Resenha bibliográfica

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Resenha Bibliográfica leram-se ao Instituto de Pesquisa Social, oÍlCialmente criado na Alemanha, em 1923; ligado originariamente à Universidade de Frankfurt, ele sempre possuiu autonomia financeira e dedica-se exclusivamente à pesquisa, à reflexão e produção teórica, de um ponto de Vista díalético e crítico, nos campos da Teoria Social, Econômica e Política, da Teoria do Conhecimento. da J::tica, da Estética e da Teoria da Cultura. Em linguagem concisa e clara, o livro é notadamente dídãtícc e de síntese; nâc pretende discutir exaustivamente as obras dos principais expoentes da Escola (entre outros, M. Horkheímer, Th. Adorno, W. Benjamin, H. Marcuse e 1. Habermas): visa orientar e facilitar o acesso aos textos desses autores, convidando 0& leitores mais interessados a um estudo aprofundado posterior. Pode ser dividido em cinco partes:

FREITAG, Barbara. A teoria crítica: ontem e hoje. São Paulo, Brasiliense, 1986. A ediç50 recente do livro A teoria critica:. ontem e hoje • da socióloga e professora da UnB Barbara Freitag, vem em boa hora cobrir uma lacuna na bibliografia existente, em língua portuguesa, sobre as principais correntes do pensamento contemporâneo na área das Ciências Sociais e da Filosofia; trata-se da fértil e diversificada produção intelectual que vem sendo elaborada nos últimos 60 anos pelos teóricos e pesquisadores da chamada "Escola de Frankfurt". Com esse termo - esclarece a autora - procura-se geralmente designar .. a institucionalização dos trabalhos de um grupo de intelectuais

marxistas não-ortodoxos, que nos anos 20 permaneceram à margem de um marxismoleninismo 'clássico', seja em sua visio teórico-ideológica, seja em sua linha militante." (p. 10). A alusão geográIlCa tem .ua razão de ser: todos os Intelectuais dessa tendência (na maioria a1emles) vinculam-se ou víncu-

a) Na Introdução, além dos esclarecimentos de praxe sobre os objetivos, temas e planos d-e análise do livro, a autora apresenta um breve e elucidativo histórico do institui fuer Sozial Fonellllllll (Instituto de Pesquisa Social), em tomo do qual sempre gravitaram os teóricos da "Escola de Frankfurt." Distinguem-se quatro fases na história. do Instituto: a de sua criação e consolidação- em Frankfurt (1922 a 1932); a de sua ernigraçâo para a Suíça e depois para os EUA, no período de préGuerra e da Segunda Guerra Mundíal (1933 a 1950); a de retorno à Alemanha após a Guerra (bastante desfalcado, já que vários autores decidem radicar-se nos EUA) e sua reconstrução em Frankfurt (l9S0 a 1970); e finalmente, sua fase atual, iniciada após. os movimentos de protesto estudantil na Europa e após os falecimentos de seus principais "fundadores" e/ou sustentáculos; Horkheímer, Adorno, Marcuse, Benjamin (1970 aos dias de hoje). A autora cuidadosamente explicita a gênese, a evolução e as transformações dos temas, das problemáticas e perspectivas da "Escola" ao longo do tempo, .referindo-as simultaneamente aos debates teórico-críticos entre os seus autores e entre

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estes e seus oponentes. Trata também de

entrelaçar essa "história interna" do Instituto coma história que transcorria em nível 10cal e mundial. Finalizando esta parte, ela coloca para o leitor uma questão para a qual oferecerá boas pistas de solução: podese, de fato, afumar a existência de uma unidade teórica, metodológica e de orientação prático-política entre os autores usuahnente vinculados à tradição da Teoria Crítica, produzida pela "Escola de Frankfurt "1 b) Discute-se nesta parte o conteúdo programático da Teoria Crítica, explicitando-se os temas e as teses centrais debatidas entre os teóricos de Frankfurt e seus críticos. A autora seleciona, com êxito, três "eixos" temáticos que sempre estiveram presentes nos trabalhos do Instituto, desde sua fundação e em tomo dos quais discutirá os aspectos substantivos da linha da "Teoria Crítica": b-I) O tema da dialética da Razão Iluminista e a crítica da ciência experimental modema e suas aplicações técnicas O ponto de partida está na célebre tese de Horkheímer e Adorno de que a Razão Ilumínísta, originalmente concebida como condutora de um processo emancipatório levando à autonomia e à autodeterminação gerais, acaba por transformar-se dia[eticamente em seu contrário, após a Modemídade; encarna-se num processo de institucionalízaçâo que serve à dominação e à repressão humanas. Esta discussão polariza os autores da Escola em torno de três momentos principais: - a publicação do ensaio de Max Horkheimer "Teoria Tradicional e Teoria Crítica", em 1937; - a disputa entre o Positivismo e a Dialétíca, na Sociologia Alemã, e a crítica da Razão Instrumental e Tecnocrática, em fins da década de 60; - o debate recente entre as concepções de Razão Sistêmica e Razão Comunicativa em sua aplicabilidade aos fenômenos sociais (Luhmann X Habermas, anos 70).

b-I1) A dupla face da ,cultura e a indústria cultural Este é o tema pelo qual a tradição crítica de Frankfurt é mais conhecida hoje. A partir de análises da relação entre capítalismo e cultura, discutem-se os temas da cultura popular e cultura de massa, indústria cultural, funções da arte e da cultura em sociedades industrialmente avançadas; registra-se, no caso de Adorno, uma passagem da Teoria Crítica à Teoria Estética.

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Frutos desta vertente temática são as polêmicas atuais sobre Modernismo X PósModernismo e sobre Racionalismo X irracionalismo na cultura contemporânea. b-III) A questão do Estado e a de suas formas de legitimação Seguindo no pré-Guerra uma orientação teórico-ideológica mais próxima do marxismo, os autores da "Escola" desenvolvem análises que evoluem segundo três enfoques principais. Na primeira, percebe-se a quéstão do Estado como parte do debate mais amplo sobre as mudanças estruturais ocorridas na base econômica do capitalismo desde Marx, ressaltando-se o aspecto do intervencionismo estatal. Na segunda, o problema do Estado e o da dominação confundem-se com a crítica à Razão Instrumental e às práticas políticas tecnocráticas. Finalmente, torna-se tema autônomo das reflexões, e elaboram-se teorias e análises sobre as funções exercidas pelo Estado e as formas de legitimação dele nas sociedades industrialmente avançadas (evolução do Estado liberal ao Estado pós-moderno). Deve-se, entretanto, ressaltar um problema colocado por esse tipo de análise centrada em "eixos temáticos": há nas formulações dos diversos autores da "Escola" diferenças profundas às vezes, epistemológicas e políticas; no caso de uma análise temática é obrigatório, portanto, que não se homogenize o tratamento dos temas e que se atente para as particularidades mais importantes dos autores. Freitag não incorre nesse erro e observa que os termos "Escola de Frankfurt" ou "Teoria Crítica" sugerem uma unidade temática e um consenso episternológico, teórico e político "que raras vezes existiu entre os representantes da Escola"; para a autora, o que "caracteriza sua atuação conjunta é mais sua capacidade intelectual e crítica, sua reflexão dialética, sua competência dialôgica ou aquilo que Habermas viria a chamar de "discurso", isto é, o questionamento radical dos pressupostos de cada posição e teorízaçâo adotada." c) Na terceira parte do livro, a autora avalia a repercussão da Teoria Crítica dentro e fora da Alemanha (incluído o Brasil), principalmente após a morte de seus mais antigos e famosos representantes (Horkheimer , Adorno, Benjamim, Marcuse). Freitag entende que a atualidade dessa corrente de pensamento deve-se nâo a sua capacidade de preservação de um "pensamento de Escola", mas a seu estado permanente de renovação, reformulação e autocrítica.

Anó!.. Conj., Belo Horiz:onte, 2 (1): 171·179, jart.ll:lbr. 1987


Ela toma como exemplo a produção teórica de Jürgen Habermas, filósofo e cientista social contemporâneo da terceira geração da Escola, que nesta década de 80 tem abertamente criticado os trabalhos de seus predecessores. Entendendo que Horkheímer, Adorno e Marcuse vincularam-se demasiadamente, em seus inícios, a um conceita de Razio histórico-tilosófica de inspiração marxista, Habennas crê que aqueles autores acabaram por ser levados a becos sem -saída teóricos e/ou políticos. Acusa os dois primeiros de, entre outras coisas, serem os precursores da tendência pôs-moderna da análise cultural, possuidora de traços irracionalistas, dada a crítica radica! e sem solução que fazem à Modernidade e aos valores do Iluminismo. Isso porque teriam acreditado, tal corno Marx, que a realização da emancípaçâc racional humana associavase somente ao plano do "trabalho produtivo", sem a necessidade de outras mediações. Freitag mostra que Habermas, ao introduzír suas categorias de intersubjetividade e de agir comunicativo, pretente escapar a essa concepçlo do que os homens só teriam controle racional dos destinos históricos com a superação das relações de trabalho alienadas e alienantes do capitalismo. Habermas acusa-os também de ficarem devendo um conceito de verdade amplo, que satisfizesse os requisitos peculiares hoje exigidos pelos campos, na ciência, da vida prático-política e da estética - apresenta a sua Teoria da Verdade-Consenso ou Teoria Comunicativa da Verdade visando cobrir essa exigência. Ele critica também seus predecessores por olharem com desconfíança e temor a democracia, pois pensam-na somente aplicável num contexto onde as massas "inexoravelmente se submetem à manipulação de políticos sem escrúpulos, perdendo sua competência crítica e reflexiva. A teoria política habermasiana compromete-se com uma exigência radica! de democracia, única forma política em que poderia realizar-se o Agir Comunicativo pleno, ou seja, o "diálogo, livre de coerções, de todos com todos" sobre aquilo que deve valer como norma geral na vida social, Segundo Freitag, Habennas acredita que, para superar os impasses da velha "Teoria Crítica", devem-se as abandonadas raízes da tradição alemã ligada ao "paradigma da consciência" e retomar os vínculos com uma outra tradição, que passa por G. H. Mead, Durkheim, Wittgenstein, pelo Interacionismo Simbólico, Etnometodologia e Psicologia do Desenvolvimento, hoje insuficientemente explorada pelas Ciências Sociais; a partir dessa nova base conceitua! e teórica, poderia desenvolver-se Um conceito de Razão intera-

cionaí-comunícattva, uma noção mais aberta e "socializada" de Verdade e resgatar-se-la uma concepção mais ampla e substantiva de Democracia, que possa permear todas as formas de ínteraçâo humana. A autora descreve mais sucintamente a recepção e a renovação da Teoria Críuca pela nova geração de teóricos alemães, analisando a produção contemporânea segundo os três eixos temáticos destacados. Discute, ainda, a repercussão da Teoria Crítica fora da Alemanha, após os anos 10; analisa primeiramente o mundo anglo-saxão e depois detém-se no Brasil. Distingue como exemplar o ensaio de Carlos Nelson Coutínho J, que identifica duas etapas de assimilação do pensamento crítico Irankfurtiano no Brasil: uma, no final dos anos 60 via Marcuse e outras "Jerturas" americanas da Escola, com uma conotação 'contracultural e irracionalista; a outra, no final dos anos 70, mediada principahnente por Sérgio Paulo Rouanet 2 , de conotação odicalmente racionalista, buscando recuperar na Teoria Crítica seus elementos iluministas originais e aplicando-se em particular às, áreas da Estética, da Arte e Cultura contemporâneas. d) Na quarta parte, a autora apresenta as conclusões, nas quais faz um balanço da trajetória da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt nos seus 64 anos de existência e de sua importância celatil'a no interior do quadro teórico e ideológico das correntes intelectuais de hoje. Ressaltando o carâter politicamente engajado dos debates teóricos travados pelos expoentes da Escola, Freitag entende que o Brasil "teria tudo a lucrar se procurasse aprofundar e adaptar às condições locais a leitura racionalista e emancipatória" (p. 153) que, a seu ver, é "a única verdadeiramente frankfurtiana" (p. 153), no que respeita aos três temas que isolou e discutiu em seu livro:

COUTINHO, C. N, A escola de Frankfurt e e a cultura brasileira. Presença:. Politica e Cultura, Rio de Janeiro, (7):100-12, mar. 1986. 2 Intelectual e diplomata brasileiro, profundo conhecedor do pensamento füoséfíco social. e político europeu moderno e contemporâneo.

An61. a Conj., Belo Horizont_, 2 (1): 171-179, lan.fobr. 1987

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- Quanto ao eixo "razão/ciência", afmna ela - teoria crítica pode dissolver equívocos que cercam o conceito de Razio, mostrando que esta é o único instrumento de libertação e em que ela pode ajudar-nos a denunciar o uso da ciência e da técnica COQlO ideologia, transfonnadas, especialmente nos últimos 20 anos, em agentes do sistema tecnoburocrátíco brasileiro" (p. 15;3-4). , Quanto ao terna da cultura, a Escola de Frankfurt nos oferece todo um instrumental teórico-eonceitual de crítica da "indústria cultural", considerada como "instrumento de unidimensionalização e de submissão da consciência à lógica da mercadoria, assimiladas com tanta eficácia pela TV (... ) e pelo rádio" (p. 154). Quanto às teorias do Estado, a produção Frankfurtiana poderia, segundo Frei~~, "ajudar-nos a entender o Estado .brasilelro, tanto no que tem em geral - ~o1S o nosso capitalismo está exposto a crises .de racionalidade e legitimidade não tão diferentes daquelas isoladas por Habetmas e Oífe3 - quanto no que tem de espec,íflco, considerando nossa condição de país capitalista periférico (ver interve~ções d~ Estado na infra-estrutura - os pacotes - e na superestrutura - o "seguro-desemprego'ê) (p. 154). Finalizando, a autora comenta que a Teoria Crítica, em refluxo após o ftrn dos movimentos de protesto estudantil dos anos 60/70, vive hoje uma espécie de "segunda vida", porquanto toma-se novamente teI?a freqüente de discussões, louvações e criticas. Compreendendo este momento atual como reflexo da grande capacidade renovadora e sintética dessa tradição, Freítag sugere que os representantes da Escola de Frankfurt hoje estariam cumprindo um papel sim~­ lar ao que o marxismo desempenhou no seculo passado: o de mediação entre universos teórico-culturais que usualmente não se inter-relacionavam (no caso do marxismo, entre a fl1osofia alemã, o socialismo francês e a economia política inglesa; no caso dos frankfurtianos, entre a filosofia díalética hegeliano-marxista alemã, a Ciência

Socla1 pós-estruturallata francesa e a estética pós-moderna americana. Termina seu

livro dizendo que "'0 BrasU. pode, de forma original, participar dessa síntese, contribuindo com sua perspectiva de país capitalista

periférico até agoraausentedo debate." e) O livro de Freitag apresenta ainda, em sua última parte, uma interessante (e

pouco usual) bibliograf18 comentada, que inclui as principais fontes primárias - dos próprios membros da "Escola de Frankfurt" - e secundárias (os principais comentadores, críticos e divuJpdores estrangejroa e nacionais) e que abrangem liVlOS, ensaios e artigos jornalísticos relevantes para a compreensão do pensamento da Escola.

Barbara Freitag, nascida na Alemanha. estudou Sociologia, Psicologia e Filosof18 nas Universidades de Frankfurt e Berlim, de 1962 a 1967, tendo iniciado seus estudos de Sociologia em Frankfurt, com Max Horkheimer e Theodor W. Adorno. ~ doutora pela Universidade Técnica de Berlim (1972) e limo-docente da Univenldade uvre de Berlim (1973). Lecionou Sociologia e Psicologia Social nas Universidades de Zurick, Freíburg e e Frankfurt, de 1976 a 1982. No Brasil, lecíonou na Universidade de Sergipe, na PUC/SP e na Universidade de Brasília (UnB), onde atualmente é a coordenadora da Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Sociologia. Tem vários livros publicados na Alemanha e no Brasil, referentes principalmente à área da S0cíologia e da Psicologia da Educação, e já ministrou inúmeros CUISOS e conferências no País sobre os autores da "Escola de Frankfurt"

Aparecida Andrés

Professora do Departamento de Filosofia/UFMG

3 Do primeiro há uma tradução brasileira que deixa muito a desejar, veja-se: HABERMAS,], Problemas de legitimaçfo do capitaliuno. 1973. E do segundo: OFF, K. Mudanças estruturais do estado capitalista. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984.

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Anãt. • Conl., Belo HorIzonte, 2 (1), 171-179, jon.labr. 1987


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