Trabalho Final de Graduação CAU . FAP . FAAP | Dezembro | 2019 Orientador | Marcelo Aflalo
Anna Luiza Gaspar Brunieri
NÃO APAGAR COM : OCUPAÇÃO EM ENCOSTAS
Agradecimentos Primeiramente, gostaria de agradecer a minha mãe, Paula Gaspar, por ser essa mulher guerreira, determinada, que sempre da um jeito de fazer as coisas do melhor jeito possível e além disso ser minha melhor amiga e a melhor mãe do mundo. Eu me espelho em você! Ao Francisco Gonzalez, por ter se tornado uma figura insubstituível e importantíssima em minha vida, além de ter podido me proporcionar esse sonho que, até agora, não acredito que se concretizou. Obrigada, obrigada, obrigada! Ao meu pai, Luiz Brunieri, por me ensinar, me orientar e me ouvir. Além de ser exemplo! Ao meu irmão, Guilherme Gaspar, porque mesmo tão diferentes, somos inseparáveis e eu aprendo muito com você. À Andrea Bazarian, que sempre me inspirou, instigou e me acompanhou durante os 5 anos de curso, me abriu as portas do Estúdio TUPI e se tornou a minha maior referência de mulher arquiteta do século XXI. Você é forte! Ao Aldo Urbinati, que quando as portas do ET se abriram, acabei encontrando-o e podendo aprender um pouquinho a cada dia sobre um mundo mágico da qual eu desconhecia. A sua energia me contamina, ainda bem que encontrei. Ao Estudio TUPI por me proporcionar uma experiência que é quase indescritível, porque deve ser vivida e sentida intensamente! Com isso consegui descobrir o que é arquitetura, em seus vários sentidos e dimensões e minha identidade! 6
Ao Marcus Damon e Guilherme Bravin, por terem me dado a oportunidade de aprender coisas que eu nem imaginava em pleno terceiro semestre da faculdade, e que hoje são fundamentais para a minha formação. Ao Marcelo Aflalo, orientador do presente trabalho, Claudia Muniz, Francisco Barros, Roberto Fialho, Marcos Costa, João de Deus Cardoso, Andrea Bazarian e Sérgio Sandler por todas as orientações e terem se tornado professores que terei um carinho especial para o resto da vida. Vocês me formaram como arquiteta. Aos meus amigos, Kaique Conceição, Fábio Martinez, Julie Herzer, Leonardo Lima, Zelia Dutra, por tanta história desses anos todos e que se tornaram eternos. À Carol Almeida e Lívia Biaso por entrarem na minha vida, e me salvarem de uma vida sem vocês. Ao Vinícius Brito e Willian Kenji, pela parceria e amizade, que se tornou inesquecível. Á Elis Cardozo, Daniel Korn, Alex Pátaro, Amanda Tamburus e Amanda Martins, por compartilharem emoções desses anos todos comigo. E, finalmente, ao Luciano Perobelli, que me acompanha desde o início da minha vida, me viu crescer, evoluir, me formar e pelo futuro, que tenho certeza que será incrível! A nossa parceria é inexplicável, muito obrigada por fazer parte e ser um personagem insubstituível na minha história. 7
Sumário
01 1.0 Justificativa
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2.0 Ocupação Urbana e áreas de risco em São Paulo 2.1 Porquê áreas de risco? 2.2 Definição e mapeamento das áreas de risco
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02 3.0 São Paulo e seus problemas 3.1 Vulnerabilidade social, direito à cidade e limites entre o formal e o informal 3.2 Contrução em favelas e análise dos riscos 3.3 Projetos de Prevenção de desastres 4.0 Recorte | Paraisópolis
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03 5.0 Projeto 5.1 Referências arquitetônicas 5.1.1 Zinc Mine Museum | Peter Zumthor 5.1.2 Conjunto Pedregulho | Affonso Eduardo Reidy 5.1.3 Projeto para São Paulo e Rio de Janeiro | Le Corbusier 5.1.5 Cidade subterrânea | Capadócia, Turquia 5.1.6 Favela Nova Jaguaré - Setor 3 | Marcos Boldarini 5.2 Formas de ocupação e adensamento 5.2.1 Grid 5.2.2 Conexão 5.2.3 Modulação 5.2.4 Elevação 5.2.5 Cravar 5.3 Materialidade 5.4 Intervenções 5.5 Bibliografia
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62 64 94
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Paraisรณpolis, abril 2019 | autoria prรณpria
“Nunca dominaremos completamente a natureza e nosso organismo, ele mesmo parte dessa natureza, será sempre uma construção transitória, limitada em adequação e desempenho. Tal conhecimento não produz um efeito paralisante: pelo contrário, ele mostra à nossa atividade a direção que deve tomar” Sigmund Freud
Ao redor do mundo existem muitos tipos de catástrofes naturais - sejam terremotos, tsunamis, erupções vulcânicas, ciclones e furacões, alagamentos, enchentes, deslizamentos de terra, entre outros - que possuem consequências graves, principalmente quando atingem populações com alto nível de vulnerabilidade, seja social e/ou construtiva. Os deslizamentos são atualmente, no Brasil, o pior caso de desastre natural. Hoje existem 8,3 milhões de pessoas residindo em áreas de risco, o que representa 3,9% da população brasileira. Segundo estudo realizado pelo CENSO do IBGE em 2010, São Paulo é o segundo estado do país com mais pessoas ocupando áreas de risco, totalizando 674 mil. O primeiro lugar é ocupado por Salvador, com 1,2 milhões de pessoas. Segundo o levantamento realizado pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) no início de 2018, a cidade de São Paulo possui 407 áreas em risco de deslizamento de terra e erosões. A zona sul conta com 176 áreas de risco, seguido da zona norte (107), zona leste (100) e zona oeste (24). Entre os bairros estudados, destaca-se Jabaquara, Campo Limpo, Pirituba, Freguesia do Ó, Jaguaré, Ermelino Matarazzo, São Miguel Paulista e Guaianazes. Nessas 407 áreas, encontram-se 105 mil famílias, das quais 29 mil estão em áreas de alto risco. O que se percebe, porém, é que as pessoas que moram nessas áreas são excluídas da cidade “legal” (essa que é da elite, possui um planejamento urbano modernista/funcionalista, assim como todos os direitos básicos de qualquer cidade: saneamento básico, esgotamento 14
sanitário, coleta de lixo, transporte público eficiente, entre outros) e o Estado mitiga qualquer ação preventiva e de redução de riscos. Como diz Ermínia Maricato (2000, p.128),
“a produção fordista implicava aumento da produtividade na construção dos edifícios e da infraestrutura urbana e isso implicava a regulação da terra e do financiamento. O resultado desse enorme processo de construção que gerou subúrbios americanos e as cidades expandidas europeias assegurou o amplo direito à moradia (mas não o direito à cidade como lembrou Lefèbvre em seu clássico trabalho O direito à cidade).” 15
É importante enfatizar que a maioria das áreas de risco estão localizadas em áreas de assentamento informal/ilegal (favelas) e que, em sua maioria, não oferece nenhum tipo de valor para o setor imobiliário, sendo os únicos territórios disponíveis para essas pessoas habitarem, o que os torna a cada dia mais excluídos da sociedade. Ao entender a relação entre ocupação em áreas com grandes declividades, direito à cidade e a história de São Paulo, tem-se o embasamento que conceitua todo o trabalho. A bibliografia utilizada basicamente sugere que o direito ao acesso das terras deve ser igualmente dividido por todos dentro de uma mesma cidade. Isso significa que as pessoas que não têm condições de pagar por um imóvel deveriam ter o direito de usufruir da mesma área, normalmente os centros onde possuem empregos e infraestrutura urbana, por meio de cotas de habitação social ou outro tipo de mecanismo que dê chances para tal movimento. Concordando com isso, mas, ao mesmo tempo, entendendo a realidade da ocupação densa e enraizada na individualidade da cidade de São Paulo, a proposta do trabalho é intervir nas várias centralidades que existem dentro dela mesma, propondo habitações seguras e de qualidade. Ou seja, o projeto de arquitetura tem por objetivo dar condições mínimas para que eventos desastrosos sejam prevenidos, assim como infraestrutura e saneamento básico. Portanto, as áreas de atuação são aquelas que possuem grandes declividades, ocupadas informal/ ilegalmente, que não possuem sistema de infraestrutura básica e estão dentro ou perto de áre16
as que possuem demanda de mão-de-obra para serviços, tendo como recorte a favela de Paraisópolis, localizada na zona Sul de São Paulo. A abordagem do trabalho segue uma linha conceitual de desenho arquitetônico, no sentido de investigar novas formas de construir em áreas de encostas que envolve novas tecnologias e novas volumetrias. Ao mesmo tempo é totalmente pragmática, no sentido de entender e abordar todas as questões que envolvem ocupação em áreas de risco e sua população. No sentido de novas tecnologias, o projeto utiliza, quase em sua totalidade, estrutura em madeira pelos motivos ambientais, por ser o único material de construção renovável e possuir muitas características sustentáveis na utilização dele, como obra limpa, rápida, de fácil execução e leve. Com objetivo social, no sentido de que é uma construção que vai gerar empregos para a população da área, por também agregar uma fábrica de construção dos módulos habitacionais, além de instruir a população. E, finalmente, processual, onde as estruturas dos módulos habitacionais são criadas e instaladas coletivamente, por serem materiais leves de se carregar e instalar. Acredita-se que não se deve impor nada em cima de ninguém, por isso a autonomia e liberdade dos moradores foi uma premissa para o projeto ser desenvolvido.
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2.1 Porquê áreas de risco?
Segundo o dicionário DICIO, risco é: - Substantivo masculino: Perigo; probabilidade ou possibilidade de perigo: estar em risco. Etimologia (origem da palavra risco). Do francês risque. - Substantivo masculino: O mesmo que risca. Linha, traço ou sulco feito em uma superfície. Etimologia (origem da palavra risco). De riscar. Segundo o dicionário Aurélio, Fazer riscos em; Apagar com riscos; Marcar; delinear; Eliminar; Traçar; Excluir; suprimir; expungir; Perder a amizade, ser excluído das relações de; Travar luta; brigar; Apagar-se; excluir-se; sumir-se. 18
Pela definição da defesa civil, risco é uma situação, uma probabilidade de um evento atingir um local e gerar danos. Deve-se levar em consideração a probabilidade da ocorrência de um determinado evento, a vulnerabilidade do local suscetível a esses processos e principalmente os danos, que são as consequências que os escorregamentos trazem, seja de perdas materiais ou até de pessoas. Pelo Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade de São Paulo, que entrou em vigor no ano de 2015, na gestão Fernando Haddad, a Macroárea de Redução da Vulnerabilidade Urbana “caracteriza-se pela existência de elevados índices de vulnerabilidade social, baixos índices de desenvolvimento humano e é ocupada por população predominantemente de baixa renda em assentamentos precários e irregulares, que apresentam precariedades territoriais, irregularidades fundiárias, riscos geológicos e de inundação e déficits na oferta de serviços, equipamentos e infraestruturas urbanas.”. (PDE Ilustrado, 2015, p. 50). Segundo as definições desenvolvidas pelos órgãos acima, entende-se que o risco é uma marca, uma linha, um traço feito em uma superfície. Quando o termo risco é relacionado com um terreno, supõe-se, corretamente, uma área com constante iminência de algum tipo de perigo, seja por motivos de ocupação sem a estrutura adequada ao terreno, seja por falta de investimentos em infraestrutura básica pela prefeitura. Ou no pior dos casos, os dois juntos. 19
2.2 Definição e mapeamento das áreas de risco
Paraisópolis, abril 2019 | autoria própria
Paraisópolis, abril 2019 | autoria própria 20
Ao entender todas as questões relacionadas à ocupação em áreas de risco, chega-se à conclusão de que o risco é uma construção socioambiental, no sentido de que a forma como se ocupa a área, transfigura-a como perigosa ou não. Os fatores para considerar uma área com risco de deslizamento são: grandes precipitações de chuvas em conjunto com o desmatamento da mata que ajuda a conter o solo, ocupação sem acesso a esgotamento sanitário, coleta de lixo e abastecimento de água irregular. Além de se construir com fundações rasas, fazer cortes e taludes nos terrenos sem critérios e plantar espécies que acumulam água no solo. Segundo o sociólogo e pesquisador do CEMADEN (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), Victor Marchezini, a prevenção (do deslizamento) tem papel fundamental, porque os desastres não são naturais, e sim socioambientais.
Paraisópolis, abril 2019 | autoria própria
“A sociedade tende a se colocar como vítima das forças da natureza, quando na verdade nós criamos as condições que nos tornam frágeis. O desastre é sempre o resultado da interação entre a vulnerabilidade e as ameaças naturais ou tecnológicas”, diz. (Folha de SP, 2018). É importante ressaltar que os deslizamentos podem ocorrer mesmo quando não há nenhuma ação antrópica no terreno. É um processo natural. Porém, quando essa prática ocorre, o mesmo torna-se mais vulnerável e, dependendo do tipo de ocupação, potencializa o processo de escorregamento pelo motivo de retirarem os componentes que estabilizam o solo e o fragilizarem com o descarte de materiais de modo incorreto. 21
Mapa 1 Ă reas de risco + Favelas Legenda Ă reas de Risco Favelas 22
Mapa 2 Relevo 23
Mapa 3 Hidrografia Legenda Drenagem Bacias Represas 24
O mapa 1 retrata a mescla entre as favelas e cortiços na cidade de São Paulo e as áreas, definidas pela defesa civil no levantamento de 2018, como áreas de risco. É possível notar a herança do Brasil Colonial com a consequente localização periférica das mesmas. Ao sobrepor as camadas do mapa 1 com o mapa 2 (relevo), torna-se ainda mais escancarado a realidade da construção da cidade. Os melhores terrenos e os mais planos são os mais caros; e os que estão longe do centro e numa topografia mais complexa de se construir são os mais baratos e densos. É necessário também cruzar o mapa de favelas, cortiços e áreas de risco, de relevo e o de hidrografia (mapa 3). A hidrografia de São Paulo é muito rica e como nos diz a história, a cidade deu as costas para ela. Como consequência desse abandono e das formas com que os rios foram canalizados, atualmente o problema com enchentes e drenagem das águas se torna cada vez mais latente e problemático, causando danos quase que irreparáveis para a sociedade paulistana e, mais especificamente, para a população vulnerável que mora em áreas de risco. 25
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3.1 Vulnerabilidade social, direito à cidade e limites entre o formal e o informal
Desde o período do Brasil colonial, a posse de terras sempre foi algo complexo de se obter. Até então havia a política das Sesmarias, que era, basicamente, o poder da exploração de grandes áreas de terra, por parte de seu donatário, que não poderiam ser vendidas, arrendadas ou alugadas, pois pertencia à coroa Portuguesa. Essa política de Sesmaria deu origem aos grandes latifúndios brasileiros. As sesmarias tiveram 3 séculos de duração, até que em 1850, foi promulgada a Lei das Terras. Essa foi a primeira lei que regulariza o acesso à propriedade da terra, ou seja, a privatização da terra. A promulgação desta lei, juntamente com a abolição da escravatura (dois movimentos que não aconteceram por coincidência), culminaram na extrema valorização das terras. Já que a prática de comércio, extremamente lucrativa, com escravos foi abolida, os esforços voltaram-se para que as terras começassem a dar lucro para seus donos. 28
Como consequência dessas ações, os terrenos passaram a ser muito dispendiosos e os trabalhadores livres, ex-escravos e imigrantes não tinham meios de comprá-los, iniciando um processo de desigualdade social refletida até hoje. Para MARICATO (2000, p. 150), o processo de urbanização é marcado fortemente por essa herança do Brasil colonial. Quando se intensifica a expansão urbana da cidade de São Paulo, em meados do século XX, devido ao processo de industrialização e ao deslocamento dos barões do café do campo para a cidade, as terras centrais em direção à zona oeste (como Higienópolis, Paulista e Jardins) começaram a obter o maior valor fundiário, afinal, estavam localizadas onde de tudo havia: emprego, transporte e infraestrutura urbana. É importante ressaltar que o saneamento básico (sistema de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto) foi constituído ao longo dos anos na cidade, isso significa que, onde havia ocupação, o Estado ia substituindo os sistemas “arcaicos”, como fossas e poços, por um sistema de maior eficiência. Com o processo de migração do Nordeste para o Sudeste/Sul (ainda em meados do século XX), concomitantemente com o valor das casas e dos terrenos, os recém-chegados também não tinham condições de arcar com os altos preços dos terrenos ofertados, dando início à ocupação de algumas áreas à centro-leste e à “periferização da cidade de São Paulo, combinação do lote precário e irregular na periferia urbana com a autoconstrução da moradia.” (MARICATO, 2000, p. 151). 29
Áreas essas que não possuem tanto valor imobiliário, mais difíceis de construir, normalmente áreas com grandes declives e com tendência ao deslizamento e sem infraestrutura urbana, saúde, educação e transporte. Ao entender as questões abordadas acima, conclui-se, então, que a desigualdade socioterritorial é uma característica marcante na ocupação da cidade. A dinâmica foi massacrante com os que não podiam pagar, de tal maneira que iniciou-se rapidamente um processo de ocupação de áreas na cidade que hoje são chamadas de ilegais. Isso quer dizer que o mercado imobiliário trabalha para uma pequena parcela da sociedade e isso é possível de ser identificado pelos enormes vazios que a cidade possui, na forma de valorização urbana. “As cidades são grandes porque há especulação e vice-versa; há especulação porque há vazios e vice-versa; porque há vazios as cidades são grandes. O modelo rodoviário urbano é fator de crescimento disperso e de espraiamento da cidade. Havendo especulação, há criação mercantil da escassez e acentua-se o problema do acesso à terra e à habitação. Mas o déficit de residências também leva à especulação e os dois juntos conduzem à periferização da população mais pobre e, de novo, ao aumento urbano (SANTOS, 1993, p. 106). O resultado disso é uma “mini-cidade” caótica, aos olhos do planejamento urbano moderno. Segundo MARICATO (2000, p. 122), “para a cidade ilegal não há planos, nem ordem. Aliás ela não é conhecida em suas dimensões e características. Trata-se de um lugar fora das ideias”. Pode-se fazer uma comparação com as cidades medievais, que também não tinha 30
planos de construção e expansão e ainda eram envoltas por muralhas, vistas até hoje no caso de uma favela, mesmo que não fisicamente. Ainda assim, as relações que se fazem dentro dessa cidade “caótica” são muito ricas e não devem ser censuradas, afinal, diversidade é a maior riqueza que pode se possuir em um território compartilhado.
Barcelona Medieval x Barcelona Planejada
Paris Medieval 31
Paraisรณpolis, Agosto 2019 | Autoria prรณpria
O nome “lugar fora das ideias”, no discurso de MARICATO (2000, p. 122), portanto, se refere à cidade que não fez parte do planejamento urbano modernista/funcionalista como a cidade legal. Mesmo que a cidade ilegal não chamasse atenção do setor imobiliário, das camadas mais ricas da sociedade e dos outros membros envolvidos no planejamento da cidade legal, essa forma de exclusão e segregação não fez com que esse território, diferente do que se achava o melhor, não se expandisse e criasse um outro desenho de cidade, divididos apenas por um muro da cidade “perfeita”. Muito pelo contrário, atualmente existe o que Mike Davis (2006, p. 50) chama de “privatização das invasões”, que é a atuação de um mercado imobiliário invisível. Empresários vendem por preços mais baixos as terras que não seguem a legislação, desde o reconhecimento das áreas, até a construção sem recuos, gabarito, coeficientes e etc. “A favela não é simplesmente resultante de uma crise habitacional no contexto de um processo de urbanização acelerado...A favela resulta sobretudo, da exploração da força de trabalho em uma sociedade estratificada, onde as desigualdades tendem a se perpetuar e o processo de acumulação do capital é cada vez maior. Resulta ainda de uma situação onde o uso do solo é cada vez mais determinado pelo seu valor, e onde o controle do espaço urbano é exercido pelas ou em nome das camadas dominantes.” (VALLADARES, 1978, p. 34). É importante relacionar, também, a ocupação com o meio físico da cidade de São Paulo, que é totalmente perceptível tanto no imaginário da população paulistana, quanto nos retratos e ma34
pas históricos da cidade, já que foi criada numa área onde existem grandes acidentes topográficos, ou seja, muitas encostas e planícies. Isso significa que as áreas mais caras da cidade são as mais fáceis de se construir e também que as mais baratas, normalmente nas periferias, são as mais complexas de se construir, podendo gerar grandes problemas de deslizamento de terra por causa da ocupação de forma errada. Quando é pensado em favela, no senso comum, a primeira imagem que vem à cabeça das pessoas é de um lugar sujo, insalubre, realmente ruim de se morar. Claro, essa realidade realmente existe, mas em lugares como “Quarantina, perto de Beirute, Hillat Kusha, em Cartum, Santa Cruz Meyehualco, na Cidade do México” (DAVIS, 2006, p. 56), e entre outros. Porém estamos falando de São Paulo e Paraisópolis, onde essa realidade não se aplica. Então, entende-se a diferença do formal e do informal muito pelo desenho de cidade. A cidade planejada, modernista, possui ruas bem desenhadas, lotes individuais com edificações seguindo os recuos que a legislação obriga. Já a cidade informal é totalmente o oposto: possui vielas e casas encostadas umas nas outras, muitas delas com térreo ativo, há vida nas ruas. Entendendo essas duas cidades que coexistem, a proposta do trabalho é recolher o que cada cidade tem de melhor e uni-las num projeto de habitação social em encostas. Portanto, o que será dado é infra-estrutura e áreas para se construir, mas preservando a cultura da informalidade que é muito rica. A imagem ao lado é um exemplo desse tipo de visão. Torre Pluralista (1987) | Gaetano Pesce 35
Jardim Colombo, Agosto 2019 | Autoria prรณpria 36
3.2 Construção em favelas e análise dos riscos
Essa é uma clássica fotografia de uma favela. Percebe-se uma topografia acidentada: encostas e um vale, casas e mais casas construídas sem uma organização clara nos padrões da cidade do planejamento modernista/funcionalista. “As favelas estão cada vez mais presentes nas cidades dos países em desenvolvimento. No Brasil, são assentamentos facilmente encontrados no espaço urbano e vêm crescendo em ritmo acelerado, com taxas de crescimento superiores àquelas verificadas na cidade formal. Entre 1991 e 2000, utilizando dados dos respectivos Censos, O Ministério das Cidades apurou que, enquanto a taxa média de crescimento das cidades brasileiras foi de 2,8%, o número de domicílios em favelas aumentou 4,8% ao ano (Ministério das Cidades, 2004). Tal incremento se deu tanto pelo surgimento de novos núcleos favelados no período como, sobretudo, pelo adensamento dos assentamentos existentes a partir da inclusão de novos domicílios. Ainda segundo o Ministério, residem nas favelas a população urbana com a renda familiar mais baixa, que representa, atualmente, 92% do déficit habitacional” (Acesso Solar e Adensamento em Favelas, Vosgueritchian, A. Samora, B. 2006, p. 2). 37
Materiais leves e pequenos, grande espaço de tempo de construção de um pavimento para o outro são as características principais de uma construção em favela. É muito comum a autoconstrução, já que os agentes habilitados para fazer projetos e viabilizar estruturalmente a edificação atuam muito pouco ou nem atuam nessas áreas, ainda que estas possuam alta demanda por habitação e orientação de construção. Como consequência desse tipo de prática, acaba-se por construir não só a casa, mas problemas relacionados ao lugar onde ela está implantada.
Desenho 1: Laje pré-moldada, com vigas de concreto e fechamento com blocos cerâmicos ou isopor. Desenho de observação, autoria Própria.
Desenho 2: Fundações rasas em um terreno com alta declividade. Desenho de observação, autoria própria.
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As habitações autoconstruídas na favela, normalmente possuem fundações rasas e estão sob encostas bastante íngremes, o que facilita o processo de deslizamento de terra por não possuir o sistema de fixação condizente com o terreno, o que acaba por afetar grande parte de seu entorno. Além da estrutura da habitação, a infraestrutura hidráulica a ela associada é um fator fundamental para o futuro da construção. Problemas com o descarte de esgoto e abastecimento de água irregular ajudam nesse futuro incerto. O processo de deslizamento ocorre então por falta de infraestrutura hidráulica e esgotamento correto, que traz como consequência o encharcamento do solo. Associando esse fato ao das fundações rasas, a construção e o terreno fragilizam-se e o deslizamento ocorre. É importante ressaltar que essa tipologia de edificação também sofre com problemas de umidade excessiva, causando mofo nas paredes, além de pouca ou quase inexistente ventilação e iluminação naturais, por causa do tipo de ocupação que se deu, sem leis, sem fiscalização, sem ajuda, sem nada. O mix desses problemas refletem muito facilmente na saúde dos moradores dessas casas, muitos possuem doenças respiratórias e chegam à morte. Um ponto importante de se abordar é que há uma impressão ruim sobre essas edificações. Porém, o que se percebe quando há possibilidade de visitas a campo é que grande parte das edificações são “cruas” por fora, mas por dentro possuem revestimentos, eletrodomésticos e mobiliários considerados bons.
Jardim Panorama, abril 2016 | autoria própria 39
Além de os próprios moradores terem um cuidado bastante relevante com a parte interna da casa, atualmente há um movimento de “negócios sociais”, que realizam reformas por um preço acessível em casas nas favelas. O Programa Vivenda é um deles. O sócio e administrador de empresas, Fernando Assad, é um dos fundadores da instituição e diz que o objetivo principal é reformar as casas populares por um preço acessível (de até R$ 5.000,00) e que pode ser parcelado em muitas vezes. Os projetos são divididos através de kits, por exemplo, kit banheiro, kit cozinha, kit área de serviço, kit sala e kit quarto. Todos os kits possuem a premissa de acabar com o mofo dos ambientes, afinal esse problema afeta, e muito, a vida dos moradores das casas populares, como já dito anteriormente. As reformas são rápidas, feitas em aproximadamente cinco dias e durante todo o processo há o acompanhamento de arquitetos habilitados para acompanhar as obras.
Programa Vivenda - Kit Banheiro | Fonte: Programa Vivenda 40
1-Perfil retilíneo
2-Perfil convexo
amplitude (H)
Primeiramente, deve-se deixar muito claro que, por lei, é permitido construir em encostas. Porém, deve-se levar em conta áreas de preservação ambiental, áreas de mananciais, áreas de proteção ambiental, entre outras áreas que são proibidas as construções. As principais características geométricas de uma encosta são inclinação ou declividade, que pode ser medido tanto em graus quanto em porcentagem, amplitude e perfil. A inclinação diz respeito ao ângulo do plano médio da encosta com o horizontal medido, geralmente, a partir da sua base. Amplitude representa a diferença de cota existente entre a base e o cume da encosta. Já o perfil de uma encosta representa a variação de sua declividade ao longo de sua extensão transversal. O perfil de uma encosta pode ser de três tipos:
inclinação º ou %
Análise dos riscos
comprimento na horizontal (L)
3-Perfil côncavo
“As diferentes amplitudes e declividades das encostas, definem as formas de relevo acidentado, tais como, morros (declividades acima de 15% e amplitude entre 100 e 300 m); relevo montanhoso (declividades acima de 15% e amplitudes acima de 300m); e escarpas (declividades acima de 30% e amplitudes acima de 100m).” (Manual Ocupação de Encostas, IPT, 1991, p. 5). 41
Para iniciar o processo de ocupação de áreas de encostas, deve-se produzir uma autêntica planta de topografia. “Trata-se da delimitação, em planta, de trechos do terreno cujas declividades se situam em faixas de valores previamente estabelecidos, auxiliando a visualização dos trechos ocupáveis.” (Manual Ocupação de Encostas, IPT, 1991, p. 99) “Em função das características do terreno a ser ocupado, as faixas de declividade a serem adotadas podem sofrer restrições mais acentuadas, diminuindo-se o limite superior de 50% para valores menores, de acordo com o que for determinado pelo estudo geotécnico da áreas. No entanto, setores com declividades superiores a 50% também podem ser ocupados, uma vez que existem recursos técnicos para isto.” (Manual Ocupação de Encostas, IPT, 1991, p. 99). O assentamento em encostas é totalmente possível, sendo recomendado preservar ao máximo as características originais do terreno, a fim de ajudar na prevenção de desastres ou, se houver necessidade de estabilização do terreno, que seja feito com técnicos habilitados para esse movimento. Para uma boa implantação num terreno de encostas, deve-se: - Projetar instalações hidráulicas; - Projetar descarte do esgoto adequado; - Projetar um sistema de drenagem; - Projetar fundações resistentes e estáveis, de acordo com a tipologia do solo da região; - Plantar espécies que fortifiquem a terra e não acumulem água. Existem diferentes formas de deslizamento de terra, que variam em função da geometria e/ 42
ou cinemática e/ou tipo de material destes processos, e podem ser classificados em três categorias: 1. Rastejos ou creep São movimentos da encosta ou do talude que não são explícitas, porém há indicações que um processo de movimentação de terra está ocorrendo. Os indicadores podem ser postes e árvores inclinadas, por exemplo. 2. Escorregamentos Os escorregamentos podem ser classificados em dois tipos: o escorregamento planar raso e escorregamento rotacional. O primeiro é o escorregamento mais comum, ocorrendo muito no Brasil e no estado de São Paulo, mais especificamente na Serra do Mar, e se caracteriza como uma raspagem da encosta onde o material que desliza não tem um grande alcance a partir de onde ele escorregou. O escorregamento rotacional precisa de uma camada maior de terra e se caracteriza por uma superfície côncava. Especificamente no estado de São Paulo não existem camadas tão espessas de solo para acontecer um deslizamento desse tipo. 3. Corridas de massa Esse tipo de processo, é caracterizado pelo aglutinamento de um grande material de solo junto com as drenagens e pela velocidade da corrida que acabam levando blocos de rochas, árvores, entre outros materiais. Esses materiais misturados acabam por formar um líquido viscoso, de alto poder destrutivo e que alcança quilômetros de distância. 43
Deslizamento em Salvador | Fonte: Folha de SĂŁo Paulo 44
3.3 Projetos de prevenção de desastres
Os projetos de prevenção de desastres podem ser classificados em dois tipos: estruturais e não estruturais. Os processos não estruturais são aqueles que envolvem o mapeamento das áreas de risco e a orientação da defesa civil para a sociedade no sentido de avisar e explicar para os moradores dessas áreas como evitar o deslizamento. Em casos mais graves, em que o deslizamento está prestes a acontecer, é dever também da defesa civil retirar o mais rápido possível as pessoas do lugar em risco. Processos estruturais envolvem grandes obras de infraestrutura, a fim de conter o deslizamento de terra. Segundo o Ministério das Cidades (2007), medidas estruturais são “aquelas onde se aplicam soluções de engenharia, executando-se obras de estabilização de encostas, sistemas de micro e macro drenagem, obras de infraestrutura urbana, relocação de moradias, etc.”. 45
4.0 Recorte | Paraisópolis
Segundo a Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB), a primeira ocupação de Paraisópolis data do ano 1921, quando houve o primeiro loteamento da área pela União Mútua Companhia Construtora e Crédito Popular S.A. A área do novo loteamento fazia parte de uma parte da antiga fazenda do Morumbi. É importante relembrar que a topografia acidentada do Morumbi era um agente dificultador para um loteamento comum, ortogonal aos eixos. Porém, mesmo com esse “problema”, a área foi loteada dessa forma, com ruas de 10 metros de largura e quadras de 100 x 200 metros. Muitos acreditam que, por conta desse tipo de loteamento, a dificuldade de construir e a grande declividade dentro de um lote acabou desvalorizando a área. Como consequência, a infraestrutura que seria realizada na área acabou ficando incompleta e os compradores dos lotes não tomaram posse efetivamente ou pagaram as taxas devidas. O esquecimento de Paraisópolis abriu margem para que houvesse ocupações ilegais. Após 40 anos de loteamento, começaram a aparecer os primeiros ocupantes da área. 46
Eram em geral famílias de posseiros japoneses, que atuavam como grileiros e utilizavam a área para a agropecuária. Nos anos 1960, quando há o boom imobiliário na região do Morumbi e a abertura de novas vias de acesso, como a Avenida Giovanni Gronchi e a Avenida Hebe Camargo, muitas famílias que trabalhavam na construção civil do entorno acabaram vendo em Paraisópolis uma oportunidade para morar sem grandes custos e trabalhar perto. Depois dessa data, a área foi aumentando cada vez mais, até chegar no que é hoje: a maior favela da cidade de São Paulo. Paraisópolis, atualmente, possui 42.826 habitantes, em uma área de 798.695m² dividida em cinco áreas: Grotão, Brejo, Antonico, Grotinho e Centro. Se localiza no distrito da Vila Andrade na região Sul de São Paulo. Ela já foi palco de diversos projetos de intervenção, como o Projeto Urbano Córrego Antonico, do escritório paulistano de arquitetura MMBB (projeto não construído), o Parque Sanfona com o projeto de Libeskind + Llovet (projeto não construído e área de intervenção do trabalho) e edifícios de habitação social feitos pela prefeitura (projeto construído) e etc. Entendendo todas as questões abordadas acima, juntamente com a premissa do trabalho de ocupação em encostas, foi escolhida uma área de Paraisópolis, o Parque Sanfona, que já foi área de diversos projetos de intervenção e, para as pessoas que ocupavam a área, foi considerado área de despejo, por ser considerada de risco. 47
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1940
1954
1968
1977
1987
1994
1996
2000
Finalmente, o projeto de arquitetura propõe, então, uma nova forma de pensar habitações sociais em encostas. Novas volumetrias, novas tecnologias, novas relações interpessoais e novas implantações são parte de todo esse estudo. Afinal, todos merecem moradia digna. É importante ressaltar que as questões de conforto térmico levam em consideração todas as propostas que serão apresentadas abaixo. Assim como estabilização do solo e prevenção do deslizamento de terra. Área de intervenção
2019 49
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5.0 Referências arquitetônicas
5.1.1 Zinc Mine Museum | Peter Zumthor Arquitetos: Peter Zumthor Localização: Sauda, Noruega Ano do projeto: 2016 O projeto do museu da mineração do zinco, localizado na noruega, mais especificamente em uma área de encostas, foi projetado pelo arquiteto Peter Zumthor. O volume do museu escolhido para estudo é a galeria, pelo fato de ele ser o volume mais esbelto em relação a encosta onde está implantado. Zumthor escolheu o zinco como materialidade para o projeto, porém, a madeira também é muito presente. A estrutura do museu consiste em madeiras super esbeltas e “flexíveis, onde adapta-se à condição local do solo, inclina-se e altera a orientação de acordo com a superfície inclinada a qual está figurada”. A fundação é uma espécie de rasgo na encosta, feito através de uma estrutura metálica que se conecta com a madeira. A leveza do projeto em contraponto com as grandes encostas rochosas chamam atenção. 52
5.1.2 Conjunto Pedregulho | Affonso Eduardo Reidy Arquitetos: Affonso Eduardo Reidy Localização: Bairro de São Cristóvão, RJ Ano do projeto: 1947 O Conjunto residencial Prefeito Mendes de Moraes, mais conhecido como Pedregulho, projetado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy, tinha a premissa de ser um prédio de habitação de interesse social. O edifício é muito respeitoso com o terreno no qual está implantado, pelo simples motivo de não modificar o perfil do terreno, mas apenas encostar sutilmente os pilotis sob o solo. O desenho em curva também é designado a partir das condições naturais da encosta. Os acessos são feitos por meio de passarelas no nível intermediário do edifício, o que faz com que não seja necessário o uso de elevadores, além de criar uma praça/mirante para a baía de guanabara. Existe um “cuidado com as tecnologias aplicadas na construção, na economia de meios utilizados e nas preocupações funcionais estreitamente relacionadas às soluções formais: controle da luz e da ventilação, facilidade de circulação” no edifício como um todo. O uso do cobogó é inevitável para ajudar neste controle.
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5.1.3 Projeto para São Paulo e Rio de Janeiro | Le Corbusier Quando, em 1929, Le Corbusier fez a sua primeira visita ao Brasil, claro que ele não podia deixar de visitar as duas mais importantes cidades: São Paulo e Rio de Janeiro. A proposta, então, para ambas as cidades, após sobrevoá-las de avião, foi de elevar os edifícios num grid vertical e horizontal, onde tudo o que uma cidade necessita estaria nele. Avenidas expressas, habitações, comércios, serviços. Tudo. Como se vê nas duas ilustrações, o terreno permanece quase que intocado. O único ponto de contato entre o edifício e o solo são os pilotis.
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5.1.4 Cidade no Ar | Arata Isozaki O projeto do arquiteto, Arata Isozaki, que recebeu o último prêmio Pritzker de Arquitetura, Cidade no Ar é uma utopia de uma cidade que fora destruída pela guerra. A Cidade no Ar é um projeto de cápsulas suspensas sobre mega estruturas cilíndricas e modulares. Estas estruturas permitiram a expansão e a reorganização do espaço urbano, incorporando ou retirando unidades de cápsulas na busca por satisfazer em tempo real as necessidades dos residentes. Afinal, como dizia Le Corbusier: “O ar não tem dono”. Logo um terreno de 10m² seria o suficiente para construir o primeiro tubo cilíndrico para elevar a cidade do solo. Segunda Arata, “As cidades do futuro são em si mesma ruínas. Nossas cidades contemporâneas estão destinadas a viver apenas um momento fugaz. Renuncie a sua energia e regresse a matéria inerte. Todas nossas propostas serão enterradas. E uma vez mais reconstitui-se o mecanismo de incubação. Este será nosso futuro”.
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5.1.5 Cidade subterrânea | Capadócia, Turquia As cidades subterrâneas surgiram muito antes do nascimento de Cristo. Elas foram criadas dessa forma para evitar a invasão de outros povos e, consequentemente, a exterminação dessa população. É interessante observar que esse tipo de habitação funcionava muito bem, tanto no sentido estrutural, quanto no sentido de ventilação e conforto térmico. Estima-se que até 10.000 pessoas habitaram essas “cavernas” ao mesmo tempo. Elas chegavam a ter 10 andares e quilômetros de extensão que ligavam duas cidades por meio de túneis.
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5.1.6 Favela Nova Jaguaré Setor 3 | Marcos Boldarini Ficha Técnica: Arquitetos: Boldarini Arquitetura e Urbanismo Localização: Favela Nova Jaguaré, São Paulo Ano do projeto: 2012 Área: 15955.0 m2 O principal ponto do projeto da requalificação da favela Nova Jaguaré - Setor 3 é o terreno. Ele já foi palco de diversas ocupações, além de obras de estabilização do solo, por ser uma área com risco de deslizamento. Tendo em mente todos esses problemas, “o processo de transformação da área, para garantia das condições planejadas, ocorreu a partir da demolição das edificações em situação de risco, viabilizando a construção de estruturas de estabilização geotécnica, e implementação de sistemas de infraestruturas para drenagem pluvial, redes de esgoto, abastecimento de água.” Marcos Boldarini. Segundo Marcos Boldarini, “como elemento principal do projeto foi proposto um eixo de circulação que conecta as cotas superiores e inferiores do bairro superando um desnível de 35m, servindo também para articular os diversos níveis conformados pelos patamares onde estão localizados os equipamentos e espaços para as atividades de esporte, lazer e recreação. Este eixo é marcado por uma série de dispositivos de circulação, como escadas, rampas e passarelas confeccionadas em estrutura metálica, que exploram de maneira lúdica o percurso permitindo que o pedestre desfrute das visuais “ do entorno. 57
5.2 Formas de ocupação e adensamento
Os diagramas a seguir são estudos que foram realizados antes de chegar definitivamente na fase do projeto. São tentativas, algumas até polêmicas, de entender o que seria um novo tipo de ocupação em uma encosta e até qual seria o limite criativo do arquiteto em desenvolver esse novo tipo de ocupação, tentando fugir ao máximo da ocupação tradicional modernista que, muitas vezes, não condizem com o terreno de implantação.
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5.2.1 Grid
O primeiro diagrama de conceito de ocupação representa um grid estrutural metálico, onde ele se fixa na encosta de uma maneira muito sutil, respeitando ao máximo o perfil natural da encosta.
As habitações, portanto, são módulos pré-determinados que se encaixam nessa exo-estrutura. Elas poderão ser expansíveis. No grid também existirão espaços públicos e de lazer.
5.2.3 Modulação
O segundo diagrama retrata um edifício vertical no pé da encosta, que pode ser acessado através de diversos níveis intermediários. É uma clássica proposta de resolução de ocupação de encostas, porém, para conter o
solo, é necessário criar taludes de corte, concretados e atirantados, o que traz uma cicatriz para a cidade, deixando uma estética ruim no terreno. Porém, como muitos exemplos executados, entende-se a viabilidade dessa solução.
5.2.3 Modulação
Essa proposta consiste no encaixe das novas habitações na encosta, devendo-se criar alguns cortes e taludes no terreno original, a fim de criar a maior estabilidade tanto para a habitação, quanto para o terreno. É uma proposta de um “tetris de habitação”, sendo que a ex-
pansão de cada módulo deverá levar em conta seus vizinhos e principalmente questões relacionadas à ventilação e iluminação. Como regra imposta, não poderá existir nenhuma habitação sem janelas, nem aberturas suficientes a fim de proporcionar o melhor conforto.
5.2.4 Elevação
Essa proposta consiste na elevação de um prédio em fita que percorrerá toda a extensão da encosta sob pilotis, com acessos em diferentes cotas por meio de escadas e rampas. A premissa principal desta proposta é respeitar o máximo possível o perfil natural do terreno. Também é proposto áreas de lazer e áreas de compartilhadas (como lavanderias coletivas) na estrutura que está elevando o edifício.
5.2.5 Cravar
Essa proposta consiste no enterramento das habitações dentro da encosta, onde por meio de túneis e corredores, seria possível acessar cada habitação e programas de uma cidade comum. É importante ressaltar que essa proposta contém um certo delírio, porém, existem discussões a partir dela muito importantes de serem feitas. Como o direito de não ver, termo criado em Paris pelas camadas mais ricas da sociedade para com os mais pobres.
5.3 Materialidade
Atualmente arquitetura em madeira vem ganhando muita importância no cenário da arquitetura contemporânea mundial. Além de sua estética, a sustentabilidade a ela associada é bastante expressiva. Num cenário em que a população mundial não para de crescer, a preocupação com as pegadas de carbono, a qualidade ambiental e a necessidade de construção de habitações para suprir a demanda, a madeira (re)surge como um material muito eficaz e sustentável. Num panorama geral, a madeira desde os primórdios, foi um material utilizado para todas as construções. Porém com a chegada do século XIX, essa tecnologia foi substituída pelo aço e no século XX, pelo concreto. Porém, com o passar do tempo, foi sendo percebido que esses materiais são extremamente 64
nocivos para a saúde do planeta e os que nela habitam, pois além de usar muita energia para serem fabricados, não são materiais renováveis e simplesmente estão acabando. Portanto, a madeira é o material do século XXI. É um material que se utilizado da forma correta, com manejo florestal e certificação, será uma fonte inesgotável de matéria prima, podendo até gerar energia. Para o uso viável dessa materialidade, atualmente existem muitas tecnologias, que permitem construir prédios com bastante altura e eficazes do ponto de vista ambiental. Como a Madeira Laminada Cruzada (CLT), Madeira Laminada Colada (MLC), LVL (Madeira Micro Laminada), Madeira Serrada Laminada (LSL), Madeira Serrada Paralela (PSL), Madeira Laminada Pregada (NLT) e OSB (Painel de Tiras de Madeira Orientadas). Especificamente, para o projeto, entendeu-se que a melhor forma de estruturar o edifício era utilizar uma laje em CLT (Madeira Laminada Cruzada), por já cumprir um papel estrutural e de piso e pela necessidade de proteger a laje utilizou-se uma capa em concreto. Para vigas e pilares, foi escolhido o MLC (Madeira Laminada Colada), pois cumpre um papel de compressão muito bom. E para os módulos habitacionais será utilizado um sanduíche de OSB (Painel de Tiras de Madeira Orientadas) com isopor, formando-se um SIP (Painel Isolado Estrutural), que é um painel leve e barato e pode ser cortado em diversas formas, dando autonomia para os moradores escolherem o tipo de janela e porta que quiserem, entre outros. 65
5.4 Intervenções
Parque Sanfona, abril 2019 | autoria prórpia
As fotos retratam o mesmo lugar. Seis meses de espaço entre elas. Área de intervenção do presente trabalho. Fica aqui o questionamento sobre as formas de ocupar e conter uma encosta uma possível solução. 66
Parque Sanfona, agosto 2019 | autoria prรณrpia 67
situação atual Arena Palmeirinha Edifícios Habitacionais área de intervenção Associação das mulheres de Paraisópolis
Atualmente a área do Parque Sanfona está passando por um processo de ocupação de habitação de interesse social. Como ilustrado nas fotos anteriores, houve quase que um desprezo com o terreno. Cortes e taludes foram feitos da maneira mais bruta possível para conter a terra. Seu entorno permanece intocado e não há previsão de algum projeto que trate o térreo de uma maneira coesa. 68
situação proposta Edifícios Habitacionais Proposta de Intervenção Parque Linear + Transposição vertical Plano de Intervenção Rua Itamontiga
A proposta do trabalho é, portanto, um edifício de habitação de interesse social. Além do edifício, o projeto também engloba paisagismo/redesenho urbano no seu entorno próximo, onde há iminência de alagamento por conta do córrego que corre por baixo da rua Itamontiga e também por ser uma área onde toda a água das encostas escorrem. Também é proposta uma escadria que liga a cota mais alta com a mais baixa do terreno, facilitando a transposição diária dos moradores da área. 69
implantação ESC: 1 | 1000
A implantação do edifício segue a lógica do terreno, optou-se então por criar lâminas lineares onde era possível encaixá-lo nas menores variações de topografia. A metragem total da intervenção é da ordem de 1 hectare (10.000m²) e a densidade alcançada é de 600 hab/ha.
70
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edifício A premissa que conduziu todo o desenvolvimento do projeto foi o entendimento de que nada deve ser imposto à ninguém. Entendendo que a cidade é um organismo vivo, ou seja, em constante mutação e transformação, o projeto é um reflexo disso. Ele tenta, principalmente, na esfera do módulo habitacional, se moldar à necessidade específica do usuário no momento de agora e no futuro. Ou seja, o que é imposto é infraestrutura e o que sobra é liberdade.
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20.0
5.0 17.0
12.0
5.0
12.0
17.0
Detalhe Laje
40.0
20.0
ESC: 1/10
40.0
40.0
40.0
1.5
40.0
15.0
Detalhe Pilar | Planta
20.0
ESC: 1/20
40.0
40.0
40.0
1.5
40.0
Detalhe Pilar | Vista ESC: 1/20
1.5
0
15.0
Detalhe Contraventamento ESC: 1/20
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15.0
40.0
20.0
Detalhe Viga
12.0 5.0
17.0
ESC: 1/10
1.5
Detalhe Encaixe Passarela ESC: 1/20
110.0
15.0
Det. Passarela | Vista lateral
90.0 17.010.0
110.0
10.0
ESC: 1/50
Det. Passarela | Vista frontal ESC: 1/50
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detalhes encaixes
Encaixe Laje
Encaixe Viga e Pilares Pavto Tipo
Encaixe Pilres
Encaixe Viga e Pilares Térreo
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Rasgo para passagem de Hidrรกulica e esgoto
Encaixe Laje CLT Viga MLC 40 x 20cm
Pilar MLC
40 x 40cm
Pilar MLC 40 x 40cm
Encaixe metรกlico
Laje Concreto 17 cm
Pilar MLC 40 x 40cm
Vigas de Borda 40 x 20cm
Vigas 40 x 20cm
Pilar concreto 50 x 50cm
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MÓDULO No sentido de viabilidade, tanto financeiro, quanto de construção, a estrutura em SIP (Painel Isolado Estrutural) foi escolhida para os módulos habitacionais. Pela leveza, facilidade de instalação, versatilidade e custo, foi entendido que ele atende todas as necessidades dos futuros moradores. Para a construção dos módulos, é previsto no projeto, uma fábrica, onde haverão todas as máquinas que farão o corte dos SIPS e seus devidos fechamentos. Nela também haverá técnicos capacitados para operar as máquinas e ensinar os usuários a trabalhar com esse tipo de construção. Para a instalação dos módulos, existe uma regra para ocupação e expansão dos módulos demonstrado no diagrama abaixo:
área máxima 11,88m²
área máxima costruída = 2 x A mín C + A máx E = área mínima construída (A mín C) 43,56m²
2 x 55,44 = 110,88m²
circulação semi-pública
circulação semi-pública
expansível (A máx E)
circulação pública
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corte construtivo ESC: 1 | 50
Capa concreto 5cm Laje CLT 12cm Viga CLT
Fixação revestimento Revestimento
OSB 2cm EPS 8cm Laje SIP 12cm Painel SIP 12 cm Guarda-Corpo
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hidráulica + esgoto Foi pensado um rasgo na laje, a cada dois módulos, onde toda a hidráulica e esgoto passarão. Além disso, há possibilidade de passar a hidráulica por cima da laje do módulo, seguindo a premissa projetual de liberdade no layout. Ou seja, os comôdos que possuem ne-
cessitam estar numa mesma parede. Toda a rede hidráulica do edifício passará por essas aberturas, até chegar no subsolo, onde possuirá um sistema privado de coleta, para depois ser encaminhado para o sistema público de esgoto, que deve estar instalado na região.
Tubulação esgoto + hidráulica
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janela grande
janela mĂŠdia
janela alta
porta 80cm
lisa
placas
variaçþes 0,98m
lisa
porta 80cm
porta 80cm + interruptor
janela alta
janela mĂŠdia
janela grande
variaçþes 1,10m
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variações
Módulo “cantoneira”
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Placas para Interruptor e tomadas
encaixes
Passagem elétrica
12.0 2.0
8.0
12.0 2.0
8.0
2.0
12.0
5.0
2.0
Conector Metálico
2.0
Encaixe Painel x Laje ESC | 1/10
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módulos variações
módulo simples 43,56 m²
módulo extendido #1 50,82 m²
90
módulo duplo 87,12 m²
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5.5 Bibliografia
Livros ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares: A colonização da terra e da moradia na era das finanças. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2015. 175p. ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único: Desmanchando consensos. 8ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. 121p. DAVIS, Mike. Planeta Favela. 1ª ed. Boitempo, 2006. 270p. LEFEBVRE, Henri. Direito à Cidade. 5ª ed. Centauro, São Paulo, 2001. 144p. JACOBS, Jane. Morte e Vida das Grandes Cidades. 3ª ed. Martins Fontes, 2011. 510p. IPT, Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Manual de Ocupaçãp de Encostas. 1ª ed. IPT, São Paulo, 1991. 216p. NATERER, Herzog; WINTER, Volz. Timber Construction Manual.
Notícias de jornais ESTARQUE, Marina. Política de prevenção de desastres naturais definha no país, 02 mar. 2018. Disponível em: http://temas.folha.uol.com.br/natureza-do-desastre/introducao/politica-de-prevencao-de-desastres-naturais-definha-no-pais. shtml. Acesso em: 25 mar, 2019. OKUMURA, Renata. Capital Paulista tem 407 pontos de risco de deslizamentos, segundo IPT, 31 jan. 2018. Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/blogs/ blitz-estadao/capital-paulista-tem-407-areas-de-risco-de-deslizamentos-segundo-instituto-de-pesquisas-tecnologicas/. Acesso em 03 mar, 2019 96
AZEVEDO, Guilherme; RAMALHOSO, Wellingnton. Deslizamentos de terra mataram 202 pessoas nos últimos 20 anos na grande sp. 31 jan. 2017. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/01/31/deslizamentos-de-terra-mataram-202-pessoas-nos-ultimos-20-anos-na-grande-sp.htm. Acesso em 10 mar, 2019.
Dissertações de Mestrado GAMBA, Carolina. Avaliação da Vulnerabilidade Socioambiental dos Distritos do Município de São Paulo ao Processo de Escorregamento. São Paulo, 2011. PIZARRO, Eduardo. Interstícios e Interfaces Urbanos como oportunidades latentes: O caso da favela de Paraisópolis, São Paulo. São Paulo, 2014
Artigos NOGUEIRA, Fernando Rocha; OLIVEIRA, Vanessa Elias; CANIL, Katia. Políticas públicas regionais para gestão de riscos: O processo de implementação no abc. SP. Dez, 2014. CARVALHO, Celso Santos; GALVÃO, Thiago. Prevenção de riscos de deslizamentos em encostas em áreas urbanas. 2013.
Legislação Plano Diretor da Cidade de São Paulo, 2015, Gestão Fernando Haddad.
Sites IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Prefeitura da Cidade de São Paulo 97