A visão jovem sobre a redução da maioridade penal

Page 1

A visão jovem sobre a Redução da Maioridade Penal

1


Certidã o de Registro ou Averbaçã o Nº Registro – 802.522

Livro – 1.240 Folha – 185

A VISAO JOVEM SOBRE A REDUÇAO DA MAIORIDADE PENAL Hai-Kais: Angela Gabriela Calixto Amaral Didá tico/Pedagó gico

Protocolo de Requerimento - 2014RJ14257 72 Pá ginas

Grá ica Artgraf 11 4038-3830 www.gra icaartgraf.com.br Tiragem: 2.000

Dados do Requerente ANNA LUIZA CALIXTO AMARAL - Autor (a)

Outras personalidades vinculadas a Obra

CMDCA - Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente da Estâ ncia de Atibaia Lei Federal - Nº 8.069 de 13/07/1990

Lei Complementar Municipal - Nº 584 de 19/12/2008 “Criança Cidadã , Jovem Consciente, Adulto Responsá vel

2


Anna Luiza Calixto Amaral, nasceu em 2000 em Atibaia-SP. É militante na área dos direitos infantojuvenis desde 2009, autora de “O Espelho Mágico” e “Vivendo o Protagonismo Infantojuvenil”, também realiza palestras cujo foco são as políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes e a participação dos mesmos no Sistema de Garantia de Direitos. Acredita que a participação da juventude no cenário político é essencial, para que a sociedade cresça e rompa as barreiras do adulto centrismo!

3


Salmo 119 Bet – ‫ בּ‬ “9 Com que puri icará o jovem o seu caminho? Observandoo conforme a tua palavra. 10 Com todo o meu coração te busquei; não me deixes desviar dos teus mandamentos. 11 Escondi a tua palavra no meu coração, para eu não pecar contra ti. 12 Bendito és tu, ó SENHOR; ensina-me os teus estatutos. 13 Com os meus lábios declarei todos os juízos da tua boca. 14 Folguei tanto no caminho dos teus testemunhos, como em todas as riquezas. 15 Meditarei nos teus preceitos, e terei respeito aos teus caminhos. 16 Recrear-me-ei nos teus estatutos; não me esquecerei da tua palavra.”

4


Dedico este livro a todas as crianças e adolescentes. Dedico também a Pedro Henrique Higuchi, cujo exemplo e história nos inspiram a continuar lutando e a enxergar o mundo com o olhar e o coração de uma criança! A todos os que sonham com um Brasil mais justo e aos que pensam que ele está distante. Não só dedico, mas convido: Vamos lutar por este Brasil que é nosso!

5


Agradeço a Deus por cuidar de mim todos os dias e por ter abençoado a produção deste livro! Agradeço também a meus pais que me apoiam e me ajudam sempre. Agradeço ao Desembargador Antônio Carlos Malheiros por ter escrito o Prefácio deste livro e por ser, para tantos que precisam, um anjo voluntário! Obrigada também aos autores dos depoimentos contidos neste livro por sua colaboração. E a todo aquele que acredita na juventude deste país!

6


Introdução Assim que se permite a expressã o a um jovem, se abre uma janela em sua mente para suas ideias e seu mundo de sonhos... E irô nico que se trabalhe por crianças, adolescentes e jovens, mas que ao mesmo tempo, se esqueça de se trabalhar com os jovens! Nó s, como foco deste processo, deverı́amos ser inclusos e considerados como verdadeiros sujeitos de direito: - protagonistas! Quando tratamos de um assunto polêmico diante da sociedade, principalmente quando a mıd ́ ia o apresenta assim, e quando a á rea é a de direitos infantojuvenis, você di icilmente irá presenciar um repó rter perguntar à um jovem qual é a sua opiniã o sobre o assunto. Na maioria das vezes, estarã o dizendo que os adolescentes infratores sã o vâ ndalos irresponsá veis que devem ser punidos. Agora eu pergunto: - Querido jovem, algué m já perguntou o que você pensa? E você , já tentou dizer o que pensa? Ultimamente tem se debatido muito sobre a Reduçã o da Maioridade Penal e o que eu acho mais interessante é que se questionam representantes da sociedade mas, quase nunca, estudantes e jovens que assistem o crime ao seu redor e mal tem a oportunidade de expressar suas opiniões (favor veri icar o artigo 16 do ECA) ! Eles fazem a diferença? Faz diferença se nós fazemos a diferença? O que é a famosa Reduçã o da Maioridade Penal? Eu explico: - é um projeto de lei que consiste em alterar o artigo 228 da Constituiçã o de forma que sejam considerados plenamente imputá veis - ou seja, podendo responder por seus atos na esfera penal - todos os cidadã os maiores de 16 anos. Mas eu vejo muito alé m disso: - vejo o Brasil aceitando sua incapacidade de cuidar, proteger, preparar e ressocializar estes jovens! E é para representar a opiniã o jovem que eu desenvolvi o meu novo Livro: - “A visão jovem sobre a Redução da Maioridade Penal” que expõ e ambos os lados (a favor e contra) e ainda destaca a importâ ncia da participaçã o jovem neste aspecto! Nele eu procuro dizer o porquê de ser contra e entender quem é a favor, explicando sempre qual é o papel juvenil, como aplicá -lo e o porquê de aplicá -lo! O verdadeiro problema, ou a raiz dele, é a falta de estrutura familiar e 7


de uma educaçã o adequada para estes jovens, pois crescem diante de uma destruiçã o constante de seus sonhos! Assim, crescem e sem perspectiva alguma, partem para o crime! O povo, sensibilizado pelo sentimento das vıt́imas, exige puniçã o, mas nã o devemos utilizar as polıt́icas pú blicas como mecanismo de vingança e de puniçã o errô nea e sim de uso da expressã o dos direitos do povo! Reduzir a Maioridade Penal nã o afasta crianças e adolescentes do crime! Já que educa-se pelo exemplo, que exemplo está sendo dado? E que tipo de sociedade é esta em que vivemos e ningué m olha para suas sementes? Se a á rvore nã o der bons frutos, é porque as raıźes nã o foram fortes o su iciente! Em “A Visão Jovem sobre a Redução da Maioridade Penal” eu procuro destacar o papel do adulto como cidadã o e o papel do jovem nã o como o futuro, mas como o presente da naçã o!

8


Indice Dedicatória

5

Agradecimento

6

Introdução

7

Prefácio

10

Capítulo 1 - “Reduçã o da Maioridade Penal: - Que histó ria é essa?•

13

Capítulo 2 - “O Có digo de Menores e o Estatuto da Criança e do Adolescente: - O ontem e o hoje!”•

17

Capítulo 3 - “Famıĺia: A Raiz da Cidadania”

21

Capítulo 4 - “Como já dizia o ECA”

25

Capítulo 5 - “Estamos prontos para isso”

29

Capítulo 6 - “Sentindo na pele”

33

Capítulo 7 - “Cortando o mal pela raiz”

39

Capítulo 8 - “Eu digo nã o e você ”

43

Capítulo 9 - “A outra face da moeda”

71

Capítulo 10 - “Porque dizer nã o a PEC 33?”

75

9


Prefácio Nã o é de hoje que me contraponho à reduçã o da maioridade penal. Muito do que baseia minha opiniã o, busquei no que eu chamo de “grande livro da vida”, que, como sempre digo aos meus alunos, nã o é encontrado nas prateleiras das bibliotecas das universidades, nem, para venda, nas boas livrarias. Vamos encontrar esta “obra” na poeira das ruas, no chã o enlameado das favelas, nos esgotos dos cortiços, nos pá tios das unidades da Fundaçã o Casa, nas celas de nosso falido sistema carcerá rio, entre os doentes deixados nos corredores dos hospitais... E é lendo esse livro (uma pá gina por dia...), que vamos ser melhores. E necessá rio, pois, andarmos no meio das pessoas, sentindo o “gosto das lá grimas delas”. Comecei a ler o tal “livro”, quando eu tinha a mesma idade da Anna Luiza, visitando, como tarefa escolar, uma favela. E continuo visitando estas comunidades. Há uns trê s anos atrá s (quando també m está vamos o tema em tela, diante de alguma infraçã o grave, praticado por algum adolescente... já nã o lembro mais o que foi...) encontrei, em uma comunidade muito pobre, da zona norte de Sã o Paulo, um menino de 15 anos, chamado Tiago, que trabalhava, desde os seus 7 anos, para um tra icante conhecido como “Alemã o”, que “governava” aquela regiã o. Nã o pude, entã o, deixar de adverti-lo que, continuando com aquela vida, ele nã o chegaria aos 18. E a resposta veio de pronto (nã o exatamente com essas palavras que seguem; mas garanto que o sentido foi esse): “Tio. E verdade mesmo. Eu sei que nã o vou chegar aos 18 anos. Mas enquanto eu estiver vivo, estarei vivendo com dignidade que você (eu, o Estado, a sociedade...) nã o me deu...”. Isto me fez sair dali pensando e repensando a tal da reduçã o da maioridade penal. De fato. Se Tiago nã o tinha medo de morrer, será que temeria ser preso? Com certeza nã o! E arrisco até um palpite: acho que ele gostaria muito de ser preso, porque nessa condiçã o, se aguentasse com coragem, cinco, seis, sete anos de cadeia, ele sairia pronto para substituir o “Alemã o”, ıd ́ olo da vida dele. Lembro que Tiago tinha 15 anos e grande parte dos projetos falam em reduçã o para 16. Assim, apenas para argumentar, aquele garoto, apesar 10


de suas graves infraçõ es, nã o seria preso. Entã o (ainda como mera argumentaçã o), para que aquilo se dê , vamos reduzir a idade penal para 14 anos. Só que o “Pedrinho” (que eu nã o conheço...), que tem doze anos, també m está no trá ico. Vale entã o fazer a reduçã o para dez, oito, seis anos... Quando acabaremos caindo na maternidade dos pobres, prendendo nossos bebê s... No mais, se faltam recursos pú blicos para tudo, será que vale gastar dinheiro (que nã o temos) na construçã o de um novo sistema penal, agora para adolescentes? Nã o posso acreditar que o mais enfurecido adepto da reduçã o da maioridade penal queira colocar nossos adolescentes no mesmo sistema penal dos adultos. Tudo, sem contar (o que naquela é poca nã o pensei) ser qualquer reduçã o da maioridade penal absolutamente inconstitucional, pois se trata de clá usula pé trea, o que impede tal modi icaçã o. Sei que grande parte da sociedade nã o pensa assim. Acho que só uns 5% (cinco por cento) acompanha as ideias que aqui lancei. No entanto, isso nã o tem importâ ncia, porque estou na excelente companhia de pessoas de bem, entre as quais a Anna Luiza, menina maravilhosa, que aprendi a amar, como se fosse minha neta.

Dr. Antonio Carlos Malheiros Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e Professor Universitário

11


12


Capítulo Um “Redução da Maioridade Penal : - Que história é essa?” Vamos imaginar a seguinte cena: - Nasce uma criança dentro de alguma Regiã o Perifé rica... A mã e usa drogas e nã o faz ideia de quem é o pai. Ela nã o possui nenhum recurso inanceiro para sustentar e criar o ilho e tudo o que ela enxerga, ica dentro dos horizontes que ela já conhece! O garoto cresce e passa por diversas necessidades bá sicas em casa e ele nunca sequer foi à escola. A mã e nã o consegue abandonar o vıćio e o menino nã o vê outra forma de sustentar-se, senã o atravé s do crime! A sociedade nã o o acolhe e o taxa como marginal. Ou entã o, menor. Ele rouba, tra ica drogas e chega até a matar. A sociedade enxerga o efeito, e nã o a causa, e se sente fragilizada pelo sofrimento dos familiares das vıt́imas. Surge entã o a soluçã o para apartar os jovens em con lito com a Lei da massa social: - A Redução da Maioridade Penal. Mas o que é a Reduçã o da Maioridade Penal? E uma Proposta de Lei que consiste em reduzir a Maioridade Penal para dezesseis ao invé s de 18 anos. Ao todo, foram seis as PEC's relacionadas ao assunto. Mas, a mais popular é a PEC.33 do Senador Aloysio Nunes que possibilita a imputaçã o penal dos jovens com menos de dezoito e mais de dezesseis anos para crimes hediondos. A sociedade se dividiu, a partir desse momento, em a favor e contra á medida. Mas, a maioria enxerga apenas o ato, sem analisar suas consequê ncias posteriores! Eu enxergo muito alé m da Reduçã o! Pois, vejo o Brasil aceitando a sua incapacidade de cuidar, proteger, preparar e ressocializar estes jovens! Entendendo, é claro que existem casos especı́ icos em que a ressocializaçã o se torna um processo muito mais complexo, mas, nã o se pode alterar uma Lei por uma minoria que pode ser avaliada e tratada de maneira diferenciada! O Relator do Senado, deu parecer favorá vel á Proposta de Aloysio, mas, rejeitou outras cinco propostas que reduziam a Maioridade para 16,15 e até 13 anos de idade! Ele avalia a proposta de Aloysio Nunes como 13


um “meio-termo” ao enquadrar situaçõ es de maior gravidade, nas quais o adolescente seria julgado perante à Lei. E, mesmo se aprovada, será inconstitucional, pois os Artigos que defendem os direitos infantojuvenis sã o considerados clá usulas pé treas – que nã o podem ser modi icadas. A partir do momento em que a Reduçã o é aplicada, se gera uma visã o completamente diferenciada da que temos da juventude atual. Re iro-me ao “olhar-de-revoluçã o” que vem, especialmente, dessa faixa etá ria! Geralmente, o debate da Reduçã o vem em momentos da sociedade, em que algum crime realizado por um adolescente, se encontra em evidê ncia, principalmente, quando é destacado pela Mıd ́ ia. Foi o caso do jovem que cometeu um assassinato e nã o foi preso, pois, faria 18 anos trê s dias depois! Mas, é preciso analisar as condiçõ es e suas consequê ncias e nã o utilizar as polıt́icas pú blicas como mecanismos de vingança e de puniçã o errô nea! A juventude é a ponta sensıv́el do grande iceberg que é a sociedade. E a Reduçã o da Maioridade Penal atinge justamente a ele! Quando acontece um crime envolvendo um adolescente, uma grande comoçã o é gerada e o debate sobre a Reduçã o Maioridade Penal reacende. No entanto, nunca vemos discussõ es a respeito das causas da violê ncia, apenas sobre seus efeitos. Essa abordagem acaba por valorizar a proposta da reduçã o, e, nã o contribui em nada para que a temá tica tenha um enfoque mais amplo e pedagó gico. Agir diante de uma comoçã o pú blica é um perigo para a proteçã o integral de nossos adolescentes e jovens. A Reduçã o da Maioridade Penal, portanto, é uma Proposta de Lei que representa um enorme retrocesso no atual está gio de defesa, promoçã o e garantia dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. O ECA nã o deixa nenhum jovem em con lito com a lei, impune, mas, aplica uma medida socioeducativa adequada para cada um. Repito, entã o, a pergunta: - “O que é a Reduçã o da Maioridade Penal?” . E a má scara da falê ncia dos mecanismos bá sicos do Sistema de Garantia de Direitos.

14


“O mundo não nos vê Crianças invisíveis na Terra do Sol Engraxando sapatos Malabares Vigiando carros Para quem parte com uma moeda sem olhar... Quando foi que o mundo desaprendeu a amar?”

15


16


Capítulo Dois “O Código de Menores e o Estatuto da Criança e do Adolescente: - O ontem e o hoje!” Crianças e adolescentes sempre existiram, e isso nã o é novidade. Mas nó s nem sempre tivemos direitos garantidos por Lei! Essa é uma longa histó ria... O tratamento de crianças e adolescentes, de forma geral, melhorou, e muito, durante o tempo! Costumo dizer, para sintetizar a visã o anterior sobre o pú blico infantojuvenil, que é ramos considerados como: - crianças, miniaturas de adultos e, adolescentes, outras miniaturas que reclamam de tudo! Mas a diferença entre nó s e as “versõ es em tamanho real” (adultos) , é que nã o tın ́ hamos direito nenhum! Em 1.927 decretou-se o Có digo de Menores, um Documento que tinha como objetivo consagrar a Doutrina da “Situaçã o Irregular” , permitindo ao Juiz, a aplicaçã o de medida para “normalizar” a situaçã o do jovem. Apoiado neste principio, juı́zes aplicaram medidas, sem que as crianças ou adolescentes fossem ouvidas. O Juiz era soberano, colocando a criança ou adolescente como cidadã o de segunda categoria, menor. Um termo que inferioriza o jovem, colocando-o como ser de menor qualidade, poder ou signi icado diante de quem se refere! Mas, diante de uma sociedade seduzida pela mıd ́ ia, nã o se enxerga a mın ́ ima diferença! Nã o é raro escutar: - “Ah, mas nã o sã o menores mesmo?” . Em muitos casos, o pró prio jovem já se acostumou ao termo, alegando ser “de menor”! Surgem, entã o, os Comissá rios de Menores, executores das medidas, as Carrocinhas, para conduzirem as crianças que estivessem nas ruas e os imensos “orfanatos”, onde centenas de crianças viviam dentre os muros. Em verdade, eram pessoas reclusas, cujo crime maior era ser pobre ou negro. Isso os tornava menores. Alé m disso, o Có digo dividia os jovens em dois grupos de “menores” : - os menores "normais" e os menores "em situaçã o irregular". Considera-se em situaçã o irregular o "menor abandonado", o "menor carente", o "menor infrator", o "o menor com desvio de conduta" e o “menor viciado” , e assim por diante. 17


O Có digo de Menores era somente aplicado aos "menores em situaçã o irregular". Quando algum jovem se encontrava em situaçã o irregular, qualquer pessoa podia tirar sua liberdade e levá -lo à presença do famoso "Juiz de Menores". O Juiz, entã o, decidia se ele estava ou nã o em situaçã o irregular. Se estivesse, o Juiz passava entã o a ter todos os poderes sobre ele, e poderia até mesmo interná -lo (ou seja, prendê -lo), se achasse que ele apresentava "desvio de conduta". O julgamento de um "menor" por algum crime que houvesse cometido, nã o possibilitava direito à defesa. Ele era processado e julgado sem ter garantido um advogado para defendê -lo. Nã o eram preciso provas de sua culpa, bastava que o juiz achasse que ele era perigoso para poder prendê -lo. E o que é pior: a prisã o nã o tinha prazo de inido, ou seja, o "menor" continuaria internado até que o juiz entendesse já podia libertá -lo. Como era é poca de Ditadura Militar, pouco importava se o povo brasileiro gostava ou nã o daquela situaçã o! Imagine entã o as garotas e os garotos, como se sentiam? Com o im da Ditadura e a volta da Democracia, nos anos 80, a realidade foi debatida e o povo começou a procurar soluçõ es concretas para os problemas com que estavam convivendo! Em 1.988, depois de muita luta, foi aprovada a nova Constituiçã o Federal. A partir do Texto Base da Constituiçã o, em 1.990, depois de muitos debates sé rios, foi aprovada a nova Lei que de iniu como o Brasil deveria cuidar das crianças e dos adolescentes. Surge entã o, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) , que valoriza a criança e oferece assistê ncia, cuidado e, inalmente: - Direitos! O Estatuto da Criança e do Adolescente, foi instituıd ́ o em 13 de julho de 1.990. A partir do Estatuto, crianças e adolescentes brasileiros, sem distinçã o de raça, cor ou classe social, passaram a ser reconhecidos como sujeitos de direitos e deveres, considerados como pessoas em desenvolvimento a quem se deve prioridade absoluta do Estado. O objetivo dele é proteger o pú blico infantojuvenil, proporcionando a eles um desenvolvimento fıśico, mental, moral e social e lhes garantindo uma qualidade de vida adequada! O ECA estabelece direitos à vida, à saú de, à alimentaçã o, à educaçã o, 18


ao lazer, à pro issionalizaçã o, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivê ncia familiar e comunitá ria para meninos e meninas, e també m aborda questõ es de polıt́icas de atendimento, medidas protetivas ou medidas socioeducativas, entre outras providê ncias. Para o Estatuto, considera-se criança a pessoa de até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela compreendida entre doze e dezoito anos. Dispõ e, ainda, que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligê ncia, discriminaçã o, exploraçã o, violê ncia, crueldade e opressã o, por qualquer pessoa que seja, devendo ser punido qualquer açã o ou omissã o! A sociedade passou a enxergar, portanto, o jovem – nã o mais o menor – como um indivıd ́ uo em formaçã o que deve ser respeitado! Ele está se desenvolvendo e formando as suas opiniõ es e aprendendo que muitas vezes suas condiçõ es de vida podem ajudar ou prejudicar o seu entendimento do mundo! Mas, a evoluçã o do Sistema de Garantia de Direitos, está apenas começando... Ela apenas se concretizará quando a sociedade passar a vernos como cidadã os. Como verdadeiros sujeitos-de-direito!

19


“A dor nos transforma Abrir os olhos humaniza Sentir a dor do outro é o que nos faz melhores Fechar os olhos e não aprender Torna mais fácil o exercício de viver Mas o que isso nos torna? Senão ignorantes seres vagantes Sem amar, sem sentir e nem compreender...”

20


Capítulo Três “Família: - A Raiz da Cidadania!” O que essa palavra quer dizer: - Famıĺia? O que ela signi ica para todos nó s? A famıĺia, em minha opiniã o, é o berço dos valores essenciais do ser humano, é o conjunto que vai educa-lo e lhe ensinar tudo o que há de mais importante na vida! Existe um mecanismo fundamental na formaçã o de todos os cidadã os chamada estrutura familiar. Ela é um grupo de indivı́duos, mais conhecidos como pais, ilhos, avó s, tios e sobrinhos, que interage com o ciclo de vida de todos os membros com valores afetivos muito fortes! Ela se transforma continuamente durante a histó ria para acompanhar as alteraçõ es sociais, econô micas e culturais. Muitos fatores afetam sua con iguraçã o, como, o modo que cada famıĺia adota para educar os seus ilhos, ou melhor, os seus frutos! Costumo dizer que, cada famıĺia é uma á rvore, e que os pais (ou outros responsá veis pelos jovens) sã o as raıźes, o tronco é a educaçã o e os frutos sã o os ilhos. Juntos, eles formam uma estrutura! Vamos analisá -la! As raıźes... Sem as raıźes, o tronco nã o se desenvolve e é impossıv́el, portanto, que possam gerar frutos! També m nã o funciona com raıźes fracas, pois, com qualquer ventania ou chuva forte, o tronco cai e os frutos nã o sobrevivem se outro algué m nã o colhê -lo e tomar as devidas providê ncias! Ou seja: - Os pais sã o a base da estrutura, que sustenta a educaçã o e cria os ilhos que sã o um re lexo de tudo o que presenciam em seus lares! Se eles nã o possuem estabilidade o su iciente para sustentar uma educaçã o adequada, qualquer problema ou di iculdade maior pode destruir os mecanismos bá sicos de convivê ncia! Por isso, é preciso que os pais tenham um relacionamento sincero com os ilhos, onde todos tenham liberdade e respeito, e possam entender os problemas e nã o reagir à eles de maneira imatura! Os pais sã o as pilastras do lar e deve-se lembrar de que todas as rachaduras tê m um motivo e uma soluçã o que permite a reconstruçã o! 21


O tronco... Sem o tronco, as raıźes jamais conseguiriam manter os frutos. Sem ele, nã o há interligaçã o entre as duas outras peças! E a ponte que consegue a harmonia entre ambos! Mantendo o equilıb ́ rio e sustentando os frutos no alto. Sua força faz com que a á rvore ique de pé e a defende dos ventos! Ela é a estabilidade do conjunto! Portanto: - A educaçã o é a fonte de força da estrutura! E com ela que os pais manté m uma relaçã o saudá vel com os ilhos! E o que assegura a estabilidade dos ilhos! E os problemas que vem, sã o resolvidos! A inal, sua presença na estrutura permite o desenvolvimento de mecanismos de comunicaçã o! A educaçã o é a base do relacionamento adequado entre os pais e os ilhos. Entre a famıĺia! Por im, os frutos... Eles nascem iluminando a á rvore e depositando ali a cor e a vida que faltava! Há estaçõ es especı́ icas para que eles se desenvolvam e, até mesmo para que abandonem o seu lar, mas, nunca as suas raıźes! Muitos fatores podem tentar arrancá -la de lá , mas, nada a afastará se ela estiver bem estruturada! Entã o: - Os ilhos vem como uma bençã o e trazem ainda mais alegria ao casal! Eles crescem e, se desenvolvem, cercados de amor, ou nã o... Algum dia, abandonam seus lares, mas, nã o os pais! Muitos perigos podem tentar romper este relacionamento tã o importante... Mas, se todos os mecanismos dessa estrutura trabalharem bem, ele continuará irme! Essa estrutura falha se qualquer um dos mecanismos nã o cumpre a sua parte! A estrutura familiar, portanto, é a base para que um cidadã o cresça de maneira saudá vel e se orgulhe de dizer: - “Eu tenho uma famıĺia!” .

22


“Para quem nasceu de olhos abertos Tentando não existir, não ser e não estar Faz uma oração e se transporta para outro lugar Temendo abrir os olhos e enxergar... O ódio grava na memória do homem que cresce e que não chora Atrás das grades da frieza, mais fácil condenar do que tratar Já não se lembra da infância e só lhe resta chorar.”

23


24


Capítulo Quatro “Como já dizia o ECA...” Nã o é raro encontrar pessoas que digam:- “Mas o ECA deixa esses jovens impunes!” e na maioria dos casos, elas nã o conhecem muito da vida dos adolescentes em con lito com a Lei! Pois, na verdade, o ECA prevê uma punição adequada para cada um! Lembrando que as Medidas devem ser aplicadas de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâ ncias do fato e a gravidade da infraçã o. O ECA prevê seis medidas socioeducativas. Sã o elas: - • Advertê ncia; • Obrigaçã o de reparar o dano; • Prestaçã o de serviços à comunidade; • Liberdade assistida; • Semiliberdade; e; • Internaçã o. Na verdade, muitas Fundaçõ es Casas possuem uma infraestrutura, mecanismos e metodologia que quase nã o se distinguem do Sistema Carcerá rio Regular! Registram-se casos de violê ncia que vem provocando sé rias rebeliõ es dos jovens internos! Muitos adolescentes, que perdem sua liberdade, nã o icam em Instituiçõ es preparadas para sua ressocializaçã o, reproduzindo o ambiente de uma prisã o comum. E mais: o adolescente pode icar até nove anos em medidas socioeducativas, sendo trê s anos internos, trê s em semiliberdade e trê s em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando-o a se reinserir na sociedade. Muitas vezes ele sofre em um Local que deveria ser de reeducaçã o e de re lexã o pessoal! E isso torna o ın ́ dice de reincidê ncia ainda maior! O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê uma medida, mas, quem deve a garantir é o Estado! 25


Diversas Leis sã o ignoradas no Brasil e, muitas vezes, sã o esquecidas, criando novas que nã o se adequam com a realidade do povo! Tornar o Sistema de puniçã o de jovens em con lito com a Lei mais rıǵido nã o reduz a violê ncia e nã o melhora a Situaçã o destas Fundaçõ es Casa! O Estado já nã o cumpre Leis mais simples, e entã o, como assumir um novo compromisso que mascara as falhas sociais? E muitas pessoas ainda concordam com isso! Isso tudo é registrado no Art.112 do ECA! Existem pessoas que dizem que o Estatuto defende “bandidinhos” , mas, se ela se refere á um jovem de maneira tã o inferiorizada, provavelmente, nã o compreende que esses jovens aos quais ela se refere, sã o como todos os outros, que ela pode chamar de ilho! A ú nica diferença é que estes cresceram sem uma estrutura familiar adequada e nã o enxergam outra possibilidade senã o a que o levou a isso! A violê ncia nã o será solucionada com puniçã o, mas pela açã o da sociedade e governos nas instâ ncias sociais, polıt́icas e econô micas que as reproduzem! Agir punindo e sem se preocupar em discutir quais os reais motivos que reproduzem e manté m a violê ncia, só gera mais violê ncia! Muitos estudos no campo da criminologia e das ciê ncias sociais tê m demonstrado que nã o há relaçã o direta de causalidade entre a adoçã o de soluçõ es punitivas e repressivas e a diminuiçã o dos ın ́ dices de violê ncia.. A de iniçã o do adolescente como a pessoa entre 12 e 18 anos incompletos implica a incidê ncia de um sistema de justiça especializado para responder a infraçõ es penais quando o autor trata-se de um adolescente. As causas da violê ncia e da desigualdade social nã o se resolverã o com a adoçã o de leis penais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalizaçã o da violê ncia e seu ciclo. Açõ es no campo da educaçã o, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuiçã o da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violê ncia. Nã o é vá lido tornar mais rıǵida uma puniçã o da qual o Estado já nã o cumpre! 26


Isso é abandonar o respeito e a assistê ncia de jovens que sã o responsabilidade de todos nó s, cidadã os! O jovem é um espelho da sociedade em que convive, entã o, pense comigo: Que exemplo tem sido dado? A culpa també m nã o é nossa? Re lita consigo mesmo... Você també m pode fazer a diferença na vida de um jovem que se encontra a margem da sociedade! Pare de julgar, comece a agir! Esses garotos e garotas sã o, acima de tudo, ilhos da pá tria. “Dos Filhos deste Solo és mãe gentil, Pátria Amada Brasil!” .

27


“Abri minhas asas-de-papel Pipa no céu, Corta como cerol os gritos do Morro Música de onde nasci Quando toca, corro para a rua Para a pipa, querendo ir junto com ela Correr pelo azul do céu.”

28


Capítulo Cinco “Estamos Prontos para Isso?” Dezenas de mã os amontoadas para fora de Celas, superlotaçã o, gritos de desespero e revolta, espaços cheios de gente uniformizada e com algemas e uma Infraestrutura quase impossıv́el para se conviver com tantas pessoas no mesmo espaço! Isso lhe soa familiar? Pois esta é a realidade da maior parte dos Presıd ́ ios Brasileiros. Amontoados uns sobre os outros, eles tê m de icar em celas mofadas que podem ser ocupadas por até dez presos, mas acomodam 40. Alguns dormem em banheiros quebrados, tendo como 'travesseiros' improvisados vasos sanitá rios sem descarga, com cheiro de urina e moscas ao redor. Muitos reclamam de banhos gelados, comida com fezes de ratos e baratas, alimentaçã o vencida, presos doentes com tuberculose e Aids junto com os demais, falta de mé dicos e ausê ncia de remé dios. A desestruturaçã o do sistema prisional traz à atençã o do povo o descré dito da prevençã o e da reabilitaçã o do condenado. Nesse sentido, a sociedade brasileira encontra-se em momento de extrema perplexidade em face do que é o atual sistema carcerá rio brasileiro, pois de um lado temos o avanço contın ́ uo da violê ncia e do outro lado, a superpopulaçã o prisional! A macro comunidade nos Presıd ́ ios é de conhecimento do poder pú blico, no entanto, cada vez mais a populaçã o carcerá ria cresce e poucos presıd ́ ios sã o construıd ́ os para atender à demanda das condenaçõ es. A superpopulaçã o nos presıd ́ ios representa uma verdadeira afronta aos direitos fundamentais. A dignidade da pessoa humana é um dos princıp ́ ios bá sicos da Constituiçã o! A superlotaçã o no Sistema Penitenciá rio impede que possa existir qualquer tipo de ressocializaçã o e atendimento à populaçã o carcerá ria, o que faz surgir forte tensã o, violê ncia e constantes rebeliõ es! No Brasil, a situaçã o do Sistema carcerá rio é tã o precá ria que no Estado do Espıŕito Santo chegaram a ser utilizados Contê ineres como celas, tendo em vista a superpopulaçã o do presıd ́ io! A unidade prisional tinha capacidade para abrigar 144 presos, mas encontrava-se com 306 presos. Sem dú vida, os direitos e garantias individuais que o preso possui nã o 29


foram respeitados. Dessa forma, os presos sã o literalmente tratados como objetos imprestá veis que jogamos em depó sitos, isto é , em contê ineres. A inal, para parte de uma sociedade alienada, o preso nã o passa de "lixo humano". Uma parte que deve ser excluıd ́ a e nã o ressocializada! Segundo estatıśticas do ICPS (Centro Internacional para Estudos Prisionais) referentes ao ano de 2013, a populaçã o carcerá ria brasileira é de 548 mil presos, num universo de 190 milhõ es de pessoas, nú meros que chegam ao resultado de 274 presos para cada 100 mil habitantes, o que é absolutamente alto se levarmos em conta que a Argentina tem 147 presos para cada 100 mil habitantes, a Bolıv́ia 140, a França 98, a Alemanha 79, a Espanha 147 e Portugal 136. E claro que existem paıśes com nú meros muito mais altos que os brasileiros, como, por exemplo, os EUA com 716, Cuba com 510, Rú ssia com 475 e Ruanda com 492. Poré m, uma enorme populaçã o carcerá ria, apesar de ser uma das causas do terrıv́el estado do nosso sistema penitenciá rio, nã o é sua ú nica causa. Nossas prisõ es nã o tem proporcionado uma vida digna e nem assegurado os direitos bá sicos do cidadã o. E o Estado propõ e a inserçã o de jovens em Cadeias de estrutura precá ria como essa, onde nem sã o suportados os presos já instalados! E sabemos de que o tratamento nã o seria diferenciado! Jovens em formaçã o e aprendendo a lidar com o mundo! Sairiam dali “Experts” na Area Criminal! Mais fragilizados do que no momento em que entraram! E especialistas a irmam que ambientes como esse estimulam a Criminalidade! Jovens presenciariam maus tratos constantes, ameaças assustadoras, falta de privacidade e ainda conviveriam com pessoas de alta periculosidade! Lembrando que o adolescente é um espelho de tudo o que vivencia! U m a c o n v i v ê n c i a c o m p l e t a m e n t e p r e j u d i c i a l a o s e u desenvolvimento! Condiçõ es de vida sub - humanas, e ainda mais para jovens! A mıd ́ ia nos leva a crer que a Reduçã o seria a melhor alternativa. Mas, pense comigo... Estamos prontos para isso? 30


“Sabe aquele menino rico Que vai para a escola? Com seu tênis novo, joga bola Ele tem uma mãe que o abraça na hora da saída Ele não trabalha Nem corre no semáforo Nem da polícia Nem do pai alterado Nem dos olhares dos adultos irritados Quando eu crescer, quero ser esse menino.”

31


32


Capítulo Seis “Sentindo na pele...” Muitas vezes se diz que os jovens sã o o futuro da naçã o. Compreendo a linha de raciocın ́ io, mas, rejeito a conclusã o! A partir do momento em que você classi ica o jovem como o futuro, ele é terceirizado! Na minha opiniã o, ele é o presente! Pois devemos lutar agora e assim garantir o tã o desejado mundo melhor! Que será conquistado com nossa luta e colhido como fruto da mesma! E o mundo melhor nã o seria um lugar perfeito, onde nada de ruim acontecesse, mas sim onde nó s como pú blico infantojuvenil, sejamos reconhecidos como verdadeiros sujeitos – de – direito! Mas, mesmo que concordasse com a hipó tese de sermos o futuro, todos nã o dizem estar muito preocupados com ele? E se os jovens sã o o futuro, porque nã o escutá -los? Existem locais, eventos e projetos em que jovens debatem e discutem diversos problemas sociais que os afetam. Mas, e os jovens em con lito com a lei? Eles tem essa oportunidade? Re lita comigo: - Eles já cresceram sem estrutura familiar, portanto, sem nenhuma base educacional, começaram a viver no crime e apreendidos, na Fundaçã o Casa. Nunca desenvolveram senso crıt́ico ou polıt́ico. Mas, dentro da Fundaçã o, ele tem sido realmente ressocializado? Questionado? Ele tem sido estimulado a re letir? Veja, abaixo, a opiniã o de alguns jovens internos sobre diversos temas como justiça e até mesmo sobre como vivem dentro da Fundaçã o Casa...

33


“Infração é quando nós vendemos drogas para ter dinheiro e alimentar a nossa família... Infração é quando nós batemos para nos defender de quem manda na Área! Mesmo se defendendo, nós já somos infratores, até pelo jeito de nos vestirmos!” (Eduardo – 15 anos.)

“... Eu comecei a usar drogas, não tinha nem oito anos direito... Porque minha mãe usava e o marido dela também... O primeiro cigarro que fumei, não tinha nem oito anos! Foi o meu padrasto que me deu para espantar mosquito do interior... Quando tinha 12 anos de idade, já estava viciada em tudo: - crack, maconha e bebida... E aí fui presa pelo Conselho Tutelar, porque minha avó me denunciou dizendo que queria matar ela!” (Joana Maria – 13 anos.)

“Eu acho que a Justiça não existe no Brasil. As autoridades cometem erros e nunca são punidas, enquanto nós, basta uma briga para sermos perseguidos por quem manda.” (Luiz - 15 anos de idade.)

34


“Justiça é algo muito legal. É quando nós temos o que merecemos. Sempre sonhei em uma sociedade justa, onde todo mundo pode ter onde morar, o que comer, o que vestir e quem dê carinho. Com a Justiça existindo, não existiria tanta violência e eu não estaria aqui.” (Marcos - 17 anos de idade.)

“Hoje sei porque estou aqui. Porque tenho que participar dessas oficinas. Mas estou melhor e não vou voltar para o mundo das drogas e da violência!” (Diego – 17 anos de idade.)

“Somos humilhados, chamados de elementos, marginais e outras coisas muito piores!” (Luiz – 15 anos de idade.)

“Só sei que quando sair daqui, vou fazer justiça com as próprias mãos! Aprendi bem com tudo o que sofri aqui...” (Tomaz – 17 anos de idade.)

“A Medida aqui, não corrige ninguém! Só piora” (Tiago – 16 anos de idade.)

35


“Já levei surra dentro da Internação! Tive minha cabeça coberta por sacos e isso foi muito triste...” (Pedro – 16anos de idade) “Já vi meninas entraram aqui confusas e saírem criminosas!” (Washington – 17 anos de idade.) “Sempre vai ter um que vai chegar e dizer: - Esse aí é ladrão! Mas isso não me afeta, porque já superei isso...” (Marckson – 16 anos de idade.) “Aqui a gente é tratado que nem cachorro e a alimentação é muito ruim!” (Junior – 17 anos de idade.)

(Fonte dos Depoimentos:- Livro – Vozes) “Até quando, nós, como sociedade, assistiremos tudo isso calados?” (Anna Luiza Calixto Amaral – 13 anos de idade.)

36


“Senhor cidadão de terno e gravata, Quando me julgar, tente assim pensar Quem viveria esta vida por opção? Nada mais assusta quem aprendeu a sobreviver Nesta selva de barracos onde tudo pode acontecer Talvez não zesse o que faço Se a sociedade visse o que os olhos não podem ver.”

37


38


Capítulo Sete “Cortando o Mal pela Raiz...” Muitas pessoas dizem que a Reduçã o, ao menos, traria a retirada desses jovens das ruas! Mas, este ato trataria o efeito e nã o a causa! Que causa? A falta de estrutura familiar, de acolhimento social e de esperança! A Reduçã o trata as consequê ncias de diversas falhas sociais! A constituiçã o brasileira assegura nos artigos 5º e 6º direitos fundamentais como educaçã o, saú de, moradia, etc. Com muitos desses direitos negados, a probabilidade do envolvimento com o crime aumenta, sobretudo entre os jovens. O que estamos vendo é uma mudança de um tipo de Estado que deveria garantir direitos para um tipo de Estado Penal que administra a panela de pressã o de uma sociedade tã o desigual. Deve-se mencionar ainda a ine iciê ncia do Estado para emplacar programas de prevençã o à s infraçõ es, junto à s comunidades mais pobres, alé m da de iciê ncia generalizada em nosso sistema educacional. Tudo o que vem acontecendo dentro do Cená rio de violê ncia entre os jovens é resultado de problemas mal administrados pelo Estado. O adolescente marginalizado nã o surge ao acaso. Ele é fruto de um estado de injustiça social que gera e agrava a pobreza em que sobrevive grande parte da populaçã o. A marginalidade torna-se uma prá tica moldada pelas condiçõ es sociais e histó ricas em que os homens vivem. O adolescente em con lito com a lei é considerado um “sintoma” social, utilizado como uma forma de eximir a responsabilidade que a sociedade tem nessa construçã o. As causas da violê ncia e da desigualdade social nã o se resolverã o com adoçã o de leis penais mais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalizaçã o da violê ncia e seu ciclo. Açõ es no campo da educaçã o, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuiçã o da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violê ncia. Precisamos valorizar o jovem, considerá -lo como parceiro na 39


caminhada para a construçã o de uma sociedade melhor. E nã o como o vilã o que estã o colocando toda uma naçã o em risco. Os homicı́dios de crianças e adolescentes brasileiros cresceram vertiginosamente nas ú ltimas dé cadas: 346% entre 1980 e 2010. De 1981 a 2010, mais de 176 mil foram mortos e só em 2010, o nú mero foi de 8.686 crianças e adolescentes assassinadas, ou seja, 24 POR DIA! Os adolescentes tem sofrido muito com a violê ncia e a mı́dia manipula as informaçõ es e os apresenta como os principais autores da mesma! A Reduçã o da Maioridade Penal colabora para a marginalizaçã o do jovem! Prejudicando ainda o seu desenvolvimento mental, fıśico, emocional e social! Tratar a causa seria investir em educaçã o, saú de e lazer! Medidas como essa tê m cará ter de vingança, nã o de soluçã o dos graves problemas do Brasil que sã o de fundo econô mico, social e polıt́ico. O debate sobre o aumento das puniçõ es a infratores envolve um grave problema: a lei do menor esforço. Esta seduz polı́ticos prontos para oferecer soluçõ es fá ceis e rá pidas diante do clamor popular. Atendendo de maneira rá pida aos pedidos e escondendo os verdadeiros problemas da sociedade! O problema das infraçõ es cometidas por jovens é causado por uma sé rie de fatores. Vivemos em um paıś onde há má gestã o de programas sociais/educacionais, escassez das açõ es de planejamento familiar, pouca oferta de lazer nas periferias, lentidã o de urbanizaçã o de favelas, pouco policiamento comunitá rio, e assim por diante. Muitas vezes o povo enxerga apenas uma parte do problema... A consequê ncia! Mas, a sociedade deve tratar desde o começo, a formaçã o do jovem! Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, nã o a causa. E encarcerar mais cedo a populaçã o pobre jovem, apostando que ela nã o tem outro destino ou possibilidade! As decisõ es da sociedade, em todos os â mbitos, nã o devem jamais desviar a atençã o, daqueles que nela vivem, das causas reais de seus 40


problemas. Uma das causas da violê ncia está na imensa desigualdade social e, consequentemente, nas pé ssimas condiçõ es de vida a que estã o submetidos alguns cidadã os. O debate sobre a reduçã o da maioridade penal é um recorte dos problemas sociais brasileiros que reduz e simpli ica a questã o! A violê ncia nã o é solucionada pela culpabilizaçã o e pela puniçã o, antes pela açã o nas instâ ncias psıq ́ uicas, sociais, polıt́icas e econô micas que a produzem. Agir punindo e sem se preocupar em revelar os mecanismos produtores de violê ncia tem como um de seus efeitos principais aumenta-la! O objetivo social nã o deve ser, jamais, encarcerar jovens! Mas sim, os ressocializar para que possam conviver em sociedade! E assim, inalmente, multiplicamos a CIDADANIA!

41


“Não sou menor que o senhor Que me aponta este dedo cheio de certezas O senhor não me conhece, não sabe de onde vim Se roubei aquele pão É porque não aguentava o choro de meu irmão Não foi porque quis, não! Foi por desespero Por falta de opção.”

42


Capítulo Oito “Eu digo não e você?”

Não estamos nesta luta sozinhos! Existem muitas pessoas que são contra a Redução! Neste capítulo, veremos os Depoimentos de quem pensa como nós!

43


Miriam Maria José dos Santos Presidente do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) Foi com grande alegria que recebi o convite da Anna para escrever um depoimento para seu novo livro. Anna escolheu um tema atual, complexo e polê mico: como os jovens percebem o ato infracional. Com isso ela demonstra coragem e compromisso com os direitos humanos de crianças e adolescentes. E principalmente com aqueles meninos e meninas mais excluı́dos e discriminados pela sociedade e pelo estado: adolescentes que cometem ato-infracional. E mais, traz um novo olhar sobre o ato-infracional: o olhar dos jovens. Como eles percebem outros adolescentes que possuem um pequeno diferencial, cometeram algum tipo de violê ncia e foram punidos pela lei, neste caso o Estatuto da Criança e do Adolescente. As medidas socioeducativas, determinadas no ECA, para os adolescentes infratores, sã o conquistas de direitos que meninos e meninas adquiriram e que nã o podem abrir mã o deles e nem permitir que outros tentem derrubar tal conquista. Anna, é bom saber que os adolescentes estã o participando mais, estã o mais interessados, procurando formas de se manifestar e serem vistos pela sociedade e pelos governos. E você com esse livro e com sua determinaçã o contribui para que os jovens possam continuar lutando pela implementaçã o do Estatuto da Criança e do Adolescente! Parabé ns! 44


Geovani L. Doratiotto, é Advogado, graduou-se em Direito pela Universidade São Francisco, militante social marxista, poeta de boteco, tendo publicado o livro “Sub-Versivo” em 2013 pelas Edições “Poesia Maloqueirista” e participado ativamente de movimentos sociais ligados a cultura marginal, foi também Orientador de Medidas Socioeducativas em meio aberto na Prefeitura Municipal de Atibaia.

Depois desse longo percurso, do século XIII ao grande encarceramento do XXI, nos demos conta que o nosso modelo de prisão é análogo ao capitalismo. Essa máquina de controle dos pobres e dos resistentes produziu sua própria Kultur, no sentido não só de uma cultura, mas de uma civilização punitiva nas suas entranhas profundas, corpo e alma. (BATISTA, Vera Malaguti. Introdução Crítica à Criminologia Brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011). Por muito tempo concebeu-se a infâ ncia ou a adolescê ncia sob a mais retró gada perspectiva de cada tempo histó rico, por exemplo, como “miniadultos”, doutrina esta que levou mais tarde a quase atual concepçã o “menorista”, entretanto pouco ou quase nada se diz sobre as razõ es histó ricas concretas que diferenciam de fato a idade. Variando conforme seu tempo histó rico, essas concepçõ es acompanharam cada modo de produçã o econô mico e polıt́ico. Dizer nã o a reduçã o à maioridade penal é negar, nã o só o encarceramento precoce de seres humanos, é um momento para se colocar em evidê ncia os problemas reais do pró prio sistema penal, que demonstra 45


sua verdadeira funçã o no desvelar de dados que apontam o aprisionamento do proletariado negro, e consequentemente criminaliza-se por pertencer à uma classe, nã o pelo suposto “crime”. Nã o é diferente quando o assunto é a medida de internaçã o, aplicada no mais das vezes ao arrepio da doutrina de proteçã o integral, ao contrá rio do que bradam os defensores da reduçã o, a maior parte dos adolescentes que cumprem esse tipo de medida cometeram atos infracionais aná logos aos crimes de “trá ico” ou “roubo”, nã o sã o nem de longe o latrocıd ́ a pintado nos telejornais, sã o adolescentes negros e habitantes das periferias. Penso que a burguesia trouxe à é poca as ideias mais progressistas, que fundaram as bases do sistema econô mico e polıt́ico atual, mas como todo direito natural positivado, se perdeu em abstraçã o todo o sentido que pudesse de algum modo conduzir a emancipaçã o humana. Nã o realizar a reduçã o da maioridade é parte importante que consagra a perspectiva mais progressista de nosso tempo, todavia, penso que o cerne da questã o somente será exposto e resolvido quando ultrapassarmos o, já limitado, horizonte dos Direitos da burguesia, onde poderemos observar homens livres, crianças e adolescentes que realmente constroem a histó ria, como barro em suas mã os, o tempo em que a exploraçã o do homem sobre o homem será retratada nas paredes das cavernas. “A favela, nunca foi reduto de marginal Ela só tem gente humilde Marginalizada E essa verdade não sai no jornal” (Bezerra da Silva - Eu sou favela).

46


Edson Santana - Conselheiro Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo

Por que Nã o a Reduçã o da Maioridade Penal? Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à pro issionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. a) Primazia de receber proteçã o e socorro em quaisquer circunstâ ncias. - Negado b) Precedê ncia de atendimento nos serviços pú blicos ou de relevâ ncia pú blica. – Negado c) Preferê ncia na formulaçã o e na execuçã o das polıt́icas sociais pú blicas. - Negado d) Destinaçã o privilegiada de recursos pú blicos nas á reas relacionadas com a proteçã o à infâ ncia e à juventude. – Negado Como podemos NEGAR novamente os Direitos à nossas Crianças e Adolescentes? À Vida - Muitas Mã es Adolescentes nem conseguem fazer um Planejamento, quem dirá um Pré -Natal! - Negado À Saúde - Crianças nascem nos corredores de hospitais! – Negado À Alimentação – Os pais que trabalham para garantir um sustento aos ilhos, nã o recebem o su iciente! – Negado À Educação Esporte e Lazer – Os trê s estã o no mesmo patamar com 47


pé ssimas estruturas nas escolas, com á reas de esporte e lazer deterioradas e pro issionais da Educaçã o mal pagos bem como Preparados e os resultados sã o aparentes! Negado Pro issionalização – A exploraçã o do Trabalho Infantil se confunde na nossa Sociedade com formaçã o Pro issional. – Negado Cultura - O que nos resta nas Periferias sã o Bailes Funk e Axé s que fazem Eco! Negado À dignidade, ao respeito, à convivência familiar e comunitária – Negado de todas as formas. Como podemos tirar um dos Unicos Direitos que nossas Crianças e Adolescentes ainda tem, à liberdade?

48


Ariel de Castro Alves- Advogado, especialista em Políticas de Segurança Pública pela PUC- SP, Membro do Condeca (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente) de São Paulo, ex- conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e um dos fundadores da Comissão Especial da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da OAB.

O Estatuto da Criança e do Adolescente gerou muitos avanços nos ú ltimos anos com relaçã o ao atendimento à s crianças, mas, ainda, no atendimento aos adolescentes, os Poderes Pú blicos deixam muito a desejar, principalmente nas á reas de educaçã o, saú de, assistê ncia social e pro issionalizaçã o. A prevençã o, atravé s de polıt́icas sociais, custa muito menos que a repressã o! Os governos devem cumprir o Princı́pio Constitucional da Prioridade Absoluta, atravé s dos orçamentos e da criaçã o dos programas e serviços especializados de atendimento de crianças e adolescentes, pró prios ou em parcerias com entidades, como de atendimento de famıĺias; enfrentamento ao abuso e exploraçã o sexual; erradicaçã o do trabalho infantil; atendimento de drogadiçã o; atendimento à s vıt́imas de maustratos e violê ncia; Convivê ncia Familiar e Comunitá ria; Medidas Socioeducativas e programas de oportunidades e inclusã o. Entre as medidas, també m precisamos garantir vagas para os jovens em cursos pro issionalizantes, independentemente de escolaridade e com direito a bolsas de estudos fornecidas pelo Poder Pú blico. Alé m disso, é necessá rio criar uma polıt́ica de incentivos iscais para as empresas que contratem estagiá rios e aprendizes, principalmente, entre os 14 e 21 anos. 49


As prefeituras e empresas pú blicas també m devem contratar esses jovens. Atualmente, o desenvolvimento econô mico, social e as oportunidades de empregos, nã o estã o chegando aos jovens de 14 a 21 anos, com defasagem escolar, vulnerabilidade ou em con lito com a lei. Poré m, reduzir a idade penal seria a decretaçã o da completa falê ncia dos sistemas educacionais e de proteçã o social do Paıś! Temos sim que prevenir incluir e garantir oportunidades à juventude. Se o adolescente procura a escola, o serviço de atendimento para dependentes de drogas, trabalho, pro issionalizaçã o e nã o encontra atendimento, ele pode acabar indo para o crime. O crime só inclui quando o Estado exclui!

50


Simone APS Bueno é casada, mãe, professora tecnóloga em gestão pública, e articuladora social do CASA Bragança, militante e atuante na área de defesa da criança e do adolescente, foi conselheira de Direito do C.M.D.C.A entre 2007 e janeiro de 2014

O Brasil está em quarto lugar como o paıś mais violento para crianças e adolescentes do mundo. os homicıd ́ ios sã o hoje a principal causa de morte de jovens de 15 a 24 anos no Brasil , Mais da metade dos 52.198 mortos por homicıd ́ ios em 2011 no Brasil eram jovens (27.471, equivalente a 52,63%), dos quais 71,44% negros (pretos e pardos) e 93,03% do sexo masculino (Segundo dados do Ministé rio da Saú de). O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) propõ e responsabilizaçã o do adolescente que comete ato infracional com aplicaçã o de medidas socioeducativas, e nã o propõ e impunidade, Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, nã o a causa, isentando o Estado (federal, estadual e municipal) do compromisso com a construçã o de polıt́icas publica educativas e de atençã o para com as crianças e os adolescentes. Em resumo, como podemos condenar o coletivo? Quando ningué m respeita o individual? Quantos inocentes nã o seriam condenados injustamente? Agora o que mais me atormenta é como ica fá cil de posicionar – se quando nã o é em nossa famıĺia ou com um dos nossos... “Se não vejo na criança, uma criança, é porque alguém a violentou antes, e o que vejo é o que sobrou de tudo o que lhe foi tirado.”

51


Thiago Mitsuru Medeiros Arikawa Conselheiro Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo

O que me preocupa é que esse debate polê mico seja conduzido pela mıd ́ ia e nã o por estudos, pesquisas e propostas bem elaboradas. As notı́cias baseadas em fatos muito mal esclarecidos levam a sociedade ao erro. E triste um momento com tanta informaçã o aliada a uma educaçã o de tã o baixa qualidade. A imprensa veicula notıćias com enfoques distorcidos na intençã o clara de induzir o cidadã o. A mı́ d ia amedronta e aterroriza com tamanho sensacionalismo, que o cidadã o opta por clamar ao poder pú blico o que pensa ser a soluçã o. Pesquisas mostram que a populaçã o nã o está pedindo a classe polıt́ica que melhore cada vez mais o sistema penitenciá rio para recuperarmos os presos. Nã o! A sociedade pede a reduçã o da maioridade penal, a prisã o perpé tua e até mesmo a pena de morte. E assim continuamos em debates vazios de pessoas que clamam por violê ncia e morte ao invé s de justiça. Clamam por prisã o aos adolescentes e nã o por educaçã o, lazer e oportunidades. Suplicam penas duras para estas vidas que nem bem começaram e nã o medidas educativas para recuperá los. Muito me desagrada ouvir que “a vida é feita de escolhas”, quando nã o oferecemos boas opçõ es e nã o somos tolerantes a condiçã o humana de errar. Sendo assim, pedem barbá rie em um coro coletivo formado por egoıśtas egocê ntricos.

52


Patrícia Conceição Pires de Oliveira Psicóloga Mestre em Psicologia Social Professora Universitária e Conselheira Tutelar do Município de Atibaia.

A histó ria, a literatura e a ciê ncia, já nos mostraram que o processo de institucionalizaçã o da loucura como ferramenta de tratamento e cuidado para com os ditos “loucos” pela sociedade, foi responsá vel por impactos extremamente negativos e irreversı́veis no desenvolvimento e na dignidade humana. Podemos dizer que a sociedade cometeu o mesmo equı́ v oco baseada na doutrina da situaçã o irregular, quando institucionalizaram vá rios “menores” (pobres, delinquentes, vadios, desvalidos, ó rfã os, carentes e abandonados) transformando-os em objeto de tutela do Estado, “menores” que precisavam ser corrigidos atravé s de uma educaçã o de qualidade oferecida pela FEBEM. A impressã o que tenho é que a sociedade, no terceiro milê nio, sé culo XXI está sofrendo de amné sia. Debater a diminuiçã o da maioridade penal é um retrocesso histó rico, jurı́ d ico, social, polı́ t ico e econô mico. As estatıśticas demonstram que apenas 2 em cada 1000 adolescentes se envolvem em crimes e que apenas 0,2% dos adolescentes (entre 12 e 18 anos) estã o cumprindo alguma medida socioeducativa no Brasil por terem cometido crimes. Nã o podemos culpabilizar o adolescente pela violê ncia que estamos vivenciando no nosso paıś, temos que relativizar esta indignaçã o e nã o generalizá -la a todos os jovens. A questã o da violê ncia é extremamente complexa e está relacionada à desigualdade social, a exclusã o social, a cultura do “ter” (eu sou o que tenho) e do prazer imediato, a impunidade, a sujeitos destituı́dos de direitos, e principalmente a ausê ncia de uma 53


educaçã o de qualidade que valorize o aprender a Conhecer; aprender a Fazer; aprender a Viver Juntos; aprender a Ser. Mesmo considerando os avanços no marco legal, conceitual e histó rico da promulgaçã o do ECA em 13 de Julho de 1990 e seu reconhecimento internacional como o melhor instrumento jurı́dico norteador dos direitos da infâ ncia e adolescê ncia, muitos desa ios precisam ser superados. Creio que a re lexã o e o mapeamento que precisamos fazer é saber como está funcionando a rede de proteçã o a criança e ao adolescente no sistema de garantia, promoçã o e defesa dos direitos no que se refere à implementaçã o do plano nacional de convivê ncia familiar e comunitá ria (13/12/2006) com açõ es partilhadas pelas trê s esferas de governo (Uniã o, Estado e Municıp ́ io), no perıo ́ do de 2007-2015? Os municı́pios estã o construindo o seu diagnó stico situacional atravé s do mapeamento da realidade local e da de iniçã o de prioridades a partir das vulnerabilidades identi icadas formulando indicadores que possibilitem nã o somente avaliar como també m implantar polı́ticas pú blicas preventivas, em cada instâ ncia de governo? Para inalizar gostaria de citar Foucault (1987), onde diz que a sociedade precisa encontrar ferramentas mais e icazes do que formas punitivas e coercitivas, que permitam construir polı́ t icas pú blicas preventivas para evitar que determinadas situaçõ es venham a acontecer e nã o simplesmente tratá -las, pois ningué m nasce criminoso. Fonte: Secretaria de Direitos Humanos (2011). FOUCAULD, Michel. Vigiar e punir. In: História da violência nas prisões. ed. Petrópolis: Vozes, 1987. p.59-75.

54


João Pedro Fortunato - Professor, Conselheiro Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município de Amparo - SP e Presidente da Comissão Organizadora - Encontro Lúdico Regional de Campinas

Quando se trata da reduçã o da maioridade penal, em minha opiniã o, tratamos de complexo assunto. Como o pró prio nome diz: REDUÇAO DA MAIORIDADE, ou seja, diminuir a MAIOR IDADE penal. Tratando-se disso, percebemos que, numa sociedade em que muitos ainda classi icam erroneamente jovens como MENOR, estarıámos dando a esse jovem algo de adulto. “Pode um MENOR ter atitudes ou gozar das benesses e até vissitudes de um MAIOR?” Obviamente a resposta seria NAO. Vê -se a incoerê ncia. Reduzindo-se a maioridade penal, retrocedemos a um perıo ́ do no qual crianças e adolescentes eram encarados como adultos em miniatura, onde tinham responsabilidades, mas nã o gozavam dos mesmos direitos que os adultos. Isso causaria maior revolta entre alguns jovens, que poderiam pensar: Pagamos criminalmente como um adulto, mas nã o gozamos de seus direitos... Posso pagar, mas nã o posso trabalhar e ter meu dinheiro? (exceçã o da Lei do Menor Aprendiz). Temos, antes de se pensar em reduçã o de maioridade penal, encararmos aquilo que preconiza os artigos 4º e 18º da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente. Todos (famı́lia, comunidade, sociedade em geral e poder pú blico) somos responsá veis pelas crianças e adolescentes. Somos responsá veis por suas vidas, ou seja, direitos, responsabilidades, açõ es, situaçõ es... Dessa forma nã o há coerê ncia, apó s ganho social tã o grande tal qual o ECA em retrocedermos e reduzirmos a maioridade penal. Se há crianças e adolescentes em situaçã o de risco, vulnerabilidade e praticando crimes é porque há adultos que o praticam e ainda mais, nã o assumem a responsabilidade, de fato, em fomentar o desenvolvimento de nossas crianças e adolescentes. 55


Elias Lopes Vieira - Professor - Ilha Solteira SP, Formado em Psicologia Clínica, Especialista em VDCA - Violência Doméstica contra Criança e Adolescente e Conselheiro do CONDECA

A histó ria da infâ ncia e adolescê ncia é registrada pelos mais absurdos atos de violê ncia, a criança era tratada como coisa, objeto de usufruto do capitalismo, vivendo em situaçõ es animalescas, haviam altos ı́ndices de mortalidade infantil, abuso sexual, exploraçã o do trabalho infanto-juvenil, alé m de abandono e negligê ncia. Esse contexto descreve a domesticaçã o da infâ ncia, comparando-se ao tratamento dado aos animais e seu retorno em lucro ao adulto, a sociedade sempre viveu a exaltaçã o do adulto centrismo. Com o avanço das conquistas do combate à s violaçõ es dos direitos das crianças e dos adolescentes, eles passaram a usufruı́rem com o protagonismo infanto-juvenil, o olhar clın ́ ico à s necessidades, o direito à voz e ao reconhecimento enquanto atores sociais, o Brasil é visto mundialmente por uma polıt́ica pú blica modelo atravé s do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. Nossas crianças e adolescentes sã o seres humanos em desenvolvimento, é o fruto da sociedade e do investimento e falta por parte dos adultos, seja inanceiro, afetivo, comportamental e outros... Nã o podem responder por seus atos sem que os autores diretos e indiretos nã o sejam cobrados. Um adolescente em con lito com a lei é a ponta de um iceberg de faltas e falhas, sejam omissõ es, negligê ncias, lacunas nã o preenchidas, abandonos afetivo e intelectual, é o re lexo da existê ncia ainda do descaso com a construçã o do ser e viver humano oculto no subjetivo da sociedade. O ECA responsabiliza toda pessoa acima de 12 anos por seus atos ilegais, diminuir a idade penal é jogar debaixo do tapete toda a sujeira da falta de gestã o e ine iciê ncia dessas polıt́icas pú blicas, é um retrocesso histó rico, que nesses 23 anos de ECA ainda nã o foi alcançado a e iciê ncia do alcance necessá rio ao protagonismo infantojuvenil. 56


Monique Evelle Diretora Executiva - Desabafo Social

Engraçado (só que nã o) ver um paıś que alcançou sua independê ncia em 1822 e mesmo assim nã o mudou nada a forma de vida de sua sociedade. E essa sociedade por volta de 1860 começou a pensar em Repú blica. Loucura né ? Ser jovem, pobre, negro e do sexo feminino é um perigo neste paıś, visto que possivelmente uma pessoa com essas caracterıśticas será alvo de uma mıd ́ ia elitista e racista. Essa desigualdade entre brancos e negros no que diz respeito à distribuiçã o da segurança, é totalmente visıv́el pelas maiores taxas de vitimizaçã o da populaçã o negra. E inversamente proporcional o nú mero de adolescentes que sã o assassinados no Brasil, se comparado com o nú mero de adolescentes que c o m e t e m u m a s s a s s i n a t o . A c o n s e l h o q u e v i s i t e m o s i t e www.mapadaviolencia.org.br. Vale destacar que as infraçõ es cometidas por adolescentes estã o associadas a elementos como a desigualdade social, a concentraçã o de renda e a insu iciê ncia de polıt́icas sociais. E nã o se resolve com adoçã o de leis penais mais severas. E o que sempre digo: quem nã o foi e nã o é reconhecido como sujeito de direito, passa a nã o reconhecer o valor do outro. Nos 54 paıśes que reduziram a maioridade penal nã o se registrou reduçã o da violê ncia. Por que será ? Porque defender a reduçã o da maioridade penal é desculpa de quem nã o quer travar a luta pela plena aplicaçã o dos direitos de crianças e adolescentes. E necessá rio que o Estado, a sociedade e a famıĺia somem formas para impedir que a polıćia chegue antes das polıt́icas pú blicas. Desquali icar os adolescentes e jovens de hoje, principalmente aqueles que estã o em luta todos os dias tentando garantir, ao menos, o direito à vida, é no mın ́ imo uma atitude reacioná ria. 57


Patrícia Ianda - Psicóloga formada desde 2001 - Especializada na área da infância e adolescência - Diretora do Núcleo de Supervisão e Avaliação - Diretoria Regional de Campinas - Secretaria de Desenvolvimento Social do Governo do Estado de São Paulo - Presidiu Entidade de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes, onde teve participação na cadeira do CMDCA de Atibaia - Militante na atuação da defesa do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e Adolescente (SGDCA)

Desde o inıćio de minha militâ ncia na á rea da infâ ncia e juventude (2001), venho percorrendo um cená rio real do trato realizado a crianças e adolescentes em nosso paıś. No trabalho com crianças e adolescentes pertencentes a instituiçõ es de acolhimento, participei ativamente da vida e histó ria de acolhidos e com grande frequê ncia da vida de seus familiares. Ao longo desses anos, pude acompanhar diversos casos de adolescentes saıd ́ os do abrigo e direcionado à s Fundaçõ es Casa, bem como irmã s e irmã os de acolhidos, participantes do Sistema de Medida Só cio Educativa (MSE), e Liberdade Assistida(LA). Hoje como membro do Estado, monitoro estes programas e serviços. Sã o lados de uma realidade complexa, com muitas lacunas, que precisam ainda de muita re lexã o, consciê ncia e forte articulaçã o do sistema de rede: Vara de Infâ ncia e Juventude, Conselhos Tutelares, Conselhos de Direitos da Crianças e Adolescentes, Municıp ́ io, Estado e Uniã o. Portanto sou absolutamente contra a reduçã o da maioridade penal. Já existem medidas previstas a adolescentes a partir de 12 anos, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). E este deve ser 58


responsabilizado por ato cometido contra a lei (ato infracional) e sua penalidade é atribuıd ́ a por meio de medida só cio educativa (MSE). O sistema de rede do nosso paıś nã o está preparado para reeducar e reinserir este adolescente. As medidas previstas, na maior parte das vezes sã o realizadas em ambientes semelhantes a prisõ es comuns, sendo assim, estimula o adolescente a comportamentos que reproduzem mais violê ncia. Para a diminuiçã o desses ı́ndices de marginalidade, é preciso trabalhar a raiz do problema, garantindo direitos bá sicos e fundamentais, como a proteçã o a saú de, educaçã o, habitaçã o, cultura, esporte, lazer, entre outros. Esses ı́ n dices ocorrem, fruto de condiçõ es sociais e de vulnerabilidades, historicamente vividas e repetidas por grupos como estes. A educaçã o, tende a diminuir a vulnerabilidade, realizando essa quebra histó rica, mudando de fato o curso e vida de famıĺias e adolescentes em circunstancia de violê ncia e criminalidade! NAO A REDUÇAO A MAIORIDADE PENAL!

59


Danilo Bezerra - Assessoria de Comunicação na empresa Projeto Tela Livre e Presidente e Fundador na empresa Biblioteca Comunitária Presidente Juscelino Kubitscheck

A produçã o legislativa brasileira é uma das mais intensas do mundo. Todos os dias nossos congressistas aprovam, revogam, propõ em e arquivam os mais diversos tipos de leis. No entanto o Brasil sofre de um mal que põ em em xeque a validade de tamanha produçã o: o nã o cumprimento das leis em sua totalidade. E por falta da aplicaçã o das leis, uma parte da sociedade apó ia a aprovaçã o da reduçã o da maioridade penal. Antes de debruçasse sobre os elementos sociais para ser contra a reduçã o da maioridade, devemos observar alguns nú meros. As estatıśticas demonstram que apenas 0,2% dos adolescentes brasileiros (entre 12 e 18 anos) estã o cumprindo alguma medida socioeducativa no Brasil por terem “promovido a desordem pú blica”. Esse nú mero comprova que a criminalidade nã o tem uma relaçã o direta com a faixa etá ria. Quando é criada uma mobilizaçã o para reduzir a maioridade penal uma verdadeira cortina é posta diante de tantos outros assuntos que devem ser tratados e que estã o ligados diretamente ao adolescente. Num paıś que carece de uma polıt́ica educacional mais forte, onde a desigualdade social ainda é uma triste realidade, a impunidade virou a primeira palavra do cotidiano de nossos jornais e a estruturaçã o familiar peca pela forma que está organizada é fá cil buscar formas de por nas cadeias os jovens que deveriam estar assistimos pelo pró prio mecanismo que o pune: o Estado. Antes de renegar o dever de proteger as crianças e adolescentes, antes de reduzir a maioridade penal, devemos observar que medidas socioeducativas já existem no Estatuto da Criança e do Adolescente e que se aplicadas podem provocar efeitos que repercutirã o em longo prazo na construçã o de um cidadã o consciente dos seus atos. 60


Luiz Pereira Nakaharada Junior Militante na área da Infância e da Juventude

O principio social, quando avaliado de forma bruta, tende a desordem, mesmo que um ideal de liderança seja estabelecido. Poré m o conceito de harmonia social tem sido um sonho por todo o globo, que atravé s de seus indicadores nacionais, nos revelam que paı́ s es considerados “desenvolvidos”, tendem a uma melhor condiçã o de vida, isto é , mais harmoniosa. O ú nico poré m é que para se conter a desordem, e garantir a civilidade, o investimento em educaçã o é a principal pro ilaxia. Mas aqueles que desprovidos de instruçã o ou princıp ́ ios familiares, que em sua adolescê ncia ou infâ ncia recorrem a atos hediondos e burlescos devem ser penalizados de forma severa? Primeiramente devemos compreender que o principio da reclusã o é reprovar e prevenir o ato criminoso, portanto, independente de faixas etá rias, a base do regime de reclusã o, baseado nos altos ın ́ dices de reincidentes, já está fora de controle. Deste modo, levando em consideraçã o o Có digo Penal (Artigo 59), e comparando-o com as justi icativas dos que defendem a reduçã o da maioridade penal, as mesmas se anulam. Pois se o propó sito de reclusã o nã o está sendo atendido, por qual razã o se tornaria imputá vel uma criança ou adolescente, plenamente capaz de reconstituiçã o, atravé s de metodologia adequada, compreendendo assim a gravidade de seus atos? Sendo assim, nã o pretendo me apoiar nos labirintos lacanianos para clarear os olhos daqueles que realmente acreditam que o simples prazer leva um criança a cometer atrocidades, pois se esta parte da sociedade, que defende tal reduçã o, nã o compreende a ine icá cia do pró prio sistema penitenciá rio, como seria capaz de compreender que o futuro de um paıś melhor jamais se apoiará em uma infâ ncia carregada de grades e muros? Pois em verdade, a maior habilidade humana é a mudança, e nossas crianças e adolescentes nunca conseguirã o uma segunda chance, se estiverem enjauladas. 61


Gilberto Sant'anna - Ex-Prefeito Municipal da Estância de Atibaia, eleito em 15 de novembro de 1982 – Membro da Academia das Letras de Atibaia– ALA, desde 2002 – Membro Vice-Presidente da Associação Cultural dos Construtores da Sociedade Atibaiense – Diretor do Sindicato dos Advogados de São Paulo - 2003/2005

De repente, nã o mais que de repente, as atrocidades praticadas pelos menores infratores ocuparam os noticiá rios e as postagens das redes sociais. Maté rias jornalıśticas estarrecedoras sã o frequentes nas redes de rá dio e televisã o. Regido pela batuta midiá tica, o grito das vıt́imas alcança decibé is insuportá veis. A realidade sacode uma sociedade assustada e temerosa. As pesquisas de opiniã o pú blica revelam um percentual absoluto de cidadã os indignados. Diante da exposiçã o pú blica da brutalidade nua e crua o povo pede cadeia da grossa para os infratores já a partir dos dezesseis anos de vida. Mas, convenhamos, os sustos e os arrepios sã o maus conselheiros. A vingança e a retaliaçã o acabam falando mais alto. Daı,́ sem percebermos, nos encontramos a um pulo da intransigê ncia e do sectarismo. A compreensã o mais ampla e verdadeira dos problemas vai pro belelé u. Perde-se a coerê ncia. A corda do tecido social caba arrebentando do lado do mais fraco. Nã o é da ın ́ dole dos defensores do Estado de Direito permitir que um anseio desesperado, de momento, metido goela abaixo nã o se sabe a mando de quem, possa rasgar sumariamente a Constituiçã o da pá tria. Pior ainda, em se tratando da alteraçã o de clá usula pé trea (irremovıv́el), referente à s garantias e direitos dos menores de dezoito anos. Em caso de extrema necessidade, ditada por acontecimentos insustentá veis, deve-se revogá -la por inteiro. E atravé s da convocaçã o de 62


uma Assembleia Nacional Constituinte se redigir outra inteiramente nova em razã o de mudanças polıt́icas e sociais diametralmente oposta à anterior. Nã o diz respeito a situaçã o atual. Pretendem dar nova redaçã o ao disposto do artigo 228 da Carta Polıt́ica de 1988 destinado à proteçã o da famıĺia, da criança, do adolescente e do idoso. Esse dispositivo legal refere-se a um conjunto de normas basilares da democracia. A quebra, todavia, colocará em risco o equilıb ́ rio ideoló gico, com resultados indesejá veis. E verdade que o desmanche moral da nossa juventude nã o respeita as classes sociais. As drogas e a criminalidade invadem a mente e o corpo das novas geraçõ es indistintamente. Diante do clamor popular o Estado age com extrema violê ncia. Os milhares de polı́ t icos insensı́veis surfam inocentes no lamaçal da Repú blica. As autoridades claudicam. E o povo responde ao apelo da mıd ́ ia que, no mais das vezes, acoberta interesses econô micos escusos. Temo seriamente seja o caso que nos traz a esta pá gina. Observa-se a interferê ncia de uma má quina publicitá ria de custo elevado a apoiar a escalada contra os menores de dezoito anos. Apontam-se os canhõ es na direçã o dos excluıd ́ os. Exige-se tratamento penal de adulto. Sabe-se que apenas um por cento dos crimes sã o praticados por menores de idade. Essa constataçã o é pelo menos intrigante. Por que nã o investir essa quantia milioná ria em programas sustentá veis objetivando reversã o desse terrıv́el quadro social? A turma braba nã o da bola para as agruras do povo. Desejam apenas tranca iar os menores abandonados. A tremenda grana em jogo advé m dos interesses que envolvem a terceirizaçã o do sistema prisional? A reduçã o da maioridade penal e a majoraçã o das penas totais resultam em aumento da demanda carcerá ria e dos lucros privados? Pressupõ em a construçã o de cadeias (obras) em grande escala? Implica na sensaçã o polıt́ica equivocada de que o Estado, esbanjando e iciê ncia, tem na algibeira a soluçã o do problema? Observe-se que se a pena de morte e o endurecimento da Lei resolvessem a criminalidade, muitos paı́ses viveriam no paraı́so. Ao contrá rio, constata-se ali que tais medidas apenas agravaram a crise. Em nada diminuiu a violê ncia. No mais, sabe-se que um sistema prisional falido nã o recupera ningué m. També m que os menores infratores abastados jamais serã o punidos. Injustiças gritantes. Largo preconceito contra a pobreza massiva reinante no paıś. As prisõ es sã o as senzalas do sé culo XXI. A bandeira da reduçã o da maioridade penal é simplesmente desumana e muito pró xima da barbá rie. Nã o faz muito tempo promoveu63


se a chacina de menores de idade na Candelá ria – RJ, sem qualquer resultado prá tico. A violê ncia gerou ainda mais violê ncia, à moda do autoritarismo explıćito. A pior ditadura é aquela disfarçada de democracia. Nã o caia nessa. Os efeitos da exclusã o nã o se resolvem com o aprisionamento adulto de menores abandonados. A criminalidade em geral se combate com largos investimentos na Educaçã o e Saú de. O Brasil é um paı́s de subnutridos, doentes, analfabetos funcionais e excluı́dos gené ricos. Só poderia dar o costado em algo ruim. O dito acima nã o se trata de vã iloso ia. Antes, de sociologia. Um jogo de causa e efeito. Os que defendem atitudes imediatas e concretas apenas contra a parte nã o submersa do iceberg correm o risco de afundar o navio. Quem nã o combate as causas mais remotas nunca consegue resolver as consequê ncias e efeitos de maneira plena e de initiva. No má ximo vai passar a vida toda enxugando o gelo da má gestã o pú blica.

64


Brenda Barbosa - Universitária e Militante pelos Direitos Infantojuvenis

Sabe quando eu admitiria discutir a reduçã o da maioridade penal? Quando estivé ssemos em uma sociedade que garantisse o funcionamento do sistema de garantias de direitos! Engana-se quem acredita que “crimes” praticados por adolescentes icam impunes, há uma legislaçã o especı́ ica para responsabilizá -los: desde seus doze anos de idade, de acordo com sua fase peculiar de desenvolvimento, os e as adolescentes sã o responsabilizados por seus “con litos com a lei”. Justiça e justiciamento/vingança sã o bem distintos: lutamos para que soluçõ es como “olho por olho e dente por dente” ique no passado das barbá ries que já cometemos. Fico indignada, quando esperam que o "encarceramento" seja soluçã o. Já é sabido que as penitenciá rias sã o “escolas do crime” e superquestioná veis quanto a sua e iciê ncia, ainda mais agora que virou negó cio: empresas privadas podem gerir presıd ́ ios e ganhar dinheiro com isso. Assim, ica bem oportuno a ocorrê ncia de “con litos com a lei” e a reduçã o da maioridade penal, nã o é mesmo? A sociedade produz contextos de desigualdades sociais e depois, para se livrar de suas consequê ncias, quer esconder e encarcerar seus adolescentes. Na sociedade dos adultos é fá cil imputar aos adolescentes “a culpa” pela violê ncia, pelo medo, pelas falhas. Assusta-me que um paıś com tantas desigualdades em vez de compreendê -las e buscar formas de erradicá -las, mobiliza-se para acirrá -las. Parece que tem mais gente culpando a adolescê ncia do que protegendo-a, como manda a lei – Ora, també m estã o em con lito com a lei, entã o! Eu acho que nã o deveria ser assim e que a 65


ordem dos fatores altera SIM os resultados! Por isso, primeiro temos que garantir que o ECA deixe de ser apenas um instrumento legal e passe a ser realidade. Quando isso tiver ok, se ainda houver necessidade desse debate, daÄą Ě a gente volta a conversar...

66


Fábio José Garcia Paes - Conselheiro do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente)

Há necessidade de muito cuidado, por parte dos educadores, dos gestores e dos indivı́duos em geral ao pensar a organizaçã o de uma sociedade capaz de acolher crianças, adolescentes e jovens, com os recursos necessá rios para promover o desenvolvimento de todos. O problema da violê ncia, que hoje enfrentamos em nossas cidades, nã o pode ser resolvido por um princı́pio de limpeza, tal como ocorre com a concepçã o higienista e vingativa, muitas vezes, ainda presente nas prá ticas de servidores do Estado. Precisamos que as instituiçõ es cumpram o que preconizam as leis (Constituiçã o Federal, ECA, SINASE) efetivando polı́ticas pú blicas que garantam direitos fundamentais das crianças, adolescentes e jovens. Antes de fazermos as tentativas neste campo nã o podemos pensar na reduçã o da imputabilidade penal ou no aumento do tempo de internaçã o. Implementemos polıt́icas e nã o há reduzamo-las.

67


Lucas Antonio - Membro do Fórum Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente

Enxugar gelo ou tapar o sol da peneira poderia ser considerado a mesma coisa que reduzir a idade penal. Sendo sincero, acredito que a reduçã o é algo pior. Diminuir a idade penal signi icaria ir contra a evoluçã o social que conquistamos no im do sé culo passado. Para discutir se é viá vel ou nã o a reduçã o da maior idade penal, nã o podemos nos esquecer de discutir sobre a segurança pú blica, a educaçã o, a saú de, o assistencialismo, a desigualdade social, o sistema carcerá rio e entre outros temas que envolvam o dia-a-dia da sociedade. Colocar um acontecimento e isolar do nosso contexto social é o que a mı́dia convencional mais gosta de fazer, e o resultado sã o 93% de paulistanos pedindo a reduçã o da criminalidade, acreditando que a reduçã o da maior idade penal ou que o coelhinho da pá scoa irã o ajudar.

68


“Ainda verei o sol de um mundo Socialmente igual Liberto de toda tristeza Amanhã não será outro dia Enquanto a desigualdade raiar Sim, verei o sol de um mundo Onde todas as crianças são livres para sonhar.”

69


70


Capítulo Nove “A outra face da moeda...” Diversos ın ́ dices apontam que boa parte da populaçã o concorda com a proposta de reduzir a maioridade penal. Mas como, exatamente, eles pensam? Geralmente, quando se tem a ideia de que essa medida realmente funcionaria, os argumentos sã o bem similares! Opiniõ es baseadas em uma mesma ideia; - “Quem comete ato infracional deve ser punido!” . Um conceito primordial de é tica, estabelecido pela sociedade: - a puniçã o, a vingança e o castigo. Muitas vezes, nã o importa como, onde, quem ou de que forma a pena seja aplicada! Vamos rebater alguns dos argumentos mais comuns que dizem respeito à Reduçã o! “Mas quem pode votar, pode cumprir pena!” O voto aos dezesseis anos é opcional e nã o obrigató rio! E mesmo ele podendo votar aos dezesseis, nã o pode ser eleito. Nesta idade ele tem maturidade para votar, arcar com suas responsabilidades regulares e responsabilizar-se por um ato infracional. Em nosso paıś qualquer adolescente pode ser responsabilizado pelo cometimento de um ato infracional! O tratamento nã o é diferenciado porque o adolescente nã o sabe o que está fazendo! Mas, pelo entendimento de que o adolescente está se desenvolvendo, e, neste sentido, o objetivo da medida socioeducativa nã o é fazê -lo sofrer pelos erros que cometeu! E sim prepará -lo para uma vida adulta e ajuda-lo a recomeçar, como uma reeducaçã o! “Mas e os países que tem uma idade penal mais baixa?” Os paıśes que de inem o adulto como pessoa com idade abaixo de 18 anos formam a menor parte do mundo. Das 57 legislaçõ es analisadas pela 71


ONU, 17% adotam idade menor do que 18 anos como crité rio de caracterizaçã o adulta... A Alemanha e a Espanha elevaram para dezoito anos a idade penal e a primeira criou ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos. Tomando 55 paı́ses de pesquisa da ONU, na mé dia os jovens representam 11,6% do total de infratores, enquanto no Brasil está em torno de 10%! Portanto, o paıś está dentro dos padrõ es internacionais e abaixo mesmo do que se deveria esperar! Os adolescentes no Brasil sã o vıt́imas das falhas sociais! O povo deve enxergar que os adolescentes em con lito com a lei sã o resultado de uma sé rie de fatores – problema, entre eles, o descaso social! “É melhor icarem presos do que nas ruas, colocando a população em perigo!” Colocá -los em Presı́dios os “prepararia” para a vida criminal! Convivendo com indivıd ́ uos de alta periculosidade e sofrendo! Já nas Fundaçõ es Casa, ele, mesmo dentre muros, passa por um processo de reeducaçã o! Nã o há dados que comprovem que o rebaixamento da idade penal reduz os ın ́ dices de infraçõ es. Ao contrá rio, o ingresso antecipado no falido sistema penal brasileiro expõ e os adolescentes a comportamentos reprodutores da violê ncia, como o aumento das chances de reincidê ncia, uma vez que as taxas nas penitenciá rias sã o de 70% enquanto no sistema socioeducativo estã o abaixo de 20%! “No dia em que acontecer com você, ou com alguém que lhe é querido, você vai mudar de ideia!” A questã o é muito mais profunda! O adolescente que pratica qualquer infraçã o, possui uma histó ria! Mas, um exemplo muito citado pela mıd ́ ia, é o da Jornalista Luiza Pastor de 56 anos, casada e mã e, que foi estuprada aos dezenove por um adolescente, e, nem por isso, defende a Reduçã o! Existem muitos exemplos de pessoas que passaram ou perderam algué m querido com alguma situaçã o deste tipo e, mesmo sofrendo os re lexos da revolta com esta 72


situaçã o, enxerga alé m do horizonte de vingança, estabelecido pela sociedade. Se os polıt́icos quiserem fazer algo realmente e icaz para combater o crime na escalada absurda que vivemos, terã o que enfrentar os pedidos de vingança dos ofendidos e criar um sistema penitenciá rio que efetivamente recupere quem pode e deve ser recuperado. Sem isso, qualquer mudança nas leis será pura e simples vingança. E vingança não é Justiça! O Brasil deve estar preparado para ver o jovem como a soluçã o, e nã o como o problema, nos tempos atuais!

73


“Não sei se existo Sou ignorado no vidro dos carros Quem passa por mim na bocada, não me vê Minha fome é muda Minha tristeza canta Ninguém me ouve Ninguém me vê Talvez o mundo só me note No noticiário da TV.”

74


Capítulo Dez “Por que dizer não à PEC. 33?” A Reduçã o da Maioridade Penal é o fruto do julgamento social constante sobre os jovens! Um julgamento que nã o aprofunda-se nas raıźes dos adolescentes, e sim no re lexo de seus atos! A reduçã o da maioridade penal nã o visa a resolver o problema da violê ncia. Apenas inge que há “justiça”. Um autoengano coletivo quando, na verdade, é apenas uma forma de massacrar quem já é massacrado. No Brasil, o gargalo da impunidade está na ine iciê ncia da polıćia investigativa e na lentidã o dos julgamentos. Ao contrá rio do senso comum, muito divulgado pela mıd ́ ia, aumentar a pena para um nú mero cada vez mais abrangente de pessoas nã o ajuda em nada a diminuir a violê ncia, pois, muitas vezes, elas nã o chegam a ser aplicadas. O Brasil nã o aplicou as polı́ticas necessá rias para garantir à s crianças, aos adolescentes e jovens o pleno exercıćio de seus direitos e isso ajudou em muito a aumentar os ın ́ dices de violê ncia da juventude. Sabemos que os jovens infratores sã o a minoria, no entanto, é pensando neles que surgem as propostas de reduçã o da idade penal. Cabe lembrar que a exceçã o nunca pode pautar a de iniçã o da polıt́ica criminal e muito menos a adoçã o de leis. As causas da violê ncia e da desigualdade social nã o se resolverã o com a adoçã o de leis penais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalizaçã o da violê ncia e seu ciclo. Açõ es no campo da educaçã o, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuiçã o da vulnerabilidade de centenas de adolescentes à violê ncia. Isto porque a forma como o Estado trata suas crianças e adolescentes é um indicador infalıv́el na avaliaçã o do processo civilizató rio e de desenvolvimento. Diversos exemplos de aplicaçã o bem sucedida do Estatuto da Criança e do Adolescente reforçam que a busca por soluçõ es para tais infraçõ es envolvendo adolescentes passa pela implementaçã o das medidas socioeducativas já previstas na legislaçã o. Com destaque à s medidas socioeducativas em meio aberto que responsabilizam o adolescente pela prá tica do ato infracional, permitindo a frequê ncia à escola, o convıv́io familiar e comunitá rio. As medidas privativas de liberdade devem ser reservadas aos casos de real necessidade por causa do claros prejuıźos que a institucionalizaçã o produz no desenvolvimento de qualquer pessoa! Temos de melhorar nosso sistema prisional. Reduzir a maioridade 75


penal signi ica negar a possibilidade de dar um tratamento melhor para um adolescente. Vai favorecer as organizaçõ es criminosas e criar piores condiçõ es. Boa parte da violê ncia no Brasil, hoje, tem a ver com essas organizaçõ es que comandam o crime de dentro dos presıd ́ ios. Quem nã o quer perceber isso é alienado da realidade. Quem quer encontrar outras explicaçõ es para os fatos ignora que, nos presı́dios brasileiros, existem os grandes comandos de criminalidade. Criar condiçõ es para que um jovem vá para esses locais, independentemente do delito cometido, é favorecer o crescimento dessa criminalidade e dessas organizaçõ es. E uma polıt́ica equivocada e que trará efeitos colaterais gravıśsimos, provocando ainda mais a revolta da populaçã o brasileira. A violê ncia nã o tem respostas simples. Quem achar que, com uma varinha má gica, com um projeto de lei, vai resolver este problema está escondendo da sociedade os reais problemas que a atingem cotidianamente. A participaçã o de nossos adolescentes dentro das polıt́icas pú blicas se mostra essencial para que as decisõ es dentro do â mbito social jovem sejam cada vez mais voltadas para o seu bem-estar e nã o para sua exclusã o! Pois é como dizia o grande escritor e mestre, José Saramago: - "Para acabar com as velhas prisões é preciso construir novas escolas!” .

76


“A única coisa mais forte do que o medo É a fé! A esperança que brota no olhar de uma criança Como sinal verde, que se abre Os meus sonhos vão pedindo passagem E eu nalmente em outro sonho Vejo minha realidade mudar...”

77


Angela Amaral é autora dos haikais que estão entre os capítulos deste livro. Milita em prol da defesa dos direitos da criança e do adolescente, e acredita que o ato de menorizar inferioriza quem somos, porque não somos menores que nossos sonhos. «Enquanto houver desigualdade, faço protesto. Minha luta na rua há de ser verso"

78


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.