Joias Crioulas

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Pulseiras de crioula tipo copo em ouro. Acervo Museu Carlos Costa Pinto. Fotógrafos: Aníbal Gondim e Sérgio Benutti

Joias Crioulas C ole ç ão Muse u Car los Costa Pinto

Simone Trindade Vicente da Silva 1


Distribuição Gratuita – Venda Proibida.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Silva, Simone Trindade Vicente da Joias crioulas / Simone Trindade Vicente da Silva. -- São Paulo : Instituto Victor Brecheret, 2012. -- (Coleção Museu Carlos Costa Pinto) ISBN: 978-85-98879-05-5 Bibliografia. 1. Joias - Salvador (BA) - Exposições 2. Museu Carlos Costa Pinto, (Salvador, BA) I. Título. II. Série. 12-08952

CDD-739.27098142

Índices para catálogo sistemático: 1. Museu Carlos Costa Pinto : Salvador : Bahia : Joias crioulas : Catálogo da coleção 739.27098142


apresenta

Joias Crioulas Cole ç ão Muse u Car los Costa Pinto

Simone Trindade Vicente da Silva CAIXA Cultural São Paulo de 4/8/12 a 23/9/12 CAIXA Cultural Curitiba de 30/10/12 a 23/12/12 Instituto Victor Brecheret

2012


CorrentĂŁo de crioula em ouro com bolas lisas e confeitadas. Bahia, sĂŠculo XVIII. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

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A CAIXA foi criada em 1861, no Rio de Janeiro, por D. Pedro II, cujo conhecimento artístico e consciência da valorização do patrimônio histórico das nações foram decisivos na consolidação de sua atuação como estadista. Essa postura abriu as portas do país para o intercâmbio com a cultura mundial e chamou a atenção para a importância desses atos na criação de nosso patrimônio e identidade. Nos seus mais de 150 anos de existência, por meio do patrocínio às artes e do incentivo à cultura, a CAIXA atua na reafirmação da identidade nacional e promove projetos de valorização das tradições brasileiras. A CAIXA surgiu pautada por esses valores e trabalha na promoção do debate e no fortalecimento da nossa cultura. Com patrocínio às artes e incentivo às manifestações tradicionais e contemporâneas, suas ações são cada vez mais importantes para a compreensão e o resgate de nossa história. De acordo com essa diretriz, a CAIXA promove a exposição Joias Crioulas, produzida pelo Instituto Victor Brecheret. Esta mostra traz parte da coleção do Museu Carlos Costa Pinto, em Salvador (BA), que reúne o maior acervo destas peças em museus. As joias de crioulas são uma manifestação artística notável no contexto do Brasil colonial e imperial, onde a aparência demarcava as posições sociais. Exóticas, exuberantes e majestosas, essas joias demonstram os valores dessa época e são a afirmação de identidade, liberdade e prestígio de algumas mulheres negras num contexto demarcado por condições adversas e preconceitos. Caixa Econômica Federal

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Uma fantástica exposição das joias e dos ornamentos das negras e mulatas da Bahia que, alforriadas ou não, exibiam luxo e riqueza, causando espanto tanto pela originalidade e singularidade nos seus desenhos como, também, pela condição de vida e participação na vida cotidiana. Trabalhando na casa de seus senhores, como amas de leite ou na faina geral, passavam a ser incorporadas ao status das famílias com que viviam e, assim, tinham que usar adornos e joias que exprimissem o nível socioeconômico de seus senhores. Leis e regulamentos severos impunham, porém, restrições às formas e aos materiais dessas joias diferenciadas. Com origem próxima às joias populares portuguesas, as joias de crioulas conseguiram criar um padrão estético e de beleza autêntica, que resistiu às condições degradantes da sociedade escravocrata e patriarcal e às leis repressivas de seu tempo. Tão fortes e tão belas, essas joias de crioulas são hoje uma preciosidade histórica e um tesouro valioso, o que torna imperioso o seu descobrimento por nós brasileiros da era da internet e da globalização. O Instituto Victor Brecheret (IVB) tem muito orgulho em trazer esta preciosa mostra das joias de crioulas que compõem o acervo do Museu Carlos Costa Pinto, de Salvador, para serem devidamente apreciadas pelos brasileiros, que agora descobrem as belezas e o potencial de seu país e o futuro e a grandeza de sua história. Victor Brecheret Filho Presidente IVB - Instituto Victor Brecheret

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Crioula. Lindemann. Fotografia (cartão-postal). Bahia, 1905. Coleção particular.

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Apresentação Inaugurado em 5 de novembro de 1969, o Museu Carlos Costa Pinto propicia um inesquecível retrato da Bahia colonial e imperial. Fruto de amor e dedicação, o Museu é a concretização do sonho do casal Carlos e Margarida Costa Pinto. Seu acervo de artes decorativas conta com 3.175 peças. Entre as suas coleções, as joias de crioulas, em ouro e prata, singulares adereços usados outrora pelas negras baianas, causam curiosidade e fascínio, sendo o maior conjunto reunido em museus. A exposição Joias Crioulas, produzida pelo Instituto Victor Brecheret, sob o patrocínio da CAIXA, é uma oportunidade para que, através do acervo do Museu Carlos Costa Pinto, façamos uma reflexão sobre a nossa história e arte. Esta coleção é um testemunho do nosso passado, das relações sociais e econômicas que fizeram possível essa expressão artística ímpar. As joias de crioulas são insígnias de poder, que pertenceram a algumas mulheres negras no contexto da Bahia colonial e imperial. Cada exemplar conta essa história de vida, composta de trabalho, sacrifício, alegrias e tristezas, sonho e esperança. Convidamos a todos para ver essas joias com um novo olhar, procurando entender os seus significados e tentando visualizar as pessoas por trás do objeto. E, quando forem à Bahia, visitem o Museu Carlos Costa Pinto, em Salvador, e reencontrem esta coleção. Bárbara Carvalho dos Santos Superintendente do Museu Carlos Costa Pinto

Gaiaku Luiza (1909-2005), que inspirou a música “O que é que a Bahia tem”, de Dorival Caymmi. Cartão-postal, Bahia. Coleção Fundação Instituto Feminino da Bahia.

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Joias de crioulas em ouro: pulseira tipo copo e correntĂŁo com bolas lisas e confeitadas e roseta. Bahia, sĂŠculos XVIII e XIX. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

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Através dos séculos,

as joias têm sido cobiçados objetos de desejo, representando

distinção social, riqueza, hierarquia, honraria, acessórios de sedução e até fervorosos emblemas de devoção religiosa e amorosa. As joias são reflexos de uma época, de um estilo de vida, de uma classe social, expressão de gostos, sonhos, ambições e, por isso, elas estão sujeitas aos caprichos do tempo, às oscilações dos valores estéticos, afetivos, sociais e econômicos. Cada exemplar dessa arte efêmera que escapou à desmontagem, à mutilação ou à modernização estilística é um precioso testemunho histórico. Entre todos os exemplares de joias produzidos no Brasil no período colonial e imperial, causa grande fascínio e surpresa um grupo especial conhecido como joias de crioulas. Essas peças despertam inúmeras indagações. A quem se refere o termo crioula? Quem eram essas mulheres negras e mulatas que ostentavam tamanho luxo? Como conseguiam adquirir essas joias? Quem as produzia? Por que são diferentes das joias das senhoras ditas brancas? Essas questões só podem ser respondidas compreendendo-se o contexto histórico do Brasil, e em especial da Bahia, nos séculos XVIII e XIX. Ao lado da indumentária, acessórios e joias eram símbolos de status social e, como tal, seu uso era regulamentado através de leis suntuárias explicitamente segregativas. As demarcações existiam na Europa desde a Antiguidade, variando conforme a mudança na eleição de materiais e formas considerados nobres e, portanto, destinados exclusivamente às camadas dominantes. Segundo a historiadora Silvia Hunold Lara (2000, p. 179-80), havia toda uma tradição legislativa portuguesa e dispositivos legais que regiam o vestuário, para o controle e a manutenção das distinções sociais. As Cartas Régias, os pareceres do Conselho Ultramarino e as Pragmáticas de 1677 e de 1749 visaram controlar as regras do trajar. Algumas normas eram extensivas a todo o mundo português: Portugal e suas colônias. Outras eram específicas.

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No Brasil, a principal preocupação era com o excessivo luxo no vestir das negras e mulatas, principalmente as escravas. Várias reclamações e leis proibitivas ao uso de artigos de luxo, como tecidos finos e joias, estavam presentes no período colonial. Havia uma codificação visual imposta a essas mulheres, como existia para as camadas populares na metrópole portuguesa. Contudo, algumas situações burlavam essas determinações. Mucamas e amas de leite, convivendo diretamente com a família, estabeleciam muitas vezes laços afetivos com suas senhoras e seus senhores. Nos cortejos familiares para visitas, idas a missas e festividades, acompanhavam seus proprietários vestidas com trajes e adornos, emprestados ou próprios, como forma de ostentação social destes. Neste caso, geralmente vestiam-se e ornavam-se como as suas senhoras brancas. As joias de crioulas não eram usadas por todas as negras e mulatas crioulas, indicando ter sido expressão de status social e/ou da condição de alforriada numa sociedade senhorial, escravocrata e patriarcal. É preciso entender as relações estabelecidas neste regime que possibilitaram a libertação (alforria) e o enriquecimento. Os escravos não trabalhavam só na lavoura e nas casas. Nas cidades, eles realizavam uma série de atividades como negros ao ganho, comercializando mercadorias ou oferecendo serviços nas ruas, com a obrigação de entregar aos seus senhores um valor diário ou semanal preestabelecido. A quantia restante pertencia ao escravo, que almejava a sua liberdade. Nessa situação estavam as mulheres negras e mulatas que trabalhavam nas ruas e dominavam o comércio de alimentos mesmo após a sua libertação.

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Vista da Bahia – Passeio Público de Salvador. Abraham Buvelot (1814-1888). Óleo sobre tela, século XIX. Coleção particular, São Paulo, SP, Brasil.


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Bastante próximas das joias portuguesas populares, as denominadas joias de crioulas são a expressão singular da criação de artigos de luxo diferenciados para as classes inferiores. Essas joias foram elaboradas especificamente para o uso de mulheres negras e mulatas crioulas (nascidas no Brasil), em ocasiões festivas, conforme atestam a documentação iconográfica e os relatos de viajantes estrangeiros no período. Elas aparecem junto com os trajes crioulos festivos: a roupa de baiana e o traje de beca. Este era de uso mais restrito, cerimonial, de solenidades como as procissões religiosas e a Quaresma, enquanto o outro era como um traje domingueiro, de ir à missa. Alguns estrangeiros e viajantes oitocentistas registraram essa situação. James Wetherell, vice-cônsul inglês honorário, que permaneceu em Salvador por 15 anos, entre 1842 e 1857, relata esse costume em ocasiões festivas descrevendo as joias usadas com o traje de beca: Os braços são cobertos de pulseiras de coral e de ouro, etc.; o pescoço e o peito carregados de colares e as mãos de anéis – sobretudo aquela que mais frequentemente se acha fora das dobras do chale. Um grande molho de chaves pendurado numa correia de prata na qual são também colgadas umas moedas de prata, Crioula da Bahia com roupa de baiana. J. Melo editor. Fotografia (cartão-postal), 1904-1915. Arquivo Museu Carlos Costa Pinto.

um dente de porco ou de tubarão montado em prata, e diversos outros amuletos são amarrados num dos lados do vestido... (1972, p. 79-80).

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O dr. Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), médico professor da Faculdade de Medicina da Bahia e fundador da Medicina Legal da Bahia, um dos pioneiros dos estudos africanos no Brasil, narra que: As negras ricas da Bahia carregam o vestuário à baiana de ricos adornos. Vistosos braceletes de ouro cobrem os braços até ao meio, ou quase todo; volumoso molho de variados berloques, com a imprescindível e grande figa, pende da cinta (1988, p. 119). Já na primeira metade do século XX, o prof. Menezes de Oliva, que foi professor do então recém-fundado curso de museus no Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, recordando suas memórias de infância na Bahia, cita: Lembrei-me, então, de algumas ex-escravas que conheci em menino, na casa de meus avós, quando em dias de procissão vinham visitar Sinhá Velha, os braços cheios de pulseiras, onde não raro se via a efígie de D. Pedro II, o pescoço a cair de cordões de ouro e na cintura, por baixo do pano da Costa de cores vivas, pencas e mais pencas de barangandãs (1957, p.45).

Crioulas da Bahia com traje de beca. Fotografia (cartão-postal). Bahia, século XIX. Arquivo Museu Carlos Costa Pinto.

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As joias de crioulas foram uma expressão ímpar na joalharia brasileira. Segundo a maioria dos autores, essa arte é tipicamente baiana. A Bahia foi o grande centro de produção e comercialização desses exemplares, confeccionados nos séculos XVIII e XIX. Em 1848, James Wetherell (1972, p. 42) citou que, em Salvador, As joalharias oferecem sempre um lindo espetáculo: quase todas se acham instaladas numa mesma rua: a Rua dos Ourives. É realmente curioso para um inglês observar aquela enorme mostra de condecorações das mais diversas Ordens, cruzes e emblemas de nobreza, misturados com objetos de ouro e ornamentos de coral de feitio muito primitivo, tais como pulseiras, colares, brincos etc., muito procurados pela população preta. Esse relato indica que os mesmos ourives que produziam joias eruditas para a população branca confeccionavam as joias ao gosto da “população preta”, como as joias de crioulas, e o mesmo estabelecimento atendia às duas clientelas. As joias de crioulas caíram em desuso na segunda metade do século XX. As regras do Antigo Regime foram

progressivamente

desconstruídas

e

substituídas pelos ideais burgueses. Novos valores se consolidaram. Já não havia mais sentido para essa expressão simbólica. As únicas remanescentes a ainda usá-las, junto aos trajes festivos e já Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, festejo do dia 15 de agosto de 2011. Cachoeira, Bahia. Fotografia Jomar Lima da Conceição.

incorporando outras joias e materiais, são as devotas da Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, composta exclusivamente de mulheres negras, na cidade de Cachoeira, Bahia, durante a festividade de sua patrona, em agosto.

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Correntão de crioula em ouro, bolas confeitadas, com crucifixo relicário. Pulseira de crioula em ouro com bolas confeitadas. Bahia, século XVIII. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

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TIPOLOGIA O Museu

Carlos Costa Pinto

Há uma tipologia específica das joias

possui a maior coleção de joias

de crioulas: pentes, brincos, correntão

de crioulas existente em museus,

de crioula, colar de aliança ou grilhões,

possibilitando, por sua qualidade

abotoaduras em rosetas, pulseira

e diversidade, uma apreciação do

copo, pulseira de placas, pulseira de

universo desses objetos. As joias de

bolas, pulseira de cilindros e bolas,

crioulas diferem das joias eruditas das

anel e penca de balangandãs.

senhoras brancas quanto a dimensão, peso, qualidade do material, formato e

Embora os trajes festivos sejam

decoração. As joias de crioulas são de

geralmente acompanhados de um

grandes proporções, embora quase

torso na cabeça, em alguns registros

sempre sejam ocas, em sua maioria

iconográficos é possível verificar a

em ouro, profusamente decoradas

presença de pentes ou travessas

e usadas em quantidade (profusão

no cabelo. Estes são largos, com

de colares, anéis em todos os dedos,

dentes em tartaruga encimados por

muitas pulseiras).

decoração cinzelada em ouro.

Pente em tartaruga escura e ouro. Bahia, século XIX. Dimensões: 11,1 x 11,7 cm. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

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Os brincos tipo argola ou pitanga são em ouro, liso ou cinzelado, em formato circular ou oval, guarnecidos dos materiais mais diversos: coral, ágatas rosadas do Paraguaçu, turquesas, cornalinas, tartaruga etc. Segundo Solange Godoy (2006, p. 71), “os brincos tinham no seu uso um significado simbólico de proteger a cabeça através dos orifícios mais expostos aos espíritos malignos”. Par de brincos de crioula em ouro e cornalina. Bahia, século XIX. Dim.: 2,0 x 3,3 cm. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

Par de brincos de crioula em ouro e coral. Bahia, século XIX. Dim.: 2,7 x 2,1 cm. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

Par de brincos de crioula em ouro e pedra azul. Bahia, século XIX. Dim.: 2,1 x 2,0 cm. Acervo Museu Carlos Costa Pinto. Par de brincos de crioula em ouro e pedra verde. Bahia, século XIX. Dim.: 3,0 x 2,0 cm. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

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Correntões O correntão de crioula típico é composto de bolas confeitadas (conhecidas em Portugal como contas de “olho de perdiz”, decoradas com filigrana), ocas, primitivamente enfiadas em cordões. As bolas também podem ser lisas ou gomiladas.

Correntão de crioula em ouro com bolas lisas e decoradas e cruz. Bahia, século XIX. Dim.: 63,7 cm. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

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Correntão de crioula em ouro, com bolas lisas e confeitadas e roseta com pedra vermelha. Bahia, século XIX. Dim.: 55,5 cm. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.


Correntão de crioula em ouro com bolas lisas e confeitadas. Bahia, século XVIII. Dim.: 40,4 cm. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

Correntão de crioula em ouro tipo de alianças ou grilhões lisos e estampados. Bahia, século XVIII. Dim.: 110,5 cm. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

Correntão de crioula em ouro filigranado. Bahia, século XVIII. Dim.: 48 cm. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

Alguns exemplares são rematados com uma borla e trazem pendentes pombas do Espírito Santo, rosetas e/ou cruzes, crucifixos. Uma variante são os colares compostos de corais em forma de cilindros ocos e bolas decoradas (confeitadas, lisas, gomiladas etc.). Outro tipo de correntão, o colar de alianças ou de grilhões, consiste no encadeamento de elos em formato de anéis lisos ou decorados, que se interpenetram.

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Abotoaduras As abotoaduras, utilizadas nas mangas curtas da camisa bordada denominada camisú, eram geralmente decoradas com grãos de ouro revestindo toda a superfície circular da peça.

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Abotoaduras em ouro. Bahia, século XIX. Dim.: 3,3 x 6,5 cm. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.


Pulseiras As pulseiras de crioulas podem ser de quatro tipos: copo; de placas; de bolas; de cilindros e bolas. A pulseira tipo copo é um bracelete cilíndrico que se assemelha formalmente a um copo. Traz geralmente como elemento decorativo central medalhões com figura feminina em perfil semelhante a camafeus, numa nítida influência classicista. A filigrana completa a decoração da peça, envolvendo e conectando os medalhões.

Pulseiras de crioula tipo copo em ouro. Bahia, século XVIII. Dim.: 10,5 x 9,0 e 7,2 x 9,2 cm. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

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Pulseiras

Pulseiras de crioula, de placas, em ouro e cilindros. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

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Pulseiras de crioula, de placas, em ouro e coral. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.


Pulseiras A pulseira de placas é composta de chapas retangulares decoradas com motivos fitomorfos ou efígies masculinas ou femininas. Segundo Oliveira (1948, p. 30), durante a menoridade de D. Pedro II, eram comuns as pulseiras com efígie do imperador menino. As partes são conectadas entre si através de elos ou cilindros, no mesmo metal da peça, ou em coral ou pedra colorida encastoados. A pulseira de bolas, como os correntões, é composta de bolas confeitadas e/ou lisas. Há ainda a pulseira formada por cilindros ocos de coral e bolas.

Pulseira de crioula de cilindros de coral e bolas lisas em ouro. Bahia, século XIX. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

Pulseiras de crioula em ouro, de bolas confeitadas. Bahia, século XVIII. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

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Anéis A iconografia demonstra que os anéis eram usados em todos os dedos das mãos pelas crioulas. Em formato circular, em ouro geralmente com decoração cinzelada, podiam conter pequenas pedras. No que se refere à decoração, as joias de crioulas não trazem elementos africanos, evocam figuras greco-romanas e europeias, ornamentos fitomorfos, efígie de D. João VI, D. Pedro I e D. Pedro II. Há muito trabalho em filigrana nas pulseiras e nas bolas ditas confeitadas dos correntões. Estes se assemelham à joalharia popular portuguesa ainda existente no norte de Portugal, na região do Minho.

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Abotoaduras em ouro. Bahia, século XIX. Dim.: 3,3 x 6,5cm. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

Anéis em ouro. Bahia, século XIX. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.


Balangandãs As pencas de balangandãs não eram tão frequentes quanto as

A nave era fundida, vazada, recortada e cinzelada, variando em

demais joias. Há poucos relatos e registros iconográficos delas.

dimensões e decoração. Os elementos pendentes, geralmente

Esses adereços místicos, em sua maioria confeccionados em prata,

também em prata, tornam cada penca de balangandãs única, visto

eram usados por algumas negras baianas na região da cintura/

que a sua combinação é fruto de escolhas pessoais, trajetórias de

quadris. Esses objetos são constituídos por três partes: corrente

vida. Entre os mais frequentes estão a figa, a chave, a moeda, o

(que fixa o adorno à usuária), nave ou galera (parte articulada, com

cilindro, a romã, o cacho de uvas, o peixe e os dentes de animais,

abertura lateral, que agrupa os elementos pendentes) e elementos

remetendo a diferentes tradições e crenças.

pendentes (diversidade de amuletos, talismãs e objetos decorativos).

Penca de balangandãs em prata com 40 peças sem corrente. Bahia, século XIX. Dim.: 13,0 x 17,5 cm (nave). Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

Penca de balangandãs em prata com 31 peças e corrente. Bahia, século XIX. Dim.: 9,2 x 16,3 cm (nave). Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

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Balangandãs Em sua maioria amuletos (elementos de proteção) e talismãs (elementos propiciatórios), cada peça de uma penca de balangandãs traz significados mágicos. A figa, representação do ato sexual, é um poderoso amuleto contra o mau-olhado ou o quebranto. A chave, comumente de cofres e sacrários, é uma insígnia de poder, que funciona como proteção para “fechar o corpo”. As moedas são usadas para atrair riqueza. A romã, o cacho de uva e o peixe são associados como signos propiciadores de fartura, fecundidade e riqueza. Os dentes de animais evocam a força, as qualidades desses seres,

Penca de balangandãs em prata com 27 peças e corrente. Bahia, século XVIII. Dim.: 14,3 x 18,6 cm (nave). Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

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Abotoaduras em ouro. Bahia, século XIX. Dim.: 3,3 x 6,5cm. Acervo Museu Carlos Costa Pinto.


Balangandãs transferindo-as para seus usuários humanos e agindo como elementos de proteção. A reunião de elementos mágicos é a essência da penca de balangandãs. Sua combinação torna cada uma delas única, visto que é fruto de escolhas pessoais, e cada elemento compõe a gramática de sua linguagem comunicativa, remetendo a uma postura diante da vida, referenciada por um conjunto de crenças que lhe dão sentido.

Penca de balangandãs em prata, com 31 peças e corrente. Bahia, século XIX. Dim.: 9,0 x 13,5 cm (nave). Acervo Museu Carlos Costa Pinto.

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GLOSSÁRIO ABOTOADURAS

Usadas nas mangas curtas da camisa bordada dos trajes festivos de crioula. Geralmente de formato circular, com a superfície decorada com grãos de ouro.

ANEL

BOLA CONFEITADA

Em formato circular, em ouro geralmente com decoração cinzelada, podia conter pequenas pedras. Era usado em todos os dedos das mãos.

Conta em ouro, decorada com aplicações de filigrana em forma de círculos concêntricos. Em Portugal, é conhecida como contas de Viana, sendo seu nome tradicional “contas de olho de perdiz”, devido ao efeito visual produzido.

BRINCO DE CRIOULA 30

Brinco tipo argola ou pitanga. A forma mais característica é circular, convexa, guarnecida por diversos materiais, como coral, ágata, cornalina, tartaruga etc.


COLAR DE ALIANÇA OU GRILHÕES

CORRENTÃO DE CRIOULA

Tipo de correntão de crioula. Formado pelo encadeamento de elos em formato de anéis lisos ou decorados, que se interpenetram.

Tipo de joia de crioula. O correntão típico é composto de bolas ou contas confeitadas. Estas podem também ser lisas ou gomiladas. Alguns exemplares trazem pendentes borla, pomba do Espírito Santo, roseta e/ou cruzes, crucifixos.

PENCA DE BALANGANDÃS

Adereço místico, em sua maioria confeccionado em prata, usado por

PENTE

Parte superior em ouro com decoração cinzelada, dentes em tartaruga.

certas negras e mulatas, até a primeira metade do séc. XX, na região da cintura/quadris.

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PULSEIRA DE PLACAS

Peça das joias de crioula composta de chapas retangulares decoradas com motivos fitomorfos ou efígies. As partes são conectadas entre si por elos ou cilindros no mesmo metal, ou em coral ou pedra colorida encastoados.

PULSEIRA TIPO COPO

PULSEIRA FORMADA POR CILINDROS E BOLAS

PULSEIRA DE BOLAS

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Bracelete cilíndrico que se assemelha a um copo. Traz geralmente como elemento decorativo central medalhão com figura feminina de perfil. Decoração comumente em filigrana.

Pulseira composta de cilindros e bolas, geralmente dispostos de forma alternada.

Pulseira composta de bolas confeitadas e/ou lisas.


Referências ARAÚJO, Emanuel. A arte da sedução: sexualidade feminina na colônia. In: PRIORI, Mary Del (Org.). História das mulheres no Brasil. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1997, p. 45-77. BARROS, Sigrid Porto de. A condição social e a indumentária feminina no Brasil Colônia. Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, n. 8, p. 117-154, 1947. ESCOREL, Silvia. Vestir poder e poder vestir: o tecido social e a trama cultural nas imagens do traje negro, Rio de Janeiro – século XVIII. 2000. 206 f. Dissertação (Mestrado em História Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. GODOY, Solange. Círculo das contas: joias de crioulas baianas. Salvador: Fundação Museu Carlos Costa Pinto, 2006. 108 p. LARA, Silvia Hunold. Sedas, panos e balangandãs: o traje de senhoras e escravas nas cidades do Rio de Janeiro e de Salvador (século XVIII). In: SILVA, Maria Beatriz da (Org.). Brasil: colonização e escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. p. 177-191. OLIVA, Menezes de. A santa do pau oco e outras histórias. Rio de Janeiro: Laemmert, 1957, p. 47-53. OLIVEIRA, Octávia Côrrea dos S. Ourivesaria Brasileira. Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v. 9, p. 22-37, 1948. RODRIGUES, Raimundo Nina. Os africanos no Brasil. 7. ed., São Paulo: Nacional; Brasília: Universidade de Brasília, 1988. 283 p. SILVA, Simone Trindade V. Referencialidade e representação: um resgate do modo de construção de sentido nas pencas de balangandãs a partir da coleção Museu Carlos Costa Pinto. 2005. 203 f. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal da Bahia, Salvador. SOUSA, Gonçalo de Vasconcelos e. A joalharia em Portugal: 1750-1825. Porto: Civilização, 1999. 262 p. WETHERELL, James. Brasil: apontamentos sobre a Bahia – 1842-1857. Salvador: Banco da Bahia, 1972.

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Ficha técnica PRODUÇÃO Instituto Victor Brecheret INSTITUTO VICTOR BRECHERET DIRETOR-PRESIDENTE Victor Brecheret Filho DIRETORA-VICE-PRESIDENTE Cidô Brecheret DIRETOR ADMINISTRATIVO Fernando Brecheret DIRETORA-SECRETÁRIA Maria Lúcia Junqueira DIRETORA-TESOUREIRA Dalmacia de Arruda Campos DIRETORA DE PROJETOS Ana Maria Gonçalves CURADORIA Superintendente do Museu Carlos Costa Pinto Bárbara Maria Teles Carvalho dos Santos

Gestora administrativa do Museu Carlos Costa Pinto Simone Trindade V. da Silva TEXTOS Simone Trindade V. da Silva EQUIPE DE APOIO DO MUSEU CARLOS COSTA PINTO Analista Cultural Mercedes Rosa Coordenadora Cultural Lícia Greco Museóloga Anna Thereza Santos de Melo FOTOGRAFIAS Aníbal Gondim e Sérgio Benutti FOTOGRAFIAS DA IRMANDADE DA BOA MORTE Jomar Lima da Conceição

ORGANIZAÇÃO Cidô Brecheret PRODUÇÃO EXECUTIVA Arte Sobre Arte Produções Artísticas Maria Clara Perino EXPOGRAFIA Ivanei da Silva Eddie Sampaio PROJETO GRÁFICO Ctrl+d Comunicação Direção de Arte Alexandre Reibaldi Diagramação Anna Flávia Oliveira Fernanda Grof PRODUÇÃO GRÁFICA Gabriel Rosso Jorge Frederico Bellini

ILUSTRAÇÕES DO GLOSSÁRIO Liege Galvão

Agradecimentos Maria Denise Silva; Sonia Bastos, Ana Maria Azevedo e Maria Aparecida França e França – Fundação Instituto Feminino da Bahia; Alessandra Rosso, Roberta Saraiva e Patricia Guilhoto; Déa Márcia Federico e Tanira Fontoura – Memorial Mãe Menininha do Gantois; aos colecionadores particulares.

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Presidenta da Rep煤blica Dilma Vana Rousseff Ministro da Fazenda Guido Mantega Presidente da Caixa Econ么mica Federal Jorge Fontes Hereda


Distribuição Gratuita – Venda Proibida.

CAIXA Cultural São Paulo

Praça da Sé, 111 Terça-feira a domingo, das 9h às 21h Tel.: (11) 3321-4400

CAIXA Cultural Curitiba

Rua Conselheiro Laurindo, 280 Terça a sábado das 9h às 20h Domingo das 10h às 19h Tel.: (41) 2118-5114

www.caixa.gov.br/caixacultural Produção

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Patrocínio


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