredita-se que a presença de histórias com bases filosóficas e poéticas e a presença de mensagens humanistas universais tenha atraído também uma parte da audiência adulta à série. Professor Balthazar é um cientista interessado em sempre fazer o bem, preocupado com todas as formas de vida e em promover bons valores. Aliada à sua índole, encontra-se a inteligência e a criatividade que lhe são características. Elaborada em uma época na qual muitos cientistas estiveram a trabalho da indústria da guerra, “Professor Balthazar” mostra que o conhecimento também pode ser usado a favor de boas causas. “La Linea”, obra do cartunista e animador italiano Cava (Osvaldo Cavandoli), produzida pela RAI (Radiotelevisione Italiana), emissora estatal da Itália, foi exibida em mais de 40 países do mundo entre os anos 1972 e 1991. Em “La Linea”, Cava conseguiu resultados surpreendentes a partir da utilização de elementos mínimos. O cenário era representado por uma espécie de fundo neutro chapado em uma única cor que, eventualmente, mudava em função da dramaticidade da cena. Em um primeiro plano os episódios começavam sempre com uma linha branca a partir da qual se desenhava o contorno da personagem, que permanecia presa a esta linha. Ao caminhar horizontalmente pela linha, a personagem se deparava com uma série de obstáculos e elementos com os quais procurava interagir. Para tanto, a personagem olhava para cima e costumava recorrer ao próprio animador, cuja mão aparecia na tela para interferir diretamente no desenho. Com estrutura de produção enxuta, a série contava, além de Cava, com a participação do músico Franco Godi na sonorização e trilha sonora (com estilo predominante jazzístico) e do dublador Carlo Bonomi que interpretava grunhidos ininteligíveis emitidos pela personagem em resposta às diversas situações apresentadas. A ideia da série foi inicialmente utilizada pelo próprio Cava para a publicidade de uma marca de utensílios domésticos na Itália. Por meio de uma estética mínima, o autor conseguiu criar uma obra na qual a simplicidade é a sua própria razão de ser, sendo capaz ainda de gerar inúmeras situações decorrentes da relação entre “criatura e criador”. Na Hungria, em 1978, a série infantil “Kockásfülű Nyúl” (“The Rabbit with Checkered Ears”), fez enorme sucesso junto às crianças na Magyar Televizió, canal estatal de televisão do país. Criada pela escritora e artista gráfica Veronika Marék, animada por Zsolt Richly e realizada no Pannónia Film Stúdió, a série girava em torno das enrascadas de quatro crianças (Kriszta, Menyus, Kistöfi e Mozdony), das quais o coelho com as orelhas listradas procurava livrá-las. A série foi bastante popular durante sua primeira exibição e ganhou diversas reprises, inclusive nos anos 2000, tornando o coelho protagonista a principal mascote da animação no país. “Leteći Medvjedići” (“The Little Flying Bears”) é outra série realizada na Zagreb School of Animation, em uma coprodução Croácia – Canadá, criada por Pero Kvesić e dirigida por Jean Sarault no ano de 1990. O desenho animado apresenta uma rara espécie de pequenos ursos
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alados que vivem em uma comunidade cooperativa utópica, em uma floresta mágica. Juntos, eles devem impedir que as doninhas Shulk e Sammy, a cobra Slinky, a aranha Grizelda e o rato Spike consigam poluir a floresta e acabar com sua harmonia. Nessa missão, os ursos contam com os conselhos de Plato, o mais sábio dos ursos, porém muito velho para voar e da intrépida coruja Ozzy. Por fim, outra série recente que gostaríamos de destacar é “Bob and Margareth” (19982001), uma coprodução Inglaterra-Canadá, criada por David Fine e Brit Alison Snowden – marido e mulher na “vida real”. A ideia da série surgiu a partir do curta dirigido pela dupla, “Bob’s Birthday”, vencedor do Oscar em 1994, que apresentava de forma cômica os planos de uma mulher (Margareth) organizando os preparativos para uma festa surpresa do quadragésimo aniversário de seu marido (Bob), enquanto ele lida com uma repentina crise de meia-idade. Na série, os protagonistas são apresentados como um casal inglês trabalhador de meia idade que tem dois cães (William e Elizabeth), mas nenhum filho. Bob é dentista e Margareth uma podóloga. Juntos, os dois vivem questões cotidianas em uma cidade ao sul de Londres. Nas duas últimas temporadas, o casal se muda para a cidade de Toronto, no Canadá e temas relacionados ao choque cultural tornam-se frequentes. Produzida nas mais diferentes épocas e lugares, com formas e características diversas, a animação parece romper barreiras aparentemente intransponíveis e, muitas vezes, aproximar culturas consideradas distintas e mesmo momentos históricos diversos. No próximo capítulo, veremos como foi a participação brasileira neste cenário da produção de séries de animação para a televisão e qual é o panorama atual do setor no país, tratando da experiência do ANIMATV e das perspectivas para a futura criação de uma indústria da animação no Brasil.
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a experiência 2.3 brasileira
2.3 A Experiência Brasileira Assim como na maioria dos países no mundo, o Brasil exibiu, desde a chegada da televisão com Assis Chateaubriand, séries de animação produzidas principalmente pelos Estados Unidos. Estas séries eram negociadas com emissoras de todo o mundo, isto é, uma mesma série podia ser exibida simultaneamente por diferentes emissoras, desde que não concorressem diretamente entre si. Como estas séries normalmente já haviam sido “pagas” internamente, sua comercialização internacional permitia uma receita extra para os estúdios e distribuidoras. Para as emissoras, o preço era atraente, normalmente inferior ao de se produzir o próprio conteúdo e o retorno comercial era garantido. No Brasil, a primeira série de animação que foi ao ar na televisão foi “Pica-Pau”. No dia 19 de setembro de 1950, um dia após sua fundação, a TV Tupi, primeira emissora de televisão do país, exibiu o episódio “Pica-Pau Biruta”. A emissora também exibiu posteriormente outras séries, como “Jambo e Ruivão”, “Pal’s Puppetoons” “Comicolor” e “Terrytoons”. No final dos anos 50, surgiram “Super Mouse”, “Faísca e Fumaça” e “Deputy Dawg”, de Paul Terry. A partir dos anos 60, foi a vez de outras séries serem exibidas na emissora, como “Zé Colméia”, “Os Flintstones”, “Mandachuva”, “Os Jetsons”, “Popeye”, “A Pantera Cor-de-Rosa”, “O Inspetor”, “XL-5 Stingray”, “Saturnin” (série de animação francesa de Jean Tourane) e “Speed Racer”, além de alguns curtas animados dos Estúdios Disney. Inicialmente, os episódios que tinham fala eram exibidos no idioma de origem, normalmente o inglês, sem qualquer tipo de legenda ou dublagem. As dublagens para português dos desenhos animados começaram apenas em 1960, na TV Rio, com alguns episódios de séries da Hanna-Barbera. A emissora também exibia episódios da Van Beuren, como “Gato Félix” e, posteriormente, “Dom Pixote”, “Pepe Legal”, “Comicolors”, “Thunderbirds”, “Wally & Gator”, “Lippy & Hardy”, “Tartaruga Touché”, “Show do Pernalonga”, “Space Ghost”, “Frankstein Jr. & Os Impossíveis”, “Brasinhas do Espaço”, “Super-Heróis Marvel”, “Benny & Cecil”, “Os Muzarellas” e “Alvin e os Esquilos”.
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Outras emissoras brasileiras da década de 60 também exibiam animações, como a TV Continental (“Gandy Goose e Sourpuss”, de Paul Terry) e a TV Excelsior (“Merrie Melodies”, “Looney Tunes”, “Gasparzinho”, “Popeye”, “Mr. Magoo”, “Sombras e Silhuetas”, “Betty Boop”, “Hugh Harman”, “Laurel & Hardy”, “Recruta Zero” e alguns curtas animados da Van Beuren). A partir da primeira metade da década de 60, todos os desenhos animados exibidos na televisão brasileira começam a ser dublados. A Rede Globo, criada em 1965, exibia inicialmente quatro séries: “Jambo e Ruivão”, “Hércules”, “Gato Félix” e “Jonny Quest”. A partir de 1967, a emissora passou a exibir também “Maguila Gorila Show”, “Peter Potamus Show”, “Ricochete e Blau-Blau”, “Bacamarte e Chumbinho”, “Matraca e Fofoquinha”, “Mosquete, Mosquito e Moscardo”, “Os Herculóides”, “Mobby Dick & Mighty Thor” e “Shazzam”. Outras séries exibidas no país durante a década de 60 foram: “Batfino”, “Dick Tracy”, “Super Presidente e o Sombra”, “Gato Coragem e Rato Minuto”, “Simbad Jr.”, “Roger Ramjet”, “Super 6”, “Clutch Cargo”, “Anjos do Espaço”, “As Viagens de Gulliver”, “Josie e as Gatinhas”, “The Archies”, “Super Seven”, “Jackson Five”, “Viagem Fantástica”, “Sansão e Golias”, Corrida Maluca”, “Fantomas”, “Captain Scarlet”, “As Novas Aventuras de Huckleberry Finn”, “Laboratório Submarino”, “Banana Split”, “The Beatles”, “Abbot e Costelo”, “HomemAranha”, “Scooby-Doo” e “Turma da Gatolândia”. Com a popularização da televisão no Brasil, as séries de animação televisivas já se constituíam um gênero próprio e faziam parte, portanto, do repertório de seus telespectadores, sobretudo os jovens e as crianças da época – isto é, os adultos de hoje. Demoraria ainda, entretanto, muito tempo até que séries de animação brasileiras pudessem ser desenvolvidas. A dificuldade em se falar da história da animação no Brasil é inversamente proporcional a sua perseverança e qualidade técnica e criativa, sobretudo, mas não apenas, no campo da publicidade e do curta-metragem mais autoral. Essa história começa em 1907, de maneira experimental e esporádica, com as pequenas charges animadas feitas por Raul Pederneiras para terminar a exibição dos cinejornais projetados nas salas de cinema. Em 1910, Alberto Botelho e Alberto Moreira lançam o curta em animação “Paz e Amor”, uma crítica aos acontecimentos da campanha civilista e ao governo do presidente Nilo Peçanha. Os nomes das personagens principais eram apresentados como anagramas de figuras políticas conhecidas da época, como o próprio presidente, representado pela personagem El-Rei Olin I. Entretanto, o protagonista da animação era Tibúrcio da Anunciação, conhecida personagem da época, criada pela Revista Careta e que era responsável pela condução de toda a trama do filme. A animação foi ainda pintada à mão (fotograma por fotograma), tendo suas projeções exibidas, de maneira pioneira no país, em cores. Em 1917, Alvaro Marins (Seth), financiado por Sampaio Corrêa, lança “O Kaiser”, uma pequena história na qual Guilherme II, o líder alemão perfilava junto aos nacionalistas brasileiros (que pregavam o alistamento militar obrigatório) e, brincando com o globo mundial7, tentava dominar o mundo com seu capacete. No final, o mundo cresce, foge ao seu controle e acaba engolindo-o. 7. Apesar de não haver mais nenhuma cópia desse filme, segundo relatos, a ideia é bastante semelhante à famosa cena do filme de Chaplin (“O Grande Ditador”, 1940), no qual ele brinca com um globo terrestre inflável. Ainda assim, não há registro sobre o conhecimento do comediante a respeito do curta de animação brasileiro.
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No mesmo ano, são exibidos “Traquinagens de Chiquinho e seu Inseparável Amigo Jagunço”creditado apenas à Kirs Filmes, no qual são utilizados personagens da revista infantil Tico Tico - e “As Aventuras de Bille e Bolle”, com desenhos de Eugênio Fonseca Filho (Fonk) e produção de Gilberto Rossi. Na década de 20, a produção de animação no Brasil seguiu de forma irregular devido, sobretudo, às dificuldades de realização oriundas da falta de apoio e do distanciamento técnico e tecnológico dos grandes centros mundiais. Entretanto, o interesse pela novidade que a animação representava motivou a criação de novas peças, muitas destas utilizadas como propagandas nas salas de cinema, como “Sapataria Pé de Anjo” e “Cigarros Sudan”, na cidade do Rio de Janeiro. Seth produziu pequenas peças para publicidade em cinema e um trecho de um minuto para o documentário “Operação de Estômago”, de Luiz de Barros (1928). Luiz Seel e o caricaturista Belmonte lançam, em 1928, uma série de seis charges animadas intituladas “Brasil Animado”. No ano seguinte, Seel lança “Macaco Feio, Macaco Bonito”, a história de um macaco bêbado que foge do zoológico e é perseguido por animais do local e pela polícia – esta, provavelmente, a primeira animação brasileira que ainda possui registro fílmico conservado. Em 1930, Seel lança outro curta, “Frivolitá”, a história de uma mocinha coquete que enfrenta uma série de objetos animados ruidosos para tentar dormir até mais tarde. Em 1938 e 1939, o quadrinista Luiz Sá produz dois episódios com o protagonista Virgolino: “As Aventuras de Virgolino” e “Virgolino Apanha”. Segundo relatos, eram animações com um traço bastante sofisticado e um estilo próprio bastante apurado. Sá queria mostrar suas animações para Walt Disney (que, como parte da política da boa vizinhança norte-americana, visitou o país em 1939), mas foi impedido, porque seus filmes haviam sido recusados pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) do governo de Getúlio Vargas. Um desses filmes se perdeu no laboratório e outro, foi vendido para uma loja de projetores, que o distribuiu cortado em vários pedaços aos seus clientes. Com apenas 13 anos de idade, Anélio, junto com seu irmão Mário Latini, realizam “Os Azares de Lulu”, em 1940. Dois anos depois, Humberto Mauro, conhecido por seus documentários e um dos mais importantes nomes do cinema brasileiro, realiza para o INCE (Instituto Nacional de Cinema Educativo) “O Dragãozinho Manso”, primeira animação com manipulação de bonecos em tempo real realizada no país – sem, contudo, utilizar a técnica de stop motion. A obra, destinada ao público infantil, não é considerada importante na carreira de Humberto Mauro e é pouco vista e conhecida. O filme conta a história do dragão Jonjoca que, ao ser derrotado por São Jorge, torna-se bonzinho, mas, por sua fama, não consegue fazer amizade com os homens nem com outros animais. Depois de ganhar o dom da invisibilidade de São Jorge, o dragão voa pelo mundo, em companhia de sua amiga Maria Terezinha, fazendo boas ações. No final, o dragão se transforma em um príncipe, casa-se com Maria Terezinha e juntos vão morar na Lua. Na década de 50, além da iniciativa privada, o governo passa a utilizar animações como propaganda, como, por exemplo, na campanha destinada à higiene e prevenção de contágio de doenças realizada pelo SESP (Serviço Especial de Saúde Pública) durante o segundo governo de Getúlio Vargas. Entre as animações criadas, estava uma série desenvolvida por Rui Pieroti, que tinha como personagens principais a dupla Sujismundo e Dr. Prevenildo. Em 1953, após seis anos de trabalho árduo e ininterrupto, Anélio Latini finaliza praticamente sozinho, realizando quase todas as etapas e tarefas, o primeiro filme de longa-metragem animado da história da
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animação brasileira: “Sinfonia Amazônica”. Latini chegou a trabalhar até 20 horas por dia para concluir o filme, que tem cerca de 500.000 desenhos diferentes. “Sinfônia Amazônica” conta sete lendas amazônicas típicas (“Noite”, “Formação do Rio Amazonas”, “Fogo”, “Caipora”, “Jabuti e a Onça”, “Iara” e “Arco-Íris”), amarradas pelo pequeno índio Curumi, que tem como companheiro de aventuras um boto. Além dessas, o filme apresenta outras personagens, como o malandro Jabuti, grande tocador de flauta, a Grande Cobra, mãe de todas as águas e sua filha Iara, a deusa das águas, o pássaro noturno Urutau, sempre apaixonado pela Lua, o arteiro Curupira, defensor da floresta, o temido Caapora, senhor da luz, o pássaro Japu, responsável por trazer o fogo sagrado do céu, o grande Mapinguari e o pajé da tribo. O filme conta ainda com um importante making of, no qual são apresentadas as técnicas de animação utilizadas por Latini e os detalhes de produção da obra. O negativo encontra-se conservado na Cinemateca Brasileira e uma empresa do Rio de Janeiro está captando recursos para restaurar e digitalizar esta obra pioneira da animação brasileira. Apesar do sucesso de público, Latini não recebeu devidamente sua parte na renda da bilheteria do filme, o que fez com que desistisse de realizar seu outro projeto, “O Kitan da Amazônia”. No final da década de 50, Rubens Francisco Luchetti e o italiano, radicado no Brasil, Bassano Vacari fundam o Centro Experimental de Ribeirão Preto, espaço destinado às experimentações dos artistas plásticos em animação. Entre 1959 e 1962, a dupla produziu diversas animações experimentais, como “Abstrações”, “Rinocerontes”, “Vôo Cósmico”, “Arabescos” e “Cattedrale”. No mesmo período, Roberto Miller, também conhecido pela alcunha de “o feiticeiro das imagens”, faz um estágio no National Film Board do Canadá junto de seu mestre e amigo Norman McLaren. Ao retornar ao Brasil, Miller participa por algum tempo do Centro Experimental de Ribeirão Preto, onde produziu algumas de suas primeiras animações no Brasil, como “Sound Synthetic”, “Till Ton Special”, “Rock and Roll”, “Sinfonia Moderna” e “Sound Abstract”. Com amplo domínio de diversas técnicas da animação experimental e abstrata, Miller tem uma das mais amplas e ricas produções em animação de todos os tempos no Brasil, com quase 50 anos de carreira. Suas obras foram amplamente exibidas e premiadas em todo mundo; entre elas destacam-se: “Rumba”, “Boogie Woogie”, a série de quatro animações “Desenho Abstrato”, “Átomo Brincalhão”, “Balanço”, “Carnaval 2001”, “Can-Can”, “Ballet Kaley”, “Opus 3”, “Spit”, “Biscuit”, “Batucada”, “Faces”, “Feiticeiro Azul”, “Laser Beam”, “Temptation”, “Triangular Color”, “Visual World”, “Cultura”, “Strip Clip”, “Paralelas”, “Splash”, “Soap”, “Uma Nova Experiência”, “Spit Voodoo Key” e “Este Número não Existe”. Em 1965, no MASP (Museu de Arte de São Paulo), é realizado o “I Festival Internacional de Cinema de Animação no Brasil”. Em uma época em que o intercâmbio internacional não era tão frequente, a mostra permitiu aos animadores e ao público conferir animações de vários países do mundo. Além dos curtas, havia um programa especial com filmes de animação de publicidade produzidos na Holanda, Inglaterra e no Brasil. Desse festival, participam dez obras brasileiras produzidas por sete realizadores entre os anos de 1957 e 1965: “Ensaio de Cor Animada”, de Ana Sacerdote, “Tourbillon” e “Vôo Cósmico”, de Rubens Lucchetti e Bassano
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Vaccarini, “O Homem e sua Liberdade”, de Ayrton Gomes, “A Lenda da Vitória Régia” e “Gorila”, de Ype Nakashima, “Uma História do Brasil Tipo Exportação”, de Hamilton de Souza, “Rumba”, “Boogie Woogie” e “Átomo Brincalhão”, de Roberto Miller. Em 1967, alunos da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, animadores, artistas plásticos e entusiastas da animação fundam o CECA – Centro de Estudos de Cinema da Animação. Apesar de ter tido apenas um ano de existência, o CECA produziu muitas animações e deu origem, em 1968, ao Grupo Fotograma. O novo grupo produziu diversas mostras no Museu de Arte Moderna e um programa regular de animação na extinta TV Continental (canal 9, Rio de Janeiro). As animações produzidas pelos integrantes do Grupo Fotograma foram exibidas e premiadas nacional e internacionalmente. Entre seus membros estavam: Rui Oliveira, Jô Oliveira, Carlos Alberto Pacheco, Pedro Ernesto Stilpen (Stil), Sérgio Bezerra Pinheiro, Pedro Aares, Ênio Lamoglia Possebox, Hiroqui Ono, Stenio Pereira, Roberto Chiron, entre outros. O Grupo se desfez em 1969, mas muitos de seus integrantes continuaram animando, como Aares, Ono, Chiron e Stil – este último animador com bastante projeção com curtas nas décadas de 60 e 70 como “Batuque”, “Urbis”, “Os Filhos de Urbis”, “Lampião, ou Para cada Grilo uma Curtição”, “Reflexos”, “Statuos Quo”, “Faz Mal”, “As Quatro Estações”, “Super-Tição” e “Asdrúbal – O que É que Há com o seu Peru?”. A década de 60 marca ainda uma maior entrada da animação na publicidade (cinema e televisão), com a profissionalização de animadores como Ruy Peroti, Wilson Pinto e o francês radicado no Brasil Guy Lebrun. A publicidade também funcionou como a principal fonte de renda de muitos outros animadores que mantinham de maneira independente, isto é, com recursos próprios, suas produções autorais. No início dos anos 70, Álvaro Henrique Gonçalves, que já havia animado os curtas “A Cigarra e a Formiga” (1956) e “O Índio Alado” (1967), lança o segundo filme de longa-metragem em animação do Brasil, “Presente de Natal”. Terminado em 1971, o filme, totalmente colorido, teve problemas de distribuição e praticamente só foi exibido na cidade de Santos, no estado de São Paulo, permanecendo desconhecido por grande parte do público e da crítica. No ano seguinte, o japonês radicado no Brasil, Ypê Nakashima, lança “Piconzé”, terceiro longa-metragem de animação do Brasil, feito por Nakashima praticamente sozinho durante seis anos de trabalho. Com trilha sonora composta por Damiano Cozella e letras do poeta e ensaísta Décio Pignatari, a animação possui grande qualidade técnica, decorrente da própria atuação profissional de Nakashima junto à animação. Com 80 minutos de duração, o filme fez grande sucesso na época. Infelizmente o animador faleceu em 1974, deixando inacabado seu segundo longa-metragem, “Irmãos Amazonas”. Além de inúmeros comerciais animados, Nakashima realizou ainda os curtas “O Reino dos Botos”, “A Lenda da Vitória Régia” e “O Gorila” e animou, entre os anos de 1961 e 1963, 12 episódios (além de outros quatro préproduzidos) pensando a eventual exibição de uma série para televisão chamada “Papa-Papo”, que apresentava as personagens Tuca, Dado e o papagaio Papa-Papo em diversas aventuras, como nos episódios “Pescaria” e “No Reino da Fantasia”. Em 1973, o animador José Mário Perrot, em parceria com o engenheiro Aluizio Arceta, produziu “Ballet de Lissajous”, primeira animação brasileira a utilizar um dispositivo
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computacional. A animação realiza um contraponto de sons concreto-eletrônicos e de imagens geradas em um osciloscópio, produzidas pelas composições ortogonais descobertas pelo músico francês Jules Lissajous. Em 1974, Antonio Moreno, José Rubens Siqueira e Stil formam o Grupo NOS, responsável por diversas animações amplamente exibidas e premiadas, como “Reflexos”, “Ícaro”, “Verdes ou Favor não Comer a Grama”, “As Desventuras de Coco Banana”, “Papo de Anjo”, “Hamlet”, “O Canto do Cisne Negro”, “PHN – Pequena História do Mundo”, “O Lago” e “Estrela Dalva”. Em 1975, Wilson Lazzaretti e Mauricio Squarizzi fundam o NCA – Núcleo de Cinema de Animação de Campinas. O NCA Campinas é um dos núcleos de animação mais antigos em atividade no mundo e é responsável por diversas obras e atividades de ensino e educação relacionados à animação em todo o país, sobretudo junto às crianças. Com atuação bastante ativa, o núcleo acumula mais de 250 produções e está atualmente produzindo seu primeiro filme de longa-metragem, “História Antes da História”. Em 1978, a TV Cultura de São Paulo exibe o programa semanal “Lanterna Mágica”, que contava com direção de Roberto Miller e era retransmitido para diversas cidades do país. Exibido à meia-noite das sextas-feiras, com reprise às 18 horas do domingo, o programa exibia diversas animações internacionais antigas ou que não faziam parte do circuito comercial de exibição. O programa abria espaço também para animações nacionais, assim como para entrevistas com animadores brasileiros. Pode-se afirmar que foi um incentivador de uma futura geração de animadores que, por meio dele, tomaram contato mais profundo com o universo da animação. No mesmo ano, Antonio Moreno lança o livro “A Experiência Brasileira no Cinema de Animação”, publicado pela editora Artenova com apoio da Embrafilme. Esgotado há mais de 20 anos, continua sendo o único livro sobre a história da animação brasileira publicado até os dias de hoje. Outros animadores que iniciaram sua carreira na década de 70, com grande prestígio, foram Marcos Magalhães e Flávio del Carlo. O primeiro realizou os curtas “Mão Mãe”, “A Semente” e, o aclamado “Meow!”, no qual um gato faminto, sem leite, é convencido por propagandas a beber o refrigerante “Soda-Cólica”. Premiado com a Palma de Ouro em Cannes, em 1981, o curta deu grande repercussão ao animador, que no ano seguinte realizou, com apoio da Embrafilme e da Capes, um estágio no National Film Board do Canadá. Como resultado de seu estágio, produziu outro curta bastante significativo em sua carreira: “Animando”, obra com grande noção de ritmo, que mistura diversas técnicas, como animação tradicional, pixilation, animação de recorte e pintura sobre vidro. Com forte estilo pessoal, Flávio del Carlo, por sua vez, dividiu sua atuação autoral com a publicidade. Entre os curtas mais destacados e premiados do animador, encontram-se “Paulicéia”, “Veneta”, “Tzubra Tuma”, “Um Minuto para Meia Noite” e “Squich”, no qual atores filmados em live action interagem com sequências animadas. No final da década de 70, a produção de animação para publicidade na televisão atinge grande sucesso, com diversas campanhas lembradas por muitas pessoas até os dias atuais. Alguns dos
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principais nomes da animação publicitária no Brasil no final dos anos 70 foram: Wilson Pinto, Horácio Young, Walbercy Ribas Camargo, Alcídio da Quinta, Jorge Bastos, Heucy de Miranda, José Campos, Luiz Briquet, Wilson Robledo e Amandio Amaral. O incremento da produção de animação nos anos 70 leva à criação de alguns importantes estúdios, sobretudo na cidade de São Paulo. Em 1983, o artista plástico e animador baiano Chico Liberato lança o quarto filme de longametragem em animação do Brasil, “Boi Aruá”. Com temática ligada ao folclore regional e estilo visual singular, que faz referência à xilogravura, o filme foi exibido em diversos festivais internacionais, ganhando alguns importantes prêmios. Em 1985, Marcos Magalhães reúne 30 animadores brasileiros para produzir o filme coletivo “Planeta Terra”. A animação fez parte do Ano Internacional para a Paz da ONU. Neste mesmo ano, é firmada uma parceria entre o National Film Board do Canadá com a extinta Embrafilme para o intercâmbio cultural e tecnológico que resulta na criação do CTAv – Centro Técnico do Audiovisual, órgão vinculado ao Ministério da Cultura. Com o objetivo de auxiliar na formação de animadores e de fomentar a produção de animação no país, o CTAv oferece cursos com os canadenses Jean Thomas Bédard e Pierre Veilleux e colabora com a formação de uma nova geração de animadores, como César Coelho, Aida Queiroz e Daniel Schorr. Marcos Magalhães percorre o país e auxilia, a partir dessa parceria Brasil-Canadá, a criação de núcleos regionais de animação na Escola de Belas Artes da UFMG, em Minas Gerais (com coordenação de José Tavares de Barros), na Universidade Federal do Ceará (com José Rodrigues Neto) e no Instituto Estadual de Cinema do Rio Grande do Sul, estado este que já possuía um expressivo pólo criativo de animação com os animadores José Maia, Lancast Motta e Otto Guerra, formados pelo animador argentino Felix Follonier. Também em 1985, sob coordenação de Luiz Gonzaga de Lucca, a empresa Mauricio de Souza monta a primeira linha industrial de cinema de animação no Brasil, responsável pela produção de várias animações (séries, curtas e longas-metragens) da “Turma da Mônica”, cujas personagens foram criadas por Souza para os quadrinhos a partir do final da década de 50. Não podemos deixar de mencionar que, com destacada atuação no final da década de 80, Cao Hamburguer lança, depois de algumas experiências em Super-8 (“A Velinha” e “Bus Stop”), dois curtas em stop motion com manipulação de bonecos de “massinha”: “A Garota das Telas” e, em codireção com Eliana Fonseca, “Frankstein Punk”. No final dessa mesma década, em 1989, a TV Cultura lança o programa “Rá-Tim-Bum”, criado por Flávio de Souza e que contou com a direção de Fernando Meirelles. Apesar de possuir diversas sequências em live action, o programa infantil premiado internacionalmente mantinha uma equipe fixa de animadores responsáveis pela animação de diversas partes e quadros, totalizando cerca de três horas de animação por ano. O sucesso da série fez a emissora lançar outro programa infantil nos mesmos moldes, no ano de 1992, “Glub-Glub”. Com o fim da Embrafilme em 1990 e a grave crise financeira vivida no país, a produção de cinema – e de animação – cai vertiginosamente no início da nova década. Por outro lado, novos realizadores independentes despontam com curtas autorais realizados em Universidades ou mesmo com recursos próprios, como “El Macho”, de Ennio Torresan, premiado no Festival de Havana em 1993 e que deu grande repercussão internacional ao animador.
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Em 1993, a TV Cultura lança “Castelo Rá-Tim-Bum” e convida diversos estúdios para produzirem animações para o programa. No mesmo ano, Aida Queiroz, Cesar Coelho, Léa Zagury e Marcos Magalhães criam o Festival Anima Mundi, hoje um dos principais e mais respeitados festivais de animação de todo o mundo. Com público anual da ordem de 100.000 pessoas, o Festival tem importante papel não só na exibição de animações estrangeiras, como também no estímulo à formação de novos animadores, que muitas vezes têm maior contato com a arte da animação por meio das sessões, palestras e oficinas realizadas anualmente. Em 1994, Otto Guerra lança, junto com Lancast Motta, o primeiro filme de longa-metragem adulto em animação no país, “Rocky & Hudson”. Inspirado na dupla de cowboys gays criada nos quadrinhos por Adão Iturrusgarai, o filme foi realizado com equipe e orçamento mínimos conseguindo, entretanto, boa acolhida junto ao público fã dos HQ´s. Em 1996, após quatro anos de trabalho, Clóvis Vieira lança o longa-metragem em computação gráfica “Cassiopéia”. O filme gerou certa polêmica em relação à superprodução norte-americana “Toy Story” quanto ao fato de qual deles foi, efetivamente, o primeiro longa-metragem totalmente feito em computador na história mundial. Apesar da audácia e pioneirismo de Vieira, o filme não conseguiu, entretanto, uma boa janela de exibição nas salas de cinema e teve uma audiência apenas regular. A animação brasileira no século XXI parece ter se consolidado de vez em termos de publicidade e produção de curtas-metragens. Em 2003, é criada a ABCA – Associação Brasileira do Cinema de Animação -, primeira entidade nacional a reunir empresas e profissionais do setor. No ano seguinte, o Brasil passa a fazer parte do “Dia Internacional da Animação”, evento realizado em diversos países em 28 de outubro. Em 2005, o Brasil ganha uma mostra especial (“Charmes du Brésil”) no Festival de Annecy. No ano seguinte, o Brasil ganhou uma mostra de animação contemporânea no Festival de Ottawa, tornando-se ainda o país foco de negócios no TAC - Television Animation Conference. O primeiro desafio de produção da animação brasileira para o novo século é o filme de longametragem. Até hoje, foram produzidos apenas 21 filmes de longa-metragem em animação no país, boa parte destes com pequena janela de exibição – sobretudo, se comparados às grandes animações estrangeiras, largamente exibidas nas salas comerciais de cinema de todo o país. Todavia, mais da metade desses filmes foi produzida nos últimos dez anos e outros tantos longas-metragens brasileiros em animação encontram-se atualmente em diferentes estágios de produção – o que, por si só, configura uma melhoria no cenário e permite a projeção de um futuro mais promissor. O segundo desafio é, justamente, a produção de séries de animação, assunto que trataremos a seguir.
Séries de animação brasileiras A primeira série de animação desenvolvida no Brasil com o intuito de ser exibida na televisão foi “A Turma da Mônica”, de Maurício de Souza, que produziu, entre os anos de 1981 e 1985, 13 episódios da sua turma popularizada nas histórias em quadrinhos. No total, o estúdio contabiliza mais de 100 episódios produzidos de maneira irregular, não sistemática e com diferentes durações desde o ano de 1985. Tais episódios, entretanto, não chegaram a ser exibidos diretamente na televisão durante a sua produção. O estúdio acabou compilando
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muitos destes episódios em formato de package films e mesmo comercializando-os no sistema direct to video. Foi a partir de 2008 que a série, contendo antigos e novos episódios, passou a ser exibida na RTP2 de Portugal e no Brasil, pela Cartoon Network e pela Rede Globo de Televisão. “A Turma da Mônica” possui ainda oito filmes de longa-metragem animados: “As Aventuras da Turma da Mônica” (1982), “A Princesa e o Robô” (1983), “Cine Gibi” (2004), “Cine Gibi 2” (2004), “Uma Aventura no Tempo” (2007), “Cine Gibi 3” (2008), “Cine Gibi 4” (2009) e “Cine Gibi 5” (2010), sendo toda a série “Cine Gibi” editada na forma de package films. Publicada em 1959 para o Jornal Folha da Manhã, a criação de Souza apresentava-se originalmente em forma de “tirinhas”, histórias envolvendo o simpático cachorro Bidu e seu dono Franjinha. Posteriormente, novas personagens foram adicionadas, incluindo aquelas que se tornariam as protagonistas da turma: Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali. Inspirada em uma de suas filhas, Mônica é uma menina decidida, de temperamento forte, dona da rua. Normalmente trajando um vestidinho vermelho, anda sempre acompanhada de seu coelho de pelúcia Sansão, que também serve de “arma” contra os meninos da rua. Cebolinha é um menino de cabelo espetado e que ao falar troca a letra “r” pela “l”. Apesar de se considerar uma vítima da Mônica, vive arquitetando planos infalíveis contra a “baixinha golducha” [sic]. Cascão é o melhor amigo de Cebolinha e tem o estranho hábito de não tomar banho e de temer qualquer fonte de água. Já Magali, inspirada em outra filha de Souza, é a amiga de Mônica que adora comer, principalmente melancia, mas que consegue manter uma boa forma física. Uma galeria formada por inúmeras personagens secundárias completa a Turma da Mônica, como Anjinho, Aninha, Franjinha, Humberto, Jeremias, Maria Cascuda, Nimbus, Titi, Xaveco, entre diversas outras. Maurício de Souza criou ainda outras “turmas”, como as do Chico Bento, Horácio, Bidu, Penadinho, Piteco, Tina, Pelezinho, Papa-Capim, Astronauta e, mais recentemente, Mônica Jovem – quadrinhos inspirados nos mangás, voltado para o público adolescente e pré-adolescente. Ao contrário de muitos países, nos quais o espaço para a produção independente na televisão é grande, no Brasil as emissoras comerciais centralizam toda a produção dos programas exibidos, permanecendo, na maior parte dos casos, fechadas às produções realizadas fora de seus domínios. A despeito da qualidade técnica e criativa da animação brasileira, a quase totalidade das séries de animação exibida hoje no Brasil é estrangeira. Trata-se de séries distribuídas por grandes empresas, que já possuem sucesso internacional e que são adquiridas pelas emissoras por um custo mais barato do que o da produção de material original próprio. Desta forma, as séries adquiridas são meramente reproduzidas no país e acabam, diante da falta de iniciativa das emissoras privadas de televisão, fechando as portas para a produção nacional.8 Por conta disso, o espaço mais aberto à produção e exibição de séries de animações brasileiras foi, e ainda continua sendo, as emissoras educativas, a maioria delas públicas ou estatais. Na década de 90, algumas das primeiras séries de animação brasileira em pequenos formatos são exibidas nestas emissoras, como na TV Cultura de São Paulo – emissora reconhecida e premiada internacionalmente pela qualidade de sua programação infantil. “Os Urbanóides” (1991), de Cao Hamburguer, é uma série infantil de interprogramas em stop motion com um minuto de duração, 8. Devemos lembrar que, em outros gêneros televisivos, apesar da mesma condição financeira em relação aos produtos estrangeiros, há relativo espaço para a produção nacional, como no caso das telenovelas e de alguns seriados e programas.
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abordando de forma bem humorada algum tema ligado à educação. Em um dos episódios, por exemplo, uma personagem, ao acabar de consumir uma bebida em um copo descartável, arremessa-o por sobre um muro ao invés de jogá-lo em um cesto de lixo que está ao seu lado na calçada. Instantes depois, surge atrás do muro um senhor com o mesmo copo virado sobre sua cabeça. Envergonhada, a personagem que jogou o copo sai lentamente de plano, não sem antes ganhar um rabinho e ter seu rosto transformado no de um porco. Ao final, após o “porcalhão” sair de cena, o senhor tira o copo de sua cabeça e o joga no cesto do lixo. Em 1994, a TV PinGuim, estúdio de animação formado cinco anos antes por Celia Catunda e Kiko Mistrorigo, lança duas séries na emissora pública paulista, “Rita” e “Poesias Animadas”. A primeira, composta por oito interprogramas de 30 segundos, mostrava fragmentos do cotidiano da protagonista, uma menina em idade pré-escolar, valorizando comportamentos saudáveis e divertidos. Já “Poesias Animadas” apresentou 14 programas de 30 segundos com animações criadas a partir de poemas curtos de Arnaldo Antunes, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Ferreira Goulart, Manuel Bandeira, Mário Quintana, Paulo Leminski e Vinícius de Moraes. O estúdio também produziu, em 1996, “O Direito do Trabalhador” série de 15 episódios de um minuto em stop motion, exibida na TVE, do Rio de Janeiro, que utilizava materiais e objetos diversos que “ganhavam vida” para explicar os direitos dos trabalhadores. Algum tempo depois, em 2001, a TV Pinguim produz para a TV Futura 24 episódios de 1 minuto e 30 segundos da série “Entre Pais e Filhos”, que abordava o relacionamento familiar em diversos tipos de família. Dois anos depois, a série ganhou uma nova temporada com mais 50 episódios, desta vez focando, de maneira divertida, situações corriqueiras do cotidiano de uma família especialmente criada para a série, os Pereira. No mesmo ano, o estúdio produziu “De Onde Vem?”, exibida com sucesso na TV Cultura, TVE Brasil, TV Escola e, atualmente, na TV Rá-Tim-Bum. Nesta série, objetos animados respondem às dúvidas da curiosa Kika sobre a origem de determinadas coisas, uma por episódio, como o açúcar, o arco-íris, o avião, o choro, entre outros exemplos. Em 2002, a TV Cultura exibe a série de animação “Anabel”, cuja primeira temporada teve 13 episódios de 11 minutos cada. Os episódios giram em torno da protagonista homônima, uma curiosa menina de sete anos de idade que vive no Brasil durante a década de 30. Entre suas atividades prediletas, estão a leitura de livros, sobretudo de Edgard Allan Poe, e a atenta escuta de radionovelas. E é por meio destas atividades lúdicas que sua imaginação a leva às mais incríveis aventuras. Criada por Lancast Mota e desenvolvida pela Martinelli Films, a série fez grande sucesso e, atualmente, encontra-se em uma segunda temporada. Outra série da Martinelli Films é “Pinguinics”, produção inventiva criada por José Marcio Nicolisi e Marina Di Grazia. Os episódios apresentam situações cômicas decorrentes do encontro de dois alienígenas com um grupo de pinguins no polo sul. Com um visual simples e soluções criativas diferenciadas, a série teve uma primeira temporada exibida pela TVE do Rio e pela TV Escola. Atualmente, a série também se encontra em uma segunda temporada de produção. Um canal que teve papel importante na trajetória das séries de animação nacional para televisão foi a filial brasileira da MTV. A história das séries animadas nessa emissora começa quase que por acaso. Em um dos programas regulares, o apresentador João Gordo, vocalista da banda de punk rock Ratos de Porão, recebeu uma animação de um dos telespectadores na qual
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o vocalista da banda Engenheiros do Hawaii, Humberto Gessinger, destruía uma cidade com sua música ruim. A animação agradou enormemente o apresentador e, algum tempo depois, Marco Pavão, o telespectador que havia enviado a animação, acabou sendo contratado pela emissora, onde coordenou a Drogaria de Desenhos Animados, pequeno setor da MTV Brasil responsável pela produção das animações do canal. Com baixo orçamento, criatividade e humor adequado ao perfil de seu público, a emissora produziu e exibiu cinco séries de animação. A primeira delas, “MegaLiga de VJs Paladinos”, estreou em 2003 e teve três temporadas com 56 episódios de 21 minutos de duração cada. Nesta série, os VJs (apresentadores) da MTV Brasil são super-heróis com estranhos poderes e participam de bizarras aventuras junto com nomes populares do meio musical. No ano seguinte, em 2004, a Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura, inaugura a TV Rá-Tim-Bum, primeiro canal infantil brasileiro e também primeiro canal a cabo com programação 100% nacional. Além da reprise de alguns programas exibidos originalmente pela TV Cultura, como “Rá-Tim-Bum”, “Cocoricó”, “X-Tudo” e “Glub-Glub”, o canal também serviu de importante plataforma para lançamento de produções próprias e coproduções com estúdios nacionais de animação. Desta forma, a emissora formatou parcerias com realizadores independentes e estimulou a produção nacional de séries de animação, oferecendo novos conteúdos e uma grade diferenciada para seus telespectadores. Assim como acontece na TV Cultura, toda a programação da TV Rá-Tim-Bum é realizada com a supervisão de psicólogos e pedagogos especializados em educação infantil e com vasta experiência na produção de conteúdo para este público. Isso garante a participação de temas importantes à faixa etária da emissora (crianças de dois até dez anos de idade), apresentados com uma linguagem divertida, criativa e de forma inteligente. A partir das dez horas da noite, a programação é destinada ao público adulto, com a exibição da faixa “Fui Criança Também”, com reprise de programas e séries infantis que fizeram sucesso no passado. A TV Rá-Tim-Bum expandiu suas fronteiras e também pode ser assistida via cabo por brasileiros residentes no exterior e por estrangeiros. Desde 2007, a programação da emissora é exibida nos Estados Unidos, por meio de um contrato de parceria assinado com a empresa Castalia, responsável pela distribuição do canal naquele país. Em 2009, foi a vez de Portugal assinar, por meio da empresa ZON Multimédia, uma das maiores operadoras de televisão a cabo, internet e telefone (triple play) da Europa, contrato para exibição da emissora no país lusitano. E finalmente, em 2010, em parceria com a Cyber TV, o canal também passou a poder ser assistido no Japão. Com programação 24 horas no ar, a emissora lançou dezenas de novos programas e séries, totalizando, entre animação e live action, cerca de 300 horas de material inédito por ano. Em seu site na internet (www.tvratimbum.com.br), inaugurado em 2008, é possível enviar mensagens para os programas, jogar mini games, assistir a vídeos, baixar imagens, escutar uma rádio on-line com músicas dos programas, realizar atividades (como receitas culinárias, pinturas, mágicas, experiências científicas e artesanatos), conferir eventos promovidos pela emissora, ler informações destinadas aos pais e comprar diversos produtos licenciados. Com cerca de três milhões de assinantes, as séries de animação do canal tem perfil próximo ao do edutainment, isto é, buscam a transmissão de mensagens educativas de
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forma atraente, dinâmica e divertida. Diversas séries foram exibidas e/ou lançadas nos últimos anos pela emissora como: “Anabel”, “Brichos – A Natureza da Cultura”, “Cantigas de Roda”, “Carrinhos”, “Dango Balango”, “De Onde Vem?”, “Escola de Princesinhas”, “Grandes Personagens”, “Isso Disso”, “Juro que Vi”, “Kiara e os Luminitos”, “O Papel das Histórias”, “O que Eu Vou Ser Quando Crescer?”, “Os Caça-Livros”, “Os Eco-Turistinhas”, “Os Reciclados”, “Palavras Mágicas”, “Pequenos Cientistas”, “P.F.C. – Portuguesitos Futebol Clube”, “O Quarto do Jobi”, “Show do DJ Cão”, “Som na Caixa com o DJ Cão”, “Sidney”, “Simão e Bartolomeu”, “Tchibum TV”, “Traçando Arte”, “Turma do Lambe-Lambe” e as recém-lançadas “A Mansão Maluca do Professor Ambrósio”, “Sidnei” e “Nilba e os Desastronautas”. No mesmo ano da fundação da TV Rá-Tim-Bum, em 2004, a sede brasileira do canal Cartoon Network cria, por sugestão do experiente animador brasileiro Daniel Messias, que trabalhou em alguns projetos com a emissora desde o ano de 1999, um bloco exclusivo voltado para a exibição de pequenas animações brasileiras. Denominado de “Cartum Netiuorque”, a série apresentou 25 vinhetas com até um minuto de duração baseadas em personagens criadas por importantes nomes do universo do quadrinho brasileiro. No final, o projeto apesentou animações de “Overman” (de Laerte), “Geraldão” e “Geraldinho” (de Glauco), “Os Pescoçudos” e “Pequeno Pônei” (de Caco Galhardo), “Luke e Tantra” (de Angeli) e “Aline” (de Adão Iturrusgarai). Os episódios foram ao ar nos intervalos do bloco “Adult Swim”, faixa da emissora no Brasil, destinada à exibição de séries de animação voltadas para o público adulto, às sextas-feiras, sábados e domingos, a partir das 23 horas. A partir desse mesmo ano, a emissora passou a exibir também algumas pequenas vinhetas do canal realizadas por estúdios brasileiros, como a série em origami apresentando personagens dos desenhos animados da emissora realizada pela TV PinGuim. Um ano depois, em 2005, foi ao ar a primeira série de animação brasileira para televisão realizada com a técnica 3D e, também, a primeira a ser exibida de forma regular internacionalmente, pelos canais Cartoon Network e Animania. Criada por Marco Alemar e Caio Mário Paes de Andrade (MoP Brasil Digital), “Pixcodelics” conta a história de quatro crianças, Pix, o líder do grupo, que tem um cachorro chamado Aurroba, o bem-humorado, inteligente e criativo Nerd, o fortão e corajoso Hack e a charmosa e simpática Mary Chat. Juntos, eles têm que salvar a internet das constantes ameaças do terrível vilão Dr. Ping e de seu atrapalhado assistente, o gato Katslock. Com temática relacionada ao universo jovem digital, representações gráficas baseadas no uso de caracteres de computadores (ASCII art) e animação 3D estilizada, “Pixcoledics” teve 65 episódios produzidos, com a duração média de cinco minutos cada. Também em 2005, a MTV Brasil lança sua segunda série, “Fudêncio e seus Amigos” (2005), que tem como protagonista a personagem título, originalmente um boneco utilizado por João Gordo em seu programa, que ganha vida própria em sua forma animada. Depravado, cínico e macabro, Fudêncio estuda em um sinistro colégio com as outras personagens da série, como Conrado, um azarado menino com cabeça de caqui, a gótica Funérea, o debilitado Safeno, o malandro Peruíbe e os policiais, também chamados de “Os Hômi”, liderados pelo Tenente Kevin Costa. A série fez grande sucesso na emissora e acumula três temporadas com 52 episódios de 13 minutos de duração cada.
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Nos anos seguintes, novos projetos foram ao ar na MTV Brasil, porém sem o mesmo sucesso das duas séries anteriores. “RockStar Ghost”, de 2007, que teve nove episódios de 11 minutos e contava a história de um funcionário público chamado Nasi. Com ambientação decadente, a série apresenta as peripécias do funcionário público, próximo de sua aposentadoria, especializado em capturar celebridades fantasmas do mundo da música. Já “The Jorges”, de 2008, também com nove episódios de 11 minutos produzidos, apresentava a história de uma banda que topava de tudo para fazer sucesso. A banda era formada por Fornalha, band leader neurótico e desbocado, Amaury, baixista ingênuo e emotivo e Paradise, baterista sociopata. Juntos, enfrentam as mais inusitadas situações na busca pelo sucesso. Lançada em 2008, “Princesas do Mar” (Sea Princesses) é uma série de animação, baseada no livro de Fábio Yabu, que conta com a produção da brasileira Flamma Films (empresa de Reynaldo Marchezini) em parceria com a produtora australiana Southern Star e com o estúdio catalão Neptuno – onde a série é animada. A série é ambientada no fundo do mar, no mundo de Salácia, que é habitado por diversos seres divididos em diferentes reinos: tubarões, polvos, arraias e outros. Em cada um deles, há um rei, uma rainha, princesas e príncipes que são responsáveis pelo bem-estar de todas as formas de vida marinha. Com duas temporadas e 104 episódios, a série é exibida em mais de 124 países pelo canal Discovery Kids. Também em 2008, é finalizado “Osmar, a Primeira Fatia do Pão de Fôrma”, dirigido por Ale MacHaddo, com produção do próprio estúdio do diretor, a 44 Toons. A animação, com 11 minutos de duração funciona, na verdade, como uma espécie de híbrido de curta-metragem e piloto de série. Exibido e premiado em diversas mostras e festivais de animação e de cinema, como o Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, “Osmar, a Primeira Fatia do Pão de Fôrma”, tornou-se ainda o primeiro projeto de série de animação brasileiro e da América Latina a ser premiada na MIPJunior, na cidade de Cannes, no ano de 2009. O evento internacional tem periodicidade anual e é considerado um dos maiores e mais importantes no mercado de entretenimento para o público jovem e infantil em todo o mundo. Na final, a animação brasileira concorreu com outros quatro pilotos de séries da Espanha e do Canadá, países com maior presença e tradição no evento e no próprio mercado mundial de animação. Estruturado como sitcom, “Osmar, a Primeira Fatia do Pão de Fôrma” é ambientado em um universo de “café da manhã”, no qual as personagens são diferentes tipos de pães e alimentos correlatos e os cenários são compostos por objetos atinentes, como prédios em forma de caixas de cereais, postes de colheres e pisos com textura de toalhas de mesa. Osmar, o protagonista, é a última fatia do pão de forma (a “casca”), que procura o Dr. Croix Saint, um psicólogo com sotaque francês e aspecto de croissant, na esperança de resolver seus complexos e traumas de infância. Com apurado senso de humor e temáticas universais, a série foi contemplada, no final de 2010, pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e deverá ter sua primeira temporada, com 26 episódios, exibida na TV Cultura a partir de 2012. Assim como a animação de A le McHaddo, diversos outros projetos de série de animação brasileira vêm participando das principais feiras internacionais do setor, com o importante apoio de alguns órgãos e instituições nacionais, como a ABPI-TV (Associação Brasileira de Produtores Independentes de Televisão), fundada em 1999. Como parte de suas ações, a Associação criou, no ano de 2004, o BTVP (Brazilian TV Producers), um programa especial voltado para a exportação de conteúdo audiovisual brasileiro, favorecendo a coprodução internacional. Contando ainda com apoio da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura
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e da APEX-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), o BTVP vem realizando diversas e importantes ações para o setor de séries de animação no país, como oficinas, workshops e a organização das comitivas brasileiras para a participação em eventos como os MIPs (MIPCOM, MIPTV e MIPJunior) e KidScreen, por exemplo. Em 2009, a MTV lança sua última e mais recente série animada, “Infortúnio com Funérea”, spin off de “Fudêncio e seus Amigos”, no qual a mórbida personagem Funérea é a anfitriã de um ácido programa de entrevistas, que mistura a animação da personagem com interação em live action dos entrevistados, personalidades ligadas aos universos temáticos da emissora. Em 2008, Pavão fundou, junto com Thiago Martins e Cazé Pecini, o Estúdio Estricnina, onde desenvolve novos projetos em animação e também atua junto à publicidade. Neste mesmo ano, a Cartoon Network Brasil fez um pitch de série infantil, durante o Fórum Brasil – Mercado Internacional de Televisão, que premiou a série “As Aventuras de Gui e Estopa”, de Mariana Caltabiano, para o desenvolvimento de um episódio piloto. A série apresenta uma turma de cachorros que vivem juntos diversas situações. Em um dos episódios, “Prima Esnobe”, a trama gira em torno da visita de uma prima francesa très chique e o choque cultural proporcionado por seu contato com a turma de cachorros brasileira. A série possui ainda dois spin offs: “Gui e Estopa no Fundo do Mar” e “Gui e Estopa em Bichos do Brasil”, que misturam sequências de animação com imagens da natureza captadas diretamente em vídeo. Exibida no domingo de manhã, a série compõe, junto com “Turma da Mônica”, o bloco denominado pelo canal como “Brazucas”. As personagens de Caltabiano estrelam ainda o filme “As Aventuras de Gui e Estopa”, exibido pela Cartoon Network em 2009 – o primeiro longa-metragem de animação brasileiro exibido pela emissora. O filme conta a história de dois produtores sem experiência, Stress e Relax, que resolvem fazer uma série de animação. Com perfis completamente opostos, as duas personagens vão descobrindo com se dá o processo de criação do desenho animado, desde a criação até sua exibição. Além do canal, o filme foi exibido no Festival Anima Mundi e no circuito brasileiro da rede de cinemas Cinemark, dentro do Projeto Escola. A dupla de cachorros participará também de um segundo filme de longa-metragem da diretora, denominado “Brasil Animado”. Nesse novo filme, Gui e Estopa serão os mestres de cerimônia, conduzindo a narrativa do filme que tem por objetivo mostrar a diversidade natural e cultural do país, por meio de imagens captadas em vídeo e projetadas em 3-D. Também em 2009, a ABPI-TV organiza, dentro de seu PIC (Programa Internacional de Capacitação), o 1º Workshop de Formação para Projetos de Séries de Animação para TV. De um total de 65 projetos inscritos, 25 foram selecionados para uma semana de workshops com importantes nomes do setor no Brasil (Andre Breitman, César Coelho, Kiko Mistrorigo, Marta Machado e Reynaldo Marchezini) e no exterior (Cathy Chilco, Emmanuèle Petry, Heather Kenyon, Jacques Bensimon, Josh Selig, Madeleine Lévesque e Tanya Kelen). O programa proporcionou apresentação e consultoria dos projetos selecionados, ampliando a formação profissional do setor no país e aumentando o potencial de comercialização das séries brasileiras de animação no atual cenário internacional. O ano de 2009 também marca o lançamento de “Escola pra Cachorro” (Doggy Day School), uma série infantil que mostra o cotidiano de cinco pequenos cachorros em uma “creche”
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para animais, na qual eles aprendem, brincam e fazem novas amizades com outras espécies. Com 26 episódios de 11 minutos cada, a série, que atualmente se encontra em sua segunda temporada, é uma coprodução das produtoras Mixer (brasileira) e Cité-Amérique (canadense). A série voltada para o público pré-escolar é exibida internacionalmente e pode ser assistida no canal Nickelodeon e também pela TV Cultura. Neste mesmo ano, surge “Peixonauta” (“Peztronaut” ou “Fishtronaut”), apontada pela TV PinGuim - criadora e coprodutora da série de animação ao lado do canal Discovery Kids como o primeiro desenho animado produzido nos moldes internacionais totalmente feito no Brasil e exibido em diversos países do mundo. Com uma equipe formada por cerca de 160 profissionais, a série, destinada para crianças de três a sete anos, encontra-se em uma segunda temporada, cada qual composta por 52 episódios de 11 minutos. “Peixonauta” foi financiada pelo ProCult, programa do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para desenvolvimento da economia da cultura e conta com um site próprio na internet (www. fishtronaut.com ou www.peixonauta.com.br), no qual as crianças podem conferir materiais adicionais ou brincar com algumas atividades. A série, de cunho educativo e ecológico, conta as aventuras de Peixonauta, um peixe que trabalha como agente secreto para a OSTRA (Organização Secreta para a Total Recuperação Ambiental) e possui um escafandro cheio de água, o Bublex, com o qual consegue viver entre dois mundos, o molhado e o seco. Em suas missões, Peixonauta conta com a ajuda de sua melhor amiga, a inteligente e curiosa Marina, uma menina de oito anos de idade, especialista em animais e que conversa diretamente com o espectador olhando para a câmera. “Peixonauta” tem ainda como personagens o macaco pré-adolescente Zico, os gêmeos Pedro e Juca, o simpático veterinário do parque Dr. Jardim, a agente secreta Rosa e o sábio peixe Chumbo Fino, que mora tranquilo no fundo do Lago do Sossego. A série convida ainda as crianças a se levantarem e a repetirem uma sequência rítmica utilizando seus próprios pés e mãos em uma determinada parte dos episódios. Depois de “Pixcoledics”, “Princesas do Mar”, “Escola pra Cachorro” e “Peixonauta”, a mais nova série de animação com coprodução brasileira e sucesso internacional é “Meu Amigãozão” (“My Big Big Friend”), com criação e direção de Andres Lieban e produção de Andre Breitman, Ira Levy e Peter Williamson. A série é uma coprodução Brasil-Canadá, entre o Estúdio 2DLab, a Breakthrough Entertainment e a Treehouse TV. Com 52 episódios de 11 minutos, a ideia surgiu a partir de um curta-metragem realizado por Lieban alguns anos antes. Pensada para crianças de três a sete anos de idade, “Meu Amigãozão” apresenta três personagens em início de vida escolar que possuem três grandes amigos: o solitário Yuri tem a companhia do elefante azul Golias, o arteiro Matt a do canguru verde Bongo e a mandona Lili a da girafa rosa Nessa. Cada animal ajuda seu dono a superar medos e defeitos, além de brincar com ele e o auxiliar no estímulo à fantasia e à imaginação infantil. A partir de uma experiência acumulada ao longo de seus primeiros anos de atividade, a TV Rá-Tim-Bum chegou, em 2010, a um modelo próprio de coprodução de três novas séries, dentro de um formato regular e que já está indo para uma segunda temporada de produção. A primeira destas séries é “A Mansão Maluca do Professor Ambrósio”, realizada pelos Estúdios Tortuga. A cada
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episódio, a misteriosa mansão do excêntrico Prof. Ambrósio recebe um novo visitante, que leva a história para outra dimensão. Participam ainda da série a aranha Floribela, que vive no laboratório localizado no porão, e o rato Leslie, o esperto e encrenqueiro assistente do professor. Já “Nilba e os Desastronautas”, da 44 Toons, conta as aventuras de uma nave espacial, a S.S. Geniwald, perdida no espaço e que busca retornar ao planeta Terra. Para isso, a tripulação formada por adultos dependerá do comando nada convencional do capitão Nilton Bawsk (Nilba). O capitão Nilba é um menino de oito anos que, apesar de sua inexperiência, procura sempre superar os inúmeros desafios que surgem a cada episódio. Com diversas referências, doses de bom humor e situações inusitadas, a série é destinada a crianças de seis a oito anos de idade. A terceira série é “Sidnei”, da To Beat Animação, que conta a história do protagonista homônimo, um pequeno rato, e seu amigo, a barata Juca Barato. Juntos, eles vivem escondidos dentro de uma sala de aula, onde descobrem a existência de um portal mágico dentro do telescópio da classe. E é por meio desse portal que eles viajam por diferentes momentos históricos, aprendendo e vivendo grandes aventuras. A primeira década do século XX se encerra de maneira promissora para a animação brasileira com os resultados do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), promovidos pela Ancine (Agência Nacional do Cinema) e pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos). O FSA divulgou em outubro o resultado de sua linha A, voltada para a produção de filmes de longa metragem, que contou com sete animações entre os projetos contemplados: “Até que a Sbornia nos Separe”, de Otto Guerra, “As Aventuras do Avião Vermelho”, de Frederico Pinto, “Bugigangue no Espaço”, de Ale McHaddo, “Cuca no Jardim”, de Alê Abreu, “Lutas - O Filme”, de Luis Bolognesi, “Tarsilinha” de Célia Catunda e Kiko Mistrorigo e “A Turma do Pererê – O Filme”, de Marcos Magalhães. No mês seguinte, em novembro de 2010, o FSA anuncia o resultado de outra linha de financiamento, voltada para a produção independente para televisão aberta ou por assinatura, incluindo projetos de coprodução internacional. No edital, era exigida como interveniente uma empresa emissora ou programadora de televisão, que assumiu a responsabilidade pela aquisição da primeira licença de exploração comercial da série e também pela exibição em sua janela de programação. Oito projetos de séries de animação foram contemplados com aporte de cerca de R$ 6,7 milhões e devem ser exibidos a partir de 2012: “Osmar, a Primeira Fatia do Pão de Forma” de Ale McHaddo (44 Toons/TV Cultura), “Zica e os Camaleões”, de Ari Nicolosi (Cinema Animadores/TV Brasil), “Historietas Assombradas para Crianças Malcriadas”, de Victor Hugo Borges (Glaz Entretenimento/TV Brasil), “Meu Amigãozão”, de Andrés Lieban (LD – Laboratório de Desenhos/TV Brasil), “O Baú do Lú”, de Victor Hugo Borges (Neoplastique Entretenimento/TV Cultura), “Boa noite, Martha”, de Vivian Altman (Otto Desenhos Animados/ TV Cultura), “Brichos”, de Paulo Munhoz (Tecnokena Audiovisual e Multimídia/TV Brasil) e “Godofredo”, de Eva Funari (Um Filmes/TV Cultura). Aos poucos, as séries de animação brasileiras, que iniciaram timidamente em pequenos formatos de maneira irregular, começam a expandir, diversificar e a se consolidar dentro de uma dinâmica de produção industrial. Vale mencionar que, assim como acontece fora do país, algumas séries brasileiras têm conseguido maior destaque utilizando como principal veículo a internet, como é o caso dos
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intrépidos irmãos Piologo e seu Mundo Canibal (www.mundocanibal.com.br). No site, é possível conferir diversas séries animadas produzidas pela dupla, como “Avaiana de Pau”, “Beto, o Magnífico”, “Bonequicha”, “Bob, Psicótico”, “Canibytes”, “Carlinhos”, “Deforméd Baby”, “Sr. Donizildo e Donizete”, “Urubródi”, “Tomelirolla” e “Youtoba”. Além de assistir às animações, também é possível comprar material licenciado, fazer downloads, jogar mini games, conferir a agenda de eventos e enviar seu próprio material. Com humor jocoso e debochado, as animações do Mundo Canibal são repletas de trocadilhos, palavrões, humor negro e sátiras, agradando ao público jovem-adulto, sobretudo masculino. Algumas das animações dos irmãos Piologo foram ainda exibidas e premiadas em festivais do país. De caráter menos corrosivo, mas não menos engraçado, o site criado e mantido pelo chargista Maurício Ricardo Quirino (www.charges.com.br) apresenta charges animadas envolvendo temas diversos, desde o universo adolescente até política. Quirino, que ilustra, anima e dubla as vozes, possui algumas séries on-line como “Charges-okê”, na qual personalidades nacionais e internacionais interpretam paródias musicais, “Espinha e Fimose”, dois jovens nerds vivendo a crise da adolescência e “Tobby Entrevista”, na qual o entrevistador que usa orelhas do Mickey Mouse entrevista personalidades diversas, sempre representadas na forma de personagens animados. No site, é possível ainda jogar mini games, escutar músicas e enviar cartões virtuais animados para amigos por e-mail. No ar desde 2000, o site já ganhou o prêmio na categoria entretenimento do IBest e da Revista Info Exame. As charges do site também são vistas com frequência em diversos programas da televisão brasileira.
ANIMATV O célere crescimento da animação brasileira nos últimos anos não passou despercebido pelas instâncias públicas do país. Em 2003, foi proposto o projeto de lei (PL) nº 1821/03, com o objetivo de incorporar gradativamente na televisão desenhos animados brasileiros, ampliando a exibição de conteúdo nacional e estimulando a indústria do setor no país. Após algumas audiências e pareceres preliminares, o projeto segue em tramitação no legislativo. No mesmo ano, o então Secretário Executivo do Ministério da Cultura, visualizou o potencial da animação brasileira, compreendendo a importância cultural e o fator econômico envolvido na atividade, dando início a uma série de ações a favor do setor. A simples criação de alguns editais específicos para a animação, por exemplo, já se configurou como um avanço significativo, uma vez que projetos de animação tinham que concorrer juntos com projetos em live action, que, por si só, possuem outros parâmetros avaliativos e mesmo de produção, tornando díspar e inviável a comparação e competição entre estas técnicas distintas do audiovisual. Posteriormente, em meados de 2008, o Ministério da Cultura assina a Portaria Ministerial nº 68, de 10 de outubro de 2008, na qual institui a criação do Programa Nacional de Fomento à Animação Brasileira, também conhecido por ProAnimação. A coordenação das ações do programa está, desde então, a cargo da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, com recursos de Lei Orçamentária, incentivados e de outras fontes.
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Em outubro deste mesmo ano, durante a realização do 3º Granimado – Festival de Animação de Gramado, o ministro da Cultura faz um discurso no qual valoriza a função da animação na cultura contemporânea e enaltece o papel e a responsabilidade do Estado no desenvolvimento deste setor no país. Isso, pois, a escala necessária para se criar uma verdadeira indústria da animação envolve uma grande quantidade de profissionais qualificados, uma ampla infraestrutura tecnológica e um esforço contínuo para comercialização, distribuição e exibição dessas animações. O ministro afirmou ainda que no atual panorama internacional, a animação é, dentre as indústrias do audiovisual, a mais promissora economicamente. No mesmo evento foi apresentado o ProAnimação, cujo escopo já havia incorporado o Programa ANIMATV. O ProAnimação foi resultado do estudo de um grupo de trabalho previamente composto por ABCA, Coordenação Executiva do ANIMATV, ABPITV, Cinemateca Brasileira, CTAv e TV Cultura/TV Rá Tim Bum, supervisionado pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura. O programa parte de algumas premissas iniciais: o crescimento do setor em nível internacional; a elevada capacidade do setor em gerar emprego, rendas e divisas; o volume de material inédito exibido no Brasil (cerca de 1.800 horas apenas considerando o público infanto-juvenil); a criação de toda uma cadeia de negócios por meio do licenciamento de produtos diversos; o elevado nível técnico e artístico dos animadores brasileiros (reconhecido nacional e internacionalmente) e a contribuição para a formação de um imaginário nacional numa perspectiva de pertencimento e valorização da cultura brasileira. A compreensão de toda a cadeia socioeconômica contemplada neste programa pode possibilitar a criação, o desenvolvimento e a manutenção de uma indústria de animação brasileira, capaz de, em longo prazo, se estruturar de forma autossustentável e permanente. Contemplando um amplo conjunto integrado de ações, com horizonte de dez anos de execução e investimentos previstos da ordem de R$ 760 milhões, o objetivo principal do programa é a inserção da animação brasileira no mercado internacional e nacional – neste último com a meta de ocupação de 25% do setor no prazo de uma década.
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Para tanto, o ProAnimação é constituído de três programas principais: formação, para capacitar os profissionais necessários para a expansão do setor; infraestrutura, para organização e ampliação da base produtiva, e fomento, para promover a produção e capitalizar os estúdios. Além desses programas, estão previstas também três linhas auxiliares: diagnóstico, por meio da elaboração do perfil socioeconômico do segmento no Brasil; comunicação, por meio da divulgação e promoção das animações brasileiras e preservação, por meio da criação, manutenção de um acervo das produções brasileiras em animação. O Programa envolve um amplo arco institucional, com a participação de diversos órgãos do governo e da iniciativa privada. Entre as ações anunciadas estava a pesquisa socioeconômica para diagnosticar o setor, permitindo uma maior e melhor compreensão de suas demandas e potencialidades para uma posterior prospecção de negócios. Além da pesquisa, outra ação anunciada busca contemplar a radiodifusão pública e comercial, por meio da realização de três programas: o AnimaSur, envolvendo séries de animação dos países do Mercosul9, o Programa de Fomento à Produção de Séries de Animação Adulta e o ANIMATV O ANIMATV é o primeiro programa de fomento à produção e teledifusão de séries de animação brasileiras, uma iniciativa pioneira buscando o estímulo da indústria nacional da animação. O ANIMATV é uma realização da Secretaria do Audiovisual - SAV, da Secretaria de Políticas Culturais - SPC (ambas do Ministério da Cultura), da Empresa Brasil de Comunicação - TV Brasil, da Fundação Padre Anchieta – TV Cultura, da ABEPEC - Associação Brasileira das Emissoras Públicas e contando com o apoio institucional da ABCA - Associação Brasileira de Cinema de Animação. O ANIMATV é realizado no âmbito do Programa Nacional de Estímulo à Parceria entre a Produção Independente e a Televisão, instituído pelo Ministério da Cultura por meio da Portaria no 19 de 07 de maio de 2008. Esse estímulo buscado pode ser medido pelo estabelecimento de um circuito nacional de teledifusão de desenhos animados nacionais, pela motivação nos estúdios de animação em produzir novos conteúdos e pela potencialização de inserção das séries selecionadas no mercado internacional. Os objetivos principais do programa são: estimular o desenvolvimento da indústria brasileira de animação a partir da sistematização de ações que visem à geração de projetos de série de animação em diversos pontos do país; a realização de ações regionais de capacitação que reforcem a cultura da série de animação para a televisão; a articulação de um circuito nacional de teledifusão de séries de animação brasileiras; a dinamização da produção integrada entre estúdios no território nacional e a potencialização da inserção da animação brasileira no mercado internacional. Durante o ano de 2008, a equipe do projeto formatou toda a estrutura do ANIMATV, até a publicação de seu edital. Dado o ineditismo da proposta, em 2009, foram realizadas - nas cidades de Belém, Salvador, Goiânia, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre - as Oficinas para Formatação de Projetos ANIMATV. Com a realização dessas 9. O Mercado Comum do Sul, também conhecido por Mercosul, é a união aduaneira (livre comércio) criada em 1991, que envolve cinco Estados Partes (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela), cinco Estados Associados (Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru) e um Estado Observador com status não oficial (México).
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oficinas, promoveu-se o desenvolvimento de pré-projetos de séries de animação a partir do modelo proposto no edital, possibilitando ainda o esclarecimento de dúvidas e a discussão de aspectos diversos relacionados ao tema. No total, foram inscritos 257 projetos inéditos, de 17 Estados brasileiros, no período entre 08 de dezembro de 2008 e 21 de janeiro de 2009. Desse total, 30 foram pré-selecionados para a segunda fase do programa. A Comissão de Seleção foi constituída por cinco membros: Renato Nery, designado pela SAV e pela SPC do MinC, Berenice Mendes, designado pela Empresa Brasil de Comunicação – TV Brasil, Mário Sérgio Cardoso, designado pela Fundação Padre Anchieta, Marcelo Braga de Freitas, designado pela ABEPEC e Fábio Yamagi, designado pela ABCA. Os critérios de seleção previstos no regulamento e adotados pela comissão de avaliação foram: a criatividade das propostas, o potencial de formação da audiência e de coprodução internacional, a adequação à faixa etária pretendida, a viabilidade de realização. Em um segundo momento, dedicado à apresentação presencial (pitching), também são avaliados o entrosamento entre autor e produtor, a capacidade produtiva do estúdio e o comprometimento dos proponentes com a proposta. Nos dias 12 e 13 de março de 2009, estes 30 projetos pré-selecionados passaram pelo pitching, depois do qual foram contemplados 17 pré-projetos para o desenvolvimento de um piloto com 11 minutos de duração e um projeto completo de série (bible). Entre os dias 10 e 16 de maio, os projetos selecionados passaram ainda pela Oficina de Desenvolvimento de Projetos de Séries de Animação, na qual tiveram, durante uma semana de imersão, a consultoria de Chelo Loureiro (produção), Ennio Torrezan (direção de arte e design), Reynaldo Marchezini (comercialização) e Sérgio Nesteriuk (roteiro e dramaturgia). Segue abaixo uma pequena ficha técnica e sinopse dos 17 projetos pilotos realizados. Título: A Princesa do Coração Gelado (The Princess OF THE frozen Heart) Autora: Zu Escobar Produção: Mínima Sinopse: “As aventuras da Princesa Lucy e de seus amigos em busca do elemento que falta para o feitiço que descongelará o coração dela”. Título: Abílio e Traquitana (Herbie & Gadgety) Autor: Henrique Barone Produção: Lightbox Studios Sinopse: “Abílio, um inventor curioso e Traquitana, sua inseparável maquineta têm problemas com a lâmpada do projetor de cinema. Com a ajuda das Famílias do Conhecimento, eles descobrem como solucionar o problema e aprendem muito mais sobre a luz”. Título: Bolota & Chumbrega (Chubbie and Cheesy) Autor: Frederico Pinto Produção: Armazém de Imagens Sinopse: “Quando o dono do cão Bolota não o deixa experimentar um arroz carreteiro, a gata Chumbrega convida-o e ao hamster VonVon para uma incrível aventura. Por meio de um guardachuva mágico, os três amigos são levados para uma fazenda onde provam o melhor carreteiro”.
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Título: Carrapatos e Catapultas (Duck-Ticks and Catapults) Autor: Almir Correia Produção: Zoom Elefante Sinopse: “Em outra galáxia, no planeta Vaca, carrapatos bico-de-pato gostam de se catapultar, sugar gororoba e explodir para ir morar no mundo dos carrapatos fantasmas”. Título: Hiperion Autor: Bruno Vidigal Produção: UPX Studio Sinopse: “Cadu, 12 anos, supera as dificuldades para se tornar um super-herói. Ele enfrenta o vilão Hyrus com os superpoderes da armadura Hiperion e descobre que tem o destino do universo em seus punhos”. Título: Historietas Assombradas Para Crianças Malcriadas (Haunted Tales for Wicked Kids) Autor: Victor-Hugo Borges Produção: Neoplastique Entretenimento Sinopse: “A chegada da vovó transforma a rotina de um garoto de onze anos de idade em um universo sem limites para a imaginação”. Título: Arara Rara (AMAZON TAILS) Autor: Fred Mathias Produção: MOL Toons Sinopse: “Jajá, uma amalucada ararinha vermelha, e seus amigos Nininha e Salomão, a maior arara azul do mundo, vivem engraçadas aventuras na Floresta Amazônica”. Título: Miúda e o Guarda Chuva (Thainie and the Umbrella) Autor: Victor Cayres Produção: Santo Forte Sinopse: “Miúda alimenta sua planta carnívora com formigas que arquitetam um plano secreto cheio de fatos extraordinários, guarda-chuvas e poesia”. Título: Nave Sub-D (Star Trash) Autor: Pedro Aguilera Produção: Maria Bonita Sinopse: “A decadente nave espacial Sub-D resgata os tripulantes da luxuosa nave G-8. A partir daí, as duas tripulações são obrigadas a viver juntas”. Título: Piratas vs Ninjas vs Robôs vs Caubóis (Pirates vs Ninjas vs Robots vs Cowboys) Autor: João Penna Produção: Abuzza Filmes Sinopse: “ Inimigos naturais se enfrentam em uma batalha no melhor estilo videogame”. Título: Platz na Cidade (Platz) Autor: Paulo Miyada Produção: Animatório
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Sinopse: “Platz entrega pizzas em qualquer lugar da cidade em até dez minutos. Isso se não houver problemas com quaisquer dos obstáculos oferecidos pela cidade”. Título: Scratch Autor: Fred Luz Produção: Cápsula Sinopse: “As aventuras de três baratas que investigam os crimes mais bizarros para ajudar um incompetente detetive”. Título: Tromba Trem (Trunk Train) Autor: Zé Brandão Produção: Copa Studio Sinopse: “Um elefante sem memória, uma tamanduá vegetariana e uma colônia de cupins que acredita ser de outro planeta viajam juntos em um trem a vapor pela América Latina. Cada episódio da série apresenta novos lugares e personagens”. Título: Vai dar Samba (Samba´s Club) Autor: Humberto Avelar Produção: Urca Filmes Sinopse: “Os pequenos Catoco, Nonô, Rosinha, Filô e Pandeco formam o Clube do Samba, que se reúne secretamente na mágica loja de instrumentos musicais do Seu Viola para brincar de fazer música”. Título: Vivi Viravento (VIVI) Autor: Alê Abreu Produção: Mixer Sinopse: “Vivi é uma menina muito curiosa que vive procurando Viravento, um lugar secreto revelado por sua avó escritora, Rosa Rara. Vivi se aventura em busca desse mundo mágico, sempre na companhia de seus amigos Mochilão e Lanterninha”. Título: Wilbor Autor: Rodrigo Gava Produção: Labo Cine Sinopse: “Wilbor é um cara alto astral que, incentivado pelo narrador, se mete nas mais engraças situações sem nunca perder o otimismo”. Título: Zica e os Camaleões (Zica & The Chameleons) Autor: Ari Nicolosi Produção: Conteúdos Diversos Sinopse: “O dia-a-dia de Zica, uma adolescente de 14 anos que busca sempre fazer uma leitura do mundo através de sua arte”. Os pilotos desenvolvidos foram ao ar pela TV Brasil, TV Cultura e mais 20 emissoras associadas à ABEPEC, a partir de 25 de janeiro de 2010. Todos os episódios pilotos podem ser assistidos nos sites: www.tvcultura.com.br/animatv e www.tvbrasil.org. br/animatv.
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Após a seleção inicial das séries, a Coordenação Executiva do Programa iniciou o trabalho de prospecção de parcerias para as séries, apresentando e representando o ANIMATV em importantes eventos internacionais, como Upto3’, em Toronto, Festival Internacional de Animação de Ottawa, KidScreen Summit, em Nova Iorque, World Television Festival/Next Media, em Banff (Canadá), MIPCOM e MIPJunior, em Cannes, Anima Fórum do Anima Mundi, no Rio de Janeiro e na Expotoons, em Buenos Aires. Além desta importante e ativa presença em feiras e eventos do setor, o ANIMATV também tem obtido interessantes desdobramentos por meio da seleção e premiação de muitos dos episódios em festivais nacionais e internacionais de animação, da exibição em mostras especiais e também pela reprise nas emissoras parceiras da Rede ANIMATV: TV Cultura, TV Brasil e suas retransmissoras. Em julho de 2010, foi anunciada a coprodução Brasil-Canadá para a realização de um dos 17 projetos inicialmente selecionados, “Vivi Viravento”, de Alê Abreu. Em uma coprodução da brasileira Mixer com a canadense Skywriter, a série, que terá 52 episódios por temporada, será produzida em 2011 e vai ao ar em 2012 pela TV Ontário, com possibilidade de pré-venda para canais europeus. A criação e a produção de séries de animação no Brasil vivem, portanto, seu momento mais expressivo. Além das séries de animação mencionadas neste capítulo e que já se encontram em uma fase regular de produção e exibição na televisão, estima-se que existam cerca de 50 projetos nacionais devidamente estruturados buscando, por diferentes mecanismos e estratégias, a viabilidade para o desenvolvimento de suas produções. Se este cenário praticamente surgiu e se consolidou em menos de dez anos, a perspectiva para a próxima década é, portanto, bastante otimista.
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Análise 2.4 das séries
2.4 Análise das Séries A seguir, faremos uma sucinta análise narrativa de caráter mais livre de duas séries internacionais de animação, “Os Simpsons” e “Bob Esponja Calça Quadrada”. Poderíamos ter escolhido outros casos, entretanto, pautamos nosso critério de seleção pelo sucesso de ambas junto ao público, à crítica e ao mercado, o que vai ao encontro do ensejo da criação de uma indústria de animação no Brasil.
“Bob Esponja Calça Quadrada” (“SpongeBob Square Pants”) “Bob Esponja Calça Quadrada” (“SpongeBob SquarePants”) é uma série de animação norte-americana desenvolvida por Stephen Hillenburg. Em uma mesa durante o Anima Fórum realizado no 18º Anima Mundi, em 2010, no Rio de Janeiro, o animador contou alguns detalhes sobre o processo de criação da série. Stephen Hillenburg nasceu em 1961 e, em sua infância, tinha a praia como “quintal”, extensão de sua casa. Por conta disso, teve grande contato com o mar e aprendeu a surfar e mergulhar. Além disso, se interessava por tudo que fosse relacionado à vida marinha, como os filmes e documentários produzidos pelo oceanógrafo Jacques Cousteau. Ao terminar o segundo grau, Hillenburg resolveu cursar biologia marinha, curso em que se formou no ano de 1984, atuando como biólogo marinho e professor do ensino infantil até 1987. Foi quando resolveu dar uma virada em sua vida e decidiu estudar animação, sua segunda paixão. Hillenbrug se matriculou na CalArts – tradicional escola de animação fundada por Walt e Roy Disney na década de 60 – onde conclui a graduação e o mestrado em animação experimental no ano de 1993. Em 1989, ainda quando estava na graduação, criou um gibi chamado “The Intertidal
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Zone” sobre criaturas marítimas que vivem nas “poças de maré”. O gibi tinha como protagonista Bob Esponja, que inicialmente era desenhado como uma verdadeira esponja do mar, mas que, posteriormente, ganhou formas quadradas para ficar mais engraçado. Hillenburg chegou a enviar o projeto para algumas editoras, mas, na ocasião, nenhuma delas se interessou. Ele mostra então o gibi para seu colega Martin Olson, um roteirista especializado em humor, que sugeriu reescrever o projeto no formato de uma série de animação sobre o fundo do mar. Durante o curso e após algum tempo depois de formado, Hillenburg anima diversos curtasmetragens, como “The Green Beret” (1991) e “Wormholes” (1992), que participam de inúmeros festivais por todo o mundo. Entre 1991 e 1993, trabalhou ainda na série de animação infantil “Mother Goose and Grimm” – baseada no quadrinho homônimo de Mike Peters. Em um dos festivais em que “Wormholes” estava sendo exibido, Hillenburg conheceu Joe Murray, criador da série “Rocko’s Modern Life” (“A Vida Moderna de Rocko”) que o convidou para dirigir a série. Além de dirigir a série, Hillenburg atuou também como roteirista, produtor e artista de storyboard. Foi por meio de “Rocko’s Modern Life” que Hillenburg conheceu o ator, dublador, cantor e comediante Tom Kenny, a futura voz da personagem Bob Esponja em inglês, além de Doug Lawrence, Martin Olson, Paul Tibbit e outros futuros colaboradores da série. Com o fim de “Rocko’s Modern Life”, em 1996, Hillenburg retoma seu projeto de série sobre o fundo do mar. No ano seguinte, conta com a colaboração dos colegas com quem havia trabalhado, que o auxiliam no desenvolvimento dos cenários, das personagens e na direção de arte do novo projeto. Dois anos depois, em 1998, Hillenburg faz um inusitado pitch para o Nickelodeon usando um aquário, modelos das personagens, a música tema da série e o storyboard do episódio piloto, “Help Wanted”. No dia seguinte, recebeu um telefonema dizendo que seu projeto havia sido aprovado. Algum tempo depois, a série se tornaria o programa de maior audiência e popularidade da emissora. Em “Help Wanted”, Bob Esponja vai até a lanchonete Siri Cascudo se candidatar a uma vaga de chapeiro. Ao perceber que o protagonista se aproxima da lanchonete com a intenção de conseguir o emprego, o mal-humorado Lula Molusco pede ao proprietário do estabelecimento, Sr. Siriqueijo, para não contratar a esponja, pois isso seria uma catástrofe. O dono da lanchonete diz então a Bob Esponja que, se ele trouxer um raro tipo de espátula, o emprego será dele. Entusiasmado, ele sai do estabelecimento cantarolando alegremente. Interpelado por Lula Molusco, Sr. Siriqueijo afirma ter pregado uma peça no candidato, pois, na verdade, não existe tal espátula. Nesse momento, diversos ônibus estacionam na frente da lanchonete, que fica totalmente tomada por peixes famintos. A horda de clientes toma conta de todo o espaço interno e Lula Molusco e o Sr. Siriqueijo vão parar no teto da lanchonete, amedrontados com a situação. Quando tudo parece estar perdido, eis que surge Bob Esponja voando por cima dos clientes, utilizando a rara espátula encontrada por ele como hélice. O Sr. Siriqueijo afirma que se Bob Esponja conseguir atender todos os clientes peixes, o emprego será dele. Motivado, o protagonista vai para a chapa onde começa, em um ritmo alucinado, a montar centenas de hambúrgueres até efetivamente alimentar toda a horda faminta. Com um enorme saco de dinheiro e um igualmente grande sorriso no rosto, o Sr. Siriqueijo efetiva Bob Esponja na lanchonete Siri Cascudo, para desespero de Lula Molusco.
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A première da série, com a exibição desse episódio piloto, foi em maio de 1999 e os demais episódios começaram a ser exibidos regularmente a partir de julho do mesmo ano. De início, a série não fez o sucesso estrondoso que alcançaria depois. Porém, teve uma constante e crescente curva de crescimento de popularidade, o que significa uma maior fidelidade do público e perspectiva de consolidação da audiência em médio prazo – diferentemente das séries que apresentam uma curva mais acentuada (“boom”) e que normalmente tendem a perder a audiência depois de algum tempo. Hillenburg afirmou que o conceito de criação da série possui referências de “O Gordo e o Magro” e da personagem Pee-Wee Herman, criada e interpretada pelo ator Paul Reubens. No desenho animado, há o predomínio do foco nas personagens e em seus relacionamentos, muito mais que no contexto social em si. Para a ambientação da série foi utilizado, como referência, um lugar isolado no fundo do mar, no Oceano Pacífico, próximo ao Atol de Bikini. Este se localiza na Micronésia, que pertence atualmente às Ilhas Marshall, e foi utilizado para testes nucleares pelos Estados Unidos nas décadas de 40 e 50. Ao passar uma noção geral de comunidade, a Fenda do Biquíni funciona mais como ambientação e sustentação do universo criado do que como elemento ativo na trama. As relações sociais que definem a própria existência da série giram em torno de Bob Esponja, personagem principal da série, que apesar de ser uma esponja do mar tem a forma de uma bucha de cozinha. Com grandes olhos azuis, dois dentes da frente aparentes, corpo retangular amarelo com furos, Bob Esponja normalmente veste calça quadrada marrom, camisa branca social de manga curta, uma pequena gravata vermelha, além de calçar sapatos pretos. Ele vive em um abacaxi de dois quartos, com Gary, seu caramujo de estimação, que mia como um gato e, ao se movimentar, deixa um rastro gosmento por onde passa. Originalmente, a protagonista da série se chamaria SpongeBoy, mas foi descoberto que o nome já estava em uso para uma marca de esponjas domésticas, o que obrigou a adoção do novo nome, Bob Esponja Calça Quadrada. Além de ser uma menção à vestimenta, essa alcunha funciona também como sobrenome da personagem. Apesar de não haver alusão clara à sua idade, Bob Esponja é um jovem adulto, pois mora sozinho, trabalha e quer tirar sua carteira de motorista. O desenvolvimento da personalidade da personagem também foi inspirado na voz e na interpretação de Tom Kenny, dublador original da personagem em língua inglesa. Mesmo presumindo a faixa etária da protagonista e, por consequência, das demais personagens, não há na série o desenvolvimento de relacionamentos amorosos. O próprio Hillenburg afirmou que não pensou nessa questão na criação dos episódios e disse ainda que o protagonista, Bob Esponja, estaria mais para uma figura assexuada. Entretanto, a partir de uma campanha social a favor da diversidade e da tolerância realizada nos Estados Unidos no ano de 2005, surge, por parte de alguns grupos mais conservadores, uma polêmica em relação ao entendimento de um possível relacionamento homossexual entre Bob Esponja e Patrick. Já para outras pessoas, há um sentimento amoroso heterossexual não realizado e não manifesto explicitamente entre Bob Esponja e Sandy. Com atitudes e comportamentos positivos, Bob Esponja é uma personagem otimista, satisfeita e bem intencionada. Sempre disposto, é bastante ativo e busca diversão tanto no trabalho quanto fora
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dele. Essa sua personalidade faz com que tenha uma visão muito particular das coisas do mundo, gerando inúmeros contrapontos e situações com as outras personagens da série. Por exemplo, quando quer agradar seu vizinho Lula Molusco, acaba, sem perceber, por irritá-lo cada vez mais. A inocência e o desejo de ser bom e correto da protagonista acabam ressaltando alguns defeitos morais das outras personagens da série. As boas intenções de Bob Esponja, por contraste, transformam-se para o espectador em crítica à ganância do Sr. Siriqueijo, da impetuosidade de Sandy Bochechas, do mau-humor de Lula Molusco e do destempero de Patrick. A simplicidade da personagem faz com que ela valorize as pequenas coisas da vida – como no episódio em que se diverte enormemente com uma caixa de papelão que embalava um aparelho de televisão. Bob Esponja é ainda extremamente sentimental e afetuoso, por isso, a frequente alegria que acompanha a personagem pode, eventualmente, ser substituída por um sentimento de tristeza e preocupação, principalmente quando acha que magoou alguém ou quando perde algo de que gostava. Bob Esponja trabalha, desde o início da série, como chapeiro na lanchonete Siri Cascudo, tendo como colega de trabalho seu vizinho Lula Molusco. Desde que começou a trabalhar na lanchonete, ganhou todos os prêmios de “funcionário do mês”. Trabalha por prazer, pois adora fazer os saborosos hambúrgueres, mesmo ganhando um reduzido salário. Não possui grandes ambições na vida, sua maior motivação e objetivo é apenas ser o melhor chapeiro da Fenda do Biquíni e fazer lanches que as pessoas adorem. Os hobbies prediletos de Bob Esponja são caçar águas-vivas, fazer bolhas de sabão e praticar caratê com Sandy. Ele frequenta ainda as aulas na autoescola com a Sra. Puff, sua professora, mas nunca conseguiu ser aprovado nos exames. O melhor amigo da protagonista é Patrick, estrela do mar cor-de-rosa, gordinha e que vive sob uma rocha, ao lado da casa de Bob Esponja. Sua principal característica é a absurda limitação de inteligência, o que o torna quase limítrofe, a ponto de, às vezes, perder o controle e se animalizar. Extremamente ingênuo, Patrick também possui uma faceta ciumenta e possessiva, alternando constantemente entre estados extremos de humor. Patrick não possui emprego ou atividade fixa e, quando não está na companhia de seu melhor amigo Bob Esponja, passa a maior parte do tempo dormindo ou vendo televisão embaixo da pedra onde mora. Apesar de não ter essa intenção, acaba muitas vezes colocando a si mesmo e a seu amigo em situações embaraçosas. Sandy Bochechas é uma geniosa amiga de Patrick e Bob Esponja que mora em uma redoma de ar embaixo d´água, na qual foi recriado o habitat de um esquilo na terra. Ela usa uma espécie de escafandro, que permite a respiração fora da redoma quando está submersa. Oriunda da superfície, mais precisamente do estado do Texas, nos Estados Unidos, Sandy é uma cientista cujas invenções são, muitas vezes, acidentalmente quebradas por seus dois amigos. Praticante de caratê e aficionada por esportes radicais, o esquilo possui grande força e adora desafios. Já Lula Molusco é, mesmo pelo criador da série, ora referido como uma lula, ora como um polvo, que mora ao lado de Bob Esponja e de Patrick. Sua casa é feita de pedra e se assemelha fisicamente aos moais, esculturas em forma de cabeça humana característica da Ilha de Páscoa (Chile), com os olhos fazendo a função de janelas no segundo andar da casa. Lula Molusco tem pele verde azulada, olhos vermelhos, seis tentáculos, nariz grande e é careca. Além de vizinho, é também colega de trabalho de Bob Esponja na lanchonete Siri Cascudo, onde exerce a função de caixa. Seus dois vizinhos o consideram um amigo, embora o sentimento não seja recíproco.
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Rabugento, pretencioso, mal humorado, pedante, individualista e narcisista são alguns adjetivos que bem podem definir essa personagem. Sempre reclamando de tudo, Lula Molusco gosta de pintar quadros e tocar clarinete, porém não tem a menor consciência de sua limitação artística. Egocêntrico, não gosta de dividir nem partilhar qualquer coisa ou experiência. Finge levar uma vida sofisticada, diferente das demais personagens, mas, na verdade, vive da mesma forma que os outros e não faz nada para mudar essa situação – o que pode nos levar a pensar se ele, de fato, quer mudar. O descompasso entre o que deseja e o que realmente vive é o principal motivo que faz com que esteja sempre mal humorado. O proprietário da lanchonete Siri Cascudo, é o Sr. Siriqueijo, de origem humilde, sem pai conhecido, é descendente, por parte de mãe, de uma família de piratas. Em sua juventude, trabalhou na Marinha, onde, após se aposentar, passou por um período de depressão, que termina com a criação da lanchonete Siri Cascudo, estabelecimento bastante popular na Fenda do Biquíni. Como nunca foi casado, nem teve filhos, resolve adotar a baleia cachalote Pérola e transformá-la em sua herdeira. O Sr. Siriqueijo convive com as constantes ameaças do vilão Plankton, ex-sócio que, por desavenças passadas nos negócios, tornou-se o maior inimigo do proprietário da lanchonete. O objetivo do minúsculo Plankton é roubar a fórmula secreta do delicioso hambúrguer de siri, fazer sucesso com sua própria lanchonete e levar o Siri Cascudo à falência. Estereótipo do capitalista burguês, Sr. Siriqueijo é extremamente avarento e ganancioso, capaz de explorar sobremaneira outras personagens e mesmo sacrificar seu próprio bem-estar para poupar mais dinheiro. O toque de humor fica por conta do fato de seu amor ao dinheiro não ser apenas uma metáfora, mas literal, com o apego físico às notas e moedas. Outras personagens com aparições menos regulares na série são: Sra. Puff, a traumatizada professora de Bob Esponja na autoescola, Pérola, a filha adotiva do Sr. Siriqueijo, Sr. e Sra. Calça Quadrada, os pais de Bob Esponja, o Holandês Voador, fantasma de um pirata que assusta a Fenda do Biquíni, os super-heróis aposentados Homem-Sereia e Mexilhãozinho e o Pirata Pattie, ator de carne e osso, fã declarado da série que possui um papagaio de madeira (Potty) e que faz o papel de apresentador de alguns episódios. Inicialmente pensada para o público infantil, “Bob Esponja Calça Quadrada” acabou agradando também jovens e adultos de ambos os sexos. Esse fenômeno pode ser explicado por alguns fatores, como pela ambientação original, na qual o universo do fundo do mar é misturado a elementos externos e inusitados, como a casa-abacaxi da protagonista, por exemplo. O desenvolvimento das personagens é, ao mesmo tempo, psicologicamente próximo de matizes presentes na vida cotidiana em sociedade e visualmente fantasioso, com design criativo e livre das formas predominantes antropomórficas, criando assim uma relação ambígua de identificação e estranhamento. Do relacionamento ordinário dessas personagens, emanam temas e situações universais, que nos permitem, aparentemente a partir de pequenas questões, estabelecer uma visão mais crítica e reflexiva.
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The Simpsons Durante sua infância, em Portland, Matt Groening não era um grande entusiasta da vida escolar, o que o levou a desenhar com bastante frequência. Ao terminar o segundo grau, cursou artes plásticas na The Evergreen State College, faculdade conhecida pelo seu caráter liberal na educação e no ensino das artes. Entre 1972 e 1977, Groening atuou ainda como redator do jornal da faculdade, no qual além de escrever também produzia algumas tirinhas. Após terminar os estudos, em 1977, muda-se para Los Angeles para tentar trabalhar como escritor. Todavia, acaba se virando financeiramente com pequenos “bicos”. Groening descrevia para seus amigos suas experiências na cidade por meio de um fanzine artesanal, de fabricação própria, chamado “Life in Hell”. A publicação autoral foi inspirada pela leitura do capítulo “Como Ir ao Inferno”, do livro “Crítica da Religião e da Filosofia”, de Walter Kaufmann. O fanzine também era distribuído em uma loja de discos de vinil em que trabalhava. Pouco tempo depois, Groening arruma um emprego em um pequeno jornal alternativo, chamado “Los Angeles Reader”, onde “fazia de tudo um pouco”, desde atender ao telefone até a diagramação das páginas do tabloide. Em certa ocasião, apresenta seu fanzine para o editor, que lhe cede um pequeno espaço para publicação no jornal. Assim, em 1980, estreia a tirinha “Life in Hell”, que faz sucesso quase que imediatamente. Quatro anos depois, a partir de uma sugestão de sua namorada e futura (ex) esposa, Deborah Caplan, Groening publica uma série de livros com o mesmo tipo de humor das tirinhas, como “Love is Hell”, “Work is Hell”, “School is Hell”, “Childhood is Hell”, “The Big Book of Hell” e “The Huge Book of Hell”. A tirinha “Life in Hell” mantém sua produção semanal e é publicada atualmente em cerca de 250 jornais. O trabalho de Groening despertou o interesse do roteirista e produtor James L. Brooks que, em 1985, contatou o autor para a criação de pequenas animações (bumpers) da série “Life is Hell” para um futuro programa de variedades no canal Fox. Com receio de perder os direitos de sua criação, Groening desenvolveu um novo projeto a partir de uma família disfuncional, os Simpsons. Em 1987, a Fox lança o programa “The Tracey Ullman Show” (1987-1990). Criado, dirigido e apresentado pela polivalente atriz, comediante, cantora, dançarina e roteirista Tracey Ullman, o programa ganhou três Emmy Awards, o “Oscar” da televisão. Entre os quadros fixos do programa, havia dois pequenos segmentos (“bumpers”) animados. O primeiro deles era “Dr. N!Godatu”, uma série de pequenos curtas criados por M.K. Brown e animados pelo Estúdio Klasky-Csupó. Foi exibida apenas durante a primeira temporada do programa. No total, foram produzidos e exibidos seis pequenos episódios, que apresentam como protagonista a sui generis Dra. Janice N!Godatu e seu cotidiano dentro e fora de seu consultório. A segunda série, “The Simpsons”, era exibida logo depois dos comercias - durante a primeira e a segunda temporada - e no meio de um bloco do programa - durante a terceira. As pequenas animações da família deixariam de ser exibidas na quarta temporada, à medida que ganharam sua própria série independente do programa de Tracey Ullman.
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Criada e escrita por Matt Groening, os esquetes eram animados por Bill Kropp, David Silverman e Wes Archer, animadores do Estúdio Klasky-Csupó. No total, foram exibidos 48, com cerca de um minuto de duração, entre 1987 e 1989, quando “The Simpsons” se tornou uma série própria. Inicialmente, a série tinha design mais sujo, com cara de rascunho, mas, aos poucos, foi ganhando traço e acabamento próprios. Outra curiosidade foi a equipe de dubladores, formada por atores do “The Tracey Ullman Show”, que gravava as falas em gravadores portáteis. Embora a maioria das personalidades das personagens seja semelhante às que estão atualmente em exibição, Lisa era inicialmente retratada como uma versão feminina de Bart, sem a atual inteligência que bem caracteriza a personagem nos dias atuais. “The Tracey Ullman Show” não foi considerado um grande fenômeno em termos de audiência, mas a popularidade das pequenas animações da família Simpson teve grande acolhida. Em 1989, é criada uma série própria com episódios de 22 minutos de duração. James L. Brook, produtor e consultor da nova série, conseguiu negociar um contrato de autonomia criativa com a Fox, impedindo a emissora de interferir em seu conteúdo. Em pouquíssimo tempo, “The Simpsons” se transforma em um enorme fenômeno mundial, sendo considerado o desenho animado mais popular de todos os tempos, para a surpresa de todos os envolvidos inicialmente no projeto. Groening, que mencionou como referência a obra do satírico escritor Joseph Heller, criou uma série que pode ser entendida como uma espécie de sátira do estilo de vida da classe média trabalhadora norte-americana, representada pelos membros da família Simpsom: Homer, o pai; Marge, a mãe; Lisa, a filha; Bart, o filho e Maggie, a bêbe recém-nascida. Os nomes das personagens foram apropriados de nomes de membros da própria família de Groening, com exceção de Bart, que é um anagrama de brat (moleque, em inglês). A série é ambientada na cidade fictícia de Springfield, de médio porte, localizada no interior dos Estados Unidos. Na série, a cidade foi fundada em 1796, por um pequeno grupo guiado por Jebediah Springfield, líder religioso que, depois de ler de maneira equivocada uma passagem da bíblia, tenta encontrar Nova Sodoma. A partir de uma dissidência com alguns membros desse grupo, é fundada também Shelbyville, cidade desde então rival de Springfield. A geografia da cidade é absurdamente variada e incognoscível, com a presença, por exemplo, de florestas e desertos, geleiras e praias. Apesar dessa diversidade, o local possui inúmeros problemas ecológicos retratados em diversos episódios da série. A cidade possui ainda estruturas urbanas características, como bairros, estabelecimentos comerciais, delegacia de polícia, sistema de transportes, prefeitura, bancos, supermercados, escolas etc. Springfield pode representar, portanto, qualquer cidade dos Estados Unidos, sem ser uma cidade específica. O próprio nome do município foi escolhido por ser um dos nomes mais comuns de cidade naquele país. Além de ter representadas as devidas instituições e aparatos sociais, a cidade possui uma enorme usina nuclear que, ao mesmo tempo em que representa uma terrível ameaça, é a principal geradora de renda e de empregos, causando uma terrível relação de dependência na cidade. Apesar de outros desenhos animados já terem retratado a classe média trabalhadora norteamericana, como, por exemplo, “The Flintstones” e “The Jetsons”, “The Simpsons” estabelece uma
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crítica mais ácida quando comparada a estas séries anteriores, cujas famílias são representadas de maneira mais harmônica e feliz. A família de Springfield dialoga mais proximamente com paradigmas da sociedade contemporânea, explorando outras fronteiras sociais e individuais. A utilização da matriz familiar - estrutura mínima, indivisível de toda e qualquer sociedade garante, ao mesmo tempo, maior penetração junto a públicos de diferentes faixas etárias e uma espécie de licença para a prática de um humor tipicamente atual. Desta maneira, as personagens centrais da série possibilitam simultânea e contraditoriamente sua ridicularização e identificação por parte dos espectadores. Em relação às personagens centrais, há uma clara distinção em função do gênero: enquanto Homer e Bart são egoístas, Marge e Lisa respeitam as regras de convivência social e zelam pelo bem-estar da família. Ainda que desrespeitem as regras, a conduta “masculina” de pai e filho contribui para a manutenção do status quo baseado no american way of life, levando ao consumo inconsciente, ao anti-intelectualismo exacerbado, à ausência de solidariedade em relação ao próximo. Já a conduta de mãe e filha, mesmo que também “conservadora” da estrutura social, reveste-se de uma positividade que, no longo prazo, poderia transformar a qualidade da vida e das relações sociais em Springfield. Essa variedade de comportamentos acaba resultando em um equilíbrio baseado na interação dos familiares: quando se deparam com a censura ou os conselhos de Marge, tanto Bart quanto Homer corrigem seus comportamentos inadequados. Da mesma forma que Lisa e sua mãe, por vezes, agem de maneira diversa de seu comportamento habitual para enfrentarem os “homens da família” (Homer e Bart). Além da família protagonista, a série possui uma gigantesca galeria de personagens – alguns até mesmo com aparições especiais em um único episódio. Estas personagens ocupam diferentes papéis de acordo com um determinado tipo ou função presente na cidade: a celebridade, o policial, o padre, o prefeito, o dono de mercadinho, o dono da escola, o trabalhador, o palhaço, o nerd, o arruaceiro etc. Algumas dessas outras personagens possuem ainda um papel secundário, servindo de suporte para a trama e, em algumas ocasiões, ganhando maior destaque ou ênfase em determinados episódios. A presença relativamente constante de personagens com uma única aparição é um fato incomum em séries de animação, uma vez que exige um maior trabalho da equipe e diminui a margem de uso de bibliotecas de animação. Tais personagens, quando existentes, costumam ocupar um papel ou função importante no episódio, servindo de pretexto para o desenvolvimento da trama. Eventualmente, essas personagens “bissextas” são mencionadas em outros momentos da série, ou mesmo voltam para uma segunda aparição, fazendo uma pequena ponta em outro episódio. Personagens com uma única aparição podem ser classificadas em duas grandes categorias em “The Simpsons”. A primeira, como um tipo de representação ficcional, isto é, interna ao próprio universo da série, como no caso de algum parente distante que faz uma visita de surpresa à cidade, por exemplo. Uma segunda categoria pode ser indicada pela representação de personagens e personalidades externas à série, isto é, pertencentes ao “mundo real” ou a outros universos criativos. Em um dos episódios, por exemplo, as irmãs solteiras de Marge, Patty e Selma Bouvier,
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sequestram a personagem MacGyver, interpretada pelo ator Richard Dean Anderson, da série de televisão dos anos 80, “Profissão Perigo”. Neste caso de “importação” de personagens externas ao universo da série, “The Simpsons” consegue incorporar dinâmicas pertencentes ao contexto de origem do convidado “estrangeiro”, metamorfoseando, assim, sua própria estrutura narrativa. No exemplo de McGyver, após ser sequestrado, amarrado e aprisionado no quarto das rancorosas irmãs gêmeas, a engenhosa personagem cria suas improvisadas traquitanas e consegue escapar do cativeiro das irmãs. De acordo com Groening, a série adotou o conceito de utilização de um vasto número de personagens secundárias e de sustentação às tramas dos episódios a partir de “Second City Television” (1976-1984), programa de humor canadense criado por Bernard Sahlins e Andrew Alexander, que tinha como eixo central o estranho cotidiano de uma emissora de televisão independente, misturando a exibição de seus próprios programas com seus bastidores de produção. O uso de alusões, como no caso da participação desse tipo de personagens, é um recurso extremamente recorrente na série. Tal recurso é pensado de maneira que proporcione, ao mesmo tempo, o estabelecimento de novas relações para os espectadores que possuem as devidas referências de origem, sem que comprometa a compreensão da história para aqueles que não as têm. Isso garante, portanto, a autonomia dos episódios e a possibilidade de diferentes formas e níveis de leituras. Destarte, “The Simpsons” utiliza uma estrutura de sitcom, porém com um maior escopo temático que a maioria das comédias desse gênero. Dada a amplitude de universos potencialmente oferecidos em Springfield, a série explora diversos temas e situações recorrentes à sociedade contemporânea. Estes podem surgir a partir da própria família protagonista, como as relações de trabalho vividas por Homer, o sistema educacional representado pela escola frequentada por Bart e Lisa, a indústria da comunicação e do entretenimento, sobretudo da televisão, assistida por toda a família. Temas e relações políticas e de poder também se fazem presentes de maneira direta e transversal nos episódios. A presença de uma ironia e de um senso de humor mais liberal aproxima a série, no contexto norte-americano, mais ao gosto dos democratas do que ao dos republicanos, tradicionalmente mais conservadores. Todavia, a série faz piada com todo o universo político, independente de sua orientação ou tendência. Também os aparatos sociais responsáveis pela manutenção da ordem são representados de maneira irônica, como a polícia, as grandes corporações, as associações sociais e as religiões. O humor da série se aproveita, portanto, de referências sociais e culturais que abrangem um amplo espectro da sociedade contemporânea em um mundo pós-globalizado. Estas referências também podem se manifestar por meio de microestruturas ou mesmo de pontos mais específicos, muitas vezes em quantidade maior do que a capacidade de assimilação do espectador. É possível ainda identificar na série uma crítica quanto ao próprio estado da arte da televisão, principalmente, mas não apenas, por meio da personagem Krusty, uma clara analogia ao palhaço Bozo, e do desenho animado “Comichão e Coçadinha” (“Itchy & Scratchy”), analogia à Tom & Jerry, que funciona como uma espécie de metasérie extremamente violenta exibida no programa infantil do referido palhaço e muito apreciada pelas crianças.
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“The Simpsons” concilia esta diversidade com alguns elementos recorrentes, como os bordões de Homer, “D’oh!” - com expressão facial paralizada -, do Sr. Burns, “Excelente...” enquanto esfrega as duas mãos. Além de elementos, algumas situações específicas também se apresentam de maneira recorrente, como os trotes telefônicos de Bart para o bar do Moe. Tal estrutura de suporte, que mescla elementos variáveis com outros invariáveis, é o que dá sustentação para a família Simpson - ou, por outra perspectiva, é o que surge ou se torna visível a partir dela. Apesar dos anos que se passaram, há uma suspensão do tempo, isto é, as personagens da série não sofrem a ação do tempo, mantendo a mesma idade e aparência em todas as temporadas. O eixo central da série é, portanto, a família, que tem como patriarca Homer Simpson, uma personagem caracterizada por seu baixo nível de inteligência, sua preguiça e suas explosões de raiva – como quando impulsivamente estrangula Bart. Também não gosta de trabalhar e adora comer junk food e beber cerveja, o que fez com que ficasse acima do peso e portador de uma barriga sobressalente. Seus vizinhos, os Flanders, família extremamente religiosa e ordenada, são motivo constante de inveja, o que o leva a fazer troça e premeditar ações destrutivas – único momento na série em que age desta maneira intencionalmente. O relacionamento com a família é bastante variável: o mesmo Bart que é por vezes repreendido por ele torna-se seu aliado em outras situações, normalmente envolvendo algum tipo de traquinagem. Em relação à Lisa, filha com personalidade oposta a do pai, ele se mostra carinhoso e atencioso, muitas vezes desistindo de alguma vontade própria para agradar a filha. Apesar de interagir com a pequena Maggie, parece, por vezes, esquecer-se de sua existência. Já quanto a Marge, sua esposa, mesmo fazendo constantemente coisas que a desagradam, demonstra não ter intencionalidade nestes atos e, não raramente, sente culpa e remorso, se esforçando para mudar sua atitude e agradar seu amor. Homer tem ainda um pai, que foi colocado em um lar de idosos e com quem tem contato neutro e de forma esporádica. Dominado por seus impulsos, o protagonista parece ser escravo de suas vontades, materializadas na série pela tríade cerveja, televisão e rosquinhas. Apesar de sua limitação intelectual, Homer é capaz de absorver e processar algumas informações em sua mente, normalmente sobre assuntos muito específicos ou de caráter mais simplista. Em muitas oportunidades, ele dialoga com sua própria mente, como se fosse a voz da consciência ou um pensamento em voz (off) alta. Por outro lado, Homer possui certas virtudes, como a simplicidade, a alegria, o amor incondicional à família e a capacidade de modificar sua atitude em favor das pessoas de que gosta. Dessa maneira, é uma personagem extremamente humana, com seus defeitos e qualidades, o que o torna tanto desprezível quanto admirável em certos aspectos. Homer é, portanto, um anti-herói, mas não um vilão. Sua alienação, preguiça e egoísmo podem ser transformar diante de seu arrependimento quando decepciona a família, única coisa capaz de chacoalhar sua inércia. A simpatia com a personagem reside, provavelmente, na dicotomia razão-emoção, isto é, na ambivalência de sua personalidade natural e espontânea e de sua devoção familiar. Apesar de estar longe de um modelo ideal de ser humano, pai e marido, ele é capaz de amar e, por isso, acredita que pode ser uma pessoa melhor, mesmo que para isso tenha que se comportar, algumas vezes, contra seus hábitos.
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Marge é a típica representação da figura materna nos seriados de sitcom, uma “Amélia”, a devotada dona de casa que vive em função da família, sem muito espaço para suas próprias vontades e desejos – ainda que estes sejam explorados em alguns episódios isolados. Possui duas irmãs, as ranzinzas Patty e Selma Bouvier, que nunca se casaram, moram juntas e odeiam Homer, apesar de relacionarem bem com Marge. Benevolente, é a força moral da família, zelando pela ordem e pelo bem-estar de todos. Por isso, sua união com Homer é, em alguns momentos, bastante atribulada. Apesar de reconhecer os defeitos de seu marido, ela retribui seu amor, o que, no final das contas, faz com que permaneçam juntos. Ela nunca julga Homer a priori e nem se coloca contra o marido, pois sempre espera boas ações dele. Sua atitude é, portanto, mais reativa do que ressentida: ao identificar algum defeito procura corrigi-lo. Apesar de sua personalidade se aproximar mais da filha, com quem se relaciona muito bem, Marge também demonstra carinho e preocupação com Bart, identificando a índole pessoal por trás do moleque travesso. Quanto à pequena Maggie, mostra-se igualmente uma mãe devotada e atenciosa. Por vezes, o fervor moral de Marge ultrapassa os limites do lar e ela participa de causas e associações, tentando expandir frustradamente sua voz da razão para a cidade, mas seus moradores se mostram demasiadamente inertes para, de fato, transformarem os problemas apontados por meio de ações efetivas. Em outras palavras, a liderança exercida em casa acaba não sendo bemsucedida na cidade. Religiosa, é a principal responsável pelo fato da família frequentar a igreja aos finais de semana. A despeito de sua moral, Marge tem, por vezes, que lidar com alguns de seus vícios que eventualmente voltam para assombrá-la, como o jogo, por exemplo. Um fato curioso aconteceu no ano de 1990 envolvendo Barbara Bush e Marge Simpson. Em uma entrevista para a revista “People Magazine”, a então primeira-dama norte-americana afirmou ter perplexidade em relação à série e a família nela representada, afirmando ser “a coisa mais estúpida” que ela já assistiu. Os roteiristas da série resolveram escrever uma carta particular endereçada à primeira-dama, assinada por Marge Simpsons, que posteriormente foi respondida pela Sra. Bush com um pedido de desculpas: “Estimada Primeira-Dama, recentemente li suas críticas à nossa família. Eu fiquei profundamente magoada. O céu sabe que estamos longe da perfeição, eu sei, talvez até mesmo um pouco distante do normal; mas como Dr. Seuss diz: “uma pessoa é uma pessoa”. Eu tentei educar minhas crianças (...) sempre estimulando o benefício da dúvida e nunca permitindo que qualquer um falasse mal deles, mesmo que fosse uma pessoa rica. É difícil fazê-los compreender este ensinamento quando a própria primeira-dama do país chama-nos não apenas de idiotas, mas de “a coisa mais estúpida que ela já viu”.(...) Eu espero que haja alguma maneira de sair dessa controvérsia. Pensei que, talvez, apenas fazendo minha mente falar pudesse ser um bom começo.” 10 Filha de Marge e Homer, Lisa é uma menina de oito anos com uma inteligência muito acima de sua faixa etária, de sua família e da maioria dos moradores da cidade. Ela adora escutar 10. Tradução livre do autor de: “Dear First Lady, I recently read your criticism of my family. I was deeply hurt. Heaven knows we’re far from perfect and, if truth be known, maybe just a wee bit short from normal; but as Dr. Seuss says, “a person is a person”. I try to teach my children [...] always to give somebody the benefit of the doubt and not talk badly about them, even if they’re rich. It’s hard to get them to understand this advice when the very First Lady in the country calls us not only dumb, but “the dumbest thing” she ever saw. [...] I hope there is some way out of this controversy. I thought, perhaps, it would be a good start to just speak my mind.”
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jazz e tocar saxofone. Reflexiva e preocupada com diversos problemas atuais, costuma se engajar e participar ativamente dessas causas. Em um episódio especial, Paul McCartney exigiu como contrapartida de sua participação que Lisa se tornasse vegetariana para todo o resto da série, o que, de fato, aconteceu. Outras causas pelas quais Lisa milita são o feminismo, o ambientalismo, os direitos dos animais e a libertação do Tibet. Lisa também aderiu ao budismo, desenvolveu grande espiritualidade e busca difundir a cultura da paz. Consciente, ligada em artes e cultura e dona de uma mente e espírito abertos, Lisa parece ter herdado da mãe a boa intenção e o papel de consciência da família. Apesar de perceber que não encontra eco à sua inteligência em casa, nem tampouco ser valorizada por isso, parece não se importar excessivamente com essa situação, valorizando o relacionamento mais emotivo e afetivo no convívio com seus parentes. Apesar de comumente se desapontar com as coisas do mundo, Lisa é compassiva e demonstra uma atitude relativamente otimista, principalmente naquilo com que ela puder efetivamente contribuir. Normalmente, possui opinião e conhecimento sobre assuntos diversos. Seus temas de interesse pessoal são igualmente amplos e variados, como medicina, ciências, astronomia, filosofia, literatura, artes e música. Todavia, esse requinte intelectual resvala em algumas falhas humanas, manifestas em sentimentos como raiva, ciúmes, moralismo e arrogância, e sentimentos tipicamente infantis, nunca se tornando, portanto, uma espécie de adulta presa em um corpo de criança. Na verdade, estas duas instâncias convivem simultaneamente, o que podemos perceber nas ocasiões em que se junta ao seu irmão para assistir “Comichão e Coçadinha”, um desenho animado tolo e politicamente incorreto, mas que, por alguma razão, agrada ao público infantil. Em seu relacionamento com a família, Lisa demonstra, por vezes, desaprovação e vergonha quanto a determinadas atitudes e comportamentos. Em suas aventuras na constante busca do saber e do conhecimento, encontra uma espécie de compensação pela falta de estímulos e de interação domésticos, porém sua casa é o seu porto seguro. Oposto de sua irmã, Bart é o típico moleque descolado, que vai mal na escola, adora bagunça, é rebelde e tem problemas em aceitar estruturas hierárquicas ou autoritárias. Filho primogênito, com dez anos de idade, suas principais atividades fora da escola incluem andar de skate, ler histórias em quadrinhos e assistir televisão. É grande fã de Krusty e chegou a ajudá-lo em diversos episódios, sem, contudo, ter o devido reconhecido do palhaço malhumorado e deprimido. Estereótipo da “criança problema”, Bart foi inspirado na infância do próprio Groening e também na personagem de “Denis, o Pimentinha”. Herdou do pai certo filisteísmo, porém, ao contrário de Homer, isso implica conflitos nas diversas esferas sociais em que convive. Na escola, é um aluno problemático, que possui como principal antagonista o diretor Seymour Skinner – que age como a personagem Norman Bates, interpretada por Anthony Perkins, no filme “Psicose”, e cujo sobrenome é uma alusão ao fundador do behaviorismo. Por outro lado, demonstra certa integridade, tendo, inclusive, em algumas situações, ajudado ao próprio Sr. Skinner. Assim, apesar de seu comportamento inconsequente, podemos afirmar que Bart é um “bom menino”, que apenas gosta de se divertir, não agindo com má intenção mesmo quando “apronta”. O relacionamento com sua irmã é comum à maioria dos irmãos, alternando momentos de união e fraternidade com outros de competição e rivalidade. Embora às vezes se envergonhe do tímido e certinho Milhouse, ele é seu melhor amigo.
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A natureza rebelde e iconoclasta de Bart fez com que sua figura fosse amplamente utilizada fora da série (“Bartmania”), o que preocupou algumas pessoas mais conservadoras quanto à possível adoção da personagem como influência ou modelo para os jovens e as crianças. Questionado em uma entrevista, no ano de 1998, sobre este assunto, Groening respondeu: “Agora que tenho um menino com sete e outro com nove anos de idade, tudo o que posso dizer é “eu peço desculpas”. Agora sei do que vocês estavam falando. Minha resposta padrão é, se você não quer que seus filhos sejam como Bart, não haja como Homer.” 11 Após o sucesso de “The Simpsons”, Groening apresentou sem sucesso alguns projetos de spin-offs da série, como um programa em live action sobre Krusty, o palhaço, “Comichão e Coçadinha” e uma série sobre os demais moradores de Springfield, sem focalizar a família Simpson. Todavia, “The Simpsons” permanece como a maior série de animação de todos os tempos, com a confirmação da realização de sua 23ª temporada, permitindo que ultrapasse, em breve, a marca dos 500 episódios. Além disso, é o segundo programa a permanecer de forma contínua por mais tempo no ar na televisão norte-americana, ganhando inúmeros prêmios e homenagens. A série gerou ainda o licenciamento de diversos produtos, jogos de videogame e deu origem a um bem sucedido filme de longa-metragem. A maneira simples, descontraída e divertida com que a série aborda temas complexos da contemporaneidade e mesmo da natureza humana conseguiu agregar a um programa de qualidade grandes níveis de audiência, desafiando a máxima sobre a televisão de que quanto melhor o programa, menor seu público. Além disso, a audiência do programa atinge estratos amplos e diversos, ultrapassando inúmeras barreiras. Isso fez com que “The Simpsons” reiventasse o gênero sitcom e a própria animação na televisão, servindo de referência para inúmeras séries (em live action e animação) que surgiram posteriormente. Tais feitos devem-se principalmente à dinâmica criativa e colaborativa da elaboração dos roteiros dos episódios. A equipe de roteiristas é formada, em média, por 16 pessoas que, no início de dezembro, se reúnem para apresentar as ideias para os episódios da próxima temporada. As ideias eleitas são desenvolvidas por seus proponentes, que apresentam uma primeira versão do roteiro. Cópias dessa primeira versão do roteiro são encaminhadas aos demais roteiristas, que atuam como consultores, fazendo os devidos ajustes e modificações até se chegar a uma versão final. Inúmeros roteiristas já passaram pela série, sendo John Swartzwelder o mais creditado, com a criação de 60 episódios. Eventualmente alguns roteiristas convidados participam com a criação de um único episódio, como foi o caso do comediante inglês Ricky Gervais (criador da série “The Office”), no episódio número 371, “Homer Simpson, This is Your Wife”, exibido na décima sétima temporada. Veremos no próximo capítulo os conceitos e as metodologias narrativas e dramatúrgicas envolvidas no desenvolvimento de um projeto de série de animação, desde a ideia original e o conceito de criação da série até a finalização do animatic. 11. Tradução livre do autor de: “I now have a 7-year-old boy and a 9-year-old boy, so all I can say is, I apologize. Now I know what you guys were talking about. My standard comment is, if you don’t want your kids to be like Bart Simpson, don’t act like Homer Simpson”.
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Capítulo 3
dramaturgia
aplicada à produção de séries de
ANIMAçÃO
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dramaturgia
3 ANIMAçÃO
aplicada à produção de séries de
3. Dramaturgia Aplicada à Produção de Séries de Animação Algumas pessoas costumam fazer uma distinção muito rígida entre as dimensões práticas e teóricas presentes em qualquer área do saber. Em seu afã produtivo, amparados por uma lógica dominante de mercado, essas pessoas costumam dizer, direta ou indiretamente, que a teoria é irrelevante diante da prática. De fato, esta parece ser mais uma entre as inúmeras dicotomias com forte presença no mundo contemporâneo ocidental: a diferença entre corpo e mente; pensar ou fazer; ser ou ter; entre outras tantas. Criar um projeto de série de animação é um processo que envolve diversas dimensões e variáveis. É neste momento que o autor aproveitará suas referências pessoais e procurará aliar aspectos teóricos, conceituais, retóricos, técnicos e estilísticos a favor do desenvolvimento de um projeto inventivo e criativo. Este talvez seja um bom exemplo de que, sobretudo em processos criativos, teoria e prática devam caminhar juntas ou de que, além disso, talvez essa distinção nem mesmo exista. Isso significa que, pelo menos inicialmente, cada autor deve se abrir ao mundo e aproveitar ao máximo suas próprias referências e sua subjetividade, não impondo a si qualquer tipo de censura ou restrição e não se preocupando com qualquer obrigação formal. Nesse sentido, o projeto deve ser, antes de qualquer coisa, um processo autoral resultante de questões e reflexões pessoais – ainda que aborde questões universais. Apesar de não existir uma fórmula ou regra absoluta referente à dinâmica de criação de um projeto de série de animação, é importante observar que sua apresentação, entretanto,
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possui certas formas e estruturas mais consolidadas. Assim, este capítulo apresenta um modelo de projeto completo de série de animação, conhecido como “bíblia de produção” (production bible). Este modelo, baseado no que se pratica atualmente no mercado internacional, também foi utilizado no Programa ANIMATV. O terceiro capítulo deste livro parte do aproveitamento das reflexões e das ideias apresentadas nos capítulos anteriores para apresentar os itens constituintes de uma bíblia de produção, amplamente utilizada no mercado internacional de projetos de séries de animação. Cada um destes itens ganhou um subcapítulo próprio no qual são abordadas suas particularidades, características principais e elementos atinentes. A ordem de apresentação desses itens não implica necessariamente a ordem de desenvolvimento do projeto, que pode ser alterada em função de cada autor. Da mesma forma, mudanças nestes itens são comuns e normalmente acarretam em novas alterações nos demais itens também. O primeiro subcapítulo aborda questões referentes ao início do processo de criação: seus desafios, as questões do repertório e da (auto)crítica e o desenvolvimento de um conceito geral da série, que pode ser facilitado a partir do engendramento de uma story line específica. A elaboração do conceito implica o pleno conhecimento da série, isto é, na capacidade de se responder a quaisquer questões de caráter mais abstratos referentes à sua justificativa, objetivos e demais aspectos conceituais. A partir da elaboração desse conceito, o segundo subcapítulo explora a apresentação da série, na qual se procura evidenciar como os conceitos abstratos serão representados dentro da dinâmica da série e como haverá uma articulação entre forma e conteúdo. Também é neste item em que se define, a partir do conhecimento de suas características, o público-alvo do projeto. Em seguida, trataremos da criação, desenvolvimento e apresentação do universo narrativo, no qual a série estará inserida. Este universo deve ser entendido não apenas como um mero pano de fundo no qual as ações acontecem, mas como um conjunto integrado no qual todas as realidades criadas existem e se relacionam. É preciso considerar ainda seu contexto de criação e a necessidade de uma coerência interna que garanta a imersão e a cumplicidade do espectador. No quarto subcapítulo, é a vez de abordar os cenários que irão compor o universo da série. Aqui, mais importante do que a descrição dos ambientes internos ou externos é pensar qual é a atmosfera ou a mensagem que estes cenários irão produzir no contexto da série. É válido observar, conforme veremos, que a composição dessas atmosferas não está restrita aos aspectos visuais, podendo explorar também elementos da linguagem sonora e musical. Também trataremos da elaboração de concept arts responsáveis por dar forma às ideias escritas sobre os cenários de uma série. Logo depois, apresentaremos algumas informações relacionadas à criação de personagens, cujo papel é central no desenvolvimento de qualquer série – não à toa se costuma dizer que uma série é conduzida pela personagem (character driven). As personagens podem, grosso modo, serem idealizadas a partir de suas dimensões interiores (perfil psicológico), exteriores (dinâmica visual) e também possuem representação visual própria, conhecida por model sheet. A partir das definições prévias acerca do conceito da série, seu universo e suas personagens, é possível pensar em ações que irão compor os episódios de uma temporada. Em um projeto,
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algumas sinopses técnicas (springboards) costumam ser elaboradas para se ter uma maior noção dos episódios da série além de seu piloto. Diferentemente da sinopse comercial, a sinopse técnica deve apresentar, de maneira clara, direta, resumida, com começo, meio e fim e com spoiler, alguns episódios previstos para a série. A escrita do roteiro vem em seguida e, em um projeto de série, ele é desenvolvido para o episódio piloto. Estruturas dramáticas e narrativas são importantes para a realização de um bom roteiro, mas também é fundamental pensar acerca das especificidades e potencialidades do roteiro para série de animação – que, em muitos aspectos, se diferencia de um roteiro de live action. Consultorias e tratamentos de roteiro são sempre desejáveis até que este atinja sua forma final desejada. Resultante de uma decupagem do roteiro surge o storyboard, processo que consiste no desenho de quadros de ação da história e é atualmente utilizado em todas as produções de animação. Quando bem feito e organizado, permite ajustes, diminui custos e tempo de produção, além de facilitar o desenvolvimento de um animatic bem detalhado. No final deste capítulo, traremos outros aspectos que, mesmo estando além do escopo narrativo e dramatúrgico deste livro, devem ser considerados na elaboração do projeto, como a “bíblia de comercialização” e o pitch. É preciso que o leitor consiga estabelecer e criar suas próprias relações com os subcapítulos apresentados, assim como com diversos outros aspectos apresentados por todo este livro. A compreensão do projeto dentro de uma dinâmica interdisciplinar integrada e indissociável de seus mais diversos elementos é uma das chaves para elaboração de um projeto coerente e articulado.
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3.1
3.1 Conceito Geral da Série A tela em branco...
conceito geral da série
Esta já foi a grande preocupação de infindáveis autores, criadores, cientistas, artistas e objeto de estudo de inúmeros pesquisadores nas mais diversas áreas criativas. Não é e nem poderia ser nosso objetivo aqui esgotar essa questão, mas, afinal de contas, de onde vêm as boas ideias? Apesar de não termos uma resposta única, simples e absoluta a esta questão, podemos seguramente afirmar que elas nunca “vêm do nada”. Ainda que as referências não sejam apontadas ou não sejam conscientemente reconhecidas, ninguém cria qualquer coisa sem referências – tenham elas os nomes e as formas que forem. Para isso, basta pensarmos que somente “somos quem somos” porque nossas formações, experiências, valores e visões de mundo são resultantes de uma série de fatores e combinações improváveis. Se tivéssemos nascido e sido criados em outras épocas, lugares ou circunstâncias, por exemplo, certamente seríamos pessoas diferentes. Com isso queremos dizer que cada pessoa possui motivações e uma carga interior singulares, que lhe são próprias e que, na maioria das vezes, se expressam de inúmeras maneiras no cotidiano e em suas manifestações criativas. Não seria diferente, portanto, com a animação. Certa personagem, por exemplo, pode representar, de uma maneira mais ou menos consciente, mais ou menos crível, um ex-chefe, um parente, um amigo, uma figura pública, uma personagem de outra narrativa, o próprio autor ou mesmo uma mistura de todas em uma única persona. Da mesma forma, ocorre com os demais elementos narrativos e criativos, sejam eles pensados ou não a priori. O acúmulo dessas referências forma o que podemos aqui chamar de repertório, instrumento pessoal bastante útil em duas dimensões complementares na criação de qualquer projeto. Em primeiro lugar, o repertório evita que uma obra seja muito semelhante à outra sem que haja a intencionalidade do autor. É claro que corremos este risco a todo o momento: como saber, com toda
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certeza, que qualquer pessoa em qualquer lugar não teve uma mesma ideia antes de nós? Não temos como nos certificar disso, claro, mas pressupõe-se que, ao menos, isso não ocorra em relação às obras basilares de uma determinada forma de expressão. Em outras palavras, devemos atentar para não estarmos “reinventando a roda”, como se diz. Neste caso, se o autor não possuir tais referências básicas, provavelmente será considerado uma pessoa desonesta ou então alguém que não possui nem um repertório rudimentar – o que pode ser igualmente negativo. Em segundo lugar, o repertório auxilia no diálogo com uma tradição consolidada em uma determinada área. Assim, possibilita ao autor buscar referências em determinadas estruturas e modelos que permitem desenvolver sua própria obra. Um exemplo bastante conhecido no meio narrativo é o livro “A Jornada do Escritor”, de Christopher Vogler, no qual o autor propõe a aplicação de ideias e teorias desenvolvidas pelo mitólogo Joseph Campbell ao roteiro audiovisual – como podemos bem perceber nas animações dos Estúdios Disney, nas quais Vogler atua como consultor. Mesmo que se proponha a quebra de paradigmas, o repertório mostra-se igualmente fundamental ao autor, uma vez que para se subverter determinadas bases e parâmetros, é preciso, ao menos, conhecê-los antes. Boas narrativas não surgiram com a animação e também podem muito bem se manifestar independentemente dela. Por isso, é necessário, antes de qualquer coisa, que o autor possua o maior e mais variado repertório possível. As referências que irão compor seu repertório estão na animação e parte deste livro aborda essa questão. Mas também devem ser buscadas no cotidiano, no teatro, na literatura, na ópera, no cinema, nos quadrinhos e em diversas outras formas de manifestação e expressão. Tão importante quanto a questão do repertório, é a necessidade da crítica e da autocrítica. A primeira pode surgir por meio de consultoria ou mesmo de opiniões diversas sobre o seu projeto. Em alguns casos, boas dicas e conselhos podem partir de onde menos esperamos; em outros, por sua vez, devemos ignorar comentários fora de contexto ou sem validade. Emitir e receber críticas em relação a um trabalho pressupõe uma separação das esferas pessoal e profissional, ou seja, se alguém próximo se sentir de alguma forma intimidado para dizer o que realmente achou de seu projeto, esse processo não terá, do ponto de vista edificante da crítica, qualquer validade. Por isso, em lugares e situações nas quais a separação entre pessoal e profissional não for tão clara, esse método pode não funcionar de maneira efetiva. Pelo contrário; ao evitar a emissão de uma opinião
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sincera, alguém pode prejudicar muito mais do que ajudar. Uma alternativa é sempre contar com consultorias de profissionais, que, em função do distanciamento e da experiência com outros projetos, são capazes de emitir pareceres mais imparciais e precisos antes de uma avaliação final de seu projeto. Em relação à autocrítica, que é indiscutivelmente uma das etapas mais importantes em qualquer processo criativo, devemos considerar que ela está diretamente ligada à questão do repertório. Em princípio, quanto maior e mais qualificado for o nosso repertório, maior e mais criteriosa será nossa autocrítica. Muitas vezes, isso pode resultar em um processo conhecido como “bloqueio criativo”, no qual achamos que nossos projetos não são “originais” ou bons o suficiente. O mais importante em relação a isso é que busquemos sempre nos atualizar quanto ao status oscilante de nossas potencialidades e limites. Oscilante, porque esses elementos variam em nossa trajetória pessoal e profissional. Um grande desenhista, ao tornar-se animador, por exemplo, pode ficar preso à própria virtude do traço, esquecendo-se da importância do roteiro em uma peça de sua criação, transformando, assim, uma potencialidade em limitação. A virtude de se criar e desenvolver um projeto pode ser tão grande quanto a de perceber o momento de deixá-lo de lado - ainda que apenas por algum tempo. Algumas ideias precisam de tempo para amadurecer, assim como alguns “nós criativos” precisam de uma pausa para se desfazer. Isso posto, deve-se pensar nos primeiros passos da criação de um projeto de série de animação para televisão. Apesar de o processo criativo em si poder variar de pessoa para pessoa, é possível observar um modelo vigente, no qual se elabora um projeto de criação conhecido como bíblia de produção (production bible). Usaremos como referência neste capítulo, portanto, esse modelo já consolidado no mercado internacional de séries de animação, abordando, sempre que necessário, questões adjacentes dentro desses próprios itens. Nesse sentido, o primeiro item apresentado no programa é o conceito geral da série. Aqui, é necessário um poder de síntese capaz de apresentar, em linhas gerais, o projeto em um único parágrafo, priorizando o tema, o enredo central e o tom da série. Para isso, o primeiro passo pode ser pensar naquilo que denominamos story line, uma sentença conceitual, isto é, não narrativa, que apresente a ideia central da narrativa em uma única frase, tornando-a, portanto, mais universal. Vejamos, a título de exemplo, o mito grego de Perseu e Medusa. Na versão mais difundida do mito, conta-se a saga do jovem Perseu que, para presentear o rei Polidectes, decide oferecer a cabeça da Medusa. A górgona, até então, havia transformado em pedra qualquer guerreiro que ousou entrar em seus domínios. Mesmo sabendo do perigo mortal da empreitada, Perseu, exemplo da figura do herói clássico, não hesita em realizar sua tarefa e consegue derrotar o ser ctônico ao encará-lo pelo reflexo de seu escudo e, não, diretamente nos olhos. Daí, uma possível story line para este mito seria: “Podemos superar qualquer desafio, mesmo aqueles considerados intransponíveis, se o encararmos sob uma nova perspectiva”. O story line pode, portanto, servir de ponto de partida para a criação dos demais elementos narrativos de uma série, mantendo a essência pensada inicialmente, mesmo quando assume diferentes formas e aparências. Quantas vezes, por exemplo, a tragédia “Romeu e Julieta”, de Shakespeare, não foi recontada com outros nomes, nas mais variadas formas e em inúmeras mídias, desde o final do século XVI? A partir do exemplo mitológico mencionado anteriormente, poderíamos pensar em uma série sobre um corajoso jovem que sempre consegue resolver os problemas que os outros não
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conseguem solucionar, variando, por exemplo, os desafios apresentados a cada novo episódio. O story line seria mantido, portanto, independentemente da série ser ambientada no espaço sideral, em uma geleira glacial, no fundo do mar, em uma floresta tropical ou mesmo da protagonista ser representada por um monstro, uma máquina, um animal ou ser humano. O story line pode ser definido em linhas gerais como uma espécie de “frase-conceito”, que explicita em seus aspectos subjetivos uma narrativa qualquer. Serve como fio condutor, uma espécie de bússola norteadora para o desenvolvimento do conceito geral da série e mesmo de cada episódio. Apesar de, na maioria das vezes, não ser solicitado isoladamente no desenvolvimento de um projeto, o story line pode ser considerado um dos aspectos centrais do conceito geral. Trata-se de um exercício minimalista e abstrato que, em alguns casos, pode ser tão ou mais difícil do que o próprio desenvolvimento do roteiro em si. Já em outros casos, principalmente naqueles em que as animações possuam maior apelo visual, pode até mesmo ser pensado por fim, isto é, após a criação de todo o universo narrativo e de seus elementos constituintes. Além dessa essência apresentada pelo story line, o conceito geral da série deve ainda explicitar, sempre em linhas gerais de, no máximo, um parágrafo (cerca de oito linhas), o tom da série, bem como o enredo central, com a apresentação do universo no qual a série será desenvolvida, das personagens principais e de seus relacionamentos. Além de sintético, o texto do conceito geral da série deve ser bastante claro e objetivo, possibilitando um entendimento em linhas gerais das principais características e elementos propostos pela série. Atente para o detalhe de que o processo de criação de uma série nunca é inconsciente e que se o conceito central dessa criação não estiver claro pelo menos para o próprio autor, não estará para mais ninguém. Vejamos abaixo os conceitos gerais apresentados pelas séries “Carrapatos e Catapultas” e “Tromba Trem”, posteriormente analisadas neste livro. “Em outra galáxia, no Planeta Vaca, os carrapatos bicos-de-pato e os carrapatos megafone gostam principalmente de sugar gororoba e objetos com canudinhos, ficar se “catapultando” por aí e explodir, virando fantasmas que sobem pro “Mundo dos Carrapatos Fantasmas” (o paraíso para eles). Bum e Bod são dois grandes amigos adolescentes que não engordam feito a maioria. Eles estudam e trabalham e tem como amigos os carrapatos Bolão e Baixinho. Nesse “mundo reino” não há automóveis e nem muitos objetos comuns no mundo humano. Inexplicavelmente tais objetos surgem do nada, após terremotos, e geralmente são catapultados como sucata alienígena para os lixões da cidade. Bum toda noite recebe uma ligação telefônica de sua mãe que já explodiu e “mora” agora no Mundo dos Carrapatos Fantasmas”. Temos aqui, em poucas linhas, a apresentação dos principais elementos da série e de seu tom. O Planeta Vaca é habitado por carrapatos que gostam de se catapultar e sugar comida, sucos e objetos com canudinhos para engordarem e explodir, exceto os amigos Bum e Bod, que, mesmo sugando, não conseguem engordar como os demais carrapatos. Nesse “mundo reino”, objetos humanos como a “caixa de luz” (televisão), inexistentes ali, aparecerão do nada e proporcionarão inúmeras situações – uma vez que assumirão nesse novo mundo outros valores. Infere-se pelo tom do texto a presença do inusitado, da ironia e a abertura para inúmeras situações resultantes do contexto apresentado, que se revela potencialmente inventivo e criativo. Já o conceito geral da série “Tromba Trem”, diz:
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“Um elefante sem memória, uma tamanduá vegetariana e uma colônia de cupins paranoicos que acredita ser de outro planeta viajam juntos num trem a vapor pela América Latina. Tromba Trem é uma série de animação no formato “filme de estrada”, em que a cada episódio conhecemos uma nova personagem”. Nesse caso, podemos notar a qualidade de concisão à qual nos referimos anteriormente. Logo na primeira sentença, localizamos as protagonistas e adjetivos que melhor definem suas personalidades (“colônia de cupins paranoicos”, “tamanduá vegetariana” e “elefante sem memória”), o ambiente (América Latina) e a ação central da série (uma viagem em um trem a vapor). Em seguida, é feita uma referência ao gênero narrativo audiovisual “filme de estrada” (road movie) e mencionado o fato de que, a cada episódio, conheceremos uma nova personagem. Também é possível inferir que variações narrativas serão apresentadas pelas situações decorrentes do relacionamento dessas personagens antagônicas durante a viagem. Da mesma forma que a introdução de um livro é definida inicialmente em linhas gerais e posteriormente atualizada e reescrita ao término da redação da obra, o conceito geral de uma série, quando escrito como ponto de partida para o desenvolvimento das demais etapas, vai se transformando e atualizando automaticamente na medida em que o projeto e seus conceitos atinentes se metamorfoseiam. Isso pode acontecer durante o desenvolvimento do projeto, conforme novas ideias e questionamentos se apresentam, mas também, eventualmente, ao longo de novas temporadas, em função de mudanças estruturais ou de foco na própria série. Veremos, a seguir, as demais etapas presentes no desenvolvimento de uma bíblia de produção de série de animação, nas quais os elementos apresentados nesse primeiro momento, de forma mais conceitual e concisa, começam a efetivamente tomar forma e ganhar volume.
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apresentação (overview )
3.2 Apresentação (Overview) Na apresentação do projeto, o autor possui um espaço maior, cerca de três páginas, para desdobrar as ideias apresentadas no conceito geral, bem como introduzir outras tantas que julgar necessárias para melhor compreensão do projeto. É o local no qual se deve apresentar com mais detalhes os elementos constituintes da série e suas articulações. Ao final da leitura da apresentação do projeto, o avaliador não deve ter nenhuma dúvida quanto às questões centrais da série, como o tema, o tom, o enredo condutor, o relacionamento entre as personagens, o estilo visual, as técnicas de animação a serem utilizadas e o público-alvo a quem se destina. Diferentemente do curta-metragem, em que o animador pode criar sem necessariamente pensar na audiência, em um projeto de série de animação é fundamental que se tenha definido de forma bastante clara seu público-alvo. Nesse caso, o que está sendo dito não é suficiente se não for direcionado para o público certo. O primeiro passo para a definição do público-alvo é a segmentação do mercado em pequenos grupos, por meio de semelhanças existentes entre as pessoas pertencentes a um mesmo segmento. Nesse sentido, o público-alvo que compõe um determinado segmento tende a ter percepções semelhantes em relação a um determinado produto ou obra. A definição do público-alvo é uma importante etapa em qualquer projeto ou plano de negócios e pode obedecer a diferentes critérios de segmentação (demográficos, psicográficos, comportamentais etc.), em função da demanda da ação planejada. No caso específico de séries de animação, o principal critério para segmentação do público-alvo costuma ser o de faixa etária: toddlers (até três anos de idade), preschoolers (de três a seis anos), kids (seis a oito anos), tweens (8 a 12 anos) e teens (12 a 15 anos). A pedagogia e a psicologia tradicionalmente dividem o ciclo de vida humano em algumas etapas antes da vida adulta: primeira infância, segunda infância, terceira infância e adolescência. Não há,
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entretanto, um consenso absoluto quanto à faixa etária exata atribuída a cada uma destas fases, uma vez que podem variar em função da época em questão e de características sociais específicas. Há quem diga, por exemplo, que no mundo contemporâneo pós-globalizado, assistimos a um aumento do período da adolescência: em uma ponta abreviando a infância e na outra atrasando o ingresso efetivo na vida adulta. De toda forma, a primeira infância compreende o período comumente compreendido por crianças com até três anos de idade, etapa em que essas começam a descobrir o mundo, a se relacionar com o outro, a identificar padrões e compreender um pouco melhor as coisas a sua volta. Por se presumir que não assistam à televisão nessa idade, se encontram normalmente fora da classificação de público-alvo de séries de animação. A segunda infância abrange a faixa etária entre três e seis anos de idade, também conhecida como pré-escolar. Nessa fase, podemos observar a presença de um pensamento mágico ou lúdico, no qual o elemento maravilhoso começa a despertar maior interesse. O tempo se manifesta principalmente por meio de uma presentidade, isto é, pelo predomínio do tempo presente em relação às noções de passado e de futuro. Nesse mesmo período, a criança passa por grande desenvolvimento psicológico e amadurecimento emocional e social, descobrindo a realidade exterior. Apesar disso, a incompletude cognitiva leva a uma série de pensamentos contraditórios acerca dessa nova realidade. Os padrões de comportamentos sociais básicos são adquiridos e amizades com outras crianças da mesma faixa etária são estabelecidas. Apesar de o contato com outras crianças começar a ter mais importância, a família ainda permanece sendo o núcleo principal de estruturação de sua vida. Com o ingresso obrigatório na escola entre os cinco e seis anos de idade (o que ocorre na maioria dos países), a criança se depara com situações diferentes daquelas vividas em sua casa e desenvolve maior habilidade na resolução de problemas e conflitos. As brincadeiras e demais atividades lúdicas envolvendo a imaginação e a criatividade se tornam mais elaboradas. Para alguns pesquisadores, como o pedagogo francês René Hubert, por exemplo, tudo isso pode influenciar na manifestação de certo comportamento egocêntrico ou narcisista, característico desta etapa do desenvolvimento infantil. A terceira infância, por sua vez, é considerada a faixa etária compreendida entre os seis e os doze anos de idade. É na terceira infância que a criança passa a racionalizar seu pensamento, procurando os “porquês”, e a comparar melhor as coisas do mundo entre si. Há um crescimento da vida social da criança, o que diminui a referência de apoio e de autoridade dos pais, em relação a quem passam a agir de maneira mais questionadora, aumentando a importância dos amigos como modelos de comportamento. O incremento da importância do relacionamento com amigos representa, de certa forma, uma superação do egocentrismo e do narcisismo manifestados na fase anterior. Na maioria dos casos, as amizades entre as meninas desta faixa etária são mais intensas e íntimas, enquanto entre os meninos costumam ser mais numerosas, porém menos afetuosas. Os relacionamentos sociais dessas crianças enfatizam também a importância da confiança e da reciprocidade.
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Há um aumento sensível de habilidades relacionadas à linguagem e à memória, ligado principalmente ao aproveitamento de uma educação formal escolar. Por conta das grandes transformações presentes nesta etapa e da maior diferença de inteligência observada a cada ano de idade, é comum, dentro do mercado de séries de animação, encontrarmos uma subdivisão dentro deste grupo: seis a oito, oito a dez e dez a doze anos de idade. A autoimagem e a autoestima também começam a se manifestar com mais intensidade e podem ser medidas pelo nível de discrepância entre o que a criança pensa ser e aquilo que ela deseja ser. Quanto menor essa discrepância, maior a autoestima e melhor a autoimagem. Eventuais problemas ou disfunções familiares começam agora a afetar de forma mais efetiva a personalidade dessas crianças. Também a aceitação (ou rejeição) por determinados grupos ganha muita importância, explicitando a diferença e o relacionamento entre os gêneros meninos e meninas. Por isso mesmo, é uma etapa de grande instabilidade, com ampla imprevisibilidade de reações e comportamentos, em que a maioria das lembranças traumáticas e de eventos marcantes da infância costuma se localizar de maneira mais consciente. Se o início da terceira infância se caracteriza pelo começo da vida escolar propriamente dita, seu final é marcado, a partir dos dez anos de idade, por um período conhecido como “pré-adolescência”. Esse período final da terceira infância se manifesta fisicamente pela puberdade e socialmente pelo aumento de deveres e responsabilidades, ao mesmo tempo em que esta criança passa a exigir maior respeito por parte das outras pessoas, principalmente dos adultos. O quarto momento do ciclo de vida humano, a adolescência, representa o momento de transição entre a infância e a vida adulta, englobando o período compreendido entre os doze e vinte e um anos (apesar da maioridade legal em muitos países, inclusive no Brasil, ser aos dezoito anos de idade). Laurence Steinberg, professor e pesquisador norte-americano, classifica a adolescência em três fases: a adolescência inicial (onze a quatorze anos), adolescência média (quinze a dezessete anos) e adolescência final (dezoito a vinte e um anos). Durante a adolescência, a capacidade do pensamento abstrato se desenvolve expressivamente, trazendo novas questões em relação à própria existência do adolescente. A constante busca pela identidade torna-se uma questão primordial e se manifesta por meio de experiências diversas. As transformações físicas ocorrem de forma mais rápida e acentuada e têm início os relacionamentos amorosos. Os padrões de relacionamento com o outro e com o mundo, desenvolvidos nesta fase e que são influenciados por traços remanescentes das fases anteriores, costumam se transpor para a vida adulta. Assim, o adolescente costuma se afastar de privilégios típicos da infância e adquire certas condições que o aproximam do papel social de um adulto. Observamos ainda um desenvolvimento expressivo da cognição, com um aumento quantitativo e qualitativo do pensamento e da interpretação das informações, estimulando a formação de uma consciência própria. O adolescente também é capaz de estabelecer diferentes níveis de leitura da realidade, de relativizar algumas questões, compreendendo outros pontos de vistas e valores, e de estabelecer diferentes conexões entre fenômenos diversos. Assim, desenvolve uma base adequada para lhe oferecer autonomia suficiente para solucionar os desafios de seu cotidiano, considerando, inclusive, possibilidades elaboradas a partir de hipóteses próprias.
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Nesta fase, o pensamento abstrato atinge outro nível, possibilitando o entendimento de estruturas mais complexas e o estabelecimento de opiniões próprias em relação a temas diversos da natureza humana e do mundo contemporâneo, como política, filosofia e relações sociais, por exemplo. Além disso, o adolescente passa a refletir sobre seu próprio pensamento, permitindo assim o estabelecimento de certa autocrítica e da introspecção. Em relação às três fases anteriores da infância, é na adolescência onde podemos observar a maior variação no comportamento e na personalidade entre indivíduos de uma mesma idade. Isso significa dizer que diferentes indivíduos adolescentes podem ter diferentes ritmos e formas de desenvolvimento, definindo assim suas próprias personalidades – que, por mais que possam se assemelhar a de outros colegas, sempre serão únicas. Esta situação se acentua ainda mais se considerarmos as variações que as pessoas e os meios podem oferecer no relacionamento com os adolescentes nas mais diversas situações. Além disso, na adolescência, os diversos tipos de desenvolvimentos não se expandem necessariamente juntos com uma mesma velocidade, o que pode gerar problemas em seu relacionamento com o mundo. Um adolescente pode, por exemplo, ter sua estrutura física bem desenvolvida, dando a falsa impressão de ser uma pessoa mais madura, mas com o desenvolvimento psicológico e emocional não condizente com o de sua aparência. Enquanto na infância vivemos sob o domínio do tempo presente, na adolescência os outros tempos passam a se manifestar, inclusive como importante referencial identitário. Na medida em que a infância se apresenta como uma “presença ausente” durante a adolescência, isto é, deixa determinados traços e reminiscências na personalidade do adolescente ao mesmo tempo em que é superada diante dos novos desafios da vida, o passado costuma ser evocado para ratificar transformações (“como eu era”) ou para evidenciar uma fase ultrapassada, sobretudo por meio da memória – lembranças seletivas que parecem ser muito mais antigas do que são de fato. O futuro, normalmente mais imediato, é motivo de grande apreensão e expectativas, uma vez que se revela incerto e imprevisível. É, portanto, na adolescência que o indivíduo busca construir sua própria identidade por meio de dois processos complementares: o autodesenvolvimento, movimento de caráter externo e o autoconhecimento, de caráter interno. De acordo com o professor norte-americano de psicologia Edward Tory Higgins, podemos pensar em três (auto)representações possíveis da própria pessoa: a real (o que a pessoa é, de fato), a ideal (o que gostaria de ser) e a desejável (o que “deveria” socialmente ser). Ainda segundo Higgins, essas três dimensões tornam ainda mais complexo o entendimento de si mesmo por parte dos adolescentes, uma vez que, graças às suas discrepâncias, podem constantemente estar em conflito – fato que, em alguns casos, perdura até a vida adulta.12 Independentemente de a série ter um cunho mais ou menos educativo, é sempre importante poder contar com a assessoria de um pedagogo e/ou psicólogo infantil, preferencialmente que tenham experiência na produção de materiais para esse público, para garantir que os conteúdos desejados possam ser transmitidos da melhor maneira possível.
12. Já a vida adulta, cujo estudo enquanto público-alvo encontra-se além do escopo deste livro, apesar de também poder ser dividida por faixas etárias, costuma ser pensada por meio de outros critérios para definição de um determinado segmento, como nível de escolaridade, classe social, localização geográfica, hábitos, consumo etc.
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Definido o público-alvo, conhecidas suas características principais, suas demandas e necessidades, é preciso dissertar sobre o tema principal da série. Em um primeiro momento isso pode ocorrer de forma mais descritiva, podendo evoluir para temas secundários ou para outros níveis de leitura do tema principal, como o que ocorre, por exemplo, no caso de metáforas e alegorias. Assim, tão importante quanto o tema em si é determinar a maneira pela qual ele será abordado, o que pode ser feito pela questão do gênero e do tom da série. Destarte, um mesmo tema pode assumir um sentido completamente diferente dependendo da abordagem que dele será feita ou mesmo temas diferentes podem apresentar certas semelhanças em função de uma determinada abordagem comum. A apresentação da série, assim como a apresentação de qualquer projeto, deve ainda abordar, de alguma forma, certas questões fundamentais. Em primeiro lugar, é importante que se faça presente uma justificativa que aponte a relevância do projeto, sua pertinência e seus diferenciais. Os objetivos também são importantes e devem estar presentes, pois permitem visualizar de maneira mais clara a intencionalidade e a motivação por trás do projeto. O objetivo geral pode ser entendido como uma espécie de anseio, uma intenção maior que o projeto deseja atingir. Já os objetivos específicos representam as formas mais diretas e objetivas pelas quais se pretende atingir esse objetivo geral. Se pensarmos, a título de exemplo, em uma série de temática ecológica, o objetivo geral poderia ser o desejo de abordar, de maneira lúdica e divertida, a relação do homem com a natureza, incentivando o desenvolvimento de uma consciência ecológica nos futuros adultos, atuais espectadores da série. Os objetivos específicos seriam os meios pelos quais isso poderia se concretizar, isto é, por meio da realização de um conjunto de eventos relacionados à série, pela associação do protagonista às causas ecológicas, do vilão à poluição etc. É preciso atentar para que a definição dos objetivos e das justificativas do projeto ocorra a partir de uma demanda própria do criador e não como algo “forçado”, a partir de temas politicamente corretos ou mais evidenciados em uma determinada época. No caso do exemplo anterior, seria coerente e recomendável – embora não obrigatório – que a própria produção da série conseguisse estipular maneiras de diminuir seus impactos ambientais, evitando a utilização de papel, estimulando a carona entre os funcionários do estúdio, compensando a emissão de carbono, entre outras medidas. De toda forma, a escolha de temas “edificantes” não é, por si só, garantia de uma boa avaliação de um projeto – mesmo nos casos de projetos em que tais temáticas sejam obrigatórias. Por isso, no caso da participação em editais, é importante sempre prestar atenção aos critérios de avaliação apresentados, que serão tomados como parâmetros apreciativos por parte da comissão julgadora. No caso de apresentação direta do projeto para um parceiro potencial, é preciso se inteirar sobre que tipo de material ele está procurando. Nesse sentido, o fato de um projeto não ser aprovado ou escolhido pode significar que o projeto, apesar de eventualmente estar bem elaborado e apresentado, não seja apropriado dentro dos parâmetros de um determinado contexto. Deve haver ainda uma clara articulação entre forma e conteúdo do projeto, isto é, que as escolhas de linguagem, de estética e de retórica conversem entre si e não que pareçam
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coisas pensadas e desenvolvidas separadamente - afinal, não existe forma sem conteúdo e nem conteúdo sem forma. O uso da tecnologia durante toda a produção também pode ser pensado como elemento integrador entre as diferentes esferas do projeto. Assim, é de grande relevância que os principais elementos de criação venham escritos de forma contínua e seu conteúdo articulado, coeso e coerente. O estilo da escrita pode transitar, conforme a demanda de cada momento, entre trechos mais descritivos, conceituais, criativos e mesmo teóricos. Obviamente, a revisão de texto, não só da apresentação como de todo o projeto, é não apenas desejável como fundamental. Erros gramaticais, de coerência e de sentido podem comprometer o entendimento do texto e, por conseguinte, a própria avaliação de todo o projeto. Não se deve perder de horizonte que seu texto será lido de maneira crítica por alguém, um avaliador, que não participou da sua elaboração, e, portanto, não conhece o seu projeto tão bem como você. Isso significa que, antes de qualquer coisa, você deve ser capaz de apresentar o projeto de maneira clara. Questões que eventualmente sejam evidentes para você ou que lhe pareçam menos importantes podem não o ser para alguém que esteja lendo seu projeto uma primeira (e, talvez, única) vez. Ao mesmo tempo, o texto deve possuir certa aura persuasiva, sem que isso signifique carta branca para a presença de qualquer tipo de autoavaliação ou autopromoção. O ideal é sempre que o leitor possa achar seu projeto bom sem que você tenha efetivamente escrito isso explicitamente.
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3.3
Criação, desenvolvimento e apresentação do universo
3.3 Criação, Desenvolvimento e Apresentação do Universo O universo de uma série de animação pode ser entendido não apenas como o local onde as ações acontecem, mas como um conjunto integrado, no qual as realidades criadas existem e se relacionam. Está sujeito, portanto, ao domínio de certas regras, princípios ou convenções responsáveis pela integração de suas partes constituintes em um todo articulado e coerente em si mesmo. Mais do que pensar em cada um dos elementos do universo isoladamente, é importante a adoção de uma reflexão mais sistêmica, na qual as propriedades essenciais do todo não possam ser encontradas em nenhuma de suas partes de forma isolada. Estas propriedades não são resultantes, portanto, apenas das partes existentes de um universo, mas principalmente de seus complexos relacionamentos, essenciais para a existência daquela totalidade e para a definição de suas características intrínsecas como tal. Tais ideias vão ao encontro das linhas gerais postuladas pela Gestalt, que entende que a percepção humana está além dos rudimentos fornecidos por nossos sentidos, uma vez que cada coisa do mundo seria apreendida como uma unidade pela tendência à estruturação inerente ao próprio ser humano. Assim, a máxima dessa escola da psicologia da percepção - postulada por um de seus fundadores, Max Wertheimer - afirma que “o todo é sempre maior que a soma de suas partes”. Esse pensamento sistêmico implica, portanto, uma compreensão mais holística de certa realidade, na qual os elementos constituintes de um todo maior encontram-se sempre, de alguma forma e com alguma intensidade, relacionados entre si. Tal pensamento, em que as relações são tão ou mais importantes que as coisas em si, pode ser encontrado atualmente em boa parte das ciências, das artes e do conhecimento humano. Em um nível mais complexo, essas relações, principalmente quando são mais recorrentes e adquirem determinados tipos de rotinas ou padrões, estabelecem redes que, por sua vez, podem se conectar a outras redes e assim por diante. Tais redes, sejam elas sociais, físicas,
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psicológicas, morais, ou quaisquer outras, estruturam-se em complexas teias de relações, que operam em diversos níveis e que podem ser tecidas de inúmeras maneiras diferentes, de forma hierárquica ou não, possibilitando assim a constituição de um todo que, como vimos, se apresenta sempre maior que a soma de suas partes. Por conta da riqueza existente em um universo narrativo, da multiplicidade de seus elementos constituintes e da diversidade de suas formas de relacionamento e interação, é importante atentar para a necessidade da presença de uma visão e de uma prática interdisciplinar. A interdisciplinaridade permite que áreas do conhecimento historicamente separadas e aparentemente distantes entre si possam se relacionar de maneira integrada, sem suturas. Assim, conhecimentos de campos como os da mitologia, psicologia, sociologia, filosofia, antropologia, administração, narratologia, artes, design, comunicação, entre outros, são importantes para melhor criação e conhecimento destas relações formadoras do universo. Além da indissociabilidade do todo e da relação interdisciplinar essencial existente entre seus elementos basais, outro fator importante a ser considerado na criação de um universo narrativo é aquilo que podemos denominar de “contexto” - que também pode se manifestar sob as mais diversas formas e meios. Em nosso caso, é preciso pensar como e quanto certas circunstâncias, conjunturas e condições, ainda que provisórias, podem influenciar o universo narrativo da série. Em “Carrapatos e Catapultas”, por exemplo, objetos humanos adquirem diferentes valores quando deslocados para o planeta Vaca, um universo próprio, diferente - ainda que possa guardar algumas semelhanças com o universo de origem destes objetos. Da mesma forma em que o contexto pode influenciar o universo, o oposto também pode ocorrer. Certos comportamentos ou atitudes tidos como inapropriados, por exemplo, podem ser considerados absolutamente adequados a partir de mudanças internas de um determinado universo ou mesmo a partir da mudança de um universo para outro qualquer. Mantendo o exemplo de “Carrapatos e Catapultas”, sugar lesmas até explodir é considerado, dentro do universo narrativo dessa série, algo positivo, diferentemente do que poderíamos considerar inicialmente. Destarte, o universo narrativo de uma série não deve ser pensado como algo monolítico, estático,
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imutável, mas como um sistema aberto e orgânico, que, como tal, depende da alimentação de um fluxo contínuo de matéria e de energia para se manter vivo. Nesse sistema, estrutura e processo caminham, portanto, pari passu, em uma relação de indissociabilidade e de mútua transformabilidade. Tal qual um jogo, o universo narrativo de uma série deve prever quais serão suas peças, espaços, regras, estratégias, resultados possíveis e as maneiras pelas quais esse jogo poderá ser jogado. Assim como acontece nas diversas sociedades e culturas humanas, também podemos buscar interessantes elementos e importantes relações de um universo narrativo naquilo que escapa à compreensão, ultrapassa a lógica, a razão ou mesmo a própria existência. Estamos a falar da dimensão do imaginário, do enigma, do mágico, da crença, do sublime, enfim, do inominável, que nos permite olhar além da superfície simbólica de uma realidade mais imediata. Da mesma maneira que, em uma árvore, apenas aquilo que é aparente ou palpável não corresponde à completude do todo e a realidade também pode, portanto, se encontrar além do visível, do imediato, entranhada em suas raízes. Mesmo o visível pode esconder mistérios além do que imaginamos – não conhecemos, por exemplo, todos os segredos contidos em uma única gota de orvalho. Além disso, para mantermos a analogia, a árvore interage com outros sistemas igualmente complexos, isto é, com pássaros, insetos, com outras árvores e com todo o meio ambiente no qual se encontra inserida. Os universos narrativos pertencem à categoria da representação, mas podem se apresentar de duas maneiras distintas em relação à sua diegese: enquanto simulações de nosso universo “real” ou como naturezas próprias. No primeiro caso, o autor busca em seu referencial imediato elementos e relações factuais pertencentes ao seu próprio universo e os transporta para um novo universo. Essa representação pode ser mais ou menos fiel ao seu referencial – como no caso de personagens representadas por animais antropomorfizados, por exemplo – servindo, muitas vezes, como forma de paródia ou crítica. Já no segundo caso, o autor criar um novo universo a partir de elementos e relações autóctones, isto é, nativas de um dado universo e que não necessariamente guardam semelhanças com a realidade externa à série – caso bastante recorrente em universos fantásticos, por exemplo. Nesse caso, o universo narrativo pode possuir seus próprios códigos e normas, sem que, contudo, possuam semelhanças com outros universos nas estruturas e relacionamentos gerados. Neste sentido, um importante conceito da narratologia introduzido pelo filósofo e poeta inglês Samuel Taylor Coleridge foi o de “suspensão voluntária da descrença”. Desenvolvido no século XIX e originalmente utilizado no contexto literário, o conceito passou a ser utilizado com maior frequência em diversas mídias no século XX. Para Coleridge, o uso de elementos fantásticos ou não realistas em uma narrativa pode infundir o interesse humano a ponto de suspender qualquer julgamento sobre a plausibilidade desta narrativa. Nessas condições, o público tende a ignorar as condições e limitações do meio, de modo que essas não interfiram na aceitação das premissas apresentadas na história e em seu próprio desenrolar – por mais absurdas que possam eventualmente parecer à primeira vista. Longe de um julgamento crível, as premissas desenvolvidas em tais narrativas estariam livres para romper as barreiras do realismo e propor de maneira fluida teorias, ideias e
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pensamentos diversos, que talvez não pudessem ser assimilados do mesmo modo de outra forma. Aparentemente despretensiosas, as narrativas com elementos fantásticos ou não realistas seriam capazes de estabelecer uma conexão mais livre e direta com o público, atingindo-o, paradoxalmente, de forma mais aberta do que em uma narrativa mais realista. Coleridge acreditava que, por meio da suspensão voluntária da descrença, seria possível transferir elementos reais, imaginários e simbólicos da natureza humana capazes de proporcionar, em um novo universo, semblantes da verdade passíveis de serem apreendidos de maneira diferente de como seriam percebidos na vida em sociedade. Também seria possível, pelo mesmo motivo, ignorar o suporte técnico ou linguagem utilizada, favorecendo a imersão do público na obra. A ideia é que, se dessa maneira o público passa a aceitar a história narrada como verdade, o mesmo se passará com suas interpretações e reações. Tais histórias excitariam, portanto, experiências e sensações análogas às do sobrenatural, ao tirar a mente da letargia cotidiana, dirigindo-a, como vimos, para além do visível imediato. Todavia, é preciso considerar que, quanto maior for o universo criado e mais complexas forem suas relações, mais difícil será sua constituição. Além disso, devemos lembrar que, para que um universo narrativo se apresente como um todo é preciso que ele possua sempre alguma coerência interna, isto é, que ele seja, digamos, verossímil em si mesmo. Isso não significa que o universo narrativo deva operar necessariamente dentro dos limites da factualidade, do provável ou do plausível. Deve, sim, apresentar determinadas lógicas ou nexos - ainda que absurdos ou aleatórios - na integração de seus elementos constituintes e de suas relações, a ponto de desenvolver de forma espontânea uma consistência suficiente para caracterizar um universo narrativo distinto, e não um mero “pano de fundo” no qual a história será ambientada.
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3.4
Criação, desenvolvimento e apresentação de cenários
3.4 Criação, Desenvolvimento e Apresentação de Cenários Os cenários são todos os ambientes nos quais as ações ocorrem dentro do universo da série. Tradicionalmente, por uma herança do cinema, costumam ser classificados em duas grandes categorias: internos e externos. Essa distinção se deve a alguns fatores, como a logística e uma maior exposição a variáveis não controláveis. Em um ambiente externo, por exemplo, alterações na luz natural podem ocorrer a qualquer momento, fazendo necessários constantes ajustes na câmera. Já em um estúdio, por sua vez, a luz artificial pode ser totalmente controlada quanto ao seu posicionamento, intensidade e temperatura de cor. Mas, mais importante do que pensar em ambientes internos ou externos, é pensar o cenário em termos daquilo que os narratologistas chamam de “ambiência”, isto é, o “clima” ou a “atmosfera” que ele irá criar em cada cena. Esse clima proporcionado pelo cenário irá afetar, de forma mais ou menos explícita ou importante para a história, as ações que ali irão se desenrolar, além do próprio comportamento das personagens. Em uma sinistra construção abandonada à noite, por exemplo, certa personagem se movimentará e se comportará diferentemente de outra situação na qual se encontra em uma praia cheia de pessoas durante o dia – e assim por diante.
Nesse sentido, desenvolver um cenário para animação é uma tarefa que apresenta duas fases complementares: uma mais ligada à sua criação e outra, à sua apresentação. No momento da criação de um cenário, a tarefa se assemelha, em alguns aspectos e com as devidas proporções, às funções desempenhadas por profissionais como arquitetos, paisagistas e designers de interiores. Ao pensar em termos de cidades, bairros, condomínios, edifícios, jardins, parques, apartamentos ou salas de estar, os projetos elaborados por esses profissionais levam em conta diversos aspectos multidisciplinares, relacionados tanto às suas formas quanto às suas funções, resultando em diferentes maneiras de se organizar o espaço e de se construir ambientes. Assim como ocorre com todos os elementos narrativos trabalhados na criação de um projeto de série de animação, um cenário nunca pode ser construído de forma gratuita. Mesmo ambientes considerados mais simples, ou que não possuam equivalentes fora do universo da série, devem idealmente apresentar justificativas de todas as suas escolhas criativas. Tais
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justificativas precisam, obviamente, ser coerentes e dialogar com as necessidades dramáticas e com os próprios conceitos apresentados na série. Uma vez definidos, teórica e conceitualmente, os cenários da série, começa o trabalho conhecido como “concept art”, que pode aqui ser entendido como uma ponte entre os momentos de criação e de apresentação. É nesse estágio que as ideias pensadas para os cenários começam a tomar forma de um desenho em uma folha de papel ou tela de computador. Tratase, portanto, de uma tradução da virtualidade das ideias e conceitos inicialmente concebidos para formas efetivamente visíveis – ou “pensar com a mão”, como se diz. Quando nos referimos anteriormente a uma “sinistra construção abandonada à noite”, cada pessoa pode construir sua própria imagem mental daquele cenário. Em uma animação, entretanto, este cenário só poderá ter efetivamente uma única forma composta por uma combinação singular, envolvendo os tipos das máquinas, o mobiliário, o piso, as paredes, o pé direito, o teto, as vidraças, as cores, a iluminação, a sujeira etc. Assim como pode ocorrer em qualquer etapa criativa de um projeto de série de animação, no concept art também podem acontecer estudos, ajustes, modificações ou mesmo transformações não pensadas a priori, mas que trarão ganhos ao projeto. Vale aqui o bom senso: se tais alterações forem válidas e possíveis de serem feitas, melhor sempre fazê-las. Normalmente, em uma animação, as alterações são feitas ainda na pré-produção, etapa que se encerra – como veremos mais adiante neste livro - com o animatic. Depois da pré-produção, eventuais alterações implicam refazer ou recomeçar a animação em si, processo que irá consumir tempo e recursos extras e que, por isso mesmo, costuma ser evitado graças à sua antecipação. Com o concept art terminado - o que normalmente ocorre após alguns estudos, esboços e versões -, é possível “sentirmos o clima” desejado para o cenário. Essa ilustração conceitual, que funciona como uma espécie de perspectiva artística do ambiente, é encaminhada para a pessoa que será responsável pelo desenvolvimento do segundo momento, a apresentação do cenário finalizado. Partindo do concept art, o artista responsável irá definir os elementos visuais que darão a aparência e o acabamento final do cenário tal qual ele será utilizado na série. Tanto no processo de elaboração do concept art quanto da finalização dos cenários da animação é recomendável que o artista possua um amplo domínio da gramática e da sintaxe visual. Referimonos aos termos “gramática” e “sintaxe”, pois de maneira análoga à escrita, a visualidade também possui toda uma gama de elementos capaz de estabelecer uma linguagem expressiva própria. Da mesma forma que um escritor domina os códigos da escrita, a partir dos quais desenvolve seu próprio estilo para escrever textos dos mais diversos gêneros e formatos, artistas, designers e desenhistas dominam os elementos técnicos, artísticos e criativos da linguagem visual, como pontos, linhas, perspectiva, profundidade, contraste, luz, sombra, escala, textura e cor. A própria Gestalt, mencionada anteriormente neste capítulo, possui alguns fundamentos básicos - como continuidade, fechamento, pregnância, proximidade, segregação, semelhança e unidade -, capazes de auxiliar tanto no processo de leitura de uma imagem quanto no de sua construção. É importante considerarmos que além da visualidade, elementos da linguagem sonora e musical também podem ser pensados como constituintes do clima desejado para um determinado cenário – visto que a animação se apresenta como uma forma de expressão audiovisual.
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A música é, portanto, um componente fundamental e pode se manifestar de forma diegética (como se estivesse sendo escutada “dentro” da cena) ou extra-diegética (inserida posteriormente “fora” da cena, não audível para as personagens). Também pode variar em função de ser uma canção (letra e voz) ou uma música instrumental, atribuindo, no primeiro caso, um sentido mais ou menos figurado e exigindo, no segundo, maior capacidade de abstração. Assim, elementos musicais como altura, timbre, intensidade, duração, letra, melodia, harmonia e ritmo, dialogam constantemente com os elementos visuais apresentados em uma cena a fim de compor uma unidade entre estas linguagens. Além da música, outros elementos sonoros que também devem ser levados em conta são as vozes, os efeitos sonoros e o “silêncio”. Em relação às vozes, normalmente se apresentam como falas das personagens – das quais trataremos mais adiante neste capítulo. Os efeitos sonoros, organizados em um trabalho de sound design, têm a função de representar objetos e os chamados ruídos de sala (foley), assim como eventualmente aquilo que não possui equivalente sonoro fora do universo da série – como no caso das onomatopeias sonoras. Tais efeitos podem ainda ser utilizados de maneira não figurativa na qualidade de metáforas, por exemplo: o som de um trem apitando quando a personagem comeu algo muito picante. Devem ainda ser pensados não apenas no eixo vertical, isto é, em sua sucessão sequêncial, mas também no eixo horizontal, nos sons regulares que permanecem constantes em um determinado ambiente (“bafo”), como no caso do som do ar condicionado em um escritório. Juntos, os efeitos contínuos e os esporádicos constituem aquilo que Murray Schafer definiu como “paisagem sonora”: todas as camadas de sons, cada qual com suas próprias características, que se oferecem simultaneamente em um ambiente. Por fim, o silêncio, embora tecnicamente só exista no vácuo onde não há propagação do som, também pode ser pensado como elemento ativo, isto é, como presença e não ausência – dessa forma, inserir um “silêncio” é diferente de se tirar os sons de uma cena. No exemplo da “sinistra construção abandonada à noite”, o silêncio após uma personagem chamar alguém pelo nome e não obter resposta reforça ainda mais a atmosfera assustadora do ambiente e da própria cena.
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Apresentaremos a seguir, a título de ilustração, dois concept art de cenários desenvolvidos, um externo, outro interno, acompanhados de breves descrições dos conceitos trabalhados e da atmosfera desejada para a cena. Nesse concept art, temos um ambiente externo urbano, com edificações em linhas modernas e vias pavimentadas. O céu, ao fundo, começa a passar de um tom acinzentado para outro mais azulado, revelando que estamos no início da manhã. Ao lado da escadaria, é possível ver raios de sol começando a iluminar a parte superior da parede. A paisagem sonora é constituída por uma música (“Sous le ciel de Paris”, com Édith Piaf) ligeiramente grave e abafada, emitida por algum rádio ligado por perto e que reverbera pela rua. Também é possível escutar sons de pássaros e, mais ao longe, de carros e pessoas falando. No primeiro plano, a rua e a calçada mostram-se pouco movimentadas. Um estabelecimento comercial (que poderia ser um bar ou restaurante), ainda fechado devido ao horário, é parte importante do ambiente. Assim como a escada, ele pode ser cenário de diversas ações das personagens. A arquitetura da fachada sugere um estilo clássico em um prédio que – embora conservado – não é novo. O uso de tons pastéis, com predomínio de nuances terrosas e acinzentadas, cria uma atmosfera de introspecção. Tanto as portas fechadas quanto a rua quase vazia e o homem sentado na escada trazem uma sensação de expectativa, de placidez que brevemente será rompida por algum acontecimento (a chegada de mais transeuntes, a abertura do estabelecimento, a passagem dos carros) que desencadeará o início da história. É importante, nesta etapa de planejamento do trabalho, visualizar de forma clara os locais aonde irão se desenrolar os elementos da trama, sejam eles meros lugares de passagem, sejam eles as principais “locações”. A sua caracterização também é fundamental e precisa estar em consonância com a atmosfera que se pretende elaborar para dar suporte a outros pontos chave, como a aparência das personagens, sua personalidade e as rotas de seu deslocamento.
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Agora temos um ambiente interno. A visão do alto foi escolhida para melhor representar o espaço em sua totalidade, no caso, uma sala. O objetivo aqui é apresentar um coadjuvante, que ajuda o protagonista oferecendo sua casa como abrigo. A paisagem sonora é constituída principalmente pelo nítido som da televisão, que muda de característica e de volume na medida em que os canais são zapeados. Todavia, é possível identificar em outras camadas, com menor intensidade, ruídos da paisagem sonora da rua, abafados pela parede e, de vez em quando, os sons do motor do elevador do prédio e o latido agudo de um cachorro da vizinha bem ao fundo. Apesar de ter alto poder aquisitivo e ser aficionado por tecnologia, esse amigo é um sujeito despojado. Por isso a “super TV” e os diversos aparelhos eletrônicos convivem com móveis simples e aconchegantes. As grandes janelas do ambiente servem para sua iluminação e também para mostrar a altura do pé direito do apartamento. As cores são sóbrias, contrastando com algumas ousadias no tapete e nas cadeiras, já que o proprietário prefere um estilo contemporâneo ao clássico suntuoso. Vemos, assim, como o cenário está inteiramente implicado na caracterização tanto da ação quanto da personagem, colaborando para uma definição mais clara na elaboração dos cenários e na própria concepção visual da animação. No próximo capítulo, explicitaremos como ocorre este processo em relação à criação e o desenvolvimento das personagens.
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3.5
Criação e desenvolvimento das personagens
3.5 Criação e Desenvolvimento das Personagens Dentre os elementos centrais de uma série de animação, talvez a personagem seja o mais fundamental – não à toa o termo character driven é comumente utilizado para definir a estrutura narrativa da série em sua especificidade. A própria etimologia dos termos “animação” e “personagem”, em latim, reforça essa proximidade: anima (alma, dar vida a) e persona (pessoa). De modo geral, as personagens costumam ser classificadas em diferentes categorias: quanto à importância em relação à história, quanto à função narrativa e quanto ao nível de desenvolvimento psicológico. Em relação à primeira categoria, as personagens são pensadas em termos hierárquicos: principais, secundárias e figurantes. Ressaltamos que o critério para tal classificação é baseado na relevância da personagem para a trama e não necessariamente no tempo total de sua aparição. Nos filmes “Encurralado” (1972) e “Tubarão” (1975), de Steven Spielberg, por exemplo, as personagens principais (um caminhoneiro psicopata e um tubarão assassino) pouco aparecem efetivamente no filme, embora suas presenças possam ser sentidas todo o tempo. Quanto à função, as personagens costumam ser classificadas em dois tipos opostos: protagonistas e antagonistas. As primeiras representam aquelas que buscam alguma coisa na história, figura normalmente associada ao mocinho ou herói. Já as antagonistas são as personagens que irão procurar impedir os protagonistas de atingirem seus objetivos, figura normalmente associada ao bandido ou vilão. Mas devemos atentar para o fato de que não necessariamente o protagonista será sempre o herói e o antagonista, o vilão; em uma história cuja trama principal seja a tentativa de um assalto ao banco, por exemplo, o ladrão é o protagonista e o policial, que tenta impedir o roubo, torna-se antagonista. Em alguns roteiros, acontece justamente de se jogar com essa classificação, revelando para o espectador ao final do filme, que, na verdade, aquele que pensávamos ser o protagonista era o antagonista e vice-versa. Em relação ao desenvolvimento psicológico, as personagens podem ser chamadas de planas (lineares) e esféricas (redondas). Personagens planas são tipos ou caricaturas superficiais, que
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estão associadas a uma única ideia ou qualidade, são estáticas e estão mais próximas de características genéricas do que singulares, podendo, sobretudo nos casos de humor, serem estereotipadas ou caricaturadas. Já as personagens redondas possuem maior complexidade, profundidade psicológica e apresentam diversas qualidades intrínsecas, podendo gerar ou até mesmo transcender os conflitos da trama. A noção de personagem pode ser entendida como a representação de uma entidade que pratica e, principalmente, vive as ações apresentadas em uma história. Seja por meio da dinâmica visual (sua movimentação, ações e características físicas) ou psicológica (a forma de pensar, sentir, agir, as palavras que usa e os comportamentos mais frequentes), a construção de uma personagem forte depende tanto da capacidade de observação do roteirista quanto de sua inventividade. Quantas vezes nos deparamos com pessoas que parecem “saídas de um filme”, reunindo traços físicos ou comportamentais tão marcados que, em uma ficção, talvez parecessem inverossímeis? Por outro lado, mesmo que inspiradas em pessoas reais, as personagens de uma animação reagirão aos estímulos e acontecimentos do universo de uma trama ficcional, exigindo do roteirista uma boa dose de imaginação. Criar uma personagem é, portanto, um exercício complexo e envolve duas esferas complementares, uma interna (psicológica) e outra externa (visual). Embora não exista qualquer tipo de manual consolidado para a construção de uma personagem, abordaremos a seguir alguns aspectos que, acreditamos, possam auxiliar nessa trajetória. Em primeiro lugar, é preciso considerar que, mesmo quando a personagem não é representada visualmente por uma figura humana, como no caso de prosopopeias, ela é efetivamente um ser humano. Isso significa que qualquer personagem é um indivíduo que pensa, sente e se comporta, isto é, que vive e se relaciona com o universo narrativo da série. Dessa forma, ideias e conceitos da psicologia, como os tipos psicológicos e os arquétipos de Carl Gustav Jung, por exemplo, podem auxiliar na construção da personagem. Todavia, aventurar-se pelo estudo das veredas da psique humana é não apenas uma tarefa abstrusa como também infindável. Por isso, se não é possível oferecer todas as respostas, podemos, ao menos, apontar algumas trilhas e oferecer alguns recursos para se fazer as perguntas certas. Um bom começo é pensar a história pregressa, isto é, a biografia da personagem: qual sua ascendência, quem são seus pais, como eles se conheceram, como é o relacionamento entre eles, em que circunstâncias a personagem nasceu, como foi sua criação, sua educação, suas amizades, sua infância, sua juventude, quais são suas lembranças e traumas. O passado (background) é elemento fundamental na elaboração da ficha biográfica de qualquer personagem, pois permite conhecermos melhor sua constituição e pensarmos em suas demais características. Também faz parte da ficha biográfica o nome da personagem, que pode ser escolhido por seu significado, sonoridade ou alusão a pessoas ou outras personagens e o perfil psicológico da personagem, que são suas qualidades distintivas: idade, autoimagem, autoestima, temperamento, humor, virtudes, defeitos, maneirismos, habilidades, medos, orgulho, pontos de vista, ocupação principal, relacionamentos com outras personagens, sonhos, interesses, necessidades, superstições, transtornos, enfim como ela pensa, sente e (re)age nas diversas situações e condições presentes no universo da série. Devemos considerar que a identidade da personagem, assim como a de qualquer pessoa, pode se alterar em função dos domínios pelos quais ela transita, isto é, a maneira como a
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personagem se comporta e é vista nas esferas pública (coletiva), pessoal (restrita às pessoas mais próximas) e privada (interna do indivíduo). Assim, uma mesma personagem pode ser tida como uma figura arrogante no ambiente de trabalho, afável entre os poucos amigos e reservada (introvertida, não expansiva) em sua vida privada, por exemplo. Em princípio, quanto mais se conseguir pensar e escrever sobre a personagem, melhor – mesmo nos casos em que a personagem se apresente de forma misteriosa e enigmática ao espectador. Quanto mais informações e características houver, mais a personagem caminha em direção à chamada “vida própria”. Em outras palavras, quanto mais desenvolvida for sua personagem, mais autonomia ela ganha para viver dentro do universo narrativo da série. Dessa forma, é possível antecipar o que ela vai fazer ou como vai reagir em determinadas situações, assim como evocar traços desta identidade capazes de desencadear inúmeras situações. Diferentemente de um curta ou longa-metragem, em que a personagem pode se submeter muito mais à ação, em uma série o desenvolvimento da personagem é crucial. Mesmo que este desenvolvimento não apareça em sua totalidade para o público, permite a autonomia da personagem dentro do universo narrativo da série e maior identificação dos espectadores com ela, além de abrir novas possibilidades narrativas em episódios específicos – como alguma questão arraigada que seja trazida da história pregressa. Para que essa dimensão interior da personagem possa ser transmitida, percebida e assimilada pelo público da série, é preciso que seja de alguma forma externada. Deparamo-nos, neste ponto, com uma questão crítica, não apenas da criação de personagens, mas da própria existência humana: somos o que pensamos ou somos o que fazemos? Embora o filósofo René Descartes tenha colocado como condição primeira da existência o pensamento13, a forma como vivemos nossas vidas é decorrente diretamente de nossas ações no mundo. Contradições entre o pensar e o fazer14 podem trazer conflitos e diversas situações contraditórias interessantes para o desenvolvimento narrativo da série. Da mesma fora, o alinhamento entre essas duas esferas pode ser a grande motivação da protagonista na trama ou mesmo a principal geradora de situações cômicas em um universo no qual as demais personagens não tenham a mesma conduta. A dinâmica visual da personagem representa, portanto, a principal maneira pela qual a personagem se expressará, isto é, pela qual sua dimensão interna se exteriorizará. Assim como nas demais etapas, a busca por referências criativas costuma ser o primeiro passo. Tais referências não precisam necessariamente pertencer ao universo da animação, podendo ser recolhidas e pesquisadas no cinema, teatro, grafite, quadrinhos, artes plásticas, reino animal e até mesmo no próprio cotidiano do artista. A partir das referências, podem ser feitos alguns esboços, que funcionam como estudos da personagem para se verificar a correspondência de suas dimensões interiores e exteriores. Normalmente são desenhadas versões bem diferentes entre si para que, ao final, o artista escolha entre uma delas ou mesmo “monte” uma nova versão a partir do “aproveitamento” de partes de outras versões. Dessa forma, é definido, ainda em uma versão inicial da personagem, um biótipo característico, com determinada altura15, peso e aparência geral. 13. No século XVII, o filósofo elaborou sua célebre frase: “Cogito, ergo sum” (“Penso, logo existo”). 14. “Faça o que eu digo, não faça o que eu faço” – ditado popular. 15. A altura de uma personagem costuma ser medida em relação à proporção de sua cabeça. Assim, uma
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O passo seguinte consiste em aperfeiçoar a personalidade da personagem por meio de sua visualidade, afinando seu estilo, seus traços típicos. Costuma-se começar pelos aspectos gerais para gradativamente passar ao plano de detalhes específicos. Nesse processo de criação, o artista deve sempre levar em conta, diferentemente do que acontece em um livro ou em uma história em quadrinhos, que a personagem efetivamente se movimentará. Isso implica, principalmente, a definição de uma anatomia coerente, que costuma ser mais bem explorada no campo do desenho dinâmico. Além disso, a própria técnica da animação também deve ser considerada em suas especificidades, uma vez que possui diferentes parâmetros e modos de produção. Apesar da liberdade criativa na constituição física de uma personagem, ela quase sempre é pensada a partir de três paradigmas: a divisão do corpo em cabeça, tronco e membros; a cefalização (concentração dos órgãos sensoriais na cabeça, próximos ao cérebro) e a simetria bilateral, na qual a metade de um lado do corpo é equivalente a do outro16. Definidos os traços gerais que denotam a personalidade, a próxima etapa trata do desenvolvimento de elementos atinentes à personagem e que lhe atribuem maior estilo e individualidade, como no caso da indumentária e dos acessórios. Além da necessidade e da utilidade, as roupas e objetos associados à personagem (como óculos, pulseira, colar, tatuagens etc.) permitem identificar melhor uma determinada personalidade: formal, casual, esportivo, típico (regional), profissional, descolado, desleixado... Em alguns casos, cicatrizes podem ser pensadas como metáforas ou marcas que a personagem carregará sempre com ela. personagem humana mais “realista” tem entre oito a nove cabeças de altura, enquanto outra mais “cartunizada” pode obedecer a uma proporção diferente. 16. Podemos pensar aqui em algumas exceções, como a série “Barbapapa”, que apresentava uma família de “joões-bobos” (homens) e pinos de boliche (mulheres) capazes de se metamorfosear nas mais diferentes formas que encontravam pelo seu caminho; e nos irmãos Zan e Jayna, os supergêmeos da série “Super Amigos”, que se transformam nas formas de objetos de gelo e de animais.
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Depois de efetivamente constituída com um ser dentro do universo narrativo da série, a apresentação da personagem costuma acontecer de forma híbrida, por meio de texto escrito e de ilustrações. No primeiro caso, explora-se a dimensão interior da personagem e sua escrita costuma ser mais concisa e concentrada em relação a todo o material elaborado previamente. As principais características e informações são selecionadas e apresentadas, de forma condensada, em até meia página de texto para as personagens principais e em até um parágrafo para as secundárias. As ilustrações, por sua vez, se organizam na forma de um model sheet, responsável pela apresentação da dinâmica visual da personagem. O model sheet é apresentado em uma única folha e traz alguns elementos próprios. No centro da página, mostra-se uma imagem principal da personagem devidamente finalizada. Essa imagem principal pode ser considerada como uma “imagem síntese”, isto é, uma imagem que representa da melhor maneira possível a personagem. Se você só pudesse representar a personagem com uma única imagem, como ela seria mais bem representada: em pose de combate? Pensativa? Alegre? Cansada? O model sheet costuma apresentar também, em um canto de sua página, o turn around com a personagem aparecendo, sempre de corpo inteiro, de frente, perfil, ¾ e de costas. Nesse desenho específico, a personagem pode ser representada em uma pose mais “neutra” e linhas horizontais de apoio podem ser utilizadas em diferentes alturas dos corpos para que se mantenha a mesma proporção da personagem nessas cinco posições. Acompanham ainda o model sheet cerca de cinco desenhos de corpo inteiro, nos quais a personagem é representada em poses dinâmicas (action poses) e expressivas, características de suas ações na série. Assim, se a personagem possui determinados padrões de comportamento, ações recorrentes e cacoetes, esses devem aqui ser representados. É importante, portanto, pensar de que maneira a postura (poses) e a linguagem corporal da personagem expressarão personalidade, sentimentos, emoções e estados de espírito diversos. Além dos desenhos de corpo inteiro, cinco desenhos de expressões faciais da personagem, em um plano mais próximo, sem a necessidade de exibir o restante do corpo, fazem parte do
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model sheet. O rosto costuma ser considerado na animação como uma das partes mais difíceis de trabalhar, pois em uma pequena área concentra uma grande quantidade de músculos, capazes de gerar, segundo alguns fisiologistas, cerca de 20.000 expressões distintas, que podem ainda se transformar em um curto intervalo de tempo. Para alguns, o rosto representa, inclusive, o principal elemento da linguagem corporal – daí a presença de toda uma tipologia de personagens “cabeçudas”, que se expressam muito mais pelo rosto do que pelas outras partes do corpo. Em uma expressão facial, os elementos do rosto que melhor transmitem emoções são os olhos, juntamente com as sobrancelhas, as rugas de expressão e a boca. Artistas e animadores usam, muitas vezes, espelhos, ou mais recentemente webcam, como referência para aperfeiçoar algumas das expressões faciais que serão utilizadas por suas personagens. Muitos animadores costumam evitar o cruzamento ou intersecção de duas linhas distintas no desenho do corpo da personagem. Da mesma forma, não é recomendável o uso de uma linha contínua para partes diferentes da personagem, impedindo, por exemplo, que o traço de uma calça seja unido ao de uma camisa. Também é sugerido buscar a quebra do paradigma da simetria bilateral, procurando trabalhar alguma assimetria na personagem, ainda que na forma de pequenos detalhes entre os lados do corpo. Eventuais objetos e acessórios que sempre acompanham a personagem também podem, em algum espaço restante da página, aparecerem sozinhos, como uma espada, varinha ou mochila. Pequenos textos, com pouquíssimas palavras, podem ser escritos próximos a cada desenho do model sheet, reforçando cada representação, por exemplo: “Quando fica triste, abaixa a cabeça e chora baixinho”. Por fim, dois testes visuais costumam ser feitos com as personagens. O primeiro, de silhueta, em que o model sheet elaborado é apresentado em uma versão composta apenas por sombras, na qual se avalia a força e a eficiência das poses escolhidas.
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No segundo, as personagens são colocadas “lado a lado”, preferencialmente tendo como fundo algum cenário da série, tornando possível avaliar se há uma integração entre o design adotado nos diferentes cenários e personagens, isto é, se eles parecem, de fato, pertencer a um mesmo universo. Assim como acontece com os demais elementos visuais de um projeto de série de animação, a apresentação do model sheet deve ser altamente profissional, ou seja, possuir excelente resolução, acabamento e diagramação. Ao ver e interpretar as imagens apresentadas em seu projeto, um avaliador enxerga mais que ilustrações: enxerga a própria animação. Por isso cabe atentar aos critérios avaliativos e adequar as informações solicitadas aos termos e espaços efetivamente destinados, tomando cuidado para não pecar nem pela limitação nem pelo excesso. Posteriormente, durante a animação, novos elementos deverão ser incorporados à dinâmica visual, como a movimentação (que depende da anatomia criada), o peso e os gestos da personagem. Além das poses, o acting, isto é, a linguagem corporal, a maneira como uma determinada personagem anda, corre, senta, gesticula ou olha para alguém também pode revelar bastante de sua personalidade e de sua representação junto ao público. Em alguns casos, o próprio acting dos atores durante a dublagem é aproveitado como referência para dar maior dramaticidade e expressividade à personagem. Personagens são seres que vivem dentro do universo narrativo da série e, como tal, pensam, sentem e (re)agem com este universo e com seus outros seres. Suas dinâmicas internas (psicológicas) e externas (visuais) devem ser pensadas de forma complexa e integrada, fazendo com que as personagens ganhem vida própria. A partir desse momento, quando abandonadas em si mesmas, as personagens começam a tecer suas próprias tramas e a preencher os espaços vazios que surgem na série. O campo de criação de personagens, também conhecido como character design, vem crescendo bastante nos últimos anos, a ponto de termos estúdios especializados exclusivamente neste segmento. Isso acontece pois, além de se pensar na tradução de elementos internos em externos e na especificidade de personagens que serão posteriormente animadas, é preciso considerar ainda outras possibilidades que compreendem a mudança de suporte, mídia e material, como no caso de confecção de bonecos, fantasias, livros, desenvolvimento de games e outros licenciamentos diversos. Quando plenamente desenvolvidas, as personagens garantem maior identificação do público, assim como maior autonomia em relação à série, podendo, muitas vezes, viver além dela. Não por acaso, personagens marcantes continuam vivas mesmo depois do final de uma série – em outros casos, são mais facilmente lembradas do que as próprias séries e seus episódios. Personagens representam, portanto, ao lado do universo narrativo e das ações que irão ocorrer a cada episódio, a tríade básica necessária para o desenvolvimento de uma série e que, como vimos, interagem constantemente entre si. Após discorrermos sobre o universo narrativo e as personagens, trataremos nos próximos capítulos das maneiras como as ações se organizam e estruturam na dinâmica narrativa de uma série e de seus respectivos episódios.
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Estudos de decomposição das partes consituintes da personagem também podem ser feitos para se pensar em sua expressividade, funcionando como uma espécie de conjunto de peças intercambiáveis.
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3.6
Sinopse técnica e sinopse comercial
3.6 Sinopse Técnica e Sinopse Comercial Em um projeto de série de animação, costuma-se apresentar cerca de cinco episodes springboards, isto é, sinopses técnicas de outros episódios da série. Trata-se das premissas e das linhas gerais de outros episódios – além do piloto – que ajudarão o avaliador a conhecer melhor a série em seu desenvolvimento narrativo. Depois da leitura do projeto da série, incluindo o roteiro com o episódio piloto, o avaliador consegue prospectar novos episódios a partir das sinopses técnicas. Em outras palavras, é capaz de, a partir de poucas linhas elaboradas, visualizar as ações das personagens, suas falas e ações dentro do universo narrativo da série.
Antes de seguirmos adiante, é importante definirmos o termo “sinopse” e diferenciar os seus dois tipos principais. Por sinopse entendemos um resumo da história, no máximo, com dez linhas, que apresente os elementos principais de uma determinada história. Normalmente, é conhecida pelo grande público em seu tipo comercial, presente nas embalagens, sites, jornais, revistas, materiais gráficos e promocionais. A sinopse comercial é, portanto, um tipo de sinopse voltada para o público final, e não para avaliadores de projetos ou para a equipe de produção. Por isso mesmo, seu texto costuma ser escrito por pessoas especializadas em publicidade e possui estilo persuasivo: mostra algumas coisas, ao mesmo em que desperta a curiosidade do leitor para saber outras – o que, obviamente, só conseguirá assistindo à obra ou comprando um produto. Além do estilo persuasivo, o texto de uma sinopse comercial normalmente apresenta o uso de adjetivos, buscando reforçar alguns elementos, características, críticas positivas e eventuais premiações recebidas. Todavia, assim como acontece em um anúncio publicitário, quando demasiadamente apelativo, o texto costuma ter efeito contrário: ao invés de instigar o público, causa desconfiança. Por isso mesmo, a sinopse comercial é habitualmente realizada, como dissemos, por pessoas com o domínio de uma retórica própria, normalmente durante a pós-produção, depois de a obra estar finalizada.
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Já a sinopse técnica, ao contrário, costuma ser feita ainda na pré-produção, sendo, muitas vezes, o primeiro passo para o desenvolvimento de um episódio. Diferentemente da sinopse comercial, esta é destinada, portanto, para avaliadores do projeto ou para a equipe de produção, não para o público final da série. A diferença não reside em seu tamanho, já que ambas possuem de três a seis sentenças em no máximo dez linhas, mas justamente nas informações apresentadas e no estilo de texto. O texto de uma sinopse técnica possui caráter técnico, por isso dispensa o uso de adjetivos como o artifício persuasivo. A história do episódio é apresentada de maneira sintetizada, sempre com início, meio e fim, incluindo spoilers. Em outras palavras, não se deve ter dúvida do quê, como, onde e por que motivos acontecerão os eventos principais daquele episódio: seja em seu início, desenvolvimento ou final. O objetivo é justamente contar a história de forma resumida, sem deixar nada “no ar”; quanto mais claro, melhor. Deve-se ainda procurar usar as personagens principais da série na elaboração do texto, isto é, fazer com que elas participem da trama do episódio. À exceção de casos específicos (e que dificilmente ocorrem nos primeiros episódios de uma série), personagens secundárias não possuem maior atenção ou participação nos episódios do que as personagens principais. Por isso, é importante não se esquecer do papel das personagens principais na história, cuja participação deve ser sempre enfatizada no próprio texto. Apesar de ter uma função bem específica, a sinopse técnica deve deixar claro o gênero narrativo e procurar revelar o próprio tom da série. Assim, ao lermos o texto de uma série de humor, por exemplo, não podemos ter dúvidas – seja pela trama apresentada ou mesmo pelo uso de um determinado vocabulário – que a história é, ou pode ser divertida e engraçada. É desejável que se elabore, antes da apresentação do projeto, o maior número possível de sinopses técnicas para, posteriormente, descartar-se aquelas que você considerar incompletas ou não tão bem desenvolvidas. Assim, é possível selecionar apenas as cinco melhores, entre todas as elaboradas, para futura apresentação do projeto de série. Não apenas aqui, mas também em todos os demais itens do projeto, nunca é recomendável a apresentação de ideias ou materiais sobre as quais o próprio autor ainda esteja inseguro. Antes do início de uma temporada, todas as sinopses técnicas são aprovadas previamente, de maneira que se tenha um arco narrativo que compreenda toda aquela sequência de episódios. A coerência de uma temporada e a articulação dos episódios entre si, mesmo que não pressuponham uma continuidade narrativa linear, é garantida em boa parte pela elaboração conjunta de todas as sinopses técnicas antes do início da produção daquela temporada. Os métodos criativos utilizados para a escritura e a seleção das sinopses técnicas variam de equipe para equipe e de projeto para projeto. O mais importante é que a criatividade possa fluir livremente e que os melhores textos possam ser sempre selecionados. Um dos processos mais comuns nesse momento consiste em uma espécie de brainstorming criativo envolvendo, além do autor e do roteirista, boa parte da equipe da série, na qual qualquer um pode sugerir ideias de episódios. As melhores ideias são desenvolvidas no formato de sinopses técnicas e passam para o roteirista que, após consultar o autor, diretor e/ou produtor, poderá refiná-las em roteiros de episódios.
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Além da vantagem da abertura para novas ideias que, de fato, podem surgir de qualquer pessoa da equipe, esse processo dinâmico e colaborativo também costuma ser apontado como importante elemento de integração e valoração da equipe de trabalho. Ao ser convidado a participar e ao ver uma sugestão própria sendo selecionada ou discutida pela equipe, qualquer membro se sentirá mais valorizado e motivado, aumentando significativamente sua participação e envolvimento com o projeto. Veremos, no próximo capítulo, como essas ideias iniciais, pensadas em poucas linhas na forma de sinopses técnicas são desenvolvidas em seus detalhes, organizadas e apresentadas sob a forma de roteiros finais dos episódios.
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3.7 roteiro
3.7 Roteiro Estudos e pesquisas sobre as formas e estruturas narrativas não são novos. Uma das obras críticas mais antigas nesta área é “Poética”, de Aristóteles, escrita em III a.C. e ainda hoje bastante consultada para questões como as da representação humana, da tragédia, da comédia e da própria dramaturgia. Desde então, muito foi escrito sobre os elementos e estruturas narrativas em seus mais diversos gêneros, propósitos e mídias. Entretanto, foi apenas em 1969, no livro “Análise Estrutural da Narrativa”, que o linguista e filósofo búlgaro Tzvetan Todorov cunhou o termo “narratologia”, buscando emancipar a narrativa do campo da crítica literária e definindo-a como um campo próprio de estudo. A despeito desta “emancipação”, correntes do pensamento e obras anteriores que abordavam questões ligadas ao universo narrativo não foram desconsideradas. A narratologia dialoga com obras anteriores às de Todorov, como a própria “Poética” de Aristóteles, ou ainda com aquelas elaboradas pelos formalistas russos do início do século XX, sobretudo, com “A Morfologia dos Contos de Fadas” (1928). Nesse trabalho, o autor Vladimir Propp identifica e divide diferentes classes de personagens, estágios de evolução narrativa e funções dramáticas. Com o passar do tempo, a narratologia foi se aproximando de diversas escolas e correntes de pensamento, como por exemplo, o estruturalismo, a semiótica, o existencialismo, a fenomenologia e os estudos culturais. Nomes importantes do pensamento contemporâneo ocidental, como Roland Brathes, Gerard Genette, Claude Bremond, Christian Metz, Umberto Eco e Algirdas Julien Greimas escreveram alguns dos textos basais da narratologia. Apesar de podermos considerar o roteiro como uma modalidade narrativa, não se pode associar suas origens às primeiras histórias contadas e transmitidas pelos homens por meio da oralidade. Diferentemente de uma história oral ou de um livro, podemos dizer que o roteiro não constitui em si mesmo um fim, mas um meio. Enquanto uma história oral ou impressa se
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apresenta como um produto final ao seu público, o roteiro é mais uma etapa especializada intermediária, elaborada antes da apresentação da obra em si. O roteiro possui, portanto, caráter transitório e efêmero. Transitório, pois se estabelece como um gênero próprio em algum lugar entre a literatura e o audiovisual, isto é, se utiliza de alguns elementos próprios da escrita para contar uma história que será posteriormente apresentada por meio de sons e imagens em uma tela. Efêmero, pois só existe durante o tempo de produção, isto é, sua fixação interessa apenas para especialistas, caso de estudantes, pesquisadores ou fãs, e não para o público em geral. As origens do roteiro remontam, provavelmente, às primeiras peças de teatro originais, ou seja, àquelas que foram elaboradas para uma apresentação específica e, não, montadas como uma encenação de relatos históricos ou religiosos. Nelas, os autores pensaram em histórias próprias e inéditas que, por determinadas razões, imaginaram ser mais apropriadas para o público quando encenadas do que narradas oralmente ou registradas em um livro escrito. Diferentemente do que abordamos há pouco sobre a questão da efemeridade, roteiros elaborados pelos principais dramaturgos costumam ser pensados também como peças literárias, independentemente de seus elementos extratextuais, como cenários, atores, figurinos e direção. Assim, muitas peças, sobretudo as clássicas, podem ser discutidas e analisadas, ainda que raramente assistidas. Pesa aí o fato de haver alguma semelhança estrutural entre as peças clássicas e certos gêneros da prosa (como o romance), como a presença de um narrador e a base dramatúrgica fundamentalmente dialógica. Além disso, devemos considerar que o teatro é uma arte que existe essencialmente no tempo, mais que no espaço. Dessa forma, o roteiro ocupa no teatro simultaneamente o papel de guia e de registro de uma peça – diferentemente do audiovisual, cujo registro sempre pôde ser assistido tal e qual por meio de uma cópia analógica ou digital. Ou seja, enquanto o que guardamos de uma montagem teatral não é a própria encenação, mas apenas seus registros parciais (fotos, lista do elenco, figurinos, críticas em periódicos etc.), no cinema, a obra propriamente dita é o que se fixa em um rolo de filme, em fita ou arquivo digital. Nesse sentido, o “original” de um filme é ele próprio, não o texto que guiou a sua criação. Na dramaturgia contemporânea, temos muitas peças baseadas no improviso ou no teatro físico. Esses exemplos, obviamente, guardam uma relação menos estreita com o texto do que as encenações tradicionais. As origens do roteiro audiovisual, por sua vez, estão atreladas ao desenvolvimento do cinema: na medida em que os filmes foram aumentando sua duração e envolvendo maiores recursos de produção, surge também a necessidade do roteiro. Nesse sentido, o roteiro passa a existir com uma dupla função no cinema. Em primeiro lugar, permite que produtores visualizem, de alguma forma, o filme antes dele ser feito. Isso significa que, antes de se fazer um aporte financeiro, produtores executivos e investidores podem ter alguma ideia de onde estão aplicando seu dinheiro. Em segundo lugar, facilita a organização da produção, indicando para todos envolvidos na realização do filme a ordem em que as cenas serão apresentadas para o público. Ao apresentar “o quê”, “por que”, “como” e “onde” a história será contada, a equipe de produção de um filme
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pode providenciar todos os detalhes necessários, como aluguel de itens e reserva de locações, por exemplo. Também os atores podem conhecer melhor o enredo e o desenvolvimento das personagens na trama, e assim por diante. Dispomos hoje de centenas de livros escritos sobre roteiro, divididos basicamente em duas categorias: aqueles que apresentam e/ou analisam roteiros de obras já realizadas e aqueles que objetivam auxiliar na formação do roteirista e na escritura de roteiros próprios. Entre os autores mais conhecidos nesta segunda categoria, podemos citar Christopher Vogler, David Howard, Edward Mabley, Jean-Claude Carriére, Michel Chion, Robert McKee, Syd Field, além de alguns autores nacionais, como Doc Comparato, Flávio Campos, Leandro Saraiva, Luís Carlos Maciel, Marcos Rey, Newton Cannito e Renata Pallottini. Evidentemente que, em cada um desses livros, podemos recolher aspectos interessantes e pertinentes, por isso suas leituras são de grande importância – mesmo que não abordem especificamente séries de animação. Todavia, por mais que se estude os elementos apresentados e se siga eventuais regras ou sugestões, não há qualquer garantia de que apenas isso produza um bom roteiro. Da mesma forma, é possível eventualmente encontrar roteiristas que não tenham referências de boa parte dessas obras e que, mesmo assim, tenham escrito bons roteiros. Ainda assim, como acreditamos na importância do conhecimento estrutural narrativo e da capacidade de reflexão sobre a própria prática, recomendamos suas leituras. Também apresentamos aqui uma relação de dicas para roteiristas que, acreditamos, possa auxiliar na elaboração de roteiros para episódios de série de animação. Ao se trabalhar com objetos de caráter aberto e complexo, como é o caso de um roteiro, uma das sugestões é procurar responder primeiro ao essencial, antes de seguir adiante. As respostas para estas perguntas, ainda que não respondidas prontamente, podem apontar os caminhos e as direções a serem tomadas. É importante, portanto, responder às perguntas mais elementares da obra, sobretudo no que tange sua relação com o autor. Em outras palavras, deve-se, com a licença do pleonasmo, “começar pelo começo”. Por que fazer esta série? Qual a sua relevância? O que se pretende com ela? Porque esta série tem que ser feita em animação? Qual o conceito geral? A quem se destina? Isso pode parecer bastante básico - e é, de fato -, mas é preciso que o autor de uma série tenha certeza dessas respostas antes de seguir adiante no projeto. O passo seguinte envolve os dois elementos já abordados anteriormente neste capítulo: a criação do universo narrativo e das personagens da série. Como vimos, as séries são compostas por esses dois elementos que, juntos de um terceiro - as ações -, se apresentam ao público na forma de episódios. Universo, personagens e ações compõem, portanto, a tríade básica a partir da qual uma série toma forma. Ao se começar a pensar especificamente em episódios para a série, a primeira coisa é estabelecer um piloto. O episódio piloto funciona como uma espécie de protótipo da série e serve para que os executivos responsáveis possam avaliar melhor o produto. Pode acontecer ainda de o episódio piloto ser exibido para o público como uma espécie de teste com a
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audiência. Nesse caso, o primeiro episódio da série coincide com o piloto – o que nem sempre ocorre necessariamente. Quando não é bem recebido, o piloto pode representar o único episódio de uma série. Nos Estados Unidos, principal país produtor de séries de televisão, estima-se que apenas 25% dos pilotos realizados resultem em séries regulares. Em outras situações ainda, ressalvas são feitas ao piloto e modificações podem ser sugeridas para a série, como mudanças no design, na técnica de animação e a inclusão, remoção ou alteração de personagens. Um equívoco bastante comum ao se pensar o piloto é a tentativa de se colocar “tudo”, ou o máximo de informações neste episódio específico. Isso pode ocorrer por ansiedade do autor ou por vontade de querer convencer que a série possui muitos elementos interessantes. Mas não se deve presumir que “mais é melhor” e o episódio piloto deve funcionar da mesma forma que se imagina que os outros episódios devam funcionar. Em alguns casos, o episódio piloto mostra uma situação inaugural que deu origem à série, por exemplo: como as personagens se conheceram e foram parar em certo lugar. Entretanto, isto não é uma regra, visto que muitas séries não explicam sua origem ou o faz alguns episódios mais a frente. O principal é que o roteiro do episódio piloto possa apresentar, da maneira mais clara e direta possível, ainda que não em sua totalidade, o universo narrativo, as personagens principais e o tom da série. O passo seguinte na elaboração do roteiro piloto é pensar nas ações que ocorrerão e na história que será contada, sempre em consonância com o conceito geral da série. Quando se tem o universo narrativo e personagens bem construídas, a premissa da série oferece algum tipo de condição ou circunstância maior, que permite o desdobramento potencial de inúmeras situações específicas para cada episódio. As maneiras mais comuns para isso acontecer se manifestam: pela busca de objetivos da(s) protagonista(s), pelo relacionamento conflitante entre personagens de personalidades distintas ou por meio da introdução de alguma situação ou elemento inusitado e desestabilizador de um determinado modus operandi padrão. Uma possibilidade interessante de ser explorada é a realização de um roteiro híbrido, isto é, que possibilite à animação posteriormente ser exibida tanto na qualidade de curtametragem quanto como piloto de série, como foi o caso de “Osmar, a Primeira Fatia do Pão de Forma”, de Alê McHaddo. Esse hibridismo permite, além de maior visibilidade à obra, conhecer a recepção da animação por diferentes tipos de público. Uma das maneiras de se começar a pensar a história pode ser, como dissemos anteriormente, por meio da definição de uma story line seguida da escrita de uma sinopse técnica. A escolha de um título para o episódio pode auxiliar no processo de passagem da primeira para a segunda, embora, às vezes, o título definitivo só seja criado após a finalização do episódio. A partir da sinopse técnica, é possível expandi-la em um argumento com cerca de três páginas. O argumento manterá a essência da sinopse técnica de contar a história com spoilers (descrições e revelações sobre o enredo, que são omitidas previamente do espectador), começo, meio e fim, porém em um espaço maior, o que permite mais detalhes. Podemos comparar o argumento ao gênero literário do conto, mas com algumas diferenças. Assim como
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o próprio roteiro, o argumento também é mais uma etapa no desenvolvimento de um produto final que não será escrito, mas, assistido por meio de sons e imagens: a animação. Justamente por não ser o produto final, o argumento diferencia-se do conto, principalmente pela ausência de certos recursos literários formais e de caráter mais interpretativo ou subjetivo. O estilo do texto do argumento deve ser claro, direto e descrever os aspectos audiovisuais pelos quais a história será contada, sempre em terceira pessoa, com o tempo verbal no presente. Deve-se, por fim, sempre ter em mente de que maneira os sons e as imagens, e não as palavras, irão contar uma história. Portanto, a escrita de um argumento não precisa se preocupar em agradar o leitor por meio de seu estilo e construção textual, diferentemente do que acontece com um conto. Por exemplo: em um conto, poderíamos ler algo como: “Ao entrar na mansão, Fulano sentiu o maior medo de sua vida”. Em um argumento, entretanto, esse texto poderia ser considerado demasiadamente subjetivo, pois não diz absolutamente nada em termos audiovisuais, exigindo participação imaginativa do leitor na construção de imagens mentais e sensações. Nesse caso, o argumento deveria ser muito mais descritivo e preciso: “Fulano caminha lentamente com o corpo encolhido, olhos arregalados, mãos trêmulas e respiração ofegante para dentro da mansão abandonada. A construção em estilo gótico abriga alguns móveis cobertos com lençóis brancos empoeirados e teias de aranha. A luz da lua cheia atravessa as vidraças, que possuem alguns vidros quebrados, iluminando parcamente o interior da mansão. É possível escutar, na mata vizinha, o som do vento, das árvores balançando e o sibilar dos morcegos”. A principal diferença entre o primeiro e o segundo trechos, além do tamanho, reside no fato de que no argumento foram utilizadas descrições visuais e sonoras para detalhar o ambiente e externar a sensação de medo da personagem por meio de suas ações. Assim, o medo que a personagem sentiu no primeiro exemplo, mais literário, foi manifesto por meio de seu acting, mais visual. Ocasionalmente trechos menos objetivos podem ser utilizados em um argumento para se reforçar determinado clima ou sensação, desde que complementando uma sentença, isto é, que não se dependa exclusivamente desses trechos para a compreensão de uma cena ou passagem. No mesmo exemplo, a primeira sentença poderia eventualmente ser acrescida de uma informação mais subjetiva ao seu final: “Fulano caminha lentamente com o corpo encolhido, olhos arregalados, mãos trêmulas e a respiração ofegante para dentro da mansão abandonada, sentido o maior medo de toda a sua vida. (...)”. Todavia, o texto de um argumento não poderia ser apenas: “Ao entrar na mansão, Fulano sentiu o maior medo de sua vida”. Apesar de sua especificidade, o argumento não deve apresentar qualquer tipo de detalhe técnico de produção, como indicações de câmera, por exemplo. A ênfase está, portanto, muito mais na estrutura narrativa e dramatúrgica do episódio do que em sua linguagem – que costuma ser mais bem explorada posteriormente, durante a decupagem do roteiro. Também não costumam ser apresentadas no argumento as falas das personagens. Quando presentes, os diálogos são descritos de maneira genérica em relação ao teor da conversa e não de maneira detalhada e específica, ipsis litteris como as falas serão ditas pelas personagens na animação. Quando terminada a primeira versão, o argumento pode passar por eventuais ajustes e novas versões antes de migrar para o roteiro. Assim como acontece em qualquer outro processo criativo, cabe ao autor decidir o momento em que considera que sua obra está pronta, finalizada.
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Depois do argumento e antes da escrita do roteiro em si, pode-se elaborar uma etapa intermediária, conhecida por escaleta. Nessa etapa, o autor faz uma primeira decupagem do argumento, dividindo a história apresentada em cenas. Por cena entendemos uma unidade dramática, com sentido próprio, dentro de uma história, por exemplo: a cena da família jantando. A escaleta é montada a partir de uma sequência de cenas que podem se apresentar de forma contínua ou entrecortada, seguindo ou não a ordem cronológica de uma história. Apesar de não existir um número exato de cenas por episódio, é preciso considerar que episódios com ritmo mais lento tendem a ter menos cenas do que episódios mais dinâmicos. Todavia, um número muito grande ou muito pequeno de cenas pode, dependendo da maneira como forem organizadas, comprometer o entendimento da história por parte do público. No primeiro caso, o número reduzido de cenas pode dar a impressão de que nada está acontecendo ou causar monotonia. Já no segundo, o número elevado de cenas pode dificultar o entendimento da trama e dar a impressão de que nada foi devidamente visto. Por isso, em um roteiro vale o bom senso: nada pode sobrar nem faltar. Ao contrário do story line, da sinopse comercial e do argumento, a escaleta possui, por herança do cinema, uma formatação de texto própria, mais próxima daquela utilizada no roteiro. Assim, o texto é estruturado em diversos blocos, sendo que cada bloco corresponde a uma cena. Em relação à formatação, cada bloco de texto começa com um cabeçalho (slug line), com a indicação do número da cena (1,2,3, etc.), ambiente interno ou externo (INT./ EXT.), nome da locação (COZINHA, por exemplo), e período em que se passa (AMANHECER/DIA/ TARDE/ANOITECER/NOITE/MADRUGADA). O cabeçalho vem sempre no início do bloco de texto, em um parágrafo próprio, com caixa alta e maior espaço entre linhas. Por exemplo:
5. INT. MANSÃO ABANDONADA. NOITE. FULANO caminha lentamente com o corpo encolhido, olhos arregalados, mãos trêmulas e respiração ofegante para dentro da mansão abandonada. A construção em estilo gótico abriga alguns móveis cobertos com lençóis brancos empoeirados e teias de aranha. A luz da lua cheia atravessa as vidraças, que possuem alguns vidros quebrados, iluminando parcamente o interior da mansão. É possível escutar, na mata vizinha, o som do vento, das árvores balançando e o sibilar dos morcegos. O conteúdo textual de cada bloco corresponde a uma espécie de sinopse técnica específica daquela cena e, muitas vezes, é escrito aproveitando trechos do próprio argumento. Assim como acontece no argumento, a escaleta não apresenta especificações técnicas de linguagem e nem diálogos. Apesar disso, permite melhor visualização da história cena a cena, possibilitando eventuais ajustes na estrutura narrativa do episódio. Muitas vezes, é durante a escrita da escaleta que se percebe, por exemplo, que certa situação que inicialmente ocuparia três cenas pode ser contada em duas, ou mesmo, em uma única cena. Da mesma forma, certas ações podem ser retiradas ou acrescentadas para facilitar a compreensão e enfatizar determinados aspectos da história. Assim como a sinopse técnica ajuda na elaboração do argumento, a escaleta auxilia na escrita do roteiro. De uma maneira geral, todas as etapas previamente realizadas acabam
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por facilitar o processo de realização do roteiro. Ao se conhecer um universo narrativo, suas personagens e premissas, tem-se um ponto de partida sólido para se pensar nas situações que se apresentarão em cada episódio. Ao expandir o resumo de cada cena, o roteiro começa a ganhar corpo até ter finalizada sua primeira versão. O estilo de texto claro, direto e descritivo - que apresenta cenários e ações centradas nas referências audiovisuais - é mantido, garantindo o pleno entendimento da história apresentada, sem o uso de recursos de caráter mais subjetivo. Um dos formatos mais utilizados para formatação de roteiro é conhecido como master scenes e apresenta as cenas em ordem cronológica, respeitando a sequência desenvolvida pelo autor. Cada cena se inicia com o cabeçalho, que é estruturado da mesma maneira apresentada anteriormente na escaleta. Cada mudança de cena é representada, portanto, pela mudança de cabeçalho. O conteúdo de cada cena, introduzida pelo cabeçalho, é constituída basicamente por três tipos de texto: descrição, narração e diálogos. A descrição é utilizada, como o próprio nome sugere, para apresentar os ambientes e objetos presentes em cada cena, sejam eles mais “realistas” ou cartunizados. A primeira aparição destes ambientes e objetos costuma ser mais detalhada, permitindo melhor percepção da atmosfera desejada e de seus elementos físicos constituintes. Determinados ambientes e objetos já apresentados em uma cena prévia não precisam ser novamente apresentados com seus mesmos detalhes em uma nova cena, exceto quando algo tenha se alterado neles. A narração por sua vez apresenta as ações que acontecem na cena, aquilo que se manifesta por meio de som e/ou imagem, sejam elas mais ou menos verossímeis. As ações são responsáveis pela progressão da história; o motor que coloca e mantém a trama em movimento. A fim de evitar sua gratuidade, cada ação costuma ser pensada, ainda que de maneira breve e sucinta, em relação aos seus aspectos pregressos e progressos. No primeiro caso, é importante saber por que aquela ação está ocorrendo, isto é, o que motivou sua manifestação. Em alguns roteiros, ações parecem ser inseridas na trama muito mais para direcionar a história ou justificar escolhas do autor do que como decorrência direta da própria trama – o que pode causar uma quebra da cumplicidade estabelecida com o espectador. Em relação aos aspectos progressos de uma ação, é importante considerar, após sua realização, seus impactos e reações na própria história. Nesse sentido, as ações podem ser classificadas em dois tipos: diretas ou indiretas. Ações diretas são aquelas que interferem mais claramente na história, isto é, cujas reações fazem a história tomar certo rumo que não tomariam de outra forma, normalmente representadas por algo que quebra uma rotina. As ações indiretas por sua vez não interferem diretamente no rumo da história, mas são importantes ferramentas para se explorar as entrelinhas ou subtextos de uma situação, sobretudo pelo acting da personagem. Por fim, os diálogos representam as falas que serão ditas pelas personagens. Em animação, diferentemente do live action, as falas costumam ser compostas por um número reduzido, cerca de três, breves sentenças. A ausência de falas maiores das personagens pode ser explicada pelo fato da linguagem facial de uma personagem animada não ser tão expressiva quanto a de um ator humano. Pequenas nuances no rosto, seja ele humano ou não, exigem uma grande variedade de movimentos sutis, em uma área restrita, durante um curto intervalo de tempo – o que dificulta enormemente a
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técnica da animação. Por isso, quanto mais tempo se focar o rosto de uma personagem animada, mais o público perceberá a ausência dessas pequenas nuances, uma vez que estamos acostumados a elas no contato cotidiano com outras pessoas. Além disso, muitos autores preferem mostrar ao invés de dizer, isto é, sempre que for possível, optar por passar uma mensagem sem o recurso da fala. De fato, o acting de uma personagem é um recurso suficientemente expressivo a ponto de dispensar diálogos. Prova disso é que podemos observar uma grande quantidade de animações que abdicam ou usam muito pouco este elemento, muito mais frequentemente do que ocorre em live action. Em termos de séries de animação que usam esse expediente, podemos citar “La Línea”, “The Red and The Blue”, “A Pantera Cor-de-Rosa” e “Pingu”, entre outras. Há casos, entretanto, em que os diálogos podem ser não apenas necessários como a própria raison d´être de uma série. Trabalhar com diálogos costuma ser uma das partes mais difíceis de um roteiro, tanto que já existe em alguns lugares uma função conhecida por dialoguista, um profissional responsável justamente pelo uso apropriado das falas em um roteiro. Deve-se atentar para a coerência entre o tom da série e dos diálogos. Falas corriqueiras podem soar estranhas em animações fantásticas e vice-versa. Por isso, sua criação deve manter a mesma atenção dada às demais partes de uma animação e possuir suas mesmas liberdades criativas. Dessa maneira, o uso de indicações de estado de espírito, canto, rima, sobreposição e efeitos nas vozes podem ser pensados como recursos expressivos de linguagem da própria série. Em animação, é comum os atores selecionados no casting gravarem as vozes das personagens ainda durante a pré-produção, e esse processo pode ser utilizado a favor da série. Atores e atrizes possuem conhecimentos e experiências acumulados que não devem ser desperdiçados, pelo contrário, devem ser aproveitados ao máximo. A maneira como falamos não é igual à maneira como escrevemos, da mesma forma que a maneira pela qual escutamos não é igual à maneira como lemos. Isso significa que há uma tendência espontânea para que um diálogo escrito em um roteiro se aproxime muito mais da linguagem escrita do que da linguagem oral. Por isso, muitas vezes, mais importante do que seguir à risca a leitura dos diálogos em um roteiro é manter o seu sentido, ainda que isso signifique a mudança de algumas palavras. Atores e atrizes podem ser estimulados a colaborar nas falas das personagens, melhorando sua compreensão ou enfatizando determinados aspectos de sua interpretação. Respiração, pausas, vícios de linguagem, hesitações, ênfases e demais nuances da fala podem proporcionar ganhos significativos à animação e são normalmente indicadas no texto do roteiro por rubricas entre parênteses antes dos diálogos. Embora pouco frequente, a possibilidade de se gravar simultaneamente as vozes com dois ou mais atores em tempo real in loco no estúdio pode garantir maior entrosamento e continuidade dramática. Quando o ator contracena apenas com uma gravação prévia em áudio, sem a presença física de outros atores, ou quando, ainda pior, apenas lê suas linhas no roteiro, uma após a outra, muito se perde da expressividade da fala da personagem.
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Isso torna necessária uma direção de atores capaz de garantir a dramaticidade desejada para cada fala e a sensibilidade necessária para incorporar eventuais alterações ou improvisações realizadas pelos atores aos diálogos previamente escritos no roteiro. A definição das falas finais é importante para a elaboração do animatic e também da folha de exposição (x-sheet), a partir da qual será feito o processo de sincronia labial da personagem. Nesse processo, sempre é levada em consideração a maneira como se fala, e não como se escreve, isto é, são considerados elementos como a prosódia e a pronúncia das palavras, não as pausas e os limites típicos da escrita. Por exemplo: em um roteiro, a oralização das palavras “luz e sombra”, dependendo da variedade dialetal da personagem, pode soar como “luzisombra”, dando continuidade ao movimento labial que no texto era representado graficamente por uma descontinuidade, ou seja, três palavras transformaram-se em uma só. Além das falas, também é possível aproveitar a espontaneidade das próprias expressões, gestos e movimentações físicas dos atores para o acting das personagens na animação. Isso pode ser feito por meio do registro, com uma câmera de vídeo, da performance do ator durante a gravação do áudio, buscando transferir posteriormente tais movimentações à personagem animada. As definições das cenas, suas descrições, narrações e diálogos permitem a escrita do roteiro, que atualmente costuma ser feita em softwares específicos, proprietários ou gratuitos, que facilitam sua formatação, organização e modificações. Um dos programas bastante utilizados
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atualmente é o Celtx, que permite, além da escrita do roteiro, a criação de diversas anotações paralelas referentes aos mais diversos aspectos da pré-produção, como ficha de personagens, de objetos de cena, agenda, notas com comentários, entre outros. O Celtx possui ainda exemplos de roteiros formatados, comunidade de usuários on-line e possibilidade de impressão do arquivo em formato pdf. O programa, organizado no modelo freemiun (programa gratuito com alguns recursos avançados pagos), possui interface fácil e intuitiva, contando ainda com tutorial e suporte on-line. Alguns outros programas existentes para formatação de roteiro são: Final Draft, Five Sprockets, Montage, Movie Magic Screenwriter e Page 2 Stage. A formatação final de um roteiro tem estrutura semelhante ao exemplo a seguir.
5. INT. MANSÃO ABANDONADA. NOITE. FULANO caminha lentamente com o corpo encolhido, olhos arregalados, mãos trêmulas e respiração ofegante para dentro da mansão abandonada. A construção em estilo gótico abriga alguns móveis cobertos com lençóis brancos empoeirados e teias de aranha. A luz da lua cheia atravessa as vidraças, que possuem alguns vidros quebrados, iluminando parcamente o interior da mansão. É possível escutar, na mata vizinha, o som do vento, das árvores balançando e o sibilar dos morcegos. FULANO Olá. (pausa) Alguém em casa? FULANO caminha mais cinco passos para dentro da mansão, enquanto examina com a cabeça todos os cantos do interior da construção. FULANO (gritando) Boa noite. Tem alguém aqui? (etc.) Finalizada a escrita da primeira versão do roteiro, são feitos ajustes também conhecidos por tratamento. Na maioria dos casos, o primeiro tratamento é responsável por uma adequação do roteiro à duração do episódio – normalmente de 11 minutos. Aqui são condensados alguns elementos e eliminados outros, dispensáveis à história. Os parâmetros principais para tais intervenções devem ser baseados no conceito geral da série e na story line do episódio. Em média, um roteiro de episódio de série de animação de 11 minutos terá entre cerca de 16 e 22 páginas formatadas – dependendo do nível de detalhamento do texto. Ao final de cada tratamento, tem-se uma nova versão do roteiro, não havendo uma regra quanto ao número de versões necessárias até se chegar à última. Depois de ajustado o tamanho do roteiro, outros tipos de tratamento, de ordem mais qualitativa, podem ser realizados. Um deles, como vimos há pouco, é o tratamento dos diálogos, que além da adequação à
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espontaneidade e à linguagem oral, também pode ser desenvolvido no sentido de manter certa verossimilhança da fala com um determinado tipo de personagem. Um velho e sábio mestre, por exemplo, tem a fala e o vocabulário diferentes de um jovem e irresponsável aprendiz, de maneira que suas falas devam se distinguir não apenas em termos de conteúdo, mas estilisticamente também. A forma pela qual é estruturada a lógica de um pensamento, formalizada por meio da fala, é um dos modos mais eficientes pelo qual o público tem acesso à personalidade e ao caráter de uma personagem. Da mesma forma, bordões podem ser criados, funcionando como uma espécie de marca registrada de uma personagem. Nesse caso, o público saberá que determinado bordão será usado por uma personagem e, portanto, a graça não está meramente na sua utilização, mas na situação que o leva a ser dito e na forma como isso é feito. Outros ajustes podem ser feitos pelo chamado tratamento reverso, no qual se realiza a leitura do roteiro em sua ordem reversa (da cena final para a inicial). Dessa forma, é possível identificar mais facilmente eventuais falhas na lógica da estrutura narrativa, sobretudo de continuidade e de gratuidade das ações, assim como trabalhar melhor aspectos como os bits de antecipação. Bit de antecipação é um elemento qualquer – fala, ação, objeto cênico etc. – que permite nova leitura após sua manifestação no roteiro. Pode ser, por exemplo, uma determinada fala que, no momento em que foi dita por certa personagem, passou de maneira despercebida pelo público espectador e que posteriormente, ao final da trama, foi reinterpretada diferentemente a partir da amarração de alguns de seus elementos. Também é possível realizar um tratamento objetivando a inserção de alguns easter eggs, isto é, elementos diversos que dialogam com outros elementos ou aspectos apresentados em diferentes episódios da mesma série. Tais elementos funcionam como uma espécie de gratificação para o espectador mais fiel, que acompanha a série regularmente, permitindo o estabelecimento de relações entre episódios e situações diversas. Todavia, os easter eggs não podem se apresentar como elementos imprescindíveis para a compreensão de um episódio, funcionando muito mais como uma bonificação para o fã da série. Por exemplo, suponhamos que, em um episódio de um seriado, o prato principal servido no jantar do qual participa uma personagem seja exatamente lasanha, que a mesma personagem afirmou detestar num episódio anteriormente exibido. Quando considerado terminado, o ideal é que o roteiro seja “esquecido” por algum tempo para poder passar por um último tratamento pelo roteirista. Esse “esquecimento” favorece maior distanciamento do autor, fazendo-o voltar com novo olhar sobre seu próprio roteiro. Ao mesmo tempo em que reconhece seu texto, esse afastamento proporciona ao roteirista ver seu próprio roteiro como outro, mais próximo, portanto, da visão que o público terá da obra. Findo este último tratamento, alguns roteiristas costumam, por fim, submeter seus roteiros a consultores especializados. O trabalho de consultoria consiste na leitura, seguida de um diagnóstico avaliativo do roteiro e de seus elementos atinentes, como personagens, universo e estrutura narrativa. São apontadas as potencialidades do roteiro bem como seus pontos mais vulneráveis e sugestões de melhorias. O retorno da consultoria costuma ser feito por meio de anotações e de uma reunião em tempo real (presencial ou on-line) com o roteirista. Dependendo do que for acertado entre as partes, o próprio consultor contratado pode realizar um tratamento final do roteiro.
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Não é possível esquecer, no entanto, que estamos tratando de um roteiro de série de animação e que, portanto, este possui especificidades próprias do meio. A boa notícia é que as restrições, no que se refere aos recursos imaginativos, são mínimas neste tipo de roteiro. Por outro lado, aspectos do acting que poderiam ser corriqueiros em live action, como expressões faciais muito elaboradas, podem dificultar a vida do animador. É importante levar isso em consideração durante a criação do roteiro. Não se deve restringir o universo ficcional de uma série de animação ao realismo, já que a animação proporciona grande flexibilidade em relação à inclusão de elementos oníricos ou fantásticos na sua história, criando novas realidades verossímeis ou então proporcionando novas abordagens a referências previamente existentes. Não estamos aqui afirmando que toda animação precisa se passar em universos de fantasia ou ficção científica. Mas, sim, que é sempre bom lembrar-se de suas potencialidades peculiares em relação aos filmes em live action. A título de exemplo, uma personagem que fica “roxa de raiva” quando é contrariada, em uma animação, pode apresentar isso literalmente de forma esteticamente muito mais convincente do que quando se está trabalhando com atores reais. Em segundo lugar, o roteirista é um dos primeiros profissionais envolvidos na cadeia de produção de uma animação. Por isso, é fundamental entender o que acontecerá com o roteiro depois que for escrito, isto é, conhecer o “proscênio” da animação. Neste sentido, é importante saber que projetos normalmente envolvem três dimensões inter-relacionadas, para as quais o roteirista de uma série de animação deve sempre atentar: tempo, escopo e recursos (humanos e financeiros). Essas dimensões são inter-relacionadas, conforme veremos mais adiante, pois uma pode influenciar diretamente a outra. A primeira dessas dimensões, o tempo é, muitas vezes, um fator limitador da produção. Enquanto um longa-metragem de animação leva cerca de três anos para produzir pouco mais de uma hora de animação, uma série pode chegar a produzir, no mesmo período, até cinquenta vezes mais tempo de animação. Isso significa que o processo todo deve ser otimizado o máximo possível, incluindo o roteiro. Em alguns casos, cria-se uma cadeia de produção de maneira que, quando um episódio começa a ser finalizado, um segundo começa a ser animado e um terceiro começa ser escrito – e assim sucessivamente. Em outros casos, todos os roteiros de uma temporada são escritos juntos, quase que simultaneamente, antes daquela temporada começar a ser animada. Ainda em relação ao cronograma, na maioria dos casos, projetos de séries de animação são elaborados com o tempo que for preciso para que se atinja a qualidade desejada, uma vez que não existem dead lines específicos. Quanto melhor estiver o projeto, maiores são as chances de viabilizar sua produção, por isso, todo e qualquer esforço e ajuste no projeto de criação costuma ser bem-vindo. O mesmo ocorre, sem dúvidas, com o roteiro de um episódio piloto. De qualquer forma, os roteiros de todos os episódios de uma temporada de série só costumam ser escritos após a efetiva confirmação de sua realização. Isso significa que, mesmo partindo de sinopses técnicas prontas, o prazo para o desenvolvimento do roteiro dos episódios regulares será provavelmente menor do que aquele destinado à elaboração do piloto. Por outro lado, quanto maior o envolvimento com uma série e mais frequente se tornar a prática de sua escrita, maior será a intimidade do roteirista e sua facilidade em desenvolver os episódios.
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O escopo do projeto revela seu alcance: uma série pode ser exibida em âmbito local, regional ou global, variando normalmente os recursos envolvidos em suas produções. Na esfera comercial, a questão do escopo diz respeito ao custo-benefício: projetos de menor alcance dificilmente contam com o mesmo aporte oferecido para séries de maior alcance, uma vez que objetivam retornos compatíveis com seus investimentos. Os recursos de um projeto dizem respeito a dois aspectos; o primeiro deles os recursos humanos envolvidos, isto é, as capacidades e as características da equipe. Nesse sentido, deve-se ter clareza quanto à técnica e ao estilo da animação, assim como em relação às referências visuais do processo criativo para melhor aproveitamento destas características dentro da estrutura narrativa da série. O segundo aspecto é o orçamento efetivo da série que, obviamente, pode variar bastante: séries com grandes verbas possuem maior estrutura, mas possuem suas próprias dificuldades, diferentes daquelas que contam com verbas mais restritas. O roteirista é responsável por escrever roteiros que deverão ser efetivamente realizados, por isso, é preciso ponderar sobre as demandas que serão necessárias. Por exemplo: se o roteiro envolve muitas cenas com multidão em movimento ou coisas trabalhosas que só vão aparecer uma única e breve vez na tela, a tendência é que se precise de mais tempo e recursos para sua realização. Da mesma forma, se estiver fazendo um roteiro para uma animação em stop-motion, não se pode esquecer de que esse tipo de animação é relativamente menos fluida do que uma em 2D. Nesse sentido, as ações para um boneco em massa de modelar talvez não possam ser as mesmas que se elaboraria para uma personagem desenhada. Se por um lado é preciso considerar eventuais limitações, por outro, é preciso considerar de maneira criativa as potencialidades envolvidas no projeto para poder se tirar o máximo proveito do roteiro - o ideal é que haja uma indissociabilidade entre a forma e o conteúdo da série. Em “Beavis and Butt-Head”, por exemplo, o traço irregular, visual “sujo” e a animação simples estabelecem esta relação de indissociabilidade ao criar um diálogo direto com o universo narrativo da série e sua abordagem temática. Em terceiro lugar, o roteiro de animação normalmente dá mais destaque aos aspectos visuais do que um roteiro em live action. Quando consideramos os seriados televisivos, então, podemos afirmar que são praticamente baseados nas falas das personagens e em seu gestual, muitas vezes se passando em locações fixas. Já uma série de animação pode ter uma grande variedade de cenários e até mesmo universos. Podemos contrastar, por exemplo, “Friends” (que normalmente mostra as personagens em seus apartamentos, ou em um bar) com “Bob Esponja Calça Quadrada” (que já mostrou diversos lugares da Fenda do Biquíni, como um presídio, uma região distante na qual a protagonista deverá fazer uma entrega, a praia, o Siri Cascudo, uma sala de aula, as casas de cada personagem, etc.). Além disso, também é possível neste caso transformar visualmente suas personagens de forma radical, caso considere isso necessário. Voltando ao exemplo de “Bob Esponja Calça Quadrada”, há um episódio em que - desafiados por Sandy - Bob, Lula Molusco, Patrick e o Sr. Siriqueijo resolvem se aventurar em terra firme. Chegando lá, há uma gravação em live action de todos eles como “bonecos” ou objetos (Bob é representado por uma esponja de cozinha, Patrick, por uma estrela-do-mar seca etc.). Na mesma série, Bob, por vezes, também é animado com características diversas, literalmente derretendo-se de tanto chorar,
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ou explodindo em músculos de tanto levantar pesos. Isso seria difícil de conseguir em uma série em live action já que, nesse caso, o roteirista teria que contar com um trabalho de ator extremamente físico ou com efeitos especiais, mas em ambos, o efeito inverossímil seria muito maior do que em uma série de animação. Podemos afirmar que a animação, seja qual for seu gênero, suporte ou propósito, é uma manifestação artística que busca a verdade nas formas extremas da artificialidade. Por conta disso, consegue desenvolver certas situações sui generis e provocar determinadas reações no público que dificilmente seriam conseguidas de outra forma. É como se o fato de aparentemente não se posicionar próxima àquilo que as pessoas entendem por realidade permitisse à animação abordar as mais diversas questões de maneira “inofensiva” e “despretensiosa”. Com a “guarda baixa”, o público favorece a receptividade da animação e uma maior abertura na recepção e decodificação de sua mensagem. Muitas personagens animadas podem fazer e dizer coisas que não seriam aceitas, às vezes sequer imaginadas, por personagens humanas reais. A alegoria é, sem dúvida, um recurso poderoso não apenas na animação – conforme denotam a durabilidade e a universalidade das “Fábulas de Esopo”, por exemplo. Esta maneira própria que a animação tem de dizer algo sobre a natureza humana, sejam questões existenciais ou supérfluas, é um de seus grande trunfos. A possibilidade de se chegar a novos e desconhecidos lugares ou de se mudar a maneira de enxergar algo ultrapassa o desígnio primário da animação de “dar vida a algo ou alguma coisa”. A animação deve, portanto, acrescentar algo intrínseco à própria narrativa, de uma forma que o live action não possa fazer, e essa questão deve estar clara para o autor o quanto antes no processo de elaboração do projeto. Em quarto lugar, derivado dos itens anteriores: a série de animação costuma ser visualmente mais estimulante do que as séries em live action. A paleta de cores, as características físicas e psicológicas das personagens, os cenários – tudo em uma animação pode ser criado de novas e variadas formas, sem dialogar proximamente com aquilo que se considera ser a realidade imediata. Quando trabalhamos com atores ou com locações reais, ainda que contando com efeitos especiais (mecânicos, ópticos ou de pós-produção) e com maquiagem, haverá sempre referências claras de comparação para o espectador. Assim, a Londres de Harry Potter, mesmo transfigurada, faz com que o público compare o cenário mostrado no filme com as imagens da cidade inglesa que têm registradas em sua mente; e Cameron Diaz, quando escalada para um papel, pode suscitar para o espectador, mesmo involuntariamente, a imagem que ele tem dessa atriz, baseando-se nos papeis que ela já incorporou anteriormente. Com a animação, podemos estimular a percepção e a imaginação daqueles que a criam e que a assistem de forma muito mais livre do que nas outras formas de produção audiovisual, contanto que não cedamos à acomodação e à reprodução de coisas já vistas e testadas. É preciso lembrar que, em uma série de animação, fazer uma mulher dar banho em seu cachorro pode exigir tantas horas de trabalho do animador quantas seriam necessárias para fazer um alienígena banhar uma morsa intergaláctica. Ou seja, em termos de complexidade para sua realização, ambas as situações são hipoteticamente equivalentes numa série animada. Por conta da importância e do grande nível de detalhamento em que as ações e ambientes são apresentados, o tamanho médio de um roteiro para animação pode ser até duas vezes maior do que um em live-action. Se em um roteiro com ações gravadas (ou filmadas) ao vivo
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com atores reais costuma-se ter uma média de um minuto por página de roteiro, em animação essa média pode ser de cerca de uma página e meia ou duas por minuto de roteiro animado. Claro que projetos diferentes possuem demandas e dinâmicas de produção diferentes. Em determinadas produções, a autoria pode ser descaracterizada por censuras ou intervenções excessivas de produtores e executivos nos processos criativos – normalmente, com o objetivo de tornar a série mais “palatável” e aumentar sua audiência. Em outros casos, a marca autoral pode ser considerada um fator distintivo fundamental e, então, é dada plena liberdade criativa ao autor. Infelizmente, não há como antecipar qual será o caso de cada projeto e as decisões a serem tomadas em relação a isso dependem de um conjunto de fatores, que cada autor deve considerar. Da mesma forma, a metodologia de criação de um projeto de série de animação pode sofrer alterações de acordo com cada projeto. Certos autores talvez prefiram criar primeiro personagens para, depois, pensar no universo narrativo, enquanto outros fazem exatamente o contrário. Outros, ainda, podem pensar primeiro em uma história para, depois, definir todo o resto, ou mesmo, utilizar outros métodos de criação. Em qualquer dos casos, é importante que haja sempre liberdade criativa e seriedade profissional. Em “Os Simpsons”, por exemplo, há uma imersão anual, na qual uma equipe rotativa de 16 roteiristas se reúne para fechar todos os roteiros de uma temporada. A dinâmica consiste na seleção das melhores sinopses técnicas escritas entre eles, a partir das quais serão realizadas as primeiras versões de roteiros e os tratamentos de roteiro dos episódios de toda a temporada. Já em outras séries, como “Bob Esponja Calça Quadrada”, a estrutura narrativa passou, a partir da experiência acumulada da equipe na série, a ser definida diretamente no storyboard. Desta maneira, não há a necessidade de se passar por um roteiro escrito, o que proporciona economia de tempo e um tipo de raciocínio audiovisual específico, no qual o pensamento e as ideias são transmitidos diretamente por meio de sons e imagens, sem passar necessariamente por palavras em uma folha de papel ou tela de computador. No próximo capítulo, veremos exatamente como o storyboard desenvolve uma primeira decupagem do roteiro em termos de sons e imagens. A partir dessa nova etapa, é possível ter uma noção mais completa da integração entre forma e conteúdo de uma série, bem como definir e aperfeiçoar aspectos técnicos como ritmo, ângulos, plano e movimentação de câmera, rumo ao início do processo de animação em si.
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3.8 storyboard
3.8 Storyboard A origem do storyboard remete a meados da primeira década do século XX, quando Gregory LaCava desenvolveu uma série de desenhos em miniatura (thumbnails), dispostos sequêncialmente como uma grande tira em quadrinhos, para a pré-produção das animações que dirigia para a Hearst´s International Film Service Studios. Neste primeiro modelo de storyboard, LaCava marcava as cenas cortadas, anotava a duração aproximada de cada plano e organizava a sequência correta dos planos da animação – muitas vezes recortando e colando diretamente os desenhos miniaturizados em uma nova folha de papel. Apesar de não haver qualquer registro ou evidência, acredita-se que LaCava tenha descoberto essa técnica alguns anos antes no Raoul Barre Studio, onde havia sido treinado. Também é possível especular sobre uma provável influência das tiras de quadrinhos, que começaram a ser publicadas em praticamente todos os jornais da época. No final da década de 20, Webb Smith, animador dos Estúdios Walt Disney, aperfeiçoou a técnica original de LaCava e utilizou esboços visuais narrativos em trechos de alguns curtas do estúdio, como “Plane Crazy” e “Steamboat Willie”. O advento do som nos filmes de animação tornou os processos técnicos e criativos de produção mais complexos, uma vez que era preciso pensar não apenas na dinâmica visual da história, mas também em sua sincronização com os elementos da linguagem sonora e musical. No início da década seguinte, Smith sugeriu aumentar o tamanho de cada quadro desenhado, utilizando uma folha de papel para cada desenho realizado, ao invés de diversos desenhos miniaturizados em forma de tirinha. Smith também sugeriu pendurar cada desenho sequêncialmente em grandes painéis de cortiça, nos quais se tornaria mais simples adicionar ou remover as folhas com os desenhos. Também permitiria dessa maneira que os artistas de storyboard pudessem acompanhar o fluxo visual de toda uma sequência de uma só vez, em escala maior de tamanho, um pouco mais próxima a de uma tela de aparelho de televisão. O aperfeiçoamento do storyboard promovido por Smith foi fundamental para a realização de “Branca de Neve e os Sete Anões” (1937), o primeiro longa-metragem em animação produzido
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pelos Estúdios Disney. Em pouco tempo, os estúdios de animação passaram a utilizar o storyboard em todas as suas produções e, a partir do final da década de 20, já havia menções de artistas de storyboard nos créditos das animações. Com o passar do tempo, novas colaborações foram feitas ao uso do storyboard, como a metodologia adotada pela Warner Bros., na qual uma primeira versão mais rascunhada era previamente aprovada pelo diretor antes de ser finalizada em uma versão de trabalho. Os diálogos eram adicionados posteriormente, de maneira que a ação sempre pudesse conduzir as falas, e não o contrário. Durante a chamada Era de Ouro dos desenhos animados norte-americanos, muitos estúdios passaram a trabalhar a narrativa diretamente em seus storyboards, sem passar previamente pelo roteiro. Além de economizar tempo e dinheiro, tratava-se de uma questão de pensar diretamente em termos de sons e imagens – o que pode ser bastante útil em situações de maior apelo visual, como acontece em muitas gags, por exemplo. Atualmente, como vimos no final do capítulo anterior, há séries que trabalham das duas maneiras: com e sem a elaboração de um roteiro prévio. O storyboard pode ser entendido, portanto, como a representação visual da narrativa, exibindo uma sucessão de imagens, de modo a proporcionar uma pré-visualização da animação. Sua criação é resultado de um processo de decupagem do roteiro e permite visualizar melhor a história por meio de uma perspectiva ilustrada sequêncial e não apenas por meio de palavras escritas, como acontece no roteiro. Neste caso, vale o ditado popular: “uma imagem vale mais do que mil palavras”. Da mesma forma que um argumento não é igual a um conto, o storyboard não deve ser entendido como sinônimo de HQ, nem vice-versa. Apesar de possuir algumas semelhanças com a história em quadrinhos e de provavelmente ter sido influenciado por esta, o storyboard deve ser entendido como um processo próprio e distinto, que foi sendo aperfeiçoado com o passar do tempo. Atualmente, a criação e o uso de storyboards na produção de uma animação são considerados indispensáveis. A utilização do storyboard durante a pré-produção de uma animação possui algumas funções e objetivos primordiais. Em primeiro lugar, permite uma definição estética da linguagem da animação, com a composição dos planos por meio da escolha de enquadramentos, movimentos de câmera, efeitos, trilha sonora, movimentação de personagens etc. Destarte, a forma deve trabalhar a favor do conteúdo, valorizando sempre suas necessidades dramáticas. Em uma sequência de um episódio cujo sentido seja enfatizar a superioridade ou grandiosidade de determinada personagem, por exemplo, o uso de uma câmera baixa (que mostra a personagem em uma angulação de baixo para cima) pode passar muito melhor essa ideia do que o uso de uma câmera plana – cujo sentido normalmente remete à noção de igualdade. Permite, portanto, testar algumas funcionalidades da narrativa, como a continuidade, o acting das personagens e o timing das ações, por exemplo. A decupagem da história em uma sequência de desenhos deve atentar não apenas para a clareza da mensagem, mas também à intencionalidade e aos sentidos por trás de cada plano, de maneira a não estimular uma eventual gratuidade das ações e a enfatizar aquilo que efetivamente for desejado pelo autor.
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O storyboard serve ainda como importante ferramenta de comunicação do diretor com a equipe de produção. Devemos considerar que uma série de animação costuma envolver um número elevado de profissionais com as mais diferentes especializações e que uma comunicação eficiente é fundamental para o sucesso do trabalho em equipe. Por isso, os storyboards costumam ficar fixados em uma sala comum para que todos tenham fácil acesso ao mesmo material.
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Um mapa de cena, ou planta baixa da locação, pode facilitar o entendimento da movimentação das personagens e posicionamento das câmeras para composição dos planos, diminuindo a possibilidade de erros de continuidade, de eixo de ação e outras regras do audiovisual
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Por ser desenhado e, de certa maneira, se aproximar mais da animação do que do roteiro escrito, o storyboard possibilita um melhor dimensionamento do projeto da série, considerando seus problemas e desafios. Dessa maneira, acaba facilitando a busca por soluções práticas e inventivas que poderão ser incorporadas à animação. Por exemplo: a partir uma cena que envolvesse uma multidão em movimento, o artista de storyboard, a partir da necessidade efetiva de realizar essa cena, poderia pensar em diferentes formas de viabilizá-la. Assim, a multidão poderia ser representada de maneira desfocada, por meio de um borrão disforme ou ainda simplesmente por meio de sons ao fundo, desde que essas propostas dialogassem com o próprio conceito da série. Um artista de storyboard deve, assim, pensar sempre em termos da estruturação narrativa do episódio (contar a história), da intencionalidade ou objetivo das ações de acordo com os conceitos e premissas da série (não gratuidade) e da articulação forma-conteúdo a fim de se explorar o máximo possível os recursos disponíveis (linguagem e estética). Para tanto, deve também obedecer a determinadas regras caras ao audiovisual, como a continuidade, por exemplo. Para que o artista de storyboard possa desenvolver ao máximo as potencialidades dessa etapa, é fundamental que conheça e domine questões diversas, como composição de imagem, enquadramento, movimentos de câmera, acting (poses, gestos e expressões), timing, paisagem sonora e linguagem musical. Por possuir essa experiência, muitas vezes, animadores são escolhidos para realizar storyboards ao invés de ilustradores que, apesar do domínio da técnica do desenho, não possuem necessariamente igual domínio em relação ao movimento e às especificidades da linguagem audiovisual. Antes de qualquer coisa, a realização de um storyboard deve obedecer a uma regra básica: é preciso que ele possa ser entendido da mesma forma por diferentes pessoas. Não deve existir qualquer equívoco sobre o quê, como e onde está se desenvolvendo a história. Ao se olhar para um desenho, não deve haver dúvida que se trata de uma representação da protagonista da série realizando determinada ação em certo ambiente, e não de outras coisas quaisquer. Atualmente, os storyboards costumam ser realizados de duas maneiras: tradigital e digital, variando em função do costume e da afinidade de cada artista. Na primeira maneira, o desenho é feito de maneira analógica em uma folha de papel, inicialmente com lápis azul não reprográfico e finalizado com caneta ou lápis de cor preta. Em seguida, o desenho é digitalizado por meio de um scanner. Na maioria dos casos, uma resolução entre 150 e 300 dpis é suficiente, dependendo do tamanho e do nível de detalhes da imagem. Uma dica nesse processo é escanear os desenhos finais em modo colorido, aumentar o contraste e só depois converter para escala de cinza (grayscale). Uma vez digitalizado, pode-se posteriormente ajustar alguns dos elementos do desenho, como a saturação, por exemplo, em um software de tratamento e manipulação de imagem. O método digital, por sua vez, consiste no desenho realizado diretamente em um suporte digital, como as tablets e Cintiqs, que dispensam o processo de escaneamento da imagem. Por ser originalmente digital, a imagem costuma passar pelos processos de ajustes e detalhamento durante seu próprio desenho. Boa parte dos animadores que começou a animar de maneira analógica prefere utilizar o primeiro método, enquanto o segundo, mais rápido, é preferido por animadores nativo-digitais. Cada desenho finalizado deve ser salvo em um único arquivo digital
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e nomeado com o padrão “nomedoarquivo_0001”. A numeração no final do nome do arquivo deve ser respeitada de acordo com a própria ordem dos planos da animação, de maneira que, ao final do trabalho, todos os desenhos realizados possam ser ordenados na sequência correta do próprio storyboard. Independentemente do método utilizado (tradigital ou digital), recomenda-se que cada desenho seja feito em uma folha inteira, em uma moldura de proporção 16:9 (1,78:1). Esta proporção corresponde ao aspect ratio dos atuais aparelhos de televisão de alta definição (HDTV), mais retangular que a dos antigos monitores, de 4:3 (1,33:1) e mais próxima à proporção de boa parte das telas de cinema (1,85:1). Apesar do guia de campo (field guide) ser utilizado apenas na produção da animação em si, é importante que os quadros desenhados no storyboard possuam, para melhor composição dos planos, proporção semelhante àquela que terão posteriormente na tela. Em relação ao acabamento e sua utilização, os storyboards podem ser divididos em três categorias: rascunho, trabalho e apresentação. Storyboards de rascunho são realizados em forma de thumbnails, de forma rápida, com desenhos com menos detalhes e menor acabamento. Em alguns casos, inclusive, são esboçados nas margens das páginas de um roteiro impresso, em papéis de rascunho para rápido registro de uma ideia ou em folhas com diagramação livre, geralmente acompanhadas de rabiscos, anotações e observações feitas à mão. O storyboard de trabalho corresponde à versão utilizada no cotidiano do estúdio e apresenta mais detalhes e informações que a versão de rascunho. Por isso mesmo, costuma sofrer diversas alterações, normalmente sugeridas pelo diretor, até o início do processo da
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animação em si. Uma versão portátil do storyboard costuma ser feita, na qual cada folha desenhada é reduzida e normalmente disposta ao lado ou abaixo de outras duas em uma mesma página. Dessa maneira, cada página é composta por três (podendo chegar até a seis) linhas ou colunas nas quais, além dos desenhos, podemos observar um cabeçalho, indicações de ações e ambiente e descrições do áudio (diálogos, paisagem sonora, efeitos ou música), sempre referentes ao quadro de sua coluna. Cada desenho de um storyboard corresponde a um quadro (panel) de um plano (shot) de uma cena (scene), devidamente indicado no cabeçalho de cada desenho – geralmente pouco acima da moldura. Conforme definimos anteriormente, uma cena corresponde a uma unidade dramática específica unitária e contínua dentro de uma história. Ainda que seja possível contar uma história com uma única cena, normalmente os episódios de uma série de animação são compostos por algumas cenas distintas. Os planos, por sua vez, podem ser brevemente definidos pelo “corte” da câmera; cada vez que a câmera corta de seu enquadramento para outro, temos a mudança de um plano. Embora seja possível fazer uma cena e até mesmo um episódio inteiro com um único plano (por meio de câmera estática ou de um grande plano sequência), as cenas costumam utilizar diversos planos. Por exemplo: a cena de uma família jantando pode ser mostrada por meio de uma sucessão de planos intercalados dos rostos das pessoas, de detalhes de objetos de cena, ações e enquadramentos mais abertos de conjunto. A quantidade e a duração de cada plano é resultado de uma escolha estilística do diretor: normalmente uma grande quantidade de cortes passa maior dinamismo, enquanto planos mais lentos passam a ideia de calma e tranquilidade. Finalmente os quadros representam os momentos principais de um mesmo plano. Em um plano com uma personagem falando, movimentando apenas a boca, um único quadro para representar este momento no storyboard é suficiente. Já em uma situação que apresente no mesmo plano uma personagem atravessando uma rua, tropeçando em uma pedra, caindo e batendo a cabeça no meio-fio antes de desmaiar, é preciso utilizar cerca de sete quadros distintos do mesmo plano para representar os diferentes momentos dessa ação. Neste exemplo, poder-se-ia pensar na seguinte sequência de sete quadros para um mesmo plano de uma mesma cena: personagem andando pela rua, com a pedra do outro lado da rua; personagem alguns passos mais à frente, no meio da rua, com a pedra na mesma posição; personagem no final da rua, próxima à pedra; personagem tropeçando na pedra; personagem desequilibrada com o corpo na diagonal em queda; personagem com o corpo tombado na vertical batendo a cabeça no meio-fio; personagem deitada no chão da rua desmaiada, com o corpo imóvel. Nos exemplos anteriores, da fala e da queda, o segundo caso exigiria uma quantidade muito maior de desenhos para representar todos os seus momentos principais – de modo semelhante à definição dos key frames de um movimento no processo de animação. Assim, planos com uma mesma duração de tempo podem ter diferentes quantidades de desenhos de quadros. Quanto mais ações houver ou mais detalhadas elas forem, em um plano, maior será a quantidade necessária de quadros desenhados no storyboard.
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O uso de softwares de tratamento e composição de imagens facilitou o processo de desenho dos quadros de um plano em um storyboard. Elementos que permaneçam estáticos em uma mesma posição não precisam ser redesenhados a cada novo quadro – como no processo do uso do acetato, que vimos anteriormente. Dessa maneira, artistas de storyboard utilizam diferentes camadas (layers) e desenham novamente ou reposicionam apenas aquilo que se movimenta nos diferentes quadros de um plano. Sendo assim, um episódio de 11 minutos pode ter mais de 600 desenhos em seu storyboard, dependendo da demanda do nível de detalhamento dos planos do episódio. Apesar do volume e de parecer muito trabalhoso, em princípio, nesse caso, quanto mais desenhos houver, melhor. No exemplo da personagem que tropeça na pedra, a rua e a pedra não precisariam ser redesenhadas a cada novo quadro, bastando repetir a mesma camada do primeiro desenho nos demais. A camada contendo o desenho da personagem poderia ser deslocada um pouco mais a frente, eventualmente alternando um pouco a posição das pernas, de maneira a parecer que a personagem estaria se deslocando, no meio e, no quadro seguinte, no final da rua. Para os demais quadros (tropeço, queda, batida de cabeça e desmaio), seria necessário o desenho da personagem nas respectivas poses e posições, podendo-se manter inalteradas as camadas com os cenários originais do plano. O artista de storyboard deve ter acesso, além do roteiro, à maior quantidade de materiais possíveis sobre a série, como o conceito da série, descrição do universo, model sheets e concept arts. Da mesma forma, deve manter diálogo constante com o diretor da série, a fim de tornar mais ágil o processo e garantir que tenha a melhor qualidade possível. Caso alguma parte da trilha, sonoplastia ou dublagem esteja pronta antes ou durante a realização do storyboard, também pode ser disponibilizada para auxiliar o trabalho desse profissional. Depois de revisado e finalizado, o storyboard de trabalho costuma ser organizado, como vimos, em uma versão portátil (impressa e/ou digital), com desenhos reduzidos, para consulta rápida e disponível em qualquer lugar. Já a fixação dos desenhos em tamanho original em uma grande parede ocupa, em alguns casos, todas as paredes de uma sala e só está disponível naquele espaço. Nessa versão presencial, com desenhos fixados na parede, pode acontecer uma nova etapa nesse processo, na qual é realizada uma espécie de apresentação ou interpretação em tempo real (com o artista de storyboard), como uma dramatização ao vivo de cada quadro desenhado no storyboard. Dessa maneira, o diretor consegue ter outra percepção do trabalho realizado até então e eventualmente sugere novos ajustes e mudanças no storyboard. Diferentemente do live action, a animação não possui flexibilidade para se refazer cenas ou experimentar novos planos e interpretações durante a sua realização. Isso significaria, em uma animação, um grande desperdício de tempo e de recursos para produção de materiais alternativos que, ao final, não seriam aproveitados. Salvo casos de tela dividida (split) ou de recursos como máscaras e picture in picture, apenas um plano é utilizado de cada vez em um audiovisual, dispensando-se as opções não escolhidas. Daí, a importância do storyboard e a possibilidade de se conseguir antever a própria animação em seus desenhos. Apesar de ser sempre utilizado nas animações, o storyboard também costuma ser utilizado em outros produtos audiovisuais, como comerciais, videoclipes e mesmo em alguns filmes
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em live action. Isso ocorre principalmente em filmes que exigem rígida marcação de cena para posterior composição com efeitos digitais, ou em casos de diretores que exploram certo preciosismo na fotografia. O mestre do suspense, Alfred Hitchcock, por exemplo, era conhecido por não iniciar as filmagens antes de ter definido o storyboard de todas as suas cenas. Em alguns casos excepcionais, o storyboard de trabalho pode ser complementado pelo storyboard de apresentação, destinado, como o próprio nome sugere, para a apresentação junto a alguém que não pertença à equipe técnica da animação. Nessa versão, o storyboard é ainda mais desenvolvido e seu acabamento deve ser o mais próximo possível ao próprio acabamento final da animação. Uma de suas utilizações mais comuns ocorre no mercado publicitário, quando uma agência ou cliente não conseguem visualizar no storyboard de trabalho (muito menos no de rascunho) a animação final. Nesse caso, os desenhos são limpos (clean up), retocados, pintados (storyboards de trabalho normalmente são feitos em branco e preto) e finalizados com aparência semelhante à da própria animação. Quando necessário, revela-se um processo bastante trabalhoso e demorado, por isso sua prática costuma se restringir ao universo da publicidade. Nas séries de animação, produtores e executivos, mesmo que não dominem a técnica da animação em si, estão familiarizados com seu meio e conseguem entender o storyboard de trabalho de maneira semelhante ao diretor, sobretudo se ele vier acompanhado de outros materiais visuais mais finalizados. O storyboard é considerado indispensável em uma animação, não apenas por conta dos fatores aqui elencados, mas também porque representa uma maneira de se produzir qualitativa e quantitativamente mais. Quanto mais desenvolvido for o storyboard, melhor, mais rápido e mais barato será a próxima etapa de desenvolvimento rumo à animação, o animatic. Também conhecido por leica reel e story reel, o animatic consiste em uma espécie de versão audiovisual do storyboard. Cada quadro desenhado permanece exibido pelo tempo predeterminado de sua duração em tela cheia até ser substituído pelo desenho seguinte e assim por diante. Apesar de apresentar uma sequência de imagens ligeiramente diferente uma das outras, o animatic ainda não possui o acabamento e a fluidez de movimento de uma animação finalizada. De toda forma, permite uma visualização mais dinâmica dos planos, já acompanhada do áudio da animação devidamente sincronizado. Animatics podem ser simples (video storyboard) como uma sequência de slides ou mais sofisticados (high-end), semelhantes a uma animação limitada, com algum movimento de câmera, deslocamento de personagens e objetos, transições e efeitos simples de vídeo. Independentemente de seu nível final de acabamento, devem sincronizar o áudio com a imagem apresentada. Para tanto, softwares de edição e pós-produção de vídeo são utilizados para gerar o arquivo audiovisual. O animatic gerado é utilizado como uma espécie de arquivo guia para o desenvolvimento da animação em si. À medida que cada plano do animatic começa a ser animado, atualiza-se esse arquivo guia com os novos planos em diferentes estágios de animação. Conforme é atualizado, com planos mais ou menos finalizados, o animatic se transforma naquilo que é conhecido como rough cut. O rough cut em animação, diferentemente do live action, é entendido como uma
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evolução do animatic e é composto, portanto, por uma sucessão de planos sonorizados em diferentes estágios de desenvolvimento da animação. Quando o rough cut estiver totalmente atualizado com todos os planos devidamente animados passa a dar lugar à animação propriamente dita. A animação, por sua vez, geralmente passará ainda por processos de composição, pós-produção e finalização de som e imagem antes de ser entregue para exibição. Com essa abordagem final sobre o storyboard e a importância de seu desenvolvimento para as etapas seguintes de produção, terminamos o último item da apresentação de uma bíblia de produção de série de animação. Veremos a seguir alguns outros itens que acabam se aproximando mais dos aspectos de comercialização e produção de uma série de animação. Apesar de extrapolar a dimensão narrativa e dramatúrgica que propomos abordar neste livro, acreditamos ser importante que o leitor possua, ao menos, alguma noção destes outros fatores como forma de melhor visualizar e conceber, passo a passo, seu projeto de maneira planejada e integrada.
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Outros elementos e aspectos a considerar
3.9 Outros Elementos e Aspectos a Considerar A metodologia de projeto de série de animação presente neste livro costuma ser compilada e apresentada em um documento próprio, conhecido no mercado como “bíblia de produção” (production bible). Mas além desse documento específico, é preciso que o autor tenha conhecimento de novas etapas que poderão ser desenvolvidas futuramente. Neste sentido, outro material de grande importância para quem pretende apresentar um projeto é a chamada “bíblia” (bible), cujo foco está mais voltado à comercialização do projeto de uma série de animação do que à sua produção. Esse documento é apresentado em uma versão mais enxuta do que a bíblia de produção. Assim, não se deve assumir que quanto mais, melhor. A bíblia de comercialização possui textos resumidos contendo a apresentação geral da série, descrição das personagens principais, sinopses técnicas de cerca de cinco episódios, a arte da série (cenários, objetos de cena, logo etc.) e o contato dos responsáveis. Trata-se de um primeiro documento, que é apresentado pelo autor e/ou produtor proponente da série para produtores e executivos de estúdios interessados na realização do projeto. Essa apresentação costuma acontecer em eventos internacionais destinados para esse tipo de encontro, como KidScreen e MIPCOM. O caráter enxuto da bíblia se deve ao fato de, nesses eventos, existirem interesses prévios variados, como temática e público-alvo, que limitam o escopo dos executivos, obrigando-os a uma filtragem dos projetos que irão se propor a analisar. O fato de alguém não se interessar por um projeto não significa necessariamente que o projeto não esteja bom, mas que apenas não se encaixa no tipo específico de produção que estava sendo buscada. Além disso, é preciso considerar que nesses eventos existem muitos projetos apresentados, o que aumenta a concorrência e restringe o tempo de contato entre aqueles que querem vender e aqueles que querem viabilizar a realização de uma série de animação para televisão. A bíblia serve, ainda, como documento de referência para a breve apresentação presencial (normalmente com duração entre cinco a dez minutos) realizada in loco. Essa apresentação,
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essencialmente oral, é conhecida como pitch. E esse é um momento importante para convencer alguém interessado em seu projeto que ele realmente vale a pena. O uso de recursos extras, como pequenos trechos animados ou um teste de animação, música tema, abertura da série e bonecos das personagens podem ser utilizados, mas, diante do projeto em si, acabam tendo papel secundário. O comércio faz parte da cultura humana desde tempos imemoráveis e normalmente esta é uma parte que não costuma agradar autores e profissionais criativos. Seria ótimo se todos, assim como o próprio autor, tivessem a mesma avaliação de seu projeto. Entretanto, para que o projeto possa ser realizado, de fato, é preciso antes que seja comercializado para viabilizar sua produção – caso contrário continuará sendo “apenas” mais um projeto. É importante que o pitch seja feito pelo próprio autor ou produtor da série, pois são pessoas que a conhecem suficientemente bem para apresentá-la e para responder a quaisquer dúvidas que possam surgir. Nesse momento, pressupõe-se que a pessoa responsável pela apresentação acredite e saiba por que o projeto é bom e quais são os diferenciais qualitativos significativos que o distingue dos demais. É importante lembrar que a principal qualidade de um bom pitch está na capacidade de conseguir o que o proponente deseja. Em outras palavras, conseguir fazer um negócio é uma parte deste objetivo; a outra é que este negócio mantenha aquilo que o autor do projeto quer. É fundamental, portanto, estar atualizado quanto às tendências do mercado e conseguir se imaginar “do outro lado”. Um projeto é avaliado não apenas por sua inventividade e criatividade, mas também por sua viabilidade e propósitos. A primeira coisa a se fazer sobre o pitch é buscar formas de conseguir efetivamente fazêlo. É possível, embora bastante raro, realizar um pitch diretamente no escritório de uma empresa desejada, mediante contato e agendamento prévio. Entretanto, a forma mais comum é por meio de apresentações em eventos especializados. Pressupõe-se, é claro, que todo e qualquer projeto que for apresentado esteja não apenas bem acabado, como também em suas melhores condições de desenvolvimento. Mais importante do que ter pressa em apresentar, é causar uma boa impressão pela qualidade final do projeto. Em um pitch vale o ditado: “a primeira impressão é a que fica”. É desejável que a pessoa que irá apresentar o projeto seja reconhecida no meio – o que normalmente é conseguido após algum tempo de atuação profissional na área. Por isso, representantes de projetos de séries costumam participar ativamente de eventos do setor, expandindo gradativamente seu networking e visibilidade. Além da participação em si, é igualmente importante que esta pessoa seja reconhecida no mercado como um profissional sério e organizado. Estando bem representado, as portas se abrirão mais facilmente. Ao conseguir alguém para escutar e avaliar seu projeto, é preciso estar preparado. O pitch envolve dinâmicas diversas relacionadas à apresentação de ideias e de estratégias de venda. Conhecer em extensão e profundidade o mercado de séries de animação é fundamental para fazer um diagnóstico preciso e elaborar as melhores táticas para o desenvolvimento e a apresentação de um projeto. É importante que o proponente seja, portanto, um especialista não apenas no projeto apresentado, mas também na leitura da conjuntura em que se insere esse projeto.
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Por mais que possa parecer clichê, demonstrar confiança e paixão pelo projeto também é fundamental. Se o próprio proponente não estiver entusiasmado com o projeto, dificilmente transmitirá essa sensação de envolvimento e comprometimento para o avaliador. Esse sentimento otimista e apaixonado pelo projeto é tão natural que não pode tentar ser simulado pelo proponente, pelo contrário, sua espontaneidade pode inclusive ser contagiante. Em um pitch, todo o trabalho realizado em um projeto, às vezes de anos de desenvolvimento, é colocado à prova, “cara a cara” com alguém, em alguns poucos minutos. Essa carga concentrada acaba fazendo com que detalhes aparentemente pequenos possam fazer a diferença, desde coisas óbvias, como ser pontual, educado e saber se comunicar, até outras mais sutis, como inspirar confiança e usar corretamente determinadas palavras e respostas. Às vezes, a diferença entre o sucesso ou fracasso de um pitch está justamente em um desses detalhes aparentemente pequenos. Ao apresentar uma personagem jovem, deve-se evitar, por exemplo, apresentar seu perfil como “alguém que não gosta de seguir a moda, nem de ser igual a outros jovens”. Mesmo fazendo parte do perfil psicológico da personagem, esse traço da personalidade não pode ser apresentado desta forma, uma vez que esses valores negativos (“não gosta”, “não é”) podem ser interpretados como futura dificuldade para conseguir anunciantes e patrocinadores. Não é preciso mudar o projeto e a característica da personagem para reverter esta impressão. Pode-se apresentar essas mesmas características por um ponto de vista mais positivo, valorativo: uma personagem com ideias próprias e personalidade forte – o que tende, por sua vez, a agregar valor para futuros anunciantes. Observem
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que, em ambos os casos o projeto da série é exatamente o mesmo, a única mudança foi a maneira como foi apresentado. A diferença entre o “sim” e o “não” para um projeto pode estar em detalhes aparentemente pequenos como esse. Destarte, é importante não perder de horizonte a perspectiva do avaliador durante a organização e planejamento de um pitch. É ele quem deve, em primeiro lugar, entender o projeto, para depois tentar compreendê-lo, visualizá-lo e, quem sabe, se interessar por sua realização. Assim como os episódios de uma série, também o pitch é uma experiência para “um outro” e por isso deve passar por etapas de planejamento, organização e possuir alguma espécie de roteiro base para o momento da apresentação. Normalmente, a fala do pitch em si começa com uma breve saudação e a apresentação profissional do proponente. É importante nesse momento que o apresentador responsável pelo projeto saiba exatamente qual sua função na produção da série, evitando a todo custo assumir o papel do “faz-tudo” ou aquele que faz “um pouco de cada coisa”. Este roteiro de apresentação deve ter como público-alvo o avaliador do projeto e, não, o próprio apresentador, tornando, portanto, a apresentação a mais clara e objetiva possível, abordando obrigatoriamente os aspectos centrais da série e seus diferenciais qualitativos. Ensaios são recomendáveis e podem ser realizados inúmeras vezes, com diferentes pessoas dispostas a colaborar, a fim de simular eventuais situações que possam ocorrer posteriormente. Quanto mais rigorosas forem estas simulações e quanto mais vezes elas forem realizadas, melhor preparado o pitch estará. Conversar com pessoas que normalmente você não conversaria sobre o seu projeto também pode ajudar. Pessoas com atuação profissional ligada à parte executiva, ainda que não na área de animação, pequenas amostras de seu público-alvo, assim como quaisquer outras pessoas para quem se puder mostrar o projeto, podem levantar questões diversas, algumas dessas talvez bastante relevantes. Todavia, como podemos imaginar, por mais preparado que se esteja no momento de sua realização, esse roteiro de apresentação está sujeito a mudanças: uma pergunta inesperada pode interromper a fala e a linha de raciocínio adotada pelo apresentador, fazendo com que o pitch tome um rumo diferente daquele incialmente imaginado. Por isso, além dos ensaios, é preciso que o proponente conheça todos os detalhes do projeto para que tenha respostas assertivas e imediatas sempre que forem solicitadas. Da mesma forma, esse domínio permitirá certos improvisos e variações na apresentação, respeitado os objetivos do pitch e as características da série. Para tanto é preciso que o apresentador faça a “lição de casa”, se preparando o melhor possível e respondendo algumas perguntas fundamentais: para quem será feito o pitch? Quais são as características desse possível parceiro? O que ele procura? Que tipos de projetos ele costuma realizar? Também é importante se imaginar do outro lado e tentar antecipar perguntas que provavelmente serão feitas para o apresentador: o que se deve saber sobre este projeto? Por que deveria financiá-lo? Quais são seus diferenciais em relação aos demais projetos? O que ele agregará à minha empresa?
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Nesta preparação prévia, pode-se aplicar método semelhante ao da análise S.W.O.T., que permite fazer um exame abrangente do contexto como instrumento para a gestão e elaboração de ferramentas estratégicas. Esta análise leva em conta as dimensões internas e externas de um projeto, que podem ajudar - forças (strengths) e oportunidades (opportunities)-, ou atrapalhar - fraquezas (weaknesses) e ameaças (threats) - a conquista de um objetivo. Em relação ao comportamento do apresentador, é importante que ele possua um nível relativo de calma, suficiente para que não seja atrapalhado pela ansiedade, tampouco relaxe demais e se esqueça de dar o tônus necessário à sua fala. Da mesma forma que a animação procura dar vida e criar uma alma para suas personagens e histórias, o pitch deve fazer o mesmo em relação ao projeto de uma série de animação. O próprio tom do pitch pode mimetizar o tom da série: se a série tiver humor, o pitch pode ser um pouco mais descontraído e informal - desde que não deixe de abordar todos os itens fundamentais do projeto. O apresentador deve atentar ainda às reações do avaliador para eventuais ajustes durante o próprio pitch. Precisa escutar com atenção e entender, sem qualquer tipo de dúvida, tudo o que for dito pela pessoa que estiver do outro lado. Também não deve hesitar em responder qualquer questão, da mesma forma que pode fazer eventuais perguntas para se certificar que a apresentação esteja eficiente ou mesmo para melhorá-la para novas oportunidades. Para começar a participar de eventos buscando a viabilização de uma série, é recomendável possuir cerca de três projetos distintos, todos com a mesma qualidade de desenvolvimento. A possibilidade de oferecer projetos com diferentes características, conceitos e até mesmo públicosalvo permite a ampliação da oferta de propostas e consequentemente o escopo de avaliadores potencialmente interessados e a própria possibilidade de sucesso comercial do pitch. Também se revela cada vez mais importante diante das gerações nativas-digitais pensar em termos de transmídia, isto é, em maneiras pelas quais o universo desenvolvido possa existir simultaneamente e de forma integrada em diferentes plataformas e mídias. Assim, depois de assistir a um episódio na televisão, por exemplo, o público pode continuar acompanhando o universo da série por diversas outras formas, como jogos digitais, website, livros, quadrinhos, peças de teatro e licenciamento de produtos diversos. Tanto na bíblia de comercialização quanto na de produção, assim como em qualquer outro material de apresentação a ser entregue, é preciso que as informações apresentadas possam estar acompanhadas de um projeto gráfico elaborado, que valorize sua própria apresentação. A fim de se obter melhor resultado, é recomendável trabalhar com um designer gráfico experiente, capaz de pensar no formato da peça gráfica e/ou digital, na escolha ou criação tipográfica para os diferentes tipos de texto, na disposição dos diversos elementos na página, em eventuais grafismos e intervenções e na impressão e acabamento final da peça. A arte deve procurar sempre passar alguma emoção e reproduzir formalmente o próprio tom da série. Ainda que de nada adiante uma boa apresentação sem conteúdo interessante, projetos com apresentação visualmente limitada costumam ser mal avaliados. Quem arriscaria investir em um projeto de série de animação que não consegue sequer desenvolver uma boa apresentação visual de seus materiais? Diferentemente do que pode acontecer em outras áreas, a arte e a diagramação de qualquer material em um projeto de série de animação representa, de
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certa forma, a própria animação como um todo, e não um mero esquema, ilustração ou preenchimento de espaços. Além disso, por meio de uma boa elaboração e apresentação desses materiais é possível inferir o esmero e envolvimento presentes por trás do projeto e a vontade de causar uma boa impressão para tentar viabilizar a produção da série. Por isso, podemos afirmar que essa seriedade destinada aos materiais é condição mínima inicial para que alguém possa olhar devidamente para um projeto de série de animação. A partir de um interesse nesse primeiro contato o proponente pode ser convidado para um novo encontro, no qual deverá apresentar de forma mais completa o seu projeto, normalmente por meio da bíblia de produção. É importante frisar aqui que os primeiros aceites do projeto ocorrem sempre a partir de uma avaliação dos aspectos narrativos e criativos da série. Diante de um interesse inicial, é assinado um contrato de opção de compra (option agreement), a partir do qual se demonstra o interesse do estúdio ou empresa no projeto e a obrigatoriedade do autor ou responsável pela série de parar de exibir o projeto para outras pessoas. Também costuma ser assinado um termo de confidencialidade (ou NDA – Non-Disclosure Agreement), assegurando que nenhuma informação sobre o projeto e o processo de comercialização da série seja divulgada – em alguns casos, o próprio contrato pode ser mantido em sigilo por meio deste termo. Apenas em um segundo momento é que são discutidos elementos relacionados à produção e à comercialização da série. Nesse momento posterior, aspectos sobre o desenho de produção (detalhes sobre a técnica de animação, infraestrutura e formação das equipes), cronograma, fluxograma de produção e orçamento são definidos entre as partes envolvidas.17 Também podem ser discutidos, dependendo da participação de cada parte envolvida, detalhes referentes ao plano de negócios, incluindo a parte de licenciamento e marketing (L&M plans). Nesses processos de negociações, alguma flexibilidade é necessária de ambas as partes para que haja um ajuste entre o lado criativo e o lado business da produção de uma série de animação. Entretanto, devemos lembrar que apenas uma pequena quantidade, entre todos os projetos apresentados, resultam em uma série de animação com temporadas regulares. Com isso, não pretendemos desanimar os autores, mas, ao contrário, estimulá-los a continuar sempre tentando. Boa parte das séries de animação exibidas ou em exibição passou por alguns ajustes e versões anteriores em seus projetos até serem finalmente escolhidas. Também não são raros os casos em que algumas séries de sucesso foram recusadas antes de serem aprovadas por outras pessoas. Da mesma forma, existem casos de aposta no projeto de determinadas séries que, entretanto, não chegaram a fazer o sucesso comercial projetado. Isto porque esse processo não é uma ciência exata e pode apresentar grandes equívocos. Cabe apenas ao responsável realizar uma autoavaliação de seu projeto de série, mesurar se é possível ajustá-lo e por quanto tempo se deve insistir nele antes de substituí-lo por um novo. Caso um projeto não seja rapidamente selecionado, o mais importante é não desistir e ter paciência e perseverança. Com o tempo, aumenta a experiência na elaboração e apresentação de projetos e, consequentemente, as chances de que um projeto venha a ser selecionado em um pitch. 17. O edital do ANIMATV disponibiliza arquivos anexos com instruções detalhadas para o preenchimento destes itens.
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Da mesma forma, é preciso cautela no caso de um pitch exitoso. O fato de um projeto ser escolhido e elogiado não deve gerar um entusiasmo capaz de deixar de lado a necessidade de se conhecer quem oferece a possibilidade de parceria e as condições oferecidas para sua realização. Além do desenvolvimento e da produção de uma série, outros aspectos podem colaborar para seu sucesso, como a distribuição, exibição e o licenciamento de produtos. Distribuição, exibição e licenciamento modestos certamente resultaram em menor projeção da série, independentemente de suas virtudes. Dada a distância existente entre o desenvolvimento do projeto e o público final de uma série de animação, é importante ter uma boa estrutura e “clima” para o trabalho em equipe, contando sempre com bons profissionais em todos os setores. Considerando o grande número de artistas e a diversidade dos profissionais envolvidos, conseguir trabalhar de maneira harmoniosa e produtiva se revela como um dos grandes desafios da produção de uma série de animação. Antes de tentar entrar nesse mercado, é preciso saber de seu alto nível de competividade e dos riscos envolvidos. Além de um bom projeto e apresentação, é fundamental possuir uma entrosada e profissional equipe de trabalho, além de estar devidamente preparado para essa jornada. Melhor do que conseguir produzir uma série de animação, é produzir várias. Desta maneira, encerramos este capítulo, que objetivou versar e refletir sobre os diversos elementos e aspectos envolvidos na dinâmica do desenvolvimento de um projeto de criação de uma série de animação. No próximo capítulo, abordaremos e analisaremos duas experiências realizadas no âmbito do Programa ANIMATV, as séries “Tromba Trem” e “Carrapatos e Catapultas”.
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4. Estudo de Caso Como vimos no segundo capítulo, o ANIMATV surge como o primeiro programa de fomento à produção e teledifusão de séries de animação brasileiras, uma iniciativa pioneira buscando o estímulo da indústria nacional de animação. Para tanto, o programa foi resultado de uma parceria inédita entre a Secretaria do Audiovisual (SAv) e a Secretaria de Políticas Culturais (SPC) do Ministério da Cultura (MinC), a Empresa Brasil de Comunicação - TV Brasil, a Fundação Padre Anchieta - TV Cultura, a Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais (ABEPEC), com o apoio da Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA). Esse estímulo foi concretizado pelo estabelecimento de um circuito de exibição de desenhos animados nacionais na televisão, pela motivação gerada nos estúdios de animação em produzir novos conteúdos e pela potencialização da inserção das séries selecionadas no mercado internacional. Os pilotos desenvolvidos foram ao ar pela TV Brasil, pela TV Cultura e por mais 20 emissoras de toda a rede de associadas à ABEPEC, a partir de 25 de janeiro de 2010, com reprises em diversos canais e horários, além de exibições em eventos diversos, como o Anima Mundi, por exemplo.18 Durante a veiculação na televisão, foi realizada uma votação popular na internet, na qual os projetos “Abílio e Traquitana” e “A Princesa do Coração Gelado” foram os mais bem votados. Além disso, dois projetos de série (“Tromba Trem” e “Carrapatos e Catapultas”) foram selecionados, entre os 17 exibidos, para o desenvolvimento de mais outros 12 episódios. O processo de escolha dessas duas séries aconteceu por meio de uma comissão própria de seleção, que levou em conta os seguintes critérios de avaliação: qualidade do piloto, qualidade da bíblia, relatório de desempenho da equipe ao longo da produção e os resultados das pesquisas de audiência e de grupos focais com o público-alvo de cada série. 18. Todos os episódios pilotos podem ser assistidos no site: www.tvcultura.com.br/animatv e www.tvbrasil.org.br/animatv
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Cada um desses itens foi devidamente avaliado pela comissão a partir de materiais elaborados previamente por diferentes agentes: a bíblia e o piloto foram realizados pelos próprios responsáveis pelos projetos selecionados, enquanto o relatório de desempenho foi feito pela Coordenação Executiva do ANIMATV, as pesquisas de audiência pelas emissoras TV Brasil e TV Cultura e a pesquisa de grupos focais pela Cultura Data. A Cultura Data é uma unidade de negócio especializada em pesquisas de comunicação, mercado e opinião pública, que foi responsável por elaborar testes qualitativos para os 17 pilotos das séries. Para tanto, foi utilizada a técnica de discussão em grupo, por meio de reuniões em salas com cerca de dez participantes dentro do perfil do público-alvo de cada série. Ao todo, foram 17 grupos de discussão, formados por 164 crianças e adolescentes espectadores de televisão - 87 meninos e 78 meninas - pertencentes à classe socioeconômica B2C, segundo classificação da ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa). Os encontros aconteceram em 2010, nas cidades de Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. O procedimento inicial consistia em uma moderação que procurou deixar os participantes à vontade, além de usar dinâmicas apropriadas, exercícios de atenção e técnicas projetivas, tais como figuras de estímulo, kit avaliação e conversas com o moderador. As figuras de estímulo expressaram sentimentos (de “muito” a “nenhum interesse”, em uma escala de cinco pontos), reações (de “não quero ver” a “me divirto”, em uma escala de quatro pontos) e entendimento (“entendi” x “não entendi”) em relação às animações exibidas. Por meio do kit avaliação, cada participante pôde colocar seu voto individual e secreto com cartões em uma urna. Essa pesquisa qualitativa teve como principal objetivo avaliar, da perspectiva do públicoalvo de cada episódio piloto, três aspectos principais: impacto, entendimento e personagens. O primeiro deles, impacto, foi mensurado por meio da observação de reações espontâneas, da aceitação do público, do interesse despertado pelos elementos da série e também por meio dos destaques positivos e negativos de cada episódio. O segundo deles, o entendimento, foi avaliado a partir da compreensão do roteiro, pela facilidade ou dificuldade de compreensão do vocabulário e dos diálogos e pela adequação do piloto exibido ao perfil do público-alvo atribuído pelo próprio autor da série. Por fim, a avaliação das personagens aconteceu por meio de sua aceitação e empatia, pelas características atribuídas de personalidade, incluindo os defeitos e as virtudes, pela identificação junto ao público-alvo e pela relação dos atributos mais apreciados e dos mais desaprovados das personagens das séries. Este modelo de avaliação de projetos de séries de animação para televisão, adotado pelo ANIMATV, está em consonância com aquilo que é utilizado internacionalmente pelas emissoras de televisão ao fazer a apreciação e prospecção dos projetos oferecidos para exibição em sua grade de programação. Conhecer essa metodologia representa, portanto, a oportunidade de levar em consideração os aspectos aqui apresentados durante a elaboração do projeto de criação da série e das demais etapas subsequentes, aumentando assim suas potencialidades e perspectivas. O ANIMATV ofereceu ainda aos 17 selecionados uma ação contínua de formação dos produtores e autores, capacitando-os para a produção e comercialização dos projetos e
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tornando-os mais competitivos no mercado internacional. Além das oficinas ministradas durante a imersão, já citadas anteriormente neste livro, houve ainda o acompanhamento regular da Coordenação Executiva do ANIMATV durante todas as etapas de produção do episódio piloto (o que resultou na elaboração do relatório de desempenho), a Oficina de Capacitação em Mercado e a Oficina de Criação Transmídia. Esta última foi realizada por meio de uma parceria com o Programa Cinema do Brasil e com o UpTo3’- Brazilian Short Animation & New Media Exhibition of Toronto. A Oficina de Capacitação em Mercado foi ministrada por três profissionais com experiência no mercado internacional de séries de animação: Reynaldo Marchezini, produtor responsável pela série “Princesas do Mar”, exibida internacionalmente em diversos países; Andre Breitman, sócio e produtor executivo da 2DLab, estúdio brasileiro que realiza a série “My Big Big Friend” (em coprodução com a canadense Breakthrough Entertainment) e Silvia Chicca, cujo currículo inclui passagens pela Warner Bros. e pela Disney (onde foi responsável pelo planejamento, desenvolvimento e implantação das personagens Disney Babies) e gerenciou, de 2007 a 2010, a Cultura Marcas, área de licenciamento da TV Cultura. Nesta oficina, os responsáveis pelos projetos selecionados no ANIMATV tiveram a oportunidade de conhecer aspectos diversos relacionados à comercialização, coprodução internacional e licenciamento de produtos para séries de animação. Além disso, puderam conversar com esses três profissionais, compartilhar suas experiências, passar por consultorias específicas e pensar em estratégias adequadas para as necessidades e demandas de cada projeto selecionado, preparando-os assim para uma melhor apresentação no mercado internacional. A Oficina de Criação Transmídia, por sua vez, contou com a participação de Jesse Cleverly, CEO da Connective Media Solutions, palestrante em eventos como MIPCOM e KidScreen e profissional com ampla experiência na BBC. Na rede estatal inglesa, Cleverly trabalhou por mais de dez anos ocupando os cargos de editor de roteiros na divisão de filmes, diretor de coprodução e aquisições de produções infantis para a BBC Children e chefe de desenvolvimento do Fictionlab, unidade de inovação de conteúdo digital da BBC para projetos transmídia. Questão relativamente nova, mas de crucial importância para se pensar a atual geração - conhecida por alguns como geração “Y” ou geração “@” -, a transmídia é a realização de projetos multiplataforma nos quais, ao mesmo tempo em que se deve pensar a especificidade de cada mídia envolvida (geralmente há um mínimo de três), também se deve pensar em todas elas de maneira integrada. A tendência apontada por teóricos e profissionais do mercado, e que já se começa a verificar, é a de que a convergência digital tornará indistinto o acesso a conteúdos e o que definirá a mídia ou suporte para este acesso será muito mais uma questão de conveniência do que necessidade ou limitação. Por trás da questão geracional, a transmídia evidencia a mudança do paradigma do comportamento da passividade associado à noção de audiência, composta por espectadores, para o paradigma da interatividade, associado à noção de comunidade formada por usuários ou interatores. Destarte, o feedback do público se mostra mais imediato e interativo, permitindo uma melhor avaliação qualitativa dessa relação. Em comparação com os produtos presentes exclusivamente na televisão, quando se diz que x pessoas assistiram a um programa, muitos autores, produtores e executivos permanecem sempre com algumas dúvidas em suas cabeças: viram mesmo? De que forma? Onde eles estão? Como eles são?
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Comunidades se apresentam como algo muito mais próximo e “palpável” do que um target elaborado por uma equipe de marketing, pois permitem aprender muito mais sobre os hábitos e características das pessoas que interagem com o universo oferecido. Dizem muito mais sobre as pessoas com quem estamos lidando, em outras palavras, essas pessoas se tornam algo mais do que os números que as escondiam. O ambiente digital dá a impressão às pessoas que, ao terem a possibilidade de interagir e fazer escolhas em relação a um determinado conteúdo, elas estão definindo uma extensão de suas próprias personalidades, se expressando como elas acham que são. Este novo paradigma se apresenta não apenas para o público, mas também para os profissionais envolvidos em todas as etapas de desenvolvimento de conteúdos multiplataformas. Para a criação de projetos transmídia que partam de uma série de animação, é importante considerar a adequação ao público-alvo, descobrir onde está esse público quando não está na televisão e pensar, para diferentes suportes midiáticos, em diferentes maneiras de se mostrar o produto em questão. A transmídia se revela complexa em qualquer aspecto: da perspectiva teórica e conceitual, dialoga com os conceitos de inter e transdisciplinaridade abordados anteriormente neste livro; da perspectiva de produção, assim como em um projeto de série de televisão, envolve uma série de etapas, desde a parte criativa até sua efetiva implementação e acompanhamento (follow up). Segundo Cleverly, o princípio por trás de qualquer projeto transmídia é a profundidade do universo criativo envolvido: enquanto ele for capaz de motivar o interesse e fornecer novos conteúdos estará garantida a energia necessária para a criação de novos materiais multiplataformas. Neste sentido, o ideal é sempre começar a pensar estrategicamente a transmídia, desde o início do projeto, pois o planejamento bem realizado e a coordenação das peças ao longo de sua produção podem ser a chave para o seu sucesso. O público nativo digital tem por costume um grande anseio pelo aumento da interatividade, sobretudo quando se trata de um produto criativo e de entretenimento - como é o caso de uma série de animação. Por isso, também é preciso adotar sempre, em todas as etapas de desenvolvimento de um projeto transmídia, uma metodologia centrada no usuário dessas múltiplas plataformas (user center design). Além da maior adequação ao perfil das novas gerações, a transmídia também representa a possibilidade de maximizar o valor de um projeto por não apenas agregar valor ao universo criado, como também aumentar as margens de lucro do negócio. Atualmente, não são raros os casos, nem restritos à animação, de projetos que possuem faturamento maior nas mídias “agregadas” do que na própria mídia de “origem” daquele conteúdo. Por isso, projetos das mais diferentes áreas, como a música e o cinema, pensam cada vez mais em termos de transmídia. Porém, de nada adianta a adoção de um pensamento estratégico eficiente se a origem criativa e a motivação inicial do projeto não envolverem “paixão”. É este sentimento que deve guiar o movimento do projeto, definindo todos os passos que serão dados. Nas palavras de Cleverly: “Acho que o problema para muitas pessoas é que muitas propostas que você vê na televisão não passam essa sensação de que são boas, com essa verdadeira paixão, e fica a sensação de que elas foram criadas por departamentos de marketing. Então eu acho que paixão é essencial se você vai fazer alguma coisa valiosa”.
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A programação da Oficina de Criação Transmídia foi dividida em dois dias. No primeiro dia, os representantes dos projetos selecionados no ANIMATV puderam participar de um debate sobre transmídia que também contou com a presença de André Melmenstein (Revista Tela Viva), Rogério de Campos (Editora Conrad), Camila Machado (TV Brasil), Daniela Vieira (Turner) e Fábio Monteiro Ribeiro (Associação de Mídia Indoor). No segundo dia, cada um dos produtores presentes realizou um pitch de seu projeto e teve a oportunidade de ouvir comentários e sugestões de Cleverly sobre os planos para expandir o universo narrativo da série de animação para outras plataformas além da televisão. Em seus dois dias de atividades, a programação da Oficina de Criação Transmídia abordou as diversas etapas dos processos pelos quais devem passar um projeto multiplataforma, como planejamento, desenvolvimento, narrativa, produção, audiência e remuneração. 19 A perspectiva para os 17 projetos selecionados pelo ANIMATV, que passaram por um programa contínuo de formação e capacitação para produção de séries de animação, é que possuam os recursos e as capacidades necessárias para que possam achar seus parceiros de coprodução, viabilizando a realização efetiva de seus projetos. 20 Neste último capítulo do livro, abordaremos especificamente os dois projetos selecionados, “Tromba Trem” e “Carrapatos e Catapultas”, promovendo uma melhor apresentação e análise de seus elementos narrativos e dramatúrgicos, além de duas entrevistas realizadas com os autores das respectivas séries.
19. No site bibliastransmidia.com.br é possível conferir diversos vídeos e informações sobre transmídia e a oficina realizada por Jesse Cleverly no final de 2010. 20. Lembramos que é possível acompanhar todas as ações realizadas e notícias atualizadas sobre o ANIMATV e os 17 projetos de séries participantes no blog do Programa: blogs.cultura.gov.br/animatv.
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Série selecionada: “Tromba Trem” 21
4.1 Série Selecionada: “Tromba Trem” “Tromba Trem” reúne um elefante com pretensões artísticas, uma tamanduá hiperativa e uma colônia de cupins paranoicos que viajam juntos em um trem a vapor pela América Latina. Em formato filme de estrada (road movie), a série explora as divertidas situações decorrentes do convívio de personagens antagônicas e de aventuras que surgem a cada novo lugar visitado, como cordilheiras, planícies, desertos, geleiras e florestas tropicais. Juntas, essas personagens percorrem diversas regiões atrás de um misterioso dirigível. Gajah, que perdeu a memória ao chegar ao cerrado, faz isso porque acha que a nave poderá ajudá-lo a desvendar o seu passado. Já a colônia de cupins acredita que a aeronave é uma nave espacial que os levará até seus evoluídos antepassados alienígenas. A responsabilidade na definição das rotas fica a cargo de Gajah que, por ser um elefante, possui apurada orientação espacial. Porém, o que ninguém sabe é que esse paquiderme é uma exceção à sua raça e não possui essa orientação, transformando a viagem em uma enorme excursão pela América Latina. A cada novo episódio, os tripulantes do trem – que comumente é utilizado como metáfora da própria vida em sociedade - encontram um novo local, conhecem novas personagens (geralmente animais da fauna local) e enfrentam inúmeros desafios para continuarem sua viagem. Assim como nossas próprias vidas, essa viagem é, ao mesmo tempo e em certos aspectos, previsível e imprevisível, marcada por certezas e incertezas, calmaria e turbulências. Com um ritmo narrativo bastante dinâmico, “Tromba Trem” possui ainda um design criativo bastante inteligente, em que há uma valorização do acting, das poses das personagens e a presença de rostos amplos, o que possibilita uma grande área para valorização das reações e expressões faciais. 21. A série possui um blog no qual é possível acompanhar a rotina de produção e as últimas notícias envolvendo a produção, disponível em: http://trombatrem.blogspot.com
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Sem perder a ênfase na personagem, a série consegue ainda, por meio de enquadramentos, ângulos e movimentos de câmera, valorizar os diferentes cenários e paisagens apresentados em toda a série. O episódio piloto da série – que discutiremos um pouco mais adiante – apresenta a situação na qual Gajah, Duda e a colônia de cupins se conhecem e passam a viver juntos. E isso só acontece graças à presença do elefante fora de seu habitat natural, abrindo novos horizontes para todas as personagens envolvidas: Duda encontra em Gajah uma espécie de guru; a colônia de cupins descobre que o elefante é útil para o carregamento de água (combustível do trem) e para a manutenção do vegetarianismo de Duda (uma tamanduá naturalmente devoradora de cupins) e o próprio Gajah faz novas amizades e consegue um meio de transporte mais rápido em sua perseguição ao dirigível. Gajah é um jovem elefante indiano, que questiona as regras ao mesmo tempo em que se mostra um tanto quanto preguiçoso. Seu principal hobbie é a fotografia e seu comportamento corresponde ao estereótipo do “artista avoado”: vive em seu próprio mundo lúdico e se deixa levar pelas emoções. Vegetariano, adora comer hortaliças, ao mesmo tempo em que se mostra entusiasmado para descobrir novos gostos e sabores. Sua vida sofre uma reviravolta quando, de maneira misteriosa e inexplicável, é sequestrado por um dirigível, indo parar no meio do cerrado brasileiro. Ao perder suas memórias mais antigas, resolve ir atrás do dirigível em busca de respostas. Suas pretensões artísticas passam ainda pelo teatro e geralmente resultam em momentos de grande inspiração, o que, por um lado constrange os racionais cupins e, por outro, aumenta a admiração de Duda. Na natureza, os tamanduás são mamíferos desdentados, hábeis comedores de insetos, principalmente formigas e cupins. Eles se encontram ameaçados de extinção, principalmente pela redução de seu habitat, o que os leva a se deslocarem em busca de novos espaços para a sobrevivência. Com visual diferenciado e olfato aguçado, é um animal calmo, cauteloso e solitário – só sendo visto em grupos durante a primavera, período de reprodução. Apesar de solitária, a tamanduá Duda é bastante sociável e comunicativa – como todo tamanduá, é bastante linguaruda, por isso “fala sem parar”. De boa índole, também é vaidosa, hiperativa, ansiosa e muito influenciável. Em busca de sua própria identidade, adere às mais diversas e variadas formas de encontrar “algo maior”, mas sempre de forma simplista. Também costuma misturar conhecimentos e referências diversas como budismo, autoajuda, astrologia e esoterismo. Duda, que usa óculos grossos, costuma falar bastante e de forma muito rápida, sempre emitindo um som sibilado por conta de sua fina e comprida língua. Quando fala mais devagar, costuma gaguejar, demonstrando certa falta de hábito para se comunicar dessa maneira. Em alguns momentos, alterações momentâneas em seu estado de humor chegam a assustar os cupins. No reino animal, os cupins, assim como as abelhas e as formigas, são considerados seres eussociais, isto é, que possuem sociedades complexas, nas quais há clara divisão do trabalho, um cuidado cooperativo com a própria espécie, sobretudo, mas não apenas, com a prole, e que apresentam a sobreposição de gerações em um mesmo habitat. Na série, a unidade de pensamento da colônia de cupins é tanta, que é possível pensar nela como uma única personagem, embora alguns de seus cupins tenham mais destaque que outros.
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Os cupins são extremamente organizados e exímios carpinteiros, sendo capazes de construírem qualquer coisa em madeira. Também possuem grande domínio tecnológico, que os faz acreditar serem descendentes de uma avançada civilização alienígena – esperando apenas pelo regresso da nave mãe, que acreditam ser o dirigível, para levá-los “de volta” à terra natal de seus ancestrais. Tal crença faz com que demonstrem certo tom de superioridade e arrogância, mesmo que para conseguirem seus objetivos e conviverem com outras espécies tenham que rever suas ideias e valores. Os cupins possuem uma rainha, Joaquina Segunda, que reina de maneira firme e autoritária. No começo, a rainha pensa que Gajah é um tipo de tamanduá, mas depois percebe ser vantajoso mantê-lo na companhia da colônia, uma vez que ele pode manipular as vontades de Duda – o que pode ser um modelo para a educação de outros tamanduás para não comerem cupins. Em um futuro ideal, livre de predadores naturais, os cupins estariam livres para dominar o mundo e ampliar sua tecnologia espacial. O jovem filho da rainha é Júnior, o mais culto e inteligente entre todos os cupins, pois foi alimentado apenas com livros desde que nasceu. Curioso e menos paranoico do que os demais, é o cupim que mais se aproxima de Gajah e Duda e não está convencido que seus ancestrais vieram, de fato, do espaço. A colônia conta ainda com o eficiente Capitão, uma espécie de braço direito da rainha, responsável pela segurança dos cupins. Bélico e paranoico, ele vive organizando planos contra os eventuais ataques de predadores naturais dos cupins.
Episódio piloto: “O Estrangeiro” Gajah, um elefante indiano, despenca do céu, tendo sua queda amortecida por algumas árvores. Duda, que estava meditando no alto de uma pedra, percebe o movimento e vai em direção ao local da queda. No trajeto, é atentamente observada por um sujeito oculto por meio da lente de um binóculo. Chegando ao local, a tamanduá vê o elefante desmaiado, um pouco ferido e sustentado por alguns
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cipós a poucos centímetros do chão. Duda questiona em voz alta suas dúvidas sobre a origem e a natureza do animal até que surge Mestre Urubu, um urubu que responde às suas dúvidas e também é responsável por acordar o elefante por meio de um sonoro e fedorento arroto. Ao acordar, Gajah pergunta quem são eles, mas não consegue responder à devolutiva de sua pergunta dizendo quem é ele mesmo, pois simplesmente não se lembra. O urubu afirma que o nome dele é Gajah e que ele veio da Índia. Perguntado sobre como descobriu, a ave afirma que viu uma foto na câmera que o elefante carregava junto a ele. Neste momento, Gajah se recorda de que gosta de fotografar e começa a clicar sem parar. Enquanto isso, o Capitão cupim, que descobrimos ser quem estava observando toda a cena pelo binóculo, avisa à rainha que “os tamanduás” estão arquitetando um plano contra a colônia. O pequeno e esperto filho da rainha, Júnior, tenta avisar que “o grandão” não é um tamanduá, mas ninguém o escuta. Mestre Urubu conversa com Gajah tentando ajudar a descobrir como ele foi parar ali e chegam à conclusão que teve a ver com o dirigível, uma vez que elefante não sabe voar. A ave some repentinamente e Duda se oferece para seguir o elefante indiano, a quem considera uma espécie de guru. Após algum tempo, Gajah percebe que a tamanduá não para de falar, o que o incomoda bastante. Então ele pede para ela fazer um mantra, enquanto aproveita para fugir sem ser percebido. No meio da fuga, entretanto, Gajah é capturado em uma pequena armadilha e levado pelos cupins à presença da rainha. Esta lhe mostra o trem que levará sua colônia para a navemãe e os conduzirá de volta para o avançado mundo de seus ancestrais. Os cupins liberam um gás que faz Gajah dormir, deixando para decidir o futuro do prisioneiro mais tarde. Nesse momento, não muito distante dali, Duda termina seu mantra e percebe que está sozinha. Gajah acorda e começa a conversar com Júnior, que pede desculpas pelo comportamento da colônia. A rainha avista seu filho e, temendo que ele estivesse correndo risco, aciona o comandante que dá a ordem para o início do ataque dos cupins contra o indefeso elefante, que iriam furar algo “muito mais macio que madeira”. É quando surge Duda que, completamente enfurecida, pega o capitão cupim e manda soltar seu guru. Fora de controle, Duda ameaça devorar os cupins, porém Gajah intervém lembrando-a de que é vegetariana e evocando um mantra que a deixa muito mais calma e tranquila, de volta ao seu estado normal. Ao perceber que Duda era vegetariana e que Gajah possui controle sobre a vontade da tamanduá, a rainha enxerga em Duda um modelo, uma possibilidade de um futuro melhor para os cupins - sem predadores - e manda soltar o paquiderme. Nesse exato momento, passa no céu o dirigível e Gajah sai correndo em direção a uma corda próxima ao chão, pendurada na aeronave. Atrás dele vem Duda e, atrás dela, o trem dos cupins a todo vapor. O elefante alcança a corda, se segura a ela, mas percebe Duda tropeçando e permanecendo imóvel em cima dos trilhos, correndo risco de ser atropelada pelo trem que vinha logo atrás, a toda velocidade. Nesse momento, Gajah toma uma decisão: se solta da corda e corre em direção à tamanduá, salvando sua vida. O trem, todavia, já havia sido freado por solicitação de Júnior à sua mãe. A rainha, após hesitar um pouco, ordena que o maquinista pare. Duda acaba sendo jogada pelo
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paquiderme, sã e salva, em um lago, enquanto Gajah é que acaba colidindo contra o trem - que a esta altura já estava parado. O dirigível segue seu caminho e vai embora. Após uma pequena discussão, o elefante pede para a rainha dos cupins uma carona no trem para alcançar novamente a aeronave. A soberana explica que o trem está sem combustível (água) e que levaria semanas para os cupins encherem o reservatório, gota por gota. Gajah percebe que pode ajudar a encher o reservatório de forma muito mais rápida, por meio de sua tromba, e se oferece para ajudar. Assim, Gajah e Duda se juntam à colônia de cupins e partem todos em busca do misterioso dirigível. No final, o urubu volta e “puxa” a música tema da série, que é utilizada para o encerramento, apresentando os créditos da produção junto com novas imagens das personagens interagindo com a animada canção tema da série. Na Índia, o elefante é um animal relativamente comum, sendo utilizado há séculos para ajudar no trabalho e também como meio de transporte – inclusive urbano. Desde o ano de 2010, o elefante foi declarado um patrimônio nacional naquele país e sua preservação reforçada. Na religião hindu, o elefante é associado à Ganesha, filho de Shiva e Parvati, considerado um deus extremamente sábio, provedor de fortuna, prosperidade e também superador de obstáculos – sejam eles físicos ou espirituais. Sua graça é invocada por meio de diversos mantras. Gajah (que em malaio significa elefante) não possui os atributos nem as virtudes da divindade hindu e sua presença é completamente inusitada na América Latina, uma vez que este espaço não corresponde ao seu habitat natural. É este elemento estrangeiro que traz consigo a novidade e desencadeia a trama central da série. Sua presença é vista com admiração por Duda e como novidade pela colônia de cupins, mas nunca é hostilizada por qualquer personagem. Da mesma forma, Gajah também trata de forma cordial seus novos colegas, mesmo que para isso tenha que, por vezes, superar suas antigas ideias e valores. Se Gajah não está em casa, também não demonstra sentir saudades da Índia. Tampouco enfrenta grande resistência em sua acolhida no novo mundo, pelo contrário. O elefante representa, portanto, os diferentes povos que vieram, e continuando vindo, para a América Latina e que, junto com seus habitantes nativos, ajudam a definir as identidades múltiplas e multifacetadas de seus países. Assim, as características internas das personagens, suas virtudes e seus defeitos motivam seus relacionamentos e amizades, fugindo de certo determinismo reservado para essas espécies: Duda é uma tamanduá, diferentemente da natureza de sua espécie, vegetariana; Gajah, um elefante que descobre uma nova vida em uma localidade geográfica da qual não se originou e os cupins formam uma colônia que reverte seu papel de presa (caça) e confinamento por meio da tecnologia e da motivação baseada em uma crença. A presença de novos lugares e personagens a cada episódio possibilita a inserção de elementos variáveis que potencializam a abertura de situações e contextos originais. Desta forma, na medida em que as próprias personagens principais da série complexificam seus relacionamentos, ampliam seus conhecimentos e expandem seus horizontes, também o espectador é convidado a embarcar nesse trem e pensar nas questões propostas, seja no contexto da série ou mesmo em sua própria vida cotidiana em sociedade.
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Entrevista com Zé Brandão, autor de “Tromba Trem” Quais as principais diferenças, em termos narrativos, entre um projeto de animação para curta-metragem e para série de TV? O curta-metragem é uma história que se encerra em si mesma. Se ao fim do filme o expectador sai com a sensação de que não há nada mais a ser contado, não há problemas, o curta cumpriu seu papel de entreter e/ou emocionar. Sua estrutura narrativa pode ser extremamente complexa, pois não precisará ser repetida. A série para a TV precisa transmitir a sensação de que sempre haverá algo mais a ser mostrado. Despertar a curiosidade do expectador de que outras histórias podem surgir a partir daquelas. A narrativa deve ser estruturada de forma que possa ser remontada a cada episódio, pois o formato identifica a série, que por natureza remete à repetição. Quais são os diferenciais narrativos de uma boa série de animação? Apesar de respeitar a estrutura narrativa que é comum a todos os episódios, a boa série o faz de maneira que cada capítulo seja único, sempre trazendo um elemento original. Uma boa série deve ter sua identidade reconhecida em poucas linhas do roteiro, mas trazer uma sensação de novidade ao fim da leitura. Como se deu o processo de criação da série? Qual foi o primeiro passo? E as demais etapas? Como é formada a equipe de criação e quais são as tarefas desenvolvidas por ela? Por incrível que pareça o primeiro passo para a criação da série “Tromba Trem” foi um exercício, uma brincadeira de associar palavras aleatórias. Sorteei três palavras que não tinham nenhuma relação entre si e criei uma história que conectasse todas elas. O resultado era uma premissa engraçada, porém fraca, não se sustentaria se depois não houvesse um trabalho de realmente justificar cada conexão. Então veio o processo de desenvolver o universo da história, desenvolver cada personagem separadamente e como se dá a relação entre elas. Quais eram os objetivos, os medos, as características de cada um e como isso se somava na evolução da premissa. No fim, a história era bem mais densa que a inicial, com muito mais conteúdo. Depois, foi colocar essa história sob a apreciação da equipe de criação. Essa equipe era formada de pessoas que já haviam trabalhado juntas em processos criativos semelhantes. Todos que estavam ali apostavam na qualidade da premissa, acreditando no seu sucesso. A equipe veio com sugestões para a história, e muitas delas foram aproveitadas, enriquecendo muito o projeto. Nosso grupo de desenhistas se juntou para pensar a história graficamente, e várias coisas que surgiram no desenho foram acrescentadas à narrativa. Quais foram as referências no processo de criação da série? Todas as referências eram unanimidade na equipe de criação. Queríamos fazer um desenho que nos agradasse, que nos divertisse, portanto, as referências eram sempre as preferidas. Muitas dessas referências eram desenhos em série, como “Bob Esponja”, “Mansão Foster” e “Caverna do Dragão”, mas não se limitavam a isso, pelo contrário, a maneira como a Pixar constrói suas personagens em longas-metragens influenciou muito. Nos inspiramos bastante em nossas próprias experiências de vida, em filmes road movie, em épicos, jornadas de heróis etc. Além de música, muita música, que ditou o ritmo da série.
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Qual ou quais foram os conceitos centrais utilizados para a criação da série? Como você definiria sua série? Uma série de humor, centrada nas personagens (character driven), que aposta na marcante diferença entre elas e nas relações que estabelecem. A série também traz consigo o prazer da descoberta, de novos lugares e personagens. Um gigantesco road movie, no qual não existe o discurso maniqueísta de mocinho e vilão. Todos erram e acertam. Quais são as principais propostas/objetivos da série? Antes de tudo, divertir e entreter. Depois, apresentar em forma de desenho animado as paisagens e a cultura da América Latina. Também abordamos temas sociais universais, como o respeito às diferenças, a aceitação de outras crenças e a admiração da diversidade. Como estes conceitos e objetivos são trabalhados nos roteiros dos episódios? O humor é uma presença constante, porém as piadas dificilmente são gratuitas, devem sempre levar a história adiante, afinal as personagens têm objetivos, a viagem precisa seguir. A América Latina é apresentada pelo olhar do estrangeiro, com o frescor do novo. Quando abordamos um tema social, ele é colocado de maneira natural, sem um tom didático, moralista. Como se dá a articulação da narrativa com os demais elementos (visuais, produção, comercialização, etc) da série? Tentamos nunca engessar a narrativa por conta de qualquer elemento. Acreditamos no poder da história e damos muita importância a ela. Porém sabemos que a série tem limitações, existem coisas que devem ser evitadas, pois visualmente seriam muito trabalhosas/dispendiosas. Tentamos sempre resolver as coisas de maneira criativa visualmente para limitar o mínimo possível à criatividade nos roteiros. E até hoje nunca fizemos nada na história preocupados com o que vende mais ou menos. Achamos que se fizermos algo genuinamente bom, verdadeiro, ele vai agradar a outras pessoas, e naturalmente vender. Quais foram, em termos narrativos, as principais dificuldades encontradas? Como foram contornadas? A estrutura narrativa básica da nossa série toma muito tempo do roteiro. Precisamos estabelecer a chegada das personagens num novo lugar, onde elas vão conhecer novas personagens e dessa relação vai surgir uma história. Isso deixa pouco tempo para desenvolver todo o resto numa série que dura apenas 11 minutos (cada episódio). Contornamos esse problema imprimindo um ritmo intenso na história, uma montanha-russa a cada capítulo. Que dicas/conselhos você daria para alguém que quer desenvolver um projeto de série de animação para TV? Faça algo em que você acredite e de que goste muito, independente de tendências sociais ou de mercado. Pense que para que dê certo você vai precisar fazer o seu melhor, e se der certo você terá que conviver com essa ideia durante muito tempo. Se for algo de que você não goste muito, não vai valer a pena.
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Série selecionada: “Carrapatos e Catapultas” 22
4.2 Série Selecionada: “Carrapatos e Catapultas” Em outra galáxia, no Planeta Vaca, carrapatos bico de pato usam canudinho para sugar gororoba visando engordar e explodir – o que os levará ao desejado paraíso dos carrapatos. Nesse estranho mundo, os protagonistas Bum e Bod são dois jovens amigos, que vivem no trigésimo andar de prédios vizinhos. Além disso, eles têm em comum a característica de não conseguirem engordar e explodir como os demais carrapatos. Bum é um “carrapato bico-de-pato” gordinho, realista, sincero e que costuma se enervar pelas confusões e trapalhadas de seu melhor amigo, Bod. Ao contrário dos outros carrapatos, não tem pressa em explodir, pois acha que tudo está bom do jeito em que está. Assim como Bod, toda vez que é catapultado para casa erra a janela de seu apartamento, batendo contra a parede e escorregando até a entrada. Toda noite, Bum recebe as ligações de sua mãe chamando direto do Mundo dos Carrapatos Fantasmas. Além de lhe dar conselhos, a progenitora faz alguns presságios. Bum sofre de sonambulismo, o que faz com que não se lembre de algumas de suas ações durante a noite. Costuma se chatear e se irritar facilmente com Bod, porém, de uma forma ou de outra, sempre releva esses sentimentos em nome da amizade. Alto e magro, Bod é extremamente guloso, mas nunca engorda, pois sofre de um problema hormonal. Depois de comer, sempre solta um alto e sonoro arroto. Pouco inteligente, se revela medroso e expressa isso fisicamente por meio de tremores no corpo e ao colocar as mãos na boca diante de 22. A série possui um blog no qual é possível acompanhar a rotina de produção e as últimas notícias envolvendo a produção, disponível em: http://carrapatosecatapultas.blogspot.com
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algum perigo iminente. Também é bastante atrapalhado, mas como é sortudo, as coisas costumam dar sempre certo para ele. Toda vez que fica empolgado, Bod repete seu bordão: “- Super carrapatal!”. No Planeta Vaca, ao mesmo tempo em que há alguns sistemas e objetos semelhantes aos do nosso mundo, outras coisas são completamente diferentes. Não existem, por exemplo, refrigeradores, máquinas de lavar, rádios, ipods, computadores e nem automóveis. Lá, o principal meio de transporte são as catapultas, por meio das quais os carrapatos são “catapultados” para os mais diversos lugares. Comumente, os dois protagonistas conversam diretamente através da janela de seus apartamentos. Quando querem sair de casa, fazem como os demais carrapatos: saltam pela janela em queda livre até que o paraquedas automático que eles mantêm guardado em suas carapaças seja acionado, permitindo o pouso em segurança no solo. Para retornarem aos apartamentos ou se deslocarem para qualquer outro lugar, utilizam as inúmeras catapultas espalhadas por todo o planeta. As catapultas são operadas por “catapulteiros” e podem lançar um ou diversos carrapatos de uma única vez em inúmeras trajetórias diferentes, muitas vezes tão inusitadas que chegam a contrariar as leis básicas da física. A cidade dos carrapatos é ocupada por prédios com formas irregulares, revestidos de pedras e repletos de janelas abertas, para permitir o entra e sai dos moradores e visitantes. Por dentro, cada apartamento tem acabamento e decorações diferenciadas, de acordo com o perfil de cada personagem. A maioria dos carrapatos adultos já explodiu e se mudou para o desejado Mundo dos Carrapatos Fantasmas. De lá, podem manter contato com os carrapatos do Planeta Vaca por meio de uma espécie de telefone. As explosões são sempre repentinas e acompanhadas pela vibração de um grupo de carrapatos que, também inesperadamente, surge comemorando o evento.
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Bum e Bod são exceções: Bum tem medo de explodir e Bod possui um problema hormonal que o impede de engordar. Os dois se tornam amigos e aprendem a curtir a vida cotidiana no Planeta Vaca, onde são felizes. De manhã, estudam em um colégio onde os professores vivem, literalmente, explodindo e à tarde, trabalham como estagiários, realizando as mais diversas tarefas. O chefe deles é Bonaparte, um carrapato mal-humorado que usa um chapéu idêntico ao de Napoleão e que vive passando tarefas impossíveis para a dupla que, sempre com o auxílio da sorte, consegue realizá-las. O inusitado universo da série permite a apresentação de inúmeros elementos insólitos, como: a “quase roda-gigante” (uma roda-gigante torta); os asteroides que caem no planeta e mudam a personalidade de alguns carrapatos; as pedras flutuantes; os reis que explodem constantemente; os buracos com olhos que levam a mundos subterrâneos, cheios de monstros desconhecidos; as saborosas frutas pulantes e falantes chamadas de tingues-lingues; os “carrapatos megafone”, que funcionam como emissários de notícias e também como fofoqueiros, e os aviõezinhos de papel, que levam mensagens para qualquer endereço. A abertura inventiva do universo da série e a presença do absurdo permitem a fecunda criação de infinitos elementos e situações, mesmo que não pensadas a priori, uma vez que se tem a impressão de que quase tudo é possível. A série faz ainda referências ao mundo contemporâneo e possui humor elaborado, tornando-a também atrativa a um público mais adulto. Com formas físicas semelhantes, os carrapatos variam de tamanho, cores e de personalidade. De dentro de suas carapaças, podem ser retirados objetos estranhos e improváveis, como o paraquedas acionado automaticamente em situações de queda livre. Os objetos alienígenas (terráqueos), que surgem após os terremotos, são recortes fotográficos dos referidos objetos, dando um visual diferenciado e distinguindo estes dos demais objetos do mundo dos carrapatos. Além de Bum e Bod, a série apresenta diversas outras personagens. Entre elas, está Bolão, um “carrapato bico-de-pato” dentuço e muito gordo, obcecado em explodir – o que nunca acontece. Costuma levantar sua enorme barriga que, ao cair, reproduz os sons das coisas que foram sugadas. Por conta de seu tamanho exagerado, Bolão tem dificuldade para entrar e para sair de muitos lugares, não raramente ficando entalado. Baixinho é um “carrapato bico-de-pato” criança que, com a explosão simultânea de seus pais, vai morar com seu primo Bum. Curioso e ao mesmo tempo distraído, é viciado em se catapultar, ficando extremamente agitado quando fica muito tempo sem utilizar uma catapulta.
Episódio Piloto: “Caixa de Luz” O episódio piloto de “Carrapatos e Catapultas” começa com a divertida abertura da série, na qual são exibidas algumas imagens do desenho animado e de carrapatos dançando ao som da música tema, até a entrada dos créditos com o logo da série e o título do episódio, no caso do piloto, “Caixa de Luz”. O episódio começa com um terremoto no Planeta Vaca que, assim como outros tremores, faz surgir misteriosamente alguns objetos. Da janela do seu edifício, Bod convida seu “vizinho
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de andar” no prédio ao lado, Bum, para ver o fascinante objeto, trazido pelo terremoto, que surgiu em seu apartamento. Após hesitar um pouco, Bum aceita o convite, saltando pela janela. Durante a queda livre, diversos carrapatos catapultados atravessam o caminho de Bum, saudando-o com cumprimentos de bom dia. Alguns instantes depois, um paraquedas automático é acionado, permitindo o pouso seguro de Bum. No chão, um ambulante anuncia em um megafone pílulas engordativas, boas para explodir. Bum passa por ele e caminha em direção a uma catapulta, onde pede para ir para a casa de Bod. Antes que pudesse pedir para ir direto, Bum é catapultado acertando em cheio a parede externa do prédio. Depois, escorrega para a janela do apartamento de seu amigo – o que acontece sempre com a dupla. Na sala de seu apartamento, Bod apresenta a novidade “super carrapatal”: uma caixa de luz (aparelho de televisão). Bum afirma que aquilo é apenas “sucata alienígena”, mas Bod está apaixonado pela misteriosa caixa, apelidada de Cirene, e acha que ela também gosta dele. Bod revela seu trauma em se apaixonar por carrapatas que, nos momentos de romance, acabam sempre explodindo. Por isso, seu desejo de substituir uma carrapata pela caixa de luz, que não irá explodir. Os dois amigos vão conversar na cozinha e sugar uma gororoba verde com tentáculos vivos. Após uma discussão sobre a novidade trazida, Bod volta para a sala, enquanto Bum termina de tomar sua gororoba. Quando chega à sala, Bum percebe que Bod havia sido hipnotizado por Cirene e que seu amigo estava totalmente dominado. Preocupado, não vê outra saída a não ser arrancar o dispositivo da frente do amigo e jogá-lo pela janela. Porém, no meio do caminho, Bum é interceptado por Bod e ambos começam a brigar. Durante o combate, Bolão, um carrapato enorme, chega catapultado no apartamento, o que gera uma pausa na confusão. Bum ajuda o novo visitante a entrar, uma vez que este havia ficado, por conta de seu enorme tamanho, entalado na janela. Ao desentalar Bolão, Bum acaba ficando preso, esmagado embaixo do grande colega, enquanto Bod foge com o dispositivo. Bum só consegue convencer Bolão a se levantar e a segui-los depois de mentir, dizendo que Bod havia levado com ele toda a comida da casa. Os dois saltam e veem Bod e Cirene sendo catapultados. Eles correm para a mesma catapulta e pedem para seguir o carrapato. Porém, no momento em que seriam lançados, o catapulteiro explode repentinamente e os dois não conseguem segui-lo. Bum acha outra catapulta logo mais à frente e vai ao encontro de seu vizinho hipnotizado, enquanto Bolão fica em solo firme, sugando uma família de lesmas que havia encontrado em uma árvore. Ao chegar a uma larga pedra delicadamente equilibrada no topo de uma montanha, como uma espécie de gangorra, Bum encontra Bod ainda hipnotizado por Cirene. Ele consegue arrancar o aparelho de televisão de seu amigo e o arremessa direto do alto da montanha para o chão. Desesperado, Bod salta atrás do aparelho, mas antes de conseguir alcançá-lo, seu paraquedas é acionado e Cirene acaba destroçada no chão. Ao aterrissar, Bod sai do transe e é reconfortado por Bum, que o convida para sugar alguma gororoba na Suganete. Nesse momento, Bolão aparece repentinamente em cena e diz: “- Hummm... Alguém falou em gororoba?”. À noite, Bum está dormindo em seu apartamento quando subitamente seu telefone toca. O carrapato levanta e atende o aparelho, colocando-o em cima de sua própria cabeça. O aparelho
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de telefone foi recolhido por Bum e é guardado em seu quarto secreto de lixos alienígenas. Ele pode ouvir uma voz familiar, que telefonou para lhe dar “conselhos de mãe”, pedindo para ele sugar tudo direitinho a fim de explodir rápido e ir logo para o paraíso, juntar-se a ela. A ligação cai, pode-se ouvir um sinal de ocupado e o telefone é colocado no gancho. Surgem os créditos finais da série, com a cidade ao fundo e um grande placar que tem marcado em giz o número 92. Ouvimos um som de explosão, seguido de breves comemorações de multidão. Um carrapato que estava imóvel, encostado na placa, apaga o último dígito (dois) e escreve em seu lugar o número três, de maneira que o número exibido no placar se torna 93, ou seja, mais um carrapato explodiu. O estranhamento inicial causado pela série, em função da presença do absurdo e do inusitado, logo dá lugar ao entendimento de um universo que, embora não seja factual, é coerente internamente – o que é conhecido no campo da narratologia como a “suspensão do descrédito”. Esta outra realidade, da qual somos convidados a participar, se apresenta como uma espécie de metáfora ampliada de nosso próprio mundo.
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Neste sentido, a série, que teve seu nome e conceitos centrais pensados a partir da sonoridade do termo “Carrapatos e Catapultas”, aproxima-se, em certo sentido, de “Bob Esponja”. Todavia, ao deslocar e desconstruir objetos e hábitos associados à nossa civilização contemporânea, a série brasileira reforça a crítica social, o conceito de valor das coisas e inverte a noção de absurdo: como pode alguém se apaixonar por uma caixa de luz a ponto de seguir suas ordens, tendo para isso até mesmo que brigar com seu melhor amigo? O humor e o insólito presentes na série fornecem uma espécie de licença para que questões caras ao nosso mundo possam ser abordadas, ainda que por meio de metáforas ou de maneira sútil. Quando mais distante do “mundo real” a série parece estar, mais próxima dele, paradoxalmente, ela consegue ficar. Na vida natural, os carrapatos nascem de ovos, e na medida em que crescem, se transformam durante sua vida. Mesmo sem alimento, podem sobreviver durante anos, ficando, entretanto, com algumas de suas funções limitadas. São parasitas que se alimentam de sangue de outros animais, por isso podem ser transmissores de diversas doenças e vírus, dependendo da região de ocorrência. Apesar de sua associação às zonas rurais, também podem ser encontrados em zonas urbanas. Normalmente, após sugar sangue, costumam inchar e mudar radicalmente de aparência. Dependendo da espécie, os carrapatos podem se instalar por tempos variados no corpo do hospedeiro, lá buscando alimento. Removê-los de maneira adequada desse corpo que lhes fornece nutrição é um processo trabalhoso, mas diminui consideravelmente o risco de transmissão de doenças. Na série, os carrapatos devem sugar ao máximo, para engordarem e explodirem. Isso significa que, quanto mais se conseguir comer, melhor – mesmo que para isso se ultrapasse alguns limites. Podemos associar esse fato à crescente obesidade mundial, decorrente da maior presença de alimentos menos saudáveis, da perda de um paladar apurado e da mudança dos hábitos alimentares, problema oposto ao da fome que afeta uma grande parte da população mundial. Diminuído à dimensão de “comer-dormir-trabalhar”, o homem se afasta cada vez mais de sua própria natureza, substituindo seus valores existenciais basilares por aquilo que está mais proximamente ligado à rotina de viver em função da aquisição e do consumo de bens materiais. Em um mundo no qual “ter” vale cada vez mais do que “ser” (e/ou que para “ser” é preciso, por sua vez, “ter”), os produtos preenchem esse vazio e promovem os privilegiados a um “status superior”. Questionar, portanto, a natureza destes bens e de suas relações com os seres (ainda que representados como carrapatos), assim como com a sociedade em que vivem, é um procedimento crítico legítimo. O carrapato sugador, parasita do mundo que o cerca, pode ser visto como uma paródia ao homem, impregnado e irremovível dentro da dinâmica do mundo contemporâneo, transmissor do vírus materialista e de todos os males modernos, esperando uma vida melhor após sua explosão. Eis aí o “homem carrapato” de nosso mundo, representado no universo da série pelo “carrapato bico-de-pato”. O fato de explodir para ascender a uma vida melhor pode nos fazer lembrar, em um primeiro momento, dos homens-bomba, comumente presentes entre os xiitas muçulmanos em
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conflitos no Oriente Médio; homens que prendem explosivos aos seus corpos e, por crenças, religião ou ideologia, sacrificam sua própria vida e de suas vítimas em favor de um atentado terrorista com a promessa de recompensas na pós-vida. Porém, tirando a explosão física, os carrapatos da série não se assemelham aos homens-bomba, visto que não arbitram sua detonação, tampouco prejudicam outras pessoas com a explosão, pelo contrário, ela é motivo de comemoração para todos. Neste sentido, a explosão dos carrapatos na série pode ser interpretada, em relação ao mundo contemporâneo, de maneira simbólica. É esse homem diminuto, reificado, que vai, ainda que não perceba, se entupindo até o momento em que explode. Esta explosão é a promessa de transformação nesta ou em outra vida, de realização daquilo que não se efetivou em sua existência. Ao não explodirem como os demais, Bum e Bod representam a existência plena, valorizada em si mesma, enriquecida pelo sentido e que não depende da promessa de dias melhores. O universo da série é, portanto, dominado por um espírito jovem, uma vez que os carrapatos mais velhos já explodiram e os mais novos ainda são crianças, imaturas. E é o frescor da juventude que fornece a tônica dominante da série e a liberdade para que as personagens vivam as mais diversas e inusitadas aventuras nesse mondo bizarro, ao mesmo tempo tão distante quanto próximo ao nosso. Tal qual a personagem de Raul Seixas apresentada na música “Ouro de Tolo”, os protagonistas Bum e Bod representam alguma esperança nesse mundo, uma vez que não ficam esperando a morte chegar “porque longe das cercas/embandeiradas/que separam quintais/no culme calmo/do meu olho que vê/assenta a sombra sonora/de um disco voador...”.
Entrevista com Almir Correia, autor de “Carrapatos e Catapultas” Quais as principais diferenças, em termos narrativos, entre um projeto de animação para curta-metragem e para série de TV? Com certeza um curta de animação é mais simples. Você cria personagens e um universo só pra contar aquela história que terá 11 ou 15 minutos. Na série você precisa manter um padrão imagético e também de repetições que dão “cara” para o produto, ou seja, o espectador tem que assistir a qualquer episódio e conseguir identificar de imediato à série projetada. Quais são os diferenciais narrativos de uma boa série de animação? Em todo projeto, fugir do lugar comum. E quando for trabalhar com o lugar comum, desconstruí-lo também. O humor e as gags são elementos importantes, pois mantêm o interesse. No caso dos “Carrapatos [e Catapultas]”, temos ainda os estranhamentos de um mundo absurdo, que de imediato podem ser bem recebidos por alguns e não por outros. Como se deu o processo de criação da série? Qual foi o primeiro passo? E as demais etapas? Como é formada a equipe de criação e quais são as tarefas desenvolvidas por ela? O primeiro passo é a ideia. As palavras “Carrapatos e Catapultas” surgiram assim, quase do nada. Primeiro a ideia era fazer um livro infantil. Depois veio o ANIMATV. Da ideia, vieram
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as personagens e o mundo delas, que eu queria diferente do nosso. Não queria os carrapatos vivendo numa vaca e assim surgiu o Planeta Vaca (total non sense), em outra Galáxia. Foi interessante; na pesquisa apresentada, muitas crianças acharam que os carrapatos viviam numa vaca, apesar do episódio piloto mostrar planetas no início. As pessoas sempre pegam a realidade como referência, isso é lógico, afinal é o mundo delas, mas têm muita dificuldade de sair dessa realidade, de se libertar para novos mundos e fantasias. A equipe de criação é formada pelo autor-roteirista e depois passa pelo artista de storyboard, que dá algumas dicas em termos de adequação da história aos elementos visuais propostos e finaliza com os cenaristas e desenhistas responsáveis pelos objetos e itens de cena. Na gravação dos diálogos, os atores também fazem pequenas modificações. Quais foram as referências no processo de criação da série? O cenário, eu queria algo feito de prédios de pedra, aqui a referência são os Flintstones. Os absurdos, com certeza, remetem ao Bob Esponja. Qual ou quais foram os conceitos centrais utilizados para a criação da série? Como você definiria sua série? Humor, non sense, estranhamento, mas ao mesmo tempo muito crítica, se as pessoas realmente prestarem a atenção. O mundo dos carrapatos é o nosso mundo aumentado e ridicularizado. Muitas coisas da nossa realidade poderão ser transpostas para lá. Quais são as principais propostas/objetivos da série? Entreter é o primeiro. A partir disso, podemos conseguir muita coisa. Cito novamente Bob Esponja, que também tem essa finalidade e possui alguns episódios extremamente críticos de nossa realidade. Analisar a nossa sociedade humana é outro com certeza, sempre com humor e crítica. Como estes conceitos e objetivos são trabalhados nos roteiros dos episódios? O piloto foi o roteiro mais complicado, por ser o primeiro. Depois que você já tem bem claro o mundo, e as personagens já têm vida, as coisas vão fluindo. Acho que um bom texto narrativo, livro, série, novela começa realmente a funcionar, de “acordo com as peças que colocou no tabuleiro”, quando as personagens começam a falar por si e a direcionar a história. O autor apenas segue o que está sendo pedido por elas. Como exemplo de humor trabalhado na série, cito a explosão dos carrapatos. Primeiramente, ela aconteceria depois de os carrapatos sugarem muito, mas aí seria tudo muito previsível. Então optamos por que os carrapatos explodissem nos momentos mais inusitados. Esse inusitado é um dos elementos de humor da série. O estranhamento é outro elemento de humor que colocamos na série. Os conceitos são trabalhados muitas vezes de forma implícita, que faz com que o espectador tenha que pensar e estabelecer relações com a nossa realidade para entender a proposta apresentada. E também de forma explícita, escancarada, principalmente nas gags. Como se dá a articulação da narrativa com os demais elementos (visuais, produção, comercialização etc.) da série? O visual já está feito. As personagens já têm cara, voz, personalidade. O mundo delas já existe e quero que seja mais louco e interessante do que o nosso mundo, mesmo sem
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a tecnologia que já temos. Falei, inclusive (e isso é bacana, pois não foi pensado, apenas aconteceu naturalmente), que a nossa série é muito ecológica também. Se as pessoas prestarem atenção, vão descobrir isso e rir ainda mais. No mundo dos carrapatos, não existem automóveis e eles usam “rolantes” (enormes rodas) para exercícios e para gerar energia para suas residências de pedra. Os Carrapatos têm uma estética simples e diferente e um universo que foge completamente ao padrão. Tudo isso com muito humor, o que certamente facilitará a sua comercialização e a criação de outros produtos, como games. Quais foram, em termos narrativos, as principais dificuldades encontradas? Como foram contornadas? Acho que os argumentos iniciais foram a parte mais complicada. Agora está mais fácil escrever um argumento, porque as personagens já criaram vida. Acho que duas ou três linhas já resolvem para dar diretriz ao roteiro do episódio. Que dicas/conselhos você daria para alguém que quer desenvolver um projeto de série de animação para TV? Ler é importante. Os animadores e desenhistas precisam fazer isso. Muitos desenham, muitos animam, mas poucos conseguem contar uma história. E aí a literatura mostra quão importante isso é. Eu sou professor, escritor e roteirista. Acho que tudo isso me ajudou muito. Não adianta fulano criar uma personagem super bem desenhada e não saber o que fazer com ela. Acho que a história vem antes, abstrata na sua cabeça, depois ela passa para o papel na forma de palavras e, então, desenhos.
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Considerações finais Muitas coisas foram afirmadas e comentadas neste livro e, para alguém que esteja começando a desenvolver projetos de série de animação, talvez este possa parecer um meio um tanto quanto inacessível, repleto de questões técnicas e especializadas. Mas é preciso lembrar que todo caso de sucesso passou, em algum momento de sua trajetória, pelas mesmas dúvidas, problemas e dificuldades pelos quais qualquer projeto irá passar. Por isso, ao começar o desenvolvimento de um projeto, o mais importante é não ter medo e seguir a sua própria trajetória sempre de maneira confiante. Claro que a confiança, sozinha, não faz nada, por isso esperamos que este livro possa ter colaborado para quem está no início de sua jornada. Para o leitor já iniciado na área, esperamos que o livro possa ter levantado novas questões e ter lançado novas luzes sobre outras, já conhecidas. Para terminar este livro, ao invés de fazermos uma síntese ou resumo do que foi apresentado, optamos por elaborar uma relação de 15 dicas e conselhos que, acreditamos, possam ajudar tanto iniciantes quanto iniciados no sucesso de seus projetos e em suas realizações profissionais e pessoais.
1 – Realize antes, ao menos, dois curtas-metragens animados Apesar de cada meio possuir especificidades que diferenciem suas produções, é desejável alguma experiência prévia em curta-metragem antes de se aventurar em projetos de séries de animação para televisão. Na maioria dos casos, a primeira experiência de um animador na área se dá pela realização de um curta-metragem autoral com recursos próprios, adquirindo a experiência necessária para um segundo trabalho. Dependendo do desempenho dessa primeira experiência autoral, normalmente medida por seleções e eventuais premiações em festivais, o animador consegue o aporte de algum edital para a realização de uma nova obra. Agora, além de aperfeiçoar aquilo que não funcionou bem
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Considerações Finais
na primeira vez, o animador deverá trabalhar com cronograma e orçamento mais rigorosos e criteriosos, tendo que prestar contas ao agente financiador no final do processo. Essas experiências prévias permitem ao animador uma noção mais próxima do processo de produção de uma série de animação, em comparação com alguém que não as possui. Boa parte, se não a totalidade dos autores de séries, passou por esse processo. Em alguns casos, inclusive, essas experiências se apresentaram como embriões de futuros projetos de séries.
2 – Esteja atualizado Estar sempre atualizado em relação à área é fundamental e deve acontecer por diferentes formas simultaneamente: assistindo e analisando séries antigas e atuais, conversando com diferentes pessoas relacionadas ao meio, participando de eventos, visitando regularmente sites, lendo livros e revistas especializados, fazendo cursos, acompanhando sessões de pitchs abertas etc. Enfim, deve procurar as mais diversificadas maneiras pelas quais consiga ter um panorama abrangente do mercado de séries de animação.
3 – Procure sempre expandir suas referências O proponente de projetos de séries de animação deve buscar sempre sair de sua zona de conforto e buscar “outras” referências, pertençam elas à animação ou não. Expandir quantitativa e qualitativamente o repertório exige um movimento voluntário do autor. Devemos considerar que a inteligência e a criatividade humana podem se manifestar nas mais diferentes épocas, lugares e suportes. Ainda que seja fundamental conhecer o métier da animação, também é fundamental explorar outros territórios como a dança, música, teatro, ópera, literatura, enfim, qualquer forma de expressão. Como o conhecimento e a produção cultural humana são praticamente infinitos e vivem em constante expansão, é importante que esse processo nunca seja freado. Não podemos saber, entretanto, quando, como e de que forma serão aproveitadas estas referências – e mesmo se serão efetivamente aproveitadas. Em alguns casos ainda, este aproveitamento pode se dar de maneira não muito clara e consciente para o autor. De qualquer forma, é importante que as referências estejam sempre por perto, guardadas em algum lugar acessível para que possam ser evocadas a qualquer momento – o que nem sempre ocorre de forma imediata. Além disso, a ampliação do repertório diminui a possibilidade da chamada “reinvenção da roda”. Ainda que não haja uma forma de se assegurar completamente sobre o ineditismo do projeto, quanto maior e mais diversificado o repertório, menor serão as chances de que isso aconteça.
4 – A paixão pelo projeto deve ser a principal motivação Embora possa parecer clichê, a motivação principal de um projeto de série deve sempre ser a paixão. Além da competência técnica, que pode ser adquirida, o que distingue um projeto bom de outro excelente é, muitas vezes, a paixão envolvida.
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Mesmo que não possa ser facilmente definida, a ausência de paixão em um projeto pode ser facilmente percebida. A presença da paixão em um projeto é sempre espontânea e transparece em todas as etapas. Projetos motivados apenas por glamour ou por sucesso comercial parecem ser criados por setores de marketing, carentes de alma.
5 – A criatividade deve sempre se fazer presente Assim como a paixão, a criatividade deve ser sempre um dos pilares de qualquer projeto de série de animação. Não se autocensure: o pior tipo de censura que pode ocorrer é a censura do próprio autor. Para evitar isso, é preciso achar o ponto em que se localiza a tênue linha entre a (auto)crítica e a liberdade criativa; em outras palavras, o meio termo entre o “vale-tudo” e o “não vale nada”. O universo da animação não possui limites e assim também deve ser a cabeça do autor. Séries de animação já existem há muito tempo e possuem um público bastante exigente: o que o seu projeto pode acrescentar ou trazer de novo?
6 – Veja o quadro geral e considere aspectos diversos Priorizando sempre a paixão e a criatividade, não se deve esquecer de considerar aspectos diversos que tornem viáveis e atraentes a realização da série. Isso exige uma percepção acurada do contexto e da realidade envolvidos no projeto, além de um hábil jogo de cintura com os demais setores e agentes envolvidos na produção. Daí, mais uma vez, a importância da formação de uma equipe não apenas competente profissionalmente, mas também comprometida e que compartilhe com o autor os mesmos sentimentos em relação à série.
7 – Crítica, autocrítica e consultoria: saber procurar e escutar Não apenas ouvir, mas escutar os outros e a si mesmo. Procurar entender as críticas, edificantes ou não, é tão importante quanto à capacidade de desenvolver uma autocrítica aguçada. Consultores especializados podem ajudar bastante ao fornecer uma visão externa e imparcial, apontando, ou mesmo realizando alterações e modificações fundamentais no roteiro e na estrutura do projeto. Todavia, nem todas as críticas e sugestões devem obrigatoriamente ser sempre incorporadas ao projeto. É preciso bom senso para saber quais as críticas que devem realmente ser levadas em conta e quais não. Em outras situações, mesmo concordando com uma crítica em relação a algum aspecto específico, ela não será incorporada ao projeto devido a outros elementos ou fatores prioritários na produção. Às vezes, as mais importantes críticas e sugestões podem surpreendentemente surgir nas situações em que menos se espera. Procure escutar a maior quantidade e variedade de pessoas possível e esteja sempre aberto – muitas vezes, um olhar diferenciado sobre algo presente no cotidiano ou aparentemente simples pode levar a lugares interessantes.
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Da mesma forma, não ignore suas ideias e pensamentos, por mais ingênuos e despretensiosos que possam parecer à primeira vista. Muitas ideias “geniais” surgiram de situações e pensamentos inusitados ou inesperados. Certa vez, uma maçã madura mudou para sempre a história da ciência ao cair de uma macieira e atingir certeiramente a cabeça de um jovem físico inglês que descansava à sua sombra. Este simples fato, que em outros casos teria resultado apenas em uma ligeira dor na cabeça, desencadeou a fundamentação de toda a mecânica clássica e da lei da gravitação universal, mudando para sempre a história da ciência e os rumos da própria humanidade. Assim como aconteceu com Newton na Física, é possível que a “maçã” de uma série de animação esteja em qualquer lugar, a qualquer hora. É preciso achar o estopim que desencadeará algo maior que seu fato de origem e que resultará em alguma coisa imprescindível ao projeto.
8 – Conheça o seu projeto e nunca o apresente antes do tempo O autor ou proponente do projeto deve conhecer, mais do que ninguém, seu próprio projeto. Por isso mesmo, não se deve pensar em apresentá-lo oficialmente antes que se tenha certeza sobre todas as decisões e pleno conhecimento de todos os seus elementos. Assim como acontece em qualquer outra área, é preciso que o projeto atinja a sua maturidade antes de ser apresentado. Em um pitch, por exemplo, ao ser indagado sobre alguma questão, o proponente não deve hesitar ou (aparentar) desconhecer a resposta. Eventuais inseguranças são assimiladas imediatamente pelo avaliador, que pensará duas vezes antes de investir em um projeto incompleto ou indefinido. Lembre-se: o autor não faz o projeto de uma série para si próprio.
9 – Considere a possibilidade de conviver com seu projeto É preciso considerar a possibilidade de convívio com a realidade de trabalho do meio por muito tempo, uma espécie de casamento. Apesar de que, provavelmente, a grande maioria das pessoas que desenvolve projetos de séries o faz por gostar de animação, é preciso considerar que assistir ou se pensar em um projeto é bem diferente de se trabalhar cotidianamente com ele. Independente do prazer e da satisfação de ver um projeto próprio realizado não se deve esquecer que, em muitos aspectos, trata-se de um ofício como outro qualquer, incluindo os seus altos e baixos. Também é preciso considerar o nível de envolvimento e a disponibilidade regular e constante que uma série de animação exige. Além disso, o eventual reconhecimento, quando existente, se dá de maneira muito mais restrita e específica do que em outras áreas, nas quais se conhece a partir do autor suas obras. Para o grande público espectador, o nome do autor de uma série de animação é menos conhecido do que o da própria série, fazendo com que a imagem do criador viva na sombra de sua própria obra.
10 – Seja profissional Vivemos em uma época em que o profissionalismo é cada vez mais exigido nas mais diversas áreas e segmentos - sobretudo em nichos de mercado competitivos, como é o das séries de animação. Ser
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um profissional da área de animação exige conhecimentos, habilidades e competências específicas da área, mas também diversos outros comuns à maioria das áreas. O estereótipo do artista “maluco beleza” aqui não vale; é preciso vender uma imagem de profissional criativo. Apesar de séries de animação muitas vezes envolverem humor e certo clima informal, é importante não confundir isso com uma atitude relapsa. O ideal é buscar conciliar essa atmosfera, importante para se formar uma equipe harmoniosa e motivada, com o profissionalismo. Neste sentido, a união de fatores como formação, experiência, competividade, responsabilidade, pontualidade, comprometimento, dedicação, motivação, carisma e saber trabalhar em equipe com os conhecimentos, habilidades e competências específicas da área é fundamental para o sucesso profissional em animação. Também é preciso o domínio pleno de um idioma estrangeiro, normalmente o inglês, para conseguir se comunicar fluentemente em situações diversas, sobretudo com eventuais parceiros internacionais.
11 – Procure acompanhar e participar de todas as etapas Da mesma forma que o autor, por vezes, pode ou deve ouvir produtores, executivos e demais pessoas envolvidas em uma série de animação, também é importante que ele possa acompanhar e participar das demais etapas de produção. Isso possibilita que a “essência” da obra perpasse pelas mais diversas etapas e também pode garantir a formação de uma equipe de trabalho mais coesa e harmoniosa, fundamental para se manter a qualidade final da série. Claro que fatores como remuneração e condições de trabalho também influenciam bastante na dinâmica de processo de uma equipe e deve-se buscar formas para que sejam sempre as melhores possíveis. Mas, além disso, quanto mais a paixão do autor contaminar e for compartilhada com todos os envolvidos – o que ocorre sempre de forma pessoal e espontânea melhor para toda a equipe e o público final. Quanto mais o autor conseguir acompanhar todas as etapas de produção de sua série, maiores são as possibilidades de que a essência criativa e os objetivos iniciais da obra perpassem todas as etapas e cheguem ao público espectador. Participar dessas etapas permite uma visão mais abrangente e integrada sobre o projeto e, também, pode auxiliar no processo de criação ao se considerar previamente aspectos que não seriam levados em consideração de outra forma.
12 – Dê o máximo de si, sempre Em mercados competitivos, como é o das séries de animação, ser apenas bom não basta. Ao examinarem qualquer projeto, os avaliadores vão entender que aquilo que for apresentado representa o máximo que pode ser feito. Então, mais importante que correr para conseguir apresentar o projeto em um determinado lugar, é apresentar um projeto maduro e competitivo. Em algumas situações, entretanto, o cronograma pode não fornecer o tempo necessário para o desenvolvimento e amadurecimento de um projeto de série de animação. Por isso, o ideal é que o autor possua de antemão pelo menos três projetos devidamente elaborados. Assim, em um caso de necessidade, basta reativar estes projetos e, eventualmente, fazer pequenos ajustes para uma apresentação profissional.
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É preciso que o proponente mantenha, sempre e em qualquer etapa ou circunstância, o máximo de sua capacidade e potencial. Além disso, é preciso que este “máximo” possa se expandir constantemente, isto é, que se procure continuar melhorando e aperfeiçoando seu trabalho, aumentando sistematicamente os padrões e expectativas sobre seu projeto.
13 – Bom senso, coerência e jogo de cintura Bom senso, coerência e jogo de cintura são três termos diferentes aqui utilizados para definir um mesmo conselho. Em um projeto que lide com ironia, por exemplo, é preciso que o autor tenha autoironia também, da mesma forma que um projeto que aborde questões sobre meio ambiente e preservação da natureza deve ter algum tipo de preocupação com essas questões além dos próprios episódios - diminuindo ou eliminando a quantidade de papel utilizado na produção, plantando árvores para compensação dos impactos ambientais, combatendo o desperdício, utilizando fontes de energias renováveis, estimulando a carona entre os funcionários etc. Em certas situações pode não haver consenso entre as diferentes partes envolvidas em uma série de animação. Nesses momentos, é importante saber como e, mesmo, se é possível ceder, negociar ou manter uma posição. O radicalismo pode ser tão prejudicial quanto a falta de opiniões próprias ou de um ponto de vista coerente com o projeto. É necessário ter, portanto, sensibilidade e poder de persuasão no trato de questões diversas que envolvam negociações e decisões. Às vezes, a opção que parece ser a melhor no calor do momento pode implicar em coisas menos favoráveis posteriormente. Por isso, é preciso considerar todas as opções e seus desdobramentos e aprender a negociar com seus parceiros – eventualmente, posicionando-se como agente intermediário entre dois deles. Por exemplo: a ideia de licenciamento de um determinado tipo de produto pode ir de encontro aos conceitos da série, podendo ser vista como contradição, ou mesmo hipocrisia, por parte do público. Assim, seria mais apropriado repensar esse produto diminuindo o índice de rejeição da série. Por outro lado, o simples fato de um produtor sugerir alguma ideia em relação ao aspecto criativo da série não significa que ela seja ruim. Tão importante quanto manter uma posição ou saber negociá-la é ter humildade e reconhecer o momento de abrir mão dela. Não são raros os casos de autores que afirmaram terem sido contrários inicialmente a algum tipo de sugestão de terceiros e que acabaram por adotá-la. Nestes casos, os autores acabam convencidos de que se trata, de fato, de uma boa sugestão para o projeto e que não tinham conseguido ver isso com clareza no momento de sua elaboração.
14 – Aprendendo a lidar com o “fracasso” O “fracasso” faz parte de qualquer atividade humana e, muitas vezes, está mais perto do “sucesso” do que se pode imaginar. O fato de um projeto não ter sido bem avaliado por alguém não significa necessariamente que ele seja ruim. Quantas vezes não ouvimos histórias de projetos em diversas áreas que foram recusados por certas pessoas e depois acabaram fazendo enorme sucesso
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quando agenciados por outras? Como diz o ditado popular: “só erra quem faz e só faz quem não tem medo de errar”. Determinação e perseverança são palavras- chave. Se você acredita nas suas ideias e em seu projeto, não desista diante dos percalços do caminho.
15 – Aprenda a lidar com o “sucesso” Talvez mais difícil que lidar com o “fracasso” seja lidar com o “sucesso”. Antes de qualquer coisa é preciso considerar se o projeto foi, de fato, um sucesso. Para isso é preciso verificar se os objetivos propostos foram alcançados e ponderar sobre o sentido deste termo. O que significa o “sucesso” de seu projeto? A sua simples realização? Remuneração financeira? Reconhecimento do público? Realização pessoal e profissional? Críticas favoráveis? Prêmios? Mesmo que não haja dúvidas que o projeto tenha sido um sucesso sob diversas perspectivas, é preciso considerar o que pode ser melhorado para a próxima temporada e o que pode ser feito com esse “sucesso”. A máxima de que é mais difícil manter o sucesso do que chegar a ele vale neste caso. Não por coincidência, existem algumas séries de animação com número reduzido de temporadas, ou mesmo, com uma única temporada realizada. Conseguir a realização de uma primeira temporada de série de animação deve, portanto, ser entendido como o primeiro passo na trajetória de um caminho exitoso. Além de novas temporadas, o êxito de um primeiro projeto pode, por exemplo, abrir portas para a realização de novos projetos de séries, diversificando a experiência e aumentando os desafios. Assim chegamos ao final deste livro. Contatos, comentários, críticas e sugestões são benvindos e podem ser feitos diretamente com o autor. Esperamos que possamos ter colaborado com a bibliografia sobre animação em língua portuguesa, assim como com o desenvolvimento de novas ideias e projetos de série de animação e quiçá com o próprio desenvolvimento do setor da animação no país.
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Posfácio O sucesso não vem barato, nem rápido, nem certo, nem sempre e, mesmo assim, não se deve desistir, pois o seu bilhete pode ser o da vez. Basta uma ideia simples e brilhante, um passo à frente de tudo. Ou, talvez, ao contrário, ir pela contramão, mas ainda com a intenção de inovar. A dúvida, no entanto, é difícil. A espera pela aprovação do investidor, que está preocupado em obter o máximo retorno para os custos, é sempre um fator de tensão para o animador. “What a Cartoon” (1994), do estúdio Hanna-Barbera, foi uma das primeiras experiências bem-sucedidas na produção de curtas para reinventar um mercado ultrapassado e tentar reconquistar o sucesso de outras décadas. Dos vinte e tantos produzidos, três fizeram história - “Garotas Super Poderosas”, “Johnny Bravo” e “A Vaca e o Frango”-, criados por recém-formados cheios de criatividade. Em 1998, a Nickelodeon também fez sua tentativa, com “Oh Yeah, Cartoon”, no qual um orçamento anual era dedicado à criação de curtas que se tornariam seriados, conforme a votação do público infantil. Nessa época, surgiu na contracorrente “Bob Esponja Calça Quadrada”, uma série que ousou não seguir nenhum padrão tradicional. Agora, esta brilhante ideia tem versão brasileira, com o Programa ANIMATV. A sorte foi lançada e se transformou em 17 fantásticos pilotos, que não devem nada àqueles produzidos fora do país. Cada um deles é genial, inovador e, acima de tudo, brasileiro. Todos trabalharam intensamente para cumprir datas e respeitar o orçamento, num trabalho sério, que exigiu qualidade artística específica e inteligência emocional coletiva para que os grupos produzissem em equipe por longos períodos.
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Posfácio
O processo de criar tudo a partir do nada é exaustivo: conseguir aprovar o roteiro, depois, conduzir os storyboards para além do roteiro, além da palavra, adicionando humor. Este aparece na hora do traço e é potencializado pela escolha do enquadramento adequado à gag, ao jargão. E, hoje, este quer perpassar todas as faixas etárias, criando vários níveis de compreensão. A piada de um jargão apenas, criada nos primórdios da animação, atualmente já não satisfaz. Ela vem triplicada na estrutura dramatúrgica, concentrada, na proporção de três em um. Por exemplo: uma estrela do mar aparece grudada embaixo de uma pedra, que se levanta feito tampa para surpreender uma outra personagem aquática com um alegre “olá”. Esta é apenas a primeira parte de uma piada em três partes. A estrela nota que está nua, sente-se envergonhada e a pedra se fecha com rapidez para, logo em seguida, reabrir, mostrando a estrela já adequadamente vestida e saudando novamente o seu parceiro. Este retribui com a mesma alegria, parecendo não notar nada. Neste momento, a piada se encerra no espectador, que acaba assumindo o papel de testemunha única dos fatos. Aí é que está a graça multiplicada. Ela não está apenas no primeiro, nem no segundo ou no terceiro fato, ela está além dos fatos, ela está no espectador e é intrínseca à natureza de suas personagens. As personagens não podem jamais ser traídas por seus criadores. Elas devem ir além dos animadores e dubladores, médiuns finais da alma destas criaturas que, de fato, não existem em plano algum além do tempo dos fotogramas. A criança ri da brincadeira, das cores, da música alegre, do som caricato e se identifica com as coisas que são comuns à sua idade. E o adulto se identifica com a neurose e a ingenuidade desses seres e ri de si mesmo. Desenhos que desafiam faixas etárias diversas e parâmetros estabelecidos por suas emissoras, encantando o público em seus variados níveis de compreensão, parecem existir mais e mais nas animações contemporâneas. O poder do bom desenho animado ultrapassa fronteiras, dá exemplo, alimenta o imaginário para além da lógica convencional. No final das contas, a sua personagem principal deve ter o charme e o encanto da inocência. A vontade de vencer da forma jovem, ingênua, de quem acredita que pode mudar o mundo. Esse ser está dentro de todos nós e é com ele que nos identificamos, não importa qual seja a nossa a idade, cor ou origem. O encanto da personagem é o segredo da dramaturgia em animação, do sucesso e da longa vida de um seriado. Ennio Torresan1
1. Ennio Torresan é storyboarder da série “Bob Esponja Calça Quadrada”, trabalhou também em longas como”Madagascar”, “Kung Fu Panda”,” Kung Fu Panda 2” e “Master Mind”, pela DreamWorks.
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para saber mais Indicamos a seguir algumas referências que acreditamos possam ser úteis àqueles que desejarem aprofundar nos diversos assuntos abordados neste livro.
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sobre o autor Sergio Nesteriuk é graduado em Comunicação Social – Rádio e Televisão pela UNESP, com mestrado e doutorado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Foi consultor de roteiro e dramaturgia dos projetos selecionados no ANIMATV. Leciona disciplinas relacionadas a projetos, roteiro, animação, games e hipermídia, além de orientar projetos de naturezas diversas nos cursos de Animação, Design de Games, Comunicação em Multimeios e Tecnologia e Mídias Digitais. É realizador independente nas áreas de audiovisual, produção sonora e hipermídia. Atua ainda como consultor de roteiros e projetos. Contatos com o autor podem ser feitos pelo e-mail: nesteriuk@hotmail.com