Monografia anna laura neumann

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CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL / PUBLICIDADE E PROPAGANDA

Anna Laura Neumann

MOBILIZAÇÃO SOCIAL NO CIBERESPAÇO: a Shoot The Shit e a nova face do ativismo

Santa Cruz do Sul 2013


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Anna Laura Neumann

MOBILIZAÇÃO SOCIAL NO CIBERESPAÇO: a Shoot The Shit e a nova face do ativismo

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul para a obtenção do título de bacharel em Comunicação Social / Habilitação Publicidade e Propaganda.

Orientador: Prof. Rudinei Kopp

Santa Cruz do Sul 2013


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Anna Laura Neumann

MOBILIZAÇÃO SOCIAL NO CIBERESPAÇO: a Shoot The Shit e a nova face do ativismo

Este trabalho foi submetido ao Curso de Comunicação Social / Habilitação Publicidade e Propaganda, Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social / Habilitação Publicidade e Propaganda.

Dr. Rudinei Kopp Professor Orientador – UNISC

Mestra Karine Moura Vieira Professora Examinadora

Mestre Leonel Aires Professor Examinador

Santa Cruz do Sul 2013


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AGRADECIMENTOS

Ao professor Fabio Hansen, por adicionar a pesquisa ao meu percurso acadêmico. À professora Cristine Kaufmann, por compartilhar conhecimentos inspiradores. À professora Ângela Felippi, pela ternura e apoio. Ao professor Rudinei Kopp, pelo aprendizado e orientação, anexados a muita paciência. Ao Gabriel Gomes e Luciano Braga, pela disponibilidade e auxílio. Aos meus pais, Erni e Liselena, por tornarem o meu sonho parte das suas vidas. Às irmãs Maria Paula e Maria Clara, pela parceria. Ao namorado Diego, por estar sempre disposto a aconselhar e ouvir. Às amigas e colegas, Taíssi e Desirê, por viverem o amor à Comunicação comigo.


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RESUMO

A pesquisa em questão consolida um estudo voltado a compreender a nova abordagem das questões de interesse coletivo, através da formulação de mobilizações sociais que usam o ciberespaço como principal meio de comunicação, o que acaba repercutindo também nos veículos tradicionais. Portanto o objeto empírico da pesquisa é o ativismo, analisado a partir do grupo Shoot The Shit de Porto Alegre (RS), que de maneira genérica define-se como uma organização formada por empreendedores sociais. Utilizando a análise qualitativa, esta pesquisa constrói o ciberespaço como um meio que pertence ao cenário midiático, mas que também engendra a sociedade culturalmente. A partir da metodologia do Estudo de Caso foram analisados os documentos do grupo e as entrevistas realizadas com os idealizadores, buscando resolver questões do tipo “como” e “por que” esse fenômeno possui tanta representatividade no período contemporâneo. Identificou-se que há um vácuo deixado pela administração pública em nossa sociedade, uma falta de representação, que é assumida por grupos como a Shoot The Shit. Ela utiliza o ciberespaço pela fácil repercussão de informações, o que não identifica as novas tecnologias como decisivas para a democracia contemporânea, elas apenas auxiliam a mudança de hábitos nos indivíduos. Afinal, os efeitos da Internet são relativos, não sendo totalmente livre do sistema e das pessoas que nela atuam. Mas o importante é perceber que as mobilizações promovidas levam os problemas locais para uma instância global, em uma efervescência micropolítica, que os indivíduos conquistam o direito de discordar da ordem vigente, aliando o ativismo de sofá ao ativismo de rua.

Palavras-chave: Mobilização social; comunicação; ciberespaço; cibercultura; ativismo.


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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 – Campanha “Desmatamento Zero – Cortes de carne”, peça de revista e jornal . 19 Ilustração 2 – Escala de níveis de vinculação........................................................................... 22 Ilustração 3 – “Salve uma vida, apague seu cigarro” no site AdOnline ................................... 63 Ilustração 4 – “Que Ônibus Passa Aqui” no site da Prefeitura Municipal de Porto Alegre ..... 68 Ilustração 5 – “Que Ônibus Passa Aqui” no portal G1 Rio Grande do Sul .............................. 69 Ilustração 6 – Instruções da ação “Que Ônibus Passa Aqui” ................................................... 71 Ilustração 7 – Adesivo da ação “Que Ônibus Passa Aqui” ...................................................... 72 Ilustração 8 – “Que Ônibus Passa Aqui” no jornal Gazeta do Sul ........................................... 73 Ilustração 9 – Projeto Movilidad Colectiva, desenvolvido no México..................................... 74 Ilustração 10 – Ação “Mexa-se” divulgada em um blog russo ................................................ 90


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 8 1 MOBILIZAÇÃO SOCIAL E COMUNICAÇÃO ................................................................. 11 1.1 O que é Mobilização Social ................................................................................................ 11 1.2 A Comunicação Social para mobilizar os públicos ............................................................ 13 1.3 As funções da comunicação mobilizadora ......................................................................... 17 1.4 De público-alvo a sujeito participante ................................................................................ 20 1.5 A influência dos meios de comunicação nas mobilizações sociais .................................... 24 2 CIBERESPAÇO: CONTEXTO E POTENCIAL DE MOBILIZAÇÃO .............................. 31 2.1 O ciberespaço: um novo cenário para as mobilizações sociais .......................................... 31 2.2 A comunicação no ciberespaço: o trânsito da informação ................................................. 36 2.3 As Redes Sociais e o caráter interativo da comunicação.................................................... 39 2.4 As comunidades virtuais e a cibercultura ........................................................................... 44 2.5 A mobilização e o ativismo no ciberespaço ....................................................................... 49 3 SHOOT THE SHIT: UMA NOVA FACE DO ATIVISMO? ................................................ 56 3.1 Metodologia de pesquisa .................................................................................................... 56 3.2 O percurso do grupo Shoot The Shit ................................................................................... 60 3.3 Análise do potencial mobilizador da Shoot The Shit .......................................................... 77 3.3.1 O que é Mobilização Social para a Shoot The Shit? ........................................................ 77 3.3.2 Como é a comunicação para mobilizar? .......................................................................... 80 3.3.3 Quais são as funções da comunicação mobilizadora? ..................................................... 83 3.3.4 Como é possível que os sujeitos participem ativamente? ............................................... 85 3.3.5 Como os meios de comunicação influenciam os projetos mobilizadores? ..................... 87 3.3.6 E o ciberespaço? .............................................................................................................. 88 3.3.7 Como é a comunicação no ciberespaço? ......................................................................... 91 3.3.8 É possível mobilizar através do ciberespaço? ................................................................. 94 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 97 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 104 ANEXO A .............................................................................................................................. 107 ANEXO B .............................................................................................................................. 109 ANEXO C .............................................................................................................................. 112 ANEXO D .............................................................................................................................. 129


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ANEXO E ............................................................................................................................... 131


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INTRODUÇÃO

Em maio de 2011, três publicitários decidem jogar golfe em ruas esburacadas, do Bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Gravam a encenação, veiculam no Youtube e rapidamente o vídeo se dissemina na Internet. A situação desperta o público desse meio e chama a atenção da administração pública, que decide resolver o problema identificado pelos jovens. A ação é repercutida em meios de comunicação pelo Brasil e pelo mundo. Os criativos responsáveis, naquele momento, já possuíam uma organização chamada Shoot The Shit. Não agiam, portanto, de forma completamente despropositada. Eles sentiam uma insatisfação, tinham objetivos, entendiam o meio de comunicação que usariam para veicular a cena e imaginavam a possível reação dos públicos que tocariam. Porém, não tinham como calcular a dimensão que a ação alcançaria. Parece haver algo novo ou diferente no modo de tratar questões de interesse coletivo. Essa é a idéia genérica que tem se propagado e que tem despertado tanto interesse como possibilidade de ação e mobilização social usando as formas tradicionais e contemporâneas de comunicação. Esse, aliás, foi o principal ponto de motivação para o fundamento dessa pesquisa. A pretensão é estudar um agente mobilizador relevante para procurar entender como ele surgiu, por que surgiu, suas motivações, seus métodos de ação e assim por diante. Pela representatividade que o grupo vem recebendo, principalmente pela cobertura midiática, pela repercussão na Internet e pelos debates junto ao poder público, é possível acreditar, a princípio, que há um fenômeno em curso e há uma manifestação disso muito próxima das nossas vidas. O objetivo é analisar o ciberespaço como um meio de comunicação que faz parte do elenco midiático e atua culturalmente sobre a sociedade, buscando compreender através do estudo de caso de um agente importante nessa dinâmica - de que forma as mobilizações sociais contemporâneas possuem tanta repercussão sobre a sociedade. Mas essa nova forma de mobilização precisa ser contextualizada: enfim, o que é mobilização social? Qual a função da comunicação para mobilizar? E a relevância dos meios de massa? O que é o ciberespaço? Será ele um meio fundamental de mobilização cultural e social? Seria um novo meio de comunicação, apenas um recurso tecnológico ou o palco para o desenvolvimento de um modo de vida? Há uma inquietação acerca das atividades realizadas no ciberespaço atualmente, principalmente no âmbito da Internet e das Redes Sociais, que servem como meio de divulgação das mobilizações sociais e culturais. A pesquisa em questão


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não pretende valorizar deliberativamente o ciberespaço, apenas objetiva caracterizá-lo e reconhecê-lo como um novo espaço com um possível potencial mobilizador. O objeto empírico, a Shoot The Shit, é caracterizada por seus idealizadores como uma organização que pretende “tirar as ideias da gaveta”. O nome é uma expressão americana que significa “jogar conversa fora”, ou seja, conversar despretensiosamente. Não é uma empresa, nem uma agência de publicidade, apesar de ser composta primordialmente por publicitários. Eles acreditam que através de suas ações podem mobilizar as pessoas a mudar atitudes, pensar e debater seus papéis como responsáveis pelas suas cidades, mas principalmente agir como cidadãos que se preocupam com sua convivência urbana, que se enxergam como parte de um todo maior, de uma coletividade. A pesquisa é dividida em três capítulos. O primeiro é dedicado a construir um referencial acerca do significado de mobilização social, de que forma a comunicação pode influenciar tais ações, quais são as principais funções da comunicação aplicada a projetos mobilizadores, como os públicos-alvo se tornam participantes ativos e defensores das causas sociais abordadas e qual a influência dos meios de comunicação de massa nesse processo. Com enfoque sobre os autores Henriques (2004), Mafra (2006) e Toro (2007), esse capítulo também exemplifica as teorias abordadas a partir dos projetos realizados, principalmente, pelo Greenpeace, devido às ações espetaculares postas em prática pelo grupo com o objetivo de chamar a atenção dos meios de comunicação para as causas ambientais defendidas; pela Pastoral da Criança, escolhida graças à criação da Rede de Comunicadores Voluntários, o que evidencia uma preocupação com o planejamento e execução profissional das estratégias nesse âmbito do projeto; e pelo grupo Vida Urgente de Porto Alegre, uma vez que esse projeto possui uma ampla repercussão das suas ações principalmente nos meios de comunicação contemporâneos, com o objetivo de atingir o público jovem. O segundo capítulo trata do ciberespaço, um meio de comunicação mais interativo, onde se desenvolvem as comunidades virtuais e a cibercultura, abrangendo, por fim, as formas contemporâneas de mobilizações sociais - ou ativismo - promovidas na Internet. Os grupos mobilizadores utilizados no primeiro capítulo também são exemplo para as teorias abordadas, principalmente as dos autores Lévy (1999), Castells (2003) e Lemos (2004). Enfim, no capítulo três, é explicada a metodologia utilizada, o Estudo de Caso, a partir de autores como Fragoso (2011), Duarte (2006) e Yin (2005), que contou com a organização e descrição da documentação de todas as ações desenvolvidas pelo grupo Shoot The Shit, uma


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entrevista realizada com Gabriel Gomes e Luciano Braga, fundadores e participantes, e também uma palestra feita por eles na Universidade de Santa Cruz do Sul. O percurso do grupo, as metodologias utilizadas e suas percepções sobre os temas abordados nesta pesquisa são analisados ao final do terceiro capítulo, com base nas elucidações teóricas dos dois primeiros capítulos. O ciberespaço é um meio que instiga a minha curiosidade e quando três publicitários resolvem jogar golfe no meio de uma rua e isso se transforma em algo que faz as pessoas pensarem, o meu interesse é despertado também acerca das novas possibilidades existentes para o âmbito da Comunicação Social e para o aprimoramento de uma sociedade mais engajada e participativa. Por esse motivo desenvolvi essa pesquisa para compreender como é possível promover um empoderamento dos indivíduos para torná-los sujeitos proativos para a mudança social. A partir das técnicas e dispositivos tecnológicos utilizadas como suporte, busquei entender as ações desenvolvidas pela Shoot The Shit, como elas são executadas e no que os idealizadores acreditam, analisando a documentação e a percepção dos envolvidos.


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1 MOBILIZAÇÃO SOCIAL E COMUNICAÇÃO

1.1 O que é Mobilização Social

A sociedade nos moldes atuais vive de acordo com um tipo de organização que faz com que tenhamos determinadas expectativas em relação a certos grupos ou pessoas. Hoje, muitas das decisões tomadas pelos gestores públicos são aceitas como resoluções únicas e definitivas para os problemas que atingem todos os sujeitos. Sujeitos esses que, coletivamente, também possuem respaldo para discutir e debater questões que interferem na vida em sociedade. A mobilização social de indivíduos dispostos a responsabilizar-se por questões sociais é vista como necessária para a real aplicabilidade da democracia. O verbo mobilizar, originalmente, significa “dar movimento a, por em movimento ou circulação”. A mobilização social amplia esse significado: se caracteriza por movimentar e reunir pessoas em torno de questões sociais que devem ser discutidas, postas em movimento, em benefício do todo. No entanto, não significa apenas manifestar publicamente tais questões em um local físico, por exemplo. Nas palavras de Bernardo Toro e Nisia Werneck, a mobilização social efetiva “ocorre quando um grupo de pessoas, uma comunidade ou uma sociedade decide e age com um objetivo comum, buscando, quotidianamente, resultados decididos e desejados por todos.” (2007, p. 3) As manifestações públicas são estratégias, partes do processo de mobilização social, que precisa almejar a construção de um projeto futuro, com propósitos definidos e concretos, que necessitem de uma dedicação contínua. Mobilizar, efetivamente, é divulgar os problemas sociais que dificultam o bom funcionamento da sociedade, convocando pessoas dispostas a transformar a realidade, a dividir responsabilidades, compartilhando soluções e conhecimentos em um aprendizado conjunto. Em outras palavras, o objetivo da mobilização social é gerar um sentimento de corresponsabilidade nos sujeitos que vivem em um meio social democrático. Isso não significa que o Estado pode se ausentar da função de “garantir a integração, a regulação e o bom funcionamento da sociedade. Mas implica que a própria sociedade crie meios de solucionar os problemas com os quais o Estado por si só não seja capaz de lidar.” (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 36)


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Henriques percebe que esses movimentos se configuram como verdadeiras redes de aprendizagem em conjunto, “sendo capazes de, ao assimilar novos conhecimentos advindos de sua experiência, adaptar-se continuamente à velocidade das transformações e à dinâmica das lutas sociais.” (HENRIQUES, 2005b, p. 9) Outra característica relevante das mobilizações sociais é a de que cada indivíduo é livre para participar ou não, devendo se sentir verdadeiramente responsável pela problemática defendida pelo grupo, sentindo-se capaz de provocar e desenvolver mudanças efetivas. Rennan Mafra (2006) analisa que “quando projetos e movimentos lutam por determinadas causas, há um desejo de „movimentar‟ as estruturas, os significados, os entendimentos acerca de algumas questões.” (p. 33) Ou seja, cada indivíduo deve desejar o envolvimento e o relacionamento com a causa. Henriques define as possibilidades de mobilização social:

A mobilização social tem enorme amplitude e pode referir-se tanto a movimentos sociais de massa quanto a formas associativas as mais diversas: projetos de ação voluntária, organizações não-governamentais e entidades do chamado Terceiro Setor, militância partidária, organização popular e comunitária, trabalho cooperativo, fóruns de participação institucionalizada em temas públicos (conselhos, comitês etc.), projetos de ação social (inclusive projetos de responsabilidade social onde empresas buscam atuar junto aos públicos que denominam de “comunidades”). (HENRIQUES, 2006, p. 2)

Mafra afirma que a democracia contemporânea clama pela existência de grupos mobilizadores que exigem o aprendizado e comprometimento dos sujeitos em torno de questões públicas, carentes de “(re) definições coletivas.” (MAFRA, 2006, p. 14) Na América Latina esses grupos ainda estão em construção devido a dificuldade da sociedade em diferenciar o que pertence ao governo e o que é público. Braga, Silva e Mafra (2004) contribuem, atribuindo tal característica ao tipo de colonização exercido na região, que não foi motivado por cidadãos em busca de uma terra para viver. O objetivo principal era dominar e explorar as riquezas, o que gerou (grosso modo) um sentimento de paternalismo arraigado na sociedade latina. Mas, afinal:


13 Como é possível que tal processo aconteça? Como é possível mobilizar os sujeitos à participação coletiva? É possível tomar alguns procedimentos e elaborar estratégias para que os sujeitos se sintam mobilizados e tenham interesses despertados para as questões públicas? Quais seriam os limites e as possibilidades dessas estratégias de mobilização social? (MAFRA, 2006, p. 14)

Um dos exemplos mais recorrente de mobilização social que efetivamente acontece, viabilizada principalmente por um processo planejado estrategicamente, é o Greenpeace, organização criada no Canadá em 1971 que visa mobilizar as pessoas quanto a questões ambientais: “o objetivo é manter informados os ambientalistas e a população em geral sobre a temática ambiental e, ao mesmo tempo, expor a crise ambiental que o planeta está vivenciando.” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 134) Com abrangência geográfica internacional (em mais de 40 países) e mais de três milhões de colaboradores financeiros, ela busca sensibilizar cada vez mais sujeitos quanto aos hábitos que causam um impacto considerável ao ambiente, mudando efetivamente a realidade de diferentes locais, além de divulgar publicamente as organizações públicas e privadas que não cumprem suas responsabilidades em benefício da natureza. Para “os militantes do Greenpeace, a mobilização é imprescindível e fundamental para o sucesso do trabalho.” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 138) Considerando que o processo de mobilização social exige: o compartilhamento de informações, conhecimentos, valores, visões e responsabilidades; a preocupação com os discursos responsáveis por convocar os sujeitos dispostos a transformar a situação da sociedade; e também a exigência de “conversa, troca, partilha intersubjetiva, interação” (MAFRA, 2006, p. 34) entre os sujeitos, parte fundamental da solução para as mobilizações sociais é planejar e exercer estratégias de Comunicação Social.

1.2 A Comunicação Social para mobilizar os públicos

A mobilização social não é uma novidade, “ela é histórica e sempre ocorre quando os líderes de um povo percebem que é impossível resolver determinada crise ou problema sem que se mobilize a força da própria sociedade ameaçada.” (LOBO, 1996, p. 75) A novidade, no


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entanto, é o uso da comunicação de massa1 para esse propósito. A comunicação direcionada para as mobilizações sociais assume um caráter dialógico, libertador e educativo, segundo Henriques, Braga, Silva e Mafra (2004). Dialógica, porque almeja primordialmente um relacionamento com os receptores e não apenas a busca por um meio unidirecional de transmissão de informações. Por defender objetivos de interesse mútuo, a comunicação precisa motivar a co-participação e defender a busca por um fim comum a todos. Libertadora, porque sugere um acordo entre os sujeitos, onde haja compreensão sem manipulação ou imposição, ou seja, os problemas sociais devem ser compartilhados e discutidos entre os sujeitos, que possuem a liberdade de comunicação a fim de expor suas ideias e conhecimentos, contribuindo para a construção de um raciocínio coletivo. E pedagógica, porque educa acerca das motivações e objetivos sociais do grupo, através da interação com os participantes, valorizando suas reações e interpretações. Não há imposição e sim diálogo com os sujeitos. Segundo Testa (1996), a comunicação tende “à massificação que torna anônimo o indivíduo, mas, por outro lado, permite também que esse mesmo indivíduo assuma sua individualidade e se realize, enquanto agente comunicador.” (p. 65) Sob um viés mais prático, a comunicação pode se estabelecer a partir de um caráter informacional, caracterizado por um processo de transmissão de informações do receptor para o emissor, simplesmente. Ou um caráter relacional, que prevê os participantes do processo como “instituidores de sentido.” (MAFRA, 2006, p. 35) A divulgação das informações é importante para mobilizar as pessoas e para assegurar a estabilidade e a continuidade do movimento, já que ela dissemina o que está sendo feito e decidido no grupo, oferecendo sentido e motivação às atitudes e iniciativas de cada participante.

Assim, a comunicação para mobilização deve se propor a orientar os indivíduos em seus espaços de interação, ou mesmo criar ambientes, onde as relações e as interações ocorrerão através do diálogo livre entre os sujeitos, e o conhecimento será apreendido e reelaborado através dos próprios contextos da comunidade. (HENRIQUES; BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 28)

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As denominações “comunicação de massa” e “meios de massa” serão utilizadas para nomear os veículos de comunicação de grande alcance, ou seja, a mídia audiovisual e impressa, como Folha de São Paulo, Jornal A Zero Hora, Rede Globo e Rede Bandeirantes. Ou seja, “dirige-se às diversas comunidades do espaço público (a massa).” (LEMOS, 2004, p. 79)


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No entanto, quando o enfoque da comunicação é a mobilização, a principal abordagem é a relacional, que incentiva o sentimento de co-participação dos sujeitos, sendo que “o grande desafio da comunicação, ao mobilizar, é tocar a emoção das pessoas, sem, contudo, manipulá-las, porque se assim for feito, ela será autoritária e imposta.” (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 37) Ou seja, a comunicação que visa a coletivização não deve ser estritamente estratégica e imutável. Apesar de assemelhar-se às campanhas publicitárias veiculadas nos grandes meios, por exemplo, ela assume outro compromisso perante a sociedade: o de conquistar o envolvimento dos públicos acerca de questões que merecem ser discutidas e reinventadas, em um consenso coletivo, e não aquelas que permeiam apenas o universo individual de cada cidadão. Mas, “para que qualquer debate possa ocorrer, é fundamental que os interlocutores forneçam argumentos formulados de maneira racional e expliquem seus pontos de vista” (MAFRA, 2006, p. 18); não esquecendo, entretanto, de valorizar as interpretações de cada participante. Bernardo Toro e Nísia Werneck avaliam:

Esse consenso não é um acordo em que as pessoas negam suas diferenças. Elas são preservadas e respeitadas. As pessoas não estão necessariamente de acordo entre si, mas de acordo com alguma coisa, com uma ideia, que é colocada acima das divergências. Ela é a expressão de um exercício de convivência democrática. (TORO; WERNECK, 2007, p. 28)

Segundo Henriques, a maior preocupação dos grupos mobilizadores é conquistar a visibilidade e a atenção dos públicos, utilizando para isso “a composição de estratégias de comunicação, mesmo que de forma intuitiva.” (HENRIQUES, 2006, p. 5) Mas, segundo ele, essas questões estão sendo abordadas cada vez mais sob uma perspectiva profissional. Afinal, os autores concordam que a forma de aplicabilidade da comunicação é responsável por gerar mais visibilidade ao grupo mobilizador, permitindo consequentemente, a continuidade de suas ações. Somente um processo comunicativo consegue motivar os públicos por meio de apelos emocionais e ações espetaculares, estimulando-os ao debate, analisa Mafra, que acrescenta:


16 É fundamental que uma determinada competência comunicativa esteja presente nas rotinas dos projetos de mobilização social, tanto no sentido de entender e operar com a “gramática” própria da mídia de massa, quanto no sentido de utilizar outros meios, técnicas e instrumentos de comunicação que traduzam sua causa, incluam novos temas na cena pública e estabeleçam conversações a partir de procedimentos estratégicos. (MAFRA, 2006, p. 45)

Com origem no ano de 1983, no âmbito da Igreja Católica, a Pastoral da Criança é uma referência nacional de mobilização social segundo Rabelo e Suzina (2005a). Os voluntários são responsáveis por desenvolver “ações de saúde, nutrição, educação, cidadania e espiritualidade de forma ecumênica nas comunidades pobres”, segundo o site da Instituição.2 Em 1994, foi criada a Rede de Comunicadores Solidários à Criança, ligada à Pastoral, que reuniu cerca de 500 comunicadores voluntários de 24 estados brasileiros, distribuídos em diferentes comunidades e regiões, o que “permitiu tornar a ação comunicativa mais horizontal e ágil pelo contato direto entre agentes e lideranças da Pastoral da Criança e os meios de comunicação locais.” (RABELO; SUZINA, 2005a, p. 73) Atuando nas áreas de comunicação pessoal e grupal, rádio e assessoria de comunicação e mobilização, a Rede formou comunicadores capazes de produzir e veicular informações, mas principalmente “pessoas capazes de gerar processos de comunicação em favor da mobilização.” (RABELO; SUZINA, 2005a, p. 74) Existem, segundo Braga, Silva e Mafra (2004), três características nos movimentos mobilizadores

importantes

para

a

formulação

de

um

planejamento

estratégico

comunicacional. São elas: a identidade, que “é como o movimento se autodefine, a partir de suas práticas, valores e discursos.” (BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 63) O adversário, que participa na definição da identidade a partir da diferença entre o “nós” e o “eles”. E o que os autores nomeiam como Meta Societal, que aborda a visão do grupo e de seus participantes acerca do futuro das ações promovidas. Com as estratégias de comunicação concluídas a partir das informações citadas, os grupos motivadores só as aproveitam efetivamente caso o profissional responsável (nos casos em que exista um) se preocupe em transformar as informações e dados do grupo em sinais de esperança e mudança, despertando a proatividade e a contribuição efetiva dos públicos, divulgando ações e decisões possíveis de ser postas em prática por cada sujeito, tendo como enfoque contínuo a Meta Societal, ou seja, os objetivos traçados pelos mobilizadores responsáveis pelo projeto. 2

Disponível em: http://www.pastoraldacrianca.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=75&Itemid=27


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1.3 As funções da comunicação mobilizadora

A comunicação tem como função primordial difundir informações, publicizando e dirigindo-as aos públicos em potencial. No caso dos projetos mobilizadores, essa função é imprescindível, uma vez que divulga a existência do projeto de mobilização social, tornando suas propostas e objetivos conhecidos, possibilitando o julgamento e posterior participação da sociedade. Outra função da comunicação com fins mobilizadores é promover a coletivização, com o objetivo de sensibilizar as pessoas para com a causa defendida, gerando um sentimento de pertencimento ao projeto, um compromisso e interesses comuns. A comunicação atinge então o nível da corresponsabilidade, em que vínculos são gerados e mantidos entre os sujeitos participantes, que se sentem partes importantes do todo, responsáveis pelo sucesso da mobilização. É esse nível que oferece estabilidade ao projeto mobilizador, sendo que o enfoque deve estar na geração de sentimentos como solidariedade, sentimento de querer acabar com determinada situação, e compaixão, quando os sujeitos se enxergam como semelhantes. Isso só é possível através da “geração de um fluxo comunicativo em que se possa visualizar a trajetória do movimento e suas conquistas, de forma a orientar os atores e promover a continuidade das ações e dos resultados.” (HENRIQUES; BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 23) Para esse propósito é importante registrar a memória do grupo através da reunião de todas as ações já realizadas, para servir de referência aos futuros participantes e como instrumento de verificação da pertinência do movimento a toda sociedade. Ou seja, o projeto precisa apresentar coesão e continuidade. Uma das formas de executar tal objetivo é acompanhar os resultados do projeto, afinal “eles são importantes para manter aceso o entusiasmo dos que estão participando, estimular a ampliação dos participantes e argumentar com os possíveis financiadores do movimento.” (TORO; WERNECK, 2007, p. 31) É ainda função dos comunicadores fornecer elementos de identificação com a causa e com o projeto mobilizador. Em outras palavras, a comunicação é responsável, em um projeto de mobilização, por criar símbolos e valores que formem uma identidade. A “detecção de elementos simbólicos comuns que podem ser facilmente decodificados e compartilhados e que melhor traduzam a causa em si e os valores que a ela podem ser agregados.” (HENRIQUES; BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 24) Dessa forma o projeto mobilizador organiza-se no imaginário do público: “os atores sociais podem se sensibilizar e se identificar


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com a beleza e coerência das peças gráficas do projeto, com o ritual das reuniões e eventos que promove, com os valores que defende, com os conhecimentos que dissemina.” (HENRIQUES; BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 24) Com a ação da Rede de Comunicadores, a Pastoral da Criança, por exemplo, conseguiu seduzir os públicos, ocupando o imaginário coletivo através de mensagens sedutoras e mobilizadoras em benefício das crianças brasileiras. Ainda sobre a última função identificada, é possível perceber sua importância para a própria coesão do grupo com seu público. Segundo Henriques, ela se manifesta através dos seguintes aspectos:

Unidade visual e gráfica; coesão do discurso projetado para os públicos, mesmo que transposto para linguagens diferentes; coerência entre o discurso e as ações efetivamente realizadas; complementaridade dos instrumentos e veículos, para que se reforcem mutuamente. (HENRIQUES, 2005b, p. 11)

Peças tradicionalmente de caráter publicitário assumem um viés simbólico a fim de desenvolver uma identidade visual, a partir da criação de uma logomarca, da disseminação de um grande volume de informações qualificadas – “aquela que informa e orienta de modo prático, que permite aos sujeitos saber o que fazer e como se posicionar dentro do movimento/projeto” (HENRIQUES, 2005b, p. 10) – em folhetos, panfletos, fôlderes, cartilhas e manuais, a postura dos participantes, a sede do projeto (espaço físico, cores utilizadas, bandeiras, hinos) e a organização de eventos (atos públicos, passeatas), que garantem a visibilidade e possível engajamento dos sujeitos atingidos. Esses estabelecem suas próprias conexões de maneira orientada, mas não manipuladora, apesar de fazer parte do planejamento estratégico do projeto. Nas mídias de massa a Pastoral da Criança prioriza os depoimentos de líderes e coordenadores comunitários, “o que facilita a empatia com a maior parte das lideranças” (RABELO; SUZINA, 2005a, p. 84), já o Greenpeace investe em uma linguagem visual em anúncios impressos.


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Ilustração 1 – Campanha “Desmatamento Zero – Cortes de carne”, peça de revista e jornal

Fonte:

disponível

em:

<http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Participe/Divulgue/Midia-

Impressa/>. Acesso em: 8 de maio de 2013.

A comunicação assume todas essas funções com o objetivo de dinamizar e potencializar os movimentos mobilizadores, coordenando ações que isoladamente geram pouca representatividade. Ela coordena as ações e cria canais de comunicação relevantes entre sujeitos e projeto: “a comunicação, planejada a partir de um horizonte ético, passa a ser um dos principais instrumentos para auxiliar o movimento em seu processo de transformação da realidade” (HENRIQUES; BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 20), mobilizando diferentes


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públicos e possibilitando a efetiva participação e engajamento dos sujeitos na defesa das causas sociais assumidas pelo projeto mobilizador.

É possível compreender a demanda pela comunicação estrategicamente planejada na estruturação de um projeto mobilizador, uma vez que as pessoas precisam sentirse como parte do movimento e abraçar verdadeiramente a sua causa. (HENRIQUES; BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 20)

Mas as estratégias comunicacionais devem relevar o ponto de vista estritamente técnico, compreendendo antes de tudo que tal competência é fundamental para o exercício de cidadania de toda a sociedade. Ou seja, “o planejamento da comunicação deve existir no sentido de permitir a tomada de posições a respeito de questões críticas e estratégicas” (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 40), estreitando os vínculos entre os públicos e os projetos mobilizadores. Ainda “é preciso que as pessoas tenham conhecimento dos objetivos, metas e prioridades da mobilização, sintam-se seguras quanto à valorização de sua forma de pensar e sintam a confiança dos outros participantes.” (BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 70) Entretanto, o maior desafio dos comunicadores é identificar e classificar os públicos, uma vez que as técnicas utilizadas no meio empresarial, em planejamentos de marketing, por exemplo, não são suficientes para apreender os vínculos que regem um projeto mobilizador.

1.4 De público-alvo a sujeito participante

A fim de compreender as relações sistêmicas existentes entre os sujeitos e entre eles e os projetos de mobilização social, é preciso que os comunicadores busquem encontrar os vínculos principais, em outras palavras, “torna-se necessário rastrear os caminhos e circuitos por meio dos quais o processo comunicativo em movimento proporcionará uma produção de sentido comum.” (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 41) O ideal é que o público não seja mantido apenas sobre interesses recíprocos existentes entre eles e a mobilização, mas sim que se tornem parte do “próprio grupo gerador do projeto.” (BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 61)


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O livro organizado por Márcio Henriques (2004) contribui de maneira efetiva para tal abordagem, a partir do desenvolvimento de níveis de análise dos públicos, que auxiliam na determinação da posição dos sujeitos em segmentos específicos dos projetos de mobilização social. O primeiro deles é a localização espacial: “onde, no espaço real (geográfico) ou virtual estão localizados os públicos dentro do universo de atuação e de influência do projeto.” (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 42) Após, leva-se em consideração os níveis de informação, afinal, as pessoas podem ter diferentes tipos de conhecimento acerca do projeto, originadas através de diversos meios, entre eles os da comunicação. No terceiro nível de acionamento está o julgamento, que ocorre quando as pessoas já avaliaram as informações e decidem então apoiar o projeto.

Uma certa quantidade de informações, com determinado nível de detalhamento, gera uma tomada de posição dos públicos em relação ao projeto. O julgamento é a constituição deste posicionamento, que se dá a partir do estabelecimento de juízos de valor. (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 42)

A seguir há a ação, uma instância mais prática onde são gerados materiais diversos que contribuem direta ou indiretamente com os objetivos iniciais do projeto. Após há o nível da coesão, que ocorre quando as ações e os diferentes públicos de um projeto se tornam interdependentes; e a continuidade, quando as ações mobilizadoras não são mais pontuais ou instantâneas: se tornam permanentes e contínuas. Esses dois níveis de acionamento recebem a contribuição direta da comunicação estratégica. Em outras palavras, “sendo os níveis de coesão e continuidade o elo entre a ação isolada e efêmera e ação co-responsável, a comunicação deve ser planejada principalmente para atuar sobre esses dois pontos.” (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 46) Assim, “quando o público se sente também responsável pelo sucesso do projeto, entendendo a sua participação como uma parte essencial no todo” (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 43), ele ocupa o nível da corresponsabilidade, permeado por sentimentos como a compaixão e a solidariedade. Não há hierarquia, “a participação mais ou menos assídua, a contribuição mais direta ou mais indireta, o tempo em que começou a participar, nada disso gera hierarquias e poderes.” (TORO; WERNECK, 2007, p. 50) Por fim existe a participação institucional, nível onde há poucos indivíduos participantes, uma vez que se refere àquelas pessoas que são contratadas pelo grupo mobilizador.


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Ilustração 2 – Escala de níveis de vinculação

Fonte: (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 44)

Após compreender os níveis de acionamento existentes em um projeto de mobilização social, o comunicador deve mapear e segmentar os públicos, por critérios como a força dos vínculos, o grau de informação e a efetiva incorporação de valores dos públicos. O objetivo final é levar os públicos ao nível da corresponsabilidade.

A geração de corresponsabilidade, como um vínculo ideal entre os públicos e uma causa ou movimento é, portanto, um processo que depende da geração de um lento e contínuo aprendizado e que potencialmente se traduza numa transformação gradual de hábitos e atitudes, construindo novos significados e incorporando valores. (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 48)


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Toro e Werneck (2007) avaliam que os comunicadores também precisam conhecer os níveis de atuação dos sujeitos no interior de um projeto mobilizador. O primeiro deles é o Produtor Social, que não é dono, mas faz com que o processo de mobilização ocorra. Ele “é responsável por viabilizar o movimento, por conduzir as negociações que vão lhe dar legitimidade política e social.” (TORO; WERNECK, 2007, p. 21) Esse participante assume algumas características como respeito e confiança na participação coletiva dos sujeitos, incentivando tal comportamento. Ele acredita “na importância de se liberar a energia, a criatividade e o espírito empreendedor das pessoas e das coletividades.” (TORO; WERNECK, 2007, p. 22) Possui um conhecimento claro acerca da democracia, cidadania, público e participação, sendo capaz de interpretar a realidade na qual o projeto se insere. Nas palavras dos autores, ele é “sensível e tolerante.” (TORO; WERNECK, 2007, p. 23) Na organização ambiental Greenpeace, por exemplo, todas as pautas sugeridas pela população passam primeiro pelo filtro das pessoas denominadas como líderes, que assumem a função de selecionar o que será “investigado e publicado, obedecendo a critérios próprios” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 137), ou seja, o Greenpeace atua “de forma colaborativa junto à sociedade civil num esforço conjunto entre técnicos, especialistas e „cidadãos comuns‟, e, muitas vezes, com depoimentos de testemunhas que presenciaram as agressões ambientais” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 137), mas primando sempre pela veracidade das informações divulgadas. No segundo nível estão, por exemplo, os professores e líderes comunitários, denominados Reeditores. Segundo os autores, essas pessoas possuem um reconhecimento importante na sociedade, principalmente no âmbito onde atuam, são eles “que tem a capacidade de negar, transformar, introduzir e criar sentidos frente a seu público, contribuindo para modificar suas formas de pensar, sentir e atuar.” (TORO; WERNECK, 2007, p. 23) Para os comunicadores voluntários que atuam na Pastoral da Criança, esse nível é o mais importante. São produzidas para eles, mensagens condizentes e mobilizadoras, uma vez que “o conteúdo das informações precisa ser exato para garantir os resultados esperados.” (RABELO; SUZINA, 2005a, p. 87) Além do “investimento nos três níveis de comunicação, de massa, macro e micro, com veículos distintos, conteúdos e sentidos específicos.” (RABELO; SUZINA, 2005a, p. 84) Condizente a isso, no terceiro nível elaborado por Toro e Werneck (2007) há o profissional da comunicação, o Editor, que se relaciona com os públicos do projeto e principalmente com os Reeditores.


24 Como estruturar as mensagens, que códigos são necessários para que a mensagem seja compreendida e absorvida pelo Reeditor e para que ele possa convertê-la em uma forma de sentir, de atuar e de decidir em função do imaginário? Essas são as perguntas às quais o Editor deve dar respostas. É evidente que quanto melhor o seu conhecimento sobre o campo de atuação do Reeditor, maiores as possibilidades de êxito no seu trabalho. (TORO; WERNECK, 2007, p. 24)

A “comunicação bem planejada é aquela que possibilita a criação, a manutenção ou o fortalecimento dos vínculos, já que o enfraquecimento dos mesmos, embora sempre possa acontecer, nunca é desejável.” (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 45) Ou seja, a partir de seus conhecimentos, o profissional da comunicação atua diretamente na ação de transformar o público-alvo em sujeito mobilizado pela ação, participando do projeto, tornando-o conhecido através dos meios de comunicação.

1.5 A influência dos meios de comunicação nas mobilizações sociais

O planejamento comunicacional voltado a projetos mobilizadores tem como um dos objetivos tornar as ideias e propostas do grupo, públicas a toda a sociedade. Para tanto, “passam a programar estratégias comunicativas, tanto para „chamar‟ a atenção da mídia de massa, quanto para convocar públicos específicos.” (MAFRA, 2006, p. 16) Os grupos mobilizadores se transformaram a partir do desenvolvimento dos media no século XX, ficando mais evidentes, “transformando sua configuração e dinâmica da mobilização”. (BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 61) No Brasil, por exemplo, a televisão “teve o seu início em setembro de 1950 com a inauguração da TV Tupi de São Paulo, fundada por Assis Chateaubriand.” (TAHARA, 1998, p. 38) De acordo com Matos (2009) “quando surgiu a televisão, havia uma expectativa de que o novo meio propiciaria o crescimento do engajamento cívico e da consciência política dos cidadãos.” (p. 133) Todos poderiam testemunhar as decisões políticas, por exemplo. Dessa forma os meios de massa como um todo assumiram uma responsabilidade estrutural nos projetos mobilizadores, evitando principalmente as ações individuais, de pouca representatividade.


25 Aí podemos identificar o papel da mídia. Tornando públicas as suas causas e as suas ações, procuram com isso reforçar sua potência cívica, para colocarem-se como legítimos interlocutores ou mesmo para ganharem simpatia para a causa. Diante desse novo cenário, torna-se evidente que a questão da imagem assume posição central para os processos de mobilização. (HENRIQUES, 2005b, p. 9)

Antes do surgimento dos meios de comunicação, as interações se davam apenas no âmbito presencial, sendo que, com o advento da imprensa e posteriormente o da mídia eletrônica, houve a possibilidade de ampliar esse contexto, sob um viés espacial e temporal. É a interação através da publicidade mediada, segundo Braga, Silva e Mafra. (2004, p. 71) A televisão, por exemplo, “é o veículo, seja por força das suas próprias virtudes técnicas, artísticas, comerciais e sociais (...) que tem todas as condições para assumir uma posição de proeminência.” (SANT‟ANNA, 1998, p. 219) Dessa forma, os grupos mobilizadores transformaram as lutas políticas em lutas por visibilidade devido ao fato de que os meios de massa atingem diferentes públicos, ampliando o raio de atuação do projeto, evidenciando então “a importância social dos meios de comunicação, uma vez que, dependendo da situação, podem servir como espécie de arena pública, na qual circulam questões que orientam a vida coletiva.” (MAFRA, 2006, p. 28) Por esse motivo, ações coletivas com o objetivo de “chamar a atenção” se tornam cada vez mais frequentes, em busca da ocupação de um espaço na agenda dos meios de comunicação. Essa característica das mobilizações sociais é bem visível na organização Greenpeace, uma vez que as ações planejadas pelo movimento são bastante espetacularizadas, com o objetivo de chamar a atenção da mídia. Quando militantes ambientais se colocam na frente de tratores destinados ao desmatamento, as causas defendidas são vistas, interiorizadas, ampliadas e potencializadas mais fácil e rapidamente, com a ajuda dos meios de comunicação. Para a Pastoral da Criança,

A presença da mídia dá legitimidade e visibilidade à mobilização, reforça a participação do voluntário, das famílias acompanhadas, e ajuda a sensibilizar a população para as questões da infância e adolescência, propondo uma agenda social sobre esse tema. Além disso, internamente, reforça a dimensão e a importância do trabalho junto aos próprios voluntários que, pelas informações, conseguem perceber que o trabalho localizado que fazem se soma ao de outros e gera grandes resultados. (RABELO; SUZINA, 2005a, p. 84)


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Através da Rede de Comunicadores Voluntários, a Pastoral da Criança atinge em nível macro os diversos públicos principalmente através de Relatórios de Situação de Abrangência e do Jornal da Pastoral da Criança. Dessa forma a mensagem contribui para estimular e fortalecer a participação dos indivíduos. O Relatório é uma das responsabilidades dos comunicadores voluntários, que tornam o material publicizável, através da contextualização nas diferentes regiões do país. Com o objetivo de socializar as ações do projeto, o jornal bimestral, tem 70% do espaço ocupado pelas “notícias das comunidades, com informações enviadas pelas próprias lideranças locais.” (RABELO; SUZINA, 2005a, p. 86) As autoras acrescentam que “nesse nível macro, também estão os materiais institucionais, educativos e didáticos, utilizados pelos assessores, coordenadores e líderes comunitários.” (RABELO; SUZINA, 2005a, p. 86) Outra estratégia da associação é o programa radiofônico Viva a Vida, transmitido por mais de 1700 emissores por todo o Brasil, com duração de 15 minutos e em duas versões, uma para a região Sul e outra para as regiões Norte e Nordeste. Há ainda a Assessoria de Comunicação e Mobilização Social, que tem como objetivo “mobilizar a sociedade e promover a cultura da esperança.” (RABELO; SUZINA, 2005a, p. 92) No Greenpeace é organizada uma revista trimestral, exclusiva aos associados, que traz as principais notícias divulgadas no período, além de divulgações das ações em rádio, televisão, mídia impressa e nos produtos da loja Greenpeace. E também “vale ressaltar que a mídia institucional, em geral, não colabora com a divulgação das causas dos ativistas. Os espaços que estes usam dentro dos meios comerciais são todos pagos.” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 140) Essa atitude do Greenpeace se aproxima do que Henriques (2006) atenta: é preciso levar em consideração que os meios de comunicação possuem seus próprios interesses. A Rede Globo de Televisão é a maior financiadora da Pastoral da Criança, por exemplo, através do Criança Esperança, desenvolvido em parceria com a Unesco. Em outras palavras, “com suas regras discursivas peculiares, não apenas garante a publicidade e visibilidade, mas ao realizar a mediação, ela organiza o mundo a seu modo próprio.” (MAFRA, 2006, p. 39) Ela interfere e participa do processo comunicacional, possuindo recursos para editar as informações e manipular a opinião pública.


27 A mídia tem uma capacidade limitada de transmitir uma imagem completa dos fatos. Contudo, seu sistema de funcionamento muitas vezes permanece invisível ao sujeito, o que pode levá-lo a acreditar que a mídia destaca o mundo “como ele é”. (MAFRA, 2006, p. 47)

Segundo o autor e diretor de Projetos Especiais da Central Globo de Comunicação, Luiz Lobo, a emissora tem consciência sobre sua responsabilidade social, sendo que “os projetos orientados para melhorar a qualidade de vida das comunidades são, hoje, o terceiro maior componente da programação, depois do entretenimento e do jornalismo.” (LOBO, 1996, p. 75) Segundo ele, assuntos como prevenção à Aids e o aleitamento materno são tratados já há muito tempo no interior das novelas, no que ele define como merchandising social. A questão do planejamento familiar, por exemplo, foi tratada de maneira bem subjetiva: “nenhum casal bem sucedido, em novela da Globo, tinha mais de dois filhos e os casais que tinham muitos filhos eram, geralmente, aqueles que tinham muitos problemas a resolver.” (LOBO, 1996, p. 77) Por mais que a promoção de mudanças de comportamento seja a tarefa mais difícil da comunicação, a televisão possui uma credibilidade muito alta e uma forte influência sobre os hábitos dos indivíduos. O projeto Vida Urgente, por exemplo, criado pela Fundação Thiago de Moraes Gonzaga (FTMG) em 1996 com o objetivo de exigir “leis mais rígidas e específicas para o trânsito” (RODRIGUES, 2012, p. 40) e conscientizar a sociedade quanto aos perigos de dirigir alcoolizado, alcançou uma repercussão nacional e um crescimento do voluntariado principalmente com a ajuda da comunicação: “entre os parceiros midiáticos encontram-se, Correio do Povo, Zero Hora, (...) revistas, rádios – AM e FM e as emissoras de televisão RBS, Record, Band, TVE.” (RODRIGUES, 2012, p. 41) Além da colaboração voluntária da agência de publicidade e propaganda experimental da PUCRS, “que planeja e produz os materiais (folders, banners, cartazes, bandeiras, panfletos, tatuagens auto colantes, adesivos) para a fundação.” (RODRIGUES, 2012, p. 41) Mas a mobilização efetiva precisa acontecer de maneira gradual, envolvendo os públicos em um processo de criação e compartilhamento de valores e princípios. As notícias veiculadas pelos meios de comunicação são facilmente esquecidas, impedindo a criação de um valor coletivo e mobilizador. A novidade divulgada pode causar comoção pública, mas nunca uma verdadeira transformação da realidade. E mais: “a tendência é que as ações provocadas a partir desse „tiro inicial‟ não tenham tanta continuidade, a não ser dentro dos


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segmentos diretamente envolvidos na situação.” (BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 73) Apesar dos meios terem se tornado uma peça chave para a vida cívica atual, além de um desafio e necessidade para todos os projetos de mobilização, eles não conseguem abordar toda a complexidade da vida em sociedade. A televisão, por exemplo, mais de meio século depois do seu surgimento, “passou a ser vista como causa do declínio da vida pública e da coesão social.” (MATOS, 2009, p. 133) Ou seja, os meios de massa geram visibilidade, mas também têm seus limites e contradições, o que leva a uma busca por outros espaços comunicativos que assumam um caráter mais dialógico, formando redes de conversação e ação, condizentes com os objetivos mobilizadores.

A publicidade midiática não tem por si mesma um caráter dialógico, já que os produtores e receptores de formas simbólicas mediadas, em geral, não estabelecem uma relação num mesmo grau de reciprocidade e não se encontram em uma totalidade simultânea no ato comunicativo. (BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 72)

Não é apenas através da difusão de informações que a mobilização acontece, mas sim a partir de uma comunicação dirigida e orientada para o relacionamento com os receptores, envolvendo valores e significados comuns: “por buscar a efetividade, a mobilização social deve dar atenção especial a uma comunicação de menor cobertura, mas de maior impacto.” (HENRIQUES; BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 19) Para que os sujeitos co-participantes do projeto possam exercer a coletividade em busca de decisões partilhadas, é preciso que existam canais desobstruídos, que permitam autonomia. Em outras palavras, “da ideia de que é preciso falar para convencer deve-se passar para a noção de que é preciso falar e será o público que formará a sua própria ideia.” (BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 74) A mídia de massa oferece visibilidade às ideias do projeto, mas é a partir de outros meios que se tem a verdadeira mobilização dos públicos, avalia Mafra (2006, p. 48), que acrescenta:

Podemos inferir que ações estratégicas planejadas por projetos de mobilização social podem direcionar-se para cinco possíveis espaços de visibilidade pública: o midiático massivo, o midiático massivo local, o dirigido, o presencial e o telemático. (MAFRA, 2006, p. 49)


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Este último assume uma relevância nesta pesquisa por abordar, segundo Mafra (2006), o “espaço de visibilidade telemático” (p. 50), o ciberespaço. Ele permite a mobilização das pessoas a partir de dispositivos tecnológicos, “que podem fomentá-la com incrível velocidade” ou mesmo, “obscurecer (ou até prejudicar) o fenômeno mais lento de incorporação e manutenção dos valores que a sustentam.” (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 49) A Pastoral da Criança, por exemplo, possui uma infra-estrutura informatizada que permite o “acompanhamento e apoio às atividades desenvolvidas mesmo à distância” (RABELO; SUZINA, 2005a, p. 79), possibilitando a troca de informações e de novos conhecimentos entre as regiões e os diversos voluntários, estimulando-os uma vez que valoriza o trabalho desenvolvido pelo indivíduo e pelo grupo. Além do site da Rede Brasileira de Informação e Documentação sobre a Infância e Adolescência (www.rebidia.org.br), criado para reunir todas as informações produzidas pela própria Pastoral acerca da situação da infância no país.

A Pastoral da Criança privilegia divulgação de seus balanços e dos disponibilizadas, por exemplo, no credibilidade da proposta junto à (RABELO; SUZINA, 2005a, p. 83)

o gerenciamento constante das ações; a resultados obtidos. Tais informações estão site da entidade. Essa política reforça a opinião pública e rende novos parceiros.

O Greenpeace é caracterizado principalmente por abranger diferentes âmbitos: local, regional, nacional e até internacional. No entanto, a coordenação e interligação entre as lideranças só se faz possível a partir do ciberespaço, através das trocas de e-mails entre os participantes. Além disso, a organização “tem uma presença significativa na Internet (website, Youtube, Twitter, blog, Facebook, Flickr (...))” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 140) e newsletter, através da qual são divulgadas informações de cunho ambiental para a imprensa e cidadãos, além dos relatórios anuais das ações já desenvolvidas. Ou seja, os grupos mobilizadores, quando auxiliados por profissionais da comunicação, procuram utilizar as mídias tradicionais – TV, rádio – para adquirir visibilidade e notabilidade na sociedade. Entretanto, eles também almejam ocupar um espaço mais adequado à reunião de pessoas dispostas a discutir e debater questões que influenciam o bem coletivo, através de uma comunicação mais dialógica e interativa. Em outras palavras, objetivam informar e divulgar as propostas, mas acima de tudo desejam convidar para o


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grupo, agregar mais participantes responsáveis e engajados nas causas defendidas. O objetivo é mobilizar e o ciberespaço é o cenário escolhido para isso. Se anteriormente as mobilizações sociais aconteciam em ruas e praças públicas, com indivíduos munidos de megafones e caras pintadas, hoje isso tudo acontece em grande parte no interior do ciberespaço, situação que deve ser analisada de maneira criteriosa, a fim de descobrir de que forma a Internet pode realmente ser uma mídia com poder cultural e social, capaz de empoderar indivíduos, contribuindo assim com as mobilizações sociais atuais.


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2 CIBERESPAÇO: CONTEXTO E POTENCIAL DE MOBILIZAÇÃO

2.1 O ciberespaço: um novo cenário para as mobilizações sociais

Uma das intenções pretendidas, nos anos 1980, por grupos como o Greenpeace, envolvendo ações radicais que podiam se basear em abordagens de pequenos barcos contra grandes navios baleeiros, era provocar alarde e presença em redes de televisão, revistas e jornais pelo mundo. A ação específica mudava muito pouco o curso da história, mas os ativistas entendiam que essa era uma forma de mobilizar as pessoas, de entrar em suas vidas através de canais de comunicação que faziam parte do seu cotidiano. O trabalho que pretendia fazer com que o público se conscientizasse sobre os temas ambientais, depois desse choque visual, se tornava mais fácil e já havia, de alguma forma, uma noção diferente sobre a realidade. Era, portanto, mais simples mobilizar pessoas e grupos depois de fazer com que as imagens marcantes tivessem entrado no imaginário da sociedade. A realidade das crianças no Brasil também não foi alterada graças à divulgação em massa das ações da Pastoral da Criança, mas a Rede de Comunicadores Solidários à Criança conseguiu promover uma empatia da sociedade com as causas defendidas. A partir disso, grupos de pessoas e empresas privadas passaram a garantir a viabilidade financeira do projeto, por exemplo. Percebe-se que a comunicação faz parte da história da humanidade e das mobilizações sociais, começando pelo impresso a partir da invenção de Gutenberg, o telefone e a possibilidade de comunicação instantânea e a transmissão de informações em massa através do surgimento do rádio e posteriormente da televisão. E, através de inovações tecnológicas, desenvolveu-se o ciberespaço, um espaço caracterizado por viabilizar uma comunicação de todos para todos os sujeitos através de dispositivos tecnológicos, os computadores e as redes. Estas características estão naturalizadas nos indivíduos da última geração, na qual me incluo, já que nascemos e crescemos mergulhados no ciberespaço. O estranhamento inicial para o desenvolvimento desta pesquisa surge a partir de Margaret Wertheim (2001), que estuda as transformações e o surgimento de diferentes espaços, “adentrados” pelos seres humanos no decorrer de toda a história. Para ela, o ciberespaço se revela como uma espécie de espaço eletrônico da mente. Ou seja,


32 Quando “vou” ao ciberespaço, meu corpo permanece em repouso na minha cadeira, mas algum aspecto de mim “viaja” para outra esfera. Não quero sugerir com isto que deixo meu corpo para trás. Pessoalmente, não acredito que mente e corpo possam se separar – seja durante a vida ou após a morte. O que estou sugerindo é que, quando estou interagindo no ciberespaço, minha “posição” não pode mais ser fixada puramente por coordenadas no espaço físico. (...) Quando estou on-line, a questão de “onde” estou não pode ser plenamente respondida em termos físicos. (WERTHEIM, 2001, p. 30)

O ciberespaço pode ser considerado, segundo Wertheim (2001), como “um subproduto tecnológico da física” (p. 167), mas está além de um espaço físico comum, quantificável. Na verdade, é um espaço ainda pouco compreendido, que “formou-se, a partir do nada, em pouco mais de um quarto de século, o que faz dele o „território‟ de mais rápido crescimento da história.” (WERTHEIM, 2001, p. 167) O ciberespaço é como o espaço literário, estudado pelos teóricos da literatura, afinal “o fato de algo não ser material não significa que é irreal, como a tão citada distinção entre „ciberespaço‟ e „espaço real‟ implica.” (WERTHEIM, 2001, p. 169) E essa dualidade espacial não é tão recente, afinal algo muito parecido foi vivenciado na década de 1950 com a expansão da televisão. Em uma “alucinação consensual”, segundo Wertheim (2001), foi criado outro plano “habitado” pelos seres humanos, que assistiam e interagiam de alguma forma com as informações e personagens dos programas televisivos. A partir disso “preparamos o caminho para o novo dualismo do ciberespaço.” (WERTHEIM, 2001, p. 179) Pierre Lévy, no ano de 1999, definiu o ciberespaço como um novo meio com potencialidade para se tornar o principal canal de comunicação da humanidade, através da “digitalização geral das informações” (1999, p. 93). Ele entendia o ciberespaço como uma nova fronteira que deveria ser explorada imediatamente pela humanidade. Um canal de comunicação diferente dos outros meios, principalmente por ser coletivo e interativo, permitindo e incentivando as conexões sociais. Em outras palavras, a infra-estrutura e a técnica existentes no ciberespaço não condicionariam a recepção das informações e o relacionamento entre os sujeitos, pois todos participariam ativamente do processo de comunicação. Para Lemos (2004), “mais do que um fenômeno técnico, o ciberespaço é um fenômeno social.” (p. 138) No ciberespaço é permitido que cada usuário adicione, retire e modifique partes, interagindo com a estrutura, em uma espécie de “hipertexto mundial interativo” (LEMOS, 2004, p. 123), um espaço que se localiza na dimensão do não-lugar, assumindo as características de “aterritorialidade, imaterialidade, instantaneidade e


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interatividade”. (LEMOS, 2004, p. 126) Ou seja, “estamos testemunhando o nascimento de um novo domínio, um novo espaço que simplesmente não existia antes.” (WERTHEIM, 2001, p. 163) Um espaço que ocupa cada vez mais a vida das pessoas, devido principalmente a facilidade de comunicação independente da distância espacial. Mas a comunicação no ciberespaço só é potencializada a partir do surgimento da grande rede planetária: a Internet. Através dela, “pela primeira vez, o homem pode trocar informações, sob as mais diversas formas, de maneira instantânea e planetária.” (LEMOS, 2004, p. 116) Formada por um conjunto de redes planetárias de base telemática, a Internet surgiu em 1969, com o objetivo de assegurar e dividir informações vitais entre os responsáveis pelo departamento de defesa dos EUA durante a Guerra Fria, a rede Arpanet.

Em outubro de 1969, técnicos da firma Bolt Beranek and Newman, sediada em Boston, conectaram, através de linhas telefônicas especialmente instaladas, dois computadores separados por centenas de quilômetros, um na UCLA e o outro no Stanford Research Institute. No final do ano, dois outros nós haviam sido acrescentados a essa rede nascente – a Universidade da Califórnia em Santa Barbara e a Universidade de Utah – compondo uma rede de quatro sites. (WERTHEIM, 2001, p. 164)

Ou seja, a Internet forma uma rede de sujeitos que se comunicam a partir de uma rede tecnológica, “conectadas por redes telefônicas, satélites, microondas, cabos coaxiais e fibras óticas.” (LEMOS, 2004, p. 118) Mas, como a Arpanet era uma rede exclusiva da ARPA, cientistas da computação começaram a desenvolver uma rede civil própria, desencadeando em 1980 o chamado Internet Protocol, “um conjunto padronizado de procedimentos que permitissem a todas as redes trocar informação entre si.” (WERTHEIM, 2001, p. 165) Entretanto, segundo a autora, ainda neste ano “poucas pessoas fora da área militar e do campo acadêmico da ciência dos computadores tinham algum acesso à rede, e poucos americanos tinham sequer o conhecimento da existência do ciberespaço.” (WERTHEIM, 2001, p. 165) Apenas em 1985, a NSFNET, “uma série de redes regionais ligando universidades por todo o país” (WERTHEIM, 2001, p. 165) instituiu o que logo seria a Internet, caracterizada efetivamente como uma grande rede comunicacional, gratuita e abrangente, que hoje é vista com otimismo pela maioria dos projetos mobilizadores que buscam um contato mais interativo e dialógico com seus receptores, diferentemente da comunicação massiva exercida através das mídias tradicionais.


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O ciberespaço se transforma então em um meio capaz de “colocar o poder de emissão nas mãos de uma cultura jovem, tribal, gregária, que vai produzir informação, agregar ruídos e colagens, jogar excesso ao sistema.” (LEMOS, 2004, p. 87) Segundo Wertheim (2001) “cada dia, milhares de novos nós ou „sites‟ são acrescentados à Internet e outras redes afiliadas, e com cada novo nó o domínio total do ciberespaço aumenta.” (p. 163) No entanto, um dos obstáculos do ciberespaço seria a era comercial da Internet, em que apenas as classes mais altas da sociedade teriam acesso ao ciberespaço, dificultando “o desenvolvimento de novas formas de comunicação transversais, interativas e cooperativas” (LÉVY, 1999, p. 12). Mas, segundo Lévy (1999), os serviços gratuitos acabaram crescendo mais rapidamente que os pagos, advindos principalmente “das universidades, dos órgãos públicos, das associações sem fins lucrativos, dos indivíduos, de grupos de interesse diversos e das próprias empresas.” (LÉVY, 1999, p. 13) A Internet começou a ser vista como um espaço propício para o compartilhamento de informações, dados, pesquisas e conhecimentos entre conceituadas universidades e a sociedade, por exemplo. Ou seja, a Internet sofreu ao longo dos anos uma apropriação social, descentralizada do poder técnico, industrial e dos grandes meios de comunicação. Segundo Wertheim (2001), “fosse qual fosse a visão dos fundadores da Internet, o ciberespaço rompeu há muito tempo seu casulo acadêmico.” (p. 166) Lucia Santaella definiu o ciberespaço como “o universo virtual das redes”, que “alastrou-se exponencialmente por todo o planeta fazendo emergir um universo paralelo ao universo físico no qual nosso corpo se move.” (SANTAELLA, 2004, p. 39) Segundo ela, o ciberespaço pode ser definido como uma rede global estruturada por computadores, onde dados e informações são produzidos e compartilhados por humanos. Essa rede global é antes de técnica, social, “constituindo-se como uma rede de redes não só de máquinas, mas também de pessoas.” (LEMOS, 2004, p. 142) Mas o social se dá de outra forma nesse espaço, exemplificado por Lemos (2004) através da metáfora da ponte e da porta: “indivíduos isolados em seus quartos, com a porta bem fechada, buscam, ao mesmo tempo, individualizar e socializar, fazendo pontes e fechando portas na sua relação com o outro e o mundo” (LEMOS, 2004, p. 141), em referência à virtualidade do ciberespaço e sua contínua conexão com a realidade concreta dos sujeitos no mundo “real”. Ambiguidade relevante para o estudo do ciberespaço e seu possível potencial mobilizador, uma vez que os grupos visam mobilizar os sujeitos conectados em rede a assumir responsabilidades “reais”. Além dos aspectos sociais, o ciberespaço também assume uma responsabilidade informativa e educativa. Para Santaella (2004), o “ciberespaço, é um espaço feito de circuitos


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informacionais navegáveis” (p. 45), um espaço aberto a todos os sujeitos conectados na rede que possibilita a formação de um canal de comunicação interativo e comunitário, ideal para o surgimento do que Lévy define por inteligência coletiva.

Para Pierre Lévy, as novas tecnologias do ciberespaço podem, verdadeiramente, ajudar a criar a circulação do saber, circulação esta que forma o que ele chama de inteligência coletiva. Partindo da análise antropológica do espaço, Lévy mostra que depois da terra (espaço do mito e do rito, marcado por uma ligação completa do homem ao cosmos), do território (fruto da revolução neolítica, onde surge a agricultura, as primeiras cidades, a escrita e o Estado), do mercado (espaço do trabalho e da velocidade, instaurado no século XVI com as conquistas marítimas e a globalização dos mercados com os fluxos de matéria-prima, de mão-de-obra e de capital), o ciberespaço seria o formador de um quarto espaço, um espaço do saber. (LEMOS, 2004, p. 135)

Este espaço do saber surgiria, segundo Lemos (2004), a partir dos laços comunitários existentes no ciberespaço entre os diferentes usuários, constantemente preocupados em pluralizar discussões, compartilhar conhecimentos e competências, desenvolvendo um saber coletivizado. Segundo Wertheim, a Internet contribui com a sociedade “ao pôr em foco o fato de que estamos todos ligados numa teia de eus inter-relacionados e fluidos” (2001, p. 184), afinal, é a partir do crescimento do ciberespaço planetário, que valores, práticas, atitudes e técnicas se desenvolvem em conjunto, em comunidades. Para Castells (2003), “se alguma coisa pode ser dita, é que a Internet parece ter um efeito positivo sobre a interação social, e tende a aumentar a exposição a outras fontes de informação.” (p. 102) Lévy resume o ciberespaço da seguinte maneira:

O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. (LÉVY, 1999, p. 17)

Wertheim contribui afirmando que o ciberespaço é “muito mais que um mero espaço de dados” (2001, p. 170), despontando atualmente como um novo cenário para os grupos mobilizadores a partir da busca por uma comunicação informativa e principalmente mais


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próxima com os públicos; de menor alcance, mas de maior impacto mobilizador. No entanto, apesar de ser identificado inicialmente como um meio mais flexível e autônomo, que permite o diálogo e a participação, ele precisa ser analisado sob uma perspectiva crítica. O ciberespaço é em primeira instância um aparato técnico que possui seus limites e benefícios à estruturação da sociedade e consequentemente para a viabilidade dos projetos de mobilização social. Sob essa perspectiva, é preciso avaliar em primeiro lugar o ciberespaço como um meio de comunicação que possibilita, assim como as mídias tradicionais, o fluxo, a troca e o armazenamento da informação.

2.2 A comunicação no ciberespaço: o trânsito da informação

A comunicação característica das novas tecnologias do ciberespaço é aquela que faz a informação transitar idealmente de todos para todos os sujeitos, em um processo compartilhado. A partir de 1975 há “a passagem do mass media (cujos símbolos são a TV, o rádio, a imprensa, o cinema) para formas individualizadas de produção, difusão e estoque de informação” (LEMOS, 2004, p. 68), ou seja, a informação não é apenas recebida pelo grande público, no ciberespaço ela pode ser produzida e compartilhada entre todos os atores. Com o telefone, por exemplo, não era possível escolher falar apenas com os torcedores do mesmo time de futebol ou com pessoas que gostam de comer massa. Até mesmo com o surgimento da televisão a única interação possível era a escolha entre diferentes canais: “o zapping é assim um antecessor da navegação contemporânea na World Wide Web (WWW ou Web)”, completa Lemos (2004, p. 113). Ou seja, “as audiências deixam de ser entidades nebulosas e inatingíveis para se transformarem, ao menos parcialmente, em leitores, telespectadores ou rádio-ouvintes com nomes, inquietudes e sobrenomes muito concretos.” (DELARBRE, 2012, p. 185) Na evolução da comunicação há “a passagem do modelo informal da comunicação para o modelo da comunicação de massa e deste para o atual modelo de redes de comunicação informatizadas.” (LEMOS, 2004, p. 79) A primeira, rodeada de mitos, símbolos e religiões, é a da linguagem, da fala. É o primeiro tipo de comunicação que institui nos sujeitos o sentimento de pertencimento a uma comunidade. A comunicação massiva, simbolizada pela televisão, é aquela automática e prioritariamente discursiva: “a comunicação de massa não constitui uma comunidade, antes dirige-se às diversas comunidades do espaço público (a massa).” (LEMOS, 2004, p. 79) Por último, segundo o mesmo autor, há


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O modelo informatizado, cujo exemplo é o ciberespaço, é aquele onde a forma do rizoma (redes digitais) se constitui numa estrutura comunicativa de livre circulação de mensagens, agora não mais editada por um centro, mas disseminada de forma transversal e vertical, aleatória e associativa. A nova racionalidade dos sistemas informatizados age sobre um homem que não mais recebe informações homogêneas de um centro “editor-coletor-distribuidor”, mas de forma caótica, multidirecional, entrópica, coletiva e, ao mesmo tempo, personalizada. (LEMOS, 2004, p. 79)

No ciberespaço há uma comunicação dialógica, mais personalizada, que privilegia trocas recíprocas e comunitárias entre os sujeitos, e não apenas a comunicação unidirecional e isolada praticada pelas mídias denominadas como tradicionais ou clássicas, que são alvos de críticas por diversos autores, entre eles Lévy (1999). Ele as considera como “instrumentos de manipulação e de desinformação muito mais eficazes do que a Internet, já que podem impor „uma‟ visão da realidade e proibir a resposta, a crítica e o confronto.” (LÉVY, 1999, p. 230) Mas, ele acrescenta: “é muito raro que um novo modo de comunicação ou de expressão suplante completamente os anteriores” (p. 212), sendo as novas tecnologias de comunicação apenas uma alternativa aos sujeitos, no caso aos grupos mobilizadores, que além de objetivar a divulgação de suas propostas, pretendem conquistar novos participantes. Como no caso da Pastoral da Criança, em que o uso do ciberespaço permite o “acompanhamento e apoio às atividades desenvolvidas mesmo à distância” (RABELO; SUZINA, 2005a, p. 79), facilitando a troca de informações e de novos conhecimentos entre os voluntários, notabilizando o projeto perante a sociedade e mobilizando mais sujeitos em benefício das crianças brasileiras. Na Internet a própria noção de público é alterada, já que permite uma comunicação mais participativa, com debates coletivos que não são viáveis através dos outros meios de comunicação. Para o Greenpeace, as informações que transitam no ciberespaço são imprescindíveis frente à intenção mobilizadora do grupo, que visa mudar o comportamento dos sujeitos em relação ao meio ambiente. Elas incentivam a construção de um novo conhecimento sobre o tema, tornando visíveis as causas ambientais e as empresas ambientalmente irresponsáveis, “possibilitando através da prática e da acessibilidade das informações, a mobilização e a construção de redes sociais preocupadas com as questões ecológicas.” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 134) Portanto,


38 Sem ter alcançado a propagação que têm a televisão e o rádio entre as maiorias da nossa sociedade e possivelmente sem ter ainda a influência que a imprensa escrita mantém no intercâmbio e, ocasionalmente, na deliberação diante das elites, a Internet pode ser reconhecida como meio de comunicação com características específicas. (DELARBRE, 2012, p. 169)

O autor ainda analisa que os meios de comunicação de massa transformaram os cidadãos em verdadeiros consumidores, uma vez que obedecem interesses de cunho mercantil, corporativo, político e ideológico. A Internet, no entanto, “foi incorporada ao elenco midiático, mas com diferenças substanciais com relação àquelas vias de comunicação convencionais” (DELARBRE, 2012, p. 171), ela não possui um centro único. É relevante também a percepção de que “a tecnologia digital possibilita ao usuário interagir, não mais apenas com o objeto (a máquina ou a ferramenta), mas com a informação, isto é, com o conteúdo.” (LEMOS, 2004, p. 114) É uma comunicação mais comunitária, coletiva e abrangente. Todos os sujeitos participam da produção e compartilhamento de uma pluralidade de informações, que também alcançam o mundo off-line, segundo Recuero (2010). Mas, afinal

Como o desenvolvimento do ciberespaço afeta o urbano e a organização dos territórios? Que procedimento ativo, positivo, que tipos de projetos podem ser desenvolvidos para explorar da melhor forma possível os novos instrumentos de comunicação? Esses problemas não interessam somente aos políticos, urbanistas e planejadores do território: dizem respeito principalmente aos cidadãos. (LÉVY, 1999, p. 185)

Quando os cidadãos assumem a responsabilidade pelos problemas sociais o ciberespaço funciona como um instrumento para divulgar informações dos projetos mobilizadores, notabilizando-os, mas também promove uma conexão entre os sujeitos participantes. Ou seja, “podemos dizer que a dinâmica social atual do ciberespaço nada mais é que esse desejo de conexão se realizando de forma planetária.” (LEMOS, 2004, p. 71) No ciberespaço a circulação de informações não obedece mais a hierarquia do um para todos, nele há a comunicação efetiva entre emissores e receptores, que podem ser até milhões de pessoas, conectadas em rede. Delarbre afirma que “para muitos desses internautas, a rede é hoje parte de suas experiências cotidianas e nela dispõem de novas opções para estabelecer, expandir e/ou diversificar seus vínculos sociais.” (2012, p. 167) É um novo espaço de


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comunicação promissor e, segundo Lévy (1999): “cabe apenas a nós explorar as potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômicos, político, cultural e humano.” (p. 11) Potencial que para ser aproveitado pelos projetos de mobilização social deve ser compreendido por todos os sujeitos envolvidos, já que esses precisam participar ativamente dos processos de inteligência coletiva desenvolvidos no ciberespaço. Não basta ter o conhecimento das técnicas das novas tecnologias de comunicação, do acesso à Internet somente, isso não gera mobilizações efetivas e com possibilidades de extensão ao mundo offline. Em outras palavras, “os movimentos sociais têm processado a importância da (...) Internet, o que implica não só ser usuários, mas também aprofundar o entendimento de suas lógicas para poder tirar um proveito maior.” (VALDERRAMA, 2012, p. 206) O ciberespaço deve “servir prioritariamente para valorizar a cultura, as competências, os recursos e os projetos locais, para ajudar as pessoas a participar de coletivos de ajuda mútuo, de grupos de aprendizagem cooperativa etc.” (LÉVY, 1999, p. 238) Nas palavras de Recuero (2010), “as pessoas publicam informações não de forma aleatória, mas baseada na percepção de valor contida na informação que será divulgada.” (p. 133) Entretanto, por ser uma forma de comunicar mais descentralizada e universal, é igualmente importante evitar ao máximo a mera circulação de informações quando o objetivo é mobilizar sujeitos. Assim como tratado no primeiro capítulo, a comunicação precisa assumir um “caráter relacional, que prevê os participantes do processo como „instituidores de sentido‟” (MAFRA, 2006, p. 35), como co-participantes e responsáveis pelo projeto, efetivamente, consideração que sugere a prática de uma comunicação interativa no ciberespaço.

2.3 As Redes Sociais e o caráter interativo da comunicação

Além de informativo, o ciberespaço também promove a interação entre os atores conectados em rede, ou seja, “a interatividade digital é um tipo de relação tecno-social” (LEMOS, 2004, p. 114), que não leva em consideração apenas as mensagens ou o contexto dos interagentes, mas também o “relacionamento que existe entre eles.” (PRIMO, 2008, p. 111) E essas interações acontecem mútua e dialogicamente, para Recuero (2010), possuindo


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um impacto social sobre as relações entre os sujeitos que precisa ser compreendido. A “comunicação, mais do que permitir aos indivíduos comunicar-se, amplificou a capacidade de conexão, permitindo que redes fossem criadas e expressas nesses espaços: as redes sociais mediadas pelo computador.” (RECUERO, 2010, p. 16) Ou seja, o ciberespaço se torna o cenário para o surgimento de novas formas de socialização entre os indivíduos, através de redes sociais diferentes daquelas concretizadas fora da Internet, o que atinge diretamente os projetos mobilizadores. Antes a interação entre as pessoas era física e presencial, cumprimentávamos e trocávamos experiências com outros indivíduos nas vias e espaços públicos. Eram parâmetros tradicionais de localidade, parentesco e vizinhança segundo Costa (2008). Com a configuração de mundo atual isso passa a acontecer também através da Internet, o que influencia diretamente a forma com que os projetos de mobilização social devem se comunicar com seus públicos, já que através desse novo meio de comunicação é possível, além de informar, criar laços sociais: “digamos que, anteriormente, os indivíduos se deslocavam de um lugar para o outro para interagir com sua rede pessoal, mas, atualmente, eles vivem uma dinâmica de relação que salta de uma pessoa a outra numa rede virtual.” (COSTA, 2008, p. 35) Segundo Manuel Castells (2003), “quando a web explodiu na década de 1990, milhões de usuários levaram para a Net suas inovações sociais com a ajuda de um conhecimento técnico limitado.” (p. 47) O autor enfatiza, principalmente, que a intenção inicial já era pautada pela vontade de não usar a tecnologia pela tecnologia, simplesmente.

Reduzir a interação a aspectos meramente tecnológicos, em qualquer situação interativa, é desprezar a complexidade do processo de interação mediada. É fechar os olhos para o que há além do computador. Seria como tentar jogar futebol olhando apenas para a bola, ou seja, é preciso que se estude não apenas a interação com o computador, mas também a interação através da máquina. (PRIMO, 2011, p. 30)

A Internet configura uma espécie de transformação comunicacional, que segundo Delarbre (2012) “vai do informacionismo à construção conjunta de sentidos.” (p. 207) O Greenpeace, por exemplo, atua de uma forma diferente em relação aos anos 1980, a partir do surgimento da Internet. Hoje suas ações podem ser divulgadas de maneira personalizada através do envio de e-mails, que visam principalmente motivar os sujeitos a assinar petições públicas on-line ou contribuir financeiramente com as ações desenvolvidas. Além de motivar o surgimento de grupos de debate no ciberespaço acerca de temas ambientais. Ou seja, em


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meio às novas tecnologias de comunicação há certa busca pela reinvenção da sociedade, devido ao fato de que a Internet, “muitas vezes, constitui-se em uma via alternativa para o envolvimento em grupos sociais.” (RECUERO, 2010, p. 52) Caracterizando-se como um meio importante para a divulgação das propostas dos grupos mobilizadores, por exemplo, mas principalmente para a interação com os públicos-alvo, já que “o termo „interatividade‟ em geral ressalta a participação ativa do beneficiário de uma transação de informação” (LÉVY, 1999, p. 79), o que consequentemente colabora para o desenvolvimento de sentimentos como a corresponsabilidade e o coletivismo entre os atores. A construção de sentidos no ciberespaço redefine as práticas dos grupos mobilizadores, como as “rotinas de ação, dinâmicas organizacionais, incorporação de hábitos, relação com o ambiente, relação com o outro, práticas discursivas.” (VALDERRAMA, 2012, p. 207) Ou seja,

A comunicação digital apresenta-se como um processo comunicativo em rede e interativo. Neste, a distinção entre emissor e receptor é substituída por uma interação de fluxos informativos entre o internauta e as redes, resultante de uma navegação única e individual que cria um rizomático processo comunicativo entre arquiteturas informativas (...), conteúdos e pessoas. (DI FELICE, 2008, p. 44)

Quando os sujeitos se apropriam das novas ferramentas de comunicação, mediadas pelo computador, as redes sociais existentes no ciberespaço passam a ser expressas através dos Sites de Redes Sociais. Em outras palavras, “Sites de Redes Sociais são os espaços utilizados para a expressão das redes sociais na Internet.” (RECUERO, 2010, p. 102) São aqueles sites caracterizados por permitir a criação de um perfil público, que interage com as páginas pessoais de outros sujeitos. A partir dessas ferramentas é possível visualizar as relações e os laços sociais existentes no ciberespaço, como por exemplo, identificar aqueles sujeitos mais engajados na defesa dos direitos da criança.

Embora os Sites de Redes Sociais atuem como suporte para as interações que constituirão as redes sociais, eles não são, por si, redes sociais. Eles podem apresentá-las, auxiliar a percebê-las, mas é importante salientar que são, em si, apenas sistemas. São os atores sociais, que utilizam essas redes, que constituem essas redes. (RECUERO, 2010, p. 103)


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Esses Sites proporcionam o desenvolvimento de um capital social, que mede o potencial de interação dos indivíduos, diferente daquele que conhecíamos no espaço off-line, afinal hoje “a conectividade social não depende necessariamente da vinculação definitiva dos indivíduos a rede sociais concretas e/ou virtuais” (MATOS, 2009, p. 151), mas sim do relacionamento entre os sujeitos. Ou seja, “para que as redes sociais virtuais gerem capital social é preciso, primeiro, concebê-las como espaços relacionais” (MATOS, 2009, p. 145), através das “conexões construídas, mantidas e amplificadas no ciberespaço.” (RECUERO, 2010, p. 107) É preciso compreender como os indivíduos se organizam para formar essas redes e comunidades a partir do ciberespaço, afinal com uma maior conectividade surgem valores diferentes daqueles criados no mundo off-line, como a maior visibilidade das ações e informações divulgadas pelos sujeitos na Internet. Gera-se também uma reputação aos usuários, que passam a ter um maior controle sobre as impressões dos outros no ciberespaço. Outro aspecto é a popularidade, relacionada a audiência dos sujeitos nas redes: “tratase de um valor relativo à posição de um ator dentro de sua rede social.” (RECUERO, 2010, p. 111) O que se aproxima da definição utilizada no primeiro capítulo desta pesquisa acerca do papel dos Reeditores nos projetos de mobilização social: pessoas que possuem um reconhecimento importante na sociedade. Ou seja, “um nó mais centralizado na rede é mais popular, porque há mais pessoas conectadas a ele e, por conseguinte, esse nó poderá ter uma capacidade de influência mais forte” (RECUERO, 2010, p. 111) Essa influência também é medida a partir da autoridade de um determinado ator no ciberespaço. Portanto:

A abordagem de rede fornece ferramentas únicas para o estudo dos aspectos sociais no ciberespaço: permite estudar, por exemplo, a criação das estruturas sociais; suas dinâmicas, tais como a criação de capital social e sua manutenção, a emergência da cooperação e da competição; as funções das estruturas e, mesmo, as diferenças entre os variados grupos e seu impacto nos indivíduos. (RECUERO, 2010, p. 13)

Segundo Delarbre (2012): “os usuários da Internet navegam, divagam, encontram e, às vezes, debatem, compartilham e socializam com tanta assiduidade e de maneira tão notória que as redes informáticas já são reconhecidas como parte do espaço público contemporâneo.” (p. 169) Por esse motivo, juntamente com esse espaço público, “há lugar para um exercício interado e racional, que talvez seja capaz de articular a esfera pública” (DELABRE, 2012, p.


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177), onde informações e valores são compartilhados entre a sociedade, cada vez mais coesa e solidária entre si, com indivíduos que se sentem efetivamente pertencentes a uma comunidade. Portanto, “não basta contar com uma tecnologia que possua características potentes em termos de rapidez, interatividade, multimidialidade, hipertextualidade; que conte com espaços para a criatividade e a argumentação” (VALDERRAMA, 2012, p. 202), é preciso, em primeira instância, “democratizar os processos de configuração de uma esfera pública como as condições socioculturais para que os públicos possam participar qualificadamente dela.” (VALDERRAMA, 2012, p. 202) Ou seja, o que realmente importa não são os recursos tecnológicos do ciberespaço, mas sim a sociabilidade que ele possibilita.

Obviamente, todos os meios e espaços de comunicação são indispensáveis não unicamente por seus dispositivos tecnológicos, mas pelas consequências que essa capacidade de propagação de mensagens significa em relação à sociedade. Seria difícil, ou mesmo impossível, entender cabalmente o rádio sem seus ouvintes ou a imprensa sem os leitores que lhe dão sentido. Porém, no caso da rede ou do ciberespaço, (...) estamos diante de uma coleção de áreas de expressão e intercâmbio que simplesmente não fariam sentido algum sem a interação de seus usuários. (DELABRE, 2012, p. 180)

No caso do Greenpeace, os processos interativos entre os indivíduos possibilitam a utilização da “informação como ferramenta de mudança comportamental, pela significação das práticas de degradação ambiental.” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 135) Isso porque o diálogo entre os envolvidos é contínuo. Os documentos produzidos pelo grupo, por exemplo, não possuem nenhum custo para divulgação, o que estimula na sociedade “o debate em prol da construção de novos ideais sócio-políticos e ambientais.” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 138) A partir disso, o ciberespaço passa a ser entendido como “um sistema de comunicação eletrônica global que reúne os humanos e os computadores em uma relação simbiótica que cresce exponencialmente graças à comunicação interativa.” (SANTAELLA, 2004, p. 45) Ou seja, “o nervo do ciberespaço não é o consumo de informações ou de serviços interativos, mas a participação em um processo social de inteligência coletiva” (LÉVY, 1999, p. 194), o que Lévy define como “o modo de realização da humanidade que a rede digital universal felizmente favorece, sem que saibamos a priori em direção a quais resultados tendem as organizações que colocam em sinergia seus recursos intelectuais.” (1999, p. 132)


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Como foi abordada no primeiro capítulo desta pesquisa, a comunicação é benéfica aos projetos de mobilização social, uma vez que notabiliza e divulga seus valores, intenções e informações através de diferentes meios. Mas, diferentemente dos outros meios de comunicação, o ciberespaço agrega a esse processo o fator interativo, que aproxima os sujeitos, proporcionando a socialização, a criação de comunidades - que no caso dos projetos mobilizadores reúne sujeitos preocupados com as questões que não são resolvidas pelos gestores públicos, por exemplo – e o desenvolvimento de uma cultura própria: a cibercultura.

2.4 As comunidades virtuais e a cibercultura

Existe um novo espaço para a comunicação, mais informativo e interativo que os meios tradicionais, que acaba gerando agregações sociais e culturais. Portanto “o ciberespaço se tornou o lar de comunidades virtuais inteiras, grupos de pessoas que se reúnem e comungam na Internet em salas de conversa (...) e fóruns on-line.” (WERTHEIM, 2001, p. 20) Em outras palavras, o ciberespaço, através da Internet, dos Sites de Redes Sociais, possibilita o surgimento de comunidades virtuais formadas pela reunião de usuários, que juntos, ao socializar e se comunicar, criam a cultura do ciberespaço ou cibercultura.

Neste sentido, a tecnologia, que foi o instrumento principal da alienação, do desencantamento do mundo e do individualismo, vê-se investida pelas potências da socialidade. A cibercultura que se forma sob os nossos olhos, mostra, para o melhor ou para o pior, como as novas tecnologias estão sendo, efetivamente, utilizadas como ferramentas de uma efervescência social (compartilhamento de emoções, de convivialidade e de formação comunitária). A cibercultura é a socialidade como prática da tecnologia. (LEMOS, 2004, p. 89)

Compreender as redes sociais criadas na Internet e analisar essas novas formas de socialidade é essencial para compreender como acontecem as mobilizações de sujeitos em prol de questões ambientais, por exemplo. Como tratado no início deste capítulo, a sociedade já foi tocada por outros meios de comunicação, como o telefone e o rádio. No entanto, segundo Recuero (2010), o diferencial no ciberespaço é a formação de coletivos de sujeitos com características mais participativas e comunitárias. As pessoas interagem socialmente na


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rede, formando as comunidades virtuais, compartilhando valores e sentimentos, até mesmo com possibilidades de extensão ao plano off-line. E essas comunidades são formadas pelas “discussões públicas; as pessoas que se encontram e reencontram, ou que ainda mantêm contato através da Internet (para levar adiante a discussão); o tempo; e o sentimento.” (RECUERO, 2010, p. 137) Para alguns autores, “os grupos sociais no ciberespaço são comunidades virtuais a partir da definição de laços fortes e interação social concentrada, além de capital social e compromisso com o grupo.” (RECUERO, 2010, p. 147) Mesmo considerando que os participantes das comunidades não se conhecem, “e uma conversação que os envolva não é possível, os recursos e bens produzidos são públicos, compartilhados por todos os membros.” (PRIMO, 2008, p. 113) Isso porque a “coletividade não é apenas um mecanismo tecnológico e um estoque digital” (PRIMO, 2008, p. 117), ela promove a interação entre os atores sociais.

O ambiente de uma comunidade é construído através de uma história de aprendizagem em conjunto entre seus membros ao longo do tempo. O compromisso comum que une as pessoas decorre da identificação com um domínio (assunto) compartilhado por interesses e com as pessoas que partilham da identificação com o domínio. (PAULINO, 2012, p. 19)

Segundo Recuero (2010), indivíduos que possuem fortes interesses em comum, como é o caso dos agentes de projetos mobilizadores, conseguem formar comunidades bem coesas no ciberespaço que não excluem as interações face a face. Matos complementa afirmando que: “tanto a história do telefone, da televisão como os primeiros dados sobre o uso da Internet constituem um indício de que a comunicação mediada pelo computador acabará complementando (e não substituindo) as interações face a face.” (2009, p. 136) Os agentes são atores sociais relevantes ao processo, pois como ocorre nas mobilizações sociais realizadas no plano off-line, ocupam o centro das comunidades, sendo mais fortemente comprometidos com a coesão do grupo formado. No entanto, na Internet, “a liderança tende a espalhar-se entre os participantes na medida em que cada um, de acordo com sua participação (...), torna-se um pequeno líder que constrói seu próprio nó.” (VALDERRAMA, 2012, p. 201) Como é o caso da Pastoral da Criança, em que o ciberespaço auxilia na mobilização e reunião de pessoas que possuem uma relação e um sentimento em comum com a causa defendida, para que possam colaborar (no ciberespaço ou fora dele) com o projeto.


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Entretanto, é preciso compreender que estudar redes sociais na Internet é estudar uma possível rede social que exista na vida concreta de um indivíduo, que apenas utiliza a comunicação mediada por computador para manter ou criar novos laços. Não se pode reduzir a interação unicamente ao ciberespaço, ou ao meio de interação. A comunicação mediada por computador corresponde a uma forma prática e muito utilizada para estabelecer laços sociais, mas isso não quer dizer necessariamente que tais laços sejam unicamente mantidos no ciberespaço. A redução da interação ao ciberespaço, portanto, serve apenas para fins de estudo, já que se pressupõe que uma grande parte dela acontece principalmente através da mediação pelo computador. (RECUERO, 2010, p. 144)

Ou seja, é preciso evidenciar que as novas tecnologias também são um instrumento de desagregação, além de não existir apenas associações de sujeitos do tipo comunitárias no ciberespaço. Não se pode falar em comunidades virtuais de maneira generalizada, apenas que o ciberespaço, quando apropriado pelos sujeitos, passa a ser um vetor de realiance3. As comunidades virtuais autênticas se caracterizam como um espaço de troca de conhecimentos, um agrupamento social que gera um sentimento de pertencimento nos sujeitos. Em outras palavras, “a moral implícita da comunidade virtual é em geral a da reciprocidade.” (LÉVY, 1999, p. 128) Construída sobre projetos de interesses mútuos, as comunidades virtuais devem possibilitar a circulação do saber, ou a inteligência coletiva, de acordo com Lévy (1999).

Um grupo humano qualquer só se interessa em constituir-se como comunidade virtual para aproximar-se do ideal do coletivo inteligente, mais imaginativo, mais rápido, mais capaz de aprender e de inventar do que um coletivo inteligentemente gerenciado. O ciberespaço talvez não seja mais do que o indispensável desvio técnico para atingir a inteligência coletiva. (LÉVY, 1999, p. 130)

Portanto, é a partir da ação dos sujeitos envolvidos na ágora eletrônica global, assim denominada por Manuel Castells (2003), ou seja, da sinergia entre tecnologias do ciberespaço e sociedade, que surgem as comunidades virtuais. Essas “têm crescido e se diferenciado com tal intensidade que produziram o aparecimento de uma nova forma de cultura, a cultura do ciberespaço ou cibercultura.” (SANTAELLA, 2004, p. 44) Isso se deve ao fato de que “as

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“O desenvolvimento tecnológico, longe de ser apenas agente de separação, de alienação e de esgotamento de formas de solidariedade sociais, pode servir como vetor de reliance, como instrumento de cooperação mútua e de solidariedades múltiplas.” (LEMOS, 2004, p. 20)


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descobertas científicas e as inovações tecnológicas nunca ocorrem isoladamente; são sempre parte de movimentos culturais, sociais, filosóficos e até políticos mais amplos.” (WERTHEIM, 2001, p. 16) Ou seja, é a cibercultura que oferece as condições para a substituição de uma tecnologia fria e individualizante em função de um novo espaço de socialização e comunicação dialógica. A característica do imaginário cibercultural, como apresenta Primo (2008), é apresentar um mundo informatizado que inclui a subjetividade humana. Em outras palavras, “o horizonte técnico do movimento da cibercultura é a comunicação universal.” (LÉVY, 1999, p. 127) O que não é uma característica apenas da fase contemporânea, afinal:

Os sonhos de uma sociedade nunca ocorrem num vácuo. As fantasias que uma cultura alimenta sobre o futuro e as ideias que forma sobre o que poderia ser possível ou desejável são sempre reflexos da época e da sociedade particular. Desde o florescimento intelectual do Renascimento e, em particular, desde a revolução científica do século XVII, a ciência e a tecnologia tornaram-se correntes definidoras na cultura ocidental, conformando nosso fluxo imaginativo e embalando nossos sonhos. (WERTHEIM, 2001, p. 16)

Com origem técnica nos remotos anos 1950, a cibercultura só se tornou mais conhecida a partir dos anos 1990 com o surgimento da Internet, o ciberespaço planetário. Permeada por características socioculturais complexas, a cibercultura passa a ser um fenômeno global, “fruto de novas formas de relação social.” (LEMOS, 2004, p. 257) Relações sociais que são cada vez mais complexas, uma vez que aproximam a “técnica (o saber fazer) do prazer estético e comunitário.” (LEMOS, 2004, p. 17) Existe na sociedade atual uma nova forma de estar junto, de vida social, de cooperação entre os indivíduos, ligada ao ciberespaço e a cibercultura, “que tenta romper e desorganizar o deserto racional, objetivo e frio da tecnologia moderna.” (LEMOS, 2004, P. 15) Não se trata de uma cultura particular a um ou mais grupos, “ao contrário, a cibercultura é a nova forma de cultura. Entramos hoje na cibercultura como penetramos na cultura alfabética há alguns séculos.” (LEMOS, 2004, p. 11) Ao que o autor acrescenta:


48 A cultura contemporânea, associada às tecnologias digitais (ciberespaço, simulação, tempo real, processos de virtualização, etc.), vai criar uma nova relação entre a técnica e a vida social que chamaremos de cibercultura. Hoje podemos dizer que uma verdadeira estética do social cresce sob nossos olhos, alimentada pelas tecnologias do ciberespaço. (LEMOS, 2004, p. 15)

Erick Felinto defende a perspectiva de que a cibercultura é “um „espaço‟ saturado pelas tecnologias digitais, no qual as formas de vida e comunicação são continuamente modeladas pela lógica e pela materialidade das novas mídias” (FELINTO, 2007, p. 55), espaço esse que é utilizado cada vez mais como cenário para as mobilizações sociais. Diferentes autores concordam que a cibercultura gera laços sociais que não surgem a partir de proximidades geográficas ou relações de poder, mas sim em torno de sujeitos interessados em reunir-se em detrimento de interesses comuns, compartilhando conhecimentos e informações em um processo coletivo. O ciberespaço cria um mundo que permite a produção excessiva de informações e é a cibercultura a responsável por organizar os conteúdos e estruturar a sociedade “através de uma conectividade telemática generalizada, ampliando o potencial comunicativo, proporcionando a troca de informações sob as mais diversas formas, fomentando agregações sociais.” (LEMOS, 2004, p. 87) Ou seja, a cibercultura contribui diretamente para a efetividade do potencial mobilizador no ciberespaço, inibindo a mera circulação de informações, criando valores e ideias compartilhados pelos indivíduos. O ciberespaço se caracteriza como um espaço propício para o desenvolvimento de uma nova cultura e de comunidades virtuais formadas por sujeitos preocupados com questões sociais e coletivas. E para que a cibercultura e os indivíduos participantes nos projetos mobilizadores possam efetivamente mobilizar ou conectar mais sujeitos é essencial o uso da comunicação informativa e interativa. Afinal, “no horizonte da cultura „ciber‟, o maior imperativo social é a comunicação.” (FELINTO, 2007, p. 54) Ou seja, compreender a Internet como “ferramenta da organização social e informação contemporânea” é essencial para entender as “mobilizações que emergem no ciberespaço.” (RECUERO, 2010, p. 164) Afinal, “as pessoas só adotam uma tecnologia quando ela está em consonância com um desejo latente. A simples escala do interesse despertado pelo ciberespaço sugere haver aqui desejos intensos em ação.” (WERTHEIM, 2001, p. 22) Um sujeito que participa do projeto Vida Urgente, por exemplo, muda seu comportamento no trânsito e ainda busca mobilizar e conscientizar toda a sociedade sobre o assunto, despertado em parte pela comunicação do grupo na Internet. No início do projeto, os fundadores Diza e Régis Gonzaga,


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pais do menino falecido em acidente de trânsito que dá nome à fundação, perceberam que era preciso mudar “toda uma cultura social que estimulava os jovens a beber e dirigir em alta velocidade.” (RODRIGUES, 2012, p. 40) Para dar visibilidade à causa, uma das primeiras ações desenvolvidas pelo grupo foi a pintura de borboletas, símbolo do projeto, no asfalto onde havia acontecido um acidente de trânsito com morte fatal, como sinal de alerta. Mas isso só alcançou maior relevância e principalmente continuidade graças a criação de um “mapa eletrônico no site institucional do programa, onde são identificadas todas as borboletas pintadas na cidade de Porto Alegre.” (RODRIGUES, 2012, p. 41) Assim as estatísticas ganham rosto e história, o que mobiliza mais indivíduos a se engajarem na causa segundo os organizadores: “desta forma a sociedade percebe com mais clareza a dimensão da realidade do trânsito no Brasil.” (RODRIGUES, 2012, p. 41) Para o Greenpeace o conhecimento disseminado no ciberespaço “assume característica de fator de mudança social, e pode ser considerado como instituinte da cultura” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 136), uma vez que os sujeitos participam de um “processo de constante recriação e reelaboração dos significados” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 136) da temática ambiental. Enfim, pode-se dizer que a cultura desenvolvida no ciberespaço auxilia na geração de novos hábitos na sociedade, o que permite a viabilidade das mobilizações sociais, processo que esta pesquisa almeja compreender.

2.5 A mobilização e o ativismo no ciberespaço

As mobilizações sociais sempre foram promovidas em nossa sociedade, segundo Castells (2003), a única novidade é a possibilidade de interconexão via Internet: “ela permite ao movimento ser diverso e coordenado ao mesmo tempo, engajar-se num debate permanente sem, contudo ser paralisado por ele.” (CASTELLS, 2003, p. 118) A partir do surgimento do ciberespaço, de uma comunicação mais interativa, de comunidades virtuais e da cibercultura, as ações mobilizadoras recebem também a denominação de ativismo, que seria a “forma de ação e participação social via rede na medida em que se multiplicam os espaços que possibilitam a comunicação dialógica.” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 134) Mas independentemente do meio utilizado, na essência do termo, as duas possuem o mesmo significado. E, por serem ações pouco teóricas, mais perceptíveis no dia a dia, a análise se torna um desafio ainda pouco explorado pelos autores. Matos (2009), por exemplo, percebe similaridades entre os efeitos da televisão e do ciberespaço: “ambas as tecnologias afastariam


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as pessoas de seu ambiente imediato, alienando-as da interação social e do engajamento cívico.” (2009, p. 139) Entretanto a diferença existente entre os dois meios seria a maior interação social permitida pela Internet em contrapartida do caráter mais imersivo da televisão, já que essa “tende a exigir maior atenção e absorver mais o telespectador.” (MATOS, 2009, p. 140) Enfim, associar as recentes mobilizações sociais com um fenômeno primordialmente técnico pode parecer inadequado, mas Lévy (1999) sustenta que:

A emergência do ciberespaço é fruto de um verdadeiro movimento social, com seu grupo líder (a juventude metropolitana escolarizada), suas palavras de ordem (interconexão, criação de comunidades virtuais, inteligência coletiva) e suas aspirações coerentes. (LÉVY, 1999, p. 123)

O ciberespaço foi tomado por jovens que almejam novas formas de comunicação, cada vez mais coletivas, sendo que “ao longo da década de 1990, no mundo todo, importantes movimentos sociais se organizaram com a ajuda da Internet.” (CASTELLS, 2003, p. 115) O que continua acontecendo no século XXI, através de “ações coletivas deliberadas que visam a transformação de valores e instituições da sociedade.” (CASTELLS, 2003, p. 114) O ciberespaço é o cenário escolhido para isso, mas, não “será puramente instrumental o papel da Internet na expressão de protestos sociais e conflitos políticos?” (CASTELLS, 2003, p. 114) Segundo Castells, não. Para ele a explicação está no fato de que a Internet é uma mídia que se ajusta às necessidades das mobilizações sociais, organiza os sujeitos participantes e possibilita novas formas de comunicação. Ela é técnica, mas serve como base para importantes trocas sociais. Isso se deve, em primeira instância, ao fato de que:

Ao lado de fundos públicos e de serviços pagos oferecidos por empresas privadas, a extensão do ciberespaço repousa em grande parte sobre o trabalho benévolo de milhares de pessoas pertencentes a centenas de instituições diferentes e a dezenas de países, sobre uma base de funcionamento cooperativo. (LÉVY, 1999, p. 194)

O que se encaixa, abstraindo a face lucrativa do ciberespaço, no “ideal de cientistas, de artistas, de gerentes ou de ativistas da rede que desejam melhorar a colaboração entre as pessoas.” (LÉVY, 1999, p. 24) Trata-se de uma nova forma de organização da sociedade, mais cooperativa, que busca “valorizar e compartilhar a inteligência distribuída em toda parte


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nas comunidades conectadas e colocá-la em sinergia em tempo real.” (LÉVY, 1999, p. 188) O que é ideal para a criação de projetos de mobilização social, que utilizam a inteligência coletiva desenvolvida no ciberespaço para reunir sujeitos, dividindo informações e compartilhando valores, em busca de soluções para diferentes problemas sociais a partir do esgotamento dos modos de organização política tradicional. Matos (2009) avalia que:

Além dos baixos custos de aquisição do computador e das facilidades proporcionadas por seu uso assincrônico, a Internet leva à uma transformação no contato social e no envolvimento cívico, permitindo ao indivíduo agregar-se às redes sociais dispersas e estimulando a adesão a movimentos de solidariedade local e grupal. (MATOS, 2009, p. 137)

Para Giardelli (2012), “a mobilização virtual vem se refletindo no mundo real, mudando governos, panoramas e situações, defendendo causas, conscientizando pessoas e fazendo reivindicações conforme o desejo de grupos” (p. 110), devido ao papel prestado pela Internet. Para o autor, no século XXI a sociedade reinventou os conceitos de compartilhamento e cocriação. Mas as mobilizações sociais não podem retirar a responsabilidade dos atores verdadeiramente responsáveis pelas questões coletivas, como os gestores públicos? Segundo Giardelli (2012) tudo depende do comportamento da comunidade. A administração pública da Islândia, por exemplo, “resolveu discutir sua constituição somente no Facebook.” (GIARDELLI, 2012, p. 111) Ou seja, para o autor “é possível diminuir os problemas do mundo por meio da inteligência coletiva, da sociedade em rede e da colaboração humana” (GIARDELLI, 2012, p. 120), sem excluir o papel prestado pelos setores públicos da sociedade. Assemelhando-se ao conceito de Lévy (1999) acerca da inteligência coletiva, Giardelli afirma: “em uma sociedade em rede, o presente e o futuro da educação estão nas mãos de todos” (GIARDELLI, 2012, p. 119), apontando como exemplo as conferências internacionais promovidas pela fundação privada sem fins lucrativos TED, que disseminam ideias e conhecimentos criativos, ampliando a abrangência através de vídeos de 18 minutos, que são amplamente compartilhados na Internet. Delarbre preocupa-se em analisar tais efeitos de maneira imparcial, identificando que:


52 Regulada por leis do mercado, na Internet têm mais peso os conteúdos e sites das corporações comunicacionais, ou das instituições com mais recursos para projetos e divulgação, do que os conteúdos disponibilizados por cidadãos sem respaldo corporativo ou institucional. Porém, é cada vez mais freqüente ganharem destaque textos, argumentos, imagens ou cenas difundidas por pequenos grupos ou por indivíduos que, de outra maneira, permaneceriam isolados e, inclusive, em silêncio. (DELARBRE, 2012, p. 168)

É a partir da comunicação no ciberespaço que os projetos mobilizadores “conseguem alcançar aqueles capazes de aderir a seus valores e, a partir daí, atingir a consciência da sociedade como um todo” (CASTELLS, 2003, p. 116), ou como afirma Lévy (1999), a comunicação na Internet “engendra uma mobilização otimizada das competências.” (p. 199) Ela acaba se tornando uma vitrine para os grupos mobilizadores divulgarem suas causas e ações, mas também para que a sociedade assuma uma posição: “na construção de pontes entre instituições e cidadãos, a rede é um veículo para expor preocupações, solicitações e iniciativas da sociedade.” (DELARBRE, 2012, p. 184) No caso do projeto Vida Urgente, por exemplo, a maior representação da comunicação no ciberespaço voltada para a mobilização é no Site Twitter, no qual existe um perfil pessoal da fundadora Diza Gonzaga, “devido à sua representatividade, enquanto imagem identificadora da Fundação” (RODRIGUES, 2012, p. 45), no qual é transmitido o posicionamento do grupo e o convite à mobilização. É evidente também que o responsáveis pelo Vida Urgente se preocupam em responder os questionamentos dos voluntários na rede, gerando o comprometimento esperado, atrelado “à necessidade de reeducação social dos sujeitos.” (RODRIGUES, 2012, p. 85) Giardelli denomina as mobilizações sociais, ou ativismo na Internet como Social Good, que se forma a partir do esgotamento da vontade dos indivíduos em usar as Redes Sociais “como um lugar apenas para compartilhar fotos, vídeos e (...) ler e escrever notícias ruins”, começando a “compartilhar coisas boas e com conteúdo verdadeiramente engrandecedor” (GIARDELLI, 2012, p. 128), acerca de causas sociais, por exemplo. De maneira prática, o ciberespaço é um meio para resolver os problemas de proximidade e envolvimento que existem nos projetos mobilizadores, ou seja, não basta comunicar, é preciso também despertar sentimentos nos receptores, tornando “os grupos humanos conscientes daquilo que fazem em conjunto.” (LÉVY, 1999, p. 196) O site do Greenpeace, por exemplo, “é o mediador do processo de construção de significações, pois nele circulam as informações e o conhecimento sobre o meio ambiente aos cidadãos.” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 136) Os diversos grupos sociais interconectados utilizam esse espaço como reflexão e também como


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forma de denúncia contra as ações industriais ou individuais que causam danos à natureza. Através do cadastro no site, os cidadãos têm “acesso mais fácil as decisões do governo que lhe dizem respeito, nem sempre acessível a todos, como votações, sanções e projetos de lei.” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 138) É a comunicação menos concentrada, informativa e interativa, atuantes no ciberespaço, que geram comunidades virtuais com uma cultura própria e uma inteligência compartilhada entre os sujeitos. Em outras palavras, é

Um novo humanismo que inclui e amplia o “conhece-te a ti mesmo” para um “aprendamos a nos conhecer para pensar juntos”, e que generaliza o “penso, logo existo” em um “formamos uma inteligência coletiva, logo existimos eminentemente como comunidade”. (...) Longe de fundir as inteligências individuais em uma espécie de magma indistinto, a inteligência coletiva é um processo de crescimento, de diferenciação e de retomada recíproca das singularidades. (LÉVY, 2000, p. 31)

Enfim, o ciberespaço é apresentado pelos autores com a finalidade de “colocar os recursos de grandes coletividades a serviço das pessoas e dos pequenos grupos.” (LÉVY, 1999, p. 199) Quando a Internet permite consultar publicações dos partidos políticos ou normas governamentais, por exemplo, “não torna mais legítimo nem mais plausível o trabalho que realizam, mas, em todo caso, o deixa menos opaco.” (DELARBRE, 2012, p. 182) Em outras palavras, “o fato de utilizar a rede para se vincular aos cidadãos não garante a democratização do governo nem de suas decisões, mas constitui uma nova forma de relação entre uns e outros.” (DELARBRE, 2012, p. 183) É uma nova forma de comunicar, que usa como fonte o meio tecnológico, com o objetivo de permitir aos sujeitos se mobilizarem em função de decisões coletivas, se caracterizando como um “instrumento de organização, ação coletiva e construção de significado.” (CASTELLS, 2003, p. 49) Como exemplo Giardelli (2012) cita os projetos brasileiros Meu Rio que usa ferramentas do ciberespaço para transformar a cidade e Quem se Importa, “que inspira as pessoas a ser transformadoras.” (GIARDELLI, 2012, p. 126) O primeiro é um conjunto de interfaces no ciberespaço que possibilitam a participação mais efetiva dos cidadãos cariocas comuns na construção de políticas públicas. Uma das ideias desenvolvidas pelo grupo é o Panela de Pressão, caracterizado por mobilizar a população a resolver problemas públicos através da convocação de outros cidadãos com o mesmo interesse para juntos pressionarem políticos, empresários ou gestores públicos por e-mail e Sites de Redes Sociais. O Quem se Importa, por sua vez, começou através de um longa metragem de 91 minutos, dirigido por Mara Mourão e filmado


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em sete países diferentes, que mostra empreendedores sociais, ou seja, mobilizadores em seus espaços de atuação. Isso, segundo os organizadores, foi disseminado nos Sites de Redes Sociais o que acabou por motivar mais pessoas a buscar transformar os espaços coletivos, inspiradas por movimentos que já deram certo em outros lugares do mundo. Mas, segundo Costa (2008),

Há muito ainda a se aprender sobre a formação de redes sociais e a afluência de ideias e informações por meio de associações humanas no ciberespaço. O que já está claro, para a multidão que povoa o mundo virtual, é que estamos diante de um fenômeno que nos força a pensar diferentemente a maneira como nos organizamos em grupo e comunidades. (COSTA, 2008, p. 46)

O que se sabe até o momento, segundo Valderrama (2012), é que as novas mobilizações sociais são organizadas sem interesses de classe, apenas culturais; que “substituem o vazio deixado pela crise das organizações políticas verticalmente integradas” (VALDERRAMA, 2012, p. 199) e que “assumem um caráter global – ou pelo menos pretendem fazê-lo -, especialmente através das tecnologias da comunicação e da informação.” (VALDERRAMA, 2012, p. 199) Através de uma analogia com os antigos protestos, em que o espaço para as mobilizações sociais eram as praças e ruas públicas, hoje no ciberespaço “a sociedade está com um megafone na mão e todos estão conversando com todos” (RODRIGUES, 2012, p. 87). Resta aprender como mudar efetivamente os comportamentos da sociedade em benefício das causas sociais. Por esse motivo a pesquisa em questão irá abordar as ações de mobilização social realizadas pela organização Shoot The Shit de Porto Alegre (RS), que visa agregar os cidadãos para uma participação mais ativa nas questões da cidade, a fim de mudar questões simples do cotidiano da sociedade: como as deformidades das ruas ou a dificuldade de identificação dos ônibus urbanos. O grupo é formado primordialmente por estudantes e profissionais formados em Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda, que decidem utilizar o ciberespaço não mais apenas como diversão, mas sim como ferramenta integradora de indivíduos, com o objetivo de resolver impasses de interesse coletivo a partir de ações conjuntas e principalmente criativas. Tal iniciativa revela-se um âmbito ainda pouco explorado pelos autores, mas importante para o conhecimento acerca das possibilidades


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existentes no meio da Comunicação Social. O ciberespaço é uma mídia, que possui um potencial cultural e social, analisado e exemplificado no capítulo a seguir.


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3 SHOOT THE SHIT: UMA NOVA FACE DO ATIVISMO?

3.1 Metodologia de pesquisa

O objeto empírico da pesquisa em questão é o ativismo, ou as mobilizações sociais desenvolvidas no ciberespaço, a partir de “reflexões sobre a potencialização da ação do indivíduo/coletividade em termos de ação política via Internet.” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 47) A análise será realizada a partir do grupo mobilizador Shoot The Shit de Porto Alegre (RS), com o objetivo de encontrar as respostas para muitos dos questionamentos acerca das características necessárias para gerar cooperação e mobilização através das ações promovidas no ciberespaço. O grupo vai contribuir para a pesquisa na tentativa de exemplificar as teorias que tratam do ciberespaço e seu potencial social e cultural. Recuero (2010) expõem um exemplo bem significativo:

Em novembro de 2008, uma série de chuvas frequentes gerou uma das maiores catástrofes naturais da história do estado de Santa Catarina. Em alguns dias, o estado viu-se diante do caos: rios transbordaram e inundaram grandes áreas, isolando cidades inteiras; deslizamentos soterraram estradas, casas e pessoas. Durante esses eventos, uma série de blogs, ferramentas de mensagens como o Twitter, mensageiros instantâneos e outros recursos foram utilizados para informar o resto do país a respeito dos acontecimentos. Essas ferramentas mobilizaram pessoas, agregaram informações, criaram campanhas e protagonizaram a linha de frente do apoio que Santa Catarina recebeu. (RECUERO, 2010, p. 16)

A pesquisa é justificada a partir da curiosidade e do interesse sobre essas novas possibilidades existentes no ciberespaço para o âmbito da Comunicação Social, que devem ser analisadas a fim de compreender os paradigmas de engajamento e consequente incentivo as coletividades existentes na sociedade atual. Analisar até que ponto as novas tecnologias e suas técnicas podem contribuir para novas formas de agregação social pode direcionar os novos rumos da comunicação, como afirma Lemos (2004). O ciberespaço é um âmbito de pesquisa bem recente caracterizado, portanto, por mudanças constantes. Por esse motivo é preciso contextualizar a Internet a partir de pesquisas de mídia e tecnologia que já existem, ou seja,


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“investigar comparativamente o passado para não cair na armadilha fácil da novidade.” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 32) Afinal,

O foco nos modismos pode implicar em não aprofundamento das questões e em um certo apagamento da perspectiva histórica, dotando uma determinada amostra de um caráter “inovador” que provavelmente já foi estudado em outras condições em relação a algum outro objeto. (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 35)

A Internet, segundo as autoras, pode ser dividida em duas categorias de análise, “sendo a primeira relativa à habilidade de busca e recuperação de informações a partir de enormes bancos de dados; e a segunda, que diz respeito às capacidades de comunicação interativa presentes na Internet” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 33), o que não as diferencia completamente em relação aos outros meios de comunicação, como a TV e o rádio, segundo elas a “complexidade reside nas diferentes apropriações e formatos e nas diferenças históricas.” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 33) Por esse motivo é importante também abordar a Internet a partir das condições humanas que se desenvolvem em conjunto com as tecnologias, observando as condições culturais e subjetivas existentes, primando “pela reflexividade e pelos conceitos, definições, rótulos e metáforas através dos quais organizamos e construímos nossas recomendações teóricas.” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 32) Esta pesquisa irá construir o ciberespaço teoricamente a partir da análise qualitativa, uma vez que “em ciências sociais, os procedimentos quantitativos às vezes são menos valorizados por seu caráter reducionista” (EPSTEIN, 2006, p. 26), partindo da abordagem que considera a Internet como uma forma de engendrar a cultura, o que é decorrência da ideia de Internet como tecnologia midiática. É importante a observação de Fragoso, Recuero e Amaral (2011) de que a Internet é uma forma de cultura baseada em conexões, ou seja, no relacionamento entre os grupos sociais que desenvolvem suas comunidades virtuais no ciberespaço. As autoras afirmam que “na perspectiva da Internet como cultura, ela é normalmente compreendida enquanto um espaço distinto do off-line, no qual o estudo enfoca o contexto cultural dos fenômenos que ocorrem nas comunidades e/ou mundos virtuais.” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 41) Essa perspectiva é decorrente da abordagem da Internet como mídia, uma vez que essa gera determinadas ações sociais, “práticas e estratégias comunicacionais que estão articuladas com os diferentes tipos de cultura.” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011,


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p. 44) Como exemplo pode-se citar a televisão, que também é analisada a partir da “relação entre as práticas midiáticas e cultura popular como um conjunto de práticas relacionadas com o consumo de meios audiovisuais” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 44), que geram a sociabilidade entre os indivíduos, criando e mantendo relações sociais afetivas e de solidariedade, construindo até mesmo as identidades coletivas. O método de pesquisa para a realização da coleta dos dados que será utilizada a fim de analisar tal abordagem será a do Estudo de Caso, devido a suas quatro características essenciais. Primeiro é um estudo que “se centra em uma situação, acontecimento, programa ou fenômeno particular, proporcionando assim uma excelente via de análise prática de problemas da vida real.” (DUARTE, 2006b, p. 217) É também uma forma de descrição detalhada de determinado assunto, ele ajuda a efetivamente compreender o que se submete à análise, obtendo-se “novas interpretações e perspectivas, assim como o descobrimento de novos significados e visões antes despercebidas.” (DUARTE, 2006b, p. 217) Além disso, “em muitas ocasiões, mais que verificar hipóteses formuladas, o Estudo de Caso pretende descobrir novas relações entre elementos.” (DUARTE, 2006b, p. 217) É a estratégia mais indicada quando as questões são do tipo “como” e “por que”, quando há a intenção de esclarecer um conjunto de decisões, por exemplo, juntamente com seus motivos, seu processo de implementação e resultados obtidos. É utilizada principalmente “quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real.” (YIN, 2005, p. 19) Além disso, a particularidade do Estudo de Caso “é sua capacidade de lidar com uma ampla variedade de evidências – documentos, artefatos, entrevistas e observações – além do que pode estar disponível no estudo histórico convencional.” (YIN, 2005, p. 26) Para a execução de um Estudo de Caso é preciso observar atentamente os princípios para o trabalho de coleta de dados. O primeiro deles é a preocupação em reunir mais de uma fonte de evidência, que mantenha a relação com o mesmo conjunto pesquisado, mantendo em segunda instância, um banco de dados organizado para posterior análise das evidências. Por fim é preciso fazer o que Yin define como encadeamento de evidências, que são as “ligações explícitas entre as questões feitas, os dados coletados e as conclusões a que se chegou.” (YIN, 2005, p. 109) A coleta dos dados será realizada a partir de dois tipos: os documentos e as entrevistas. No primeiro caso serão reunidos para análise “recortes de jornais e outros artigos que aparecem na mídia de massa ou em informativos de determinadas comunidades” (YIN, 2005, p. 112) acerca do grupo Shoot The Shit e as ações realizadas por eles. O uso de tais


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documentos é importante principalmente por “corroborar e valorizar as evidências oriundas de outras fontes.” (YIN, 2005, p. 112) As características dessa técnica do Estudo de Caso é que é bastante estável, uma vez que “pode ser revisada inúmeras vezes”, discreta, pois “não foi criada como resultado do Estudo de Caso”, exata por conter “nomes, referências e detalhes exatos de um evento”, e com uma ampla cobertura, “longo espaço de tempo, muitos eventos e muitos ambientes distintos.” (YIN, 2005, p. 113) Entretanto possui também pontos fracos, que podem ser a dificuldade em recuperar os documentos ou em ter acesso a eles, e a seleção tendenciosa com enfoque nas ideias preconcebidas do pesquisador sobre o assunto. Outra forma de coleta de evidências que será utilizada são as entrevistas, uma das fontes de informação mais importantes para responder perguntas do tipo “como” e “por que”. Elas exigem que o pesquisador atue em dois níveis simultâneos: “satisfazendo as necessidades de sua linha de investigação enquanto, de forma simultânea, passa adiante questões „amigáveis‟ e „não-ameaçadoras‟ em suas entrevistas espontâneas.” (YIN, 2005, p. 117) Geram evidências bem direcionadas, já que “enfocam diretamente o tópico do Estudo de Caso” e perceptivas por fornecer “inferências causais percebidas.” (YIN, 2005, p. 113) Mas também pode apresentar “vieses devido a questões mal-elaboradas, respostas viesadas, ocorrem imprecisões devido à memória fraca do entrevistado” e reflexibilidade, quando “o entrevistado dá ao entrevistador o que ele quer ouvir.” (YIN, 2005, p. 113) Ou seja, “novamente, uma abordagem razoável a essa questão é corroborar os dados obtidos em entrevistas com informações obtidas através de outras fontes” (YIN, 2005, p. 119), no caso através dos documentos fornecidos. As entrevistas realizadas vão assumir um caráter qualitativo, com abordagem em profundidade, caracterizada por explorar e ampliar os conceitos da pesquisa, por tratar de percepções e visões acerca da situação analisada. É utilizada de maneira descritiva, quando “o pesquisador busca mapear uma situação ou campo de análise, descrever e focar determinado contexto.” (DUARTE, 2006a, p. 64) As questões serão semiestruturadas, com um roteiro préestabelecido, permitindo respostas de forma semiaberta, caracterizadas pela maior flexibilidade, dinamismo e possibilidade ao pesquisador de explorar ao máximo o assunto.


60 A lista de questões desse modelo tem origem no problema de pesquisa e busca tratar da amplitude do tema, apresentando cada pergunta da forma mais aberta possível. Ela conjuga a flexibilidade da questão não estruturada com um roteiro de controle. As questões, sua ordem, profundidade, forma de apresentação, dependem do entrevistador, mas a partir do conhecimento e disposição do entrevistado, da qualidade das respostas, das circunstâncias da entrevista. (DUARTE, 2006a, p. 66)

Em outras palavras, “a entrevista é conduzida, em grande medida, pelo entrevistado, valorizando seu conhecimento, mas ajustada ao roteiro do pesquisador.” (DUARTE, 2006a, p. 66) Segundo Yin o uso do gravador é uma escolha pessoal, mas “as fitas certamente fornecem uma expressão mais acurada de qualquer entrevista do que qualquer outro método.” (YIN, 2005, p. 119) A seguir será descrito o percurso da Shoot The Shit, a partir de todas as ações de mobilização social realizadas até o primeiro semestre do ano de 2013, do site organizado pelo próprio grupo e das matérias e entrevistas veiculadas principalmente em jornal, TV e Internet nos âmbitos estadual, nacional e internacional. Será apresentada a entrevista (ANEXO B) feita com o grupo em Porto Alegre no dia 30 de abril de 2013, especificadamente com Gabriel Gomes e Luciano Braga, fundadores e participantes ativos nas ações desenvolvidas, com o objetivo de elucidar suas percepções sobre o conteúdo abordado. A palestra sobre criação coletiva voltada a projetos sociais, realizada no evento “Reconecte Festival” da Universidade de Santa Cruz do Sul no dia 22 de maio de 2013, com duração de aproximadamente uma hora e trinta minutos, também servirá como referência. Além disso, questões que surgiram durante o desenvolvimento da pesquisa foram solucionadas via e-mail e inseridas na pesquisa. (ANEXO D e E) Por fim será feita a análise do conjunto de materiais, que será realizada em diferentes níveis temáticos a partir da recuperação teórica elucidada nos capítulos anteriores da pesquisa em questão.

3.2 O percurso do grupo Shoot The Shit

Gabriel Gomes (21) e Luciano Braga (25) estudavam Comunicação Social Publicidade e Propaganda, na PUCRS e na UFRGS, respectivamente, quando se conheceram em um curso promovido pela escola Perestroika de Porto Alegre, que incentivava os alunos a


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liberar suas mentes criativas. Em um conversa sem pretensão nenhuma, algo que seria recorrente nos próximos encontros, surgiu a ideia de criar um grupo que permitisse a criação de ações inovadoras, diferentes daquelas desenvolvidas para a faculdade ou para os clientes das agências de publicidades nas quais trabalhavam. A expressão americana Shoot The Shit, que significa “jogar conversa fora” ou conversar despretensiosamente, foi escolhida para nomear o grupo, a partir da sugestão de Gabriel, sendo considerada sonora e adequada aos objetivos da organização. Com o passar do tempo a criatividade dos participantes foi direcionada para promover melhorias do espaço público da cidade de Porto Alegre, além de assumir o objetivo de inspirar cidadãos de outros lugares a agir dessa maneira. O integrante Giovani Groff ajudou a fundar a organização e participou de várias ações, não estando mais presente devido a outros projetos pessoais. Atualmente o grupo ainda não possui uma sede oficial, encontrando-se na casa do entrevistado Gabriel Gomes ou na empresa Cosmonauta. Luciano Braga desde setembro de 2012 pode se dedicar exclusivamente à Shoot The Shit, uma vez que a partir da execução de palestras e cursos já há um retorno financeiro adequado e similar ao pago pelas agências de publicidade de Porto Alegre: “o Gabriel tem a empresa dele, a Cosmonauta, mas eu me dedico 100%.”4 Isso apesar de afirmarem que as ideias em si não são monetizadas de nenhuma maneira. Referente ao desenvolvimento das ações, os participantes relataram que a quantidade de pessoas envolvidas é muito relativa. Algumas foram realizadas apenas pelos dois entrevistados enquanto outras receberam a participação de, ao menos na concepção da ideia, em torno de trinta pessoas. Segundo Luciano, “a questão de execução também depende, tem ideia que é só eu e ele, mas quase sempre alguém nos ajuda.” A ação “Socialnema”, por exemplo, obteve a contribuição da Gabriela Guerra (administradora) e do Gus Bozzetti (designer), enquanto a “Paraíso do Golfe” foi feita apenas pelos fundadores, mas, segundo Luciano, com uma câmera de vídeo emprestada. A Shoot The Shit sob o olhar de Gabriel Gomes é de “uma organização que induz, cria e executa projetos através da participação das pessoas, para melhorar a cidade.” 5 Em seu endereço na Internet6 o grupo mobilizador define-se como um mediador entre os cidadãos e a democracia, uma vez que busca engajar as pessoas, mobilizando-as a “criar, financiar e executar projetos que causam impacto positivo na sociedade.” A intenção é desenvolver as

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Todas as respostas do entrevistado Luciano Braga encontram-se no ANEXO C. Todas as respostas do entrevistado Gabriel Gomes encontram-se no ANEXO C. 6 Disponível em: www.shoottheshit.cc 5


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ideias necessárias para que Porto Alegre se torne uma cidade “mais inteligente, conectada, criativa e divertida”, afinal na concepção do grupo, os problemas podem ser resolvidos de maneira aberta e compartilhada. Eles entendem que “por diversas vezes, as soluções que surgem na base da pirâmide são subestimadas pelas grandes corporações, organizações e governo”, ou seja, eles buscam modificar essa realidade, desenvolvendo “ideias com pessoas que vivem os problemas do dia a dia da cidade”, afirmando: “elas são os agentes da mudança que queremos ver.” A partir desse princípio norteador, o grupo Shoot The Shit colocou em prática no dia 29 de agosto de 2010 a sua primeira intervenção urbana intitulada “Salve uma vida, apague o seu cigarro”, em função do Dia Nacional do Combate ao Fumo. A ideia inicial partiu de Gabriel Gomes, que já a havia apresentado para os colegas da agência de publicidade onde trabalhava no período. Cem adesivos foram colocados em postes nas calçadas, em dois locais com intensa circulação de indivíduos em Porto Alegre. Os postes pareciam cigarros, nas cores branco e amarelo, atraindo o público. De acordo com o site do grupo, “a ação chamou bastante atenção pela sua mensagem forte e pela simplicidade da execução, sendo destacada nos principais sites de publicidade do mundo”, como Ads Of The World7, Copyranter, Comunicadores8 e AdOnline em 30 de agosto de 2010.”

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Disponível em http://adsoftheworld.com/media/ambient/antismoking_street_poles?size=original Disponível em http://comunicadores.info/2010/09/02/marketing-guerrilha-anti-fumo/


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Ilustração 3 – “Salve uma vida, apague seu cigarro” no site AdOnline

Fonte: disponível em: <http://www.adonline.com.br/ad2005/index.asp>. Acesso em: em 30 de agosto de 2010

No site Comunicadores a notícia recebeu o título: “Mobiliário urbano usado em campanha contra o fumo”, sendo publicada no dia 2 de setembro de 2010 por Lucas Pereira. Segundo Gabriel Gomes, neste período a exigência era bem menor e, portanto, as únicas dificuldades eram a falta de conhecimento sobre a execução de ações mobilizadoras, e a falta de tempo e de recursos financeiros para investir nas ideias. De acordo com Gabriel, não existia “uma necessidade de executar projetos.” A ação desenvolvida em seguida, também com um caráter de intervenção urbana, foi a “Mexa-se”. O objetivo era levar o exercício físico para as paradas de ônibus, driblando a falta de tempo de muitos cidadãos para os cuidados com a saúde. Um aparelho de ginástica foi disponibilizado, sendo utilizado por em média vinte pessoas, o que gerou um conteúdo disseminado na Internet, levando mais pessoas a refletir “sobre sua saúde e sobre o que anda fazendo com o seu tempo livre.” Conforme divulgado no site do grupo, “a ação atingiu os


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mais importantes blogs de comunicação do mundo, chegando a países como Rússia, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra e Canadá.” Durante a palestra realizada na UNISC em maio de 2013, Gabriel e Luciano afirmaram que essa ação não custou absolutamente nada, uma vez que o aparelho de ginástica utilizado foi emprestado. A única dificuldade, no entanto, foi a vergonha dos indivíduos que passavam pelo local, um sentimento mais forte do que a curiosidade gerada pela interferência urbana. E então surgiu a ação “Paraíso do Golfe”, a que gerou mais visibilidade e reconhecimento ao grupo. Segundo os participantes: “para mostrar o péssimo estado das ruas de Porto Alegre, nós transformamos o asfalto esburacado da cidade em um grande campo de golfe.” A ideia é de Luciano Braga e o custo da ação foi de apenas 5,90 libras, ou seja, o preço do taco de golfe comprado por Gabriel Gomes durante uma viagem ao exterior. Segundo os idealizadores, conforme explicado durante a palestra na UNISC, para gravar o vídeo de divulgação da ação eles buscaram referências do jogo de golfe, tais como a postura dos jogadores e o vestuário utilizado. Pesquisaram também os buracos próximos às ruas onde eles costumavam trafegar e combinaram o melhor dia para a gravação: um domingo, devido ao pouco movimento. Esta fase da ação demorou aproximadamente um mês para ser realizada. O vídeo publicado no site Youtube alcançou 80 mil visualizações em uma semana. O conceito da ação foi criado a partir de um processo de busca de elementos de outros universos, que associados a um ambiente diferente, causam uma curiosidade e maior visibilidade. Para Gabriel e Luciano, “sempre existe uma forma mais criativa de falar sobre a mesma coisa”, ao que eles acrescentam dizendo que tapar os buracos com cimento resolveria o problema neste caso, “mas a criatividade traz mais engajamento” e repercussão. Várias entrevistas foram dadas sobre a ação em canais da TV brasileira: no programa Bom Dia Brasil da Rede Globo, no Jornal do Almoço da afiliada RBS TV, no programa SBT Rio Grande, no Hoje em Dia da TV Record e na Rede Bandeirantes. No site do programa Bom Dia Brasil uma notícia intitulada “Jovens de Porto Alegre aproveitam buracos nas ruas para jogar golfe”,9 foi publicada no dia 17 de maio de 2011, com uma afirmação do então secretário municipal de Obras e Viação de Porto Alegre, Cássio Togildo, que se mostrou contrário a ação do grupo. Segundo ele os orçamentos da prefeitura, cerca de 30 milhões de reais, são muito bem investidos: “portanto, eu acredito que nós estamos no caminho certo de conservações das nossas vias da cidade de Porto Alegre sem golfe. Golfe é para campo de 9

Disponível em: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2011/05/jovens-de-porto-alegre-aproveitamburacos-nas-ruas-para-jogar-golfe.html


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Golfe”, afirmou. A ideia também foi divulgada no blog de publicidade Brainstorm 910, no blog do jornalista e apresentador Marcelo Tas11 e no site do jornal A Zero Hora no dia 10 de maio de 201112, onde o participante Luciano Braga questionou: “queremos o óbvio: que acabem os buracos na cidade. Se há buracos em ruas de bairros considerados nobres, imagina na periferia.” A ação “Paraíso do Golfe” também foi premiada como a melhor “Ação do Bem” no Festival Mundial de Publicidade de Gramado, em setembro de 2011, e segundo os participantes do grupo todos os buracos que aparecem no vídeo foram concertados. Em seguida, o projeto “POA precisa” ampliou a atuação do grupo mobilizador Shoot The Shit: um painel de uma esquina movimentada da capital gaúcha foi transformado em um espaço para a manifestação dos cidadãos, acerca do que a cidade precisa para ficar melhor. Foram inscritas diversas vezes com spray a frase “Porto Alegre precisa de mais...”, seguida por um espaço em branco para as respostas. Essas eram escritas em giz e de acordo com o site do grupo “eram 60 lacunas ao total” sendo que “todas foram preenchidas em apenas um dia”, inclusive “as pessoas começaram a preencher o restante do tapume, transformando aquele espaço em uma obra de arte.” De acordo com os criadores, a intervenção despertou “nas pessoas o senso de preocupação com a cidade, além de gerar uma reflexão sobre o papel de cada uma dentro dela.” O investimento, destinado a compra dos materiais utilizados, totalizou R$21,50, não havendo a solicitação prévia para uso do local. Como referências para a concepção da ideia foram utilizadas as intervenções criadas pela artista Candy Chang. A ação sofreu repercussão na Internet, sendo criado um espaço específico para a divulgação de todas as respostas dos cidadãos através de fotografias13. A notícia circulou em diversos portais como o Hypeness14, site brasileiro caracterizado por divulgar ações sociais, e no site de arte coletiva Before I Die15, criado por um americano. A intervenção do grupo também foi divulgada no site do jornal A Zero Hora de Porto Alegre16, no dia 16 de setembro de 2011, e no próprio jornal impresso. Segundo afirmação feita durante a palestra na UNISC, a ação foi replicada em outros locais de Porto Alegre, a pedido da prefeitura, com estrutura autorizada,

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Disponível em: http://www.brainstorm9.com.br/22703/web-video/porto-alegre-o-paraiso-dogolfe/?ModPagespeed=noscript 11 Disponível em: http://blogdotas.terra.com.br/2011/05/10/porto-alegre-o-paraiso-do-golfe-de-rua/ 12 Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2011/05/em-video-estudantes-simulam-jogo-degolfe-para-denunciar-buracos-em-vias-da-capital-3305070.html 13 Disponível em: www.poaprecisa.tumblr.com 14 Disponível em: http://www.hypeness.com.br/2011/09/do-que-porto-alegre-precisa/ 15 Disponível em: http://beforeidie.cc/site/porto-alegre/ 16 Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2011/09/painel-em-esquina-propoe-reflexaosobre-os-problemas-da-capital-3490093.html


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mas, segundo eles, essa abertura poderia ser ampliada cada vez mais, transformando tal espaço artístico em uma forma de comunicação da sociedade com o poder público. A partir da concretização destas primeiras ideias, o grupo Shoot The Shit começou a adquirir credibilidade e também a conquistar o apoio de diferentes corporações. Em parceria com o Grupo RBS TV, em janeiro de 2012, foi impresso para o projeto “Artemosfera”, um poema do escritor Mario Quintana em tamanho gigante, com o objetivo de enaltecer a produção cultural do estado, como também abrir “os olhos das pessoas para alguns detalhes da cidade que poderiam ser mais interessantes, como o imenso muro branco e descuidado em que o poema foi colado”, afirmam os organizadores no site do grupo. Consequentemente a iniciativa foi noticiada no site do jornal A Zero Hora no dia 12 de janeiro de 2012.17 A ação que obteve mais desdobramentos foi a “Que Ônibus Passa Aqui”, dividindo-se, de acordo com o grupo, em três fases. A ideia surgiu a partir de uma constatação simples: “a grande parte dos pontos de ônibus de Porto Alegre, assim como acontece na maioria das cidades do Brasil, não possuem sinalização informando quais ônibus passam” em cada um. O fato faz com que vários usuários – de cidadãos a turistas - percam seu tempo ao tentar utilizar o meio de transporte, ou seja, o objetivo era alertar a administração pública acerca desse problema. Devido a dificuldades financeiras e pela falta de padronização dos pontos de ônibus de Porto Alegre, a solução foi “simplificar a ideia até chegar num modelo colaborativo 18, que além de resolver todos os problemas técnicos de produção, ainda trazia a população da cidade para participar do projeto.” Então, na primeira fase foram impressos 50 adesivos verticais com um espaço em branco para a resposta dos indivíduos, totalizando um investimento no valor de R$100,00. A pergunta era: “Que ônibus passa aqui?”. Uma notícia publicada no dia 6 de fevereiro de 2012 no site do jornal A Zero Hora19 ressaltou a importância da iniciativa mas também divulgou a opinião de Vanderlei Cappellari, secretário de Mobilidade Urbana e diretor-presidente da EPTC no referido ano, que considerou a ideia interessante, mas irregular. Segundo ele, “qualquer adesivagem em mobiliário público só pode ser feita com autorização do órgão responsável, no caso, a EPTC. Aconselho que eles nos procurem para podermos avaliar a melhor maneira de proceder com essa ideia.” A mesma informação foi 17

Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-lazer/artemosfera/noticia/2012/01/com-poema-demario-quintana-obra-de-publicitarios-incentiva-a-leitura-3628905.html 18 Segundo Gabriel Gomes, em seu discurso durante a palestra realizada na UNISC em maio de 2013, o modelo colaborativo significa que as ideias são criadas pela Shoot The Shit, mas que o objetivo é torná-las facilmente replicáveis e executáveis por qualquer cidadão. No caso da ação “Que Ônibus Passa Aqui” o fato de cada indivíduo cuidar de uma parada de ônibus, colando um dos adesivos, exemplifica um projeto colaborativo. 19 Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2012/02/com-adesivos-grupo-sugere-que-usuariosindiquem-percurso-dos-onibus-3655162.html


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divulgada no blog de criatividade IdeaFixa20 no dia 08 de fevereiro, data da reportagem realizada pela TV Record21, que entrevistou além do grupo, o gerente da EPTC Carlos Pires, que relatou a intenção de reunir-se com os responsáveis para melhorias da ideia. No entanto, a partir dessa primeira ação foi filmado um vídeo para a plafatorma de financiamento coletivo, o Catarse22, com a intenção de alcançar 6 mil reais em doações para a impressão dos 5 mil adesivos restantes para abranger toda a cidade. O valor estipulado, no entanto, foi mais baixo para não gerar o veto do site. Após dois dias foram arrecadados mil e quinhentos reais, o que chamou a atenção dos meios de comunicação, “fazendo com que a Prefeitura decidisse bancar o projeto e as doações não fossem mais necessárias”, segundo o site da Shoot The Shit. O resultado foi tão surpreendente que até mesmo o Catarse publicou o financiamento realizado pelo grupo em seu blog em 16 de fevereiro de 201223, enfatizando o recorde em arrecadação e participação, “superando em 352% o orçamento planejado”, além de ter conquistado a atenção da prefeitura de Porto Alegre. Assim iniciou-se a segunda fase do projeto “Que Ônibus Passa Aqui”: a EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação) convidou a Shoot The Shit para desenvolver um adesivo em parceria, com as linhas de ônibus já impressas. Segundo o site do jornal A Zero Hora, em uma notícia publicada no dia 4 de julho de 201224, a EPTC adesivou as avenidas Cristóvão Colombo e Benjamin Constant com a indicação do número e nome da linha dos ônibus que passam por cada parada. Segundo Pires, “tivemos apenas que adequar a ideia às normas e regras de transporte, garantindo que todo e qualquer dado informado seja fiel à realidade. O objetivo é qualificar a informação para quem utiliza ônibus.” O fato recebeu uma repercussão positiva na página da EPTC no Facebook, com um aumento considerável na quantidade de interações, sendo também divulgado no site da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, onde Pires afirma: “oficializamos uma ação criativa que teve repercussão positiva com os usuários.”

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Disponível em: http://www.ideafixa.com/shoot-the-shit Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=xopYJt68Wdw 22 Projeto de financiamento da Shoot The Shit disponível em: http://catarse.me/pt/que-onibus-passa-aqui-shootthe-shit 23 Disponível em: http://webmais.net.br/catarse/?p=17726513625 24 Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2012/07/prefeitura-da-capital-inicia-processo-deadesivagem-de-paradas-de-onibus-na-quinta-feira-3811091.html 21


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Ilustração 4 – “Que Ônibus Passa Aqui” no site da Prefeitura Municipal de Porto Alegre

Fonte: disponível em: <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/portal_pmpa_novo/>. Acesso em: 4 de julho de 2012

No dia seguinte (5 de julho) o site da Zero Hora publicou outra notícia25 que continha a seguinte afirmação da diretora de Transportes, Maria Cristina Molina Ladeira: “será um teste, vamos avaliar a aceitação e a durabilidade para decidir se será expandida.” No dia 5 de julho também foi publicada uma notícia no portal G1 Rio Grande do Sul, intitulada: “Pontos de ônibus de Porto Alegre ganham adesivos que indicam linhas”, com o subtítulo “Prefeitura adaptou a ideia e começou a colocação nesta quinta (5)”.

25

Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/transito/noticia/2012/07/paradas-de-onibus-da-capitalrecebem-adesivos-informativos-3811969.html


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Ilustração 5 – “Que Ônibus Passa Aqui” no portal G1 Rio Grande do Sul

Fonte: disponível em: <http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/index.html >. Acesso em: 5 de julho de 2012

Luciano Braga, integrante da Shoot The Shit respondeu algumas colocações da EPTC em uma notícia divulgada pelo site do Grupo Bandeirantes, no dia 6 de julho26: “a questão do vandalismo existe, mas não podemos deixar de fazer algo por conta disso. A EPTC possui verbas para repor o material se for necessário.” Para os integrantes do grupo o medo da interferência negativa das pessoas só oferece obstáculos ao processo criativo. O ideal, segundo eles, é pensar os projetos como um espiral, em que os problemas são resolvidos somente quando começam a acontecer efetivamente, após o impacto inicial da ação executada. Porém os adesivos oficiais que foram colados sofreram a ação de alguns vândalos, o que criou um receio por parte da Prefeitura de Porto Alegre. No dia 16 de novembro o site 26

Disponível em: http://www.bandrs.com.br/noticias/index.php?n=25407&p=26&PHPSESSID=


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do jornal A Zero Hora publicou uma notícia27 com o título: “EPTC revê projeto dos adesivos nas paradas de ônibus da Capital.” Novamente o diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari se pronunciou afirmando: “estamos aguardando o resultado da avaliação, que definirá se vale ampliar o projeto”, ao que o participante do grupo, Gabriel Gomes, rebateu: “deixamos bem claro que devem colocar mais adesivos. É ingenuidade crer que ninguém vai arrancá-los ou pichá-los. Esse projeto já conta com um valor para isso.” No dia 18 de novembro a Shoot The Shit manifestou-se no Facebook acerca do assunto28, enfatizando sua opinião: “não podemos deixar de beneficiar milhares de pessoas que pegam ônibus diariamente, por causa de meia dúzia de pessoas que não pensam no coletivo e na vida em sociedade.” Aproveitando também para perguntar aos seus seguidores na rede: “e então, o que vocês acham: ampliar ou abandonar?” Apenas em fevereiro de 2013 a ideia foi novamente retomada a partir da gravação de um pequeno documentário sobre o projeto para o Imagina na Copa29, um grupo responsável por compartilhar na Internet ações que mudam o país, oferecendo também oficinas presenciais voltadas a essa temática, com o objetivo de preparar positivamente o Brasil para a Copa do Mundo de Futebol em 2014. Portanto, “durante a gravação surgiu a ideia de levar o projeto para todo o Brasil”, iniciando-se assim a terceira fase do “Que Ônibus Passa Aqui”. Nesse momento a campanha começou a alcançar todas as regiões do país, sendo notícia em meios de comunicação como Folha de São Paulo30, Estadão, Veja, Globo e SBT. Sobre o primeiro veículo o participante Luciano Braga se pronunciou em seu perfil pessoal no Facebook31, colocando que o fato do projeto aparecer na Folha de São Paulo, “talvez o maior jornal do país, considerando o tamanho do Brasil e a quantidade de notícias que existem circulando por aí, é uma vitória e que merece ser comemorada.” Na reportagem, divulgada no dia 1 de março, Luciano afirma: “se não pudermos contar com o apoio da prefeitura, esperamos que o projeto continue por iniciativa popular. (...) é muito mais fácil cada pessoa cuidar de três adesivos, do que a EPTC cuidar de 6000.” E foi exatamente isso que aconteceu através de um 27

Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2012/11/eptc-reve-projeto-dos-adesivos-nasparadas-de-onibus-da-capital-3953903.html 28 Disponível em: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=457844504262440&set=a.191560617557498.47040.187018991344 994&type=1&relevant_count=1 29 Disponível em: http://imaginanacopa.com.br/ 30 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/minhahistoria/1238649-o-nosso-processocriativo-e-viver-a-cidade-andar-antenado-e-ver-o-que-podemos-fazer.shtml 31 Disponível em: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=4028188323317&set=a.1218082592430.24455.1839847193&type= 1&relevant_count=1


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vídeo, responsável por convocar os indivíduos na Internet a partir do dia 4 de março de 2013, repercutindo o objetivo de convocar “o maior número de pessoas possível para levar o projeto para suas respectivas cidades.” No site do grupo consta que o projeto, ainda em andamento, “contou com a participação de mais de 20 cidades, cerca de 5 mil pessoas (...) e mais de 6 mil adesivos impressos.” Assim, o grupo conseguiu driblar o processo extremamente burocrático da EPTC em Porto Alegre, segundo afirmação feita durante a palestra realizada na UNISC. A mobilização aconteceu principalmente através da Rede Social Facebook e a partir do site do grupo que disponibilizou, com a ajuda do Imagina na Copa, o adesivo e as instruções para impressão.

Ilustração 6 – Instruções da ação “Que Ônibus Passa Aqui”

Fonte: Acervo do grupo. Disponível em: <shoottheshit.cc>. Acesso em: 7 de maio de 2013.


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Ilustração 7 – Adesivo da ação “Que Ônibus Passa Aqui”

Fonte: Acervo do grupo. Disponível em: <shoottheshit.cc>. Acesso em: 7 de maio de 2013.

Enfim, o projeto “Que Ônibus Passa Aqui” recebeu simpatizantes em diferentes estados do Brasil: em Florianópolis (SC) segundo notícia publicada no portal G1 em 10 de março32; no dia 12 de março também no G133 referente à colagem de adesivos no Distrito Federal; em São Paulo no dia 13 segundo o site do jornal Folha de São Paulo34, que também abordou a problemática das novas paradas de ônibus na cidade com coberturas feitas em vidro; e em Manaus, segundo a própria página da Shoot The Shit no Facebook35. Lá a ação chamou a atenção das autoridades locais, que contribuíram para a criação e impressão do Guia Ônibus Manaus, que também conta com um endereço de busca na Internet 36. O jornal Gazeta

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Disponível em: http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2013/03/projeto-que-onibus-passa-aqui-vaiadesivar-pontos-em-florianopolis.html 33 Disponível em: http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2013/03/grupo-inicia-sinalizacao-colaborativa-emparadas-de-onibus-do-df.html 34 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1245258-novos-abrigos-high-tech-de-sp-naoinformam-itinerarios-de-onibus.shtml 35 Disponível em: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=461535400560017&set=a.191560617557498.47040.187018991344 994&type=1&relevant_count=1&ref=nf 36 Disponível em: http://www.onibusmanaus.com.br/


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do Sul também noticiou os adesivos colados em Santa Cruz do Sul (RS) por voluntários no dia 19 de março.

Ilustração 8 – “Que Ônibus Passa Aqui” no jornal Gazeta do Sul

Fonte: disponível em: <http://www.gaz.com.br/gazetadosul/>. Acesso em: 19 de março de 2013

Além disso, a ideia também foi aplicada em outros países, como o México, que adaptou a linguagem visual do adesivo.


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Ilustração 9 – Projeto Movilidad Colectiva, desenvolvido no México

Fonte: disponível em: <https://www.facebook.com/MovilidadColectiva?fref=ts>. Acesso em: 14 de maio de 2013

A passarela que liga os dois lados do campus da PUCRS, em Porto Alegre, também recebeu a intervenção da Shoot The Shit. Chamada de “Tá Com Pressa” a ideia foi organizar o “trânsito” das pessoas e a solução para isso foi bem simples: adesivos com sinalizações. Partindo do princípio de que “no exterior, já faz parte da cultura ficar à direita em escadas rolantes, calçadas e corredores” permitindo que pessoas mais apressadas passem pela esquerda, foram colados adesivos com flechas indicativas nos dois lados da passarela. Segundo os organizadores, “alguns minutos depois da colagem, já era possível ver as pessoas andando de acordo com a sinalização.” O problema foi identificado a partir da vivência


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pessoal dos próprios participantes da Shoot The Shit, que investiram aproximadamente R$250,00 na ação. Mais uma vez a ideia do grupo foi divulgada no site Hypeness.37 As ideias da Shoot The Shit também foram levadas para os alunos do Ensino Médio do Colégio Farroupilha, um dos maiores colégios particulares de Porto Alegre. De acordo com o site do grupo “o projeto abria espaço para os estudantes discutirem suas percepções sobre a cidade e encontrar soluções para os seus problemas.” Os organizadores ministraram uma palestra para 500 estudantes, seguida por um workshop para cerca de 100 alunos, onde foi ensinada a metodologia da Shoot The Shit para que cada grupo de alunos buscasse soluções para os problemas encontrados no cotidiano, muitas vezes comum a todos. Foram introduzidas “técnicas de brainstorming, facilitando o surgimento de novas ideias e empoderando os alunos para que eles mesmos tomassem decisões com relação aos projetos.” Os principais problemas colocados foram “a mobilidade urbana, a consciência ecológica e a falta de interação entre as pessoas no transporte público.” A partir disso, a ação que visava resolver um problema de mobilidade urbana recebeu o título de “Sobe Aqui”, surgida a partir da identificação pelos alunos que no bairro há poucas calçadas com acesso para cadeirantes. Para despertar a consciência da administração pública e do restante dos cidadãos foram colocadas rampas nas calçadas com a frase “Aqui seria um bom lugar para uma rampa de verdade.” Outra ação colocada em prática foi a “Calma, lixo é no lixo”, na qual foram pintadas nas calçadas próximas ao colégio frases como “Calma, lixeira a 15 metros” e “Calma, lixeira a 30 metros” com o objetivo de incentivar as pessoas a esperar a próxima lixeira antes de poluir o espaço urbano. A terceira ação, chamada “Bonde do Sorriso”, visava incentivar a interação e os gestos de gentileza entre as pessoas no transporte público, ou seja, “cada pessoa que entrava na lotação e respondia o boa tarde dados pelos alunos, recebia uma pequena festa como prêmio.” Todas as atividades realizadas pelos alunos do Colégio Farroupilha foram filmadas e documentadas, se tornando um conteúdo para disseminação nas Redes Sociais e também em portais de notícia como o Terra.38 A novidade para o ano de 2013, segundo os participantes, é o contrato com o grupo para o desenvolvimento de um conjunto de ações com os alunos de diferentes séries do Colégio Farroupilha, que serão posteriormente utilizadas pela instituição

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Disponível em: http://www.hypeness.com.br/2012/09/como-uma-ideia-simples-pode-mudar-a-vida-dospedestres-de-uma-grande-cidade/ 38 Disponível em: http://noticias.terra.com.br/educacao/noticias/0,,OI6350394-EI8266,00RS+alunos+desenvolvem+propostas+de+cidadania+para+Porto+Alegre.html


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como material publicitário. Na palestra realizada em maio na UNISC, Gabriel e Luciano afirmaram que a iniciativa também será levada para algumas escolas públicas. No início de 2013 a Rua Anita Garibaldi em Porto Alegre, foco de engarrafamentos diários, estava sendo alvo de polêmicas entre administração pública e comunidade. Segundo a Shoot The Shit, a rua estava “parcialmente bloqueada para a construção de uma trincheira que visa desafogar o fluxo de veículos”, obra que tem gerado discussões e protestos principalmente por parte dos cidadãos locais, “que se mostram em grande parte contrários à trincheira.” O grupo, no entanto, utilizou as Redes Sociais para mobilizar os cidadãos em torno de uma questão mais abrangente: a mobilidade urbana de toda a cidade. O conceito surgiu com o objetivo de discutir novas formas para exigir da administração pública a resolução dos problemas da capital, sendo que para isso, segundo os idealizadores, é preciso primeiramente conhecer e formular soluções possíveis, que podem ser inspiradas pelas atuações de outros países. A ideia desenvolvida recebeu o nome de “Socialnema: um cinema social ao ar livre, gratuito, aberto e itinerante que busca discutir problemas pontuais de cada local da cidade através de filmes e documentários.” Mais de 300 pessoas compareceram à Rua Anita Garibaldi para assistir a um documentário sobre a temática e também para discutir e manifestar suas opiniões sobre a cidade de Porto Alegre e sobre a polêmica da rua em si. O custo total foi de R$510,00 e a ação acabou repercutindo por diversos meios. No site do jornal A Zero Hora, por exemplo, uma notícia publicada no dia 17 de 39

janeiro relata que “pela promessa da prefeitura, a mudança no trânsito irá melhorar o fluxo de veículos na região.” Mas, segundo explicação de Gus Bozzetti, integrante da Shoot The Shit, “não gostaríamos que a obra saísse sem o debate com os moradores”, ao que a participante Gabriela Guerra complementa: “a ideia não é ser contra nada, mas sim trazer o assunto para reflexão e se divertir.” A notícia também foi divulgada no programa Bom Dia Rio Grande, no canal RBS, afiliada da Rede Globo40; no site EcoDesenvolvimento41 com o título “Socialnema: Jovens de Porto Alegre realizam sessão de cinema ao ar livre” e também

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Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2013/01/via-da-capital-recebe-cinema-ao-arlivre-4014668.html 40 Disponível em: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/videos/t/bom-dia-rio-grande/v/grupo-realiza-sessaode-cinema-ao-ar-livre-em-importante-avenida-de-porto-alegre/2352979/ 41 Disponível em: http://www.ecodesenvolvimento.org/posts/2013/janeiro/socialnema-jovens-de-porto-alegrerealizam-sessao


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no canal MTV RS, versão estadual da MTV Brasil, dedicada principalmente ao público jovem42. É válido ressaltar que no dia 24 do mesmo mês uma nova notícia sobre a Rua Anita Garibaldi foi divulgada no site do jornal A Zero Hora e compartilhada pela Shoot The Shit nas Redes Sociais. Com o título: “Moradores montam acampamento para impedir obra da trincheira da Anita Garibaldi”,43 o texto relata os novos protestos criados através do site Facebook e de blogs com o objetivo de reunir pessoas para discutir alternativas para a obra. Com os nomes de “Anita Camp” e “Anita Mais Verde”, o protesto gerou atrito com alguns moradores, que relataram: “é uma obra necessária. Se toda vez que o poder público for fazer uma obra de mobilidade alguém vier protestar, a cidade nunca vai para frente.” Segundo o jornal a obra deve durar em torno de um ano pelo valor de aproximadamente 16 milhões de reais, e “a demora ocorreu porque moradores da região e ambientalistas protestaram contra a realização da obra.” A metodologia utilizada para a idealização e execução das ações de mobilização social, a divulgação dessas e a ideia dos participantes acerca das funções dos meios de comunicação, do ciberespaço e do relacionamento da Shoot The Shit com os públicos a fim de promover a coletivização serão abordadas em seguida, a partir da entrevista realizada com Gabriel Gomes e Luciano Braga no dia 30 de abril de 2013 em Porto Alegre (ANEXO C).

3.3 Análise do potencial mobilizador da Shoot The Shit

3.3.1 O que é Mobilização Social para a Shoot The Shit?

Mobilizações sociais efetivas exigem a existência de um objetivo comum a vários sujeitos, que buscam movimentar e alterar questões sociais em benefício do todo, almejando a construção de um projeto futuro. O modelo democrático prevê essa preocupação conjunta e a corresponsabilidade de todos em torno do bom funcionamento da sociedade, atuando nos

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Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=3IfALU5jBmY&feature=youtu.be Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2013/01/moradores-montam-acampamentopara-impedir-obra-da-trincheira-da-anita-garibaldi-4021273.html 43


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âmbitos em que a administração pública, sozinha, não atinge. As mobilizações sociais não são uma novidade, elas apenas assumem diferentes formulações conforme o período de execução e intenção pretendida. O grupo Greenpeace, por exemplo, opta por amarrar participantes em troncos de árvores com o objetivo de impedir o desmatamento através da exposição nos meios de comunicação, que geram mais visibilidade às causas ambientais defendidas, enquanto que a Pastoral da Criança visa, através do mesmo meio, obter apoio financeiro para viabilizar a sua atuação em meio a famílias carentes do Brasil. Nessa perspectiva a Shoot The Shit, pode ser considerada uma organização que ocupa um espaço caracterizado pela manifestação pública, um dos tipos possíveis de mobilização social, admitida como uma forma de disseminação da cultura da mobilização, inspirando e incentivando o surgimento de outros grupos e ideias semelhantes. Ou seja, a Shoot The Shit cria projetos com o intuito declarado de serem benéficos para uma parcela da população, mas assume, principalmente, o discurso de, segundo Gabriel Gomes, “fazer com que as pessoas mudem a sua percepção em relação à cidade e mudem a maneira com que elas participam das questões da cidade”. Eles admitem que buscam promover (re)definições coletivas, a partir do compartilhamento de ideias, soluções e conhecimentos, promovendo um aprendizado conjunto. Essa é a principal diferença entre a Pastoral da Criança e a Shoot The Shit, por exemplo. Percebe-se que o enfoque da primeira está na ação ampla e efetiva, direcionada aos problemas que precisam ser resolvidos, visando a atuação sobre as deficiências em saúde, educação, cidadania e espiritualidade nas comunidades pobres, através dos voluntários cadastrados e espalhados por todo o país. Em contraponto, a Shoot The Shit preocupa-se primordialmente com o conteúdo que é disseminado e publicizado aos indivíduos com a intenção de promover a cultura da proatividade à mobilização social, disseminando ideias criativas que podem ser adotadas por outros sujeitos sem a atuação direta dos responsáveis pelo grupo. Um tipo de movimento que surge a partir das novas tecnologias comunicativas, de fácil acesso – principalmente aos públicos mais jovens -, repercussão e interação. Os idealizadores, no entanto, enxergam a diferença existente entre os projetos mobilizadores sob outra perspectiva. Segundo Gabriel Gomes, a Shoot The Shit está “ancorada em três pilares, que é criatividade, inteligência e fazer o bem”, assumindo de acordo com a noção deles, objetivos mais amplos e superiores, não sendo apenas um “projeto de assistencialismo”, com o “objetivo unilateral” de arrecadar recursos para ajudar indivíduos financeiramente necessitados, por exemplo. A ideia “é pensar um projeto que todo mundo pode sair ganhando”, afirma Luciano, é planejar uma forma mais sustentável de mobilização


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social do que aquela praticada pelas ONG‟s, que acabam realizando um “caminho de uma via só.” Para Gabriel “a maioria dos projetos de ONG não tem criatividade”, eles apenas entendem o problema e o resolvem, fazendo e propagando o bem, mas de maneira muito “paliativa”. No entendimento dos idealizadores do grupo, realizar ações criativas é enxergar novas possibilidades, caminhos, responsáveis por alcançar e mobilizar de maneira mais efetiva os públicos, compostos principalmente por jovens. A intenção identificada nos participantes da Shoot The Shit é a de alterar o “modelo mental da sociedade”, enfatizando em suas ações a criatividade, o discurso e a possibilidade de repercussão da ação na mídia, enquanto que o Greenpeace, por exemplo, promove petições públicas que podem ser assinadas pelos próprios usuários da Internet, com o objetivo de alterar a legislação ambiental do Brasil. Em Porto Alegre está em funcionamento o Orçamento Participativo desde 1989, um processo, segundo o site da prefeitura44, em que a população decide de forma direta, o destino de aplicação dos recursos em obras e serviços executados pela administração pública. Mas, segundo a palestra realizada na UNISC, os participantes do grupo, Gabriel e Luciano, associam isso à cultura do “pedir” e não ao “fazer acontecer” realmente, ou seja, para eles as mudanças efetivas no espaço público acontecem apenas quando são pensadas formas criativas de chamar a atenção de toda a sociedade e da mídia, do contrário a administração pública não resolve em período viável as solicitações. Enfim, segundo os entrevistados, “alguns meios” como jornal e televisão, definem os participantes da Shoot The Shit como empreendedores sociais: “talvez sim, talvez a gente seja ativista, talvez a gente seja publicitário.” Na verdade, Gabriel expõe que não sabe “exatamente qual é a nomenclatura”, mas acredita estar “caminhando para um empreendedorismo social.” Luciano encara a pergunta de uma maneira mais despojada: “eu acho que essa expressão de ativismo vai mudar, já vem mudando sabe?”, ou seja, ele se define como uma pessoa que quer fazer “coisas” interessantes para melhorar a cidade de Porto Alegre com a contribuição do maior número de cidadãos possíveis, de maneira inteligente e criativa. O grupo como um todo, segundo eles, acaba recebendo a denominação de organização, afinal: não é uma agência de publicidade, não é uma empresa com registro e CNPJ, não é um coletivo informal, não é uma associação, nem uma fundação. Mas em meio a incerteza quanto às denominações individuais e do grupo, percebe-se, principalmente, uma

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Disponível em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/op/


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preocupação unificada quanto ao planejamento comunicacional - mesmo que não seja desenvolvido formalmente, mas de maneira intuitiva -, considerado uma das partes fundamentais para viabilizar ações de mobilização social.

3.3.2 Como é a comunicação para mobilizar?

O viés essencialmente conceitual e discursivo adotado pela organização, que executa ações mobilizadoras com o objetivo principal de incentivar outros sujeitos a realizar o mesmo, parte principalmente do percurso profissional dos idealizadores. Como publicitários, Gabriel e Luciano, acreditam que ações de pouco impacto prático significativo promovem uma mudança na sociedade a partir do momento em que são amplamente divulgadas. O enfoque mobilizador recai sobre a repercussão. Na ação “Paraíso do Golfe”, por exemplo, o sucesso é atribuído ao alcance e cobertura midiática sobre a ideia executada, e não acerca de uma possível resolução do problema, de maneira efetiva. Para Gabriel, a Shoot The Shit é uma organização que a partir de “eventos, seminários, workshops, oficinas (...) induz que as pessoas criem projetos para a sua cidade.” Segundo Testa (1996), o indivíduo que participa e incentiva projetos mobilizadores acaba se realizando como agente comunicador. Por esse motivo, Luciano afirma que a motivação maior para iniciar as atividades da Shoot The Shit foi “a vontade de querer fazer coisas diferentes”, afinal, segundo ele, o mercado publicitário ainda é conservador e impõe muitos obstáculos à comunicação: “a gente meio que criou ela para libertar a nossa criatividade. Um lugar onde a gente não teria amarras.” Gabriel complementa: “a principal mudança foi a maneira como a gente enxergava a nossa profissão”, sendo que a partir da criação do grupo foi possível ir muito além quanto às possibilidades criativas, à diferenciação no mercado profissional, gerando principalmente uma maior identificação com os projetos executados. É evidente, portanto, também levando em consideração as primeiras ações realizadas, que a intenção inicial dos participantes do grupo não era executar algo em prol da sociedade como um todo, mas sim, diversificar a própria produção criativa, aplicada principalmente ao espaço público de Porto Alegre. Para Gabriel, a preocupação sobre o uso adequado da comunicação no grupo Shoot The Shit se deve ao fato de os fundadores terem trabalhado e adquirido experiência em


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agências de publicidade, afinal, “nos deu critério pra gente entender o que é bom e o que é ruim.” Ele trabalhou nas agências DCS (de agosto de 2008 a junho de 2009) e Competence (de agosto de 2009 a dezembro de 2010), ambas de Porto Alegre, enquanto Luciano Braga atuou na Purple (2009), Escala (2010), Dez (2010) e na revista Noize (2012). Essa perspectiva profissional do processo comunicativo aplicada a projetos de mobilização social é importante, segundo Henriques (2006), uma vez que as ações que pretendem mobilizar precisam ter apelos emocionais e ações espetaculares, adequadas e estrategicamente planejadas. Por terem vivido, como lembra Gabriel, “muito tempo em agência trabalhando com uns „caras‟ muito bons e aprendendo” eles identificam em si mesmos uma habilidade maior em separar as ideias boas e prósperas, das ideias ruins que tendem a não funcionar, ou seja, a não mobilizar. Segundo eles, a Shoot The Shit “tem uma lista de cem ideias a serem executadas”, no entanto, “muitas delas são ruins.” Para Luciano essa experiência também auxilia na execução das ideias, afinal “a agência trabalha num formato” e por isso, eles já conhecem os passos necessários. Algo que foi ensinado até mesmo para os alunos do Colégio Farroupilha, na ação “Da Escola Pra Vida”, a partir da introdução de técnicas de brainstorm para a criação das ideias. Além disso, Gabriel acrescenta que a formação acadêmica em Comunicação Social também acrescentou, oferecendo contatos e conhecimento. Uma das principais características do grupo, como eles costumam repetir, é a criatividade, algo que os diferencia de outros projetos de mobilização social. Segundo Luciano: “a gente tem o know-how da criatividade, a gente sabe como comunicar”, diferentemente de outros grupos que apresentam boas ideias, mas comunicadas de uma maneira inadequada, não atraente nem persuasiva: “a gente tem esse cuidado (...) de como se fosse uma peça publicitária, como se fosse um anúncio para uma empresa, para um cliente”, com o objetivo de atingir o máximo de indivíduos. No entanto, é preciso alertar para o fato de que apesar das ações mobilizadoras se assemelharem muito às campanhas publicitárias, o compromisso com o público é muito diferente. As questões defendidas nesses casos permeiam o espaço público e coletivo, e não apenas o individual, objetivando despertar a proatividade dos sujeitos. Para Luciano, “hoje em dia se comunicar não é uma coisa que todo mundo sabe” e o próprio processo de criação das ações demonstra isso: após a ideia ser definida, o grupo começa a fazer mais reuniões, encarando o projeto de maneira profissional, a partir do cumprimento de prazos e metas, por exemplo. Para Henriques (2006), é evidente que cada vez mais os projetos de mobilização assumam uma perspectiva profissional, neste caso


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evidenciada através do planejamento comunicacional, que abrange essa preocupação com a identidade visual, além da identificação dos adversários e da organização de objetivos e metas. Portanto os participantes identificam alguns indivíduos contrários às ideias executadas pela Shoot The Shit, como os agentes públicos, por exemplo. Para Luciano: “o governo é uma esfera que a gente tem que achar uma forma de trabalhar de uma forma mais sustentável”, afinal “eles querem resultado, eles querem dinheiro (...) eles querem voto.” O grupo, segundo Gabriel, assume uma intenção política, mas não relacionada a um partido político. Ou seja, posiciona-se com o objetivo de fazer os políticos enxergarem as situações da sociedade que precisam ser alteradas, a partir de ideias e atitudes que surgem de “debaixo da pirâmide”, pontua Luciano. A administração pública precisa “rever algum modelo, alguma lei, alguma coisa, onde essa participação das pessoas em questões da cidade seja mais transparente, mais dinâmica e mais positiva” para ambos os lados. Hoje, para Gabriel, a Shoot The Shit desempenha o papel de ligar esses dois lados: “é que a gente conversa com eles e conversa com as pessoas.” No entanto, na ação “Que Ônibus Passa Aqui”, por exemplo, o grupo não tentou conversar primeiramente com a EPTC, a fim de buscar uma solução mais simples, direta e racional. Para Luciano, o fato de eles não aceitarem fazer o adesivo posteriormente só mostra que eles realmente não teriam a intenção de buscar uma mudança efetiva para o problema da falta de sinalização dos pontos de ônibus da capital. Ou seja, ele não parece acreditar que a negociação e o caminho através das vias oficiais sejam eficientes ou rápidas. Além do fato de que encaminhamentos que procuram os passos legais e burocráticos tendem a ser monótonos, nada espetaculares, pouco identificados com o mundo midiático, mesmo que isso não seja verbalmente admitido. Além desses entraves ou adversários, existem também os ativistas mais militantes e que se definem como tais, que, segundo Luciano, não entendem um tipo de mobilização que não funcione a partir da violência, da alta exposição: “porque a gente não funciona nesse modelo que tem que quebrar a prefeitura pra dar certo”, sentencia Luciano, apesar dessa afirmação contradizer a alta visibilidade e repercussão pretendidas pela Shoot The Shit. Eles também possuem uma visão e um desejo futuro para o grupo. Gabriel imagina a Shoot The Shit “como uma organização que trabalha junto ao governo e junto a marcas, desenvolvendo projetos” para a cidade de Porto Alegre, através da participação dos próprios cidadãos, em uma parceria entre a iniciativa privada, pública e os agentes mobilizadores. Na


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ação “Mexa-se”, por exemplo, uma marca de cunho esportivo poderia ter apoiado a ação. Ou seja, ao contrário dos dois primeiros anos de existência da organização, em que era completamente paralela a marcas e partidos políticos, hoje os participantes já visualizam esses agentes como facilitadores de melhorias para a cidade, o que pode ser denominado de Meta Societal. Na palestra realizada na UNISC, os participantes ainda alertaram que, no caso das empresas, por exemplo, é preciso aliar tais ações mobilizadoras à imagem institucional, à missão e aos valores executados e comunicados para a sociedade. Conforme a recuperação dos documentos das ações já desenvolvidas pelo grupo, é possível identificar três delas que já sofreram algum tipo de interferência pública ou privada: o Grupo RBS TV, na ação “Artemosfera”; a EPTC, no momento em que propôs para a ação “Que Ônibus Passa Aqui” um adesivo em parceria, com as linhas de ônibus já impressas; e o Colégio Farroupilha, que inclusive utiliza o material produzido como conteúdo publicitário.

3.3.3 Quais são as funções da comunicação mobilizadora?

Uma das principais funções da comunicação é divulgar e informar aos públicos as iniciativas e causas defendidas pelos projetos mobilizadores. Segundo Gabriel, o conteúdo da comunicação executada para a Shoot The Shit recebe como enfoque os “problemas que nos atingem no dia a dia.” Para Lemos (2004), “podemos notar, na prática daquilo que se convencionou chamar de comunidade virtual, uma certa efervescência micropolítica, diária, dirigida aos problemas do dia a dia.” (p. 137) É possível observar que o ciberespaço, apesar de ser uma rede comunicacional globalizada, promove ações e interações locais, repercutindo objetivos pequenos e alcançando dimensões imprevistas. Gabriel acrescenta que depois de identificado o propósito inicial é desenvolvido “um processo que é de cortar barreiras”, ou seja, a ideia é simplificada ao máximo para ser viabilizada em tempo e financiamento hábil, afinal eles acreditam que é possível fazer muito com muito pouco. Portanto, afirmam: “vários projetos que a gente pensou que eram super complexos, a gente teve (sic) que simplificar até chegar no modelo que fosse possível executar”, como no caso dos adesivos da ação “Que Ônibus Passa Aqui”. Todo esse processo,


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segundo eles, é organizado a partir de um gerenciador de tarefas on-line45, sendo possível controlar as atividades de cada um dos participantes. Isso se deve ao fato do grupo acreditar que não adianta ser criativo se não se é, também, organizado: é preciso “direcionar sua criatividade”, analisa Gabriel. No entanto, uma das peculiaridades da atuação do grupo é a ordem de execução: primeiro a ação é posta em prática, depois é assinada pela Shoot The Shit. Eles se consideram totalmente desapegados de qualquer tipo de direito autoral sobre as ideias. Outra característica identificada é o símbolo criado: “é um globo terrestre que tem um pedaço fora. A gente é esse pedaço fora”, explica Gabriel. Algo que também se relaciona diretamente com a atuação publicitária, uma vez que a logomarca é um dos primeiros materiais criados para os clientes atendidos pelas agências. Assim, o projeto mobilizador organiza-se no imaginário do público-alvo, mas – é importante ressaltar – nunca de maneira persuasiva, apenas com a intenção de estreitar os vínculos entre sujeitos participantes e projeto. Quanto a continuidade das ações, Luciano diz que o grupo procura pensar iniciativas que possam ser replicáveis em outras cidades, não apenas em Porto Alegre ou no Rio Grande do Sul, ou seja, o objetivo é atravessar fronteiras, expandindo as ideias: “a gente se preocupa muito em como deixar ela uma ideia global”, afinal, “outra pessoa realizando é publicidade pra nós”, o que identifica nos idealizadores uma intenção de alcançar um reconhecimento pessoal e profissional pelo trabalho executado, não apenas sob o viés social. Gabriel acrescenta: “a gente lida com os problemas da cidade, então os problemas da nossa cidade provavelmente são os problemas de outras cidades.” Ou seja, como afirma Castells (2003), as mobilizações sociais “mais influentes são, ao mesmo tempo, enraizadas em seu contexto local e voltadas para um impacto global.” (p. 118) A preocupação do grupo também recai sobre o discurso utilizado pelos participantes, principalmente nos meios de comunicação. Para Gabriel, é importante, por exemplo, que eles sejam coesos e claros quanto aos objetivos das ações desenvolvidas pela Shoot The Shit. Para Luciano, o discurso do grupo vai se formatando a cada ação, a cada entrevista ou na preparação para palestras e cursos. Ou seja, o entendimento deles sobre o funcionamento das mobilizações sociais contemporâneas também está em um processo de desenvolvimento. Perguntados sobre a memória e registros do grupo, os entrevistados revelaram que guardam os arquivos de divulgação e de citação em meios de massa. Mas, segundo Luciano, organizar o que é colocado na Internet já se tornou mais complicado, uma vez que os links de 45

Disponível em: www.do.com


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direcionamento se espalham e são compartilhados muito rapidamente por diferentes sites. Sobre a ação “Que Ônibus Passa Aqui”, por exemplo, há os dados de quantos indivíduos acessaram a página para salvar o adesivo e também de quantas cidades adotaram a ideia: em torno de vinte e sete, segundo Luciano. O site do grupo também contém um histórico de todas as ações desenvolvidas, de forma bastante completa e informativa, evidenciando a atuação contínua da Shoot The Shit. A comunicação também possui a função de coletivizar os indivíduos, desenvolvendo a credibilidade em torno das ações mobilizadores realizadas. De acordo com Gabriel Gomes, a Shoot The Shit “nunca trabalhou pra ter credibilidade e isso dá credibilidade.” Ou seja, as próprias atitudes e ideias dos participantes geraram uma confiança nos sujeitos mobilizados, que simplesmente gostaram do trabalho realizado, das causas defendidas. Para Luciano, é importante destacar a “identificação” gerada, segundo ele o grupo executa aquilo que muitos jovens gostariam de estar fazendo por suas cidades, principalmente através de ideias interessantes e criativas. No entanto, é importante também realizar um esforço para identificar de uma forma mais concreta como esse envolvimento se desenvolve.

3.3.4 Como é possível que os sujeitos participem ativamente?

O público da Shoot The Shit é bem amplo, segundo os idealizadores, levando em consideração que, de maneira generalizada, ela “atua sobre todos os moradores que vivem na cidade”. Mas Gabriel Gomes afirma que o público atingido pelo grupo não é “todo mundo”, uma vez que “cada ação tem um público mais específico.” A “Que Ônibus Passa Aqui”, por exemplo, atinge os indivíduos das classes B, C e D, que utilizam o transporte público, em sua maioria estudantes, de 18 a 25 anos, sugere Gabriel, a partir de uma referência particular de universo. Ou seja, é possível identificar e caracterizar apesar disso não ser uma das prioridades do grupo. Inclusive a metodologia necessária para identificar os públicos dos projetos mobilizadores é diferente da aplicada para os planejamentos de marketing das empresas. Segundo Henriques (2004), os sujeitos poderiam ser identificados a partir da formulação de uma escala de acordo com os diferentes níveis de atuação no projeto. Para isso, seria necessário determinar a localização espacial dos sujeitos; o nível de conhecimento


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acerca das ações desenvolvidas e a partir de que meios (Internet, TV) eles recebem essas informações; o julgamento que realizam sobre o grupo, ou seja, já considerando aqui um envolvimento maior com as causas defendidas; e o nível da ação, em que os sujeitos se dispõem efetivamente a ajudar o projeto, sentindo-se parte do grupo gerador das ações, a partir de financiamento, por exemplo. Em seguida os sujeitos seriam organizados a partir do nível de corresponsabilidade com o grupo, gerado principalmente através do planejamento comunicacional estratégico, que visa adicionar ao projeto itens como coesão e continuidade nas ações. O nível que identificaria o maior envolvimento possível é o de participação institucional, que no caso da Shoot The Shit, seria ocupado apenas por Luciano Braga, único integrante contratado pelo grupo. Outra forma de análise, com mais enfoque sobre os sujeitos, seria a dos níveis de atuação, proposta por Toro e Werneck (2007). Em um primeiro patamar estariam aqueles indivíduos identificados como Produtores Sociais, que fazem o processo mobilizador acontecer apesar de não serem donos do grupo. Eles possuem conhecimento sobre as causas defendidas e conseguem interpretar a realidade, o que se aplica a função exercida na Shoot The Shit por Gabriel e Luciano, que identificam os problemas cotidianos da cidade de Porto Alegre para idealizar as ações realizadas pela organização, com o envolvimento posterior de outros sujeitos, como na ação “Socialnema”. Os Reeditores são aqueles que estão próximos do grupo, auxiliando principalmente na divulgação das causas defendidas. Luciano identifica que o público mais próximo do grupo que compartilha quase imediatamente e de maneira muito acentuada as ideias são os publicitários, colegas de profissão dos fundadores da Shoot The Shit. Isso acontece, segundo Gabriel e Luciano, por ser tratar de um meio em que a maioria dos profissionais se conhece, por ser uma profissão próxima e ativa nas Redes Sociais, na geração de conteúdo, sendo mais fácil disseminar as ações, como aconteceu com o “Paraíso do Golfe”. Um público que, admirado com o trabalho criativo e visualmente atraente dos participantes da Shoot The Shit, tornou visíveis aos outros públicos interessados as mobilizações sociais desenvolvidas. Por esse motivo, os Editores, responsáveis por planejar o conteúdo comunicacional dos grupos mobilizadores, nesse caso o Gabriel e o Luciano, precisam se preocupar principalmente com a criatividade dos materiais. Esse nível de atuação é normalmente ocupado por profissionais da comunicação, que se preocupam em se relacionar diretamente com os públicos e com os Reeditores, conhecendo o espaço ocupado principalmente por esses últimos, algo que é visível no funcionamento da Shoot The Shit.


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Luciano acrescenta que com o surgimento da Internet, passou a existir três tipos de sujeitos: os que só reclamam, os que reclamam e fazem algo para mudar e aqueles que apóiam quem se preocupa em fazer algo para mudar determinada situação. Para ele, com o avanço dos Sites de Redes Sociais, esse terceiro tipo ganhou destaque, uma vez que “ele agora tem a tecnologia a seu favor”, principalmente a partir da possibilidade de financiamento coletivo, o que atinge diretamente o funcionamento dos grupos mobilizadores. Lemos (2004) expõe as seguintes funcionalidades:

O uso de software que permita discussão em grupo, a ausência de limitação em troca de mensagens, a possibilidade de acesso para pessoas diversas, a possibilidade de deixar que os usuários resolvam seus problemas, a promoção de uma memória da comunidade, a promoção da continuidade, (...) e a confrontação dos usuários nas crises das comunidades. (...) no ciberespaço, “o sentimento comunitário é muito forte”. (LEMOS, 2004, p. 146)

No entanto, outra forma de mobilização enfatizada e valorizada pelos integrantes da Shoot The Shit é o uso dos meios de comunicação de massa.

3.3.5 Como os meios de comunicação influenciam os projetos mobilizadores?

A Internet é considerada pelos idealizadores o principal meio de divulgação e comunicação da Shoot The Shit, mas, é possível identificar também uma preocupação comum a vários projetos mobilizadores: a luta por visibilidade a partir dos meios de comunicação de massa. O objetivo é evitar ações individuais, de pouca representatividade, além de promover o aumento na quantidade de participantes. A partir dos meios de massa, as causas defendidas são vistas, interiorizadas, ampliadas e potencializadas mais fácil e rapidamente, além de estimular a participação de mais sujeitos e a criação de outras ações. Durante a entrevista com os participantes da Shoot The Shit, surgiu uma questão interessante quanto a influência dos meios de comunicação, em primeira instância dos meios de massa. Segundo Luciano, quando há divulgação na televisão, por exemplo, é possível atingir outro público “que não tá (sic) no teu Facebook ou não tá (sic) no Facebook.” A partir


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disso, os dois entrevistados começaram a citar alguns veículos nos quais foram divulgadas as ações, como o jornal Zero Hora, o noticiário Bom Dia Brasil, da Rede Globo, e o Jornal do Almoço, da RBS TV (afiliada da Rede Globo). Por fim, eles comentaram que a ação “Paraíso do Golfe” quase apareceu no programa dominical Fantástico, também da Rede Globo. Isso só não aconteceu por questões de exclusividade exigidas pela emissora, fato que exemplifica a afirmação feita por Mafra (2006) de que os meios de comunicação possuem seus próprios interesses acerca da divulgação das causas defendidas pelos projetos de mobilização social. Os comentários que se seguiram voluntariamente durante a entrevista demonstraram a vontade dos agentes em aparecer no meio televisivo, uma vez que somente a partir desse iriam atingir o máximo da visibilidade, voltada a todos os públicos do país. Inclusive, quando a ação “Que Ônibus Passa Aqui” foi veiculada no jornal Folha de São Paulo, Luciano fez questão de se pronunciar em seu perfil pessoal no Facebook, considerando a veiculação como algo digno de ser comemorado, principalmente por ser o maior jornal do país. A televisão, por exemplo, possui uma elevada credibilidade, segundo Lobo (1996), que promove mudanças de hábitos nos indivíduos, mas em certos momentos também é limitada frente à complexidade da sociedade. Quanto a sua influência em projetos de mobilização, ela é imprescindível para divulgar a gerar visibilidade aos grupos, mas as causas noticiadas muitas vezes causam apenas comoção e não uma transformação efetiva. E é nesse momento que a Internet ganha espaço, alterando a concepção de que é preciso falar para convencer, para a ideia de que é preciso falar e deixar o público falar também, em uma perspectiva relacional entre emissores e receptores. No ciberespaço, a Shoot The Shit possui uma maior representatividade, exemplificada no dia 16 de maio de 2013, quando a ação “Que Ônibus Passa Aqui” recebeu destaque no portal do programa Fantástico na Internet.46

3.3.6 E o ciberespaço?

A partir da criação da rede planetária, a Internet, aumentou o potencial de comunicação de todos para todos, entre emissores e receptores, de uma forma interativa e dialógica através desse novo meio. A digitalização de todas as informações gerou, segundo Lévy (2000), um espaço comum do saber, denominado pelo autor como inteligência coletiva, 46

Disponível em: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2013/05/grupo-cria-projeto-para-levar-informacaopontos-de-onibus.html


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um fenômeno social gerado a partir da apropriação da tecnologia pela sociedade. Para a Pastoral da Criança, por exemplo, não existem mais limites espaciais para a atuação dos voluntários, uma vez que todos os conhecimentos são compartilhados e as ações podem ser acompanhadas e geridas mesmo à distância. No início, a Shoot The Shit, segundo os entrevistados, encaminhava releases de cada ação para a imprensa, com o objetivo de ampliar a abrangência da informação e a visibilidade das causas defendidas. Atualmente, no entanto, o único meio utilizado é a Internet, através da qual inclusive, a imprensa busca conteúdo e informações para publicar nos meios de massa. Segundo Luciano, “eles estão bem antenados no que a gente faz.” Gabriel contextualiza a visibilidade das ações, explicando que a “Salve uma vida, apague seu cigarro” e a “Mexa-se” foram disseminadas principalmente em blogs de publicidade, inclusive pelo mundo, mas não tanto na própria cidade de Porto Alegre, o que reverteu apenas em visibilidade profissional para os idealizadores do grupo. Foi o “Paraíso do Golfe”, que segundo ele, “deu a visibilidade que a gente precisava”, aumentando as visualizações do canal no Youtube e dos seguidores nos Sites de Redes Sociais administrados pelo grupo. Segundo citado na palestra realizada em maio na UNISC, a ação “Mexa-se” também foi publicada em um blog russo com o conteúdo completamente modificado. No texto há a falsa afirmação de que a iniciativa partiu do Ministério da Saúde do Brasil, por exemplo, o que evidencia uma projeção exagerada e pouco confiável das ações desenvolvidas pelo grupo através desse meio, talvez como reflexo dos interesses em busca de visibilidade do blog em questão.


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Ilustração 10 – Ação “Mexa-se” divulgada em um blog russo

Fonte: arquivo pessoal do idealizador Gabriel Gomes

Sobre o potencial mobilizador da Internet, Luciano resume que sem ela “seria viável, mas (...) não teria quase nenhum impacto”, ao que Gabriel complementa, afirmando que o grupo teria “que arranjar um jeito de impactar as pessoas de outra forma.” Para ele, o ciberespaço tem a capacidade de divulgar as informações da Shoot The Shit, mas principalmente “centralizar pessoas, organizar pessoas, distribuir informação de uma maneira horizontal.” Ou seja, a Internet auxilia na reunião e mobilização de indivíduos, alterando suas percepções acerca de questões coletivas, o que influencia diretamente o trabalho desenvolvido pela Shoot The Shit. As ações “Mexa-se” e “POA Precisa”, por exemplo, geraram conteúdo para mobilizar mais pessoas através da Internet. Gabriel analisa que hoje “é tudo mais colaborativo, tudo mais transparente”, possibilitando e incentivando doações em plataformas on-line, por exemplo, de uma maneira mais fácil e rápida: “hoje em dia, esse modelo mental já funciona”, exemplificado na ação “Que Ônibus Passa Aqui”, no momento em que foi


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rapidamente financiada pelos indivíduos mobilizados, através do site Catarse, obtendo um recorde em arrecadação, segundo o mesmo. Isso se deve a uma preocupação acerca da comunicação desenvolvida no ciberespaço, que assume o objetivo de atingir um menor alcance, mas um maior impacto mobilizador sobre os sujeitos. No entanto, os primeiros usos da Internet se refletem até mesmo nas experiências pessoais dos entrevistados com o meio. Luciano lembra que no início da sua experiência com a Internet, por volta do ano de 1998, ele visitava chats de conversas on-line e sites que disponibilizavam novos jogos de vídeo game, com o propósito único da diversão. No início o acesso era precário, sendo possível apenas nos finais de semana ou à noite, quando o custo era mais baixo. Apesar disso, ele afirma: “sempre continuo, não tem quem não goste” da Internet. Portanto, o ciberespaço possui uma dualidade intrínseca no seu funcionamento, exemplificada por Lemos (2004) através da sua metáfora entre a porta e a ponte, ou seja, na comparação entre os indivíduos isolados e fechados em seus próprios computadores e a busca por socialização através da rede planetária, que possibilita uma comunicação informativa, mas principalmente interativa. Para Giardelli (2012) os indivíduos cansaram de utilizar a Internet apenas para fins supérfluos.

3.3.7 Como é a comunicação no ciberespaço?

O ciberespaço é considerado um meio de comunicação que complementa os tradicionais, fazendo parte do elenco midiático. No entanto, a informação nesse espaço não é mais editada por um centro, possibilitando uma comunicação mais participativa e uma identificação maior dos públicos. Ou seja, não é um fenômeno apenas técnico, uma vez que envolve a compreensão de todos os sujeitos envolvidos. O ciberespaço se transformou em um instrumento para conectar pessoas, não estabelecendo para isso nenhum tipo de hierarquia, segundo Lemos (2004). No entanto, Gabriel analisa que atualmente as ideias ainda surgem no interior da própria Shoot The Shit, mas a intenção é começar a criar “dinâmicas pra conhecer os problemas de cada região”, com o objetivo de desenvolver um processo mais participativo. Luciano contribui dizendo que é muito importante a participação das pessoas, afinal o objetivo do grupo é justamente incentivar novas ideias e atitudes em todos os indivíduos mobilizados: “a Shoot The Shit não é nossa, ela é de todo mundo.” Lévy (1999) afirma que


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cabe aos próprios sujeitos a função de explorar o potencial positivo da Internet, para valorizar a cultura de cada localidade, os projetos desenvolvidos e os coletivos de ajuda mútua, por exemplo, afinal o “ciberespaço não deriva automaticamente da presença de equipamentos materiais, mas (...) exige igualmente uma profunda reforma das mentalidades, dos modos de organização e dos hábitos políticos.” (LÉVY, 1999, p. 185) O Greenpeace é um dos grupos que incentiva em suas ações a construção de um novo conhecimento acerca das causas ambientais, mas principalmente acerca das mudanças de hábitos necessárias para promover a mudança da situação atual. Ou seja, a comunicação desenvolvida no ciberespaço deve impedir a mera circulação de informações entre os sujeitos. Segundo Castells (2003), desde o surgimento do ciberespaço a intenção era de não usar a tecnologia pela tecnologia, simplesmente. Através do desenvolvimento de uma comunicação mais interativa, que possibilitou o surgimento de novas redes sociais com configurações diferentes das anteriores, começou a existir uma relação tecno-social dos sujeitos com a Internet. Hoje, por exemplo, os projetos mobilizadores podem criar laços sociais com os indivíduos através desse meio, em uma construção conjunta de sentidos, como a corresponsabilidade e coletivismo. Para Lévy (1999), o ponto principal do ciberespaço é o “processo social de inteligência coletiva.” Os Sites de Redes Sociais são as ferramentas utilizadas para a expressão das redes sociais na Internet, segundo Recuero (2010). Para a Shoot The Shit, por exemplo, o Facebook é considerado o meio mais relevante, uma vez que centraliza as informações dos outros canais disponíveis, como blog e site. Os recursos tecnológicos, quando democratizados, geram condições para a liberdade criativa e argumentativa dos sujeitos, segundo Valderrama (2012). A Internet já é reconhecida, de acordo com Delarbre (2012), como parte do espaço público. A Shoot The Shit incentiva essa ideia de democratização: para Gabriel o grupo “acredita que a participação das pessoas tem que ir além do voto. Tem que participar das questões da cidade”, por esse motivo, “não faria sentido se a gente não deixasse as pessoas participarem das questões da Shoot The Shit também.” Ou seja, “a gente não pode incentivar a passividade se a gente tá (sic) querendo projetos para a participação popular”, afirma Luciano. A ação “POA Precisa”, por exemplo, despertou “nas pessoas o senso de preocupação com a cidade, além de gerar uma reflexão sobre o papel de cada um dentro dela”, segundo os idealizadores. É uma comunicação que empodera os sujeitos, como exemplificado na ação “Que Ônibus Passa Aqui”, que previa adesivos com um espaço em branco que permitia a participação dos indivíduos que efetivamente utilizam o transporte público. Além disso, os idealizadores também perguntaram


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nos Sites de Redes Sociais se o projeto deveria ser ampliado ou abandonado depois das críticas recebidas da EPTC, promovendo o debate acerca do assunto. Em uma das fases da ação também afirmaram que: “é mais fácil cada pessoa cuidar de três adesivos, do que a EPTC cuidar de 6000.” Para Lévy,

A verdadeira democracia eletrônica consiste em encorajar, tanto quanto possível – graças às possibilidades de comunicação interativa e coletiva oferecidas pelo ciberespaço -, a expressão e a elaboração dos problemas da cidade pelos próprios cidadãos, a auto-organização das comunidades locais, a participação nas deliberações por parte dos grupos diretamente afetados pelas decisões, a transparência das políticas públicas e sua avaliação pelos cidadãos. (LÉVY, 1999, p. 186)

Características existentes também na ação “Socialnema”, na qual os Sites de Redes Sociais foram utilizados para mobilizar os cidadãos em torno de uma questão maior do que aquela existente em torno do problema na Rua Anita Garibaldi: a mobilidade urbana de toda a cidade de Porto Alegre, levando em consideração exemplos de ações desenvolvidas em outras partes do mundo. Um exemplo do uso do ciberespaço para incentivar o potencial social e cultural da sociedade. Portanto o ciberespaço não gera apenas um acervo de informações digitalizadas, ele também oferece as ferramentas necessárias que promovem a interação entre diferentes indivíduos, que quando assumem fortes interesses em comum, formam as chamadas comunidades virtuais. Portanto, o ciberespaço é visto como um importante vetor de realiance na sociedade contemporânea, uma vez que as inovações tecnológicas nunca acontecem isoladamente, sem a interferência dos sujeitos. E é a partir da socialização e da comunicação no interior das comunidades virtuais que surge a cibercultura, caracterizada como “a socialidade como prática da tecnologia.” (LEMOS, 2004, p. 89) A cibercultura, considerada uma forma de cultura do período contemporâneo, inclui à tecnologia a subjetividade humana, evitando a mera circulação de informações e criando valores e interesses comuns a vários sujeitos. Ou seja, utilizando o ciberespaço como cenário, a cibercultura gera laços sociais e hábitos com características diferentes na sociedade, o que influencia diretamente o trabalho desenvolvido pelos projetos mobilizadores, como no exemplo do Vida Urgente de Porto Alegre, que visa alterar o comportamento dos jovens que costumam dirigir alcoolizados.


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E isso também pode ser identificado no grupo Shoot The Shit. Gabriel Gomes contextualiza a sua resposta durante a entrevista, citando o livro Here Comes Everybody (2008), escrito por Clay Shirky, que traz a ideia, nas palavras do entrevistado: “a sociedade não muda quando assume novas tecnologias, muda quando assume novos comportamentos.” Isso se assemelha, segundo ele, ao que aconteceu com a televisão, que “não trouxe um novo comportamento, mas (...) induziu com que novos comportamentos começassem a emergir.” E “a Internet faz a mesma coisa”, mesmo sendo a tecnologia dependente de ferramentas técnicas, ela incentiva novos comportamentos sociais e culturais nos indivíduos que a utilizam: “tem gente que usa a Internet pro bem, tem gente que usa a Internet pro mal. A gente quer usar o poder de conexão da Internet pra fazer o bem à cidade”, afirma Gabriel. Para Luciano a Internet não é só um meio técnico, ela empodera os usuários, oferecendo vantagens a partir das conexões realizadas, possibilitando uma comunicação dialógica entre emissores e receptores, facilitando o trabalho dos grupos mobilizadores. Segundo ele é um meio que permite mais “atividade” do que os antigos meios de massa. No entanto, é preciso descobrir como essa “atividade” pode ser utilizada efetivamente pelos projetos mobilizadores em prol das causas sociais defendidas.

3.3.8 É possível mobilizar através do ciberespaço?

O ciberespaço possui um caráter técnico, mas é importante também como base para trocas sociais entre os indivíduos. Ao contrário da televisão, que exerce uma comunicação mais imersiva, a Internet abriu um espaço para as interações entre os indivíduos e consequentemente para as mobilizações sociais, ou como são denominadas atualmente: ações de ativismo. De acordo com Gabriel, esse é um assunto recorrente no grupo devido a recente criação de um curso chamado “Ativismo 2.0”, que tem como objetivo ensinar a mais pessoas o tipo de mobilização social em prol das cidades realizada pela Shoot The Shit. Segundo ele, essa é uma nova maneira de fazer ativismo, “mais pacífica, democrática, que é acessível a todos e que tem diferentes níveis de participação.” Para ele, “dar like numa foto é um tipo de ativismo, (...) compartilhar é um tipo de ativismo, (...) comentar, divulgar, etc. é um tipo de ativismo, doar, participar, (...) liderar um movimento”, no entanto, “são níveis diferentes de ativismo.” Gabriel complementa, afirmando que antigamente a única forma possível de mobilização social era ir para a rua, divulgar as ideias em megafones e ocupar praças, o que


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não é errado, segundo ele, mas hoje existe uma nova forma, que não anula a anterior. Em outras palavras, “o que existe agora é uma nova forma, que complementa a anterior e que facilita a anterior”, a partir de exemplos como a Primavera Árabe e a ocupação de Wall Street, citados também por Gabriel. É importante ressaltar que o próprio surgimento do ciberespaço caracterizou-se como uma mobilização social, realizada por jovens ávidos por mudanças, que buscavam um meio de comunicação mais cooperativo e de fácil acesso. Após o surgimento das comunidades virtuais o objetivo passou a ser as tentativas de suprir o esgotamento de algumas instâncias mais tradicionais da sociedade. Mas o funcionamento adequado dessas ações depende da comunidade, ou seja, as mobilizações efetivas, comunicadas através dos meios de massa ou do ciberespaço, dependem do nível de descontentamento dos sujeitos. Para Delarbre (2012), essas ações e os sujeitos que as desenvolvem apenas ganham mais destaque, saindo da zona de isolamento através da vitrine possibilitada pela Internet, através de uma comunicação que desperta também um maior envolvimento e proximidade. Portanto, o ciberespaço não gera democracia, apenas novas relações entre os envolvidos e uma maior transparência das informações comunicadas. Para Lévy (2000) “aprendemos a nos conhecer para pensar juntos” (p. 31), como no caso do Greenpeace, que oferece fácil acesso às decisões do governo de cunho ambiental para promover uma inteligência compartilhada entre os sujeitos. Luciano levanta a questão do chamado ativismo de sofá, que “parte do pressuposto que as pessoas tão (sic) on-line (...) fazendo alguma coisa”, mas segundo ele, o ideal é levar as causas para o espaço físico, agindo de alguma forma para alterar a situação combatida, ou seja: “pode fazer o ativismo de sofá, mas também tem que sair pra rua, fazer alguma coisa.” Como exemplo, ele cita a campanha “Fora Sarney”: “não adianta todo mundo twittar „Fora Sarney‟ e ninguém ir lá no mínimo entregar uma petição.” Na ação “Socialnema” o grupo conseguiu reunir mais de 300 pessoas na Rua Anita Garibaldi em Porto Alegre, para discutir e manifestar suas opiniões sobre a polêmica envolvendo o local, mas também referente a todos os problemas da capital. É importante observar que essa ação motivou o surgimento de outras mobilizações, como é o caso da “Anita Camp” e da “Anita Mais Verde”, organizadas também através dos Sites de Redes Sociais. Trata-se de uma simbiose entre ativismo de sofá e ativismo de rua, que juntas viabilizam as mudanças desejadas na sociedade. Durante as perguntas em torno desse tema, Luciano comenta com Gabriel que, em uma entrevista realizada por um aluno da cidade de Santa Maria, ele foi informado de que


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aproximadamente 70% das paradas de ônibus de lá ainda estão com os adesivos da ação “Que Ônibus Passa Aqui”, o que provoca um entusiasmo nos dois entrevistados, admirados com a repercussão e aplicabilidade da ideia. Mas até que ponto a criatividade dessas ações pode efetivamente alterar a atual situação da sociedade? A repercussão e visibilidade do grupo geram as mudanças sonhadas por eles? Esta pesquisa não tinha essa perspectiva como foco, mas é impossível não pensar nisso depois de reunir tantas informações e analisar a forma como um grupo dessa natureza pensa e age.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os criadores da Shoot The Shit não foram as primeiras pessoas a fazerem graça com buracos de rua para chamar a atenção do poder público. Faz tempo que comunidades se organizam, como forma de protesto, e fazem churrascos dentro de valas em estradas do interior ou que produzem fotos com alguém simulando pescarias dentro de verdadeiras crateras cheias de água em vias públicas país afora. A Shoot The Shit alcançou, no entanto, notoriedade e visibilidade nacional através do seu vídeo veiculado no Youtube. A cobertura da mídia e as visualizações na Internet alcançaram o status de verdadeiro fenômeno e muita gente se sentiu envolvida pela ação bem humorada e com compromisso social. Poucos dias depois os buracos que serviram de personagens para o vídeo até foram fechados. Infelizmente, não dá para considerar que esse tipo de ação tenha gerado um trabalho amplo da mesma prefeitura em relação aos inúmeros buracos nos tantos bairros de Porto Alegre. Não podemos nem mesmo dizer se no Moinhos de Vento ainda existe alguma preocupação em manter a pavimentação sem irregularidades. Do ponto de vista do grupo, o principal objetivo estava relacionado ao compartilhamento de conteúdos para promover uma cultura de proatividade à mobilização social nos sujeitos. Ou seja, eles pretendem, acima de tudo, alterar o “modelo mental da sociedade”, fazendo com que mais indivíduos façam acontecer mudanças no mundo em que vivemos. A Shoot The Shit é considerada, portanto, uma organização formada por empreendedores sociais que assumem o compromisso de disseminar a cultura da mobilização, incentivando a propagação das suas ideias. Essa dinâmica se deve em parte ao surgimento das tecnologias do ciberespaço, que possibilitam uma comunicação informativa e interativa entre emissores e receptores, de forma globalizada, o que atua diretamente sobre as ações mobilizadoras desenvolvidas por grupos como a Shoot The Shit, que utilizam a Internet como o principal meio para tornar as causas sociais defendidas visíveis, além de promover a coletivização dos públicos-alvo. Ou seja, o objetivo principal é tornar a sociedade horizontalmente integrada. Como publicitários, os idealizadores da Shoot The Shit assumem focar a repercussão das ações em detrimento de ações mais concretas e abrangentes, utilizando para isso os recursos técnicos do ciberespaço, de fácil acesso aos públicos visados e com grandes possibilidades de repercussão e interação. Nesse meio, a representatividade da organização é maior, uma vez que promove um espaço relacional e de maior impacto, segundo Gabriel


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Gomes e Luciano Braga. A busca do grupo é por uma interação mais participativa com os públicos, evitando a mera circulação de informações e ensinando a mais pessoas o tipo de mobilização realizada por eles, através de cursos como o “Ativismo 2.0”. Mas o problema das ruas esburacadas, por exemplo, foi solucionado ou apenas divulgado? Como estão os buracos de outras regiões de Porto Alegre? De outras cidades e estados que também foram impactados pela ação? Identifica-se um vácuo, um espaço deixado pela administração pública, uma ausência de representação que acaba sendo assumida por grupos como a Shoot The Shit. Há segmentos da população que identificam neles uma oportunidade de manifestação, de comunicação das dificuldades enfrentadas por aqueles que os idealizadores definem como de “debaixo da pirâmide”. No entanto, problemas como os buracos das vias públicas, por exemplo, são obrigação dos gestores das cidades e não deveriam servir como tema para mobilizações sociais. O grande entrave no Brasil é a demora e a falta de sintonia entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, segundo os idealizadores do grupo “eles querem resultado, eles querem dinheiro (...) eles querem voto”, o que é verdade, mas contradiz um ponto do discurso da própria Shoot The Shit, já que ela também acaba buscando resultados e visibilidade perante os públicos, e até mesmo solicita recursos para viabilizar suas ações, como no caso do Colégio Farroupilha, por exemplo. Não se trata aqui de condenar essa prática, mas chama atenção o fato de o grupo fazer questão de apresentar o baixo custo material que suas ações despendem sem nunca descrever o custo do próprio tempo como articuladores e executores. Esse custo surge, obviamente, quando eles são contratados e o seu tempo passa a ter valor monetário. A ideia do custo baixo ou custo zero só existe nas apresentações, na prática, esse valor acaba aparecendo quando eles se tornam prestadores de serviço e revelam a impossibilidade de não contabilizar o próprio tempo de idealização e realização das ações. Não há nada de ilegal em cobrar por esse trabalho. Fica, no entanto, apenas a sensação de um discurso com um certo ar de incoerência por não se deixar transparente que o tempo também é um valor que deve ser contabilizado. A pesquisa buscou avaliar esse processo mobilizador realizado pela Shoot The Shit, com o objetivo de exemplificar as formas com que os sujeitos lidam atualmente com as questões de interesse coletivo. O estudo e análise sobre as motivações do grupo mostram que há uma intenção de promover a cultura do ativismo, de coletivizar ações de indivíduos, de representá-los na defesa de questões que são de responsabilidade da administração pública. Os métodos utilizados partem da formação profissional dos idealizadores, que como


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publicitários, privilegiam o uso de uma comunicação adequada, da criação de uma identidade visual para o grupo e do uso dos meios de comunicação como forma de espetacularização das ações, tanto junto aos veículos de massa quanto no ciberespaço. E essa midiatização das causas sociais é algo que já tem um caminho histórico na época em que vivemos. São coisas de ontem, de logo mais à noite, coisas acontecendo em tempo real. Greenpeace, Pastoral da Criança e Vida Urgente são alguns exemplos já citados nesta pesquisa, que caracterizam o tempo atual e as mobilizações sociais que presenciamos. Tudo o que eclode, nesse momento, em diversas cidades brasileiras pode ser visto como sequência levemente tardia daquilo que começou no final de 2010 na Tunísia. O movimento que veio a se chamar de Primavera Árabe surgiu da insatisfação diante do aumento do preço da farinha e do pão e ganhou visibilidade mundial depois que um comerciante de rua ateou fogo no próprio corpo. As articulações para a ida às ruas encontraram nos Sites de Redes Sociais as condições para tornar essa mobilização mais ágil e acessível. Depois disso, vários países viram movimentos semelhantes tomarem conta das ruas e praças. Os resultados desses protestos não podem ser classificados exatamente como de êxito. Houve alterações de governos em algumas nações, mas essas mudanças representam, por hora, a manutenção do mesmo e até mesmo o retrocesso em algumas situações. As mobilizações caracterizam-se por grupos pouco articulados ou programáticos, que decidem expressar seus anseios diante de problemas sociais a partir do ciberespaço, conquistando adeptos que se identificam com os mesmos sentimentos. Por vezes defendem problemas de maior envergadura, fazendo com que governos estabelecidos e pouco acostumados à expressão das insatisfações revidem da pior forma: ignorando ou deturpando as verdadeiras intenções dos sujeitos mobilizados. Há um caráter de engajamento contemporâneo através do sentimento de que não existem canais de expressão eficientes, da falta de representações políticas conectadas aos grupos e do sentimento de pertencimento global – através da viralização desse sentimento –, que acaba gerando as condições para o florescimento de um comportamento que vê nessas mobilizações sociais a forma autêntica de rebeldia contemporânea. No entanto, depois de compreendido o que caracteriza o grupo utilizado como objeto de pesquisa, outras questões acabam se descortinando como forma de reflexão. Começa-se a pensar se o grupo é reflexo de uma época, tenta-se imaginar que públicos reagem de forma mais engajada ou conectada a essas ações e provocações. Mesmo que esta pesquisa não tenha


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tido esse foco, é natural que essas questões surjam e gerem interesse. Por hora é possível desenhar um cenário breve e introdutório, que poderia servir a outros estudos e indagações mais elaborados. Em uma tentativa de análise crítica da atuação da Shoot The Shit, aproximo as ações desenvolvidas pelos idealizadores do grupo com o assassinato de um soldado em Londres em 22 de maio de 2013. Explico: o crime, tratado como terrorismo matou uma pessoa, mas repercutiu sobre milhares, deixando todo o país em estado de alerta. Isso porque toda a ação do criminoso foi filmada, sendo que segundo a matéria publicada no site O Globo47, “diante da câmera de um transeunte, um dos suspeitos, um homem negro (...), fez ameaças, em inglês aparentemente sem sotaque, e falou em vingança pelos muçulmanos”, com as mãos ensanguentadas ainda pelo crime. Segundo uma das testemunhas entrevistadas, “é como se eles quisessem ficar famosos, mas de uma forma estúpida.” Trata-se também de dois indivíduos que isoladamente pretendem mudar uma situação considerada, a partir de uma perspectiva particular, um problema de toda a sociedade e que pode ser alterado sem a ajuda da administração pública. Valderrama (2012) e Delarbre (2012) acreditam que a democratização da Internet, tornando-a parte do espaço público, possibilita uma maior liberdade aos sujeitos, e é nisso que a Shoot The Shit acredita. As novas tecnologias não são decisivas para as mobilizações sociais, mas acabam auxiliando na formação de laços sociais, numa comunicação mais dialógica, no empoderamento dos sujeitos e na mudança de hábitos. Como afirma Gabriel, “a sociedade não muda quando assume novas tecnologias, muda quando assume novos comportamentos.” No entanto, os efeitos do ciberespaço são relativos, assim como tem méritos, também tem problemas na mesma medida, como qualquer outro dispositivo técnico existente. Ele permite, por exemplo, o controle da administração pública sobre a vida pessoal dos cidadãos, como no caso recente nos Estados Unidos, em que importantes empresas do setor tecnológico divulgaram “a existência de programas secretos para vigilância eletrônica”48. Na matéria consta que “as gigantes da tecnologia querem apresentar detalhes sobre as solicitações secretas que recebem do governo de acesso a dados de usuários, amparadas sob o controverso Ato de Vigilância Estrangeiro (Fisa).” As empresas são proibidas de revelar tal informação aos usuários, mas de acordo com James Clapper, diretor da inteligência nacional do governo Obama, o monitoramento existe (conhecido como sistema

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Disponível em: http://oglobo.globo.com/mundo/homem-morto-em-suposto-ataque-terrorista-em-londres8464922 48 Disponível em: http://oglobo.globo.com/mundo/eua-gigantes-da-tech-se-unem-para-pedir-transparencia-aogoverno-8661400


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Prism), mas a “fiscalização é [ou seria?] mais limitada do que as descritas nas reportagens”. Ou seja, o ciberespaço não é um meio livre do sistema e das pessoas que nele atuam. E essas pessoas precisam ser caracterizadas. Os Millennials, por exemplo, são aquelas pessoas que nasceram entre 1980 e 2000, segundo a revista Time de 9 de maio de 201349. Na matéria, escrita por Joel Stein, várias pesquisas e especialistas tentam entender o perfil desses sujeitos, considerados narcisistas, preguiçosos, alienados, ansiosos, mas “gente boa”. E o ativismo contemporâneo está muito identificado com essas características de comportamento dos Millennials. Sempre houve insatisfações na sociedade, e isso continua acontecendo atualmente, mas com métodos e abordagens diferentes, através de ações menos dogmáticas e programáticas, mais descompromissadas, o que pode ser exemplificado na fala de Luciano Braga, de que ele apenas participa da Shoot The Shit para fazer “coisas” interessantes. A mobilização iniciada na Turquia nas primeiras semanas de junho deste ano é um exemplo claro de ação pacífica e despreocupada na sua origem, mas que acaba assumindo proporções maiores e imprevisíveis. A população se revoltou quando um dos poucos parques restantes de Istambul, o Gezi, teria suas árvores derrubadas para a construção de mais um centro comercial. Como a mobilização foi organizada através dos Sites de Redes Sociais, o primeiroministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, manifestou-se: “essa coisa que chamam de redes sociais não passa de uma fonte de problemas para a sociedade atual. Há um problema que se chama Twitter. Ali se difundem mentiras”50, o que foi divulgado por vários veículos de comunicação pelo mundo. No entanto, segundo o site do jornal A Folha de São Paulo, “da defesa do Gezi nasceu a onda de manifestações contra o primeiro-ministro.”51 E no que se refere ao ciberespaço, diferentes discursos e símbolos foram criados pelos manifestantes e compartilhados por milhares de pessoas, até mesmo por aquelas que não são influenciadas diretamente pela situação. Novamente no site da Folha de São Paulo, foi divulgado no dia 5 de junho que “a polícia turca prendeu mais de 20 pessoas sob a acusação de terem divulgado falsas informações nas Redes Sociais sobre as manifestações antigoverno e a reação da polícia”52, ou seja, “as Mídias Sociais tem sido uma importante ferramenta para divulgar informações e fotos dos protestos.” Aliás, uma sequência de fotos feitas pelo fotógrafo Osman Orsal que mostram o momento em que uma mulher, vestida de vermelho e branco, cores da 49 50

Disponível em: http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,2143001,00.html

Disponível em: http://oglobo.globo.com/mundo/o-governo-turco-versus-twitter-8576388 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/06/1290561-parque-estopim-de-protestos-e-ilhaverde-em-istambul.shtml 52 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/06/1290348-policia-turca-prende-acusados-dedivulgarem-informacoes-falsas-em-redes-sociais.shtml 51


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bandeira da Turquia, é atacada por gás lacrimogêneo “provocaram revolta entre os manifestantes que as postaram nas Redes Sociais. Para alguns ativistas, representa a violência usada pela polícia turca na repressão dos protestos.”53 Trata-se de outro exemplo de esvaziamento da esfera pública institucionalizada, que acaba sendo ocupada por indivíduos comuns que utilizam a rapidez de transmissão de informações da Internet como forma de atingir uma visibilidade global para um problema local, com a intenção de repercutir a manipulação exercida pelos dirigentes políticos sobre a população. Ou seja, como afirma Manuel Castells, “agora, os cidadãos se autocomunicam, auto-organizam e automobilizam sem pedir a qualquer partido para defender seus direitos e dignidade, palavra recorrente nos protestos”54, trata-se do “direito de discordar”, segundo ele. No entanto, as mobilizações sociais efetivas, comunicadas através dos meios de massa ou do ciberespaço, dependem primordialmente do nível de descontentamento da sociedade. Ou seja, o ciberespaço não gera a democracia, apenas permite uma maior facilidade e transparência no fluxo de informações. Nas palavras de Lévy (1999) o “ciberespaço não deriva automaticamente da presença de equipamentos materiais, mas (...) exige igualmente uma profunda reforma das mentalidades, dos modos de organização e dos hábitos políticos.” (p. 185) Para Gabriel Gomes, as mobilizações amparadas pela Internet são uma nova maneira: “mais pacífica, democrática, que é acessível a todos e que tem diferentes níveis de participação.” Mas é preciso analisar, segundo Lemos (2004), que existe “na prática daquilo que se convencionou chamar de comunidade virtual, uma certa efervescência micropolítica, diária, dirigida aos problemas do dia a dia.” (p. 137) São ações locais, de efeito imediato e ampla viralização, mas como os vírus que atingem os computadores, elas podem ser rapidamente solucionadas ou esquecidas. Para Castells, as mobilizações sociais são locais e globais porque “as causas que levam as pessoas às ruas estão relacionadas a disputas que ocorrem nas cidades, mas que são comuns a todos os centro urbanos ao redor do planeta”55, algo que é defendido também pelos idealizadores da Shoot The Shit. Castells propõem que é preciso desenvolver “uma nova forma de participação dos cidadãos nos processos de decisão do Estado.” Ele observa – e a 53

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/06/1290139-sequencia-de-fotos-mostra-mulheratacada-com-gas-na-turquia.shtml 54 Disponível em: http://www.lavanguardia.mobi/slowdevice/opinion/articulos/20130608/54375789623/detahrir-a-taksim.html 55 Disponível em: http://www.sul21.com.br/jornal/2013/06/atual-modelo-de-democracia-representativa-estaesgotado-afirma-manuel-castells/


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ação dos Milennials podem ser identificadas com essas características – que as mobilizações surgem de um cunho muito emocional, voltado contra alguma injustiça. Quando o sentimento de cada indivíduo encontra o de todos nos Sites de Redes Sociais a mobilização ganha força para ocupar os espaços físicos das cidades. Segundo o autor, “passar da indignação pessoal à ação coletiva é um processo de comunicação”, nestes casos “de comunicação em rede, que é instantânea e transmite o local ao global.” Pode-se identificar aqui uma aproximação entre o chamado ativismo de sofá e o ativismo de rua, que juntos viabilizam as mudanças desejadas, afinal “se querem modificar políticas, não basta somente as críticas na Internet. É preciso tornar-se visível, desafiar a ordem estabelecida e forçar um diálogo”, afirma Castells. A Shoot The Shit, por exemplo, não consegue e não deve se desvencilhar do espaço físico, como aconteceu na ação “Socialnema”, quando o grupo conseguiu reunir mais de 300 pessoas na Rua Anita Garibaldi para discutir e manifestar suas opiniões sobre os problemas de Porto Alegre. Mas nem todas as ações já desenvolvidas pelo grupo assumem essa característica, o que evidencia nos idealizadores um processo de desenvolvimento desse entendimento, ou seja, essas questões ainda não são claras, o que não chega a ser um problema até o momento. Segundo Castells, essas formas contemporâneas de ativismo “não são políticas em sua essência institucional e partidária, mas carregam consigo a característica de qualquer mobilização social: a de transformar instituições, culturas e pensamentos.” Mas como será o futuro dessa interação entre tecnologias e mudanças sociais? O Google Glass é um exemplo interessante. Ele “é um óculos que fixado em um dos olhos disponibiliza uma pequena tela logo acima do campo de visão”, ou seja, “um óculos conectado a Internet que se utiliza da tecnologia futurista da realidade aumentada”56. Até o dia 4 de abril de 2012 ele era apenas um projeto secreto da Google, mas aos poucos vai sendo consumido, absorvido e naturalizado pela sociedade, que poderá começar a utilizá-lo também em benefício das mobilizações sociais. Com ele posso identificar, por exemplo, um local da cidade que esteja precisando de um voluntário, posso saber sobre a localização dos buracos das ruas da minha cidade ou uma praça que será substituída por um shopping. Posso, por outro lado, ser identificado rapidamente como indivíduo ou grupo de indivíduos que se deslocam para um ponto da cidade que talvez não seja tão interessante àqueles que têm acesso a esse tipo de informação. Algo está em curso e o que vemos ainda não é completamente compreensível. Vemos e sentimos a corrente, mas não temos certeza ainda do que se trata.

56

Disponível em: http://www.googleglass.com.br/google-glass-oculos-realidade-aumentada-faz-ligacoescompartilhar-video-fotos-aceita-comandos-de-voz/


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REFERÊNCIAS ANTOUN, Henrique. (Org.) Web 2.0: participação e vigilância na era da comunicação distribuída. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. APARICI, Roberto. (Org.) Conectados no ciberespaço. São Paulo: Paulinas, 2012. BRAGA, Clara Soares; SILVA, Daniela Brandão do Couto e; MAFRA, Rennan Lanna Martins. Fatores de identificação em projetos de mobilização social. In: HENRIQUES, Márcio Simeone (Org). Comunicação e estratégias de mobilização social. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 59-100. BRAGA, L.; GOMES, G. Palestra sobre criação coletiva voltada a projetos sociais. Evento “Reconecte Festival”. Universidade de Santa Cruz do Sul. 22 de maio de 2013. Duração aproximada: 1 hora e trinta minutos. CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. COSTA, Rogério Da. Por um novo conceito de comunidade: redes sociais, comunidades pessoais, inteligência coletiva. In: ANTOUN, Henrique. (Org.) Web 2.0: participação e vigilância na era da comunicação distribuída. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. p. 29-48. DELARBRE, Raúl Trejo. A internet como expressão e extensão do espaço público. In: APARICI, Roberto. (Org.) Conectados no ciberespaço. São Paulo: Paulinas, 2012. p. 165194. DI FELICE, Massimo. (Org.). Do público para as redes: a comunicação digital e as novas formas de participação social. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2008. DI FELICE, Massimo. Das tecnologias da democracia para as tecnologias da colaboração. In: DI FELICE, Massimo. (Org.). Do público para as redes: a comunicação digital e as novas formas de participação social. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2008. p. 17-61 DUARTE, J.; BARROS, A. (Org.) Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. DUARTE, Jorge. Entrevista em profundidade. In: DUARTE, J.; BARROS, A. (Org.) Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006a. p. 62-83. DUARTE, Marcia Yukiko Matsuuchi. Estudo de caso. In: DUARTE, J.; BARROS, A. (Org.) Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006b. p. 215-235. EPSTEIN, Isaac. Ciência, poder e comunicação. In: DUARTE, J.; BARROS, A. (Org.) Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 15-31. FELINTO, Erick. Sem mapas para esses territórios: a cibercultura como campo de conhecimento. In: FILHO, J. F.; HERSCHMANN, M. (Org.) Novos rumos da cultura da mídia: indústrias, produtos, audiências. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007. p. 45-58


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ANEXO A

Questões realizadas por Facebook com Luciano Braga, um dos idealizadores do grupo Shoot The Shit, durante todo o andamento da pesquisa.

14 de agosto de 2012 Anna: Eu gostaria de saber, por exemplo, como é que vocês se encontram, planejam as futuras ações. Luciano: (...) A gente se reúne uma vez por semana depois do horário de trabalho. Ali pelas 19h... Daí conversamos despretensiosamente sobre assuntos que nos chamaram atenção, referências bacanas, problemas que percebemos e sobre qualquer coisa, “na real”. Não seguimos um roteiro nas nossas reuniões, apenas conversamos e deixamos a conversa fluir de maneira natural. Tentamos criar um ambiente fértil para o surgimento das ideias, sem muita pressão e seriedade. 90% do que a gente fala é piada hehehe (sic). Só depois que temos alguma ideia definida que fazemos reuniões mais seguidas e encaramos o projeto de maneira mais profissional (com prazos e metas).

4 de setembro de 2012 Anna: (...) Tenho só duas perguntas pra nortear um pouco, para saber se estou no caminho certo: tu acredita (sic) que as redes sociais, Facebook/Twitter, auxiliam o trabalho de engajamento da Shoot The Shit? Se sim, qual o nível de importância delas para a divulgação dos trabalhos desenvolvidos? Luciano: (...) A gente acredita sim que as redes sociais nos ajudam, e MUITO! Com elas a gente pode fazer com que mais pessoas “ouçam” nossa voz. Um exemplo: a ação “Paraíso do Golfe” foi realizada num domingo de manhã, num feriado. Não tinha ninguém na rua. Só após a gente postar o vídeo na Internet que ela repercutiu. O nível de importância é imensurável. A gente crê que existem 3 tipos de pessoas. As que só reclamam, as que reclamam e fazem algo para mudar, e as que apóiam quem faz algo pra mudar. Com o avanço das Redes Sociais, esse terceiro tipo de pessoa, a que apóia, ganhou muita força, pois eles têm


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muitas ferramentas disponíveis para ajudar. Seja dando like, compartilhando, comentando, doando dinheiro por crowdfunding... Enfim, as Redes Sociais são um ótimo lugar pra gente conseguir expandir nossas ações, pois é aí que encontramos um jeito fácil de divulgar, barato, e com pessoas dispostas a levar a ideia adiante.

24 de maio de 2013 Anna: (...) Queria te perguntar o seguinte: o Giovani Groff (é assim que escreve?) ajudou a fundar a Shoot The Shit e participou de quais ações? Qual foi o motivo da saída dele? (...) Luciano: (...) Ajudou a fundar e participou de todas, menos do “Cinema da Anita” e do “Que Ônibus Passa Aqui, Brasil?” (...) Ele queria tocar outros projetos e não teria muita disponibilidade pra STS (Shoot The Shit).

26 de maio de 2013 Anna: (...) Para usar o tapume da ação “POA Precisa”, vocês pediram autorização? E depois a prefeitura cedeu um lugar já com autorização? Luciano: Não pedimos autorização, e depois eles criaram um tapume pra gente.


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ANEXO B

Questionário previamente formulado para a entrevista com o grupo Shoot The Shit

Sobre a criação do grupo:

1) O que é a Shoot The Shit. 2) Como ela começou, as dificuldades, as conquistas. 3) O que motivou vocês a criá-la? (formação, família, valores) 4) Contem um pouco o percurso profissional de vocês. 5) O que mudou? 6) Hoje vocês se dedicam exclusivamente ao grupo? 7) De que forma isso é viável, financeiramente, por exemplo. 8) Como vocês enxergam a anterior forma predominante de protestos sociais? (ir fisicamente para os espaços públicos) 9) Há uma diferença das mobilizações realizadas aqui com relação ao resto do mundo? 10) Como vocês enxergam a Shoot The Shit no futuro (visão do grupo).

As principais características do grupo:

11) Como vocês se denominariam? (agentes mobilizadores?) 12) A Shoot The Shit tem um caráter voluntário? 13) Quais seriam as responsabilidades da Shoot the Shit (Produção Social). 14) Quais seriam as responsabilidades dos gestores públicos. 15) Qual a orientação política do grupo. 16) Quantas pessoas participam diretamente da concepção das ações (normalmente)? 17) Os participantes diretos assumem uma determinada postura frente ao público? Isso é uma preocupação contínua? 18) Existe um ou mais “adversários” combatidos pelo grupo? Quais? 19) O grupo tem uma sede? (física ou só na Internet?)


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Metodologia de trabalho:

20) Como vocês planejam o discurso da Shoot The Shit? 21) Como são escolhidos os conteúdos das ações? 22) Como elas são postas em prática? (da ideia, criação, decisão até a ação) 23) Há uma preocupação na continuidade delas? 24) Quais informações são vistas como mais relevantes? (como o público se informa sobre o projeto)

Divulgação do grupo:

25) Como o grupo adquiriu visibilidade? Através de qual meio? 26) Qual é a importância da Comunicação? E da Publicidade na viabilidade da Shoot The Shit (Editores)? 27) Como vocês enxergam a comunicação participativa (era preciso falar para convencer, agora é preciso falar e deixar o público falar por si). 28) A Shoot The Shit tem uma identidade (visual, de conteúdo). 29) Como vocês enxergam a questão visual/gráfica. 30) Quais seriam os principais símbolos da Shoot The Shit? 31) Como são divulgados os eventos/as ações. 32) Há um registro da memória da Shoot The Shit? Ela é disponibilizada através de qual meio? 33) Os resultados são contabilizados de que forma? São divulgados? (como no caso das pessoas que aderiram ao projeto “Que Ônibus Passa Aqui”)

O uso dos meios de comunicação:

34) Qual a importância da Internet? 35) Como foram os primeiros contatos de vocês com a Internet? 36) Ela é só um meio técnico? 37) Quais as qualidades dela para viabilizar os projetos da Shoot The Shit. 38) Como vocês enxergam a cultura que surge a partir do ciberespaço, como por exemplo, a maior vontade em se engajar em ações sociais. 39) Como vocês enxergam a influência dos outros meios de comunicação (percebi que as matérias em que a Shoot The Shit é citada são sempre divulgadas no Facebook).


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40) Qual a função da televisão, por exemplo, nos movimentos sociais? 41) Qual é o Site de Rede Social mais eficaz?

Públicos atingidos pela Shoot The Shit:

42) Como é o relacionamento com os públicos. 43) Vocês se preocupam em empoderar os sujeitos a co-participar do projeto? Elas se sentem responsáveis pelas causas defendidas? 44) Como é possível a coletivização de pessoas, a organização em torno de causas comuns. 45) Como eles são identificados? É diferente do realizado pelas empresas? 46) Onde está o público que participa da Shoot The Shit? A localização espacial (primordialmente na Internet?) 47) A intenção é fazer os sujeitos agirem fora do ciberespaço? 48) Existem sujeitos mais importantes durante o processo (Reeditores)? 49) Como as pessoas “julgam” a Shoot The Shit. Qual é o retorno das ações? 50) Há uma preocupação com a coesão das necessidades dos públicos e das iniciativas da Shoot the Shit?


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ANEXO C

Entrevista realizada com o grupo Shoot The Shit no dia 30 de abril de 2013 em Porto Alegre

Anna: Como vocês iam definir, assim, o que é a Shoot The Shit. Gabriel: Como que a gente ia? Anna: É. Como vocês definem, assim, em poucas palavras o que é a Shoot The Shit. Gabriel: A Shoot The Shit é uma organização que induz, cria e executa projetos através da participação das pessoas, para melhorar a cidade. Anna: E como ela começou assim... As dificuldades iniciais, as primeiras conquistas. Gabriel: Começou em 2010, agosto de 2010, com o projeto “Salve uma vida, apague seu cigarro”. Por ser um projeto paralelo, a gente não tinha tanta dificuldade, porque a gente tocava (sic) tudo em um único dia, o nosso “sarrafo” era baixo. A gente não tinha uma necessidade de executar projetos. Então a gente era bem mais tranquilos, assim. A gente tinha só algumas dificuldades, como: não tinha “grana” para investir nas ideias, não tinha tempo suficiente para investir nas ideias, e às vezes até não tinha o know-how. Então no início essas eram as principais dificuldades. Anna: E o que motivou vocês a criar a Shoot The Shit. Partiu da família, ou do estudo, da formação de vocês. Luciano: O que motivou foi a nossa vontade de querer fazer coisas diferentes, né? A gente tava (sic) cansado de ser publicitário, que é um mercado conservador, assim, pelo menos aqui em Porto Alegre, não nos dava liberdade de ser tão criativos assim, de fazer o que a gente queria fazer. Aí a gente criou um espaço onde a gente poderia fazer o que a gente achasse que deveria fazer, sabe? Anna: Sim.


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Luciano: Projetos “irados”, criativos. A gente meio que criou ela para libertar a nossa criatividade. Um lugar onde a gente não teria amarras, não teria “rabo preso”. Anna: E o que mudou no percurso profissional de vocês. Vocês trabalhavam em agência, chegaram a estagiar em agência ou algo parecido. Luciano: A gente já trabalhava em agência quando a gente entrou na Shoot The Shit. A Shoot The Shit eu acho que nos fez sair da agência, entendeu? Talvez foi o motivo da gente não querer mais aquilo, sabe? Anna: Sim. Gabriel: É, a principal mudança foi a maneira como a gente enxergava a nossa profissão. A gente entendeu que conseguia ir muito mais além do que o que a gente tava (sic) fazendo. E a maneira como as pessoas começaram a nos enxergar também, porque dentro da agência todo mundo é publicitário, a gente faz a mesma coisa. E quando a gente começou a trazer, a executar os projetos pela Shoot The Shit, a gente começou a se identificar por esses projetos, não pelos projetos que a gente fazia dentro da agência. Então teve (sic) uma identificação bem forte assim, profissional, com os projetos que a gente tava (sic) fazendo. Anna: E hoje vocês se dedicam exclusivamente a Shoot The Shit. Luciano: O Gabriel tem a empresa dele, a Cosmonauta, mas eu me dedico 100%. Anna: E como que vocês, como que isso é viável, assim pra vocês: tem algum retorno financeiro? Luciano: Tem. Eu só pude largar meu emprego quando a Shoot The Shit poderia pagar o salário igual ao que eu ganhava. Gabriel: Dez mil reais. (risos) Luciano: Isso aconteceu, sei lá, em setembro do ano passado, que eu larguei, eu tava (sic) na Noize. E a Shoot The Shit hoje com palestras, com cursos e o trabalho com o Farroupilha, que a gente faz nas escolas, nos dá esse... Anna: O trabalho com o Farroupilha continua?


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Luciano: Sim. A gente fechou um pacote para esse ano, que eles gostaram do nosso trabalho, então a gente fechou um pacote para em 2013 inteiro poder realizar mais atividades lá. Então isso já é uma segurança financeira que a gente tem. (comentários paralelos) Anna: E como é que vocês enxergam assim as formas bem anteriores de fazer mobilizações sociais, que as pessoas iam pras ruas, que nem na época do Impeachment, assim que as pessoas realmente... que não tinha a Internet. Gabriel: Sim, sim. Bom, isso é um assunto que a gente tava (sic) discutindo bastante, que a gente chama de “Ativismo 2.0”. Que é essa nova forma de fazer ativismo. Uma maneira mais pacífica, democrática, que é acessível a todos e que tem diferentes níveis de participação. Então tipo, sim dar like numa foto é um tipo de ativismo, sim compartilhar é um tipo de ativismo, sim comentar, divulgar, etc. é um tipo de ativismo, doar, participar, ir na rua, liderar um movimento... São níveis diferentes de ativismo. Antigamente essa era a única forma de tu conseguir (sic) as coisas, ir pra rua e trancar uma rua, ou ir para a frente da prefeitura bater panela. Não que isso seja errado. Agora a gente tem uma nova forma. Que não anula o anterior, tanto que ocuparam Wall Street, Primavera Árabe, essa agora das passagens de ônibus, deram certo. O que existe agora é uma nova forma, que complementa a anterior e que facilita a anterior. Anna: E como é que vocês enxergam então, falando sério então, a Shoot The Shit no futuro. Qual é que é a visão de vocês. Gabriel: Bom, eu imagino a Shoot The Shit como uma organização que trabalha junto ao governo e junto a marcas, desenvolvendo projetos, pra deixar a cidade mais “afudê”, deixar a cidade mais “bacana”. E essas ações têm por princípio básico melhorar a cidade através da participação das pessoas. Anna: Então vocês imaginam criar essas parcerias assim, entre público e privado. Gabriel: Sim. Anna: E como vocês, vocês como pessoas assim, se denominariam. Vocês seriam agentes de mobilização, vocês têm um nome pra isso assim... Ou ainda não.


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Gabriel: Tem gente que chama o que a gente faz, tem gente que acha que a gente é empreendedor social. Talvez sim, talvez a gente seja ativista, talvez a gente seja publicitário. Eu não sei exatamente qual é a nomenclatura, mas eu acredito que eu esteja caminhando para um empreendedorismo social, até pelos projetos que eu tô (sic) pensando... O Luciano eu não sei, talvez seja mais para o ativismo, eu não sei, como é que tu prefere ser chamado...? Luciano: Eu acho que essa expressão de ativismo vai mudar, já vem mudando sabe? Hoje ativista tu pode ser, qualquer pessoa pode ser ativista. Eu realmente não penso no que eu sou assim, no que eu posso ser. “Fazedor”, eu quero fazer coisas. Anna: E a Shoot The Shit, ela tem um caráter voluntário, assim no sentido de querer ajudar as pessoas ou não, mais, como eu posso explicar... Um caráter voluntário de, de repente, ajudar pessoas menos favorecidas... Que nem as ONG‟s. Se a Shoot The Shit se encaixa nisso ou não. Luciano: Eu acho que sim, mas não no formato que as ONG‟s fazem, sabe? Não é assistencialismo. É pensar um projeto que todo mundo pode sair ganhando, sei lá. Que não tenha que ficar gastando muita energia em conseguir a verba para ajudar pessoas, entendeu? Acho que é conseguir um jeito que o sistema se... Anna: As pessoas mesmo se ajudam, né? Luciano: Não é nem as pessoas que se ajudam, é que o que as ONG‟s fazem é um caminho de uma via só sabe? É pegar o dinheiro e mandar para os “caras” que precisam, eles ficam sempre nessa, em vez de pensar em um formato que seja mais sustentável sabe? Gabriel: Aí tem uma questão que a Shoot The Shit, ela tá ancorada em três pilares, que é criatividade, inteligência e fazer o bem. A maioria dos projetos de ONG não tem criatividade. São inteligentes, porque entendem o problema e conseguem resolver o problema, e fazem o bem, mas são projetos quadrados. Luciano: Eles não resolvem o problema... Gabriel: Eles até resolvem pontualmente ali... Anna: Paliativamente. Gabriel: Muito... O problema não é resolvido, eles tentam resolver o problema... Eles “tapam o buraco”, não resolvem a rua inteira.


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Anna: Então as responsabilidades da Shoot The Shit vocês acreditam que seja isso assim, tentar ajudar as pessoas a mudar a cidade de Porto Alegre. Gabriel: Sim, o nosso principal trabalho é, não só criar nossos projetos, mas fazer com que as pessoas mudem a sua percepção, em relação à cidade e mudem a maneira com que elas participam das questões da cidade. Anna: Qual vocês acreditam que sejam as responsabilidades dos gestores públicos, vocês têm alguma posição política, ou não. Gabriel: Posição política tu diz o quê? Anna: Se vocês... Que nem essa questão toda do ônibus né, que a EPTC ia fazer e desistiu e... Se vocês têm alguma intenção política assim, na Shoot The Shit. Gabriel: Intenção política sim. Partido político não. O que a gente faz é política na verdade, mas... Luciano: A gente tem a intenção do ponto de vista de fazer os políticos passarem a enxergar esse tipo de... Atitude... Atitude de debaixo da pirâmide sabe? De pessoas fazendo como algo que pode servir para eles, ser útil. Gabriel: A administração pública tem que entender que, eles não tão separados da gente né? Então, eles precisam rever algum modelo, alguma lei, alguma coisa, onde essa participação das pessoas em questões da cidade seja mais transparente, mais dinâmica e mais positiva para ambos os dois (sic) lados. Anna: A Shoot The Shit, ela estaria em paralelo então com a gestão pública de Porto Alegre. Gabriel: Hoje a Shoot The Shit liga quase, quase que liga as pessoas a... É que a gente conversa com eles e conversa com as pessoas. Anna: Quantas pessoas participam diretamente da concepção das ações. Luciano: Quantas pessoas participam da execução? Anna: É das ações... É tu, o Gabriel, teria mais alguém? Luciano: Isso é muito relativo, depende da ação sabe? Tem ação que eu e o Gabriel chegamos no consenso eu e ele, e a gente faz... Têm ações que a gente pergunta para outras pessoas. A


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gente adora abrir as ideias para os outros, tem ideia que a gente pergunta para trinta pessoas, tem ideia que uma já nos resolveu sabe? Então é bem relativo assim. A questão de execução também depende, tem ideia que é só eu e ele, mas quase sempre alguém nos ajuda. Anna: A Gabriela... Luciano: No “Socialnema” teve ela, o Gus e o Guilherme que nos ajudaram. No “Que Ônibus Passa Aqui” teve o Larusso, no “POA Precisa” teve o Vinícius Resing, o “Paraíso do Golfe” foi só nós... Mas nos emprestaram a câmera, por exemplo, sabe? Sempre tem alguma relação, alguém nos ajuda. Anna: E vocês acreditam que tem alguns adversários, que o grupo tenta combater ou não. Essa questão da gestão pública ou dessas pessoas que de repente não acreditam nesse tipo de ação. Luciano: É eu não vejo como adversários assim, o “arquiinimigo”. Mas tem gente que acredita... O governo sim, o governo é uma esfera que a gente tem que achar uma forma de trabalhar de uma forma mais sustentável... Eles querem resultado, eles querem dinheiro sabe? Eles querem voto, “tá ligado”? Talvez o que a gente faça pra eles não resolva, não dê o suficiente. Mas tem gente que não gosta da gente por achar que o mundo não é paz e amor, “tá ligado”? Os caras mais “ativistas true” assim, eles tão “cagando” pra nós, porque a gente não funciona nesse modelo que tem que quebrar a prefeitura pra dar certo. Anna: Pra chamar a atenção... E o grupo tem uma sede ou a sede mesmo é na Internet? Gabriel: A gente faz reuniões lá em casa e na Cosmonauta, e restaurantes assim... Não tem uma sede. Anna: E como vocês planejam assim o discurso da Shoot The Shit, que antes tu comentou (sic) que são três pilares, isso tudo vocês planejam junto... Luciano: A maioria sai na hora e a gente acaba adotando né? Claro que pra palestra a gente para e pensa. Quando a gente faz uma ação, por exemplo, quando eles vêm nos entrevistar, é meio o que sai na hora... Mas a gente não pensa, quando a gente faz uma ação assim... Quando a gente diz as coisas pela primeira vez “tá ligado”? A gente vai formatando o nosso discurso.


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Anna: Porque normalmente eu, quando eu reuni tudo o que saiu de entrevistas e tal, normalmente vocês seguem uma linha só. Eu acho que a partir do momento que vocês... Gabriel: É que como é muito novo o que a gente faz e não existe um... Não existe uma definição do tipo: agência de publicidade. Então se a gente não “bater na mesma tecla”, cada um diz que é uma coisa, já tem uma confusão se é grupo, se é coletivo, se é organização, se é empresa... A gente chama de organização porque ainda não temos CNPJ, mas isso não é um coletivo, porque coletivo parece que é meio informal assim, mas não já tá mais formalizado, então é uma organização, mas não é uma empresa, não é uma instituição, uma associação, fundação, sei lá o que. Então é uma organização que induz, o que é o induzir, a gente tem eventos, seminários, workshops, oficinas, onde a gente induz que as pessoas criem projetos para a sua cidade. A gente cria com os nossos amigos, com a gente, a gente cria os projetos e executa, e a gente ajuda pessoas a executar também. Anna: E os conteúdos das ações vocês, também surge assim do cotidiano. Gabriel: É, são os problemas que a gente vive no dia a dia. Anna: Vocês enxergam que nem a do golfe também, eu vi que vocês disseram que eram problemas que vocês realmente enxergavam. Gabriel: Problemas que nos atingem no dia a dia. Anna: Sim. E como as ideias são postas em prática. No momento que vocês decidiram o que fazer, como é que vai da criação, a decisão até a ação. Resumidamente o que vocês fazem... Gabriel: Bom, a gente tem um processo que é de cortar barreiras. Simplificar a ideia ao máximo, porque a gente não tem grana pra investir, a gente não tem tempo suficiente pra investir, agora tem né? Então é simplificar ao máximo. Então vários projetos que a gente pensou eram super complexos, a gente teve (sic) que simplificar até chegar no modelo que fosse possível executar. A gente é super organizado em termos de o que cada um tem que fazer, porque não adianta você ser super criativo e tu não ser organizado e aí tu não consegue direcionar sua criatividade. Então a gente tem lá a plataforma, plataforma não, o site do.com, um gerenciador de tarefas. E aí lá: “ah o Luciano delegou uma tarefa para o Gabriel, o Gabriel vai aceitar? Sim”. Então a gente tem tudo certinho. Então é um coletivo que faz ações para a cidade, meio “porra louca” assim, mas é organizado.


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Anna: Vocês se preocupam assim na continuidade das ações, que nem a do “Que Ônibus Passa Aqui” acabou indo para outras cidades... Então vocês se preocupam de início com isso ou acaba acontecendo, se repercutindo. Luciano: Quando a gente pensa a ação a gente pensa em ações que sejam replicáveis. Ações que não podem ser realizadas só aqui em Porto Alegre, que seja uma coisa muito específica, a gente pensa no macro. Então a gente realiza aqui porque é onde a gente tá. A gente se preocupa muito em como deixar ela uma ideia global também. Porque outra pessoa realizando é publicidade pra nós, né? Repercute a ideia, a mensagem. Então tem que pensar nessa mudança de ter a opção de a ideia ser... Atravessar fronteiras “vamos dizer”. Gabriel: Tem uma questão que é: a gente lida com os problemas da cidade, então os problemas da nossa cidade provavelmente são os problemas de outras cidades. Então, sei lá, eu imagino que qualquer ideia que a gente tenha pra cá, ela funcione no restante. Anna: É eu até tava em Brasília um tempo atrás pra fazer visto e aí eu tive que andar de táxi, porque eu não ia saber andar de ônibus lá dentro. Sem contar que a cidade é toda diferente, né? E assim, quais informações sobre as ações vocês acham que são mais relevantes, que as pessoas procuram mais assim. Vocês acham que as pessoas procuram buscar uma credibilidade na Shoot The Shit ou isso já tá meio que, já existe assim, as pessoas já conhecem, o grupo assim. Como que vocês criaram a credibilidade pra Shoot The Shit, pras pessoas chegarem a conhecer e a confiar a ponto de doar dinheiro para as coisas acontecerem. Que informações vocês foram passando pra elas até da postura de vocês assim né? Luciano: Eu acho que a credibilidade veio do nosso trabalho né? O pessoal viu que é um trabalho legal, eles curtiam o que a gente fazia, e vinham muito por se identificar com a gente sabe? Porque não “é uns caras” de terno de cinquenta anos, a gente é “gurizão” que nem todo mundo, assim que é meio o nosso público então... Causa identificação porque nos curtem, bah (sic) são gente como a gente fazendo o que a gente deveria estar fazendo. Então rola muito disso e rola muito do trabalho assim, sei lá, o pessoal curte o que a gente faz... A questão da credibilidade a gente nunca trabalhou pra isso, simplesmente fez coisas e a credibilidade veio. Anna: No “Paraíso do Golfe” vocês comentaram bastante que os buracos, que realmente foram tapados, os que vocês filmaram... Gabriel: É a gente nunca trabalhou pra ter credibilidade e isso dá credibilidade.


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Luciano: A gente nem assina as ações. Gabriel: A gente nem assina, a gente faz, bota na rua... Luciano: E depois a gente divulga que é nosso, “tá ligado”? Anna: E como adquiriu visibilidade assim, foi a partir do golfe ou foi antes disso. Gabriel: Antes o “Salve uma vida” e o “Mexa-se” “bombaram” muito em blogs de publicidade pelo mundo, mas não tanto em Porto Alegre. E aí com o “Paraíso do Golfe” teve sei lá, 70 mil views, 60 mil views em uma semana, ai “bombou” muito, muito. E foi esse projeto que deu a visibilidade que a gente precisava. Mas a gente ainda no Facebook com o “Paraíso do Golfe”... A gente tinha mil likes, uma coisa assim. E aí... Luciano: Nem tinha eu acho... Gabriel: É nem tinha, foi pra mil eu acho. Luciano: Não sei... A gente lançou o “Paraíso do Golfe” e depois a gente lançou a página ou divulgou a página, não sei... Gabriel: Bom, pode ser. Mas assim a gente tinha bem pouca, não tinha site, não tinha nada, a gente tipo (sic) postava na nossa timeline. E aí com o “Paraíso do Golfe” e logo em seguida, quer dizer logo em seguida não foi, foi quase... oito meses depois... Luciano: Não, tem o “POA Precisa”, foi logo depois... Gabriel: Ah! Tem o “POA Precisa”, que deu muito resultado... Luciano: Foi o que “bombou” a página. Gabriel: É, foi o que “bombou” a página e aí depois o “Que Ônibus Passa Aqui”, que aí “explodiu geral”, aí “a casa caiu de vez”. Luciano: Mas a gente deu sorte, que entra muito na questão de contexto, de época, de que a gente é da publicidade, e a gente se conhece todo mundo (sic) no meio publicitário, todo mundo se conhece no meio da publicidade de Porto Alegre, e querendo ou não o pessoal de publicidade é quem é muito ativo em Redes Sociais... Geração de conteúdo. Então a gente já sendo conhecido pelos publicitários, porque fez o “Paraíso do Golfe”, foi muito fácil a questão de “bombar”. Se a gente fizesse química, por exemplo, sei lá... Do nosso grupo de


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amigos nenhum usa Facebook sabe, da geologia, nem sei o que eles fazem na geologia, mas... Só um exemplo de que... Por exemplo meu irmão não usa quase o Facebook porque ele é da Educação Física. Então se a gente fosse muito “micha” talvez não tivesse “bombado” tanto, a gente teve isso a nosso favor assim, de ter todos os nossos amigos compartilhando como se não houvesse amanhã assim, porque eles gostaram sabe? Anna: E até foi para outros meios aí, que nem do golfe depois do “Que Ônibus Passa Aqui”... TV, jornal. Vocês acham que isso ajudou a dar visibilidade? Luciano: Sim, quando tu aparece na TV tu atinge um outro pessoal que não tá (sic) no teu Facebook ou não tá (sic) no Facebook sabe? Gabriel: É, o “Paraíso do Golfe” apareceu na Zero Hora, quer dizer, apareceu em todos os jornais, mas apareceu no Bom Dia, como chama esse programa aqui? Luciano: Jornal do Almoço. Gabriel: No Jornal do Almoço, apareceu no Bom Dia Brasil. Ia aparecer no Fantástico, não apareceu porque eles queriam exclusividade. E aí como já tinha aparecido em outros... Mas imagina se tinha aparecesse no Fantástico, aí ia... Luciano: Nós não estaria (sic) aqui agora (risos). Gabriel: Provavelmente estaria em Nova York (risos). Anna: E como vocês enxergam assim a formação de vocês em Comunicação, em Publicidade. Vocês acham que, como vocês falaram dos contatos de vocês, que o público publicitário divulga mais as coisas... Mas como a formação de vocês, vocês acham que se vocês tivessem outra formação, de repente até uma outra habilitação... Luciano: Eu acho que sim, tipo era o que a gente tava falando antes, o Gabriel falou das ONG‟s não serem criativas... Porque o pessoal das ONG‟s talvez não tenha esse, não para para fazer uma coisa assim entendeu? É gente da sociologia, sei lá... E a gente tem o no-hall da criatividade, a gente sabe como comunicar. Que também tu vê (sic) várias ideias boas, mas comunicadas de uma forma muito “tosca” assim, um flyer muito “bizarro”, um evento no Facebook que sei lá... Tu não quer participar do evento, sabe? E a gente tem esse cuidado assim de como se fosse uma peça publicitária, como se fosse um anúncio para uma empresa, para um cliente sabe? Então a gente tem esse cuidado de fazer a comunicação da melhor


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forma possível sabe? Que é pra atingir o máximo de gente. Isso talvez as ONG‟s não tenham, falta de... Não só ONG, sei lá, várias coisas. Hoje em dia se comunicar não é uma coisa que todo mundo sabe. Gabriel: Mas tem outras coisas também, por exemplo: o fato da gente ter trabalhando em agência nos deu critério pra gente entender o que é bom e o que é ruim, sabe? Então várias... A gente tem uma lista de cem ideias a serem executadas. A gente sabe que muitas delas são ruins, a gente só sabe porque a gente viveu muito tempo em agência trabalhando com “uns caras” muito bons e aprendendo. Então a gente sabe “bah (sic), isso aqui não é tão bom.” Mas se a gente não tivesse trabalhado, tivesse no primeiro, segundo semestre agora, a gente ia amar a ideia, e a ideia não ia “bombar” e a gente não ia saber o porquê. Anna: A experiência... Gabriel: É. Anna: E em quais agências vocês trabalharam? Gabriel: Eu trabalhei na DCS e na Competence. Luciano: Eu trabalhei na Purple, na Escala e na Dez... E na Noize. Gabriel: E tem outra coisa, critério foi importantíssimo, a faculdade de Comunicação Social não dá isso, não te ensina o que é bom e o que é ruim, mas trabalhando em agência tu aprende. Contato, conhecimento, porque querendo ou não a faculdade te ensina uma série de coisas, tu acha que não aprende nada, mas tu aprende... Luciano: Execução até de ideia, né? Gabriel: Execução, né? Luciano: A agência trabalha num formato, assim, de ter a ideia, produzir e tal. A gente meio que conhece os passos. Anna: Os passos pra seguir isso... E como vocês enxergam então essa comunicação mais participativa, de tu... Porque na época que tinha TV ou rádio, tu falava (sic) e as pessoas escutavam... E agora as pessoas escutam e falam também e a Shoot The Shit... A gente de fora enxerga, que a Shoot The Shit quer que as pessoas falem... Como é que vocês enxergam isso... É difícil de lidar com isso?


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Luciano: Das pessoas falando da Shoot The Shit? Anna: É falando e querendo ajudar, ou criticar também... Porque não é mais unilateral assim né? Gabriel: Não é fácil. Luciano: Mas eu acho que é importantíssimo as pessoas participarem assim, a gente até fala que a Shoot The Shit não é nossa, ela é de todo mundo. Quem quiser fazer uma ideia, vamos fazer juntos. Anna: Vocês acabam incentivando essa... Luciano: A gente deu sorte de que na maioria das vezes que falaram, falaram bem... Então a gente meio que incentiva esse... Induz, as pessoas nos mandam ideias, a gente adora quando a gente recebe um e-mail das pessoas nos dando elogio... É isso, não pode ser só passivo também, a gente não pode incentivar a passividade se a gente tá (sic) querendo projetos para a participação popular sabe? Então se a gente não ser (sic) democráticos também... Gabriel: A gente acredita que a participação das pessoas tem que ir além do voto. Tem que participar das questões da cidade, não faria sentido se a gente não deixasse as pessoas participarem das questões da Shoot The Shit também. Anna: E essa questão visual, gráfica, a identidade da Shoot The Shit, o símbolo dela, isso tudo vocês acham importante assim, para criar uma identidade visual, né? Luciano: É aquela coisa né? Para não ser uma coisa tosca assim... Tipo ah “os caras” tão fazendo isso aqui... É um cuidado, a gente tem muito cuidado com tudo. Anna: Sim, e os símbolos... Gabriel: O símbolo é um globo terrestre que tem um pedaço fora. A gente é esse pedaço fora. Luciano: É a lua... (risos) Gabriel: Pode ser a lua também, depende do ponto de vista (risos). Luciano: Não tem uma definição eu acho né? Do que significa... Porque a gente é separado, porque a gente não tá no mundo junto? Gabriel: Sei lá “meu”...


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(comentários paralelos) Anna: E como é que vocês divulgam os eventos, que nem o “Socialnema” que acabou levando muitas pessoas pra rua... Como vocês fazem essa divulgação assim, é só na Internet ou é fora dela também. Luciano: É só Internet, no máximo falar com amigos, mas a maioria é Internet. No início a gente mandava release de cada ação, para avisar a imprensa e... Mas hoje já não, hoje a gente posta no Facebook e ali já é um canal de... Anna: E a imprensa acaba buscando o conteúdo de vocês na Internet? Luciano: Sim, bastante. Eles estão bem antenados no que a gente faz. Anna: E vocês se preocupam em registrar assim a memória da Shoot The Shit, que nem eu buscando no site de vocês eu consegui mapear tudo assim, vocês se preocupam com esse... Guardar onde saiu, o que foi falado. Luciano: Eu particularmente tenho um arquivo, uma caixa de jornal e arquivos... Os links eu vou salvando né, nos favoritos ali, clico ali. Gabriel: Eu tiro printscreen de tudo. Luciano: Eu não tenho tudo eu acho, mas eu acho que tenho... Gabriel: Eu tiro printscreen da maioria, pelo menos dos mais relevantes... No início a gente tirava de tudo, mas daí como a gente começou a sair muito, aí é meio cansativo também né? Ficar o tempo inteiro tirando... Luciano: Não é questão que a gente não dá mais “bola”, antes a gente botava a Shoot The Shit no Google apareciam três, hoje aparece muito sabe? A gente já perdeu a noção... Gabriel: Aí sai no g1.com.br, e aí desse G1 alguém pegou e levou para 15 outros lugares, não vale a pena ir em todos né? Anna: Vocês contabilizam assim, por exemplo, quantas pessoas baixaram o adesivo do ônibus, quantos estados que fizeram, levaram a ação adiante... Essa contagem. Luciano: A gente não tem o dado de quem baixou o adesivo, tem o dado de quantos entraram no site, na sessão de adesivos. Eu não sei o número agora, mas eu posso te ver depois. E os


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dados também, eu posso ver depois. Eu tenho lá por arquivos todas as cidades conforme a participação. Eu acho que são vinte e sete cidades. Anna: Lá em Santa Cruz até saiu na Gazeta do Sul, eu clipei (sic) lá também, eu acho até que vocês colocaram ou uma colega minha. Luciano: Eu tive uma entrevista com um cara de Santa Maria esses dias, lembra? Ele falou que “meu”, setenta por cento da cidade, das paradas, tão (sic) com o adesivo. Gabriel: “Uau!” Luciano: “Cara” isso é muito! “Cara” ninguém tá arrancando! Anna: E assim, qual vocês enxergam, assim de maneira bem genérica, a importância da Internet. Em poucas palavras o que vocês diriam... A Shoot The Shit, ela seria viável sem a Internet? Gabriel: Sim. Luciano: Seria viável, mas ela não teria quase nenhum impacto. Gabriel: É a gente ia ter que arranjar um jeito de impactar as pessoas de outra forma. Mas... A Internet pra nós ela tem uma função que é de divulgação, mas ela é capaz de centralizar pessoas, organizar pessoas, distribuir informação de uma maneira horizontal. E ela tem uma função muito importante que foi, está tendo, que é mudar a percepção das pessoas em relação à comunidade. Então mudou a maneira como elas pensam. Anna: Essa interação né? Gabriel: Exatamente, é tudo mais colaborativo, tudo mais transparente, é uma mudança de um modelo mental. E isso influencia nos nossos trabalhos, porque tipo, sem Internet nunca ninguém ia pensar porque eu vou doar dez reais num (sic) Catarse da “vida”, que não “existe”. Porque eu vou doar dinheiro pra eles fazerem isso. Sim, hoje em dia esse modelo mental já funciona. Anna: Até o do “Que Ônibus Passa Aqui” vocês acabaram devolvendo o dinheiro das pessoas que doaram... Gabriel: Ficou com a gente.


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Luciano: A gente pediu pra, se eles queriam de volta, a gente ofereceu: “vocês querem de volta?” Dois que pediram de volta, eles doaram bastante, eles conhecem pouco a gente. Anna: E qual é que foram os primeiros contatos de vocês com a Internet? Luciano: Na Shoot The Shit ou na nossa vida? Anna: Na vida de vocês, vocês mesmo assim, tem como lembrar? Porque a Shoot The Shit surgiu já com a Internet... Luciano: Sim, sim. A gente já era heavy user da Internet. Eu lembro tá? No início eu entrava no chat do Terra e baixava joguinho de emulador que é pra jogar vídeo game no computador. Gabriel: “Bah” é mesmo “cara”! Luciano: Eu só fazia isso! Eu entrava nos sitezinhos (sic), baixava... Mas era aquela coisa né? No início tu só entrava no fim de semana, que era mais barato, depois da meia-noite... Ficava o fim de semana inteiro, daí saía e de segunda a sexta tu não entrava... Anna: Se tinha que usar o telefone... Luciano: É, “bah” era muita “mão” usar a Internet. Gabriel: É mesmo “velho”! Luciano: Pra conectar era muita “raça”! Mas eu não sei quando, que ano foi isso sabe? Acho que foi 98, por aí... Mas era uma coisa meio “tosca” assim... Mas sempre continuo, não tem quem não goste. Anna: E vocês acreditam que assim: é só um meio técnico, só, ou ela possibilita assim mudar a cultura realmente das pessoas. Que nem hoje em dia com relação às mobilizações sociais, ela realmente assim, ela tem qualidade pra isso ou ela só é uma ferramenta pra... Luciano: Eu acho que ela pode mudar. Assim como a TV mudou a cultura, a culpa não foi da TV, a culpa foi das pessoas que usaram a TV pra só ver, tipo elas trabalhavam, ficavam em casa, ficavam na TV. Meio impossível né de... Então elas se acostumaram a fazer isso, e com o tempo a cultura mudou, chegar em casa, ver TV e esquecer da vida e não faziam mais nada, porque a TV não te permite fazer outra coisa, tu tem que ficar ali vendo TV se não tu perde... E a Internet é o contrário eu acho, ela veio pra trazer mais atividade, pra ajudar as pessoas... Tu pode produzir ao mesmo tempo que tu tá consumindo ela sabe? E que tu pode também, ela


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tem muitas vantagens, a questão de mobilização, de conexão... Então isso vai dando poder pras pessoas, poder que elas tinham perdido ou que elas não tiveram antigamente. Que eram meios que não te permitiam produzir, era só te... Anna: E a intenção da Shoot The Shit é realmente empoderar as pessoas assim, para elas coparticiparem das ações. Luciano: Sim. Vai ser muito “afudê” o dia que rolar quinze ações diferentes “tipo”. Então muita coisa com esse viés sabe? De melhorar a cidade assim... Anna: Qual é que é o Site de Rede Social, é o jeito que eles definem, mas assim Facebook, Twitter, blog, site... Que vocês acham que funciona mais. Se teria (sic) como dizer o que funciona mais... Gabriel: É a gente tem todos né? Tem blog que é afudê.cc, tem Twitter, shoottheshit, tem o Facebook, shoottheshitcc... Luciano: shoottheshit.cc Gabriel: Ah dá no mesmo... E o site, shoottheshit.cc. Luciano: Tá, mas a pergunta é qual o melhor... Anna: É, se vocês enxergam que um é mais... Luciano: Facebook, ele centraliza, né? Anna: Ele traz os... Gabriel: Mas olha, na pergunta anterior... Tem um livro que se chama Aqui Vem Todo Mundo, Here comes everybody... do Clay Shirky. Que ele, a ideia do livro é: a sociedade não muda quando assume novas tecnologias, muda quando assume novos comportamentos. Então a Internet ela é uma tecnologia, o problema é que ela induz com que as pessoas tenham novos comportamentos. Então depende da maneira como tu usa aquela tecnologia. Então assim como a TV, ela não trouxe um novo comportamento, mas ela induziu com que novos comportamentos começassem a emergir. A Internet faz a mesma coisa. Tem gente que usa a Internet pro bem, tem gente que usa a Internet pro mal. A gente quer usar o poder de conexão da Internet pra fazer o bem à cidade.


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Anna: E como é que vocês identificam o público de vocês assim. As empresas elas, na agência de publicidade... Faz pesquisa, tenta descobrir o comportamento... Como é que vocês enxergam assim, o público de vocês tá em Porto Alegre ou tá na Internet, tá em todo lugar. Como é que vocês enxergam assim onde eles estão? Gabriel: Eu odeio dizer “ah o nosso público é todo mundo”. Isso não existe. Mas a partir do momento que a gente parte do princípio que a gente tá (sic) trabalhando pras cidades, e todos vivem na cidade, a gente tem o público que é bem amplo assim. Só que cada ação tem um público mais específico. O “Que Ônibus Passa Aqui” a gente pode dizer olha: é “galera” classe B, C, D, que pega ônibus, estudante, de 18 a 25, 26 anos, que mora nessas regiões... Então a gente consegue identificar... Mas a gente nunca parou pra ver, mas a gente consegue. Anna: Que nem a ação do golfe vocês fizeram em bairros nobres de Porto Alegre, mas vocês até comentaram nos lugares que... Se ali já é assim, imagina fora de lá. E vocês enxergam assim, vocês tentam levar os sujeitos pra fora da Internet, as pessoas pra fora da Internet ou vocês acham que algum dia vai surgir uma ação que aconteça só na Internet. Luciano: Pode surgir uma ação na Internet, mas eu acho que o ideal é levar pra fora... É que a gente fala do ativismo de sofá né? O ativismo de sofá parte do pressuposto que as pessoas tão (sic) on-line ali fazendo alguma coisa, mas não ter ninguém fazendo nada físico, fora, não adianta sabe? Não adianta todo mundo twittar “Fora Sarney” e ninguém ir lá no mínimo entregar uma petição contra o “cara”, entendeu? Tem que ter uma ação, então... A nossa ideia é que quanto mais gente... Pode fazer o ativismo de sofá, mas também tem que sair pra rua, fazer alguma coisa. Anna: E vocês tentam escutar as necessidades das pessoas, pra tentar ser coeso com isso ou surge muito de vocês assim. Gabriel: Ainda surge muito nosso, mas a nossa ideia é começar a ter dinâmicas pra conhecer os problemas de cada região e poder começar a pensar nisso.


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ANEXO D

Entrevista realizada por e-mail com Luciano Braga, um dos idealizadores do grupo Shoot The Shit, em 21 de maio de 2013.

- De quem foi a ideia inicial de formação do grupo, ou de repente, da concepção da primeira ideia: “Salve uma vida”? A ideia do grupo surgiu em conjunto durante um evento em que nós três estávamos conversando e tomando uma cerveja. A ideia do “Salve uma vida” foi do Gabriel, ele já tinha apresentado essa ideia na agência que ele trabalhava, antes da gente escutar ela.

- Tu e o Gabriel tinham quantos anos na época? 25 e 21, respectivamente.

- Já eram formados? (E só para confirmar: o Gabriel estudou (sic) na UFRGS e tu na PUCRS?) Não. O Gabriel é formado na PUCRS, e eu na UFRGS.

- O Giovani, que aparece no vídeo do “Paraíso do Golfe”, continua participando? Não.

- Como vocês se conheceram? Como descobriram esse objetivo em comum, em melhorar a cidade de Porto Alegre a partir da participação das pessoas?


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Se conhecemos (sic) num curso da Perestroika, o Chernobyl (que não existe mais). O objetivo em comum no início era de criar projetos “irados” e criativos. Com o tempo fomos percebendo também que tínhamos em comum o fato de querer melhorar a cidade.

- Shoot The Shit significa “jogar conversa fora”, mas, porque esse nome? Quem escolheu? O que a gente fazia nas primeiras reuniões era basicamente jogar conversa fora. Por isso o nome fazia sentido. Ele também era bem sonoro, por isso gostamos. O Gabriel era quem conhecia a expressão e nos sugeriu ela. A gente aceitou na hora.


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ANEXO E

Entrevista realizada por e-mail com Luciano Braga, um dos idealizadores do grupo Shoot The Shit, em 22 de maio de 2013.

- De onde vocês tiram as ideias? Vocês procuram adaptar à realidade local? Como vocês enxergam esse tipo de ação em outras partes do mundo? Da vida, hehe (sic). De viver a vida, ter experiências, viver os problemas. Quanto mais coisas a gente fizer na vida, maior será o nosso repertório de possibilidades, por isso a gente procura estar sempre conhecendo coisas novas e saindo da nossa zona de conforto. Assim que enxergamos um possível problema, daí a ideia vem de horas incansáveis de brainstorm. Quanto maior esse nosso repertório de vivências, mais rico é o brainstorm.

- No “Que Ônibus Passa Aqui”, vocês tentaram conversar com a EPTC antes de colar os adesivos? Eles não teriam uma forma mais racional/diferente de executar essa ideia desde o início? Nem tentamos. Talvez eles tivessem uma outra solução, mas se ele não querem nem fazer o adesivo, mostra que mesmo que eles tivessem, eles não teriam se mexido (sic) muito pra executar.


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