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COMO
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OS MILHÕES DE CÉLULAS QUE FORMAM NOSSO CORPO CONSEGUEM SE
COORDENAR DE UMA FORMA TÃO PERFEITA QUE NOS PERMITE, POR EXEMPLO, SENTIR O RITMO DA MÚSICA E DANÇAR MANTENDO O EQUILÍBRIO?
É
ISSO QUE
A FISIOLOGIA ESTUDA.
FISIOLOGIA: CIÊNCIA ANTIGA E MODERNA
COMO FUNCIONA O NOSSO CORPO?
L
ACUPUNTURA Na China, a acupuntura pode ser praticada somente por pessoa que possua um conhecimento excepcional da anatomia humana. De fato, pressupõe-se que o médico conhece perfeitamente a localização dos plexos principais e das terminações nervosas. Esse desenho, realizado em 1031 por Thong Jin Tchou, apresenta os “pontos meridianos” do braço.
iteralmente, o termo “fisiologia” significa “estudo sobre os fenômenos naturais”. Como a maioria das palavras científicas, deriva do grego (fusis, natureza, e logos, palavra). Essa disciplina tem por finalidade esclarecer “o que fazem para viver” os diferentes organismos – animais, vegetais, fungos ou seres unicelulares –, explicando suas funções físicas e bioquímicas e suas atividades mecânicas. Mas, para conseguir fazer isso, são necessários conhecimentos profundos e métodos de indagação conclusivos. É por isso que, enquanto não se dispunha de ciências químicas, físicas e anatômicas avançadas nem de tecnologias eficazes, a fisiologia permaneceu no âmbito das observações macroscópicas e das hipóteses, subordinada às disciplinas “tradicionais”: medicina, botânica e zoologia.
A HISTÓRIA ANTIGA Compreender como funciona o corpo humano para curar suas falhas, doenças e “avarias” tem sido um interesse primordial da humanidade desde a alvorada da história. Já foram encontrados ossos fraturados e cicatrizados, assim como crânios trepanados com mais de 100.000 anos de antiguidade, que testemunham que os povos pré-históricos já haviam começado a estudar o funcionamento do corpo. Em textos chineses com mais de 3.500 anos, é possível ler que o médico pode diagnosticar a doença tomando o pulso do paciente e confrontando-o com os 200 tipos descritos. Os fármacos disponíveis já eram mais de 2.000, e muitos deles são utilizados até hoje. A acupuntura também data de tempos remotos (2.700 a.C.): um modo de curar que exige um amplo conhecimento da anatomia humana, mas não necessariamente do funcionamento dos vários sistemas. A primeira tentativa de imunização ativa é, igualmente, antiga: novamente na China, quando ainda não eram conhecidos os mecanismos de defesa do corpo, recomendava-se que pessoas sãs inalassem o pó de crostas secas de varíola para prevenir a infecção. Por volta do ano 2.000 a.C., os índios realizavam cirurgias plásticas no nariz, e os antigos etruscos pro-
duziam próteses dentárias feitas de ouro com técnicas, sem dúvida, avançadas. Portanto, poder-se-ia pensar que o conhecimento sobre as dinâmicas do corpo humano, após 5.000 anos, fosse completamente adquirido. Porém, isso não é verdade: descrever uma máquina é uma coisa, compreender seu funcionamento é outra. A evolução da medicina no mundo não tem sido homogênea: no Oriente, já em tempos muito remotos, desenvolveram-se formas de conhecimento sobre o corpo cujas dinâmicas continuam válidas ainda hoje. Os povos da América do Sul e da África continuaram usando, durante milênios, uma medicina baseada na magia e na interpretação religiosa das capacidades curativas das substâncias naturais. Os povos do Mediterrâneo e da Europa, após os avanços promissores da civilização grega, regrediram durante séculos, durante os quais ressurgiram concepções mágicas e religiosas que dificultaram o caminho do conhecimento.
HIPÓCRATES E A ESCOLA DE CÓS A história da ciência ocidental começa na Grécia, na escola de Cós; particularmente as histórias da medicina e da fisiologia, que por longo tempo não se diferenciaram. Embora a fisiologia grega tenha pouco em comum com a fisiologia moderna, muitas das ideias fundamentais já estavam nos escritos de Hipócrates (c.460-370 a.C.), fundador da escola e considerado o pai da medicina moderna. Em Cós, pela primeira vez, a figura do médico desvincula-se totalmente da do sacerdote; é introduzida a ideia de que doença e saúde dependem de circunstâncias específicas da vida pessoal e não de intervenções divinas; que as doenças são fenômenos gerais do organismo e não estão circunscritas a um único órgão. Era declarada a necessidade de estudar a anatomia e a patologia por meio da dissecção de cadáveres e observar de maneira direta e racional cada doente, levando em consideração seu aspecto e seus sintomas. Também eram estudadas a quantidade e a qualidade das secreções, e, assim como ocorre hoje, eram controlados a quantidade, a cor, o sedimento e o aspecto turvo da urina: foram as primeiras “análises clínicas” da história. Pela pri-
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meira vez, foram definidos os conceitos de diagnóstico e prognóstico, enquanto a parte “humoral” do corpo – que, de acordo com as crenças religiosas, estaria relacionada com o pneuma, o espírito vital – passou a ter um papel fundamental. Segundo Hipócrates, de fato, a doença é decorrente de uma falta de equilíbrio entre quatro humores: o sangue (humor quente úmido), que provém do coração; o fleugma (humor frio úmido, uma espécie de muco), que provém do cérebro; a bílis amarela (humor quente seco), proveniente do fígado; e a bílis negra (humor frio seco), que provém do baço. A alteração nesse equilíbrio leva à doença, e isso pode acontecer pela intempérie, por outras causas físicas ambientais ou por uma dieta inadequada: uma concepção plenamente atual. Esses conceitos, traduzidos para o árabe, o hebraico e o latim, durante séculos tiveram influência na medicina ocidental. Contudo, careciam de bases anatômicas precisas: Hipócrates estava mais interessado na prática médica, e o estudo anatômico foi dificultado por causa do respeito que os gregos professavam aos cadáveres. Apesar disso, o nascimento da clínica – como um estudo dos sintomas – também foi importante para a fisiologia: saber o que não funciona ajuda a compreender quais são os mecanismos sadios.
DE ARISTÓTELES À ESCOLA DE ALEXANDRIA Aristóteles (384-322 a.C.), considerado por muitos o fundador da anatomia comparada, foi o primeiro a realizar estudos sistemáticos sobre seções anatômicas e a estudar em profundidade a estrutura e a organização do corpo animal, especialmente do sistema nervoso e do coração. Diferentemente de filósofos como
Platão, Aristóteles considerava que o conhecimento adquirido por meio dos sentidos era de enorme importância. Por muitos aspectos, esse filósofo é considerado o responsável por fixar as bases para o desenvolvimento do método científico da pesquisa experimental – o que seria aplicado apenas muitos séculos depois. Segundo Aristóteles, a procura pelo saber é impulsionada pela curiosidade, pelo questionamento sobre o “porquê” das coisas e dos fenômenos observados. Assim, unindo ciência e filosofia, suas obras de biologia – De generatione animalium (Da geração dos animais), De motu animalium (Do movimento dos animais), De partibus animalium (Das partes dos animais), Historia animalium (História dos animais) e Parva naturalia (Pequenas coisas naturais) – transformaram-se na base “experimental” na qual seus conceitos metafísicos se apoiam. Para Aristóteles, não existe diferença qualitativa entre o mundo vivo superior (os homens), o mundo vivo inferior (as plantas e os animais) e o mundo inorgânico. Todos os corpos são feitos de matéria organizada de acordo com uma forma, e somente são diferentes quanto ao nível de complexidade. Quando a forma é complexa, recebe o nome de alma: unidas entre si, matéria (corpo) e forma (alma) criam as realidades físicas chamadas viventes. Cada grupo de viventes caracteriza-se por um tipo de alma que determina suas peculiaridades: as plantas têm uma alma vegetativa que faz que se alimentem, cresçam e se reproduzam; os animais têm uma alma sensitiva que faz que desenvolvam também as funções sensoriais vinculadas ao
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ÁRABES A descrição, em árabe, dos elementos anatômicos que compõem, de maneira muito aproximada, a figura humana.
MINIATURA Imagem extraída dos Aforismos de Hipócrates, obra traduzida do árabe para o latim e com comentário de Galeno, mostra Hipócrates lecionando para seus discípulos.
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MANUSCRITO Neste antigo manuscrito está representado, de modo muito rudimentar, o sistema vascular.
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SISTEMA DOS
GALENO Esta ilustração histórica descreve a teoria de Galeno que relacionava a anatomia com o espírito: o espírito natural no fígado, o espírito vital no coração e o espírito animal no sistema nervoso. Segundo Galeno, o homem, assim como os animais, tem o coração dividido em duas cavidades comunicantes. Sua interpretação dos fluxos sanguíneos influenciou a fisiologia até o século XVII. O fígado é o centro do sangue venoso, assim como o coração é o centro do sangue arterial; as veias pulmonares transportam sangue “sujo” para os pulmões e levam-no de volta, purificado, para o coração; posteriormente, o sangue esgota-se nos órgãos. Galeno estudava também as lesões dos hemisférios cerebrais, diferenciando-as das do cerebelo; descreveu também a função excretora dos rins, as modalidades da circulação fetal e os órgãos sensoriais.
ESPÍRITOS DE
movimento. Por último, o homem, graças à alma intelectiva, além das funções vegetativas e sensitivas, pode raciocinar e generalizar, passando da experiência para a abstração. Segundo Aristóteles, o homem é apenas um animal racional, conceito que – descartado durante a Idade Média – foi retomado no século XVII. Assim, a matéria se organiza espontaneamente em sistemas cada vez mais complexos. Os tecidos são partes do corpo omeomère, isto é, homogêneas, formadas por uma matéria uniforme (ao cortar um músculo ou um osso em duas partes, as metades possuem características similares). Os órgãos, por sua vez, são partes não omeomère, e, combinadas entre si, formam sistemas mais complexos. O conjunto de sistemas é o organismo vivo: são definições fundamentais para o estudo da vida. Essa organização espontânea sempre tem uma finalidade: os peixes, por exemplo, têm nadadeiras para nadar. “A natureza não faz nada em vão”: um ponto de vista que será reinterpretado por Lamarck, Cuvier e Darwin nas diversas teorias sobre a evolução. A reprodução também é um processo com um fim: dar alma ao não vivente. Aristóteles acreditava na geração espontânea dos seres inferiores, como os pequenos insetos, que
seriam gerados a partir do mundo inorgânico, graças à energia do sol. Passaram-se quase 1.000 anos até que claras demonstrações experimentais colocassem essa convicção à margem. Na mesma época em que Aristóteles realizava suas observações e elaborava novas ideias sobre o mundo vivente, na Escola de Alexandria eram desenvolvidos estudos sistemáticos sobre cadáveres e praticava-se a vivisseção. Os animais eram utilizados para o melhor conhecimento da estrutura e da função dos diferentes órgãos. O estudo anatômico, fisiológico e biológico avançou rapidamente. Erasístrato de Céos (c.310-250 a.C.) descobriu os vasa vasorum (os vasos que irrigam outros vasos), estudou as válvulas auriculares e venosas, a veia e a artéria pulmonares, a circulação sanguínea, e considerou que o sangue circulava pelas veias da mesma forma que o pneuma dos pulmões circulava pelas artérias. Herófilo de Calcedônia (320-260 a.C.) também estudou o sistema cardiovascular, chegando a descrever as fases cardíacas e a compreender a importância da frequência cardíaca no pulso. Diferenciou os tendões dos nervos e os nervos motores dos sensoriais, e descreveu a estrutura do olho, do nervo óptico e do cérebro, relacionando cérebro e nervos. Segundo ele, a fisiologia do corpo é baseada em quatro forças: a força nutritiva, com sede no aparelho digestório e no fígado; a calorífica, no coração; a pensante, no cérebro; a sensitiva, no sistema nervoso. Dois séculos antes de Cristo, portanto, já havia profundo conhecimento das principais dinâmicas do corpo, mas, infelizmente, tudo seria perdido rapidamente.
EM ROMA COM GALENO Após ter se dedicado aos gladiadores, curando-os com grande habilidade, Galeno de Pérgamo (131-201 d.C.) transformou-se no médico de Marco Aurélio. Homem de grande intelecto e vastos conhecimentos, tentou reelaborar em um único quadro coerente tudo aquilo que a medicina havia descrito e interpretado até então. Estudou a medicina das regiões do império, recompilou, examinou e tentou salvar o que considerou verídico, enriquecendo os conhecimentos da Escola da Alexandria com observações pessoais, extraídas de suas experiências com animais (especialmente porcos, cachorros e macacos). Não se limitou a descrever apenas o organismo, mas também tentou explicar as funções e as finalidades de cada uma de suas partes, sustentando seus estudos experimentalmente. Contudo, por se basear quase exclusivamente na anatomia animal, ao aplicar seus resultados experimentais ao homem, ele “corrigiu-os” de maneira fantasiosa, falseando, assim, os
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CIRURGIÃO FAMOSO Guy de Chauliac (c. 13001368) foi o cirurgião europeu mais famoso da Idade Média. Médico dos papas Clemente VI, Inocêncio VI e Urbano V, em 1363 escreveu Cirurgia magna, um manual que descreve numerosos procedimentos cirúrgicos (para curar hérnia e cataratas) e o uso de inalações narcóticas. Essa obra foi fundamental para o ensino médico nos três séculos posteriores.
conhecimentos alexandrinos baseados na observação de cadáveres. Apesar de alguns erros elementares, seus escritos representaram os alicerces da fisiologia medieval. Nos séculos posteriores, seu trabalho foi ganhando consideração crescente, até o ponto em que qualquer opinião discordante seria tida como heresia. A tendência a aprofundar-se na filosofia e na magia, própria da medicina medieval, não contribuiu com inovações tecnológicas ou com novas descobertas.
A ESCOLA DE SALERNO E AS PRIMEIRAS UNIVERSIDADES Afortunadamente, muitos conventos mantiveram vivos os conhecimentos do passado, enquanto os eruditos árabes enriqueciam-nos com contribuições originais. Abu Bakr Al-Razi descreveu alguns parâmetros fisiológicos no século VIII, os quais foram retomados posteriormente por seu discípulo Al-Kindi, que escreveu um tratado de fisiologia humana. Contudo, na Europa, nada fez diminuir a autoridade de Galeno até o século VIII. A partir desse período, as grandes correntes do pensamento médico romano, grego, hebraico e árabe confluíram na Escola de Salerno, a mais antiga e ilustre instituição médica ocidental. Aberta para homens e mulheres, teve seu período de maior esplendor no século XI, com a chegada de Constantino, o Africano (c. 1010 – c. 1087), um estudioso líbio que tinha lido os textos alexandrinos originais e que, após ter aprendido árabe, traduziu para o latim todos os tratados de medicina que havia reunido em suas viagens pelo Oriente. Graças a ele, as ideias de Hipócrates e as noções da Escola da Alexandria sobre anatomia humana voltaram a fazer parte da cultura ocidental. De fato, para que um estudante chegasse a ser médico em Salerno, além dos anos de estudo dos textos gregos, devia praticar autópsias, com a finalidade de conhecer bem todos os órgãos. Nessa escola, foi redigida, no século XII, a obra Chirurgia magistri Rogeri, o primeiro texto sobre cirurgia da história. Aumentar os conhecimentos anatômicos e fisiológicos, no entanto, tornou-se muito difícil, ou até mesmo perigoso, por causa da oposição intransigente da Igreja. Em 1215, o papa Inocêncio III publicou a encíclica Ecclesia abhorret a sanguine (A Igreja abomina o sangue) que condenava todo tipo de atuação sobre o corpo humano, incluindo a cirurgia. Assim, apenas as escolas e as universidades vinculadas aos círculos eclesiásticos estariam autorizadas a levar esse tipo de estudos adiante. Nessa mesma época, Mondino de’ Liuzzi (c. 12761326) escreveu sua Anatomia corporis humani (Anatomia do corpo humano), um manual sobre a dissecção de cadáveres, considerado livro de referência durante longo tempo, que, embora estivesse pautado em experiências diretas, não correspondia à realidade observada. De fato, Mondino deu interpretações que concordavam com as de Galeno, embora contrastassem com o que ele observava. Mas as coisas foram mudando, porém lentamente.
NASCE O MÉTODO CIENTÍFICO Com o Renascimento, a necessidade de “retornar às fontes clássicas” do conhecimento levou à superação dos preconceitos que paralisavam a pesquisa científica. Os artistas italianos do Quattrocento, precursores de uma nova forma de ver a realidade, desempenharam um papel importante incitando ao estudo do corpo humano no sentido moderno. Impulsionados pela busca do contato direto com a natureza – o mesmo que levou Galileu Galilei (15641642) a formalizar seu revolucionário método científico –, Pollaiuolo (c. 1423-1498), Verrocchio (1435-1488) e Leonardo da Vinci (1452-1519) realizaram estudos proibidos utilizando cadáveres, fazendo dissecções e reproduzindo pormenorizadamente todos os seus detalhes.
INTERVENÇÕES DIVINAS Documentos pontificais que reconhecem universidades específicas. À direita, Inter singula, de 9 de junho de 1318, com o qual Juan XXII funda a Universidade de Cambridge; à esquerda, Querentes in agro, de 6 de outubro de 1254, com o qual o papa Inocêncio IV acolhe a Universidade de Oxford sob a proteção da Sede Apostólica. Sem a vênia papal, os estudos das ciências médicas podiam significar a excomunhão. Por exemplo, os cursos de medicina na Universidade de Bolonha – a primeira da Itália, fundada em 1088 – começaram apenas em 1219, graças à dispensa concedida pelo papa Honório III.
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oligossacarídios
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proteína (parte hidrófila) glicolipídio
ENDOCITOSE
E
EXOCITOSE
complexo proteico fosfolipídios
colesterol
canal iônico
proteína (parte hidrófila)
proteína (parte hidrófoba) MODELO Modelo “em mosaico fluido” da membrana celular. Acima está o exterior da célula; abaixo, o interior.
A ORGANIZAÇÃO BÁSICA DO CORPO
FOSFOLIPÍDOS Estrutura química em três dimensões de uma molécula de fosfolipídio.
cabeça hidrófila
caudas hidrófobas DESMOSSOMO Microfotografia feita com TEM que mostra, claramente, como a membrana plasmática que delimita a célula está formada por uma dupla camada de moléculas, menos “densa” no centro.
–
está estruturada de tal maneira que “reconhece” determinadas moléculas e os estímulos físicos do meio (variações na concentração de sais, mudanças de luz ou temperatura, presença de um campo elétrico etc.) aos quais pode reagir modificando-se.
Essas características estão presentes em todas as membranas que formam a célula, independentemente do organismo ao qual ela pertença. É provável que, uma vez formada, essa estrutura essencial para a vida tenha evoluído lentamente, mas sem sofrer alterações profundas, proporcionando uma prova ulterior de que os seres vivos derivam de um único antepassado comum. As membranas plasmáticas são formadas por uma dupla camada (frequentemente de 5,5 nm) de ácidos graxos (fosfolipídios), atravessada por grandes complexos proteicos e “enriquecida” por moléculas de colesterol e glicolipídios. Essa estrutura explica-se quando são consideradas as propriedades físico-químicas dos seus constituintes principais. Ao verter um pouco de azeite em água e mexer a mistura com força, forma-se uma emulsão: o azeite transforma-se em diminutas gotas que permanecem separadas da água. Examinando essas gotas em nível molecular, seria possível ver que as gorduras, cujas moléculas não têm uma carga elétrica repartida uniformemente, são “polares” – posicionam-se de modo que isolam a “cauda” hidrófoba, expondo às moléculas de água (elas também, altamente polarizadas) sua “cabeça” hidrófila. Assim, forma-se uma dupla camada de moléculas compactas, extremamente estável e, ao mesmo tempo, “móvel”. Um dos últimos modelos propostos de estrutura das membranas biológicas é o denominado modelo em mosaico fluido. Dependendo das condições ambientais e das exigências celulares, a formação da membrana modifica-se e, com isso, mudam – mesmo que seja pouco – suas características de permeabilidade e sensibilidade aos estímulos. Graças à sua constituição “fluida”, a membrana permite que a célula expulse ou englobe
Nesse esquema, a cor azul indica o exterior da célula, e a verde, o interior. Durante a endocitose (esquema superior), as partículas aderem-se à membrana, que se “invagina” e formam uma
vesícula que se desprende, para depois desfazer-se no interior da célula. Na exocitose (esquema inferior), a vesícula se adere à face interna da membrana e funde-se com ela, expulsando para o exterior tudo o que contém.
corpúsculos, inclusive de grandes dimensões. Como foi visto no complexo de Golgi, vesículas produzidas no interior da célula podem fundir-se com a membrana e expulsar seu próprio conteúdo; e, vice-versa, a membrana pode englobar corpúsculos externos e transformar o espaço em que os encerra em uma vesícula que, absorvida para o interior, desintegra-se e libera as substâncias englobadas. Esses dois processos contrários são denominados, respectivamente, exocitose ou pinocitose e endocitose ou fagocitose. Através da membrana, finalmente, podem-se formar autênticas junções entre células: são os desmossomos, que têm aspecto de densas placas situadas imediatamente contíguo à membrana celular. Deles partem estreitas fibras (tonofibrilas) que se estendem pelo interior do citoplasma nas duas células que participam da junção. O tipo de desmossomo mais comum liga células epiteliais: eles representam um ponto de ancoragem para o citoesqueleto celular e um elemento de coesão de todo o tecido.
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OSMOSE, DIFUSÃO, TRANSPORTE PASSIVO E TRANSPORTE ATIVO
membrana semi-permeável
concentração mais baixa pressão osmótica
concentração mais alta
ALTA CONCENTRAÇÃO
MEMBRANA
BAIXA CONCENTRAÇÃO
FLUXO ESPONTÂNEO
DIFUSÃO LIVRE
BAIXA CONCENTRAÇÃO
1. No caso citado, pode-se dizer que as moléculas de solvente mostram uma DIFUSÃO SIMPLES através da membrana, o que significa que a passagem está regulada apenas pela pressão osmótica. Assim, na célula ocorre a passagem em ambos os sentidos de água e gases e, frequentemente, também de substâncias em dissolução na água. Esse mecanismo faz que, quando a quantidade de água no interior da célula diminui, haja uma reposição imediata, o que garante a conservação das condições endocelulares ótimas.
CONCENTRAÇÃO MAIS ALTA
MEMBRANA
difusão orientada, da qual a membrana também participa, é típico de substâncias como o açúcar, fonte de energia.
CONCENTRAÇÃO MAIS BAIXA
FLUXO ESPONTÂNEO DIFUSÃO FACILITADA
2. A DIFUSÃO FACILITADA modifica a velocidade com que substâncias dissolvidas passam através da membrana; também nesse caso, as moléculas seguem o gradiente de concentração da mais alta para a mais baixa; contudo, seu movimento é acelerado inicialmente até alcançar uma determinada concentração no interior da célula, quando o fluxo se interrompe para recomeçar somente se a concentração interna cai de novo. Esse tipo de
MEMBRANA
ALTA CONCENTRAÇÃO
FLUXO ESPONTÂNEO TRANSPORTE ATIVO ATP
→
ADP
3. Em alguns casos – por exemplo, com alguns íons –, a célula requer concentrações muito mais altas do que as que são características do meio que a rodeia. Nessas circunstâncias, o movimento das moléculas vai contra o gradiente de concentração. Para que isso ocorra, a célula deve gastar energia, trata-se do TRANSPORTE ATIVO através da membrana. Por exemplo, a célula expele continuamente íons de sódio (Na+); para fazer isso, deve produzir uma série de modificações na estrutura tridimensional da membrana. Mas, para que esse processo ocorra, é preciso que haja dispêndio de energia, que é produzida pela transformação de ATP em ADP. Existem fluxos de outras substâncias que, mesmo indo contra um gradiente de concentração, não requerem energia produzida pela célula. É o que acontece quando um íon negativo “inútil” é “trocado” por outro íon negativo “útil”. Também nesse caso, as moléculas que formam a membrana participam efetivamente no transporte, mas, por não haver dispêndio de energia endógena (ou seja, dado que o fenômeno é independente do metabolismo celular), trata-se de TRANSPORTE PASSIVO.
passagem do solvente
pressão osmótica = peso da diferença de volume: unidade de superfície
OSMOSE Esse fenômeno físico-químico ocorre quando uma membrana semipermeável separa duas soluções com concentrações diferentes.
Como o sistema tende ao equilíbrio, o solvente tende a atravessar a membrana até que a concentração dos solutos seja igual em ambos os lados (flui em direção à solução mais
concentrada e aumenta seu volume). Assim, a pressão osmótica diminui até que o peso exercido sobre a superfície de separação “seja igual em ambos os lados”.
GLÓBULOS VERMELHOS As hemácias (ou glóbulos vermelhos ou eritrócitos) têm, normalmente, uma forma arredondada e plana. Contudo, se estão em um meio muito rico em
sais (hipertônico), perdem grande parte da água que contêm e adotam formas – como a da direita – muito diferentes das que são habituais.
A CÉLULA E OS PROCESSOS VITAIS BÁSICOS
Quando se comparam as composições químicas do meio interno e externo de uma célula, pode-se observar que as substâncias não apresentam a mesma distribuição nos dois lados da membrana. A capacidade das moléculas de passar através da membrana depende de suas propriedades físico-químicas; algumas, como as da água, passam seguindo as leis da difusão; outras são ajudadas pela ação de algumas estruturas da membrana; e outras, ainda, podem passar apenas se a célula despende energia para fazê-las passar (para o interior ou para o exterior). A seguir, apresenta-se uma breve revisão das diversas maneiras pelas quais as moléculas podem entrar em uma célula. Antes de mais nada, é útil lembrar alguns conceitos de dinâmica dos fluidos, necessários para compreender o comportamento de soluções diferentes (A, menos concentrada, e B, mais concentrada) separadas por uma membrana semipermeável. O fluxo ou osmose do solvente através da membrana depende das duas concentrações: quanto maior for a concentração de íons e moléculas de uma solução com respeito à outra, mais alta será sua pressão osmótica. O fluxo líquido de solvente, mais rápido que o de soluto, tende a tornar uniforme a concentração nos dois lados da membrana; por isso, globalmente ocorre um movimento de moléculas de solvente que vai de A para B.
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ENZIMAS E COFATORES
As enzimas são proteínas: seu nome deriva do grego e significa “em levedura”, porque as primeiras foram descobertas nesse tipo de células. Cada uma desenvolve as funções fundamentais de catalisar uma reação bioquímica específica. Um catalisador é uma substância que não participa diretamente em uma reação química, mas é capaz de intervir sobre a energia potencial modificando a velocidade da reação; de modo geral, aumenta-a até tornar úteis reações que, caso contrário, não teriam efeitos significativos. Contudo, diferentemente dos catalisadores inorgânicos, as enzimas apresentam uma especificidade elevadíssima, ou seja, catalisam exclusivamente uma reação ou muito poucas reações similares. E fazem isso extremamente bem: são capazes de fazer que a reação seja entre 108 e 1.020 vezes mais rápida. A substância que interage com uma enzima e é transformada denomina-se substrato. A zona da molécula enzimática que entra em contato com o substrato é o sítio ativo, que interage com os RELAÇÕES
ENTRE ENZIMAS
E SUBSTRATO
Simulação por computador da interação entre enzima e substrato. À esquerda, a enzima com o sítio ativo vazio; à direita, o substrato aderiu ao sítio ativo da enzima.
reativos
reagentes de maneira estereoespecífica, ou seja, sensível inclusive a pequenas diferenças de formação. Sua funcionalidade depende da estrutura: o sítio ativo adapta-se ao substrato como uma fechadura à sua chave, e não funciona com outros substratos. De fato, caracteriza-se por uma forma tridimensional precisa, determinada por estruturas químicas típicas e/ou pela presença de moléculas não proteicas que se ligam à enzima nas proximidades do sítio ativo. Essas moléculas são os cofatores. Dependendo da ligação que estabelecem com a enzima, diferenciam-se em grupos prostéticos e coenzimas. Os primeiros (muitos deles são íons metálicos) ligam-se estreitamente e quase sempre de modo permanente; as segundas (principalmente vitaminas) ligam-se debilmente, e a mesma molécula de coenzima pode associar-se posteriormente com diversas enzimas. Nas enzimas que só funcionam graças a um cofator, a parte proteica “incompleta” é denominada apoenzima, e o conjunto enzima-
REAÇÕES COMPARADAS Representação da mesma reação na ausência de um catalisador (acima) e em presença de um (embaixo). O diagrama da direita resume as variações de energia potencial das duas reações. É evidente que no primeiro caso (linha vermelha), a energia de
reação
ativação é mais elevada que no segundo (linha azul). A presença da enzima, portanto, facilita a reação, que, para ocorrer, precisará de uma quantidade de energia menor que a outra. Assim, com a mesma quantidade de energia disponível, poderá produzir um maior número de reações.
-cofator recebe o nome de holoenzima. Muitas coenzimas permitem a transferência de pequenas moléculas de uma espécie química para outra: por exemplo, o NAD+ (dinucleótido de nicotinamida e adenina oxidado) pode ligar-se com hidrogênio iônico (H+), que é aceito por moléculas que sofrem, assim, uma oxidação, e depois pode ser cedido para outras moléculas, que, assim, reduzem-se. Algumas enzimas também possuem um sítio alostérico que funciona como um interruptor, ativando-as ou desativando-as. Somente uma molécula específica pode ligar-se com o sítio alostérico: com frequência, essa molécula é produto da reação enzimática e bloqueia a funcionalidade da enzima interrompendo a reação. E, pelo contrário, quando se trata de um reagente, a enzima começa a funcionar. Uma célula contém numerosas cópias de aproximadamente 3.000 tipos diferentes de enzimas, presentes geralmente em concentrações muito baixas com respeito às concentrações dos substratos. Para expressar a capacidade de ação de uma enzima, utiliza-se o "número de turnover", que indica o número de moléculas de substrato que uma única molécula enzimática consegue transformar no transcurso de um minuto. Esse valor vai de 1 mil a 36 milhões: a anidrase carbônica é a enzima que possui a mais alta capacidade catalítica. Contudo, a funcionalidade da mesma enzima também pode variar: como todas as reações químicas, as enzimáticas dependem da temperatura, do pH e da presença de substâncias que podem modificar a molécula da enzima. Alguns metais pesados (como o mercúrio ou o chumbo) são tóxicos justamente porque seus íons se ligam aos grupos SH dos resíduos de cisteína presentes nas moléculas de numerosas enzimas e, ao fazê-lo, desativam-nas. Diz-se que esses íons são inibidores não competitivos; outras substâncias que, ao serem estruturalmente parecidas com o substrato, se ligam com o sítio ativo, pelo contrário, competem com o substrato: nesse caso, são chamados inibidores competitivos. Exemplo disso são as sulfamidas, cuja eficácia terapêutica deve-se justamente a que as enzimas de algumas bactérias reagem da mesma maneira com essas moléculas e com um precursor do ácido fólico, uma vitamina indispensável para elas. Sem poder sintetizar ácido fólico, as bactérias morrem.
energia de ativação
produtos ENERGIA POTENCIAL
A ORGANIZAÇÃO BÁSICA DO CORPO
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catalisador
reativos
conjunto ativado
reação
energia potencial dos reagentes
energia potencial dos produtos
produtos
DESENVOLVIMENTO DA REAÇÃO
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O METABOLISMO O emaranhado de linhas desta imagem dá uma ideia concreta, aproximada, da complexidade das reações químico-físicas que constituem o metabolismo celular. O esquema mostra o conjunto das diversas vias metabólicas e suas interseções. Os pontos indicam os metabólitos principais, ou seja, as substâncias que participam nas reações metabólicas; os traços sugerem as sequências de reações nas quais os metabólitos são, segundo a ocasião,
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reagentes ou produtos. As cores de fundo indicam as principais vias metabólicas:
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via glicolítica e ciclo de Krebs; via metabólicas dos carboidratos; vias metabólicas dos lipídios; vias metabólicas dos aminoácidos; via metabólica que leva da acetilcoenzima A ao colesterol.
AS DUAS FASES DO METABOLISMO: CATABOLISMO E ANABOLISMO O termo “metabolismo” indica o conjunto de reações químicas e físicas indispensáveis para a vida, que ocorrem em uma célula ou em um organismo. A química biológica estuda essas transformações, identificando todas as moléculas que nelas intervêm, a dinâmica energética que as dirige, a participação das enzimas etc. Muitas reações metabólicas são reversíveis, e sua direção é determinada pelas condições energéticas em que a célula se encontra. Todas são reguladas por enzimas e, como as enzimas são proteínas, fabricadas segundo um projeto contido no DNA. Isso significa que o metabolismo é controlado pelo patrimônio genético, algo que fica evidente em algumas condições patológicas hereditárias (como na fenilcetonúria), nas quais o organismo é incapaz de sintetizar enzimas específicas e não pode levar a termo algumas reações metabólicas. Apesar de o metabolismo humano ser muito mais complexo do que o de uma única célula (consiste em dezenas de milhares de processos bioquímicos nos quais participa uma enorme quantidade de enzimas específicas determinadas geneticamente), os processos básicos são iguais. Além disso, mesmo nos organismos mais simples, todas as reações metabólicas formam uma rede extremamente complexa, que se divide em cadeias metabólicas e ciclos metabólicos, na qual algumas vias são curtas e outras longas, algumas são reversíveis e outras não. Nos ciclos, pelo contrário, a substância de partida regenera-se depois de ter sofrido várias transformações. Para facilitar o entendimento, os processos metabólicos foram divididos em dois grandes grupos: • o anabolismo agrupa todas as reações endergônicas, ou seja, que requerem um aporte energético e que levam à síntese de moléculas complexas a partir de moléculas simples;
• o catabolismo agrupa todas as reações exergônicas, ou seja, que liberam energia; essas reações levam à produção de moléculas simples a partir de moléculas complexas.
O ANABOLISMO
A CÉLULA E OS PROCESSOS VITAIS BÁSICOS
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Muitas das moléculas biológicas necessárias para construir e dar vida a uma célula não podem atravessar a membrana e devem ser produzidas dentro da célula. Por exemplo, as proteínas, que são sintetizadas a partir de aminoácidos. As membranas estão formadas por lipídios (fosforilados ou unidos a moléculas de açúcares) e proteínas (ligadas a oligossacarídios) etc. O conjunto dessas reações é chamado anabolismo, e não se trata de reações espontâneas, mas que ocorrem por meio de um aporte energético. Por isso, acontecem “associadas” com outras reações que produzem a energia necessária, principalmente sob a forma de duas coenzimas: ATP e NADH. Essas moléculas são produzidas pelas reações catabólicas, ligam-se de maneira reversível, respectivamente, com o íon fosfato (PO3–) e o íon hidrogênio (H+). No citoplasma, o ATP reage facilmente com a água (H2O) e “hidrolisa-se”, segundo a reação ATP + H2O → ADP + P que libera até 54,4 kJ/M (~ 13 kcal/M). A disponibilidade de ATP torna possível a síntese das biomoléculas, o transporte ativo através da membrana, a contração muscular e muitos outros processos. O ATP é uma forma de energia química imediatamente utilizável pela célula e, por isso, é consumida e produzida continuamente. É a “moeda energética” que permite as trocas vitais da célula. O NADH serve principalmente para reduzir e oxidar as moléculas. O ATP é fosforilado por enzimas chamadas quinases, que transferem o grupo fosfato para as moléculas que contêm energia para reagir.
NADH E ATP Estrutura química das principais moléculas energéticas produzidas durante as reações catabólicas, o NADH (dinucleotídio de nicotinamida e adenina) e o ATP (trifosfato de adenosina).
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O CATABOLISMO
A ORGANIZAÇÃO BÁSICA DO CORPO
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Enquanto as reações anabólicas servem para construir novas moléculas, as reações catabólicas degradam os nutrientes até reduzi-los a moléculas úteis para o anabolismo armazenando a energia química que liberam sob a forma de ATP. As proteínas, os polissacarídios e os lipídios (ou seja, as substâncias que constituem a maioria dos alimentos) são decompostos em suas unidades fundamentais já durante sua passagem pelo aparelho digestivo. Reduzidos a moléculas relativamente pequenas, chegam ao segundo estádio da degradação, que ocorre na célula por meio das vias catabólicas. Quase todas as reações catabólicas são oxidações que produzem energia graças à formação de fortes ligações entre os átomos de carbono e hidrogênio – contidos nas substâncias nutritivas – e os de oxigênio que se difundem na célula. O catabolismo oxidativo, portanto, é um processo que, do ponto de vista químico, é análogo à combustão; seja queimando no fogo seja degradando-se em uma célula, a glicose que se combina com o oxigênio se transforma completamente em dióxido de carbono (CO2) e água (H2O); a única diferença é que no segundo caso a temperatura é tal que não altera as delicadas estruturas celulares, e a reação pode ocorrer apenas graças à ação das enzimas. As reações catabólicas desenvolvem-se quase exclusivamente nas mitocôndrias. De fato, no citoplasma somente se verifica a transformação dos monossacarídios em ácido pirúvico, segundo a denominada
CICLO DE KREBS Esquema das reações que formam esta fundamental via metabólica. Seu descobrimento, pelo qual Hans Adolf Krebs recebeu o Prêmio Nobel, permitiu notáveis avanços na compreensão da bioquímica celular.
piruvato 3C NAD+ CO2
NADH + H+ Acetilcoenzima A 2C
oxalacetato 4C citrato 6C
NADH + H+ NAD+ malato 4C
isocitrato 6C fumarato 4C
NAD+
FADH2
NADH + H+
CO2
FAD
alfa-ketoglutarato 5C succinato 4C P
CO2
NAD+ NADH + H+
GTP GDP
succinilcoenzima A 4C
via glicolítica, que, junto com o ciclo de Krebs, tem um papel crucial na produção de energia celular. A GLICÓLISE é um processo anaeróbico, ou seja, não requer a presença de oxigênio para ocorrer. Por isso, considerando que a atmosfera inicial da Terra carecia desse gás, o que se pensa é que a glicólise pode representar um dos mecanismos mais antigos desenvolvidos pelas células para aproveitar a energia química dos açúcares. Nesse processo, o ácido pirúvico é transformado em grupo acetil (CH3COS–), que depois forma a acetilcoenzima A (acetil-CoA), uma molécula biológica de grande importância, que também é produzida em grandes quantidades durante a degradação dos ácidos graxos. A última fase da desintegração é nas mitocôndrias, em que ocorre a degradação do grupo acetil da acetilcoenzima A em dióxido de carbono e água, com a produção da maior parte do ATP da célula. A reação que leva à produção de ATP – desfavorecida do ponto de vista energético porque requer energia para ocorrer – não apenas é possível, pois se junta com as reações exergônicas da degradação de nutrientes dos alimentos, mas também porque ocorre de maneira extremamente eficaz. Com efeito, aproximadamente 50% da energia que, teoricamente, é possível obter da combustão dos hidratos de carbono e das gorduras se transforma em ATP, uma eficiência considerável quando se pensa que o rendimento energético dos melhores motores de explosão é de apenas 20%. O resto da energia, assim como em um motor, é liberado lentamente em forma de calor. A posterior decomposição dos nutrientes em dióxido de carbono e água ocorre por meio de uma série de reações aeróbicas (para as quais é necessário o oxigênio). A eficiente e ordenada subtração de energia dessas moléculas começa com o ciclo do ácido cítrico ou ciclo de Krebs (sobrenome de seu descobridor) e termina com a fosforilação oxidativa. O CICLO DE KREBS ocorre por causa da ação de uma série de enzimas que fazem parte da estrutura da mitocôndria. Esse processo é fundamental para o metabolismo celular; nele se verifica a oxidação do grupo acetil da acetilcoenzima A e, enquanto os átomos de carbono desse grupo químico se transformam em dióxido de carbono, os de hidrogênio passam para as moléculas dos transportadores NAD+ e FAD (dinucleotídio de flavina e adenina), que se transformam em NADH e FADH2. A FOSFORILAÇÃO OXIDATIVA que se segue provoca a transferência do hidrogênio de NADH e FADH2 para o oxigênio molecular que penetrou por difusão na célula. Ao mesmo tempo, uma série de enzimas e moléculas da denominada cadeia respiratória – que também faz parte da membrana interior da mitocôndria – determina, por meio do transporte de elétrons, a expulsão de íons H+. Mas esses íons voltam a entrar por causa da ação do ATP sintetase, um complexo enzimático que combina esse fluxo
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CENTRAL
membrana externa
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ENERGÉTICA
Microfotografia de mitocôndrias (verde, em seção).
membrana interna
matriz NADH + H+
2 H+
2 H+
2 e-
2
2 e-
ADP + P
ATP 1/2 O2
H+
2 H+
2 e-
cadeia respiratória
fosforilação
com a ligação entre ADP e P para produzir ATP. Novamente na matriz, o hidrogênio liga-se ao oxigênio, de maneira que, para cada átomo de oxigênio que se transforma em água, são produzidas três moléculas de ATP. Assim, a presença de oxigênio é essencial tanto para que ocorra o ciclo de Krebs como para permitir o desenvolvimento normal do transporte de elétrons e para formar novamente moléculas de água. Sua ausência leva à morte da célula. Oxidar completamente 1 mol (M) de glicose (180 g) produz 2.870 kJ (~686 kcal), das quais 1.159 são armazenadas em 38 M de ATP. Em condições teóricas, portanto, o rendimento do catabolismo da glicose é de 40,4%. Contudo, a célula consegue aumentar esse rendimento aproveitando as diversas condições em que as reações metabólicas ocorrem.
A quantidade mínima de energia necessária para manter ativos os processos “básicos”, e para a sobrevivência em repouso absoluto e em jejum, é denominada metabolismo basal, o qual corresponde à intensidade da respiração celular global e está ligado ao consumo de oxigênio. Pode ser quantificado com a calorimetria indireta, uma metodologia que permite medir in vivo e de modo não invasivo a produção de calor e a oxidação dos substratos energéticos. Os cálculos utilizados consideram a idade, o sexo, a massa e a superfície corporal, variáveis que podem interferir no metabolismo basal, assim como algumas substâncias (anfetaminas e hormônios tireóideos). Por meio da quantidade de oxigênio consumida, também é possível conhecer as necessidades energéticas de um indivíduo por unidade de tempo.
DA CÉLULA AO ORGANISMO: O METABOLISMO BASAL
calor
calor
parede dos alvéolos pulmonares H2O
H2O
trocas celulares
AR O2
O2 CO2
CO2
H2
mitocôndrias ATP (energia)
CATABOLISMO
meio externo
superficie de troca
meio interno ADN
reserva
D glicerol I ácidos graxos G ALIMENTOS E monossacarídios S T aminoácidos à O
DO
ORGANISMO À
CÉLULA E VICE-VERSA
A energia química absorvida do meio externo na forma de alimentos é transformada em outro tipo de energia química pela respiração celular.
fibrila muscular movimentos
a rm info
Dado que todas as reações vitais se desenvolvem no interior de cada célula, a fisiologia que se ocupa de tecidos, órgãos e sistemas está, de certo modo, subordinada à fisiologia celular. Alimentar-se e respirar, por exemplo, são ações necessárias para manter ativas as reações metabólicas celulares, mantendo constante o fluxo de substâncias que as células não são capazes de produzir (açúcares ricos em energia, cofatores como as vitaminas e sais minerais, mas também água e oxigênio). No organismo, contudo, as atividades das células não estão em confronto: pelo contrário, estão coordenadas de tal maneira que sustentam o desenvolvimento do corpo. Assim, durante a juventude, a fase anabólica prevalece sobre a catabólica e há um aumento de peso; na maturidade existe – ou deveria existir – um equilíbrio substancial entre as duas fases, enquanto na velhice predomina o catabolismo. Um metabolismo celular normal deve garantir ao organismo condições físico-químicas constantes; normalmente, não há variação na composição química dos líquidos internos, na temperatura, na funcionalidade cardíaca, na respiração etc.
TROCAS GASOSAS RESPIRATÓRIAS
N2
RESPIRAÇÃO Esquema de uma mitocôndria e dos eventos que levam à síntese de ATP. Nas cristas internas está o sistema de enzimas e transportadores de elétrons da cadeia, que estão ordenados segundo o potencial de reação; no final está o oxigênio, com o potencial mais alto, “ávido” de elétrons. A energia liberada pela transferência de elétrons serve para bombear íons H+ para fora da membrana interna e sintetizar ATP. Os componentes da cadeia são flavina mononucleotídeo (FMN), ubiquinona ou coenzima Q, e citocromo (cit).
çã
síntese
o
ANABOLISMO
proteínas ABSORÇÃO INTESTINAL
parede intestinal
A síntese de ATP é necessária para poder dispor mais facilmente de energia para outras transformações. Além de nutrientes simples (aminoácidos, carboidratos, lipídios), a célula recebe do
célula
calor
ambiente o oxigênio necessário para realizar as reações oxidativas do catabolismo. Vice-versa, a célula emite no ambiente calor, dióxido de carbono, vapor de água e outras moléculas residuais.
A CÉLULA E OS PROCESSOS VITAIS BÁSICOS
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O
estudo do corpo humano é um assunto tão fascinante quanto complexo: as inúmeras e diferentes atividades de células, tecidos, órgãos e sistemas, integrando-se de maneira perfeita, colaborando para o funcionamento de uma máquina biológica incrivelmente complicada. A fisiologia é a ciência que estuda tudo isso, e este livro traz os principais pontos dos conhecimentos atuais dessa importante área da saúde. Com a ajuda de imagens belíssimas e detalhadas, um texto discursivo e sintético nos guiará na compreensão das principais funções da vida, fornecendo os elementos necessários para uma primeira visão geral sobre esse assunto complexo. Mas também existe espaço para assuntos mais abrangentes: a história da fisiologia, com o seu peso de angústia ligado à vivissecção, a evolução das tecnologias aplicadas ao estudo do corpo humano, as principais referências anatômicas e alguns problemas médicos importantes, ligados a um defeito na funcionalidade. Trinta e duas fichas de aprofundamento sobre a estrutura anatômica, sobre o funcionamento e o papel de alguns sistemas do corpo humano, além de informações gerais sobre algumas disfunções relevantes do ponto de vista médico ou de curiosidade. Mais de 700 imagens coloridas: desenhos anatômicos detalhados e espetaculares, fotografias feitas com os mais modernos microscópios à disposição, fotografias explicativas, tabelas de resumos e esquemas descritivos.
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