ÃcruMe vya Te052rJÃ
H.P. BLAVATSKY
M
TĂtulo original: The Key to Theosotthy O The Theosophical Publishing House, 1972
Digitalizado por:
Os filhos de Hermes
INTRODUçÃO
A VERSÃO PARCIAL
Os termos Teosot'ia e teosófico foram introduzidos no vocabulário da cultura ocidental do séc. XIX após a fundação da Sociedade Teosófica em Nova Iorque, em 1875. Porém, durante os primeiros anos de existência da Sociedade, pouco se f.ez quer para tentar definir esses termos, qìter para esclarecer o seu verdadeiro significado. As primeiras exposições, tanto escritas como orais, feitas pelos dois principais fundadores da Sociedade, H. P. Blavatsky e H. S. Olcott, concentraram-se sobretudo na reintrodução no pensarnento mundial duma sabedoria antiga cujo fio de ouro se podia seguir ao longo de culturas, civilizações e épocas sucessivas. A primeira obra de Mme. Blavatsky, Ísis sent V,óu, publicacla apenas dois anos após a fundação cia Sociedade, é precisamente um compêndio volumoso de factos c teorias fiiosóficas, religiosas, científicas, mitológicas, aleg6ricas e simbólicas em qÌÌe se dernonstra que a tradição do ocultismo remonta à mais clisiante antiguidade. A sua obra principal, A Doutína SecreÍa, publicada em lB88, é uma exposição exttemamente completa dos principais ensinamentos da filosofia esotórica tanto no que diz respeito à Cosmogénese como à Antropogénese, ou seja, as origens c influências das leis universais na natureza e no homem. O aparecimento da abra A Chave da Teosofia em 1889,
A
CTTAVE
DÁ
TEOSOFIÁ
um dos dois últimos livros ds H. P. Blavatsky publicados durante a suÍÌ vida (o outro foi A Voz do Silêncio, uma obra constituída por excertos de <O Livro dos Preceitos de Ouron, um tratado místico na linha ctro Budismo Mahayana, traduzidos por Mme. Blavatsky), ofereceu tanto à Sociedade Teosófica coÍno ao mundo em geral um extenso documento básico sobre aquilo a que um dos primeiros críticos da obra chamou ((a anatornia e fisiologia da Teosofia) (*). H. P. B. (assim era conhecida Mme. Blavatsky) tinha sem dúvicla consciência da necessidade que havia cle publicar uma obra simples mas completa destinada a expor os ensinamentos da Sociedade Teosófica (**), e ainda a corrigir os nume-
rosos equívocos que haviam surgido quanto ao objectivo da Sociedade e à filosofia teosófica. Uma vez que H. P. Blavatsky fora ern grande parte responsável pela introdução dessa filosofia no pensamento ocidental, e considerando que afirmou sempre ser apenas um simples porta-voz de adeptos orientais que considerava seus mestres, sabia melhor do que
(*) A publicação da obra Builismo Esotérico, de A. P. Sinnett, um dos primeiros membros e figura destacada da Sociedade Teosófica, depois de os seus fundadores terem ido para a Índia, deve ser considerada efectivamente a primeira exposiõão descritiva da filosofia teosófica per se. Editada em 1883, esta obra reúne ensinamentos e informações de cartas notáveis conhecidas pelo nome de <Cartas de Um Mahatma>. Lamentavelmente, porém, o título da obra de A. P. Sinnett levou muita gente a pensar que a Teosofia não passava duma nova forma da religião conhecida por Budismo, equívoco que H. P. Blavatsky esclarece em A Chave da Teosofia. (**) Por <ensinamentos da Sociedade Teosófica>> não se deverá entender que a Sociedade impõe dogmas ou exige fé dos seus membros. O nome da Sociedade, como muitos têm defendido, implica antes um objectivo que não se encontra expressamente mencionado nos Três Objectivos oficialmente estabelecidos pela organizaçáo, nomeadamente a exposição de uma filosofia denomi-
nada Teosofia. Poderá dizer-se que a Sociedade defende esta exposição, mantendo simultaneamente uma plataforma de inteira liberdade de pensamento em relação a todos aqueles que se dedicam ao estudo da sua doutrina ou se filiam nela. Assim, tal como H. P. B. salientou em A Chave da Teoso ía, a Sociedade não é nem dogmática nem sectária, <foi formada para ajudar os homens a cornpreenderem que a Teosofia existe e para os ajudar a ascender a ela através do estudo e assimilação das suas verdades eternas)), IO
TNTRODUÇ,4O
À
VERSÃO PARCTAL
ninguém quão grandes eram os equívocos que haviam surgido à volta da filosofia teosófica. FI. P. Blavatsky conhecia melhor do que ninguém os insultos injurÌosos dirigidos contra a jovem Sociedade de que ela era um dos fundadores, pois a maioria desses insultos dirigiam-se a ela mesma. Com o aparecimento de A Cha,-e da Teosofía o termo <Teosofia> foi utilizado pela primeiïa yez desde a fundação da Sociedade no título dum livro. A natureza da obra e,
irnplicitamente, no subtítulo:
o
seu objectivo, encontravam-se clescritos
clara, sob a forma de perguntas e respostas, sobre Etica, Ciência e Filosofia, para cujo estudo <<IJma exposição
a Sociedade Teosófica foi fundada.> A forma adoptacla pela autora adequava-se muito especialmente às necessidades que deviam ter existido na altura, pois o interrogador fictício punha precisamente as questões em que se baseavam grande parte dos equívocos e dos ataques contra a Teosofia e os objectivos da Sociedade. H. P. 8., então a viver em Londres, reunia à sua volta um grupo de membros que, como alunos conscientes dos profundos conhecimentos e extraordinária capacidade da sua mestra, a assediavam com perguntas acerca da Religião-Sabedoria, expressão frequentemente utilizada paÍa designar a Teosofia. Sabia, portanto, em prirneira mão, a necessidade que havia entre os estudantes de Teosofia de se proceder a uma exposição sistemática desta filosofia. Assim, o seu livro era não só uma resposta aos críticos da Sociedade, como uma análise clara, concisa e compreensível dos próprios princípios fundamentais da Teosofia. O livro é hoje, tal como na altura em que foi publicado, a resposta clássica tanto para aqueles que clesejam compreender o sistema <religioso-filosófico-cósmico-ético)) que é a Teosofia, como para aqueles que apenas desejam deturpar a verdade desse sisterna ou denegrir a Sociedacle que serve de veículo à sua expressão. Não há obra, anterior ou posterior a esta, que melhor defina o objectivo único da Sociedade, ou em que a tarefa da Sociedade e sua eventual evolução esteja mais bem delineada. TI
A CHAVE DA TEOSOFIA Qual o motivo, então, de uma versão parcial, se o livro <ensina a anatomia e fisiologia da Teosofia>? O motivo reside apenas no facto de a obra original conter nulnerosas citações e referôncias a opiniões bastante generalizadas na época de H. P. 8., e o leitor interessado que pretenda chegar rapidamente ao fundo da Teosofia talvez se sentisse frustrado pelas inúmeras passagens que apenas encobrem essa <anatomia>. Fez-se, portanto, um esforço no sentido de eliminar aquilo que não era essencial, incluindo referências que já não vêm a propósito, citações que perderam importância, e argumentos que pouco ou nenhurn significado tôm para o leitor actual. A Versão Parcial baseia-se na edição original de 1889, cujo texto integral se encontra à venda; não se fizeram quaisquer alterações ao texto, interpolações ou comentários interpretativos. Incluem-se, no entanto, algumas notas do editor, inequivocamente assinaladas, destinadas a explicar certos termos que têrn hoje em dia um significado muito diferente claqueie que lhes era atribuído no século passado. O único propósito que presidiu à preparação da presente Versão Parcial foi proporcionar ao leitor um trabalho que reunisse duma forma directa os ensinamentos fundamentais da Teosofia tal como foram apresentados pelo seu mais notável expoente, H. P. Blavatsky, tentando simultaneamente conservar o tom, a força e a qualidade vital do trabalho original. As chaves destinam-se a abrir portas. A Teosofia tem sido para muitos milhares de pessoas a chave que abriu as portas do espírito e do coração, descobrindo-lhes horizontes insuspeitados de sabedoria e compreensão. A Teosofia foi para essas pessoas a chave que ihes permitiu chegar aos tesouros do espírito iluminado, os tesouros do amor e da compaixão, que, quando partilhados, levam ao Tesouro Supremo, a Fraternidade Universal. Porém, ter a chave não basta; para chegar aos segredos do conhecimento, para abrir as portas da compreensão, para libertar as jóias da compaixão, é preciso dar a volta à chave. Se esta Versão Parcial dum clássico I2
INTRODUCÃO
À
VERSÃO PÁRCIAL
A Chave da T'eosotta, levar novos estuabrir as postas que conduzem à sabedoria, a utilizarern o conhecimento em benefício da humanidade, terá desempenhado um papel extremamente Írtil. de todos os tempos,
clantes a tentarem
.loy Mills
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PREFÁCIO
O propósito deste livro encontra-se claramente expresso (A CHAVE DA TEOSOFIA>>, e não são precisas muitas palavras para o explicar. Não se trata dum compêndio completo ou exaustivo de Teosofia, mas apenâs de uma chave para abrir a porta que poderá levar a um estudo mais profundo da matéria. Esboça em traçcs largos a Religião-Sabedoria, explicando os seus princípios funda-
no seu título,
mentais; tenta simultaneamente responder às diversas objecções levantadas pelo homem ocidental médio interessado e apresentar, duma folma simples e numa linguagem tão clara quanto possível, conceitos pouco conhecidos. Seria, no entanto, espemr de mais que este livro conseguisse tornar a Teosofia inteligível sem um esforço mental sério por parte do leitor, mas espera-se que a obscuridade que possa subsistir após uma leitura atenta se deva ao pensamento em si e não à linguagem, à profundiciade do assunto e não à falta de clareza. Para aqueles que sofrem cle preguiça mental ou são de compreensão lenta, a Teosofia continuará a ser, necessariamente, um enigma, pois no mundo mental, tal como no mundo espiritual, o homem só pode avançar pelo esforço ìnclividual. O autor nãu pode pensar pelo leitor, e, ainda que isso fosse possível, este não tiraria daí qualquer benefício.
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A
CTT/IITE
DA
TEOSL)FIÁ
O autor agraclece calorosamente aos numerosos teósofos que lhe enviaram silgestões e perguntas, ou que de qualquer moclo contribuíram para a redacção deste livro. A obra será sem dírvida mais úrtìl graças ao seu auxílio e será essa a melhor recompensa que poderiam receber.
I A TEOSOFIA
E
A
SOCIEDADE TEOSOFICA
H.P"B
SIGNIFICADO DO NOME
Pergunta. Muitas
pessoas
afirmam qlle a Teosofia e
as
suas doutrinas são uma nova religião actualmente em voga. Pode clizer-se que a Teosofia é uma religião?
llss:posta. Não. A Teosofia é o Conhecimento ou Ciência Divina. P. Qual é o verdadeiro significado do termo Teosofia?
R.
<Sabedoria Divina>>, Qecooaía (Theosophia) ou Sabecorno \eoyoríw (theogonia), genealogia dos
cloria dos deuses,
deuses. A palavra Oedc significa um deus em Grego, urn dos seres divinos, e não tem nada a ver com o termo <<Deusl>
tal corno é entendido hoje. Não é portanto a <Sabedoria de Detrs>>, como já tem sido traduzido, mas sim Sa:bedoria Divina, ou seja, aquela que os deuses possuem. P. Qual é a origern do nome? R. O nome foi introduzido pelos filósofos da Escola de Alexandria, que eram chamados amigos da verdade, de g,ì (phil), <<amigo>, e à),ú\ew (aletheia), <<verdade>. O nome Teosofia data do terceiro século da nossa era e surgiu com Ammonius Saccas e os seus discípulos (*), que criaram o sistema ecléctico teosófico.
(*) Também chamados Analogistas. Como explicou o prof. Alex . -Wilder, F. T. S. (Membro da Sbciedade Teosóiica), na sua obra New Platonism and Alchemy: The Eclectíc Philosophy, foram assim
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A CHAYE DA
A
TEOSOFIA
P. R.
Qual era a finalidade desse sistema? Em primeiro lugar, inculcar determinadas grandes verdades morais nos seus discípulos, bem como em todos aqneles que eram <amigos da verdade>>. Daí o lema adoptado pela Sociedade Teosófica: <Não há religião superior à verdade.> (*) O principal objectivo dos Fundadores da Escola Teosófica llcléctica eía um clos três objectivos da sua sucessora actual, a Sociedacle Teosófica, nomeadamente reconciliar todas as religiões, seitas e nações sob um sistema comum de ética baseado nas verdades eternas. P. Como é que pode provar que isso não é um sonho impossível e que todas as religiões do mundo se baseiam de facto na rnesma verdacle única? R. Pelo estuclo comparativo e anâlise dessas religiões. <Todos os cultos antigcs apontarn pâïa a existência de uma
chamados devido ao facto de interpretarem todas as lendas e narrativas sagradas, mitos e mistérios, legundo uma regra ou princípio
de analogia e correspondência, de forma que acontecimentos verificados no mundo exterior erám tomados èomo uma expressão de
operações e experiências da alma humana. Foram também designados neoplatónicos. Embora geralmente se situe a origem da Teosofia ou do sistema ecléctico teosófico no séc. III, a dar-se crédito a Diógenes Laércio, a sua origem é muito anterior, pois este atribuiu o sistema ao sacerdote egípcio Pot-Ámon, que viveu no princípio da
TEOSOFIA
EA
SOCIEDADE TEOSÓFICA
única teosofia que ihes é anterior. "A chave capaz de abrir um deles terâ de abrir todos os outros; de contrário não será a chave certa."> (*)
LINHA DE CONDUTA DA SOCIEDADE TEOSÓFICA
P.
No tempo de Ammonius
Saccas havia diversas gran-
cles religiões antigas e eram numerosas as seitas que existiarn
só no Egipto e na Palestina. Como conseguia ele
con-
ciliá-las?
R. Fazendo aquilo que estamos agora a tentar fazer outra vez. Os neoplatónicos formavam uma escola numerosa e pertenciam a filosofias religiosas diferentes, tal como os teósofos de hoje. O judeu Aristóbulo afirmou, nesse tempo, que a ética de Aristóteles continha os ensinamentos esot,éríco,s da Lei de Moisés; Fílon, o Judeu, tentou conciliar o Pentateuco com a filosofia pitagórica e platónica; e Josefo provou que os Essénios de Carrnel não passavam cle simples copistas e seguidores dos Terapeutas egípcios (os curandeiros). E assim fazemos nós hoje. Podemos rnostrar como se deu a evolução de todas as religiões cristãs, incluindo
as seitas mais pequenas. Estas não são mais que pequenos galhos ou rebentos dos ramos maiores; mas tanto os rebentos
Dinastia Ptolomaica. O mesmo autor afirma que o nome é cóptico e significa pessoa consagrada a Ámon, o Deus da Sabedoria. A Teosofia é o equivalente de Brahmã-Vidya, conhecimento divino. (*) A Teosofia Ecléctica baseia-se em três princípios fundamentais: (l) Existência duma Divindade suprema ou essência infinita, absoluta e incompreensível, que é a origem de toda a natureza e de tudo aquilo que existe, visível e invisível. (2) Carácter imortal e eterno do homem, pois sendo uma emanação da Alma Universal a sua essência é idêntica à desta. (3) Teurgia, ou <trabalho divino>, ou aquilo que gera um tabalho de deuses, de theoi, <deuses>, e ergein, <trabalhar>. O termo é muito antigo, mas, como pertence ao vocabulário dos MISTERIOS, o seu uso não estava vulgarizado. Consistia numa crença mística na prática por - comprovada adeptos iniciados e sacerdotes segundo a qual se o homem se - incorpóreos, isto é, se regressasse tornasse tão puro como os seres à pureza primitiva da sua natuteza, conseguiria levar os deuses a comunicarem-lhe os mistérios divinos, e mesmo por vezes a tornarem-nos viúveis, quer subjectiva quer objectivamente.
como os ramos nascem do mesmo tronco a RELIGIÃO SABEDORIA. O objectivo de Ammonius-Saccas foi provar precisamente isso; Ammonius Saccas tentou levar gentios e cristãos, judeus e idólatras, a esquecerem as suas dissidências e conflitos, e a lembrarem-se apenas de que todos eles possuíam a mesma verdade, embora a formulassem de maneiras diferentes, e que todos eles eram filhos de uma mãe comum. É este também o objectivo da Teosofia. P. Em que fontes é que se baseia para fazer tais afirmações sobre os antigos teósofos de Alexandria?
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-
(*) Wilder, op. cit., p. ll"
A
CHT|VE
A
DA TEOSAFIA
R. Em numerosos escritores conhecidos. Um deles, Mosheim, diz: Ammonius Saccas ensinou que a religião das multidões caminhava a par e passo com a fiiosofia e, tal como ela, fora gradualmente corrompida e obscurecida por meras vaidades, superstições e mentiras humanas; que deveria, portanto, ser expurgada dessas irnpurezas e interpretada segundo princípios filosóficos a fim de recuperar a sua pureza primitiva; e que o todo a que Cristo se referia era afinal o restabelecimento cla Sabedoria dos antigos e o seu regresso certa limitação do doini à sua integridade primitiva - umaainda, até certo ponto, a nio universal da superstição-e correcção e eliminação dos erros que haviam sido assimilados pelas diversas religiões populares (*). Ou seja, precisamente aquilo que os teósofos modernos defendem. Mas enquanto o grande ,A.migo da Verdade era apoiado e auxiliado na sua orientação por dois Doutores da lgreja, Clemente e Atenágoras, por todos os doutos Rabinos da Sinagoga, pela Academia e pelos Sábios da Floresta (**), e ensinava uma única doutrina, nós, seus seguidores, não somos reconhecidos, sendo antes insultados e perseguidos. Por aqui se vê que há 1500 anos as pessoas eram bastante mais tolerantes do que o são neste sêculo esclorecida.
P.
Não teria Arnmonius Saccas o apoio da Igreja porque, apesar das suas heresias, ensinava o Cristianismo e era um cristão? R. De modo nenhum. Ammonius Saccas era cristão por nascimento, mas nunca aceitou o Cristianismo da Igreja. O autor acima referido disse o seguinte a seu respeito: Bastava-lhe expor os seus ensinamentos <<segundo os antigos pilares de Hermes, que Platão e Pitágoras conheciam e nos quais basearam a sua filosofia>. Ao encontrar os mesmos
(*) Wilder,
op. cit., p. 5. (*1) Referênèia muito provável aos ermitérios dos (ashrams) do T.).
TEOSOFIA
EA
SOCIEDADE TEOSÓFICA
sentimentos expressos no prólogo do Evangelho segundo S. João, Ammonius Saccas supôs, e com razáo, que o objectivo de Jesus era restabelecer a grande doutrina da Sabedoria em toda a sua primitiva integridade. Considerava que as narrativas da Bíblia e as histórias dos deuses eram alegorias
ilustrativas da verdade, ou fábulas que não deviam ser aceites (*).
A
RETIGIÃO.SABEDORIA ESOTÉRICA EM TODOS OS TEMPOS
P.
Considerando que não existem nenhuns escritos de Ammonius Saccas, como é que se pode ter a certeza de que foi isso que ele ensinou? R. Também Buda, Pitágoras, Confúcio, Orfeu, Sócrates e mesmo Jesus não deixaram nacla escrito e, no entanto, são figuras históricas cujos ensinamentos sobreviveram. Os discípulos de Ammonius Saccas (entre os quais se contam Orígenes e Herenio) escreveram tratados e explicaram a sua ética. Além disso, os seus alunos Plotino e Lon- Orígenes, gino (conselheiro da famosa Rainha Zenôbia) - deixaram todos trabalhos volurnosos acerca do Sistema dos Amigos da Verdade, pelo menos no que diz respeito àquilo que se sabe
da sua profissão de fé pública, jâ que a sua doutrina se compunha de ensinamentos exotéricos e esotéricos. P. Como é que esses últimos chegaram aos nossos dias, se afirmam que a chamada RELIGIÃO - SABEDORIA era esotérica?
R. A
REI IGIÃO - SABEDORïA
foi, portanto, cuidadosamente preservada. É muito anterior aos teósofos de Alexandria, chegou aos nossos dias e sobreviverá a toclas as outras religiões e filosofias. P. Onde e por quem é que ela foi preservada?
Sannyasis
-(N.
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foi sempre una, e,
sendo a última expressão do conhecimento humano possível,
2l
,4 TEOSOFIA E A SOCIEDADE
A CHAI/E DA TEOSOFIÁ
R.
T'EOSOFICA
Entre os Iniciados de todos os paÍses; entre aqueles que procuravam realmente a verdade-os seus discípulos; e nas regiões do mundo onde desde sempre se atribuiu maior valor e mais se aprofundaram essas questões: a Índia, a Ásia Central e a Pérsia. P. Pode apresentar-me provas do seu esoterismo? R. A melhor prova que lhe posso dar é que todos os cultos reiigiosos, ou, melhor, filosóficos, consistiam num ensinamento esotérico ou secreto, e numa veneração exotérica (destinada ao público). Além disso, é um facto bem conhecido que os MISTERIOS dos antigos compreendiam em todas as nações os MISTERIOS maiores (secretos) e os MISTERIOS menores (públicos), como por exemplo as cerimónias secretas que se rcalizavam em Elêusis, na Grécia. Tanto Hierofantes da Samotrácia e do Egipto, e os Brâmanes iniciados da Índia antiga, como mais tarde os Rabinos hebreus, mantiveram secretos os verdadeiros princípios das suas doutrinas bona fide, com receio de que fossem profanados. Os Rabinos judeus chamavam ao seu conjunto de prÌncípios religiosos seculares a Merkabah (corpo exterior), <<veículo>, ou ((d capa sob a qual se esconde a alma invisível>>, ou seja, o seu mais alto conhecimento secreto. Não houve uma única nação antiga que transmitisse às massas, através dos seus sacerdotes, os seus verdadeiros segredos filosóficos, comunicando-lhes apenas a ((casca). O Budismo do Norte tem o seu <grande> veículo e o seu ((pequeno) veículo, conhecidos por Escola Mahayana e Escola Hinayana. Pitâgoras chamou à sua Gnose <<o conhecimento das coisas que são> e reservoÌr esse conhecimento apenas para os discípulos que conseguiam digerir esse alimento espiritual e sentir-se satisfeitos, fazendo-os jurar que guardariam silêncio e sigilo. Os alfabetos ocultistas e as cifras secretas são resultado da evolução dos antigos escritos hieráticos do Egipto, cujo segredo, na Antiguidade, estava exclusivamente em poder dos Hierogramatistas, ou sacerdotes egípcios iniciados. Segundo os seus biógrafos, Ammonius Saccas fazia os seus alunos
jurarem não divulgar as suas mais altss doutrinos, excepto rìqueles que já haviarn sido iniciados no conhecimento prelitninar, que por sua vez também estavam vinculados por juramento. Aliás, não encontramos tarnbém idêntica atitude no Cristianismo primitivo, entre os Gnósticos, e mesmo nos ensinamentos de Cristo? Este falava às multidões em parábolas com um duplo sentido, explicando-as allenas aos discípulos. <<A vós>>, disse Cristo, <é dado conhecer o mistério do reino de Deus, mas aos que estão ile fora tudo se thes propõe em parábolas> (S. Marcos, iv, 2). <Os Essénios cla Judeia e do Carmel estabeleciam uma distinção semelhante, dividindo os seus seguidores em neófitos, irmãos e perleitos>>, ou seja, os iniciados (*). Podemos encontrar exemplos disto em todos os países. P. É possívei alcançar-se a <Sabedoria Divina> apenas através do estudo? R. Julgo que não. Os teósofos antigos, tal como os de agora, afirmaram que não é possível conhecer-se o infinito através do finito, ou seja, qlÌe o Eu finito não pode chegar ao conhecimento do infinito, mas que a essência divina pode ser comunicada ao Eu espiritual superior num estado de
22
./J
êxtase.
P. R.
Como é que explica isso? O verdadeiro êxtase foi definido por Plotino como sendo <a libertação do espírito da sua consciência finita e a sua identificação com o infinitor>. Este estado é idêntico àquele que na Índia se designa por Samadhi. Os Yoguis praticam este últirno mediante uma preparação física baseada na maior abstinência de comida e de bebida, e uma preparação mental que consiste num esforço permanente de purificação e de elevação do espírito. A meclitação é uma oração silenciosa e sem palavlas ou, como disse Platão, ((um ardente voltar da alma para o divino, não para pedir um bem específico qualquer (comc acontece na oração vulgar),
A CHAVE DÁ
A
TEOSOFIA
mas o bem em si o Bem Supremo universal>, do qual nós sornos na terra-uma parte e de cuja essência todos nós emanámos. E Flatão acrescenta: <<assim, guardai o silêncio na presença dos dívínos, até que eles afastem as nuvens dos vossos olhos e vos façarn ver com a luz que cleles emana não o que vós julgais ser o bern mas aquilo que ó intrinsecamente bom>. (*) P. Portanto, a Teosofia- não é, como aJguns afirrnam, um sistema concebido recentemente? R. Só os ignorantes se podem referir clesse modo à Teosofia. A Teosofia é tão antiga como o rnundo, tanto nos seus ensinamentos como na sìJa ética, senão no nome, e é também o sistema mais amplo e mais católico que existe. P. Qual o motivo, então, por que há uma tal ignorância no que diz respeito à Teosofia entre as nações do Mundo Ocidental? Por que razã,o é que a Teosofia é um livro fechado pâra raças que são reconhecidas como as mais cultas e avançadas? R. Na nossa opinião, existiram na antiguidade nações tão cultas e, sem dúvida, mais <<avançadas> espiritualmente do que nós. Mas há várias explicações para esta ignorância voluntária. Uma delas foi dada por S. Paulo aos atenienses cultos: o facto de o verdadeiro discernimento espiritual, e até de o interesse, se ter perdido durante muitos séculos devido à sua grande dedicação às coisas dos sentidos e à sua longa escravidão à letra morta do dogma e do ritual. Mas o motivo principal é sem dúvida o facto de a verdadeira Teosofia ter sido mantida sempre secreta.
(*)
A_ ve-rdadeira^ Teosofia
é, para os místicos, aquele
estado
que Apolónio- de Tiana descreveu da seguinte máneiia: <Vejo o presente e o futuro como se os visse num espelho límpido. O s-ábio não precisa de esperar pelos vapores da terrã e pela corrupção do
ar para prever pragas e epidemias.., Os theoi, ou deuses, vêem o futuro; os homens comuns, . o presente; os sábios, aquilo.que está
para acontecer>. A <Teosofia dos Sábios>, de que elé fala, encontra-se bem expressa na afirmação: <O Reino dè Deus está dentro de nós.>
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P.
TEOSOFIA
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SOCIEDADE TEOSÓFICA
Já demonstrou que esse sigilo na realidade existia, a sua verdadeira causa?
rnas qual é
R.
As causas foram: Primeiro, a perversidade e egoísmo cla natureza hurnana dum modo geial, a sua tendência para gratificar sempre desejos p€ssoais em detrimento do próximo e clos familiares. Nunca se pocleria confiar segredos dívinos a pessoas assim. Segundo, o facto de não se poder esperar que essas mesmas pessoas impedissern que o conhecimento sagrado e clivino fosse profanado. Foi esta última razão que Í'cz também com que as verdades e os símbolos mais sublimes fossem pervertidcs e que as coisas do espírito fossem graclualmente transformadas, em imagens antropomórficas, con,. cretas e grosseiras; por outras palavras, que a ideia cle deus fosse diminuída e surgisse a idolatria.
TEOSOFIA NÃO É BUDISMO
P.
f)iz-se frequentemente que os teósofos são <Budistas Esotéricos>. Poderá dizer-se então que são adeptos de Gautama Buda? R. Tanto como dizer-se que os músicos são adeptos de Wagner. Alguns são budistas por religião; todavia, entre nós, há muito mais hindus e bramanistas, bem como europeus e americanos cristãos, do que budistas convertidos. Esse erro surgiu deviclo a uma interpretação errónea do verdadeiro significado do título da excelente obra de A. P. Sinnett, Esoteríc Buddhísm, cuja última palavra deveria ter sido escrita com um único <<d>> em vez de dols, pois nesse caso significaria aquilo que era pretendido, ou seja, <<Sabedoril'srzo> (cle Bodha, bodhi, <inteligência>r, <<sabedoria>) e nã,o budismo, olr seja, a filosofia religiosa de Gautama Buda. A Teosofia, como já se disse, é a RELIGIÃO - SABEDORIA. P. Qual a diferença que existe entre o budismo, a religião fundada pelo Príncipe cle Kapilavastu, e o <Sabedoriísmo>> que diz ser sinónimo de Teosofia? 25
A CHAVE DÁ
TEOSOFTA
R.
Precisamente a mesma diferença que existe entre os ensinamentos secretos de Cristo, que são chamados ((os mistérios do Reino dos Céus>, e o ritualismo e a teologia dogmática posteriores das diversas lgrejas e seitas. Buddha significa o <Iluminado)) por Bodha, ou entendimento, Sabecloria. Este conceito foi integralmente assimilado nos ensinamentos esotéricos que Gautama comunicou apenas aos seus Arhat* P. Mas alguns orientalistas afirmam que tsuda nunca ensinou uma doutrina esotérica. R. Isso é a mesma coisa que afirmar que a Natureza não tem segredos para os hornens de ciência. Adiante citarei
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TEOSOFTA
EA
SOCIEDADE TEOSOFTCA
(a) de qualquer Divindade e (b) de quaiquer vida consciente tlepois da morte, ou mesmo de qualquer sobrevivência da individualidade autoconsciente no homem. Isto se nos referirmos apenas aos ensinamentos públicos de Buda; mais adiante explicarei por que motivo Buda se mostrava tão reticente nessa matéria. Poróm, as escolas cla lgreja Buclista clo Norte, fundadas nos países para onde se retiraram os Arhats iniciados após a morte do Mestre, ensinam todas aquilo a que hoje se chama as doutrinas teosóficas, porque estas fazem parte do conhecimento dos iniciados. Contudo, Teosofia não é Budismo.
uma conversa entre tsuda e o seu discípulo Ananda que desmente essa afirmação. Os ensinamentos esotéricos de Buda eram apenâs o Gupta-Yidya (conhecimento secreto) dos antigos brâmanes, cuja chave os seus sucessoÍes modernos, salvo raras excepções, perderam poÍ completo. E este Vídya foi absorvido por aquilo que é agora conhecido por ensinamentos ocultos'da escola Mahayana do Budismo do Norte. Quem o negar não passa dum simples pseudo-orientalista ignorante. P. Mas a ética cla Teosofia não é iclêntiça àquela que Buda ensinava? R. Sem dúvida, porque essa ética ê a alma da Religião - Sabedoria, e foi em tempos património comum dos iniciados de todas as nações. Mas tsuda foi a primeira pessoa a incorporar essa ética sublime nos seus ensinamentos públicos e a torná-la a pedra angular e verdadeira essência do seu sistema público. E nisto que reside a enoÍme diferença entre o budismo exotérico e todas as outras religiões, pois enquanto estas clão çrimazia ao ritual e ao dogma, o budismo insistiu desde sempre sobretudo na ética. Isto explica a semelhança, senão identidade, que existe entre a ética da Teosofia e a da religião de Buda. P. Há grandes diferenças entre os dois sisternas? R. Uma das grandes diferenças entre a Teosofia e o budismo exot,érico é que este nega por completo a existência 26
27
II TEOSOFIA EXOTERICA E ESOTERICA
O OUE A ACTUAL SOCIEDADE TEOSÓFICA NÃO
É
P. Portanto as doutrinas teosóficas actuais não são um renascimento do Budismo nem foram, tão-pouco, inteiramente copiadas da Teosofia neoplatónica? R. Não. Mas a melhor rnaneira de responcier a essas perguntas é citar uma comunicação sobre <<Teosofia> apresentacla pelo Dr. J. D. Buck, F. T. S., na Convenção Teosófica realizada en Chicago, em Abril de 1889: <A Sociedade Teosófica foi criada coÍn o objectivo de proclamar as doutrinas teosóficas e fomentar a vida teosófica. A actual Sociedade Teosófica náa é a primeira organização do género. Tenho um livro intitulado Actividades Teosóficas da Socíedade de Filadélfia, publicado em Lonclres em 1697, e outro com o seguinte título: Introdução cì T,eosofia, ou Ciência do Místérío de Cristo, isto é, da Dívindade, da Natureza e do Ser, abrangendo a fíIosofia de todas as forças da vids, tanto mógicas corno es:pirituais, tendo em vísta a elaboração dum guia prátíco da maís sublime purezã, santídacle e perfeíção evangélíca, bem como o propósito de alca:nçar .a visõto divina e a:s art,es, poderes e outrcts prerrogutíva:s angéIicas e sagradas da regeneração, publicado em Londres em 1855. 29
A
CTTAVE
DA
(No ano seguinte (1856) foi publicada uma outra obra em oitavo real, tipo diamante, cle 600 páginas, intitulada Miscelânea Teosót'ica. Desta última foram apenas publicados 500 exemplares pâra distribuição gratuita por Bibliotecas e Universidades. Estes rnovimentos anteriores, que foram muitos, surgiram no seio da própria lgreja entre pessoas cle grande devoção e çarâcter puro; todos os seus escritos têm um cunho ort.odoxo, empregando as expressões cristãs e, tal como acontece em relação aos escritos do eminente eclesiástico William l-aw, o leitor comum só os distinguiria pela sua grande sinceridacle e picdade. Não erârn mais que tentativas para compreencler e expiicar o significado profundo e verdadeiro alcance das Escrituras Cristãs, e para ilustrar e esclarecer a vida teosófica. Durante a Reforma, João Reuchlin, apesar de ser um amigo íntimo e fiel cle Lutero, fez uma tentativa semelhante, tendo obticlo o mesmo resultado. A ortodoxia nunca pretendeu ser esclarecida ou informada. Tal como Festo disse a Paulo, assim também foram avisados de que o cxcesso de conhecimentos conduzia à loucura e que seria perigoso ava!çar mais. Sem falar da sua verbosidacle, que era em parte uma questão de hábito e de formação dos autores, e em parte resultado cla opressão da religião pelo poder temporal, e, indo ao ârnago da questão, deverá dizer-se que estes escritos eram teosóficos no sentido estrito da palavra e dizem exclusivamente respeito ao conhecimento por parte clo homem da sua própria natureza e à vida superior da alma. Tem-se afirmado que o movimento teosófico actual é uma tentativa para converter a Cristandade ao Budismo, o que significa simplesmente que a palavra <heresia> deixou de inspirar terror e perdeu a força. Houve em todas as épocas indivíduos que apreenderam melhor ou pior as doutrinas teosóficas e as puseram em prática. Essas doutrinas não são exclusivo de nenhuma religião e não estão limitadas a nenhuma sociedade ou época. São um direito inato da alma humana. A ortodoxia tem de ser definida por cada indivíduo à sua própria custa estes reformadores
3CI
TEOSOFIA EXOTERICA
TEOSOFIA
E
ESOTERICA
corrsoante a sua natureza" e as suas necessidades, e de acordo com a sua experiência. Talvez seja por este motivo que aqueles que supuseram que a Teosofia era uma nova religião procuraram em vão o seu credo e o seu ritual. O seu credo ó o respeito pela Verdade e o seu ritual <Honrar toda a verclade pondo-a em prática>.
a
<A diversidade de opiniões e interpretações fictícias sobre Sociedade Teosófica mostra como o princípio da Frater-
nidade Universal é mal compreendiclo pela grande maioria da humanidade e quão raramente a sua transcendência é reconheciclzr. A Sociedade Teosófica foi fundada com base no princípio único "da fraternidade essencial do Homem. Tem sido a.cusada de ser budista e anticristã, como se pudesse ser simultaneamente ambas as coisas, e quando tanto o Budismo como o Cristianismo, tal como foram pregados pelos seus inspirados funcladores, consicleram a fraterniclade o ponto essencial da doutrina e da vida. A Teosofia tem ainda sido considerada uma criação recente ou, na melhor das hipóteses, uma palavra nova atrás da qual se csconde um rnisticismo antigo. Embora seja verdade que muitas Sociedades fundaclas para proclamar os princípios cio altruísmo ou cla fraternidade essencial, e que se uniram para os defender, hajam tido nomes difelentes, não é menos verdade que rnuitas delas foram chamadas teosóficas e que os seus princípios e objectivos eram semelhantes aos da Sociedade assim designada actualmente.r> Julgo que não poderia dar uma resposta melhor nem rnais explícita às perguntas que me fez. P. Nesse caso, além da ética budista, qual o sistema que a Socieclade Teosófica defende ou adoptou? R. Nenhum, e todos. Não defendemos nenhuma religião nem nenhuma filosofia específica; aproveitamos aquilo que cada uma delas tem de positivo. Mas deverá dizer-se que a Teosofia, tal como todos os outtos sistemas antigos, se encontra dividida em Secções Esotéricas e exotéricas.
P.
Qualéadiferença? 3I
A CHAYE DA TEOSOFTA
R. Os membros da Sociedade Teosófica têm inteira liberdade de professar qualquer religião ou filosofia, podendo até não professar nenhuma, clesde que aceitem e estejam dispostos a pôr em prática pelo menos um dos três objectivos da Associação. A Sociedade é um organismo filantrópico e científico para a difusão da fraternidade como prática e não como teoric. Os seus membros podem ser cristãos ou muçulmanos, jucleus ou pársis, budistas ou bramanistas, espiritualistas ou materialistas, pouco importa; mas todos eles têm de ser filantropos ou estucliosos. Por outras
palavras, os membros têm de ajudar, na medida das suas possibilidades, a pôr em prática pelo rnenos um dos objectivos do programa da Sociedade; cloutro modo não hâ razãa para se tornarem membros efectivos. É o caso da maioria dos membros da secção exotérica da Sociedade, que são cle dois tipos: <efectivos> e <independentes>> (*). Estes membros podem ou não tornar-se Teósofos de facío. São rnembros apenas por terem ingressado na Sociedade, mas se uma pessoa não tem qualquer consciência da justeza divína das coisas, ou tem uma noção sectória e egoísta, se assim se pocle dizer, da Teosofia, a Socieclade não pode fazer dela um verdadeiro teósofo.
TEÓSOFOS E MEMBROS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA
P. E aqueles que se declicam
ao estuclo da Teosofia
esotérica? São verdadeiros teósofos? R. Não necessariamente; só quando derem provas de que o são. Esses ingressaram no grupo interno e comprometeram-se a cumprir, tão rigorosamente quanto possível, as
(*) <Membros efectivos> são aqueles que ingressaram num ramo determinado da S. T.; <<membros independentes> são aqueles que pertencem à Sociedade como um todo, têm um diploma passado pela Sede (Adyar, Madras), mas não estão ligados a qualquer ramo ou
secção.
32
TEOSOFTA EXOTERICA
E
ESOTERICA
rcgras da secção oculta. É um compromisso difícil, pois a prirrcipal regra estabelece que se deve renunciar totalmente iì personalidade individual. É entre estes membros que se cncontram os poucos verdadeiros teósofos da Sociedade 'l'cosófica. Isto não quer dizer que não haja teósofos fora cla Sociedade, pois há muitos mais do que seria de julgar. P. Nesse câso, porque hão-cle eles tornar-se membros cla chamada Sociedade Teosófica? O que é que poderão ganhar com isso? R. Nada, mas o auxílio e o apoio dos outros membros da Sociedacle podem constituir uma grande ajuda. A união Í'az a força e a harmonia, e esforços simultâneos bem orientados podem produzir maravilhas. Este tem sido desde sempre o segredo de todas as associações e comunidades. P. Mas não será possível um homem com um espírito cquilibrado e inteiramente dedicado a um único objectivo, um homem com uma força de vontade e uma perseverança inquebrantáveis, tornar-se um ocultista ou mesmo um Adepto trabalhando sozinho? R. É, mas tem dez mil possibilidades contra uma de trão o conseguir. Uma das muitas razões é o facto de não existir hoje em dia livro nenhum sobre Ocultismo ou Teurgia que exponha os segredos da Alquimia ou da Teosofia medieval numa linguagem fácil cle entender. Os que existem empregam uma linguagem simbólica ou servem-se de parábolas. Ora, se há muito que o Ocidente perdeu a chave clessa linguagem e dessas parábolas, como é que uma pessoa pode saber qual é o significado correcto daquilo que está a ler ou a estudar? É nisso que reside o grande perigo, é isso que leva à magia negra (*) inconsciente e à mediuminidade mais inútil. Aquele que não tiver por mestre um Iniciado, agirá melhor deixando essas coisas de lado. Basta olharmos à nossa volta e vermos o que se passa. Enquanto dois terços (*) Ìr{ota do Editor: Este termo não tem qualquer conotação com a cor da pele. 33
A CHAVE DA
TEOSOFIA
da sociedade civílizada consideram que é ridículo pensar que a Teosofia, o Ocultismo, o Espiritismo e a Cabala podem ter um significado qualquer, o outro terço é constituído pelos eiementos mais heterogéneos e divergentes. Alguns
acreditam no rnístico e até no sobrenotural (!), mas cada um acredita à sua maneira. Daí que não haja duas pessoas
TEOSOFIÁ EXOTÉRICA
E
ESOTERICA
cstamos enganados. Mas, até
lá, os teósofos preíerem seguir leis naturais já comprovadas cla tradição da Ciência Sagrada. Há místicos que fizerum grandes ciescobertas de c1uímica e de física que quase pertencem ao domínio da tlquimia e do Ocultismo; outros cujo gérrio os levou à descoberta de parte, senão de todos, dos aifabetos perdidos da <linguagern dos Mistérios> e que conseguem, portanto, lcr correctamente os pergaminhos hebraicos; houve ainda rtlguns videntes que tiverarn vislumbres rnaravilhosos clos scgredos ocultos da Natureza. Mas todos eles sã,o especialista:s. Um será um inventor teórico, outro urn cabalista rus
a pensar da mesma maneira ou que estejam de acordo sobre qualquer princípio ocuito fundamental, embora muitas pessoas afirmem qì.re possuem o conhecimento supremo, levando talvez muita gente a pensar que elas são adeptos completamente desenvolvidos. Não só não existe no Ocidente nenhum nem seconhecimento científico e exacto do Ocultismo quer da verdadeira astrologia, único ramo do Ocultismo que nos seus ensinamentos exaíéricos tem ieis defüridas e qualquer noção do um sistema definido - como não existe significado clo vercladeiro Ocuitismo. Algumas pessoas restringem a sabedoria antiga à Cabala e ao Zohar judeu, que cada uma interpreta à sua maneira segundo a letra morta dos métodos rzbínicos. Outras consideram Srvedenborg ou Bcehme os expoentes máximos da mais elevada sabedoria; para outras, ainda, o mesmerisrno é o grande segredo da magia antiga. Poréin todos aqueles que tentam pôr as suas teorias em prática não tarciam a cair na magia negra, devicicr à sua ignorância. Felizes aqrieles que Ìhe conseguern escapar, pois não há meios nern critérios em que se pcssanr apoiar irara distinguir aquilo que é verdadeiro daquilo que é falso. Conhece-se uma árvore pelos seus frutos e um sistema pelos resultados que produz. Quando os nossos adversários forem çapazes de nos apontar uma pessoa que tenha conseguido sozinha, pelo estudo do Ocultismo através clos tempos, tornar-se um adepto virtuoso como Ammonius Saccas, ou mesmo Plotino, ou um teurgista como lâmblico, ou que haja realizado actos semelhantes àqueles que se atribuem a Saint-Germain sem ter qualquer rnestre para o guiar e sem ser um médium, um indivíduo convencido de que tem poderes parapsíquicos, ou um charlatão então admitirernos que
R. Os seus objectivos são vários, mas os mais importuntes são aqueles que podem contribuir para minorar o sol'rimento humano, seja ele moral ou físico. E, no nosso cntender, o sofrimento moral é bem pior clo que o físico. A Teosofia tem de inculcar a êtica no espírito dos homens, tcm de purificar a alma, se é que pretende libertar o corpo l'Ísico de sofrimentos que, à excepção de casos de aciclente, síio sempre hereditários. Não é estudando o Ocultismo para I'ins egoístas, para satisfazer uma ambição ou gratificar um orgulho ou uma vaidade pessoais, que se poderá alguma
34
3s
-
hcbreu, isto é, sectário, o terceiro um Swedenborg rnoclerno, trras qualquer deles nega aquilo que não faz parte cla sua ciôncia ou religião pessoais. Não há um irnico que se possa gttbar de as suas descobertas terem repr.esentado um benel'ício universal ou nacional ou mesmo para si próprio. Salvo tlguns curandeiros, não houve nenhurn que tivesse ajudado
u humanidade, ou sequer um número restrito cle homens rlt sua própria comunidacle, com a sua ciôncia. Onde estão
os Caldeus de outrora, aqueles que faziam curas maravilhosas <<não com sortilégios mas com símplices>? Onde estâ tttn Apolónio de Tiana capaz de curar os doentes e de rcssuscitar os mortos onde quer que se encontre e sejam tluais forem as circunstâncias? P. O objectivo da Teosofia é então produzir acleptos curandeiros?
A CHAVE DA TEOSOFIA vez alcançar o verdadeiro objecto da Teosofia, ou seja, ajudar
a humanidade que sofre. Nem é estudando um único ramo da filosofia esotérica que uma pessoa se torna um Ocultista, mas estudando, senão dominando, todos eles.
TEOSOFIÁ EXOTERTCA
ESOTERICÁ
rrssirn trernendas vantagens sobre outros homens menos instruÍdos. P. Mas essas ciências ocultas, a magia e a feitiçaria, ttiro são consideradas pelas pessoas cultas e informadas resítluos duma ignorância e duma superstição antigas?
R.
DIFERENçA ENTRE TEOSOFIA E OCULTISMO
E
Devo dizer-lhe que a sua afirmação é uma espada
clc dois gumes. Também há muitas pessoas <cultas e infor-
que consideram o Cristianismo e todas as outras rcligiões resíduos da ignorância e da superstição. Há teósofos excelentes que acreditam no sobrenatural, e até em tttilagres divínos, o que não acontece com os ocultistas. Os ocultistas praticam a Teosofia cíentífíca, baseados num r:onhecimento exacto dos segredos da Natureza, ao passo (f Lrc se um teósofo puser em prâtica poderes ditos anormais, ,rlnr conhecimentos de Ocultismo, limitar-se-â a caft numa I'orma de mediuminidade muito perigosa, porque, embora se guie pela Teosofia e pelo seu mais alto código moral, exerce cssn prática na ignorância, co n urna fé sincera mas cega. tnadas>r
P. R.
Falou de Teosofia e Ocultismo. São a mesma coisa? De forma alguma. Uma pessoa pode ser um excelente teósofo, seja dentro ou t'ora da Sociedade, sem ser por isso um ocultista. Mas não se pode ser um verdadeiro ocuitista sem se ser um teósofo autêntico; caso contrário, ser*se-á apenas um praticante, consciente ou não, da magia negra. P. O que é que quer dizer com isso? R. Jâ expliquei que um verdadeiro teósofo tem de pôr em prática o mais sublime ideal moral, tem de se empenhar em tornar realidade a sua unidade com toda a humanidade, e trabalhar incansavelmente pelos outros. Ora, se um ocultista não fizer tudo isto, é porque está a agir egoistamente para seu benefício pessoal, e se tiver adquirido um poder prático superior ao do homem comum torna-se imediatamente um inimigo do mundo e daqueles que o rocleiam muito mais perigoso do que o homem médio. P. Portanto um ocultista é apenas um homem com mais poder do que as outras pessoas? R. Muito mais, se for um ocultista prótico e realmente informado, e não apenas um ocultista de nome. Ao contrário do que dizem as Encicloffdias, as ciências ocultas não sáo <ciências ímagínárías da ldade Média relacionadas com uma suposta. acção ou influência de qualidades ocultas ou poderes sobrenaturais, como por exemplo a alquimia, a magia, a necromancia e a astrologia>; são ciências reais, que existem, exttemamente perigosas. Ensinam qual é o poder secreto das coisas da Natureza, desenvolvendo e cultivando os poderes ocultos <latentes no homemr>, dando-lhe
Os teósofos acreditam no Espiritismo? Se chama <Espiritismo> à explicação que os espíritas tlrlo sobre alguns fenómenos anormais, entáa não acreditarrros. Os espíritas afirmam que essas manifestações são protluzidas pelos <espíritos> dos mortos, normalmente familiares ricus que segundo eles voltam à terra para comunicar com nrprcles que amaram ou a quem estão ligados. Nós afirmamos (luc os espíritos dos mortos não podem regressar à terra, lrrlv<l casos muito raros e excepcionais, e que não comunicam ('{)lll os homens a não ser por meios puramente subjectìvos. Atluilo que aparece objectivamente ó apenas o fantasma rlo cx-homem físico. P. Os teósofos também rejeitam os fenómenos? lì. De forma alguma, a não ser nos casos de fraude r rrle ncional.
36
37
ÍITFERENçA ENTRE TEOSOFTA
E
ESptRtTtSMO
P. R.
Á CHAVE DA
P. R.
Então como é que os explicam? De muitas maneiras. As causas dessas rnanifestações não são tão simples como os espíritas pensam. Antes de mais, o elews ex machina das chamadas <rnaterializações> é norrnalmente o corpo astral ou <duplo> do médium ou de alguém qì,re se encontra presente. P. Disse <normalmente>; então o que acontece nos outros casos? R. Isso depende da natureza das manifestações. Por vezes são os despojos astrais, as (cascas astrais>l de l(ama-lôka, o que resta das personalidades que desapareceram; outras vezes, os Elementais. A individualidade consciente dos seres desencarnados não se pode materíalizar, nem pode regressar da sua esfera mental ou Devachân ao plano da objectividade terrestre. P. Mas muitas das mensagens recebidas dos <espíritos>
revelam não só inteligência, como um conhecimento de factos que o médium ignora, e que por vezes nem sequer estão presentes no espírito do investigador ou de qualquer dos participantes duma maneira consciente. R. Isso não prova necessariamente que sejam os espíritos que têm a inteligência e o conhecimento que referiu, ou que os mesmos sejam emanações das almas desincarnadas. Conhecem-se casos de sonâmbulos que cornpuseram obras musicais e poemas ou resolverarn problemas de matemática enquanto se encontravam em transe, sem nunca terem aprendido música ou rnatemática. Outros responderam com inteligência a perguntas que lhes foram feitas e houve ainda casos de sonâmbulos que falaram línguas, como por exemplo o hebreu e o latim, que desconheciam por completo quando acordados. Qualquer destes fenómenos se manifestou clurante um sono profundo. Perante isto, insiste que fenómenos deste tipo são provocados por <espíritos>?
P.
Mas como é que os explica? 38
TEOSOFIA EXOTEÍèICÁ
TEOSOFIÁ
E
ESOTERICA
R.
Nós defendemos que a centelha divina que existe o Espírito Uuiversal, e como tal o nosso <Ego espiritual> é praticarrrcnte omnisciente, mas não pode manifestar o seu conhecinrento devido às limitações da matéria. Portanto, quanto rÌìcnos se fizerem sentir estas limitações, ou, por outras palavrrrs, quanto mais o çorpo físico se encontrar paralisado no que diz respeito à sua actividade e consciência indepenrlctrtes, como acontece num sono ou num transe profundos, tru ainda em estados febris, mais o Ego oculto se pode rrrtnifestar neste plano. É esta a explicação que damos para rrtlueles fenómenos de uma ordem superior verdadeirarnente rro homem é una e idêntica na sua essência com
rrraravilhosos, em que se manifestam uma inteligência e um
couhecirnento inegáveis. Quanto às manifestações de ordem irrfcrior, como por exemplo os fenórnenos físicos e as banalidades e lugares-comuns do <espírito> vulgar, seria preciso
rrrris espaço e tempo do que podemos dispensar neste tttomento para explicar nìesmo o menos importante dos nossos pontos de vista sobre c assunto. P. ÉIá quem diga que a Sociedade Teosófica foi inicialtttcnte fundada para combater o Espiritismo e a crença rrn sobrevivência da individualidacle do hornem. R. Não é verdade. As nossas convicções baseiam-se toclas na imortalidade dessa individualidade. O que acontece I'roquentemente é que se confunde personalidade com indiviilualidade. Todavia, sern comprender essa diferença não é possÍvel compreencler a filosofia oriental, e é ela que está rrt origern das clivergências que existem entre a doutrina teosófica e a espírita. P. Gostaria que se explicasse rnelhor. R. O que eu quero dizer é que embora os nossos ensirtrrtncntos insistam sobretudo na iclentidade do espírito e tlu matéria, e embora digamos que o espírito é matéria ltotcncial e que a matéria não é mais que uma cristalizlç:ão do espírito (tal como o gelo é vapor solidificado), unriÌ vez que a condição original e eterna de tudo não é 39
A CHAYE DA
TEOSOFIA EXOTERICA
TEOSOFIA
espírito mas meta.-?.spírito, por assim dizer (não passando a matéria sólida e visível duma simples manifestação periodica), defendemos que o termo espÍrito só se pode aplicar
à verdadeíra individualidade. P. Mas qual é a diferença entre essa <<verdadeira individualidadeD e o ((euD ou (ego)) de que todos temos consciência?
R.
Antes de lhe responder é preciso definir o que
se
entende por ((eD) e por (ego> (*). Nós fazemos uma distinção entre a simples autoconsciência, ou seja, a simples noção
no de Romeu, na quarta no de Hamlet ou de Rei Lear, c por aí íora até ter percorrido todo o seu ciclo de incarnações. O Ego inicia a peregrinação da vida como um espírito, um Ariel ou um Puck, desempenhando um papel de ligurante como soldado, criado ou membro do coro; em seguida começa a tomar uma parte mais activa na acção, principais ora papéis sem importância, até que por fim abandona o palco como Prospero, o mdgìco. P. Estou a compreender. Afirma, então, que esse Àgo verdadeiro não pode regressar à terra depois da morte. Mas não será que o actor, caso tenha conservado uma noção de individualidade, tem inteira liberdade de regressar à cena de acções anteriores, se o desejar? R. Nós dizemos que não, porque um tal regresso à terra seria incompatível com qualquer estado de felicidade perleíta depois da morte, como hei-de demonstrar mais <rra desempenhando papéis
ndiante.
pois na verdade ele esquece a grande maioria das suas experiências diárias, e estas só produzem nele a sensação de individualidade enquanto duram. Nós, os teósofos, fazenos
POR OUE MOTIVO É ACEITE
portanto uma distinção entre este amontoado de <experiêna que chamamos falsa personalidade (por ser finita e evanescente), e aquele elemento que existe no homem e a que se deve a noção de <eu sou eu>. É a este ((eu sou eu) que chamamos a verdadeira individualidade e, para nós. este Ego ou individualidade, tal como um actor, desempenha múltiplos papeis no palco da vida (**). Digamos que cada uma das novâs vidas do mesmo Egct na terca ê uma noite
(*) Nota do Editor: O significado da palavra <<ego> tal corno empregue aqui não deve ser confundido com aquele que the atribuído na psicologia moderna. (**) Vide infra, <<Da individualidade e da personalidade>. 40
é é
ESOTERTCA
no palco de um teatro. Urna noite o actor, ou o Ego, allarece no papel de Macbeth, na seguinte no de Shylock, na terceira
de <eu soü euD, e a noção mais complexa de (eu sou o sr. Smith> ou (eu sou a sra. Brorvn>. Uma vez que acreditamos numa série de nascimentos do Ego, isto é, na reincarnação, é sobre esta distinção que assenta toda a nossa teoria. O que acontece quando uma pessoa diz <<eu sou o sr. Smith> é que se está realmente a referir a uma série de experiências diárias ligadas pela memória e que for-mam aquilo que o sr. Smith diz ser <<ele>. Mas nenhuma dessas <experiências>l é realmente o ((euD ou o <<Egol>, nem são essas expeïiências que lhe dão a noção de que ele é ele,
cias>>,
E
P.
A
TEOSOFIA?
Até certo ponto compreendo, mas estou a ver
que
os vossos ensinamentos são bastante mais complexos e meta-
Í'Ísicos que os
comum. Qual
do Espiritismo ou do pensamento religioso o motivo, então, por que a Teosofia que
dcfende suscita simultaneamente tanto interesse e tanta hostilidade? R. Creio que há diversos motivos. Posso apontar, em primeiro lugar, a grande reacção do materialismo grosseiro rlaqueles que defendem o conhecimento científico. Ëm segundo lugar, uma insatisfação generalizada em relação rì teologia das diversas lgrejas cristãs. Em terceiro lugar, uma consciência crescente do facto de que creclos tão manifes-
4Í
A
CTTAVE
DA
TEOSOFIA
tamente contraditórios, tanto em si mesmos como uns em relação aos outros, nã.o podem ser verdadeiros, e pretensões que não se verificam não podem ser reais. Em quarto Iugar, a convicção de muitas pessoas, e a certeza de algumas, de que tem de existir algures um sistema filosófico-religioso que seja científico e não apenas especulativo. Por último, a noção de que talvez seja necessário ir procurar esse sistema em ensinamentos muito anteriores a qualquer doutrina moderna.
P.
Mas como é que esse sistema surge precisamente
neste momento?
R.
Apenas porque aconteceu ter chegado a hora de o divulgar, facto de que são testemunho os esforços de tantos estudiosos para alcançaÍem a verdade, custe o que custar e esteja ela onde estiver. Perante isto, os seus guardiões permitiram que se divulgasse pelo menos parte dessa
TEOSOFIA EXOTERICA
sistemas. Se juntarmos
a isto o esforço pessoal e a vida de glande plJrezÃ. que se exige àqueles que aceitam um código clcsprovido de qualquer forma de egoísrno, faciknente se perceberá por que motivo a Teosofia está condenada a um I)rogresso tão lento e tão difícil. A Teosofia é fundamenttlmente a filosofia daqueles que sofrem e que perderam todas as esperanças noutros meios que os pudessem ajudar it não se afundarem no atoleiro que é a vida. Além disso, a história de qualquer sistema religioso ou moral demonstra que, de início, ao ser introduzido num terreno estranho, csse sistema teve de vencer toclos os obstáculos criados pelo clbscurantismo e pelo egoísmo.
Deverá considerar-se a Teosofia uma revelação?
De modo nenhum, nem sequer no sentido de ser qualquer coisa que foi directa e recentemente revelada por seres superiores, sobrenaturais ou, pelo menos, sobre-humanos. Só se poderá dizer isso no sentido de a Teosofia ser um descobrir de verdades extremamente antigas a pessoas que até agora as desconheciam, e que ignoravam até que um conhecimento tão antigo pudesse existir ou ter sido preservado.
P.
Se a verdade é aquela que a Teosofia defende, por que motivo se lhe deparou tanto antagonismo e tão pouca aceitação?
R. Mais uma vez por vários motivos, sendo urn deles aversão dos homens às <<inovações>>, como se costuma dizer. O egoísmo é essencialmente conservador e rejeita tudo aquilo que possa constituir motivo de perturbação; prefere uma mentira fâcil, pouco exigente, à maior verdade, desde que esta implique o sacrifício do mínimo conforto. O poder cla inércia mental é grande quando urna coisa não promete a
42
ESOTERICA
urn benefício ou uma recompensa imediatos. Por outro laclo, os ensinamentos teosóficos são invulgares, as suas doutrinas siro extremamente obscuras e alguinas delas negam redondamente fantasias rnuito do agrado clos partidários doutros
verdade.
P. R.
E
43
UI PLANO DE ACÇÃO DA SOCIEDADE TEOSOFICA
OBJECTIVOS DA SOCTEDADE
P. R.
Quais são os objectivos da Sociedade Teosófica? Os objectivos da Sociedade são três e têm-se mantido desde a sua fundação: 1) formar o núcleo duma Fraternidade Universal da Humanidade sem qualquer distinção de raça, cor ou credo; 2) promover o estudo da religião e ciências do mundo e demonstrar a importância da literatura asiática antiga, nomeadamente das filosofias bramânica, budista e zoroastriana; 3) investigar os mistérios ocultos da Natureza sob todos os aspectos possíveis, e em especial os poderes psíquicos e espirituais latentes no homem. Estes são, em traços largos, os três cbjectivos principais da Sociedade Teosófica (*). P. Não me pode explicar mais pormenorizaclamente esses objectivos?
. (t) Nota do Editor: Os objectivos da Sociedade sofreram diversas alterações apó-s a,fundação dêsta, em 1875. Em 1896 foi adoptada a.seguinte redacção que se manieve desde então: (l) Formai um núcleo da Fraternidade Universal da Humanidade.' sem oualouer distinção _de raça, credo, sexo, casta ou cor. (2) Foúentar ô esfudo comparativo das _ religiões, filosofias e ciências. (3) Investigar leis inexplicadas da natureza e os poderes latentes iró homeml 45
as
A CHAVE DA
TEOSOFIA
R.
Os três objectivos acima referidos podem ser divididos em tantas cláusulas explanatórias quantas forem necessárias.
P. Comecemos então pelo primeiro. A que neios poderá a Sociedade Teosófica recorrer a fim de promover um sentimento de fraternidade entre raças que se sabe terern as mais diversas religiões, costumes, crenças e rnaneiras de pensar?
R. Deixe-me acrescentar uma coisa que parece ter urna certa relutância em dizer. Claro que temos consciência de que as nações estão divididas, não só entre si como até internamente. Daí a sua pergunta e o facto de o nosso prinreiro objectivo lhe parecer uma Utopia, náo ê verdade? P. De facto tem razáo, mas o que é que tem para contrapor a isso? R. Ao facto em si, nada; mas há rnuito a dizer quanto à necessidade de remover aquiio que faz com que a Fraternidade Universal seja de mornento uma Utopia. P. Na sua cpiniãro, quais são essas causas? R. Em primeiro lugar e acima de tudo, o natural egoísrno da natureza humana. O desinteresse expresso nos ensinamentos altruístas de Jesus não passa hoje cle um. tema teórico pata a. oratória dos sermões, ao passo que as máxìmas do egoísmo prático, contra as quais Cristo pregou em vão, estão profundamente enraizadas no modo de vida das nações ocidentais. A grande máxima da lei dessas nações é <olho por olho, clente por dente>. Ora, não tenho qualquer receio de afirmar que só a Teosot'ia é que poclerá erradicar a perversidade inerente a essa doutrina e a muitas outras. A
ORIGEM COMUM DE TODOS OS HOMENS
P. Como? R. Demonstrando
lógica, filosófica, metafísica e mesmo cientificamente que: a) Todos os homens têm espiritual e 46
PLANO DE ACÇÃO DA SOCTEDADE TEOSÓFICA Í'isicamente a mesma origem, e é este o ensinamento funcÌamental da Teosofia. ó) Sendo a humanidade fundamentalmente de uma única e mesma essência, e senclo essa essência urÌa -- infinita, incriada e eterna, quer lhe chamemos Deus ou Natureza não há nada qÌ]e possa afectar uma nação -, que ou um hornem não afecte toclas as outras nações e todos os outros hornens. P. IvIas não foi isso que Cristo ensinou, isso é mais rrm conceito panteísta. R. O seu erro é esse. Trata-se dLlm conceito puramente rrisÍíio. P. Como é quc o pode provar? R. Facilnlente. Cristo disse: <Amai-vos uns aos outros* t' <Amai os vossos inimigos> porque <se amais (apenas) (ìs que vos amam, que recompensa (ou mérito, haveis de tcr? Não o fazem os publícanos(*)? E, se saudais somente ()s vossos irmãos, que fazeis de extraorclinário? Não o fazem lrrnrbóm os pubÌicanos?> São estas as palavras de Cristo. Mirs no Génesis, íX, 25, lê-se: <Maldito seja Canaan; que t'lc scja o último dos escravos dos seus irmãos.>> Assim, aquelcs que se regcm pela Bíblia, preferem a lei de Moisés rr lci de arnor cle Crislo. Easeiarn-se no Antigo Testamento, lxris enccntram nele justificação para todas as suas paixões, rs suas leis cle conquista, anexação e iirania sobre raças :r (lue chamam int'eriores. A hisiória só por si dá,nos uma llilicla ideia dos crimes que foram cometiclos em nome clesta l)rssagem infernal (caso seja tomada à ietra) do Génes:is. P. Já a ouvi dizer que a identidade da origem física do Irorrrem é demonstrada pela ciência, e a da sua origem esp! litual pela Religião-Sabecloria. Todavia, não temos conhe-
(*) Publicanos: eram naquele tempo considerados autênticos la_ rl'tics e carteiristas. o ngmé e a profissão de publicano ãiam-oos rliris _odiosos entre os Judeus. Eìtavam proitjidos Oe en-tiãi ìó lì'rrrplo e S. Mateu.s (xviij, 17) refere-se a págãos e puOti.aìós-iomõ ',('Ít(r() a mesma colsa. Não passavam, porém, de cobradores de im_
ltrt5[115 pg1n4n6g.
47
A CHAVE DÁ
TEOSOFIA
cimento de darwinistas que dêem testemunho de grande afeição fraternal. R. Essa é uma das provas da deficiência dos sistemas materialistas, e demonstra que os teósofos têm razão. A identidade da origem física do homem não apela de maneira nenhuma para os nossos sentimentos mais profundos e elevados. A matéria, destituída da alma e do espírito, ou da sua essência divina, não consegue falar ao coração humano. Mas a identidade da alma e clo espírito, do homem verdadeiro e imortal, tal como a Teosofia ensina, uma vez comprovada e profundamente enraizada nos nossos corações, poderá levar-nos bem longe na via da verdadeira caridade e da verdadeira solidariedade fraternal. P. Mas como é que a Teosofia explica a origem comum cle todos os homens? R. Ensinando que a roiz de toda a natureza, seja ela objectiva ou subjectiva, e de tudo aquilo que existe no universo, visível ou invisível , é, foí e será sempre uma essência una e absoluta, na qual tudo começa, e à qual tuclo retorna. P. Há mais alguma coisa que os estatutos da Sociedade Teosófica aconselhem os seus membros a fazer? No plano físico, claro. R. A fim àe despertar o sentimento de fraternidade entre as nações, temos de participar no intercârnbio internacional de artes e produtos úteis aconselhando, informando e colaboranclo com todos os indivíduos e associações válidos. Temos ainda de inculcar nos homens a ideia de que, se a raiz da humanidacle ê una, deve haver também uma verdade que se manifeste em todas as religiões. P. ïsso diz respeito à origem comum de todas as religiões e, nesse aspecto, talvez tenha razão. Mas, na prática, como é que isso se aplica à fraternidade no plano fisico? R. Em primeiro lugar, aquilo que ó verdadeiro no plano metafísico deve sê-lo também no plano físico. Em segundo lugar, porque não há nada como as divergências religiosas 48
PL.4NO DE ACÇÃO DA SOCIEDADE TEOSÓFICA
para gerar ódios e conÍliios. Quando urn indivíduo se con-
sidera o detentor único da verdade absoluta, é perfeitamente rratural da sua parte julgar que o seu próxirno se encontra preso nas garras do
Erro ou do Demónio. euando se con-
seguir levar o homem a compreender que nenhuma das reli-
giões
é detentora de toda a
verdade, que todas elas são
mutuamente compiementares, e que só é possível encontrar a verdade total conciliando todos os pontos de vista depois cle se separar o que cacla urna delas tem de verdadeiro daquilo que é falso, então poderá falar-se de verdadeira fraternidade om religião. O mesmo se poderá dizer em reiação ao plano l'ísico.
P.
Gostaria que se explicasse um pouco melhor. R.. F-açamos urna comparação. Uma planta é constituída pela raiz, pelo caule, pelos rebentos e pelas folhas. Supondo que a humanidade, no seu todo, é o caule que cresce a partir da raiz espiritual, esse caule será igualmente tr uniclade da planta. Tudo aquilo que afectar o caule irá, inevitavelmente, afectar todos os rebentos e folhas cla planta. (lom a humanidade passa-se a mesrna coisa. P. Sem dúvida, mas isso não implica que uma coisa rlue afecte uma folha ou um rebento vá necessariamente rrÍ'ectar a planta toda. R. Quer então dizer que o facto cle se fazer mal a unt Iromem não irnplica que se esteja a prejudicar toda a humanidade? Como é que sabe? A própria ciência materialista cnsina que qualquer coisa, por pequena que seja, que prejLrcliclue uma planta, vai afectar toclo o seu crescimento e tlcsenvolvirnento fnturos. Se muitas vezes um corte num tledo pode fazer o corpo inteiro sofrer e reagir sobre todo o sisterna nervoso, é muito possível que existarn outras leis cspirituais a agir sobre as plantas e os animais, bern corno sobre a própria humanidacle; Ínas, se não admite que essas lcis actuem sobre as plantas e os animais, talvez negue a sua existência.
P. A que leis é que se está a referir? 49
A CHAYE DÁ
TEOSOFIA
R. Damos-lhe a designação de leis kármicas, mas só poderá compreender o seu verdadeiro significado se estudar Ocultismo. Porém, a afirmação que fiz não se baseia nessas leis, mas sim na analogia da planta. Se considerar a ideia no seu sentido mais amplo, â um nível universal, há-de verificar que na verdadeira filosofia todas as acções físicas produzem efeitos morais permanentes. Se fizer mal a um homem no plano físico, poderá talvez pensar que a dor ou sofrimento dele não irá afectar de forma alguma aqueles que o rodeiam, e muito merìos homens de outras nações. Nós afirmamos que a seu tempo isso aconl.ecerí Dizemos, portanto, que não é possível existirem na terra sentimentos de fraternidacle como os que os grandes Reformaclores, sobretudo Buda e Jesus, pregaram, a não ser que os homens sejam levados a compreender, e a aceitar como verdade axíomátíca, que quando procedem mal para com os outros o seu acto irá prejudicar não só a eles como, a longo prazo, tocla a humanidade. OUTROS OBJECTIVOS DA SOCIEDADE TEOSóFICA
PLANA DE ÁCÇÃO DÁ SOCIEDADE TEOSÓFICA
R.
Isso terá igualmente de ser feito através de publi-
cações quando não for possível rcalizar conferências ou llcnsamentos pessoais. O nosso dever é manter vivas nct Iromem as suas intuições espirituais. Combater e neutralizar - depois de devidamente investigadas e de comprovada a sua natureza irracional as formas de fanatismo, - todas scja ele religioso, científico ou social, e sobretudo a hipocrisia, quer esta se âpresente como sectarismo religioso ou crença em milagres ou em coisas sobrenaturais. Temos de procurar conhecer todas as leis da natureza e divulgar esse
conhecimento. Promover o estudo de leis que os hornens tle hoje não compreenclem, as leis das chamadas Ciências Ocultas, com base num ,-erdadeiro conheciruento da natut'ery. Depois de joeirados, o folclore e as tradições populares, l)or muito fantasiosos que por vezes pareçam, podem concluzir à descoberta de segredos da natureza perdidos clesde há muito, mas importantes. A Sociedade Teosófica prolrõe-se, portanto, seguir essa linha de investigação, tendo cm vista alargar o seu câmpo de observação científico e l'ilosófico.
P. Gostaria que me explicasse agora como é que a Sociedade se propõe realizar o seu segundo objectivo. R.
Reunindo na biblioteca da sua sede em Adyar,
Madras, todas as obras válidas que nos seja possível sobre as religiões do mundo; o mesmo Íarão os membros da Sociedade em relação às bibliotecas iocais das Secções Regionais. Compilando todas as informações correctas sobre as diversas filosofias, tradições e lenclas antigas, e divulgando-as da maneira que nos for possível, como por exemplo através da tradução e publicação de obras originais importautes, extractos dessas obras e comentários sobre as mesmas, ou
de palestras de indivícluos especializados. P. E no que diz respeito ao terceiro objectivo: desenvolver no homem os seus poderes espirituais e psíquicos latentes? 50
5I
IV RELAÇÃO ENTRE A SOCIEDADE TEOSÓFICA E A TEOSOFIA
DO AUTO-APERFEIçOAMENTO
P. O aspecto em que a Sociedade Teosófica insiste mais ó, portanto, o progresso moral? R. Sem dúvida! Todo aquele que quiser ser um verdadeiro teósofo terá de viver como tal. P. Se assim ê, tal como já referi atrás, o comportamento de alguns membros da Sociedade está em contradição com essa norma fundamental. R. Tem razáo. Mas isso é inevitável; aliás, o mesmo se pode dizer daqueles que se intitulam cristãos e agem como se o não fossem. Não se pode atribuir a culpa disso ÍÌos nossos estatutos ou às nossas regras, mas sim à nattreza humana. Um verdadeiro teósofo deverá <agir com justiça c caminhar com humildade>. P. O que quer dizer com isso? R. Apenas que o eu individual deverá esquecer-se de si mesmo em benefício dos outros. P. Isso é puro altruísmo. R. É. E bastaria que em cada dez membros da Socie. rlade Teosófica houvesse um que o praticasse para a nossa organização ser uma verdadeira organização de eleitos. Mas lrh muitas pessoas que se recusam a ver a diferença funda53
A CHAVE DA TEOSOFIA mental que existe entre a Teosofia e a Sociedade Teosófica, entre a ideia e a sua expressão imperfeita. P. Mas neste caso é muito difícil estabelecer a distinção entre o abstracto e o concreto, pois só a partir deste é que é possível fazer um ju2o. R. A justiça, tal corno a caridade, deve começar por nós próprios. Alguma vez se lembraria de atacar ou ridicularìzar o Sermão da Montanha porque as leis sociais, políticas e mesmo religiosas da sociedade em que vive não conseguiram, atê agora, pôr em prâtica os princípios que ele estabelece, quer no espírito, quer na letra? <Não oponhais resistência ao mal, amai os vossos inimigos, abençoai os que vos amaldiçoam, f.azeí bem aos que vos odeiam>, pois <se alguém violar um destes mais elementares preceitos e ensinar assim aos homens, dessa maneira será o menor no reino dos Céus>r, e (quem chamar o'louco" (a seu irmão) correrá perigo do fogo do inferno>. Como é que se permite julgar os outros quando não consente que os outros o julguem? Se insiste em afirmar que não existe qualquer cliferença entre a Teosofia e a Sociedade Teosófica, está implicitamente a acusar o Cristianismo e a sua essência verdadeira da rnema falta de coerência. Nunca é de mais dizer que há uma grande diferença entre o ideal abstracto e o seu veículo.
SOCIEDADE TEOSOFICÁ E
Á
TEOSOFIÁ
nrernbros esforçam-se sinceramente por compreender e objec[ivar, se assim se pode dizer, a Teosofia nas suas vidas;
Gostaria que explicasse melhor essa diferença. A Sociedade é uma organização vastíssima de homens e mulheres, constituída pelos elementos mais heterogéneos. A Teosofia, no sentido abstracto, é a Sabedoria Divina, ou o conjunto do conhecimento e da sabedoria subjacentes ao Universo, a homogeneidade do BEM eterno; no sentido concreto, é apenas o somatório desse mesmo bem tal como 'a natureza o distribui pelos homens aqui na terra. Alguns
outros pretendem apenas saber o que é a Teosofia e não lrraticá-la; outros ainda terão entrado para a Sociedade iÌpenas por curiosidade ou corno resultado dum interesse passageiro, ou talvez, até, porque amigos seus são mernbros. Como é que o sistema pode ser julgado pelo nível daqueles (lue se intitulam membros sern que tenham direito a isso? A Sociedade só pode ser considerada a personificação da 'l'cosofia nos seus motivos abstractos; nunca poderá ciizer rlue é o seu veículo concteto enquanto na sua organização subsistirem todas as imperfeições e fraquezas humanas. Se rrrc permite recorrer a uma imagem oriental, diria que a 'l'cosofia é o oceano infinito da verdade, do amor e da subedoria universais, cujo esplendor se reflecte na terra, to passo que a Sociedade Teosófica não será mais que uma pequena bolha visível nesse reflexo. A Teosofia ê a rratureza divina, visível e invisível, e a Sociedade Teosófica ó a naturez-a humana a tentar ascender à sua origem divina. A Teosofia é, finalmente, o sol fixo e eterno, e a Sociedade 'l'cosófica o cometa efémero que procura uma órbita a fim tlc se tornar um planeta e girar sempre na atracção do sol tla verdade. A Sociedade Teosófica foi fundada a fim de trtostrar aos homens que a Teosofia existe e de os ajudar rr ascender a ela attavés do estudo e assimilação das suas vcrdades eternas. P. Pareceu-me que tinha dito que a Sociedade Teosól'ica. não possuía preceitos nem doutrinas próprios? R. De facto não temos. A Sociedade não defende nem crtsina uma sabedoria sua. É apenas depositária de todas rrs verdades proferidas pelos grandes videntes, iniciâdos e profetas de ópocas históricas e rnesmo pré-históricas, ou pclo menos de todas as verdades que conseguiu recolher. NÍio passa, portanto, de um canal através do qual é divulglcla uma parte da verdade contida nas declarações dos grandes mestres da humanidade.
54
5-t
OABSTRACTOEOCONCRETO
P. R.
A CHAVE DA
P.
TEOSOFIA
Mas não é possível alcançar essa verdade fora da
Sociedade?
R. A existência inegável de grandes iniciados verdadeiros <Filhos de Deus> rnostra que houve indivíduos isolados que conseguiram alcançar muitas vezes essa sabedoria, nunca poróm sern a orientação de um mestre no começo. Porém, muitos dos seus discípulos, quando por sua vez se tornaram mestres, reduziram o catolicismo desses ensinamentos à estreiteza dos dogmas sectários que perfilhavam. Adoptavam e seguiam então os preceitos de um único mestre em detrimento cle todos os outros se é que os seguiam, como se verifica em relação ao Sermão da Montanha. Cada religião é, portanto, uma pequena parte da verdade divina intelpretada de modo a abranger um vasto panorama da imaginação humana que pretendia repre-
SOCIEDADE TEOSÓFICA E
A
TEOSOFIA
R. Precisamente. Dizemos ainda que a Sociedade Teosófica é a humilde semente que, se for regada e a deixarem viver, acabará por produzir a Árvore cla Sabedoria do Bem c do Mal que está enxertada na Árvore da Vida Eterna. Os hornens só poderão esperar alcançar a verdade se estuclarem as várias grandes religiões e filosofias da humanidade, comparando-as objectivarnente e com imparcialidade. É sobretudo descobrindo e anotando os vários pontos que essas rcligiões e filosofias têm em comum que se poderá atìngir csse firn, pois assim que conseguimos cornpreender o seu significaclo oculto quer estudando quer aprendendo corn alguóm que o conheça quase sempre, que ele - verificamos, cxprime uma grande verdade da Natureza. P.
Já ouvimos falar de uma Idade de Ouro passada, vir a ser uma ldade de Ouro do futuro. Quando surgirá esta última? R. Apenas quando a humanidade no seu todo sentir que ela é necessária. Hâ uma máxima do Javidqn l(herad persa que diz: <<Hâ dois tipos de verdade - uma delasdeé rnanifesta e evidente; a outra precisa constantemente scr demonstrada e comprovada.> E só quando esta última se tornar tão evidente a nível universal como agora é obscura e co no tai susceptível de ser deturpada por sofistas c
acaba de descrever aquilo que poderá
sentar e substituir essa verdade. P. Mas disse que a Teosofia não era uma religião? R. De forma alguma, pois a Teosofia é a essência de todas as religiões e da verdade absoluta, sendo cada credo apenas uma pequena gota dessa mesura essência. Vou recorrer novamente a uma metáfora. d Teosofia, na terra, é como a luz branca. sendo cada religião apenas uma das sete cores do espectro. Cada uma dessas cores, ignorando todas as outras e acusando-as de serem falsas, não só reclama para si a primazia como afirma sef o lug branca em si, chegando mesmo a anatemizar as suàs próprias cambiantes, que classifica de heresias. Porém, à medida que o sol da verdade se for elevando mais e mais no horizonte do entendimento do homem, e cada cor se for esbatendo até acabar por ser reabsorvida, a humanidade deixará de estar sob a maldição de polarizações artificiais e acabará por se encontrar sob a luz pura e incolor da verdade eterna. Então terá alcançado a Theosophía. P. Afirma, então, que todas as grandes religiões tiveram origem na Teosofia e que só assimilanclo-a o mundo se poderá libertar da maldição dos seus grandes erros e ilusões?
e casuístas, só quando amiros os tipos de verdade formarem cle novo urn todo, é que os homens pensarão todos da rnesma maneira. P. Mas decerto que as poucas pessoas que sentiram necessidade de tais verdades optaram já por algo de definitivo. Disse que a Sociedade não tem doutrinas próprias c que portanto os seus membros podem acredi{ar naquilo que quiserem e aceitar o que entenderem. trsso dá a impressão rlc que a Sociedade Teosófica está decidida a ressuscitar a confusão de línguas e de crenças da Torre de Babel da Antiguidade. Não há crenças comuns a todos os membros cla Sociedade?
56
57
A
R.
CTTAYE
DÁ TEOSOFIA
O que eu queria dizer ao, afirmar que a
v
Sociedade
não tinha princípios ou doutrinas próprios, era que os seus membros não são obrígados a perfilhar uma doutrina ou um credo específicos.
I]NSINAMENTOS FUNDAMENTAIS
DA
TEOSOFIA
DE DEUS E DA ORAçÃO
o
P. R. P.
Os teósofos acreclitam em Deus? Depende daquilo que entende por Deus. Quando digo Deus estou a falar no Deus dos Cristãos, Pai de Jesus e o Criador; por outras palavras, o Deus
llíblico de Moisés.
R. Nesse Deus não acreditamos. Não aceitamos a ideia tlum Deus pessoal, ou dum Deus extracósmico e antropo, rrrórfico, que aÍïnal não é mais que um reflexo gigantesco do homem; aliás, nem sequer o mais perfeito dos homens. Na rrossa opinião, o Deus da teologia não passa dum amontoado tlc contradições e duma impossibilidacle lógica. Como tal, rcjcitamo-lo. P. Agradecia que me explicasse os motivos dessa atitude. R. São muitos, e não é possível referi-los todos. Mas posso apontar-lhe alguns. Esse Deus de que falou não é, scgundo aqueles que acreditam nele, infinito e absoluto? P. Creio que sim.
R. Então, se é infinito, isto é, sern limites, e sobretudo sc ó absoluto, como é que pode ter forma e ser criador do (tuc quer que seja? A forma implica uma limitação, bem ('()rì1o
58
um princípio e um fim, e, para criar, um Ser tem de 59
A CHÁI/E DA
TEOSOFIA
pensar e pianear. Como é que o ABSOLUTO pode perìsar' ou, por outras palavras, ter uma aÍìnidade qualquer com aquilo que é limitado, finito e condicionado? É um absurdo não só do ponto cle vista lógico como filosófico. Até a Cabala hebraica rejeita tal ideia, fazendo do único e Absoluto Princípio Deífico uma Unidade infinita a gue chama Ain-Soph ('k). Fara criar, o Criador, tem de agir, e, como isso é impossível para o ABSOLUTO, foi necessário apresentar o princípio infinito como causa indirecta da evolução (e não da criação), isto ó, através da emanação dos Zéfiros (outro absurdo que se deve neste caso aos tradutores cla Cabala) (*x). P. Então os teósofos são ateus? R. Não nos consicleramos ateus, a não ser que por ateus se entenda aqueles que não crêem num Deus antropomórfico. Acreditamos num Princípio Divino lJniversal, origem de TUDO, do qual tudo procede, e ao qual tudo retorna no fim do grande ciclo do Ser. P. Mas isso é precisamente aquilo que o Fanteísmo sempre defendeu. Se os teósofos são panteístas não podem ser deístas, e se não são deístas são ateus. R. Não necessariamente. O termo Fanteísmo é mais um claqueles termos que têm sido usados abusivamente e cujo significado verdadeiro e primitivo foi deturpado devido a toda uma série de preconceitos e a uma visão parcial. Se aceita a interpretação dada pelos cristãos à etimologia desta palavra, segundo a qual ela é composta por nâu, <<todo>, e 6u;. , <<deus>>, e em seguida parte do princípio de que isto signi-
(*) Ain-Soph, !!0 ftN:zô náu: ó dnetpos, que não tem fim ou ïmites, em e com a Natureza, o que não existe e É, mas que não ê um Ser.
(**)
ENSINAMENTOS FTJNDAMT'NTÁIS
DA
TEOSOFIA
l'ica que cada pedra ou cada árvore que existe na Natureza ó um Deus, ou o Deus UNICO, terá sem dúvida razão em cosiderar que os panteístas não são mais que adoradores clc feitiços e que merecem o nome que têm. Mas se, como ttós, analisar a etimologia da palavra dum ponto cle vista csotérico, chegará a conclusões muito diferentes. P. Qual é, então, a sua definição de panteísmo? R. Deixe-me ser eu a fazer-lhe uma pergunta. O que é tlue entende por Pa.n ou Natureza? P. A Natureza é, no meu entencler, o conjunto de toclas rus coisas que existem à nossa volta; o conjunto cle causas e cÍ'eitos no mundo da matéria, a cliação ou universo. R. É, portanto, a manifestação da totalidacle clas causas c efeitos conhecidos; o conjunto de todos os agentes e forças l'initas, completamente desligados dum Criaclor ou cle Criaclores inteligentes, e talvez <concebida como uma força única c isolado>, como dizem as enciclopédias. P. Creio que sim. R. Pois nós não tomamos em consider.ação esta naturcza material e objectiva a que chamamos uma ilusão evaIìescente, I por 6fry também não entendemos NatuÍeza no scntido que normalmente lhe é airibuído como derivado da palavra latina Natura (devir, d.e nasci, nascer). euando l'alamos de Divindade e a identificamos, fazendo-a poríanto coincidir com a Natureza, estamos a falar na iratureza oterna e incriada e não desse arnontoado de sombras Í'ugidias c irrealidades finitas. A nossa DIVINDADE está em toda ru parte, em cada átomo do Cosmos, visível e invisível, em, sobre e em redor de todos os átomos visíveis e moléculas rlivisíveis; pois ELA é a força misteriosa da evolução e involução, a força criadora omnipresente, omnipotente e até
omnisciente.
P. A
Como é que o princípio eterno não-activo pode emanar ou emitir? O Parabrahm dos Vedantistas não o faz, nem o Ain-Soph da Cabala caldaica. É uma lei eterna e periódica- devido à oúal
tcósofos afirmam que o Absohlio não pensa.
de vida.
pcnsamento é algo limitado e condicionado. Mas esquece-se
uma força activa e criadora (o logos) eniana do Único, incorìcebível e inefável, ao iniciar-se cada mahamanvantara, ou novo ciclo
60
R.
omnisciência é apanágio dum ser pensante, e os
Afirmamos que o ABSOLUTO não pensa, pois
6t
o
A CHAVE DÁ
TÊOSOFIA
cle que em filosofia a inconsciência absoluta é também cons-
ciência, pois doutro moclo não seria absoluta. P. Então o Absoluto dos teósofos pensa?
R. Não, não pensa, pela simples razão de que é o próprio Pensamento Absoluto. E também não existe, pelo mesmo motivo, porque é a existência absoluta, o Ser e não unr ser. Se ler o maravilhoso poema cabalístico de Solomon Ben Yehudah Gebirol, no Kether-Malkttth, compreenderá: <Tu és um, a origem cle todos os números, mas não como elemento cle numeração, pois a unidade não comporta multiplicação, mudança ou forma. Tu és um, e o mais sábio dos homens perde-se no mistério del tua unidade, pois não a conhece. Tu és um, e a tua unidade não diminui e não aumenta nunca, nem pode ser alterada. Tu és írnico e nenhum pensamento meu te pode impor um iimite ou definir-te. Tu ES, mas não como algo que existe, pois o entendimento e a visão clos mortais não podem alcançar a tua existência nem determinar o teu onde, como e porquê>, etc. Por outras palavras, a nossa Divindade é o construtor eterno do universo em constanle evolução, e não o sett criador; ê o próprío tmiverso a manifestar-se L partir da sua essência e não a ser críado. É, no seu simbolismo, a esfera sem circunferência, que tem um único atributo actuante que compreende todos os outros atributos existentes ou imagináveis ELE MESMO. E a lei única da qual procedem leis -manifestadas, eternas e imutáveis, embora ela não seja manifestável porque é a LEI absoluta, que nos seus períodos de manifestaçáo é O eterno Devir.
É
NECESSÁRIO ORAR?
P.
Gostava que me dissesse se os teósofos acreditam na
oração e se rezam?
R. P.
Não. Preferimos agir a fala:r. Não oferecem sequer orações ao Princípio Absoluto? 62
ENSINAIITENTOS FUNDÁMENTAIS
DA TEoSoFIA
R. Por que motivo havíamos de o fazer? O Incognoscível só admite relações entre as partes que o integram, mas ruão existe para manter quaisquer relações finitas. euanto à sua existência e fenómenos, o universo visível depende de manifestações interactuantes desse mesÍno universo e das leis que as regem, e não da oração ou de orações. P. Os teósofos não acreditam, portanto, na eficácia da oração?
R.
Da oração que se aprende de cor e se repete, não, um pedido dirigido a um Deus des-
se por oração entende conhecido.
P. R.
Mas haverá outra espécie de oração? Sem dúvida; chamamos-lhe a ORAçÃO DA VON'|ADE, que é mais uma ordem interior do que um pedido. P. Então a quem é que os teósofos dirigem a sua oração cluando rezam?
R.
Ao
<<nosso
Pai no céu> no senticlo esotérico da ex-
pressão.
P. ltribui?
E
esse sentido é
diferente daquele que a Teologia lhe
R.
Totalmente diferente. Um ocultista ou um teósofo tlirige as suas orações ao Pai <<inet'óvel>> (leia e tente compreender S. Mateus vi, 6), <Pai> esse que está no próprio Iromem, e não a um Deus extracósmico e portanto finito. P. Para os teósofos, então, o homem é um Deus? R. Diga <Deus> e não um Deus. para nós, o homem interior é o único Deus de que podemos ter conhecimento. Nem poderia ser doutra forma. Se aceita o nosso postulado scgundo o qual Deus é um princípio infinito imanente em tuclo, como é que o homem pode deixar de estar completarrrente impregnaclo de e na Divindade? Chamamos <<nosso pai no céu> àquela essência divina que sentimos dentro de nós, rìo nosso coração e na nossa consciência espiritual, e que não lcm nada a ver com a ideia antropomórfica que o nosso córebro físico ou a nossa fantasia possam fazer dele: <Não sabeis que sois o templo de Deus e gue o espírito do Deus 63
A
CTTAVE
(absoluto) habita em
DA
ENSINAMENTOS FUNDAMENTÁIS
TEOSOFIA
(x) Mas não se pode antropornorfizar essa essência. Nenhum teósofo que defenda a verdade divina e não humana poderá dizer que esse ((Deus inefáveb> ouve ou é distinto quer do homem finito quer da sua essência infinita, pois ambos são uma e a mesma coisa. Do mesmo modo, não deverá dizer, como já tive oportunidade de referir, que a oração é um peclido. A oração é antes um mistério, um processo oculto, mediante o qual pensamentos e desejos finitos e condicionaclos, que não são susceptíveis de ser assimilados pelo espírito absoluto não condicionado, se traduzem em vontades espirituais e na vontade em si, processo esse a que se dá o nome cle <<transmutação espirituab. A intensidade das nossas aspirações arclentes transforma a oração na <pedra filosofal>, isto é, aquilo que transforma o chumbo em ouro puro. Sendo a única essência homogénea, a ((oração da vontade> que referi torna-se uma força activa ou criaclora que produz efeitos consoante os nossos desejos. P. Quer com isso dizer que a oração é um processo oculto que produz resultados físicos? R. Exactamente. A f orça de vontade torna-se uma força actuante. Mas ai dos ocultistas e teósofos que, em vez de dominarem os desejos do ego pessoal inferior ou homem físico e de se dirigirem ao seu EGO espiritual Superior irnerso vós'Ì>>
(*) (I Cor., iii, 16). B, frequente encontrarem-se nos escritos teosóficos afirmações contraditórias sobre o princípio Crístico no homem. Uns chamam-lhe o sexto princípio (Buddhi), outros o sétimo (Atman). Se os teósofos cristãos pretendem empregar
essas
o façam, mas duma maneira correcta do ponto
de
ou Ego reincarnante, ora EU lJniversal, três designações que
ao
expressões, que
DA
TEOSOFIA
rra luz Atrna-Búdica dizendo <Seja feita a vossa vontade e c não a minhar>, etc., emitam ondas de força de vontade para I'ins egoístas e profanos! Isso é pura magia negra, uma abonrinação e feitiçaria espiritual.
P.
Como é que explica o facto universal de todas as e povos terem adorado e rezado a um Deus ou l)cuses? Aiguns adoraram e propiciaram demónios e espíritos malignos, mas isso só prova a universalidade da convicção da eficácia da oração. R. Isso deve-se a um outro facto, o de a oração ter rliversos significados além daquele que lhe é atribuído pelos cristãos. A oração não é apenas uma súplica ou um pedído; lutigamente era sobretudo uma invocação e um encantarrrento. O mantra, oração entoada ritmicamente pelos hindus, lcm precisamente esse significado, pois os brâmanes consiclcram-se superiores aos deva:s ou (Deusesl> comuns. IJma oração tanto pode ser um apelo ou um encantamento destinado a fins maléficos e uma maldição (como acontece quando dois exércitos Íezam simultaneamente pela destruição nrúrtua), como um pedido de bênçãos. E como a grande rrações
rnaioria das pessoas é imensamente egoísta, e reza apenas por si própria para pedir que lhe seja dado o seu <<pão de cada dia>
cln vez de trabalhar por ele, e pam suplicar a Deus que não rr deixe <<cair em tentação> e a livre do mal, acontece que t oração, tal como é entendida hoje, é duplamente perniciosa: (a) porque destrói a confiança do homem em si mesmo; (b) porque desenvolve nele um egoísmo e um egocentrismo ninda mais ferozes do que aqueles que são inerentes à sua
serem transportadas do Universo para o homem correspondem a Atma, Buddhi e Manas. No Anugita encontra-se a mesma doutrina.
natureza. Mais uma vez digo que nós acreditamos na <comunhão) e numa acção simultânea e uníssona com o rrosso <<Pai inefável>; acreditamos ainda que há momentos raros de felicidade extâtica resultantes de uma fusão da nossa alma superior com a essência universal e da sua rutracção pela sua origem e centro, um estado a que durante rr vida se dá o nome de Samadhi, e depois pa morte Nirvana. lìccusamo-nos a rezar a seres finitos criaQbs, ou seja, deuses,
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65
vista filosófico, isto é, de acordo com a analogia dos velhos símbolos da Religião-Sabedoria. Nós afirmamos que Christos não é apenas um dos três princípios superiores, mas sim os três considerados como uma Trindade. Esta Trindade representa o Espírito Santo, o Pai e o Filho, consoante corresponda ao espírito abstracto, ao espírito diferenciado ou ao espírito incarnado. Krishna e Cristo são filosoficamente o mesmo princípio sob o aspecto tríplice da sua manifestação. No Baghavad Gilo, vemos que Krishna ora se intitula Atman, o Espírito abstracto, ora Kshetrajna, o Ego Superior
A CHAYE DÁ TEOSOFI,4 santos, anjos, etc., Ìlois isso, na nossa opinião, não passa de idolatria. Não podemos rezar ao ABSOLUTO por motivos que já expliquei, por isso tentamos substituir a oração estéril e inútil por acções meritórias que produzam o bem.
A ORAçÃO
DESTRÓI
A AUTOCONFIANçA
P. R.
Mas o próprio Cristo Íezava e recornendava a oração. Assim está escrito, mas essa <oração) era precisamente a comunhão com o <Fai inefâvely que acabo cle referir. Aliás, se identificássernos Jesus com a divindade universal, cairíamos no ilogismo absurdo cle colocar o <próprio Deusr> a ïezar a si mesmo e a distinguir a vontade desse Deus da sua! P. Gostaria de adiantar outro argumento frequentemente invocado pelos cristãos. Os cristãos dizem: <Sinto que não sou capaz de dominar as paixões e as fraquezas pelo meu esforço pessoal. Mas quando rezo a Jesus Cristo sinto que ele me dá força e que, graças a essa força, sou capaz de as
ENSINAMENTOS FUNDAMENTAIS
DA
TEOSOFIA
urna icleia que nos repugna e que consideramos unr avilta_ mento' da dignidade humana. P. Aonde é que os teósofos vão buscar força para subju_ garem as suas paixões e o seu egoísmo? R. Ao seu Ego Superior, ao espírito divino ou Deus que tôm em si, e ao sou Karma. euantas l,ezes será necessáiio tlizer que se conhece a árvore pelos seus frutos e a natureza
pelos seus efeitos?
DA ORIGEM DA, ALMA HUMANA
Não aclmira. Se <Jesus Cristo> é Deus, e como tal e distinto daquele que reza, é evidente que tudo é e tem de ser possível a <Deus todo-poderoso>. Oncle está então o mérito, ou a justiça cle tal domínio? Porque é que o pseudodominaclor há-de ser recompensado por uma coisa que obteve à custa de simples orações? Alguma vez lhe passaria pela cabeça, a si que é um simples mortal, a ideia de pagar um dia inteiro de salário a um trabalhador se tivesse feito praticamente o trabalho todo dele, enquanto ele se limitara a sentar-se debaixo duma macieira a rezarJhe a si para que o fizesse? Esta ideia de se passar uma vida inteira numa total ociosidade moral, à espera que alguém faça o trabalho mais difícil ou crÌmpra os deveres que nos pertenquer esse alguém seja Deus ou outro homem --, é cem
P. Como explica então o facto de o homem ser. cÌotaclo dc EspÍrito e de Alma? Donde pror,êm eles? R. Da Alma Universal. Concedidos por um Deus pessaal ó que não são. Donde provém o elementohúmido da rnedusa? Do oceano que a rocleia, em que vive e respira e em que cxiste, e ao qual retorna quando morre. P. Rejeita então a doutrina segundo a qual a Alma é dada ou insuflada no homem por Deus? R. Somos obrigados a isso. A <Alma> de que se fala no Génesis (ii, 7) é, tal como aí se diz, <<a alma vivente>> ou Nephesh (a alma animal, vítal) que l)eus (nós preferimos tlizer a <<natureza>) e a lei ímutóvel) clá ao homero, b.* .o-o tt todos os animais; não é a alma pensante ou intelecto, e tnuito menos o Espíríto imortal. P. Deixe-me pôr a pergunta doutra maneira: é Deus que dá ao homem uma Alma racional humana e um Espírito irnortal? R. Mais uma vez, discordo dos termos em que coloca ru questão. Considerando que não acreditamos num Deus pessoal, como é que ele pode dar ao homem o que quer que scja? Mas ainda que admitíssemos por hipóte.. qu. .r* ""irt"para Deus que aceita correr o risco de criar uma,Alina nova crrda recém-nascido, a única coisa que poderemos dizer é (lue um tal Deus decerto não é dotado nem de sabedoria nem
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67
dominar,l>
R.
independente
-
Á
CT]AVE
DA
TEOSOFIA
de previsão. Outras dificuldades ainda e a impossibilidade de reconciliar esse Deus com as virtudes de misericórdia, justiça, equidade e omnisciência que lhe são atribuídas, são outros tantos obstáculos intransponíveis que negam dia a dia, e hora a hora, esse clogma teológico. P. Que outras dificuldades são essas?
R.
Estava a pcnsar num argumento incontestável que um pregador famoso, um sacerdote budista cingalês, apresentou a um missionário cristão, um homern que não era de forma alguma ignorante e que estava sem dúvida preparado para o debate público ern que ele foi apresentado. Isto passou-se próximo de Colornbo, e o missionário desafiara o sacerdote Megituwatte a dizer por que motivo o Deus cristão não era aceite pelos <pagãos>. Como sempre' nessa discussão memorável o missionário não se mosttou à altura do seu adversário.
P. R. Foi muito
Gostaria de saber como é que isso aconteceu.
ENSIN ÁMENTOS F UNDÁ
MI!N'I'AIS DA TEOSOF']Á
Deus a quem, entretanto, o senhol não atribui culpas nenhumas>>?
O missionário olhou para o relógio e alegou que já
era tarde de mais para prosseguir a discussão P. Esquece que todos esses aspectos inexpiicados são rnistérios e que a nossa religião nos proíbe de tentar penetrar os mistérios de Deus. R. Não esquecemos, apenas rejeitamos tais impossibili clades. Aliás não pretendemos que acredite naquilo em que nós acreditamos. Estava apenas a responder às perguntas que me fez.
ENSINAMENTOS BUDISTAS SOBRE OS ASSUNTOS TRATADOS
NESrA SECçÃO
P. R.
Que diz o Budismo aceÍca da Alma? Depende se se está a referir ao Budismo exotérico, popular, ou à doutrina budista esotérica. euanto ao prirneiro, poderei citar o Catecismo Budista, que diz o seguinte: <<Alma ó uma palavra de que os ignorantes se servem para exprimir uma ideia falsa. Se tudo é passível de mudança, então o
simples. O sacerdote budista começou por perguntar se o Deus dele dera os mandamentos a Moisés para serem cumpridos sô pelos homens, enquanto que ele próprio não era obrigado a observá-los. O rnissionârio rejeitou essa ideia indignaclo. <Bem>>, retorquiuJhe o aclversário, <<o senhor diz que Deus não abre quaisquer excepções a essa regra e que nenhuma Alma poderá nascer sem que ele o deseje. Ora Deus, entre outras coisas, proíbe o adultério e, por outro lacio, o senhor afirma que é ele que cria cada criança que nasce e que the dâ uma Alma. Deverá então deduzir-se que os milhões de crianças que nascem do crime e do adultério são obra desse Deus? Que Deus proíbe e castiga o não cumprimento das suas leis e que, apesar disso, /odos os diqs e a tado o momento estó (t criar almas pdra essas mesmas crianças? Segundo a lógica mais simples' esse Deus é cúmplice desses crimes, pois se não fosse a sua ajuda e interveirção esses iilhos da luxúria nunca poderiam nascer. Que justiça há em castigar não só os pais culpados, como â criança inocente, por umâ coisa feita por esse mesmo
homem também o é, e todas as partes materiais que o compõem têm de mudar. Aquilo que ó passível de mudança não ó permanente, pelo que não poderá haver sobrevivência imortal duma coisa mutável.> Isto parece-me bastante claro c definitivo. Mas quando mais adiante se diz que cada nova personalidade, em cada um dos renascimentos sucessivos, é tr conjunto de Ska:ndhas, ou atributos, da personalidade ante. rior, e perguntamos se este novo conjunto de Skandhas ê igualmente lm novo ser que não conserva nada daquele que ru precedeu, lemos o seguinte: <<Em certo sentido é um novo scr, mas noutro não é. Os Sksndhas estão em constante mutação durante esta vida, e embora deterrnin_ado homem A. B. de quarenta anos seja idêntico, em matéria de personaliclade, ao jovem A. B. de dezoito, o, desgaste e restabelecirncnto constantes clo seu corpo e as transformações que a
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69
A CHAYE DA
TEOSOFIA
sua mente e o seu carácter vão sofrendo ïazent dele um ser diferente. Quando velho, porém, esse homem colhe os frutos ou sujeita-se ao sofrimento resultante dos seus pensamentos e acções em todos os estágios anteriores da sua vida. Portanto o novo ser que renasce, sendo a mesma indívidualidade (mas não a mesma personalidade) apenas com um novo conjunto de Skandhas ou os mesmos sob uma forma diferente, terá de sofrer as consequências das suas acções e pensamentos durante a existência anterior.>> Trata-se duma metafísica obscura que não nega de forma alguma a existência da Alma. P. O Budismo Esotérico não propõe uma coisa semelhante? R. Tem razão; trata-se de uma doutrina que faz parte tanto do Budísmo Esotérico, ou Sabedoria Secreta, como do Budismo exotérico, ou seja, a filosofia religiosa de Gautama Buda.
P. Mas não há dúvida de que a maior palte dos budistas não acreditam na imortalidade da Alma? R. Tal como nós não acreditamos, se por Alma entende o Ego pessoal ou alma vivente Nephesh. Mas todos os budistas eruditos acreditam no Ego divíno ou individual. Os que o não fazem revelam falta de discernimento. Estão tão enganados nesse ponto como aqueles cristãos que tomam as interpolações teológicas dos editores mais recentes dos Evangelhos acerca da condenação e do fogo do inferno por afirmações textuais de Jesus. Nem Buda nem Cristo jamais escreveram fosse o que fosse. Qualquer deles falava alegoricamente e servia-se de <frases misteriosas>>, como faziam, e farão ainda por muito tempo, todos os verdadeiros Iniciados. Ambas as Escrituras tratam todas essas questões metafísicas com grande prudência, e tanto os escritos budistas como os cristãos pecam por esse excesso de exoterismo, sendo o significado cla letra morta exagerado em ambos os casos. P. Quer então dizer que os ensinamentos de Buda e de Cristo nunca foram correctamente interpretados? 70
ENSIN A\(ENTOS FUNDÁA,TENTAIS
DA
TEOSOFIA
R. Precisamente. Os Evangelhos Budista e Cr-istão foram ambos pregados com o mesmo objectivo. eualquer desses
t'cformadores era um filantropo convicto e, na prática, um dtruísta, e aquilo que pregnram era sem dúvída o Socialismo nrais nobre e mais elevado, o auto-sacrifício até ao último cxtremo. <Que os pecados do mundo inteiro caiam sobre ttrim para que eu possa aliviar a miséria e sofrimento do
Itomem!>, diz Buda. <(...) Não deixarei chorar um úrnico Itomem que possa salvar!>, exclama o Príncipe-pedinte que usava como vestuário os trapos abandonados nos cemitérios. <Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos e lliviar-vos-ei> (*), é o apelo que Jesus Cristo, o <Homem das Dores>, que não tinha em quem se apoiar, lança aos pobres c deserdados. Tanto Buda como Cristo pregaram o amor scm limites pela humanidade, a caridade, o perdão das injúrias, o esquecimento de nós próprios e piedade para com as multidões iludidas; ambos demonstraram o mesmo desprezo pela riqueza, não fazenclo qualquer distinção entre ttleltm e tuum. Aquilo que desejavam era, sem revelar todos os mistérios sagrados da iniciação, dar aos ignorantes e nos desorientados, cujo fardo na vida era demasiado pesado, uma esperança e um vislumbre da verdade que thes dessem Iorça nos momentos mais difíceis. Mas os objectivos dos dois lìcformadores não se realizaram, devido ao excesso de zelo tlos seus seguidores tardios. As palavras clos Mestres foram ntal compreendidas e mal interpretaclas -- vejam-se as conscquências!
P.
Mas por que motivo é que o Budismo e o CristianisrÌìo representam clois pólos opostos da mesma doutriria? R. Porque as condições em que forarn pregados não lìrram âs mesmas. Na Índia, os brâmanes, ciosos do seu conhecimento superior, clo qual excluíam todas as castas c.xcepto a deles, haviam atirado milhões de homens para a itlolatria e até para o feiticismo. Buda viu-se obrigado a pôr
(*) Mt. xi,
28.
7I
Á CHÁVE DA TEOSOFIA energicamente fim a um excesso de imaginação doentia e superstição fanática resultantes de uma ignorância que raramente se tinha visto até aí ou se voltou a ver. Antes um
ateísmo filosófico do que
tal adoração cega para aqueles
<<Que clamam aos deuses e não são ouvidos Ou não são atendidos>
e que vivem e morrem no desespero mental. Antes de divulgar a verdade, Buda teve de conter essa torrente turva de superstição e de desenraizar toda uma série de erros. F. como não podia revelat tudo, pela mesma tazão que Jesus, que lembra aos ^çerrs discípulos que os Mistérios do Reino dos Céus não são para as massas ignorantes mas só para os eleitos e que, portanto, <lhes falava em parábolas> (Mt. xiii, 3, 11), Buda, na sua prudência, ocultou demasiado. F.ecusou-se atê a dizer ao rnonge Vacchagotta se havia ou não um Ego no homem. Quando instado a responder, <o Sublime
ENSINAMENT'OS FUNDAA,TENTAIS
TEOSOFIÁ
plano e substituído por um <Pai inefável> misericordioso. Este tinha de se apresentar não como unì Deus extracósmico, rnas como um Salvador divino do homem físico, adorado no seu coração e na sua alma, tanto por ricos como por pobres. Tal como na Índia, também aqui não era possível divulgar os segredos da iniciação para que o Revelador. e as coisas reveladas não fossem espezinhados por se dar a cães aquilo que é sagrado e se lançarem pórolas a porcos. Assim, a reserva tanto de Bucla como de Jesus que se - cla também absteve de revelar claramente os Mistérios Vida e da Morte e quer tenha ou não vivido o período que lhe ê atribuído na história lcvou respectivamente às negações absolutas do Budismo- do Sul e às três expressões contraclitórias cla Igreja Cristã, existinclo 300 seitas só na Inglaterra protestante.
manteve-se silencioso>.
P. Isso ciiz respeito a Gautama Buda, mas de que maneira é que se relaciona com os Evangelhos? R. Leia a História e medite nela. Na altura em que se diz terem ocorrido os acontecimentos narrados nos Evangelhos, verificava-se uma efervescência intelectual semelhante em todo o mundo civilizado, embora os resultados no Oriente e no Ocidente fossem opostos. Os velhos deuses estavam a desaparecer. Enquanto as classes civilizadas se deixavam arrastar pelos Saduceus descrentes para negações materialistas e para a letra morta do Mosaísmo na Palestina, e para a dissolução moral em Roma, as classes mais baixas e mais pobres corriam atrás da feitiçaria e de deuses estranhos, ou tornavam-se hipócritas e fariseus. Também ali chegara a hora duma reforma espiritual. O Deus cruel, anttopomórfico e cioso dos Judeus, com as suas leis sanguinárias de olho por olho e dente por dente, do derramamento de sangue e dos sacrifícios de animais, tinha de ser relegado para segundo 72
DA
73
VI ENSINAMENTOS TEOSÓFICOS SOBRE A NATUREZAF. O HOMEM
A UNIDADE DE TUDO NO TODO
P. Agora que já me explicou o que Deus, a AIma e o __ Homem não são na sua opinião, gostaria que me dissesse À que são à luz da sua doutrina. R Na sua origem e na eternidade, os três, tal como o Universo e tudo o que nele existe, formam um todaeom a Unidade absoluta, a essência divina incognoscível de que ntrás lhe falei. Não acreditamos na criação .. puruugËn, pcriódicas e consecutivas do universo do-u. prano *ujrJtiuo para o plano objectivo do ser, em intervãlos regulares e lbrangendo períodos de tempo extraordinariamenie l.rrgo*. P. Pode desenvolver um pouco mais essa ideia? R. A fim de o ajudar a compreender melhor, vou estabelecer um paralelo com o uno ,õh, primeiro e depois com as duas metades desse ano, que no pólo Norte correìpondem respectivamente a um dia e uma noite de seis meses. Agora tcnte imaginar em vez dum ano sorar de 365 dias a ETERNIDADE. Suponha que o sol representa o Universo, e que rr clia e a noite polares de seis úere, cluram Ig2 tríliões ott rluatriliões de anos em vez de 1g2 dias cada. Assim como o s<rl se ergue todas as manhãs no nosso horizonte objectivà vindo do seu espaço antipodal e (para nôs) subjectívo, tam_ 75
,.1
CI!AVE DA TEOSAFIA
bém o Universo emerge perioclicamente no plano cla objecÍiviclade procedendo do plano da subjectividade ou seja os antípodas claquele. E a isto que chamamos o -<Ciclo da Vida>. E assim corno o sol desaparece do horizonte, também o Universo desaparece perioclicamente, quando chega a <noite Universal>. Os Hinclus chamam a essa alternância <Dias e Ì{oites de Brama>, ou o tempo do Manvuntsra e do Pralaya (dissolução). O homem ocidental pode chamar-lhes Dias e Noites lJniversais, se preÍerir. Durantc estas últimas Tudo está no Todo, todos os átomos mergulham numa única Homogeneiclade.
EVOLUçÃO E ILUSÃO
P.
Mas quem é que cria
o
Universo sempre que ele
ressurge?
R.
Ninguém o cria. A Ciência chamaria a este processo evolução; os filosofos pré-Cristãos e os Orientalistas chamavam-lhe emanação; nós, Ocultistas e Teósofos, vemos nele a única realídade universal e eterna que projecta um reflexo periódico de si 1trópría nas profundezas infinitas do Espaço. Este reflexo, que para si é o universo materíal objectivo, não ó para nós senão uma ilusïro temporária. Só o que é eterno é real.
P. R.
Nesse caso, nós também somos ilusões.
Somos, como personalidades transitórias, que hoje Diria que os rápidos clarões
são uma pessoa e amanhã outra.
t7a aurora boraal são a <realidacle>1, por muito reais que pareçaÍn enquanto os contempla? Claro que não; a única realidade é a causa que a produz, caso seja permanente e eterna; o resto é apenas uma ilusão passageira. P. Nada disso explica como é que surge essa ilusão chanada lJniverso; como é que o ser consciente se manifesta a partir da inconsciência que é. 76
E N SI N A M E
NTOS T EOSOF ICOS
R. Sô é inconsciência para a nossa consciência finita. Seja por radiação ou por emanação-não vale a pena cntrarmos aqui numa discussão cle terminologia _, o úni_ verso passa da subjectividade homogénea païa o primeiro lrlano de manifestação. São sete os plurro, ãe maniiestação, c à medida que vai passancio por cada um cleles vai_se tor_ nando mais denso e material até atingir o plano ern que nos cncontramos, planetário ou Solar, que, segundo clizem, ó um sistema sui generís. P. O que é que quer dizer com sui gene,r,is? R.. Quero dizer que, embora a lei fundamental e a actuação universal das leis da Natureza sejam uniformes, o nosso sistema solar (tal com qualquer outro sistema entre os milhões existentes no Cosmos) e até a Terra têm um pro_ grama de manifestações próprio, diferente dos programas dos .ut'os sistemas. Fala-se dos habitantes de outros planetas e irnaginamos que no caso de serem hontens, ou seja, seres pensantes, devem ser como nós. Até os anjos ,.-pr:, foram por poetas, pintores e escultores coúo versões 'cpresentados rrrais perfeitas clo homem com asas. euanto a nós, isso é um ()rro e uma ilusão; porque, se na Terra, que é tão pequena, se cncontra uma tal diversidade de tipos na sua flora, fauna e lté na própria humanidade-da alga marinha ao cedro do l,íbano, da medusa ao elefante, clo bosquímano ao Apolo do lÌclveder qualquer alteração nas cãnciições cósmicas e -, lrlanetárias terá necessariamente como resultado uma flora, ttma fauna e uma humanidade muito diferentes. Se as rìlcsmas leis clão origem a grupos de coisas e seres tão dife_ rcutes no nosso plano, incruindo nele todos os seus planetas, rriro é difícil compreender que a natureza ext,eríor dos outros :ristcmas solares possa ser aincla mais diferente e que, porlirrrto, é estúpido julgar as outras estrela:s, os outros mundos . .s ontros seres pelos nossos, tal como faz a ciência física. P. Em que se baseia para fazer tal afirmação? R. Naquilo que a ciência dum modo geral nunca acei_ Irrrír como prova--o testemunho acumulaclo cluma sérje "t '7
A CHAVE DA
TEOSOFIA
interminável de Videntes que o atestaram. As suas visões espirituais, verdadeiras explorações por e através de sentidos físicos e espirituais libertos da carne, foram sistematicamente verificadas e comparadas entre si e a sua natureza minuciosamente estudada. Rejeitou-se tudo aquilo que não foi corroborado por uma experiência unânime e colectiva, considerando-se apenas verdade aquilo que, em épocas diferentes e em diferentes latitudes, em toda uma série de observações sucessivas se verificou ser conforme aos testemunhos de outros videntes. Os métodos usados pelos nossos estudiosos e pelos estudantes das ciências psico-espirituais não cliferem dos dos estudantes das ciências naturais e físicas, como aliás poderá verificar. Simplesmente os nossos campos de investigação situam-se em dois planos diferentes e os instrurnentos que empregamos não são feitos por mãos humanas, pelo que merecem talvez até mais confiança. As retortas, acumula-
dores e microscópios do químico e do naturalista podem avariar-se; o telescópio e os instrumentos horológicos do astrónomo podem estragar-se, enquanto que os nossos instrumentos de trabalho não estão sujeitos à influência do clima ou dos elementos. P. E, portanto. tem fé neles? R. Fé é uma palavra que não existe nos dicionários de teosofia: dizernos antes conhecimento baseado na observação e na experiêncía. Potém, enquanto na ciência física a observação e a experiência levam os cientistas a tantas hipóteses de trabalho quantas as cabeças que as propõem, o nosso conhecimenlo só admite os factos que se tornaram irrefutáveis e que foram completa e absolutamente demons-
EN SI N AME NTOS TEOSOF ICOS
R. E. IvIas as outras seis <<Terras) ou Globos não se encontram no mesmo plano de objectividacte cla nossa Terra, e por isso não as podemos ver. P. Isso deve-se ao facto de se encontrarem a uma grande
distância?
R.
De modo nenhum, pois conseguimos ver a olho nu
planetas e ató estrelas que se encontram a enormes distâncias físicas; o facto deve-se a esses seis Globos estarem fora dos
Ìrossos meios físicos cle percepção, ou seja cÌo nosso plano cle existência. Não só têm uma densidade, peso e textula mate_
riais completamente diferentes da Terra è dos outroslolanetas conhecidos, como se. encontram para nós numa cafrada do espaço diversa da nossa,
por assim clizer. urna camacla que os n.ssos sentidos físicos não podem ver nem sentir. Mas quando digo <camadal não deverá imaginar que estou a falar de camadas no senticlo de estratos sobrepostos, pois assim estaria mais uma vez a fazer uma interpretação erróìea e absurda. Por <<camada> entenclo o plano do espaço infinito, que, pela sua natureza, não está ao alcance das nossas per_ cepções, quer mentais quer físicas, mas que existe realminte fora da nossa intelectualidade ou consciência comuns, fora do nosso espaço tridimcnsional e cla nossa divisão do támpo. Cada um dos scte planos (ou camadas) fundamentais do cspaço tem uma objectividade e subjectividade próprias, um espaço e um tempo próprios e uma consciência e sentidos
próprios.
P. O que entende por senticlos próprios? R. É ou não verdade que nos sonhos
temos sentidos
diferentes? Sentimos, falamos, ouvimos, vemos, saboreamos
e funcionamos geralmente num plano diferente, sendo
trados.
DA CONST|TUIçÃO SEPTENÁR|A DO NOSSO PIANETA
P.
Para a Teosofia, a Terra faz parte duma cadeia de Terras, não é assim? 78
a
mudança de estado da nossa consciência realçacla pelo facto cle uma série de actos e acontecimenios abrang".rào, p.nro_ rnos nós, una sórie de anos, atravessarem imagúariamãnte a
nossa mente nunl instante. Ora essa extraordinária rapidez clos nossos processos, mentais durante os sonhos e, simulta_
neamente, a perfeita naturalidade de toda as outras funções 79
A
CTTAVE
DA
TEOSOFIA
ENSINÁMENTOS TEOSÔF ICOS
rnostran-nos que estamos num plano diferente. A nossa filosofia diz que, tal como existem sete forças fundamentais na natureza e sete planos de ser, há também sete estados de consciência em que o homem pode viver, pensar, recordar e ser. P. Não aceita, portanto, a explicação dos sonhos dada peÌa biologia e pela fisiologia? R. Claro que não. Acreditamos na existência de sete planos de ser Cósmico e sete estados de Consciência, e se, no que se refere ao Universo ou Macrocosmos, paramos no quarto plano, pois não julgamos ser possível ir mais além com um certo grau de certeza, em relação ao Microcosmos, ou homem, especulamos livremente sobre os seus sete estados
c princípios.
P. R.
Quais são eles? Consideramos em primeiro lugar que no homem há dois seres diferentes: o espiritual e o físico, o homem que pensâ e o homem que regista todos os pensamentos que é capaz de assimilar. Portanto vemos nele duas naturezas: o ser superior ou espiritual, constituído por três <princípios> ou a:specíos, e o inferior ou quaternário físico, formado por quatro, on seja, ao todo sete.
Segundo ele, o homem é forrnado por um corpo mortal, um princípio imortal e uma <espécie ãe Alma mortal inOependente, a que nós, Teósofos, chamamos respectivamente o homem físico, a Alma Espiritual ou Espírito e a Alma animal p lous e a psyche). Esta divisão foi ìambém adoptada por Paulo, outro Iniciado, que defende a existência d;;";;; psíquico que é semeado no corpo corruptivel (a aha ãu corpo astral) e dum corpo espiritual de substância incorruptível que ressuscita. Até Tiago (iii, 15) defende'a _rr*u posição ao dizer que a <Sabedoria> (da nossa alma inferior) não vem do alto mas é terrena (<psíquico, <Crmorriu.u, vide texto grego), a0 passo que a outra é sabedoria divina. Ora é perfeitamente claro que platão e o próprio pitágoras, embora falando apenas de três <princípios>, jhes atrituíam
nas suas várias cornbinações sete funções distintas que cones_ pondem precisamente aos sete aspecios de que faláremos
DIFERENçA ENTRE ALMA E ESPÍRITO
P.
Tem sido acusada de defender a aniquilação da per_
sonalidade.
A
NATUREZA SEPTENÁRIA DO HOMEM
P.
Não será isso o que chamamos Espírito e Alma
e
corpo físico? R. Não. Essa é a velha divisão platónica. Platão era um Iniciado e por isso não podia revelar informações secretas, mas aqueles que conhecem a doutrina arcaica encontram esses sete aspectos nas várias combinações de Alma e Espírito enunciadas por Platão. Este considerava que no homem havia duas partes: uÍna, eterna e formada pela mesma essência do Absoluto, e, a outrâ, mortal e corruptível, cujos elementos constituintes provinham dos Deuses menores <criados>>.
em
seguida:
É
verdade?
R. De modo nenhum. Mas como essa questão da dua_ lidade individuaridade do Ego Divino e a. personaridade - ahumano do animal a possibilidade de à Ego imortal - implica real aparecer em sessões de espiritismo
como <<espírito mate_ rializado>>, coisa que nós não aceitamos, os nossos adversários começaram a fazer-nos essa acusação absurda. O que acon_
tece geralmente e quase sempre é a consciência pessoal mergulhar na consciência individual ou imortal do Ego, ou seja, uma transformação ou transfiguração divina, -rónao apenas totalmente aniquilado o quaternário inferior. Ou acha que o corpo ov a personalidade temporária, isto é, a sombra do homem, o seu <<astral>, os seus instintos animais e atê a sua vida física podem sobreviver juntamente .
"o*
80
81
ËNSINÁMENTOS TEOSÓFICOS
DIVIS,ÃO TEOSOFICA
TERMOS EM
SIGì.TIFICADO
'cl)
Rupa ou
da morte do corpo. Com o tempo, desintegra_su Ë"-pt.tu_
(a) Veículo de todos os outros <princíPios>
ía) Corpo físico
Sthulasaríra
ú
BXPLICAÇÃO
EXOTÉRICO
SÂNSCRITO
<Ego espirituai> e tornar-se sempiternos? Como é natural, tudo isso deixa de existir no momento ou pouco tempo clepois
durante a vida
(h) Yida ou prin- (b) Necessário apenas cípio Vital Daraa,cedepata ãs funções do Monos inferior, que en-
b) Prana
ÍJì
IÃ
z
globam todas as que
estão limitadas
d,
c) Linga-sharira
z
d) Kama-nrna (ã| Sede dos
g
F
(c)
(c) Corpo Astral
dese- (d)
jcs. e. paixões
D
cípio dual nas suas fun-
I
çoes
A Mente, a In- /e) '
teligência: que é a mente humana superior, cr:lja luz ou ra-
diação rÌne
a
M(tnada, durante a vicla, ao hornem
:ì H
rnortal
t! ú
Centro do homem
O estado futuro e o destino Kármico do homem variam consoante o Manas
gravita em sentido clescendente aproxi
manrlo-se de Karna-r,upa, sede. das paixoes anlmals, ou em
sentido
ascendente
aproximando-se
de
Buddhi, o Ego Espiritual. Neste caso,
14
à
a consciência superior das aspirações Espirituais individuais da Mente
É,
o
& irì À U)
t-r
tasma
entidade imortal
l(e) Manas - prin-l íe) I I
fan-
sória que separa o homem mortal da
l
t"
O Duplo, o
ao
anirnal, onde se encontra a linha divi-
tìnlmaÌs
l
córebro (físico)
lt{fl
(f)
A Akna Espiritual
Ve) I
Atma
(s) EspíriÍo
(Manas),aoassimilar Buddhi, é absorvida por ele, formando o Ego, que atinge a felicidade no Devachân. (/) l/eículo do espírito universal puro.
(g) Forma uma unidade
com o
Absoluto,
como sua irradia-
mente e clesaparece da vista, sendo aniquilado como umìodo. P. Portanto também nega a ressurceiÇão da carne? R. Sern clúvida. Por que razã.o haviaLlros nós, que acre_ ditamos na filosofia esotérica arcaica dos Àntigos, dL aceitar as especulações antifilosóficas duma teologia cristã posterior inspiracla nos sistemas exotéricos, cle origem Egípcia * Gr.go,
dos Gnósticos? P. Os ÍJgípcios veneravarn os Espíritos cla Natureza e divinizavam até as cebolas; os F{indus ainda hoje sã,o iclólatras; os Zoroastrianos acloravâm e ainda aclorarrr o sol; e os maiores filósofos gregos basta apontar platão e Demócrito __ erarn sonhadores -ou materialistas. Como é que pode lazer uma tal comparação? . R. 'ïalvez seja assim no catecismo moderno cristão e até científico, mas não para os espíritos imparciais. Os Egípcios veneravam o <<Unico), a quem chamavam NuÍ, e foi a pìrtir dessa palavra que Anaxágoras formou a palavra -Nous Itlouç aüroxpar{ç , (a Mente ou Espírito Autopotente>, o à,gy'hcxì; nryúoeuÇ, o motor principal ou primum mobile de tudo. Para ele, o Nous era Deus e o logos era o homem, uma emanação de Deus. 0 Nous é o espírito (tanto no Cosmos como no homem) e logos, quer como Universo quer como corpo astral, uma emanação daquele, não sendó o corpo fÍsico mais que a parte animal. As nossas faculclades externas apreendem os fenómenos rRas apenas o Nous (: capaz de reconhecer os númenos. Só o logos ol o númeno sobrevive, poïque é imortal pela sua própria natureza e essên_ cia; o logos no homem é o Ego Eterno, ìquele que reincarna c não tem fim. Mas como pode a sombra efémerà ou externa, o invólucro transitório dessa Emanação divina que retorna à origern de que procedeu, set aquilo que perdura na sua ìncorruptíbílidade?
ção. I
83
A CHAYE DA TEOSOFIA
P. No entanto
não vai poder evitar que a acusem de ter inventado uma nova divisão dos elementos espirituais e psíquicos do homem, pois nenhum filósofo se tefere a eles, ainda que esteja convencida de que Platão o faz' R. E mantenho a minha afirmação. Além de Platão posso apontar também Pitágoras, que defendia a mesma ideia (*). Este considerava a Alma uma Unidade capaz de se mover por si própria (mónada), composta por três elementos: Nons (Espírilo), phren (a rnente) e thumos (vida, sopro ou o Nephesh dos Cabalistas), que correspondem ao nosso <<Atma-Buddhi> (Espírito-Alma superior), a Manas (o Ego) e a Kama-rupa juntamente com o reflexo ínferior de Manas. Aquilo que os filósofos Gregos da Antiguidade designavam por Alma, duma maneira geral, chamamos nós Espírito ou Alma Espiritual, Buddhi como veículo de Atma (Agathon, ou Divindade Suprema de Platão). O facto de Pitágoras e outros afirmarem que não só o hornem mas também os animais possuem o plren e o thumo's prova que se referiam ao reflexo inferior de Manas (instinto) e a Kama-rupa (paiNóes animais). E como Sócrates e Flatão aceitaram essa divisão e a adoptaram, se a estes cinco, Agathon (Divindade ou Atma), Psique (Alma em sentido colectivo), Noas (Espírito ou Mente), Phren (mente física) e Thumos (Kama-rupa ou paixões) acrescentarmos o eidolon dos Mistérios, a forma astral ou o duplo e o corpo físico etêrico, será fácil demonstrar que as ideias de Pitágoras e Platão eram idênticas às nossas. Os próprios Egípcios aceitavam a divisão septenária. Segundo eles, ao deixar este mundo, a Alma (EGO) tinha de passar pelas suas sete câmaras ou princípios, os que deixava para trás e os que levava consigo.
E
N SI N A M E NTOS T EOSO F IC.OS
A única diferenga é que, tendo sempre presente no espírito o castigo que lhes seria infligido, que era a morte, se revelassem as doutrinas dos Mistérios, divulgavam as suas teorias
em termos muito gerais, ao passo que nós as despnvolvemos e explicamos pormenori zadamente.
(*) <Platão e Pitágoras>, diz Plutarco. <dividem a alma em duas or.ì"ó: a iáóiõnat (no?tica)'e a irracional (agonia); a parte racional seja Deus é o produto ãí âtma humana é eterna, pois embora nãoprivada de razã'o (agnoia) dúma divindade eterna, masã parte que foi mórrel (De placitio philosoph-orum, Livro IV, iv, vii.) 84
85
VII DOS VÁR.IOS ESTADOS APOS
O
I"{OMEM FÍSICO
E O HOMEM
A
MOR.TE
ESPIRITUAL
P. Muito me alegra ouvi-la dizer que acredita na imor_ talidade da .dlma. R. Da Á,lma, não. Do Espírito divino, ou melhor, na imortalidade clo Ego reincarnante. P. Mas qual é a diferença? R. Para a nossa filosofia são duas coisas rnuito dife_ rentes, mas a questão é demasiado abstnrsa e difícil para ser abordada em meia-dúzia de palavras. Ern primeiro lular tere_ mos de analisar os dois conceitos supuràduun.nte ã depois em conjunto. Comecemos pelo Espírito. Segunclo a nossa doutrina, o EspÍrito (o <pai inefáveb, segunclo Jesus) ou Atman, não é propriedade inclividual de nenhum hornem mas sim a essência Divfua que não tern coi.po nem forma; é imponderável; invísível e indivisível; aquiìo que não existe e, no entanto, é, tal como os Budistas dúem clo Nirvana. Pai_ra sobre o hornem mortal; aquilo que penetra nele e impregna todo o seu corpo são apenas os seus raios omnipresentes ou a sua luz, irracliados atravós d.e Buddhi, seu veículo e emanação directa. E este, aliás, o sentido oculto das afirmações de quase todos os filósofos da Antiguidade quando diziam que (a parte racional da alma hu_ B7
A
CHAVE DA TEOSOFIA
(*) nunca penetrava totalmente no homem, mas apepairava mais ou menos sobre ele através da Alma nas espiritual irracional (*n') ou Buddhi. P. Tinha a impressão, talvez errada, de que só a <Alma Animab erra irracional e não a Divina. R. Deverá aprender a distinguir aquilo que é negativa ou passívamenle <<irtaçional>> por ser indiferenciado, do que é irracional por ser demasiado actívo e positivo. O homem é ao mesrno ternpo uma correlação de poderes espirituais e de forças químicas e físicas que se tornarn actuantes em resultado daquilo a qì.re chamamos <princípios>. P. Tenho lido bastante sobre esse assunto e parece-me que, ernbora estejam de acordo num ou noutro ponto, as ideias dos filósofos antigos erarn muito diferentes das dos mana))
Cabalistas medievais.
R. A diferença fundamental é que, enquanto nós acreditamos, tal como os Neoplatónicos e os Orientais, que o espírito (.dtma) nunca se une hipostaticamente ao homem vivo, derramando apenas a sua luz ern maior ou rnenor quantidade sobre o homem interior (o composto psíquico e espiritual dos princípios astrais), os Cabalistas afirmam que, ao separar-se do oceano de luz e do Espírito Universal, o Espírito humano penetra na Alma do homem, aí permanecendo dentro da cápula astral durante a vida. P. Qual é a posição da Teosofia relativarnente a esta questão?
R.
Segundo
a Teosofia, só a radiação do Espírito (ou
Atma) está presente na cápsula astral, e só no que diz respeito
DOS VÁR\OS
ES\4íOS AP{):i A
A4CIRTE
a essa mesma radiação espiritual. Dizemos que c homenr. e a alma têm de conquistar a imortalidade ascendendo parl. a unidade, à qual, se bem sucedidos, se ligarão e na qual serão finalmente, por assim clizer, absorvidos. A inctrividualização do homem depois da morte depende do espírito, não da sua alma nem do seu corpo. Ernbora a palavra <<personalidade>, tal como é geralmente entendida, seja um absurdo se aplicada literalmente à nossa essência imortai, esta é, no entanto, como Ego individual, uma entidade distinta, imortal e eterna per se. Só no caso dos ddeptos da magia negra ou de crimï nosos sem possíbilidade de redenção, ou seja, aqueles que foram crimínosos durante uma longa s,árie de vidas, ê que o fio de luz que liga o espírito à alma pessoal desde o nascimento da criança se parte violentamente e a entidade liberta do corpo se separa da alma pessoal, que é aniquilada sem deixar no espírito o menor vestígio. Se a união cntre o Manas inferior ou pessoal e o Ego individual reincarnante não se verificar durante a vida, aquele terá o mesmo destino que os animais inferiores, dissolvendo-se gradualmente no éter e aniquilando-se a sua personalidade. Mas, até nesse caso, o Ego permanece um ser distinto. Ele (o Ego espiritual) apenas perde uma passagem pelo Devachan depois dessa vida especial e na realidade inútil como- per.s onalídade idealizada, reincarnando quase imediatamente depois de gozar a liberdade por um curto período de tempo como espírito planetário. P. Em lsls sem Yêu afirma que esses EspÍriíos plane((os deuses dos Pagãos ou os Arcanjos dos tários ou Anjos Cristãos> nunca tomarão a forma de homens no üosso planeta.
-
Universal não pode ter qualquer razão individual própria neste plano da matéria. Mas, tal como a Lua que recebe a luz do Sol e a vida da Terra, também Buddhi, cuja luz de Sabedoria procede de Atma, recebe de Manas as suas qualidades racionais. No entanto, per se e como coisa homogénea, carece de qualquer atributo.
R. É verdade. Não <<esses)), como disse, rnas a:lgumas hierarquias superiores de Espíritos Planetários. E nunca serão homens neste planeta porque são Espíritos libertos procedentes dum mundo anterior e que, corno tal, não podem voltar a ser homens neste. No entanto, todos eles voltarão a viver no Mahamanvantara seguinte, muiio superior a este,
B8
89
(*) Em sentido genérico a palavra <racional> neste contexto significa emanado da Sabedoria Eterna. (**) Irracíonal no sentido de que como emanaçáo pura da mente
A
ÇFÍAVE
DÁ
DOS VÁRIüS ESTADOS
TEOSOFIÁ
depois de esta <grande Épocal e de o <<Brahrna pralaya> (urn curto período representado por um número duns 16 algarismos) terminarem, pois com certeza que sabe que, segundo a filosofia Oriental, a humaniclade é constituída por esses <Espíritos> aprisionados em corpos hurnanos. A difereuça entre os animais e os homens reside no facto de que aqueles são animados potencíalmente pelos <princípios>> e estes são-no efectittamenta Percebe agora qual é a diferença? P. Sim, mas isso é um problema qÌ)e os metafísicos
Ápos Á
A,IORTE
somos tocios imortais tivessem sido demonstrados ao muncl<; na sua verdade, a humaniclade teria beneficiado grandemente
com a sua difusão. Não ó de mais insistir que Pitágoras, Platão, Timeu e Locres e a antiga Escola de Alexandria diziam que a Alma do hornem (ou os seus <<princípios> superiores e atributos) procede cla Alrna Universai do Mundo, a que chanramos Aether (Pater Zeus). dssim, nenhum destes <princípios> pode ser a essência pura da Mónada Pitagórica ou do nosso Atma-Buddhí, poi'qlre a Á.nima Mundí náa é senão o efeito, a emanação subjectiva, ou melhor, a radiação daquela. Tanto o Espírito humana (ou individualidade), o Ego Espiritual reincarnante, como Buddhi, a alma Espiritual, são preexistentes. P. Considera que a Alma, ou seja, a Alma pensante do homem ou aquilo a qne chama Ego, ê mat&ìa? R. Matéria não, rnas substância sem dúvida. Aliás a
nunca conseguiram resolver. R. Tem razão. Todo o esoterisrno da filosofia tsudista se baseia nesse ensinamento rnisterioso. Até os próprios metafísicos tôrn muita tendência para confundir o efeito com a causa. Um Ego que conquistou a vicla irnortal como espírito permanecerá o mesmo ser interior ao longo de todos os seus renascimentos na terra, o Ere não imptrica necessariarnente que tenha de continuar a ser o Sr. Srnith ou o Sr. Brown que foi na terra ou de perder a sua inCividualidade. Daí que a alma astral e o coïpo terrestre do hornem possaïn, na vida para alérn da rnorte, ser absorvidos pelo oceano cósmico de elementos sublirnados e deixar de sentir o seu último Ego pess:oal (caso não merecer elevar-se a um plano superior) e que o Ego dívino possa manfer a mesma entidade inalterada, ainda que esta experiência terrestre da sua emanação possa ser totalmente obliterada no momento ern que se separa do seu veículo indigno. P. Se o <Espírito>> ou parte divina da alma já existia corno ser distinto de toda a eternidade, tal corno ensinavam Orígenes, Sinésio e ourtros filósofos, e se é exactamente a mesÍna coisa que a alma metafisicamente objectiva, corno poctre deixar de ser eterno? E que importa nesse caso que o homem tenha uma vida pura ou uma vida animal se, faça o que fizer, não pode nunca perder a sua individualidacle? R. Essa doutrina, tal como a acaba de expor, é tão perniciosa nas suas consequências como a do sacrifício expiatório. Se este último clogma bem como a icleia falsa de que
R. Porque aquilo que é infinito e não condicionado não pode ter forrna nem ser um s€r. Uma <entidade> é imortal. não na sua forrna individual mas só na sua essência últinra. quando, uma vez atingido o último ponto ctro ciclo, é absor.vida pela sua natureza primordial. E, torna-se espírito qutnclo perde o nome de Entidade.
90
9I
palavra
<<matéria>>
não me repugnaria desde que fosse seguida
do adjectivo primordíal. Segundo a Teosofia, essa matéria é coeterna com o Espírito, não sendo a nossa matêria visível, tangível e divisível, rnas a sua máxima sublimação" O Espírìto Furo não é senão um grau do não-F,spírito ou /odo absoluto.
A não ser que aceite que o homem evoluiu a partir deste Espírito-matéria prirnordial e representa uma escala sucessiva e gradual de <princípios> que vão do meta-Fspirito até à matéria mais grosseira, como é que pode considerar o hamem-ìnterior itnortal e, ao mesmo tenpo, como uma Entidade espiritual e urn hornem rnortal? P. Nesse caso, por que não ver em Deus uma Entidarle semelhante?
A CHAVL NÁ TEOSOFIÁ Como forma, a sua imortalidade está limitada ao seu ciclo de vida ou Mahamanvantnre, após o que é idêntica ao Espírito lJniversal, com o qual forma uma unidade, deixando. portanto, de ser uma Entidade clistinta. A Alma pessoal expressão que usamos para designar a centelha cle consciência que mantém no Ego Espiritual a ideia do existir como <<Eu> pessoal da última incarnação - continua a recordação separada e distinta durante a sua passagem pelo Devachan; depois disso junta-se às inírmeras incarnações do Ego, tal como ao fim dum ano a recordação de um ou vários dias se dilui na nossa memória. Se o seu Deus é infinito como pretende, como é que pode estar associado a conclições finitas? Só é imortal aquilo que está indissoluvelmente cimentado por Atma (ou seja o Buddhi-Manas). A Alma do homem (isto é, da personalidade) per se não é nem imortal, nem eterna, nem divina. Segundo Zohar (I,65 C, 66 a), <<tal como a alma ao ser enviada para a terra se cobre de roupagens terrestres para se proteger enquanto aqui estiver, assim também recebe lá no alto um trajo brilhante a fim de poder olhar sem se ferir para o espelho cuja luz provém do Senhor da Lun. O Zohar diz ainda que a alma não pode alcançar a região da bem-aventurança se não tiver recebido o <beijo sagrado> ou se não se tiver reunido com a substância d,e que emanou- o espírito (*). Todas as almas são duais e, ao passo que a alma é um princípio feminino, o espírito é masculino. Enquanto aprisionado no corpo, o homem é uma trindade, a não ser que, devido à sua impureza, se tenha divorciado do espírito. <Infeliz a alma que ao seu divino esposo (espírito) prefere o casamento terrestre com o corpo material>, diz um texto do Livro das Chaves, uma obra hermética. Infeliz na verdade, poïque nada restará dessa personalidade e nada será gravado nas tábuas imperecíveis da memória do Ego.
DOS VÁRIOS ESTÁDOS APOS
92
MORTE
P. Como pode deixar de ser imortal aquilo que, embora não insuflado no homem por Deus, é, segundo as suas próprias palavras, formado por uma substância idôntica à substância divina? R. Todos os átomos e partículas de matéria, e não apenas de substância, são ìmperecíveís na sua essência, mas não na sua consciência índívidual. A imortalidade não é mais que a nossâ- consciência ininterrupta c, como tal, a consciência pessoal não pode durar para além da personalidade, não é assim? Essa consciência so sobrevive através do Devachan, aoós o que é reabsorvida, primeiro pela consciência índíviduail e depois pela consciència universal. DA RECOMPENSA E DO CASTIGO ETËRNOS E DO
NIRVANA
P. Julgo ser desnecessário perguntar-lhe se acredita nos dogmas cristãos do Faraíso e do Inferno ou nas recompensas e castigos eternos pregados pelas igrejas Ortodoxas. R. A Teosofia rejeita inteiramente esses dogmas tal como são descritos nos vostsos catecismos, recusando-se acima de tudo a aceitar que o Paraíso ou o fnferno sejam eternos. Mas acreditamos firmemente naquilo a que chamamos Leì da Retribuição e na absoluta justiça e sabedoria que regem esta tgi*gJl$.*mgÀ Daí que nos recusemos terminantemente
a aceitar a
convicção cruel e antifilosófica
cla
recompensa e castigo eternos.
P. Tem outras razões para rejeitar este dogma? R. A razã,o principal reside na reincarnação. Como já
disse, nós não aceitamos a ideia de que para cada criança que nâsce seja criada uma*glm,A "rçrJê. Acreditamos que todo o ser humano é portador ot veículo dum ãgo coevo de todos os outros Egos, porque todos os ,Ê'gos são da mesma essência e pertencem à emanação primordial de um único-ãg"q"-.-!ÍÌfi$flg e universal, que Platão designava por JW.:X(ou segundo
Deus manifestado)
('i) II, 97 a; T, 168 a.
A
e que nós, Teósofos, 93
denominamos o
A CÍ{AIlE DÁ TEOSQF'IA princípio divino manifestado; este forma uma unidade com a mente ou alma puiyer$p] e não com o Deus antropomórfico, extracósmico e pessoal em que muitos teístas acrecÌitam.
P. Mas, uma vez que aceita a existência dum princípio manifestado, não entendo por que não acredita que a ahna de cada novo rnortal seja criada por esse Princípio, tal como o foram todas as outras Almas. R.
Forque aquilo que é ímpessoal não pode criar, planear ou pensar a seu bel-prazer. Sendo uma lei universai, imutável nas suas manifestações periódicas, que consistem em irradiar e manüestar a sua essência no princípio de cada novo cicl,o_d_+_yt4jr, não pode criar homens apenas para alguns anos depois se arrepender de os ter criado. Se temos de acreditar num princípio diyj-+o, então que seja num cuja harmonia, lógica e justiça sejam tão absolutas como o amor, sabedoria e imparcialidade; e um Deus que criasse cada alma para durar os breves anos duma vida, independentemente do facto de ela ir animar o corpo dum homem próspero e feliz ou o durn pobre desgraçado condenado a sofrer desde o nascirnento até à morte, embora nada tenha feito para merecer destino tão cruei, seria mais um espírito maléfico do que um Deus. Ora, nem sequer os filósofos .fudeus, que acreditavam (esotericarnente, claro) na Bíblia Mosaica, jamais defenderam tal ideia; aliás acreditavam na reincarnação, tal como nós. P. Pode dar exemplos que compïovem essa afirmação? R. Sem dúvida. Fílon, o Judeu, diz (em De Somníis, I, $ 22): <O ar está cheio delas (cle almas); as que estão mais perto da terra e .gue descem para se unirem a corpos mortais, aaìruòpopoôorv q:tïc , retornam a outros corpos em que estão ansio,sas por viver.>> Na Zohar diz-se que a alrna suplica a Deus que the conceda a liberdade: <<Senhor do Universo! Sou feliz neste rnundo e não é meu desejo ir para outro onde serei apenas uma escrava e ficarei exposta a toclas 94
DOS VÁRIOS ãSTIDOS APOS
A
ArORTE
as corrupções.)) (*) A resposta da Divindade ilustra bem a doutlina da necessidade fatal, a lei eterna e imutável: <contra a tua vontade te transformas em embrião e contra a tua vontade nasces.> q,r*) A iuz seria incompreensívei se não pudesse manifestar-se em contraste co(n a escuridão; o bem cleixaria de ser bem se não houvesse o mal para pôr em evidência o seu valor inestimável; também do mesmõ rnodo a virtude pessoal não teria quaiquer mérito se não tivesse experimentado o fogo da tentação. Nada, a não ser a Divindade Oculta, é eterno ou inalterável. Nada do que é finito - quer porque haja tido um começo, quer porque tenha um fim-pode perÍnanecer estacionário; tudo tem de avançar ou retroceder. E uma alma que anseie unir-se com o seu espírito como única maneira de alcançar a irnortalidacle deve purificar-se através de {pansmiglaçõ-es cíclicas progres_ siy*_q, procurando até atingir a única terra de felicidaãe e repouso eterno, charnada <O Falácio do Arnou no Zohar, ;'ï:;11{})';l(*o*); <Moksha> na religião hindu; <O pleroma da Luz Eterna> pelos Gnóticos e <rNirvana> pelos Bu_ distas. Todos estes estados são transitórios e não eternos. P. Mas não há aí qualquer referência à reincarnação. R. LIma alma que suplica que a deixem prr-urró.", onde está tem de ser pree'xístente, nã,o podenão ter sido criada nssse momento. Aliás o Zohar (III, 61 c) confirma o que acabo de dizer. Ao falar dos Egos re-incarnantes (as almas racionaís), aqueles cuja última pórsonalidade tem de desaparecer inteiramente, diz: <Toclas as alrnas que no céu se alienaram do santo dos santos bendito seja o ieu Nome -lançaram num abismo a sua -existência, antecipando o momento de descerem de novo à terra.>> <<O santo dos santos> significa aqui, esotericamente, â!nr-gll, ou Atma,Buddhí. F. Além disso acho muito estranho que se refira ao lrtrirvana como sendo sinónirno do R eino dos céus ou paraíso,
(*) Zohar, lI, 96 a. ed. Amst. (**) Mishnqh Pirke Aboth, IV, $ 29. (***) II, 97 a. 95
Á CHÁVE DA TEOSOFIA quando, segundo todos os Orientalistas eminentes, é sinónimo de aniquilação! R. Só se a palavra for tomada literalmente e no que diz
respeito à personalidade e à matéria diferenciada. Estas ideias sobre a reincarnação e a trindade do homem foram também defendidas por muitos dos primeiros Padres cristãos. Antes de poder unir para sempre a sua mais pura essência ao espírito imortal, a alma pessoal tem de se desintegrar em partículas. Na filosofia tsudista a palavra aniquiloção significa apenas dispersão da matória, seja qual for a forma ou a aparência com que se apresente, porque tudo o que tem forma é temporário, não passando, portanto, duma ilusão. Pois para a eternidade os períodos mais longos que se possam imaginar não são mais que um abrir e fechar de olhos. O mesmo se poderá dizer da forma, que desaparece para sempre como o clarão súbito dum relâmpago antes de tetmos tempo de nos apercebermos do que o vimos. Só quando a entidude espiriiual se sepaïa païa sempre de todas as partículas de matéria, substância ou forma e se torna de novo um sopro Espiritual é que ela entra no Nírvona eterno e inalterável, que dura o mesmo tempo que durou o ciclo de vida, ou seja, uma eternidade. Esse sopro que existe em Espírito não é nada, porqtte ê tudo; como forma, ou como aparência, é completamente aniquilado, mas, como Espírito absoluto, é, pois tornou-se o próprio Ser. Mesmo a expressão <absorvida na essência universal>, usada quando se fala da <Alma> como Espírito, significa <<união com). Nunca pode significar aniquilação, porque isso equivaleria a uma separação eterna. P. Não lhe parece que pode ser acusada de pregar a aniquilação ao falar nesses termos? Acaba de reafirmar que a Alma do homem regressa aos seus elementos primordiais. R. Esquece-se com certeza de que já aqui expus as diferenças existentes entre os vários significados da palavra <Alma>; aliás tarnbém lhe fiz notar que a palavra Espírito tem sido traduzida com pouca exactidão. A Teosofia fala 9ó
E N SI
N A M ENTOS TEOSÓF ICOS
cm Alma animal, humana e espírítual e estabelece a dife. rença que há entre elas. Platão, por exemplo, chama (ALMA racionab ao que nós chamamos Buddhi, acrescentandoJhe no entanto o adjectivo <espiritual>; mas àquilo que nós denominamos Ego reincarnante, Mene4 chama ele Espírito, Nous, etc., ao passo que nós só usamos a palavra Espírito, isolada e sem a qualificarmos, em relação a Atma. pitágoras defendeu uma doutrina idêntica ao afirmar que o Ego (Nous) é coeterno com a Divindade e que a alma cleve passar por vários estádios para atingir a perfeição divina, enquanto o thumos retorna à terra e o próprio phren, o hÍanas inferior, é eliminado. Também Platão define a Alma (Buddhi) como o <movimento que é capaz de se tnover por si próprio>. <A Alma ainda antiga de todas as coisas - diz - é a mais e o começo do movimento.>> Chama, portanto, <<Alma> a Atma-Buddhi e <Espírito> a Manas, e nisso diverge da Teosofia.
<A alma foi gerada antes do corpo, e o corpo é posterior c secundário, uma vez que, de acordo corn a natureza, é governado pela alma que governa.> <A alma, que ciirige em todos os aspectos todas as coisas que são movidas, clirige cle igual modo os céus.>> <A alrna conduz, assim, tudo no céu, na terra e no mar através do seu movimento podendo este designar-se por querer, considerar, cuidar, consultar, formar opiniões verdadeiras e falsas, estar num estado de alegria, tristeza, confiança, medo, ódio, amor, juntamente com todos os rnovimentos primários que a estes se associam... Sendo uma deusa, cla escolhe sempre como seu aliado Now, que é também um deus, e disciplina todas as coisas recta e venturosamente; se, porém, se junta à Anoía- e não ao nous produz o efeito contrário.> (*) Nesta linguagem, o negativo é consideraclo existência cssencial, tal como nos textos budistas, e é segundo essa (n)
ls
Leis,
X,
896-7 B.
97
A CHAYE DA TEOSOFIA mesma exegese que se emprega a palavra aniquilação. O estado positivo é o ser essencial, mas sem manifestação. De acordo com a doutrina budista, quando o espírito entra no Nirvana perde a sua existência objectiva, mantendo, no entanto, o ser subjectivo. Dum ponto de vista objectivo isso é tornar-se o <<nada> absoluto, mas, dum ponto de visia subjectivo, é <nenhuma coisa>1, nada que possa ser apreendido pelos sentidos. Assim, o Nirvana dos budistas representa a certeza da irnortalidacle individual no Espírito e não na Alma, que, apesar de ser <a mais antiga de todas as como todos os coisasn, não deixa de ser também - assim outros Deuses uma emanação finita, senão na substância, - formas e individualidade. pelo menos nas
DOS VÁRIOS PRINCÍPIOS DO HOMEM
P. Embora tenha ouvido falar muito sobre essa constituição daquilo a que chama o <<homem interior>, devo confessar, como diria Gabalis, que, para mim, <<não tem pes nem cabeça>>. R. É natural, pois trata-se duma questão extremamente complexa e, tal como clisse, difícil de entender correctamente, não sendo fácil distinguir os vários aspecto's que designamos por <princípios> do EGO real. Aliás torna-se ainda mais difícil na medida em que existem divergências flagrantes entre as várias escolas Orientais quanto ao número desses princípios, embora basicamente o substrato doutrinal seja o
mesmo.
P.
Refere-se, por exemplo, aos Vedantistas? Não são eles que reduzem os sete <princípios> da Teosofia a cinco? R. Tem razão, ÍrÌas, se bem que não pretenda discutir este ponto com um Vedantista erudito, permito-me afirmar, a título meramente pessoal, que, na minha opinião, têm uma
razão evidente para o fazer. Para eles, o Homem é apenas o agregado espiritual composto, que é constituído por diversos 98
EN
aspectos rnentais,
S
I
N AMENTOS TEOSÔF
ICOS
já que o corpo físico é, no
seu entender,
uma coisa indigna, não passando duma mera ilusão. Aliás o Vedanta não é a única filosofia a sustentar essa posição. No Tao-te-King, Lao-Tze menciona também apenas cinco princípios, pois, tal como os Vedantistas, omite dois princípios, ou seja, o espírito (Atma) e o corpo físico, ao qual chama até <o cacláven>. Há ainda a Escola Taraka Raja yogu, que reconhece exclusivamente três <princípios>; mas, na realidade, como Sthulopadhi ou corpo físico no seu estado consciente, Sukshmopadhi, o mesmo corpo em Svapna ou estaclo cle sonho, e Karanopad.hi, <<corpo causab> ou aquilo que passa duma incarnação para outra, são duais nos seus aspectos, perfazem assim um total de seis. Se lhes juntar Atma, o princípio divino e impessoal ou o elemento imortal no Homem, que não se distingue do Espírito Universal, obterá de novo sete (*). P. Essa divisão parece-me idêntica à dos Cristãos místicos: corpo, alma e espírito. R. Absolutamente idêntica. Podemos facilmente considerar o corpo o veículo do <Duplo vitab, este último o veículo da Vida ou Prana, Kama-rupa ou alma (animal), o veículo mental superior e ínferior, encontrando, assim, seis princípios, acima dos quais estará o espírito imortal uno. Segundo o Ocultismo, todas as mudanças qualitativas do nosso estado de consciência dão ao homem um novo aspecto, güe, a prevalecer, e a tornar-se parte do seu Ego vivo e actuante, deve receber (e recebe) um nome especial, a fim de distinguir o homem que se encontra nesse estado específico do homem que ele é quando se apresenta noutro estado. P. É precisamente isso que é muito difícil de compreender.
R. Pelo contrário, parece-me até muito fácil, uma vez que tenha apreendido a ideia fundamental, isto é, que o (! Para _uma expücação mais clara, ver A I, p. 157 (p.209 Ed. Edyar).
vol.
99
Doutrina Secreta,
A CHAYE DA TEOSOFIA
E N SI N A M ENTOS T EOSÓ F I CO S
homem actua neste ou em qualquer outro plano de consciência estritamente de acordo com a sua condição mental e espiritual. Divida o ser terrestre chamado homem em três aspectos principais, se entender; aliás terá de o fazer se não o quiser reduzir a um simples animal. Considere o seu corpo objectivo, o seu princípio pensante-que é só um ou alma tr)ouco superior ao elemento instintívo no animal que vital consciente e aquilo o coloca tão incomensuravelmente para além e acima do animal, ou seja, a sua alma racional ou <<espírito>. Pois bem, se considerarmos estes três grupos ou entidades repxesentativas e os subdividirmos de acordo com os ensinamentos ocultistas, o que é qtre encon-
conjunção, estes dois são um só, impessoal e sem atributos é evidente) e constituem dois princípios esp! rituais. Passemos à Alma Hwna.na, Manos ov mens, e todos concordarão certamente que a inteligência do homern é pelo menos dual: um homem de espírito generoso dificilmente poderá r,ir a ser um espírito mesquinho; há um abismo entre o homem com tendências intelectuais e espirituais e o homem obtuso' estúpido, material ou mesmo com instintos animais. P. Mas por que não há-de o homem ser representado antes por dois princípios ou dois aspectos? R. Todos os homens têm em si estes dois princípios, um dos quais mais activo do que o outro, e há casos atÀ em que um deles foi totalmente impecliclo cle se desenvolver, ou, por outras palavras, paralisado pela força e predomi_ nância do outro aspecto,, seja ern que senticlo for. Estes são, pois, aquiio a que chamamos os dois princípios ou aspectos de Manas-o superior e o inferior; o primeirr, o úunu, superior ou o EGO consciente e pensante, gravita em direc_ ção à Alma esiriritual (Buddhi); e o segundo, o princípio instintivo, é atraído por Kama, sede dos desejos e paixões animais no hornem. Temos assim quatro princípios provados, sendo os três últimos: (1) o <<Duplo>, qì.re concordámos em designar por Alma Plástica, semelhante a Froteu, e que é o veículo do segundo; o príncípío da vida; e o terceiro,
tramos?
(neste plano,
Em primeiro lugar, o Espírito (no sentido de Absoluto e, portanto, TODO indivisível) ou Atma; como em filosofia este não pode ser situado nem limitado, sendo apenas aquilo que E na Eternidade e que não pode estar ausente de qualquer ponto geométrico ou matemático do universo da matéria ou da substância, por ínfimo que ele seja, não deveria sequer na verdade chamar-se princípio <humano>. Em Metafísica será antes, e na melhor das hipóteses, esse ponto do espaço que a Mónada humana e o seu veículo, o homem, ocupam durante cada uma das suas vidas. Mas esse ponto é tão irnaginário como o próprio homem, não passando na realidade duma iiusão, maya; mas para nós, bem como para os outros Egos pessoais, somos uma realidade durante essa breve ilusão chamada vida e temos de acreditar eÍn nós, pelo menos na nossa imaginação, e ainda que mais ninguém o faça. A fim de o tornar mais apreensível para o intelecto humano, numa primeira tentativa de estuclar o Ocultismo e resolver o á-bê-cê do misiério do homem, o Ocultismo chama a este sétimo princípio a síntese do sexto e atribui-lhe como veículo a Alma Espiritual oa BuddhL Ora esta esconde um segredo nunca revelado a ninguém excepto aos chelas, que fazem voto irrevogável, ou àqueles que sejam dignos de confiança. A alma divina ou Buddhi é, portanto, o veículo do Espírito. Em
nem sequer Atma-Buddhi, considerado como Mónada dual, que é o homem ìndíviduol ou divino, mas sirn Manas, pois Atman é o TODO lJniversal, tornando-se apenas o EU SUPERIOR do hornem quando ligado a Buddhi, seu veículo, que O une à individualidade (ou homem clivino). Buddhi-Manas, que é chamado CorTso Caussl (união clos 5.' e 6.o Princípios), é também a Consciência que o liga a todas as personalidades que ele habita na terra. Conclui-se, portanto,
100
101
queéocorpofísiço. P. Mas, para si, qual deles é que reincarna? R. O Ego Espiritual pensante, o princípio permanente do homem ou aquilo que é a sede de Manas. Não é o Atma
A CHAVE DA TEOSOFIÁ que, sendo Alma um termo genérico, há nos homens três aspectos de Alma: a terrestre ou animal, a Alma Humana e a Alma Espiritual; estas, em sentido estrito, são uma única Alma com três aspectos. Do primeiro aspecto nada permanece depois da morte; do segundo (nous ou Manas) apenas a essência divina, caso est'eja imaculada, sobrevive, ao passo que o terceiro, além de ser imortal, se torna divino corzscienÍemente pela sua assimilação pelo Manas Superior. Mas, para esclarecer este assunto, será necessário dizer antes dc mais algumas palavras sobre a Reincarnação.
vIIr DA REIhICARNAÇÃO
OU RENASCIMENTO
O OUE É A MEMóRIA SEGUNDO A
P.
DOUTRINA TEOSóFICA?
O mais difícil vai ser explicar e fundamentar a
sua
posição. Não encontrei ainda nenhum Teósofo que tivesse
conseguido apresentar-me uma única prova vátIida capaz de abalar o meu cepticismo. R. O seu argumento reduz-se à velha objecção de que todos esquecemos a nossa incarnação a+terior. Na sua opinião isso invalida a nossa doutrina? pesioalmente acho que não e de qualquer modo essa objecção não pode ser def! nitiva. P. Gostaria que me apresentasse os seus argumentos. R. São breves e poucos. porém. se tomar ern conside_ ração: a) a total incapacidade dos melhores psicólogos modernos para explicarem ao mundo a natureza da mente e b) a seu completo desconhecimento das potencialidades e estados superiores da mesma, terá de reconhecer que essa objecção se baseia numa conclusão apriorística tirada sobretudo de provas circunstanciais e aparenternenlc razoár'eis. Jâ agora, diga-me o que é para si a <memória>. P. O meu conceito de memória não difere do conceito generalizaclo: a faculdade que a nossa mente tem de recordar 102
103
Á CHAYE DA TEOSOFIA e de reter o conhecimento de pcnsamentos, âctos e acontecimentos ocorridos anteriormente. R. A isso deve acrescentar que há uma grande <.iiferença entre as três formas de memória geralmente aceites. Além da memória em geral, hâ a Lembrança, a Recardação e a Rentiniscência, náo é verdade? Já alguma vez pensou nessa diferença? Convém não esquecer que memória é um termo genérico.
P. No entanto essas palavras são tocias sinóninos. R. Na verdade não são, pelo menos em filosofia. A memória é apenas uma capacidade inata dos scres pensantes e até dos animais que lhes permite reproduzir impressões passadas graças a uma associação de ideias sugerida essencialmente pelas coisas objectivas ou por uma acção sobre os nossos órgãos sensoriais externos. A memória é uma faculdade que depende inteiramente do funcionamento mais ou menos saudável e normal do nosso cérebro físico; a Iembrança e a recordação sã.o atributos e servas dessa memória. Mas a reminiscência é uma coisa completamente diferente. A reminiscência define-se como algo de intermédio entre a lembrença e a reco,rdação, ou seja, um ((processo consciente de recordar acontecimentos passados sem uma ref erência completa e variada a coisas específicas que caracterizam a recordação>. Ao falar de recordação e lembrança, Locke diz: <Quando uma ídeia ocorre de novo sem a intervenção dum objecto semelhante no nosso sensório externo é uma lembrança; se é procurada pela mente e representada de novo com dor e esforço, então é uma recordação.>> Porém, o próprio Locke não define claramente a reminiscência, já, que não se trata duma faculdade ou atributo da nossa memória física mas duma percepção intuitiva distinta e exterior ao nosso cérebro físico; uma percepção abrangendo como abrange (sendo chamada a intervir pelo conhecimento sempÍe-presente do nosso Ego espiritual) todas aquelas visões do hornem que são consideradas anormais - desde imagens sugeridas pelo génio aos delírios da febre e até loucura- e ra4
DA REINCÁRNAÇÃO OU
RENASCIL,TENTO
que pâra a ciência não têm existência fora da nossa imagi_ nação. O Ocultismo e a Teosofia, contudo, vêem a reminiscêncía numa perspectiva totalmente diferente. para nós, enquanto a memória é física e evanescente, dependenclo das condições fisiológicas do cérebro, a reminiscência é, a memó_
ria da alma. E ê esta memória que dá a todos os seres humanos, quer
o
entendam ou não,
a
cettez:a
de que já
viveram antes e que hão-de viver ainda. Já wordsworth ctizia:
<O nosso nascimento não passa dum dormir e dum Iesquecer,
A alma que nasce connosco, a Estrela da nossa vida, Teve o seu poentê noutro lugar E vem de muito longe.> (*)
P. Se é nesse tipo de memória poesia e anomalias da imaginação, segundo as suas própriãs palavras _ que baseia a sua doutrina, não me paÍece que consiga "orru.rrõr, muita gente. R. Eu não <disse> que era imaginação. Limitei-me a dizer que, dum modo geral, os fisiólogos e cientistas consi_ deram essas reminiscências conao alucinações e um produto da imaginação, conclusãoerudíta a que chegaram. Ndo nega_ mos que essas visões do passado e esses vislumbres de coisas há muito ocorridas sejam anormais quanflo comparados com a nossa experiência diária normal e a nossa memória física. Mas, para além disso, sustentarnos que a memória, como Olympiodorus disse, é apenas faúarta e aquilo que em nós merece menos confiança (*x). Ammonius Saccas afir-
(+) <Ode sobre Sugestões de Imortalidade>,
(**) ,ê fantasia>, diz Olympiodorus (e, um obstaculo as nossas
(Comentdrío sobre o Fédont concepções intelectuais: e assim.para agrtados pela influência. ilspiradora da Divindade, !^u1ng9_-r94os s9^ a^Íantasra^rntervier,_a energia entusiásticá cessa, porque o entu_ o êxtase opõem-se um ao outro. Se pérluntãrem só a l1lmo.e e atma capaz de_se tornar actuante sem a fantadia, lesponderemos que a sua capacidade de percepção dos universair'pióuï-àrËá^el I em, portanto, percepções independentes da fantasia, mas. a<i meimã tempo, a tantasia estimula as suas energias tal coúo umá tempes_ tade persegue os que navegam no mar)). 105
Á CHÁYE DA TEOSOFIA mava que a única faculdade do homem que se opunha direc-
tamente à predição ou previsão dum acontecimento futuro é a mentóría. Alêm disso, não esqueça que a memória é uma coisa e a mente atJ pensamento outta; uma é um gravador, um registador que se avaria com grande facilidade; a outra (pensamentos) é eterna e imperecível. Recusar-se-ia a acreditar na existência de certas coisas ou homens só porque não os viu com os seus olhos? O testemunho colectivo de gerações passadas que viram Júlio César não constituiria garantia suficiente de que existiu efectivamente? Porque não há-de então acreclitar em idêntico testemunho" em rela' ção aos sentidos psíquicos das massas? P. Mas não lhe parece que essas diferenças são demasiado subtis para serem aceites pela maioria dos mortais? R. Eu diria antes pela maioria dos materialistas. E a esses dizemos: reparem coÍno, apesar da curta duração da existência comum, a memória é demasiado fraca para poder registar todos os factos ocorridos durante a vida. Quantas vezes atê os factos extremamente importantes estão adormecidos na nossa memória até serem despertados por alguma associação de ideias ou levados a tornarem-se actuantes por qualquer outro elemento de ligação! Isto é particularmente frequente entre as pessoas de idade avançada, em que â capacidade de recordar está diminuída. Assim, se nos lembrarmos daquilo que sabemos acerca dos princípios físicos e espirituais do homem, não é o facto de a nossa memória não ter conseguido gmvar as *,q1s-a! vjdas anteriores que nos deve surpreender, mas sim o contrário, admitinclo que isso pudesse aco rtecer. POROUE NÃO NOS LÊMBRAMOS DAS NOSSAS VIDAS PASSADAS?
P. Já me explicou em traços gerais os sete princípios; gostaria agora que me dissesse em que medida são responsáveis pela perda total de memória em relação a viclas anteriores. t06
DA
REIÌ,ICÁRNAÇÃO
OU
RENÁSCIMENTQ
R. E, muito simples. una vez que os princípirx quc nós chamamos físicos e que são, todos aceites pela ciência, embora esta lhes atribua outros nomes (*), se desintegram depois da morte, juntamente com os seus elementos constituintes, a mentória e o seu cérebro, a memória desaparecìda duma personalidade clesaparecida não pocle recordar nem registar nada na reincarnação seguinte do EGO. A reincarnação significa que a este Ego será dado um novo cotpo, rrm novo cérebro e uma novct memória. Seria, portanto, absurdo esperar que esta memória recordasse aquilo que nunca registou, tal como seria inútil observar ao microseópio uma camisa que nunca tivesse sr'do usada por um assassino, procurando descobrir nela manchas de sangue que só se poderiam encontrar nas roupas que ele na realidade tivesse usado. Não é a camisa limpa que tern de ser examinada mas as roupas que o assassino usava no momento em que perpetrou o crime; e, se elas tiverem sido queimadas e destruídas, como é possível fazê-Lo? P. Sim, mas como é que pode ter a ceúeza de que o crime foi efectivamente cometido ou de que o <homem da camisa limpu já vivera antes? R. Por processos físicos não é com certeza; nem por acreditar no testemunho daquilo que deixou de existir. Mas existe uma coisa que se chama prova circunstancial, uma vez que as nossas sábias leis a aceitam talvez mais até do que deveriam. Para acreditar na reincarnação e nas vidas anteriores, temos de nos pôr em relação com o nosso Ego permanente, real, e não com a nossa memória evanescente. P. Mas como podem as pessoas acreditar numa coisa que não conhecem e nunca viram, ou mesmo contactar com ela? J*) Nomeadamente o corpo, a vida, instintos passionais e anid_e toïos os homens (quer'apreendido pèiò pensamenrq ou pelos olhos do espírito, quér obj^ectivamentè e separado do corpo físico), princípios-esses a ìue chamamos Sthula-Saríra, Prana, Kama-Rupã e Linga-Sarira qvide supra). mais, o espectro astral
107
A CHAVE DÁ TEOSOFIA
R. Se há pessoas que acreditam na Gravidade, no Éter, na Força e o que quer que seja da Ciência, em abstracções e <hipóteses de trabalho> que nunca viram, tocaram, cheiraram, ouviram ou saborearam, porque não hão-de outras acreditar pela mesma tazã.o no seu Ego permanente, que é uma <hipótese de trabaiho> bem mais lógica e importante que qualquer das outras? P. Qual é afinal esse misterioso princípio eterno? Importa-se de explicar a sua nattteza de modo a torná-lo mais compreensível?
R. É o EGO que reincarna, o <<Eu>> indivídual e imortal pessoal; em suma, o veículo da MONADA Atma-não -Búdica, aquilo que é recompensado no Devachan e punido na terra, enfim aquilo a que se liga unicamente o reflexo dos Skandhas ou atributos de cada incarnação (*). P. O que entende por Skandhas?
R. Precisamente o que eu disse: <atributos> nos quais está incluída a memória-qve perecem todos-como uma flor, deixando apenas atras de si um ténue perfume. Vou citar um outro parágrafo da obra 0 Catecismo Budísta de H. S. Olcott (**), directamente relacionado com esta questão, que aborda da seguinte maneira: <O homem idoso recorda os incidentes ocorridos na sua juventude, apesar de ter mudado física e mentalmente. Nesse caso, porque é que não trazemos do nosso último nascimento llara o actual a recordação das nossas vidas passadas? Porque a memória faz parte dos Skandhas e, como estes não são os mesmos na nova existência, desenvolve-se uma memória que regista os factos dessa existência específica. Porém o registo ou (*)
Segundo a doutrina Budista, há cinco Skandhas ou atributos:
do corpo), qualidades materiais; Vedana, sensação; Sanna, ideias abstractas; Sankharo, tendências da mente; Yinnãna, poderes mentais. São estes os atributos de que somos cónstituídos; é graças a eles que temos consciência da existência e é através deles que comunicamos com o mundo que nos rodeia. (**) H. S. Olcott, Presidente e Membro Fundador da Sociedade <yRupa (fo1ma
Teosófica.
108
DA REINCARNAÇÃO OA
RENASCIMENTO
reflexo de todas as vidas passadas tem de sobreviver, pois quando o príncipe Siddhartha se transformou em Buda reviu todos os seus anteriores nascimentos,.. e todo aquele que atinge o estado de lhana pode seguir retrospectivamente a linha das suas üclas.> Isto prova que, enquanto as qualidades imorredouras da personalidade o amor, - taisaocomo a bondade, a caridade, etc. se ligam Ego imortal, - uma imagem permanente imprimindo nele, por assim dizer, do aspecto divino do homem que foi, os seus Skandhas materiais (aqueles que geram os efeitos Kármicos mais acentuados) são tão evanescentes como o clarão dum relâmpago, não podendo impressionar o novo cérebro da nova personalidade, sem que esta impossibilidade prejudique de qualquer modo a identidade clo Ego reincarnante. P. Pretende com isso dizer que só sobrevive aquilo a que chama a memória cla Alma, essa Alma ou Ego que são uma e a mesma coisa e que da personolidade nada fica? R. Não é bem isso; a não ser que o homem anterior tenha sido um materialista absoluto em cuja natureza não houvesse sequer uma fenda por onde pudesse passar um raio espiritual, hâ sempre qualquer coisa da personalidade que sobrevive porque deixa a sua marca eterna no Eu permanente reincarnante ou Ego Espiritual (*). (Ver <<Da Consciência depoís da moríe e depois do nascímento>). A personalidade e os seus Skandhas mudam sempre em cada novo nascimento. Como já anteriormente referi, ela é apenas o papel representado pelo actor (o Ego verdadeiro) por uma noite. É por isso que no plano físico não temos qualquer rnernória das vidas passadas, embora o Ego real as tenha viviclo e as conheça todas. P. Nesse caso, coÍno explica que o homem real ou Espiritual não imprima este conhecimento no seu novo <<Eur> pessoal?
. (*) Oq Eu Espirítual, por oposição a Eu pessoal. O leitor não deve confundir este Ego Espiritual com o <EU SUpERIOR>, que é Atma, o Deus em nós, e inseparável do Espírito Universal. ^ IA9
A CHAVE DA
DA REINCARNAÇÃO OA
TEOSOFIÀ
R.
E porque o Ego Espiritual só pode actuar quando o Ego pessoal está paralisado. O <Eu> Espiritual do homem é omnisciente e possui todo o conhecimento que é inato nele, ao passo que o eu pessoal é um produto do seu meio e escravo da memória física. Se aquele se pudesse manifestar ininterruptamente, deixaria de haver homens na terra, pois seríamos todos deuses. P. Mas deve haver expcepções, deve haver quem se recorde das suas vidas anteriores. R. E há. Mas quem é que acredita no que dizem? Esses psíquicos são geralmente considerados histéricos alucinados, entusiastas loucos ou charlatães, pelo materialismo moderno. Se falarmos de alma às pessoas, algumas perguntarão: <O
a Alma?> <<Já conseguiu alguma vez provar a sua existência?> E evidente que é inútil discutir com materialistas. Mas mesmo a esses eu perguntaria: <Lembra-se do que é
que era ou fez quando era bebé? Conserva a mínima recordação da sua vida, pensamentos, actos, ou mesmo do que viveu durante os primeiros dezoito meses ou os primeiros dois anos de sua existência? Então, partindo do mesmo princípio, porque não nega que tenha vivido como bebé?> Se a isto acrescentarmos que durante o período de Devachan o Ego
reincarnante oa índivídualidade retém apenas
a
essência
da experiência da sua vida passada na terra ou personalidade, enquanto toda a experiência física regressa a um estado pot,encìal ou, por assim dizer, se converte em fórmulas espirituais; se nos lembrarmos ainda de que o período que medeia entre dois renascimentos é de dez a quinze séculos durante os quais a consciência física está total e absolutamente inactiva, não tendo órgãos através dos quais actuar e não tendo,, portanto, existêncìa, a razão da ausência de toda e qualquer recordação na memória puramente física torna-se evidente. P. Acaba de dizer que o EGO ESPIRITUAL é omnisciente. Onde está então essa apregoada omnisciência durante
aquilo a que chama vida em Devachan? 110
RENASCIMENTO
R. Durante esse tempo está latente e potencial porque, em primeiro lugar, o Ego Espiritual (o composto Buddhi-Manas) não ê o EU SUPERIOR, eue, sendo uno com a Alma ou inteligência lJniversal, é omnisciente; em segundo lugar, porque Devachan é a continuaçáo idealizada da vicla terrena que acaba de deixar, urn período de adaptação retributiva e uma recompensa por injustiças e dores imerecidas sofridas durante essa vida. Em Devachan o Ego Espiritual só é omnisciente potencialmente, sendo-o de facto apenas no Nirvana, quando o Ego está submerso na Alma-Inteligência Universal. Porém volta a seÍ quase omnisciente na terra durante essas horas em que certas condições anormais e mudanças fisiológicas do corpo libertam o Ego dos condicionamentos da matéria. DA INDIVIDUALIDADE E DA
PERSONALIDADE
P. R.
Mas qual é a diferença entre uma e outra? Para perceber bem a ideia terá primeiro de estudar os conjuntos duais de princípios: os espiriruais, au seja aqueles que pertencem ao Ego imperecível , e os materíoís, aqueles que constituem os coryos em constante mutação ou série de personalidades desse Ego. Vamos atribuirlhes nomes e caracterizá-los:
I.
II.
Atma, o <<Eu Superior>>, não ó o seu Espírito nem o meu, sendo antes como o Sol que brilha para todos. É! o <<príncípio divino>> universalmente difuso, inseparável do seu Meta-Espírílo único e absoluto tal como um raio de sol é inseparável da luz do sol. Buddhi (a alma espiritual) é apenas o seu veículo. Nenhum deles tem qualquer utilidade para o corpo do homem, quer isoladamente quer em conjunto, assim como a luz do Sol e os seus raios não têm qualquer utilidade para um bloco de granito enter111
A CHAVE DÁ
DA REINCARNAÇÃO OA
TEOSAFTA
rado na teÍta, a não ser que a Díada divina seia assimìlada por e reflectida em alguma consciêncis. Nem Atrna nem Buddhi são jamais atingidos pelo Karma porque o primeiro é o aspecto superior do Karma, a agente o'peïante de SI MESMO num aspecto, e o segundo é inçonsciente neste plano. Essa consciência ou inteligência ê Manas.
IIL
o resultado ou produto numa forma reflectida de Ahamkara, <<a concepção do Eu> ou INDMDUALIDADE. Quando inseparavelmente unido aos dois primeiros, é, portanto, chamado o EGO ESPIRITUAL e Taijasa (o irradiante). E a verdadeira Individualidade, ou seja o homem divino. Foi este Ego que tendo inicialmente incarnado na forma hurnana -desprovido de sentidos, animado pela presença em si da própria mónada dual, mas
Manas(*),
sern conhecimento dessa presença (uma vez que não
tinha consciência)
-fez
da forma humanóide um
verdadeiro hamem. É esse Ego, esse <Corpo Causal> que paira sobre todas as personalidades em que o
Karma o obriga a incarnar e que é responsável por todos os pecados cometidos através de e em mástodos os novos corpos e personalidades - as caras evanescentes que escondem o verdadeiro Indivíduo clurante uma longa série de renascimentos.
P. Mas acha isso justo? Por que razáo hâ-de esse Ego ser castigado por actos que já esqueceu? ('È) MAHAT ou <Inteligência lJniversal> é a origem de Manas. Este é Mahat, ou seja, a mente, no homem. O Manas é também designado Kshetrajna, <espírito incarnado>, porque, segundo a nossa filosofia, foram os Manasà-putras, ou <Filhoi da Inteligência Universaln, que criaram, ou melhor, produziram, o homem pensante, <<manu>, incarnado na Terceira Raça humana da nossa Ronda. Assim, Manas é o verdadeiro Ego Espiritual permanente e incar-
a INDMDUALIDADE, e as nossas várias personalidades são apenas as suas máscaras exteriores.
nante,
112
e
numerosas
RENASCIMENTO
R. Não, não os esqueceu; eÌe conhece e lembra_se tão bem das suas más acções como você se lembra do que fez ontem. Pensa que, pelo facto de a memória dessa ainálgama de compostos físicos chamada (corpo) não recordu, o qu" o seu antecessor (a personalidade que t'oí) fez, o Ego real
os esqueceu? P. Mas não há qualquer forrna de comunicação entre a consciência Espiritual e a humana ou rnemória? R. Claro que há. Como é que explicaria a intuição, a ((voz da consciêncial), as preinonições, as reminiscências indefinidas e vagas, etc., se não houvesse essa comunicação? Que bom seria se ao menos a maioria dos homens instruídos tivesse a extraordinâria capacidacle de percepção espiritual de Coleridge, que revela a sua intuição nalgumas passagens dos seus escritos. Ouça o que ele diz em relação à probabilidacle de <todos os pensamentos serern em si próprios imperecíveisn. <se a faculdade inteligente (recordaçõer i,iuitas) se tornasse mais completa bastaria urna oïganizaçáo diferente que lhe fosse adequada, urn corpo celesÍe em yez do corpo terresíre, para que todas as almas humanas tivessem conhecimento da experiência colectiva de íada a sua existência (ou melhor, existências) passada>. E este corpo celeste é o nosso EGO Manásico. DA RECOMPENSA E CASTIGO DO
EGO
P. Segundo disse, o Ego, independentemente da vida que a pessoa em que incarnou possa ter ievado na Terra, nunca é castigado depois da morte. R. Nunca, salvo raríssimas excepções. P. Mas, se é castigado nesta vida por más acções come_ tidas durante uma vida anterior, então deveria também ser recompensado quer aqui, quer depois de liberto do corpo. R. E é. Se não aceitamos que haja qualquer castigo fora da terra é porque o único estado que o Eu Espiritual conhece depois da morte é o de uma total beatitude. TT3
A CHAVE DA TEOSOFIA
DA REINCARNAÇÃO OU RENASCIMENTA
O que é que quer dizer com isso? Apenas o seguinte: os crímes e pecados cometidos num plano de object:ívidade e num mundo de matéría não
como o Hinduísmo diz dos Kumaras e a lenda cristã diz do Arcanjo S. Miguel), ou seja, como não incarnaram quando deviam os corpos que lhes eram predestinados, ficaram manchados (Izide Estâncias VIII e IX de <S/o/cas of Dzyan>, Vol. lll de A Doutrina Secreta, pp. 31 e 32), dai resultando o pecado original das formas desprovidas de sentidos e o castigo dos Egos. Quando se fala de os Anjos Rebeldes serem lançados no Inferno pretende-se apenas dizer que esses Espíritos puros ou Egos estão aprisionados em corpos de matéria impura carne.
tleixando apenas na memória da alma a reminiscência do foi felicidade ou a ela conduziu. As palavras de plotino ao dizer que o nosso corpo é o verdadóiro rio Letes, pois <as almas que nele mergulham tudo esquecem), são bem mais profundas do que pode parecer à primeira vista. pois, tal como o nosso corpo terreno é como o Letes, também o nosso corpo celes,te o é ainda muito mais no Devachan. P. Devo daí deduzir que o assassino, o violador de toda a es@cie de lei divina e humana, não é castigado? R. Quem é que disse isso? A nossa filosofia tem uma doutrina do castigo tão inflexível como a clo mais rígido Calvinista, com a diferença de que é muito mais filosúica e está mais de acordo com a justiça absoluta. Nenhuma acção, nem um só pensamento pecaminoso, deixarão de ser punidos; este último ainda mais severamente do que a primeira, uma vez que um pensamento tem muito mais foìça para produzir maus resultados do que uma acção. Acredita_ Inos numa lei de Retribuição infalível denominada KARMA, que se traduz num encadeamento natural cle causas e suas inevitáveis consequências. P. Mas como e onde actua essa iei? R. Todo aquele que trabalha merece o seu salário, diz a Sabedoria no Evangelho. Todas as acções, boas ou más, são procriadores prolíferos, diz a Sabedoria dos Tempos. Junte estas duas frases e perceberá o <porquê>. Depois de dar à Alma, liberta das vicissitudes da vidã pessoal, uma compensação suficiente, aliás centuplicada, o Karma, acom_ panhado do seu exército de Skandhas, espera no limiar do Devachan, donde o Ego reemerge para assumir uma nova incarnação. É nesse mo,mento que o futuro destino do Ego agora repousado oscila na balança da Retribuição justa, enquanto ele fica de novo sujeito à lei Kármica activa. É nesse renascimento que o espera, um renascimento escolhido e preparado por essa LEI misteriosa e inexorável mas infa_ lível na equidade e sabedoria das suas disposições, que os pecados da vida anterior do Ego são punidos. Mas ò eg.
114
115
P. R.
podem ser punidos num mundo de pura subjectivídade. Não acreditamos no inferno nem no paraíso como lugares; nem num fogo do inferno objectivo ou em verÍnes que nunca morrem; nem em Jerusalém com ruas pavimentadas de safiras e diamantes. Acreditamos, sim, num estado depois da rnorte ou condição mental semelhante àquela em que nos encontramos durante um sonho muito real. Acreditamos numa
lei imutável de Amor,
Justiça
e Misericórdia absolutos.
E, por acreditarmos nisso, dizemos: <Apesar do pecado e das graves consequências da transgressão kármica original dos Egos agora incamaclos (*), nenhum (ou a forma perió-
dica e material exterior da Entidade Espiritual) pode ser, com justiça, considerado responsável pelas consequências do seu nascimento. É essa mesma Lei infalivelrrente sábia e justa, mais do que misericordiosa, que inflige ao Ego incarnado o castigo Kármico por todos os pecados cometidos durante a sua vida anterior na Terra, que proporciona à Entidade já liberta do corpo um longo período de descanso mental, isto é, o esquecimento total de todos os acontecimentos tristes e mesmo do mais pequeno pensamento doloroso que teve lugar na sua vicla anterior como personalidade,
(*) Foi com base nesta transgressão que surgiu o dogma cruel e ilógico dos Anjos Caídos. No volume IV (Ed. Adyar) de A Dou-
trina Secreta faz-se referência a este assunto. Todos os nossos (Igos> são entidades pensantes e racionais (Manasa-putrcs) que viveram quer sob uma forma humana, quer sob outras formas
no ciclo da vida (Manvantara) anterior e cujo Karma consistia em incarnar no homem deste ciclo. Os MISTÉRIOS ensinavam que, como tardaram em cumpnr esta lei (ou se (recusaram a criar>,
-a
que
A CHAVE DA TEOSOFIA não é lançado em nenhum Inferno imaginário, com chamas teatrais e ridículos demónios de cauda e chifres, mas sim nesta terra, onde pecou, e onde terá de expiar todas as suas más acções e pensamentos. Cada um colhe o que semeia' A Reincarnação reunirá à sua volta todos os outros Egos que sofreram, directa ou indirectamente, por sua culpa ou mesmo por acção inconsciente da sua personalidade anteriot. Serão lançados por Némesis no caminho clo homem novo, que oculta o velho, o EGO eterno e... P. Mas onde está a equidade de que fala, se essas /?ollos personalidades não têm consciência de terem pecado ou de terem sido vítimas dos pecados dos outros? R. Poder-se-á dizer que o casaco arrancado ao homern que o roubou e rasgado pelo homem a quern fora roubado e que reconheceu a sua propriedade foi justamente tratado? A nova personalidade não passa dum novo traje com ceracterísticas, cor, forma e qualidade específicas; mas o homem real qlue o usa é o mesmo criminoso cle sempre. É a individualidade que sofre através da sua personalidade. E é isto, exclusivamente isto, que explica a terrível, embora só aparente, injustiça da distribuição dos diferentes destinos entrc os homens. Quando os seus filósofos modernos conseguirem explicar-nos porque é que tantos homens aparentemenic inocentes e bons nasceram só para sofrer durante uma vida inteira; porque é que tantos nascem pobres e morrem à fomc nos bairros miseráveis das grandes cidades, abandonados pela sorte e pelos homens; porque é que uns nascem na maiot' pobreza, outros abrern os olhos para a vida em palácios; porque é que muitas vezes é dado aos piores homens e muittr raramente aos que o merecem um nascimento nobre e unl destino ditoso; porque há mendigos cujos evs ínterior"es sãcr iguais aos dos ho nens mais nobres e superiores; quando estas e muitas outras coisas forem satisfatoriamente explicaclas quer pelos seus filósofos, quer pelos teólogos, sÓ então, tr nunca antes, terá o direito de rejeitar a teoria da reincar' nação.
il6
IX DO KAMA-LOKA E DO DE'r'ACHAN
DO DESTINO DOS PRINCíPIOS
INFERIORES
P. R.
Referiu-se ao Kama-loka, o qiue ê? Quando um homem morre, os seus três princípios inferiores, isto é, corpo, vida e o veículo desta última, o corpo astral ou duplo do homem yiyo, deixam_no para sompre. Depois, os seus quatro princípios _ o princípio cen_ tral ou médio, alma animal ot Kama-rupa, çom tudõ aquilo rlue assimilou do Manas inferior, e a trtada superior, pu*upara o Ka:ma-loka. Este é um lugar astral, o límbo da teo_ logia escolástica, o Hades dos antigos e, rigorosamente l'alando, tm lugar apenas em sentido relativo. Nào tem uma iirea nem limites definidos, mas existe de,ntro do espaço subjectivo, ou seja, para além das percepções dos ,ár.ó, scntidos. Existe realmente, e ê ai que os eìdolons astrais tlc todos os seres que viveram, incluindo os animais, esperam ü sua segunda morte. No caso dos animais, esta veriiica_se (Ìom a desintegração e desaparecimento total das suas partí_ c,ulas astrais. No caso do eidolon humano, ela começa quìndo rr tríada Atma-Buddhi-Manas se ((separa)) dos seus princípios irl'criores, o* do reflexo da ex-personalidade, uo puì.u, puru o f)evachan. P. O que acontece depois? 117
A CHAYE DA TEOSOFIA
DO KAMA-LOKA E DO DEVACHAN
R. Depois, o fantasma Kama-rúpícq despojado do princípio pensante que o informa, o Manas superior, e do aspecto
ser. As nossas doutrinas poderão não agradar aos espíritas, mas aquilo em que acreditamos e que ensinarnos é bem menos egoísta e cruel do que aquilo que eles pregam. P. Não percebo. Não vejo onde está o egoísmo. R. O egoísmo está na doutrina do regresso de Espi ritos, as verdadeiras <personalidadesr> como eles dizem, e vou explicar porquê. Se o Devachan, chame-lhe paraíso se quiser, for um <lugar de beatitude e felicidade suprema> (ou melhor, estado), será lógico pensar que não é possível experimentar nele qualquer sofrimento nem sequer a mínima dor. <Deus secará as lágrimas> dos olhos de todos aqueles que estão no paraíso, diz o livro das profecias. E se os <Esp! ritos dos mortosn pudessem regressar à terra e ver o que aí se passa, sobretudo em suas co^eds, que espécie de felicidade poderiam sentir?
inferior deste, a inteligência animal, e privaclo da iuz da mente superior e do cérebro físico, desagrega-se. P. De que maneira? R. Deixa de poder pensar até no mais baixo plano animal. A partir desse momento já não é sequer Manas <<inferiolr>, pois este não é nada sem o Manas <<superior>1. P. E é essa não-entidade que se materializa nas sessões de espiritismo? R. Precisamente. Uma verdadeira não-entidade, de facto, pelo que diz respeito às faculdades de raciocinar e pensar, e, embora astral e fluídica, não deixa de ser uma Entídade, como se vê em certos casos em que, depois de ter sido magnética e inconscientemente atraida para um médium, revive temporariamente vivendo nele por procuração, por assim dizer. Vive uma espécie de vida vicária na Aura do rnédium, raciocinando e falando quer através do cérebro do médium quer do de outras pessoas presentes. Mas esta questão pode levar-nos a penetrar demasiado em terreno alheio, o que não pretendo de modo algum. Falemos de novo da reincarnação. P. Quanto tempo, então, é que o Ego reincarnante permanece no Devachan? R. Segundo a nossa doutrina, isso depende do grau de espiritualidade e do mérito ou demérito da incarnação anterior. Em média, o período devachânico dura dez a quinze
P. Que quer dizer com isso? porque é que isso havia de afectar a sua felicidade? R. É muito simples; vou clarlhe um exemplo. Uma mãe morre deixando sem amparo os filhos de tenra idade que ela adora, e até talvez um marido que muito, ama. Segundo a nossa doutrina o seu <Espírito> ou Ego (aquela individualiclade que durante todo o período devachânico
séculos.
estará impregnada dos sentimentos mais nobres da sua antiga
P.
Mas por que razão é que esse Ego não pode manifestar-se e comunicar com os mortais, como afirmam os espíritas? O que é que impede uma mãe de comunicar com os
MOTIVO POR OUE OS TEóSOFOS NÃO ACREDITAM NO REGRESSO
DE (ESPÍRITOS>r PUROS
persona:lídade, au seja, o amor pelos filhos, piedade para com aqueles que sofrem, etc.) separa-se então do <vale de lágrimas), e a sua felicidade futura consiste numa santa ignorância de todas as atribulações que deixou para trás. Os espíritas afirmam, pelo contrário, que esse Espírito tem tanta consciência dessas atribulações como tinha anteriornrente, ou maís ainda, pois <os Espíritos vêem mais do que
filhos que deixou na terra, um marido de comunicar com a mulher, etc.? Devo confessar que é uma crença extremamente consoladora e não me admira que aqueles que a professam sintam tanta relutância em abandoná-la. R. Nem são obrigados a fazë-lo, a não ser que prefiram a verdade à ficção, por muito <consoladora)) que esta possa
os mortais incarnados>. Para nós, a felicidade que se goza no Devachan consiste na plena convicção de nunca se ter aban-
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A CHAI/E DÁ TEOSOFTA
DO KAMÁ-LOKA E DO DEI/ÁCHAÌ\r
donado a terra e de que a morte não existe; a consciência espiritual daquela mãe depois da morte fáyla-á, pensar que vive rodeada pelos seus filhos e por todos aqueles que amava; e não haverá hiato nenhum que possa afectar a mais perfeita c absoluta felicidade do Espírito liberto do corpo. Os espíritas negam isto redonclamente. Segundo eles, os infelizes dos
verdade eterna, que não tem forma, cor ou limites, tudo ser ilusão (Maya). Para aqueles que conseguem ultrapassar o véu de Maya Adeptos e Iniciados não - é o caso dosaograndes há Devachan. mortal comum, sua a felicidade Quanto nele é total. Para ele, Devachan é o esquecimento absoluto
homens, nem pela morte se libertam do sofrimento desta vida. Assim, aquela rnulher que amava o marido, que durante a vida estivera disposta a poupar-lhe sofrimento nem que isso representasse para ela grande clor, vê-se, clepois da morte, condenada a assistir ao desespero dele e a sentir todas as lágrimas ardentes que ele chora por ela seÍn o poder ajudar de maneira nenhuma. Poderá tal estado de consciência coadunar-se com a felicidade? Se assim é, a <felicidade> representa a maior maldição e, ao pé dela, a condenação ortodoxa será um consolo! P. Mas como é que a sua teoria evita isso? Como é que pode conciliar a teoria da omnisciência da Alma com a sua ignorância ern relação àquilo que se passa na terra? R. Porque a lei do amor e da misericórdia assim estabelece. Durante cada período de permanência em Devachan o Ego, omnisciente como é per se, reveste-se, por assim dizer, d,o reflexo da personalidade que foi. Acabo de lhe dizer que a eflorescência ídeal de todas as qualidades ou atributos abstractos, e como tal imperecíveis e eternos, que encontraram um eco no coração da personalidade durante a vida, como por exemplo o amoÍ e a misericórdia, o amor do bem, da verdade e do belo, continuam ligados ao Ego depois da morte, acompanhando-o, portanto, para o Devachan. Assim, durante o período devachânico, o Ego torna-se o reflexo ideal do ser humano que era antes de deixar a terra, e esse não é omnisciente. Se o fosse nunca estaria no estado a que cha-
incarnação anterior, e até da própria existência da clor e do sofrirnento. ,Aquele que está em Devachan vive um ciclo intermédio entre duas incarnações, rodeado de tuclo aquilo a que aspirou em vão, e na companhia de todos aqueles que amou na terra. Aí realiza tudo aquilo que desejou. Vive, assim, durante muitos séculos, uma existência de felicidade pura, verdadeira recompensa pelos sofrimentos da vida terrena. Em resumo, mergulha num oceano de felicidade ininterrupta, atravessada apenas por acontecimentos cujo grau de felicidade é ainda maior. P. Mas isso é mais que uma ilusão, é uma verdadeira existência feita de alucinações utópicas! R. Talvez o seja na sua opinião, mas não do ponto de vista filosófico. Aliás não estará a nossa vida terrena recheada de ilusões? Nunca conheceu homens e mulheres que vivem uma felicidade ilusória durante anos e anos? Digo-lhe mais vÍna vez que esse esquecimento, ou essa alucinação se prefere chamar-lhe assim, não passa de uma lei misericordiosa da nat'ureza e de rigorosa justiça. Seria de enlouquecer pensar que um espírito puro se pocle sentir feliz enquanto condenado a presenciar os pecados, os erros, as traições e, sobretudo, o sofrimento daqueles de quem a morte o separou e a quem ama acima de tuclo, sern os poder ajudar.
de tudo aquilo que era motivo de dor ou cle sofrimento na
P.
Tem razão. Devo confessar que nunca tinha
vistcl
filosofia, dirlhe-ei que isso se deve ao facto de, fora da
a questão desse ângulo. R. Justamente, e é preciso ser'-se extremarnente egoísta e totalmente desprovido dum sentido de justiça retributiva para se conceber tal coisa. Estamos com aqueles que perdemos fisicamente e muito mais perto deles clo que quando estavam vivos. E isto não é fruto da imaginação daqueles que
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121
mamos Devachan.
P. R.
Como explica isso? Se quer uma resposta segundo os princípios da nossa
A CHAVE DA
NCI KAMA.LOKÁ
TEOSOFIÁ
E DQ DEVÁCHAN
R.
estão em Devachan, como muitos poderão pensar, mas uma realidade. O amor divino puro não é apenas a flor do coração humano, tem as suas raízes na eternidade. O amor sagrado espiritual é imortal e, mais tarde ou mais cedo, o Karma fará com que todos aqueles que se amaram com essa afeição espiritual incarnem de novo no seio duma mesma família. Defendemos, por outro lado, que o amor para além-túmulo ilusão se quiser tem uma força má- chame-lhe gica e divina qüe age sobre os vivos.- O Ego cl,e uma mãe, cheio de amor pelos filhos imaginários que vê junto de si, vivendo uma vida de felicidade que para ele ê Ião real como quando se encontrava na terra __ esse amor influenciará sempre os filhos ainda incarnados. Manifestar-se-á nos seus sonhos e, frequentemente, em determinados acontecimentos: protecções e intervençóes provìdencicts, pois o amor é um escudo poderoso que não é limitado nem pelo espaço nem pelo tempo. E o que se passa com esta mãe em Devachan, passa-se também com todas as relações e ligações humanas, excepto aqueias que são exclusivamente egoístas ou materiais. Poderá depreender o resto por analogia. P. Não admite, portanto, qualquer possibilidade de comunicação entre os vivos e os espíritos desincarnado,s? R. Essa possibilidade existe e hâ atê duas excepções à regra. A primeira verifica-se durante um pequeno número cle dias imediatamente após a morte duma pessoa e antes de o Ego passar ao estado Devachânico. euanto a saber se algum mortal, à excepção de alguns casos raros (em que a intensidade do desejo do moribundo de regressar com um fim determinado obrigou a sua consciência superior d permanecer desperta, tendo sido, portanto, a individualídade, o <Espírito>, que comunicou), beneficiou com o regresso clo espírito ao plano objectivo, é outra questão. Depois da morte, o espÍrito fica aturdido e não tarda a cair naquilo a que nós chamamos <inconsciência pr,ê-devachânica>>. A segunda excepção diz respeito aos Nírmanakayas. P. Quem são eles? E o que significa Nirmanakaya?
Nirmanakaya é o nome que se dá àqueles que, embora tenham conquistado o direito ao Nirvana e ao reponso cíclico -- não se trata de Devachan, pois este é uma ilusão da nossa consciência, um sonho feliz, e porque para se ter clireito ao Nirvana é preciso já não se sentir qualquer desejo nem ter qualquer possibiliciade de alimentar ilusões terrenas renunciaram ao estado nirvânico por piedade para com-,a humanidade e para com aqueles que deixaram na terra. Esses adeptos, ou Santos, como preferir, renunciam ao Nirvana e decidem permanecer invisíveis, em espírito, na terra, pois consideram que é uma atitude egoísta entregarem-se à felicidade. enquanto a humanidacle geme sob a opressão da miséria provocada pela ignorância. Não têrn um corpo material, pois já o abandonaram, mas permanecem com todos os seus princípios na vida astral da nossa esfera. Esses podem, e comunicam efectivamente, com alguns eleitos, mas não o fazem decerto com médiuns vulgores. P. Fizlhe esta pergunta sobre os NirmanaÈayas porque li nalgumas obras alemãs, e noutras, que era a designação que se dá à aparência terrena ou corpo dos Budas, nos ensinamentos do Budismo do Norte. R. Tem razão; acontece, porém, que os orientalistas consideram erradamente que esse corpo terreno é. objectivo e físico em vez de astral e subjectivo. P. E que bem podem eles fazer na terra? R. Pouco, no que diz respeito aos indivíduos, pois não têm o direito de interferir no Karma, e só podem aconselhar e inspirar os mortais para benefício da humanidade em geral. Fazem, contudo, mais acções benéficas do que poderia imaginar. P. É uma ideia que a ciênçia nunca aceitarâ, nem sequer psicologia moderna, pois para elas nenhuma parcela da a inteligência pode sobleviver ao cérebro físico. O que é que lhes responderia? R. Não me daria sequer ao trabalho de lhes responder; limitar-me-ia a dizer, citando (M. A. Oxon>: <A inteligência
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A CHAVE DA
DO KAMA-LOKA E DO DEVACHAN
TEOSOFIA
perpetua-se depois da morte do corpo. O pensamento não diz apenas respeito ao cérebro... Aquilo que sabemos permite-nos
afirmar a indestrutibilidade do espírito humano>> (Identidade do Espírito, p. 69). P. Mas <M. A. Oxon> não é espírita? R. É, e aliá.s o único espírita verdadeiro que conheço, embora cliscorde dele em algumas questões de somenos. Excluindo isso, não há espírita nenhum que se tenha aploximado tanto das verdades ocultas como ele. Tal como qualquer teósofo, (M. A. Oxon>> refere-se constantemente aos <perigos superficiais que ameaçarn curiosos imprudentes e sem preparação que atravessam o limiar do Ocultismo sem pensar no que isso lhes poderá custar>>. Concordo com as três proposições que ele apresentou na sua palestra de Julho de 1884. P. Que proposições foram essas? R. l. Existe uma vida que coincide com a vida física do corpo, e é independente dela. 2. É corolário necessário da proposição anterior quc essa vida se prolonga para além da vida do corpo (nós dizemos que ela se prolonga por todo o período devachânico). 3. Hâ comunicação entre os habitantes desse estado de existência e os do mundo em que vivemos
F. Começo a compreender melhor. É, por assim dizer, o Espírito dos Shandhas mais nobres, que, ligando-se ao Ego reincarnante, sobrevivem, indo juntar-se ao conjunto das suas experiências angélicas. E são os atributos relacionados com os Skandhas materiais, com rnotivos egoístas e pessoais, que desaparecem do campo de acção entre duas incarnações, reaparecendo na incarnação seguinte como efeitos Kármicos a serem expiados, e, portanto, o Espírito nunca deixa o Devachan. E assim? R. Mais ou menos. O seu raciocínio será perfeitamente correcto se acrescentar que a lei da retribuição, ou Karma, rccompensa os seres superiores e mais espirituais no Devachan, não deixando nunca de os recompensar de novo na terra, ao dar-lhes a possibilidade de continuarem a desenvolver-se e ao atribuir ao Ego um corpo que lho perrnita fazer. ALGUMAS PALAVRAS SOBRE OS SKANDHAS
P. O que acontece aos Skandhas inferiores da personalidade depois da morte clo corpo? São completamente destruídos?
R.
São e não são
aí tem um novo mistério metafísico
e ocultista. São destruídos como instrumentos da
persona-
lidade, mas subsistem como efeitos Kármicos, como germes,
agora.
suspensos
na atmosfera do plano terrestre, prontos a voltar
à vida, como inimigos vingadores, e ligar-se-ão à nova pemonalidacle do Ego quando este reincarnar. P. Isso ultrapassâ a minha compreensão; é-me muito difícil apreender o que diz.
Tudo depende, porém, dos aspectos secundários e menos importantes destas proposições fundamentais. Tudo depende da noção que temos de Espírito e Alma, ou de Individualidade e Personalidade. Os Espíritas náo fazem distinção entre uma e outra, considerando-as umâ só, ao passo que nós as distinguimos e dizemos que, salvo nos casos acima refericlos, o Espíríto não volta à terra, embora a Alma animal o possa fazer. Mas voltemos ao assunto que nos interessa directamente: os Skandhas.
R. Compreenderá quando tiver assimilado todos os pormenores. Então verá que, em lógica, coerência, profundidade filosófica, misericórdia e equidade divinas, a doutrina da Reincarnação não tem par na terra. Consiste em acreditar que cada Ego que incarna, ou cada alma divina,
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r25
A CHAVE DA
DO KAMA.LOKA E DO DEVÁCHAN
TEOSOFIA
tem a possibilidade de progredir sempre, evoluindo do exte-
rior para o interior, do material para o Espiritual, atingindo uma unidade absoluta com o Princípio divino no fim de cada fase. De força em força, da beleza e perfeição de um plano para a beleza e perfeição maiores doutro, com possibilidade de atingir uma glória, um conhecimento e uma força superiores em cada ciclo. É este o destino de todos os Egos, que são por isso os seus próprios Salvadores em cada mundo e
R. A meu ver não é nada estranho.
Se eles dizem que
a autoconsciência deixa de existir no momento em que o corpo morre, estão afinal a fazer uma profecia inconsciente, pris desde que estejam firmemente convencidos daquilo que afirmam não podem ter uma vida consciente clepois da morte. É que, efectivamente, não há regra sem excepção.
DA CONSCIÊNCIA DEPOIS DA MORTE E DEPOIS DO NASCIMENTO
incarnação.
P. Agora que já tratámos da questão dos Skandhas, voltemos à da consciência que sobrevive à morte. Em Devachan possuímos um conhecimento maior do que aquele que temos
P.
durante a vicla na Terra? R. Pode dizer-se, em determinado sentido, que adquirimos um conhecimento maior; isto é, temos a possibilidade de desenvolver mais qualquer faculdade que amámos e por que lutámos durante a vida, desde que diga respeito a coisas ideais e abstractas, como por exemplo a música, a pintura, a poesia, etc., pois Devachan é apenas uma continuação idealizada e subjectiva da vida na terra. P. Mas se, em Devachan, o Espírito está liberto da matória, por que motivo não possui todo o conhecimento? R. Porque, como já tive oportunidade de referir, o Ego fica, por assim dizer, ligado à memória da sua última incarnação. Assirn, se pensar bem naquilo que lhe disse e juntar os factos todos, há-de verificar que o estado,devachânico não é um estado de omnisciência, mas sim uma continuação transcendental da vida pessoal que acabou. É, para a alma, o descanso das agruras da vida. P. Mas os materialistas científicos afirmam que nada fica depois de o homem morreï; que o corpo humano apenas se desintegra nos elementos que o compõem; e que aquilo a que chamamos alma não passa de uma autoconsciência temporária resultante cla acção orgânica, que se desvanecerá como vapor. Não acha que é uma posição estranha?
Mas se, regra geral, a autoconsciência subsiste depois da morte, porque há-de haver excepções? R. Não pode haver excepções quanto aos princípios fundamentais do mundo espiritual. Mas há regras para aqueles que vêem e regras para aqueles que preferem ser cegos. P. Compreendo perfeitamente. É uma aberração da parte do cego dizer que o Soi não existe porque ele não o vê. Mas decerto que os seus olhos espirituais o obrigarão a ver depois da morte. E, isto que quer dizer? R. Não só não será obrigado a ver, como não verá seja c-r que for. Tendo negado sempre durante a vida que haja uma existência depois da morte, não a poderá ver, porque, se a sua capacidade espiritual foi impedida de se desenvolver clurante a vida, não é depois da morte que o poder â fazer e ele perrnanecerá cego. Ao afirmar que o cego será obrigudo a ver, torna-se evidente que estamos a falar de coisas diferentes. Está-se a referir ao espírito do espírito, ou à charna da chama, por outras palavras, a Atma, e está a confundi-lc: com a alma humana, Manas... Não me está a compreender; deixe-me explicarJhe melhor. Aquilo que pretende saber é se, no caso dum materialista convicto, é possível a autoconsciência e o autoconhecimento perderem-se por completo depois da morte, não é verdade? A minha resposta é que é possível, uma vez que, acreditando firmemente na nossa Doutrina Esotérica, segundo a qual o perÍodo depois da morte, ou seja, o espaço de tempo entre duas vidas ou rlois
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A CHAVE DA 7-EOSOFIA
DO KAMA-LOKA E DO DEVACHAN
rìascimentos, não passa clum estado transitório, afirmo que esse estado que tem lugar depois da morte pode ser exactarnente idêntico, sem qualquer transgressão à lei fundamental,
R. Não percebe porque insiste em confundir uma representação abstracta do todo com as variações acidentais da forma. Lembre-se que embora se possa dizer que tsucldhi-Manas é incondicionalmente imortal, o mesrÌo não se poderá dizer do Manas inferior, e ainda menos de Taijasa, que
ao de um homem que se encontra profundamente inconsciente, quer esse intervalo entre dois actos do drama ilusório
da vida dure um ano ou um milhão de anos. P. Mas como é que isso pode ser se acaba cle dizer que as leis fundamentais do estaclo que tem lugar depois da morte não admitem excepções? R.. Isto não quer cÌizer que haja excepções. A iei espiritual da continuidacle só se aplica àquilo que é verdadeiramente real. lJasta cornpreender aquilo clue entendemos por tsuddhi e a dualidade de Manas para compreender a razáo pela qual o materiaiista poderá não ter uma existência autoconsciente depois da morte. Uma vez que Manas, nos seus aspectos inferiores, é a sede da inteligência terrena, só pode proporcionar uma percepção do Universo baseada naquilo que ela apreende; não pode dar uma visão espiritual. Diz-se na escola Oriental que a diferença entre Budclhi e Manas (o Ego), ou Iswara e Prajna (*), não é senão aquela que existe entre uma floresta e as suas órvores, ou entre um lago e as suas óguas. P. Farece-me que, nessa inragem que acaba de dar, a floresta representa Buddhi, e as árvores Manas-taijasa (x*). Ora se Buddhi é imortal, como é que uma coisa que é semethante a ele, ou seja, Manas-taijasa, pode perder completamente a consciôncia de si mesma aló ao momento em que volta a incarnar? Não percebo.
é apenas um atributo. Nem Manas nem Taijasa podem existir sem Buddhi, a alma divina, porque o primeiro (Manus) é, no seu aspecto inferior, um atributo qualificativo da personalidade terrena, e o segundo {Taijasa) é idêntico ao primeiro na medida em que é apenas o mesmo Manas iluminado pela luz de Buddhi. Este, por sua vez, não seria rnais que um espírito impessoal sem aquele elemento que a aÌma humana lhe empresta e que o condiciona e the dá, neste Universo ilusório, a a:"porência de estar separado da alma universal, enquanto dura o ciclo da incarnação. Deverá antes dizer que Buddhi-Msnas não pode morrer nem perder na Eterniclade a sua autoconsciência complexa, nern a recordação das suas incarnações anteriores, em que as duas isto é, a altna espiritual e a alma humana estiveram intimamente liga-
das. Mas, no caso dum materialista, tudo se passa de maneira diferente, pois a sua akna não só não recebe nada cla alma divina, como se recusa a reconhecer a sua existência. E impossível aplicar este axiomã aos atributos e qualificações da alma humana; seria a mesma coisa que clizer que
a cor da sua face é imortal porque a sua alma divina é imortal, quando essa cor, tal como Taijasa, não passa dum
(*) Iswara é a consciência colectiva da divindade manifestada, Brahma, ou seja, a consciência colectiva da Hoste de Dhyan Chohans (vide A, DOUTRINA SECRETA); e Prajna é a sua sabedoria individual. (**) Taíjasa significa aquilo que resplandece como consequência da sua união com Bucldhi, por outras palavras, Manas, a alma humana, iluminado pelo esplendor da alma divina. Pode, portanto, descrever-se Manas-taijasa como sendo o intelecto resplandecente, a razã.o humana iluminada pela luz do espírito; Buddhi-Manas é a revelação do intelecto e da autoconsciência divinos e humanos.
fenómeno transitório. P. Quer, portanto, dizer que não clevemos confundir no nosso pensamento númeno e fenómeno, causa e efeito? R. Exactamente, e digo mais uma vez que o esplendor de Taijasa, quando circunscrito apenas ao Manas ou ahna humana, é meramente transitório, pois pâra a personalidade terrena do homem a imortalidade e a consciência depois da morte tornam-se simples atributos condicionados, nl medida em que dependem inteiramente de condições e crenças criadas pela própria alma humana durante a vida
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A CHAVE DA
TEOSOFIA
do corpo. O Karma actua permanentemente; depoís da morte colhemos apenas os frutos daquilo que semeámos durante a nossa vida na terra. P" Mas se, depois cla morte do meu corpo, o meu Ego
mergulha num estado cle total inconsciência, onde serão punidos os pecados que cometi durante a vida? R. Segundo a nossa filosofia o castigo Kármico só é aplicado ao Ego na incarnação seguinte. Depois da morte o Ego apenas é recompensado pelo sofrimento imerecido que teve de suportar durante a sua incarnação anterior (*). Mesmo para o materialista, o castigo depois da morte consiste, portanto, na ausência de qualquer ïecompensa e na perda total da consciência da felicidade e repouso. O Karma é filho do Ego terreno, fruto das acções da árvore, que é a personalidade objectiva que todos vêem, e também fruto cle todos os pensamentos e até dos móbiles do <<eu>> espiritual; mas o Karma é também a mãe carinhosa que cura as feridas que ela própria câusou durante a vida anterior antes de começar a torturar o Ego, infligindoJhe novas feridas. Pode dizer-se que não há sofrimento mental ou físico na vida de um mortal que não seja fruto ou consequência directa dum pecado qualquer cometido numa existência anterior; por outro lado, uma vez que esse mesmo mortal não conserva a mínima recordação desse pecado na vida que está a viver, sente que não merece ser castigado e pensa portanto que não é ele o culpado daquilo que está a sofrer. Este simples facto é suficiente para dar à alma humana o direito a toda a consolação, repouso e felicidade na sua existência depois da morte. Assim, para o eu espiritual a morte é sempre uma libertadora e uÍna amiga. Para o materialista que não era
DA KALÍA-LOKA E DO DEVACHÁN má pessoa, apesar do seu materiaiismo, o espaço de tempo que decorre entre duas vidas será como o sono ininterrupto e tranquilo duma criança, quer sem sonhos quer povoado de imagens de que não terá qualquer percepção definida. para o mortal vulgar será um sonho tão real como a vida, cheio de felicidade e visões absolutamente reais. P. Então o homem físico tem cle suportar sempre cego_ mente o sofrimento resultante dos castigos Kármicos que o Ego chamou sobre si? R. Não é bem isso. No momento solene da rnorte, rÌÌesmo que esta seja repentina, todos os homens vêem desen_ rolar-se perante si, nos seus mínimos pormenores, toda a sua vida passada. Durante um breve instante a Ego pessoal une-se ao Ego, índívidual ornnisciente. Mas esse instante é quanto basta para lhe mostrar todo o encadeamento de causas que actuaram ao longo da sua vida. Nesse momento o homem vê-se e compreende-se tal como é, despojado de tocla a lisonja e auto-ilusão. Observa a sua vida e fica como um espectador
que olha para a arena antes de a abandonar; sente e compreende a justiça de todo o sofrimento que teve de suportar. P. Isso acontece a toda a gente? R. A toda, sem excepção. A Teosofia ensina-nos que hornens excepcionalmente bons e santos vêem não só clesónrolar-se perante si a vida que vão deixar, mas até várias vidas anteriores, onde se produziram as causas que fizeram deles aquilo que foram na vida que está prestes a terminar. Reconhecem, então, a lei do Karma em toda a sua justiça e
grandeza.
P. Há algum momento semelhante antes do nascimento? R. Há. Tal como no momento da morte o homem tem
(*) Alguns teósofos rejeitam esta afirmação, mas as palavras são do Mestre e o significado de <imerecido> é aquele que aÍ se lhe atribui. A ideia fundamental é que os homens sofrem, muitas vezes, os efeitos de acções praticadas pelos outros e que portanto não pertencem estritamente ao seu próprio Karma; é por este sofrimento que eles têm, evidentemente, de ser recompensados.
uma visão retrospectiva da vida que levou, também no momento de renascer na terra o Ego, despertando do estado Devachânico, tem uma visão prospectiva da vida que o espera, tomando consciência de todas as causas que levaram a ela. Toma consciência delas e vê o que vai se,r o seu futuro, porque é entre o Devachan e o novo nascimento que
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T3T
DO KAMA.LAKA E DO DEVACHAN
A CHAVE DA TEOSAFTA o Ego recupera toda a sua consciência ntanósica, l.ornando-se mais uma vez, por um breve momento, o cleus que era antes de se tornar matéria e incarnar pela primeira vez num homem de carne, de acordo corïì ã iei do l{arma. O <fio de ouro)) vê todas as suas <pérolas> sem que uma irnica lhe passe despercebicla.
entra ou num período de consciência plenarnente desperta ou
num estado de sonhos caóticos, ou ainda num sono sem quaisquer sonhos difícit de distinguir da aniquilação. São estes os três tipos de sono depois da morte. Mais uma vez afirmo qlae a morte é um sono. Depois da morte clesenrola-se perante os olhos espirituais da alma uma representação de acordo com um programa aprendido e, muitas vezes, inconscientemente elaborado por nós próprios: a realizaçáo prá.tica
O OUE SE ENTENDE
REALMENTE POR ANIOUILAçÃO
de convicções correctds oì.r de ilusões que nós
mesmos
criámos.
P.
P. Já ouvi alguns teósofos falarern dum fio de ouro no qual estariam enfiadas as suas vidas. O que querem eies dizer com isso? R. Nos Livros Sagraclos hindus, diz-se que aquilo que incarna periodicamente é Sutratma, que significa literalmente <Alma-Fio>. Isto é sinónimo do Ego reincarnante Manas unido a Buddhi o qual absorve as recordações -, vidas -manásicas de todas as nossas anteriores. Dá-se-lhe essa designação poïque, tal como as pérolas de urn colar, também as longas séries de vidas humanas estão enfiadas nesse único fio. P. Voltemos ao materialista que, embora não negando os seus sonhos, pois isso nunca poderia fazer, nega a imortalidade duma maneira geral e a sobrevivência da sua própria individualidade. R. Embora não o saiba, esse materiaiista tem razão. Se um homem não tem qualquer percepção interior da imortalidade da sua alma, ou não acredita nela, a sua alma nunca pode tornar-se Buddhi-taijasi, permanecendo apenas Manas, e para este não é possível haver imortalidade. Para se viver uma vida consciente no mundo post-mortem é preciso, em primeiro lugar, ter-se acreditado nessa vida durante a existência na terra. É nestes dois aforismos da Ciência Secreta que se baseia toda a filosofia sobre a consciência depois da morte e sobre a imortalidade da alma. O Ego recebe sempre aquilo que merece. Depois da dissolução do corpo, o Ego
imutável e imortal, ao passo que o Ego, ao incarnar, se cobre de novas vestes totalmente diferentes das de incarnações anteriores, em que tudo, excepto o seu arquétipo espiritual, está sujeito a uma transformação de tal modo radical que não permanecem quaisquer vestígios da sua forma anterior. P. Como é isso? O meu (eu) consciente terreno não se extingue apenas temporariamente como a consciência do materialista, mas sim definitivamente, sem deixar vestígios? R. De acordo com o que nos é ensinado, tem de extinguir-se completamente tudo, excepto o Princípio, eü€, unido à Monada, se transforma numa essência puramente espiritual e indestrutível corn a qual se funde na Eternidade. Mas como é que um materialista consumado, em cujo ((eD) pessoal Buddhi jamais se reflectiu, poderia levar para a Eternidade uma
r32
133
O materialista, rejeitando tudo aquilo que os cinco
sentidos ou a ciência não comprovam, baseanclo-se exclusivamente em dados fornecidos por esses sentidos apesar da sua imperfeição, e negando até todas as manifestações espirituais,
considera a vida a única existência consciente. Assim, tudo o que lhe acontecer estará de acordo com as suas crenças. Perderá o seu Ego pessoal e mergulhará num sono sem sonhos até despertar de novo. Não é assim? R. Mais ou menos. Não esqueça a doutrina quase universal que considera dois tipos de existência consciente: a terrena e a espiritual. Esta última deverá ser considerada real pelo simples facto de nela habitar a Mónada eterna,
A CHAVE DA TEOSOFIA
DO KAMÁ..LQKÁ E DO DEVACÍTAN
única partícula da sua personalidade terrena? C) <eu> espiritual do homem é imortal mas, do <<eu>> terreno, o homern só pode levar lmra a Eternidade aquilo que se tornou digno de ser irnortal, ou seja, apenas o aroma cla flor que a morte
antes algo que contribuì para a consecução desse resultado final, e sem eles o Ego divino nunca poderia alcançar o seu objectivo último. Já the dei uma imagem muito conhecida ao comparar o Ego, au indivitlualidade, com um actor, e as suas diversas e nurnerosas incarrrações com os papéis que este desempenha. Alguma, vez cliria que esses pa@is e as roupas que o actor tem de vestir para os desempenhar são a individualidacle do próprio actor? O Ego, tal como o actor, é obrigado a desempenhar durante o Ciclo cle Necessidade, até atingir o limiar do Parcnirvana, muitos papéis que lhe podem desagradar. Quer lhe charnemos Sutratma, quer lhe chamemos Ego, a nossa inclividualidade espiritual é como a abelha que anda de flor em flor a recolher pólen para fazer
ceifou.
P. O que acontece, então, à flor, o ((eu)) terreno? R. A flor, tal como todas as flores passadas e futuras que desabrocharam e que hão-de vir a desabrochar no ramo-mã.e, Sutratma, todas elas filhas duma raiz ou Buddhi, transformar-se-á em pó. O seu <<eu>> actual, tal como o conhece,
não é o corpo que está sentado aqui à minha frente, nem aquilo a que eu chamaria Manas-Sutratma, mas sim Sutratma-Buddhi.
P. Mas isso não explica por que é que dìz que a vida depois da morte é imortal, infinita e real, e a vida terrena uma mera aparência ou ilusão, porque afinal essa vida depois da morte tarnbém é limitada, embora os seus limites possam ser muito mais amplos do que os da vida terrena. R. Sem dúvida. O Ego espiritual do homern move-se nâ eternidade como um pêndulo entre o momento do nascimento e o da morte. Mas se, por um lado, a cluração desses Ínonìentos que assinalam o período da vida terrena e da vida espirifual é limitada, e se o próprio número de estágios na Eterniclade entre
o adormecer e o despertar, entre a ilusão e
a
realidade, tem um princípio e um fim, por outro lado o peregrino espiritual é eterno. Segundo a üossa doutrina, os momentos da sua vida depois da morte, quando, já liberto do corpo, o homem enfrenta a verdade e não as ilusões das suas existências terrenas transitórias, durante aquele período da peregrinação a que chamamos <ciclo de renascirnentos)o são, portanto, a Írnica realidade. Não obstante serem limitaclos, esses períoclos não impedem que o Ego, caminhando sempre
Wra a perfeição, siga gradual e lentamente, sem nunca se desviar, o caminho que o há-de levar à transformação última em qÌÌe, tendo atingido o seu objectivo, se torna um ser divino. Esses períodos e estágios não são um entrave mas r34
mel, deixando o resto para ser comido pelos vermes da terra. Guardando apenas de cada uma das suas personalidades ter-
renas em que o Karma
o obriga a incarnar o néctar das
qualidades espirituais e da autoconsciência,
o Ego reúne-as num todo, emelgindo da crisálida como um Dhyan Chohan glorioso.
P. Dir-se-ia que, para a personalidade terrena, a imortalidade é ainda condicional. Quer dizer que a imortalidade nãa é incondicional? R. De modo nenhum. Mas a imortalidade não pode atingir aquilo que não exist,e, pois para tudo aquilo que existe como SAT, ou que emanâ de SAT, a imortalidade e a Eternidade são absolutas. A matéria é o pólo oposto clo espírito e, no entanto, matéria e espírito são uma só coisa. A essência de tudo, isto ó, do Espírito, da Força e da Matéria, ou dos três num só, não tem fim nem princípio, mas a forma que esta unidade tríplice assutne em cada uma das suas incarnações, a sua exterioridade, não é mais que a ilusão das nossas concepções pessoais. Daí que consideremos o Nirvana e a Vida Universal a única realidade, relegando a vida terrena, incluindo a personalidade terrena e mesmo a sua existência Devachânica, païa o reino irreal da ilusão. 135
A
CTTAT.IE
DA I:EOSOFIA
DO KAMA.LAKA E DO DEVACHAN
PALAVRAS DEFINIDAS PARA EXPRIMIR COISAS DEFINIDAS
P.
Não acha que a confusão que existe quanto às funções de cada um dos Princípios do homem se deve ao facto de não haver termos precisos para designar cada um ilesses
O EGO divino ESPIRITUAL é
Ma:nas,
Esse problema deve-se ao
facto'de termos começado a expor os Princípios e a discuti-los, designando-os pelos nomes sânscritos em vez de criarmos imediatarnente nomes equivalentes em inglês que os teósofos pudessem empregar. I)evernos procurar solucioná-lo. P. Acho bem, porque isso talvez evite uma confusão maior; parece-me que até agora não houve dois escritores teósofos que tivessem designado o mesmo Princípio pelo
R.. A confusão é mais aparente do que real. Já ouvi alguns dos nossos teósofos manifestarem admiração e criticarem diversos ensaios sobre esses princípios que se verificou depois não conterern outro erro senão o facto dc emplegarem a palavra <dlma> para designar os três princípios sem explicar aquilo que os distingue. Daqui em diante, para evitar equívocos, proponho-mc traduzir literalmente os termos ocultistas orientais para inglês, a fim de que estes sejam utilizaclos de futuro.
é
Á,tma, o raio inseparável do EU úNICO e Universal. É o Deus /ranscendente, mais do que o Deus enr nós. Felizes daqueies que forem ctrpazes de irnpregnar dele o seu ,Egr.,
o hornem físico associado ao seu Eu ínferíor, ou seja, aos instintos aniO EGO INFERIOR
ou PESSOAL é
mais, paixões, desejos, etc. É designado por <falsa personalidade> e é cons-
tituído pelo Manas inferíor aliado a Kama-rupa, e operando através do corpo Físico e do seu fantasma ou <duplo>.
O outro Princípio, <<Prana>), ou <Vida>, é, rigorosamente falando, a força irradiante ou Energia de Atma - comooua Vida Universal e o EU úNICO -*, o SEU aspecto inferior, melhor, mais físico (nos seus efeitos), pelo facto de se manifestar. O Prana ou Vida impregna todo o ser do lJniverso objectivo e só é considerado um <princípio> por ser um factor indispensável e o deus ex machina clo homem vivo.
ínterior.
136
o <Quinto> Princípio, assim
chamado quando desligado de BudO Princípio do intelecto só é O EGO INTERIOR dhi. o Ego Espiritual quando se funde ou SUPERIOR é com Btrddhi, formando uma só entidade. E a Individualidade permanente ou <Ego Reincarnante>.
lnesmo nome.
O EU SUPERIOR
intelecto, sem o qual não pode ser Ego inas apenas Veículo Átmico.
Princípios?
R.
a Alma espiritual ou Buddhi, intimamente unida a A1[a:nas, o princípio do
137
X
DA NATUREZA DO NOSSO PRINCÍPIO PENSANTE
O MISTÉRIO DO
EGO
P. Já se disse que os Skandhas incluindo a memória __ - Por outro lado, afirsofrem alterações em cada incarnação. ma-se que o reflexo das vidas anteriores, que, segundo nos disseram, é inteiramente constituído por Skandhas, <tem de sobreviveu. Ainda não consegui perceber bem o que é que sobrevive exactarnente e gostaria que mo explicasse. É apenas esse <reflexo), ou esses Skandhas, ou sempre o mesmo Ego, Manas? R. Acabo de lhe explicar que o Princípio que reincarna, ou seja, aquilo a que chamamos homem divino, permanece indestmtível ao longo cle todo o ciclo de vida: indestrutível como Entidade pensante e mesmo como forma etérea. O <<reflexo>> é apenas a recordação espiritualizada, durante o período Devachânico, da ex-personalídade, Sr. A ou Sr.u B, com que o Ego se identifica durante esse período. IJma vez que este não é mais que uma continuação da vida na terra, por assim dizer, o ponto mais alto e culminância dos poucos momentos felizes dessa existência passada que se apresenta como uma sucessão ininterrupta, o Ego terá de se identificar com a consciência ltessoal dessa vida para que permaneça dele alguma coisa. 139
A C'I-IAVI' DÁ
'|E,OSOÍ;IA
P. Isso significa que, apesar da sua natureza divina, o Ego passa todos esses períodos entre duas incarnações num estado de obscurecimento mental ou insanidade temporária. R. Acreditando nós que, fora da Reali<lade UNICA, tudo ó uma ilusão passageira incluindo o Universo -" não consideramos isso um estado de insaniclade, rnâs uma sequência ou evolução natural da vida terrena. O que é a vida? IJm amontoado das mais diversas experiências, cle ideias, emoções e opiniões que se alteram diariamente. Quando somos jovens, acontece frequentemente entregarmo-nos com entusiasmo a Llm ideal, ou tentarmos imitar e fazer ressuscitar um herói ou uma heroína; alguns anos depois, quando o vigor dos nossos sentimentos cle adolescente esmoreceu e se moderou, somos os primeiros a rir dos nossos arrebatamentos. E, todavia, houve uma altura em que a nossa personalidade se identificou de tal maneira com o nosso ideal se esse ideal era um ser vivo - sobretudo que aquela se fundia e se perdia completamente neste. Poderá dizer-se dum homem de cinquenta anos que ele ó a mesma pessoa que era aos vinte? O homem interior ê, a mesmo; a personalidade viva exterior transformou-se e mudou por completo. Chamaria também insanidade a estas modificações do estado mental humano? P. Como thes chama então? E sobretudo corno é que explica a permanência de um e a evanescência da outra? R. A resposta está na dupla consciência da nossa mente, e ainda na natureza dual do <princípio> mental. Há uma consciência espiritual, a inteligência manásica iluminada pela luz de Buddhi, que apreende abstracções subjectivamente, e a consciência sensível (a luz manásica inferior), que é inseparável do cérebro físico e dos sentidos. Esta última é controlada pelo cérebro e pelos sentidos físicos e, estando dependente deles, vai-se extinguindo, acabando por morrer com o desaparecimento desse mesmo cérebro e desses mesmos sentidos. É só a primeira esp'écie de consciência, cuja origem se encontra na eternidade, que sobrevive e vive pata sempre, 140
DA NATUREZA DO
NOSSO PRINCíPIO PENSANTE
podendo portanto ser consicleracla imortal. O resto não passa cluma ilusão passageira. P. Como é que MANAS, apesar de lhe chamarem Nous, um <<Deusr>, é táo fraco durante as suas incarnações que acaba por ser vencido e acorrentado pelo corpo? R. Posso responder-ihe com uma pergunta semelhante: <Como é que aquele que considera <<o Deus dos Deuses> e Unico Deus vivo, é tão fraco que permite que o mal (ou o Demónio) leve a melhor não só sobre e/e como sobre tudo aquilo que criou, quer durante a sua permanência no Céu, quer durante o tempo que incarnou e viveu na Terra?> Vai responder-me outra vez: <<Trata-se dum Mistério, e estamos proibidos de tentar penetrar nos mistórios de Deus.>> Como a nossa filosofia religiosa não nos
faz tal proibição, respondo
à sua pergunta dizendo que todo o princípio divino
será
condicionado e paralisado pela matéria animal instável, a não ser que Deus desça como um Avatur. Neste plano de ilusões, a heterogeneidade levará sempre a melhor sobre a homogeneiclade. e quanto mais perto estiver uma essência do princípio que the dá origem, a Homogeneidade Primordial, mais difícil será a este último afirmar-se na terra. Todos os Seres humanos têm poderes espirituais e divinos latentes, e quanto maior for o alcance da sua visão espiritual, mais poderoso será o Deus que têm em si. Mas como são poucos os homens que conseguem sentir esse Deus e como, duma maneira geral, a divindade é sempre iimitada no nosso pensamento por conceitos anteriores ideias essas que nos são inculcadas desde a infância élhe difícil compreender a nossa filosofia.
-,
P. E é esse nosso Ego que é o nosso Deus? R. De maneira nenhuma; <IJm Deus> náo ê a divindade
universal mas apenas uma centelha do oceano do Fogo Divino. O Deus em nós de que fala a Teosofia, ou o ((nosso Pai Inefável>, é aquilo a que chamamos o (EU SUPERIOR)), Atma. O nosso Ego incarnante era, originariamente, um Deus, tal como todas as emanações primorcliais do Princípio 141
A CHAVE DA TEOSOFIA Unico fncognoscível. Mas desde a sua <descida na matériar>, tendo de incarnar ao longo de todo o ciclo de vida sucessivamente desde o princípio até ao fim, deixa de ser um deus livre e feliz, para se tornar um pobre peregrino em busca daquilo que perdeu. Posso darJhe uma resposta mais completa citando uma passagem de Ísis sem Véu (Vol. II, 593) sobre o HOMEM INTERIOR: <<A humanìdade em geral sempre acreditou, desde a mais remota antiguidade, na exístência duma enÍidade espiritual e pessoal no homem pessoal e físico. Esta entidade interior era mais ou menos divina consoante estivesse mais perto ou mais longe da perf eição Quanto maior fosse essa - Christos. união, mais sereno seria o destino do homem e menos perigosas as suas condições exteriores. Esta crença não é fanatismo nem superstição, mas apenas ìrma sensação constante e intuitiva da proximidade dum outro munclo espiritual e invisível que, embora seja subjectiva para os sentidos do homem exterior, é absolutamente objectiva para o ego interior. Além disso, os homens sempre acreditaram que existem condições exteriores e interíores que afectam a determinação nosscr) vontade influí nas nossas acções:. Rejeitavam o fatalismo na medicla em que este consistia na manifestação
com que a
DA NATUREZA DO
NOSSO
PRINCÍPrc PENSANTE
destino que ele próprio troçou, o qual ou o prende como uma concha inerte de encontro a uma rocha imóvel, ou o transporta como uma pena no remoinho dos seus actos.> É este o destino do HOMEM, do verdadeiro Ego, não do
Autómato, do invólucro que dá pelo nome de homem. É a ele que compete subjugar a matéria. A
NATUREZA COMPTEXA OE MANAS
P. Mas queria falar-me da natureza essencial de Manas e da relação que existe entre esta e os Skandhas do homem físico?
R. Essa natureza misteriosa, versátil, impossível de prender, e quase indistinta nas suas correlações com os outros princípios, é extremamente difícil de compreender e mais ainda de explicar. Manas é um princípio, sendo também, no entanto, uma Entidade e uma individualidade ou um Ego. É um <<Deus>> e, todavia, está condenado a um ciclo interminável de incarnações, pelas quais é responsável e pelas quais tem de sofrer. Para rne fazer compreender teria de começar pelo princípio e dar-lhe, em poucas linhas, a genealogia desse
cega duma força ainda mais cega. Mas acreditavam no destino (ou Karma) que todos os homens tecem, fio a fio, à sua volta, desde o nascimento até à morte, tal como a aranha faz a sua teia; e esse destino é conduzido quer por aquela presença a que alguns chamam o anjo-da-guarda, quer pelo nosso homem interior astral mais íntimo, que é muitas vezes o génio mau do homem de carne (ot a personalidade). Qualquer deles influencia o hornem exterior, mas um deles terá de prevalecer; e a Ieí da compensação (e retribuição), rígida e implacável, intervém e segue o seu curso, desde o princípio desta luta invisível, acompanhando fielmente as flutuações do conflito. Depois de tecido o último fio, o homem encontra-se aparentemente envolto na teia que ele próprio criou, e verifica que está sob o domínio absoluto do
Pode fazê-lo. Tente imaginar um <Espírito)), um Ser celestial, chame-lhe o que quiser, cuja natureza essencial é divina, mas cuja pureza não é suficiente pata se unir ao TODO, e que para alcançar essa união tem de purificar a sua natureza. Só o poderâ fazer se viver índivídual e pessoalmenÍe, isto é, espiritual e fisicamente, todas as experiências e sentimentos que existem no lJniverso multiforme e diferenciado. Terá, portanto, depois de ter adquirido essa experiência nos reinos inferiores e depois de ter subido o maior número possível de degraus da escada do ser, de passar por todas as experiências nos planos humanos. Essa Entidade é, na sua própria essência, PENSAMENTO, sendo por isso designada na sua
142
143
Ego.
P. R.
A CHAYE DA TEOSQFIA pluralidade Manasa-putlor, ((os filhos da mente (Universal)>. Este <Pensarnento>> indivíduulizado ê aqulIo a que chamamos a v.erdacieíro Ego humano, a Entidade pensante encerrada num invólucro de carne e osso. É sem dúvida uma Entidade Espiritual e não Maíéria, e essas Entidades são os EGOS incarnantes que informam o conjunto de matéria animal a que se dá o nome de humanidade, sendo clesignadas por Monas:a ou <<Mentesl>. Mas uma vez aprisionadas no co4)o físico, isto é, incarnadas, a sua essência torna-se dual. Por outras palavras, os raios da Mente divina e eterna, tomados como entidades individuais, assumem um atributo duplo: a) a sua característica inerente e es'sencíal, a mente, que se eleva parâ o céu (o Manss superior) e b) a qualidade humana de pensar, ou cogitação animal, que se torna racional devido à superioridade do cérebro humano, o Manas influenciado por Kama, ou Manas inferior. O primeiro gravita em direcção a Buddhi; o segundo evolui em sentido descendente, para a sede das paixões e dos desejos animais. Para este não há lugar no Devachan nem a possibilidade de se associar à tríada divina que ascende como uma UNIDADE paÍa a felicidade mental. Todavia, é o Ego, a Entidacle Manásica, que é considerada responsável por os pecados dos atributos inferiores, tal como um pai é responsável pelos delitos do filho enquanto este não pode responder
por
eles.
P. E esse <filho> éapersonalidade? R. E. Por isso, quando se afirrna que a personalidade morre com o corpo, não está tudo dito. O corpo, que era apenas o símbolo objectivo do Sr. A ou da Sra. B, desaparece com todos os seus Skandhas materiais, que são as manifestações visíveis daquele. Mas aquilo que constitui durante a vida o conjunto de experiências espirituais, as aspirações mais nobres, as afeições imperecíveis e a natureza não egoís'Ía do Sr. ou da Sra. B fica, durante o período Devachânico, ligado ao Ego, que se identifica com a parte espiritual dessa Entidade terrena agora desaparecida. O t44
DA NATAREZA DO
NOSSO PRINCÍPIO PENSÁNTE
ACTOR está tão imbuído do papel que acaba de
desem-
penhar que sonha com ele durante toda a noite Devachânica
e esta visão mantém-se até soar a hora de ele regressar ao palco da vida para desempenhar outro papel. ESTA DoUTRINA É ENSINADA NO (EVANGELHO SEGUNDO S. JOÃOI
P.
Haverá algo de semelhante nos ensinamentos
de
Cristo?
R. Hâ, e qualquer ocultista, ou mesmo cabalista, bem informado lhe dirá o mesmo. Se esquecermos o significado da letra morta e nos cingirmos ao Espírito esotérico veremos que Cristo, ou pelo menos o quarto Evangelho, fala da reincarnação e da aniquilação da personalidade. Veja os versi culos I a 6 do capítulo XV do Evangelho segundo S. Ioão. De que fala a parábola senão da tríada superior no homem? Atma é o Agricultor; o Ego Espiritual ou Buddhi (Christos), a Cepa; enquanto que a Alma animal e vital, a personalidade, é a <<vara>. <<Eu sou a verdadeira Cepa e meu Pai é o agricultor. Toda a vara que em mim não dá fruto ele corta-a... Assim como a vara não pode dar fruto por si mesma se não permanecer lla cepa, assim vós também não, se não permanecerdes em mim. Eu sou a Cepa, vós as varas... Todo aquele que não perunanece em mim, é lançado fora, como a vara, e seca. Os homens apanham essas varas, lançam-nas no fogo e elas
ardem.>
Nós explicamos isto da seguinte maneira: dizemos que o
Agricultor significa Atma, o Símbolo do Princípio infinito e impessoal (*); enquanto que a Cepa representa a Alma Espiritual, Christos, e cada vara representa uma nova incarnação.
(t') Nos Mistérios é o Hierofante, o <<Pai>r, quem planta a Videira. Cada símbolo tem sete chaves. O revelador do Pleioma era sempre chamado
<Pai>>.
145
A CHAVE DA TEOSOFIA
DA NATAREZA DO NOSSO PRINCÍPrc PENSANTE
Mas em que factos se baseia para fazet uma intertal modo arbitrâria? R. Não há arbitrariedade nenhuma em tal interpretação, pois a universalidade da simbologia é garantia da sua exactidão. Herrnas (*) diz que foi <Deus> quem <plantou a Vinha>, isto é, quem criou a humanidade. Na Cabaia lê-se que o Ancião dos Anciãos ou <<Grandiosa Face> (**) planta a vinha
(*) (Hermas Pastot, parábola V, $ 6). (**) Nota do Tradutor: No original <<Long face> - <<Macro prosopus)) -- expressão habitual na tradição gnóstica e na literatura cabalística, significando a dimensão não manifestada da próprin Divindade. (r**) Zohar, Comentário sobre o Génesis, xl, 10. 1***'*1 Codex Nazaraeus, Vol. III, pp. 60, 61. (**{rr'{.) Ibid., yol. II, p. 2gl.
Filho da Alma e do Espírito. <<Manas é o Filho adoptivo do da Rainha (termos esotéricos equivalentes de - eeBuddhi), -> Atma diz uma obra ocultista. E o <<hornem-deus> de Platão que se crucifica no Espaço (ou período de duração de um ciclo de vida) para redenção da MATERIA. FáJo passando por numerosas incarnações, conduzindo assim a humanidade até à perfeição, e deixando deste modo espaço para que formas de vida inferiores evoluam para formas superiores. Em nenhuma vida ele próprio deixa de progredir e de ajudar, simultaneamente, toda a natureza física a progredir; mesmo a possibilidade ocasional e muito rara de perder uma das suas personalidades, no caso cle essa personalidade ser inteiramente desprovida da mais pequena centelha de espiritualidade, contribui pâra o seu progresso individual. P. Mas se o Ego é considerado responsável pelas transgressões das suas personalidades, decerto que também terá de responder pela perda, ou melhor, pela aniquilação total, duma delas. R. De modo nenhum, a não ser que não tenha feito nada para evitar esse terrível destino. Mas se, apesar de todos os seus esforços, a sua voz, a voz da no,ssa co'nsciêncía, náo conseguiu penetrar as paredes da matéria, o embotamento desta, que é resultado da natureza imperfeita daquilo que é material, é considerado uma deficiência da natureza. O Ego é suficientemente castigado ao perder o Devachan e, sobretudo, ao ter de incarnar quase imediatamente. P. Essa doutrina segundo a qual é possível percler-se a personalidade, como lhe chama alma opõe-se às teo- ou tanto dos cristãos rias ideais como dos -espíritas, embora Srvedenborg a adopte em certa medida quando fala de morte EspírituaL. Mas os cristãos e os espíritas nunca a aceitarão. R. Isso não pode de forma alguma alterar um facto de natureza, se for na verdade um facto, nem impedir que tal coisa aconteça ocasionalmente. O universo e tudo o que nele existe, seja moral, mental, físico, psíquico
146
147
P.
pretação de
que ïepresenta a humanidade, sendo a cepa símbolo da Vida.
o Espírito do <,ltei Messias>> a lavar as suas vestes no vinho vindo do alto, desde a criação do mundo 1**x). E o Rei Lfessias ó o Ego que se purifica lavando os suas vestes (isto é, as suas personalidacles ao renâscerem) no vinho vindo do alto, ou BUDDI{L Adam, ou A-Dam, é <<sanguer>. A Vida da carne está no sangue (nephesh Í,evítico" xvii, II. E Adam-Kadmon é o -alma),Noé também planta uma vinha o berço filho Unigénito. aiegórico da futura humanidade. Esta mesma alegoria volta a ser adoptada e encontramo-la reproduzida no Codex Nazareus. Sáo criadas sete cepas, as quais corresponclem às nossas Sete Raças com os seus sete Salvadores ou Budas, quc procedem de Kebar-Zivo, sendo regadas por Ferho (ou Farcha) Raba (*{<x*). Quando os bem-aventurados ascenderem até aos seres da Luz veráo Iavar-Zivo, Senhor da VIDA e a Primeira CEPA (*{:xx*). Estas metáforas cabalísticas são, assim, naturalmente repetidas na Evangelho segundo S. João (xv, I). Não nos podemos esquecei' de que no sistema humano. mesmo naquelas filosofias que ignoram a nossa divisão septenâna, o EGO ou lnmem pensante é designado por logos, ou Representa-se aí, portanto,
Rei
Á CHAVE DA :TEOSOFIA ou Espiritual, assenta numa lei perfeita de equilíbrio e harmonia. Como já disse noutra ocasião (vide Ísis sem Véu, I, 318-19), a força centrípeta não se poderia manifestar nas revoluções harmoniosas das esferas sem a força centrífuga; e todas as formas e sua evolução são produto dessa força dual da natureza. O Espírito (ot Buddhi) é a energia espiritual centrífuga e a alma (Ma:nas) é a energia espiritual centrípeta, e païa produzirem um único resultado têrn de estar em perfeiia união e harmonia. Se o movirnento centrípeto da alma terrena que tende para o centro que sobre ela exerce atracção for de algum modo afectado; se a sua evolução for travacla por ter de suportar um peso de matéria maior do que lhe é possível ou clo que é necessán'o no estado Devachânico, a harmonia do todo será destruíela. A vicla pessoal, ou melhor, o seu reflexo ideal, só poile ter continuidade se for sustentada por essa dupla força, ou seja, pela união íntima de Buddhi e h[anas, ern cacla renascimento ou vicla pessoal. Qualquer desvio da harmonia, por pequeno que seja, a afecta, e, quanclo se perde irrernecliavehnente, as cluas forças separam-se no mornento da morte. Durante um breve intervalo, a forma pessoal (que tanto pode ser designada Kamo' -rupa corno fuIayavi-rupct), cuja eflorescência espiritual, unindo-se ao Ego, segue este para o Devachan, dando a sua coloração pessoal à ìndívidualidade permanente (temporariamente, por assim dizer), é levada para o Karna-loka, onde permanece e onde será gradualmente aniquilada. Pois para aqueles que são totalmente depravados, completamente desprovidos de espiritualidade e irremediavelmente perversos, é depois da morte que chega o momento crítico e supremo. Se durante a vida o esforço último e desesperado do EU INTERIOR (Manas) para unir parte da sua personalidade a si mesmo e ao raio intensamente brilhante de Buddhi divino se frustrar; se se impedir constantemente que este raio penetre a casca cada vez mais espessa de cérebro físico, o EGO Espiritual ou Manas, uma vez liberto c1o corpo, fica inteiramente desligado do resto etéreo da personalidade; e esta, r48
DÁ NATUREZA DA
NOSSO PRINCÍPIO PENSANTE
ou Kama-rupa, seguindo os seus apelos terrenos, é arrastada para o Hacles, a que nós charnamos Kama,loËc, onde per_ manece. Porém, a aniquilação nunca é instantânru . u ìuu conclusão pode levar séculos. Aí permanece a personalidade juntamente com os re,stos de outros Egos pessoais mais afortunados, transformando-se, tal como eles, numa cosca e num Elemental. P. Mas a autora de lsrs sem Véu não foi acusada de ter pregado contra a reincarnação? R. Sim, foi, por pessoas que não compreenderam o que pretendia clizer. Na altvra em que a obra foi escrita, os espíritas, quer ingleses, quer americanos, não acreditavam na reincarnaçã.o, e aquilo que nela se dizia a esse respeito era destinado aos espíritas franceses, cuja teoria é tão pãuco filosófica e tão absurda como a doutrina oriental e iogica e evidente na sua verdade. Como é que a autora de lszs sem Véu pode negar a reincarnação Kármíca que se dá a longos intervalos de i000 a 1500 anos, quandó eh é um princípio fundamental tanto do Budismo como do IIin-
duÍsmo?
P.
Rejeita, então, completamente as teorias dos Espíritas e dos Espiritualistas? (*) R. Completamente, não; aÌlenas no que diz respeito às suas doutrinas fundamentais. Tal coÍno os Espíritas e ãs Espiritualistas, acreditamos na existência de <Espíritosr>, isto é, de seres invisíveis dotados de maior o,r -enón inteligência. Mas enquanto a Teosofia afirma que há inúmeros tlpos e géneros de Espíritos, os nossos adversários admitem up.rrus a existência de <Espíritos> humanos, clesincarnados, que, tanto quanto sabemos, são na sua grancle maioria CASCAS de Kama-loka. P. Não acredita, portanto, nos fenómenos que eles de-
fendem?
palavra <espiritualista> designa aqui os
-,,^Í-ì-T.^^ïa^d. -4. rrras rngleses e americanos.
t49
Espí_
Á CHAVE DA TEOSOFIA
XI
R.
É precisamente por ter excelentes motivos para acreditar nesses fenómenos (excepto alguns casos dc fraude deiiberada) e por saber que são tão reais como estar"mos os dois vivos, que todo o meu ser se revolta contla eles. h{ais uma vez, estou a referir-me apenas a fenómenos iísicos e não mentais ou mesmo psíquicos. Coisas de natureza idêntica
DOS MISTÉRIOS DA R.EINCARNAçÃO
atraem-se mutuamente. Conheço pessoalmente homens e mulheres de sentimentos elevados e de grande pureza e bondade, que passaram muitos anos sob a orientação directa e mesmo
sob a protecção de <Espíritos> elevados, quer clesincarnados quer planetários. Estas Inteligências só guiam e controlam os mortais em casos raros e excepcionais em que se sen-
tem atraídos e magneticamente arrastados pelo passaclo Kármico do indivíduo. Não basta uma pessoa sentar-se
e esperar <pelo desenvolvimentor> para os aftair. Isso apenas serve para abrir a porta a um enxame de <fantasmasr> bons, maus e indiferentes, de que o médium se torna escravo para toda a vida. É a essa mediuminidade e comunicação promíscu.as que rne oponho e não
hENASCIMENTOS PËRIÓDICOS
P.
Quer, então, dizer que tcdos nós já vivemos na terra antes, em numerosas incarnações, e que continuaremos a renascer da rnesma maneira? R. Precisamente. O ciclo de vida, ou melhor, o ciclo cle vida consciente, começou quando o homem animal mortal se separou em dois sexos, e terminará ao findar a últirna geração de homens na sétima ronda e sétima raça da humanidade. Considerando que estamos apenas na quarta ronda e quinta raça, ê mais fácil imaginar do que representar a sua duração. P. E estamos sempre a incarnal ern novas personali-
ao misticismo espiritual. Este é dignificante e sagrado; aqueles são de natureza idêntica aos fenómenos de há dois séculos pelos quais tantas bruxas e bruxos foram punidos. P. Na sua opinião, tudo isso é apenas feitiçaria? R. O que quero dizer ê que todo esse contacto com os mortos, seja consciente ou inconsciente, ê necromartcia e, além disso, uma prática extremamente perigosa. Já muito antes de Moisés todas as nações inteligentes consideravam a invocação dos mortos uma prática pecaminosa e cruel, na medida em que ia perturbar o repouso das almas e interferir na sua evolução para estados superiores. A sabedoria colectiva de todos os tempos sempre denunciou, energicamente, tais práticas. A minha posição pessoal é a seguinte: enquanto alguns dos chamados <espíritos> não sabem o que dizem, limitando-se a repetir como papagaios aquilo que encontram no cérebro do médium e de outras pessoas, outros são extremamente perigosos e só nos podem atrastar para o mal.
Nem mais. Só através clesses nascirnentos é que os inúmeros milhões de Egos podem evoluir continuamente para
150
T5I
dades?
R. Sem dúvida; aliás, pode comparar-se esse ciclo de vida ou período de incarnações com a vida humana. Tal como esta ó constituída por dias de actividade separados por noites de sono ou inactividade, assim também no ciclo de incarnações a uma vida de actividade se segue o repouso Devachânico. P. E é essa sucessão de nascimentos que se define como reincarnação?
R.
A CHAVE DA TEOSOFIA a perfeição última e para o lepouso final (cuja duração será idêntica à do período de actividade). P. E o que é que determina a duração ou qualidades
DOS MISTERIOS
DA REINCARNAÇÃO
OOUEÉOKARMA?
P. MasoqueéoKarma? R. Como já disse, consideramo-io
O Karma, a lei universal de justiça retributiva. Considera-o uma lei inteligente? Não é possível classificar uma coisa irnpessoal, uma coisa que não é uma entidacle mas uma lei actuante universal, empregando um adjectivo ou uma qualificação. Se me perguntar qual é a inteligência causativa do Karma, terei dc lhe responder que não sei. Mas se me pedir para definir os seus efeitos e pàra lhe dizer quais são segundo a nossa doutrina, poderei dizerlhe que a experiência de milhares clc épocas nos mostra que são equídade, sabedoría e ínteligênciu infalíveis e absolutas. Pois o Karma, nos efeitos quLÌ produz, é aquilo que corrige constantemente a injustiçl humana e todas as deficiências da na|ureza aquilo que repara rigorosamente os agravos; uma lei retributiva que reconl pensâ e castiga com igual imparcialidade. No sentido rnais estrito, poderá dizer-se que <<não olha a pessoas)) e, por outro lado, que não pode ser propiciado nem afastado pela oração. P. Podemos, então, inferir o passado dum homem l partir do seu presente? R. Só na medida em que se acredite que a sua vida. actull é aquilo que, em toda a justiça, devia ser: um meio de expiar' os pecados da vida anterior. Claro que, à excepção dos viclcrr tes e dos grandes adeptos, nós, como mortais comuns qlr(, somos, não temos possibilidade de saber que pecados fomrrr esses. Com os poucos dados de que normalmente dispomos é-nos impossível determinar sequer o que foi a juventurlt' duma pessoa idosa; por motivos idênticos, também não podc mos tirar conclusões definitivas quanto ao que terá siclo rr vida anterior dum homem, baseando-nos apenas naquilo rlrrr vemos na sua vida actual.
a Lei última do Univelso, a fonte, origem e princípio de todas as outras leis que exisiem na Natureza. O Karma é a lei infalível que ajusta o efeito à causa, nos planos físico, mental e espiritual do ser. Como nenhuma causa, por muito pequena ou muito grande que seja, deixa de produzir o respectivo efeito, quer se trate duma perturbação cósmica ou do simples acto de mover a mão, c como uma coisa produz outra que lhe é idêntica, o Karma é a lei invisível e desconhecida que ajusta sábia, inteligente e equitativamente cada efeito à sua causa, seguindo esta até àquilo que a procluziu. Embora o Karma em si seja incognoscível, a sua acção é perceptível. P. Portanto, estamos mais uma vez perante o <Absoluto>, o <Incognoscível), e não nos podemos servir dele para cxplicar os problemas da vida? R. Pelo contrário. Pois embora não saibamos o que o Karma ê per se e na sua essência, sabemos efectivamente t:omo actua, e podemos definir e descrever o seu modo de actuação com exactidão. Só não sabemos qual é a sua Causa última, tal como a filosofia moderna admite universalmente que a Causa última de todas as coisas é <incognoscível>. P. E o que tem a Teosofia a dizer quanto à solução dos males da humanidacle? R. Para ser precisa, segundo a nossa doutrina, todos os grandes males sociais, a distinção de classes na Sociedade c de sexos nos problernas da vida, a distribuição desigual do capital e do trabalho, devem-se àquilo a que sóbria e rigorosamente chamamos KARMA. P. Mas decerto que todos esses males que parecem atingir as massas duma maneira um tanto indiscriminada não siro um Karma INDIVIDUAL merecido? R. Não; não é possível defini-los tão rigorosamente nos scus efeitos a ponto de demonstrar que o ambiente individual
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especiais dessas incarnações?
R. P. R.
A
CFIAYE
DA
DOS AfISTERIOS DA REINCARNAÇÃO
TEOSOFTÁ
e as circunstâncias específicas da vida de cada indivíduo não
são mais que o Karma retributivo que esse indivíduo gerou numa vida anterior. Não nos podemos esquecer que cada átomo está sujeito à lei geral que governa todo o corpo a quc pertence, o que nos coloca perante a existência duma esfera de acção mais vasta da lei do Karma. Não vê que o conjunto de Karmas individuais constitui o Karma da nação a que esses indivíduos pertencem, e mais, que o somatório dos Karmas das nações é o Karma do Mundo? Os males de que falou não são característicos do indivíduo nem sequer da Nação, são mais ou menos universais; c é neste domínio alargado de interdependência humana que a lei do Karma se manifesta legítima e equitativamente. P. Devo, então, concluir que a lei do Karma não é necessariamente uma 1ei individual? R. É isso mesmo que eu quero dizer. Seria impossível o
coisa estou certa: o limite de possibilidade em qualquer desses sentidos ainda nunca foi atingido. P. Que infeliz humaniclade; dir-se-ia que não há qualquer esperança imediata de alívio a não ser que sobrevenha um terramoto ou uma destruição universal! R. Que cÌireito temos nós cle pensar semelhante coisa enquanto rnetade da humanidade está em condições de proporcionar alívio imediato das privações a que estão sujeitos os seus semelhantes? Quando todos os indivíduos tiverem contribuído païa o bem geral, com todo o dinheiro, trabalho c pensamentos dignificantes que puderem, então, e só então, se atingirá o ponto de equilíbrio do Karma Nacional. Compete às almas heróicas descobrir a causa desta pressão clesigual do Karma retribuiivo e, por um esforço supreÍno, reajustar o equilíbrio de forças e salvar os homens durn aniquilamento moral mil vezes mais grave e mais permanentemente prejudicial do que uma catástrofe física semelhante, que, para si, parece ser a única saída possível desta miséria
Karma reajustar o equilíbrio de forças na vida e no progresso do rnundo se não tivesse uma esfera cle acção vasta e geral. Os teósofos acreditam que a interdependência cla Humani dade é a causa daquilo a que se chama Karma Distributivo, e é esta lei que oferece a solução para a grande questão do sofrimento colectivo e alívio desse rnesrno sofrimento. Além disso, existe uma lei oculta segundo a qual nenhum homem pode superar as suâs deficiências individuais sem elevar, por pouco que seja, todo o corpo do qual faz parte integrante. f)o mesmo modo, ninguérn pode pecar nem sofrer os efeitos do pecado sozinho. Na realidade, o <Isolamento> é coisa quc não existe, e o ponto mais próximo desse estado egoísta quc as leis da vida permitem está na intenção ou motivo. P. E não haverá nenhum meio de o Karma distributivo ou nacional ser concentrado ou reunido, por assim dizer, c conduzido à sua realização natural e legítirna sem toclo essc sofrimento prolongado? R. Regra geral, e dentro de determinados limites quc definem a época a que pertencemos, não é possível acelerar nem retardar o cumprimento da lei do Karma. Mas duma
P. Diga-me, então, como descreveria, duma maneira geral, essa lei do Karma. R. Segundo a Teosofia, o Karma é uma Lei de reajustamento que tende semtr)re a restabelecer o equilíbrio perturbado no mundo físico e a harmonia interrompida no mundo moral. Afirmamos que o Karma não actua sempre desta ou daquela maneira, mas actua sempre de moclo a restabelecer a Harmonia e preservar o equilíbrio em virtude dos quais o lJniverso existe. P. Dê-me um exemplo. R. Imagine um lago. Uma pedra cai na água provocando ondas que vão perturbar as águas tranquilas. Estas ondas movem-se num vaivém até que por fim, devido à acção daquilo a que os físicos chamam a lei da dissipação da energia, param e a água regressa ao estado de tranquilidade em que se encontrava anteriormente. Do mesmo modo, toda a acção, seja em que plano for, vai perturbar
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/JJ
acumulada.
Á Cí]AVE DÁ
DOS MISTERIOS
'TEASOFIA
a perÍeita harmonia clo Universo, e as vibrações assim produzidas, se a sua âtea fot limitada, continuarão a fazer-se sentir até que o equilíbrio seja restabelecido" Mas, uma vez que a perturbação tem origern num ponto específico, é evidente que o equilíbrio e a harmonia só podem ser restabelecidos se as forças que dele partiram por efeito da perturbação rroltarem a convergir nesse mesmo ponío. P. Mas não vejo nada de moral nessa lei" Parece-me uma simples lei física segundo a qual acção e reacção são iguais e opostas. R. Para nós, <Bem> e <<Harmoniar>, <<Mal> e <<Desarntonia>, são sinónimos. Além disso acreilitamos que a dor e o sofrimento são sempre resultado da ausência de Harmonia, e que a causa única e terrível da perturbação da Harmonia ê, o egoísmo, seja qual for a forma sob a qual se apresente. Assim, o Karma devolve a cada homem as consequêncías reaís clas suas próprias acções, sem qualquer consideração de ordem moral; mas como o homem recebe aquilo que lhe é devido por tudo, é evidente que terá de expiar todo o sofrimenfo que causou, tal como colherá em alegria e regozijo os frutos cle toda a felicidade e harmonia para que contribuiu. P. Gostaria que me desse um exemplo concreto da acção do Karma" R. É impossível. Como já tive oportunidade de dizer, âpenas podemos ter a certeza de que a nossa vida e circunstâncias actuais são resultado directo das nossas próprias acções e pensamentos em vidas anteriores. Mas nós, que não sornos Videntes nem Iniciados, não podemos ter um conhecimento mais pormenorizado da acção da lei do Karma. P. Poderâ alguém, quer seja Adepto ou Vidente, seguir esse processo Kármico de reajustamento em todos os seus
DA REINCARNACÃO
OUEM SÃO OS OUF SABEM?
P. R.
Isso aplica-se tanto a nós como a outras pessoas? Sim. Tal como acabo de dizer, todos dispomos da mesma visão limitada, excepto aqueles que atingiram na incarnação presente o mais elevado grau de visão espiritual e clarividência. Nós só podemos compreender que, se as coisas se devessem passar de modo diferente connosco, ter-se-iam passado, efectivamente, de modo diferente, e que somos obra de nós próprios, só tendo aquilo que merccemos. P. Receio bem que tal noção só servisse para nos angustiar.
R. Creio que é precisamente o contrário. O facto de não se acreditar na lei justa da retribuição é mais susceptível de despertar no homem toda a espécie de sentimentos de revolta.
A
criança,
tal como o homem, não gosta de ser
castigada, ou mesmo repreendida, se achar que não o merece; já não ficaú tão ressentida com um castigo muito mais
severo se
o considerar merecido. Acreditar no Karma é
o
motivo mais elevado pam uma pessoa se reconciliar com a sua sorte na vida, e o maior incentivo no sentido de uma pessoa se esforçar por melhorar a incarnação seguinte. Esse motivo e esse incentivo deixariam de existir se estivéssemos convencidos de que a nossa sorte não é resultado duma Zei rigorosa ou de que o clestino não está nas nossas mãos.
R. Sem dúvicla; <aqueles que sabenz> podem fazê-kt utilizando poderes que estão latentes em todos os homens.
F. Acaba de dizer que esse sistema ctre Reincarnação de acordo com a Lei do Karma se refere à razáo, à justiça e ao sentido moral. Mas não implicar'á também o sacrifício de qualidades mais nobres, como a compreensão e a compaixão e, como tal, um endurecimento dos instintos mais elevados da natrtreza humana? R. Sô aparentemente; na realidade não. Não é possível uma pessoa receber mais ou menos do que aquilo que merece sem que isso resulte numa injustiça ou num favoritismo para com os outros; aliás, se uma lei deixasse de ser aplicada por motivos de compaixão acabaria por provocar mais sofri-
ts6
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pormenores?
A CHAVE DA
DOS MISTÉRIOS
TEOSOFIÁ
DA
REINCARNAÇ.4O
mento do que aquele que conseguiria evitar, mais irritação e ataques do que agradecimentos. Também não pode esquecer-se que não somos nós que aplicamos a lei, embora sejamos responsáveis pelas causas que a levam a produzir os seus efeitos; que é a lei que se executa a si própria, e ainda que o estado de Devachan é a manifestação mais rica que se possa esperar de uma justa compaixão e uma justa misericórdia. P. Disse que os Adeptos são uma excepção à regra da ignorância da generalidade dos homens. Eles sabem realmente mais do que nós acerca da Reincarnação e dos outros estados futuros? R. Sem dúvida. Exercitando faculdades que todos nós possuímos, mas que só eles desenvolveram até à perfeição, consegueÍn entrar em espírito nesses vários planos e estados que temos vindo a discutir. Desde tempos imemoriais quc gerações após gerações de Adeptos têm vindo a estudar os mistérios do ser, da vida, da morte e do renascimento, e todos eles, por sua vez, ensinaram alguns dos facto.s que aprenderam. P. O objectivo da Teosofia é produzir Adeptos? R. A Teosofia considera que a hurnanidade é uma ema, nação da divindade no caminho de regresso à sua origem. Num ponto avançado desse caminho, o Adeptado ó atingido por aqueles que dedicaram diversas incarnaçõcs a preparar-se para isso. Não se pode esquecer que ninguénr jamais conseguiu atingir o grau de Adepto das Ciências Secretas numa só vida; para isso são precisas muitas incarnações depois de se ter conscientemente optado por essc objectivo e iniciado o treino necessário. Hâ, provavelmente, muitos homens e mulheres na nossa sociedade qut: iniciaram essa árdua subida para a iluminação há várias incarnações e que, no entanto, devido às ilusões pessoais rlir vida presente, ou não têm consciência disso, ou estão cnr vias de perder torJas as oportunidades de avançarem mais durante esta vida. Sentem uma atracção irresistível pclo
P. Diz que essâs pessoâs aceitam e acreditam nas doutrinas da Teosofia. Mas como não pertencem ao número clos Adeptos que acaba de referir, têm de aceitar os ensinarnentos da Teosofia com base uma t'é cega" Em que é que isto difere das religiões convencionais? R. Aquilo a que chama <<fé>> e aquilo que em relação aos clogmas clas religiões cristãs não passa afinal de fé cega, é entre n6s <<conhecímento>>, a sequência lógica de coisas qrte sabemos acerca de certos íoctos da natuteza. As doutrinas cristãs baseiam-se na interpretação e, portanto, no testemunho indirecto de Videntes; ÍN nossas baseiam-se no testemunho invariável e constante de Videntes. A teologia cristã comum, por exemplo, afirma que o homem é criado por Deus e constituído por três partes corpo, alma e - integridade e cspírito todas elas essenciais para a sua -, todas elas, quer na forma grosseira da existência física terrena, quer na forma etérea da experiência após a ressurrei-
r58
159
ocultismo e pela Vida Superíor; no entanto, são demasiado inclividualistas e obstinados e estão demasiado apaixonados pelos encantos ilusórios da vida mundana e pelos prazeres efémeros do mundo para os abandonar, perdendo assim a oportunidade que lhes é dada na incarnação actual. Mas para o homem comunÌ, e no que diz respeito aos deveres práticos da vida quotidiana, um resultado tão longínquo não constitui cbjectivo adequado nem um motivo eficaz. P. Qual será, então, o seu objectivo ao ingressarem na Socieclade Teosófica?
R. l\,{uitos estão interessados pelas nossas doutrinas e sentem, instintivamente, que elas são rnais verdadeiras do que as de qualquer religião dogmática. Outros optaram firmemente por atingir o mais elevado ideal do dever humano. DTFERENçA EhÍTRE FÉ
E FÉ
E
CONHECTMENTO,
OU ENTRE FÉ
CEGA
RACIONAL
A CHAVE DA TEOSOFIÁ ção, para semple necessárias ao homem, tendo cada homenr portanto uma existência perrnanente distinta da dos outros homens e do l)ivilio. A Teosofia, por outro lado, defende que, sendo o homem uma emanação da Essência Divina Desconhecida, mas sempre presente e infinita, o seu corpo e todas as outras coisas são impermanentes e, como tal, urna ilusão; a única substância durável nele é o Espírito, e mesmo este perde a sua individualidade distinta no rnornento em que se une cle novo na sua totalidade ao Espírito Ilníversql. P. Mas, se até a individualidade perdemos, o que sc clá é simpiesmente uma aniquilação. R. Itejeito a sua arfirmação, uma vez que estotr a Íalar de individualidade separada e não universal. Esta passa a ïazer pafte do todo; a gota de orvalho não se evapora, passando antes a fazer parte do mar. O homem físico ó a:niqwilado quando o feto que foi se torna um homem velho?
DOS MISTÉRIOS
DA
REINCARNAÇ"1O
P. Muito bem; e essa afirmação baseia-se no conhecirnento e não na fê? R. Exactamente. Mas, como estou a ver muito bem aonde quer chegar, digo-lhe já que nós consideramos a /é, tal como a defende, uma doença mental, e a fé verdadeira, isto é, a pistis dos gregos, uma ((crença baseada no conhe. cimento>>, quer este se fundamente em provas fornecidas por sentidos físicos au espirituais. P. O que é que quer dizer? tt. Se pretende saber qual é a cliferença entre as d.uas coisas, posso dizerJhe que há urna grande diferença entre Jé baseada nu autoridade e fé basea,da na intuiçãct espiritual. P. E que diferença é essa? R. Uma é credulidade e superstição humanas, a outra é convicção e íntuição humanas. P. E é essa <intuição> que a impede cle aceitar Deus como um Pai pessoal, Legislador e Regente do Universo? R. Precisamente. Acreditamos num princípio incognosc:ível, pois só por uma aberração cega é que se poderá lfirmar que o lJniverso, o homem pensante e até todas as maravilhas do mundo da matéria poderiam ter surgido scm que quaisquer potências inteligentes tivessem contribuído para a disposição extraordinariamente sábia de todas rrs partes que os compõem. A natureza pode errar, e muitas vozes erra no pormenor e nas manifestações exteriores dos scus materiais, mas nunca nas suas causas e resultados
P. DaÍ se cìepreende, então, que o homem de tacto nït<t existe e que tudo é IJspírito? R. Está enganado. O que se depreende é que a união do Espírito com a rnatéria é apenas temporária; ou, por outras palavras, uma vez que o Espírito e a matéria são a mesma coisa, isto é, os dois pólos opostos da substânciir universal manifestada, o Espírito deixa de ter direito a esse nome enquanto a mais pequena partícula e átomo de substância manifestada estiver ligada a qualquer forma, como resultado da diferenciação. Acreditar noutra coisa é fé cega. P. É, portanto, com base no conhecimenlo e não na que afirma que o princípio permanente, o Espírito, apenas fé passa pela matêría? R. Diria antes o seguinte: afirmamos que o aparccì mento <1o princípio permanente e único, o Espírito, sob u forma de matéria,, é efémero e que, como tal, não passrr duma ilusão.
c teósofos? R. Pode continuar a chamar (fé) à nossa crença, se quiser. Mas, considerando que voltámos de novo à questão rlc sempre, gostaria de lhe perguntar o seguinte: fé por
r60
T6I
i
nteriores.
P.
Fé por fé, não será melhor a fé do Cristão,
que,
rÌa sua fraqueza e humildade humanas, acredita que há no (léu um Pai misericordioso que o protegerá da tentação, o ajudará na vida e the perdoará os pecados, do que a l'ó fria, orgulhosa e quase fatalista dos budistas, vedanlistas
A CHAVE DA TEOSOFIA fé, não será melhor aquela que se fundamenta na lógica c no raciocínio rigoroso do que aquela que se baseia apenas na autoridade humana culto de heróis? Além disso. - oua no a sua fé não só se opõe qualquer noção de justiça ou cle lógica, como, se a analisarmos bem, concluz o homenr à perdição moral, impede o progresso da humanidade c. fazendo da força razáo, transforma constantemente o homeirr num Caim para com seu irmão Abel. P. Do que é que está a falar? TERÁ DEUS O DIREITO DE PERDOAR?
R. Da Doutrina da Expiação. Refiro-me àquele prirrcípio que nos ensina que, por muito grandes que sejam os nossos crimes contra as leis de Deus e dos homens, serenÌ()s perdoados desde que acreditemos que Jesus se sacrificou para salvar a humanidade e que o seu sangue iimpará toclls as manchas. Há vinte anos que prego contra essa doutrirr;r e gostaria agora de chamar a sua atenção para um parágral'o de lsrs sem Yéu (vol. II, p. 5a\ escrito em L877. <A misericórdia de Deus é ilimiiada e incomensurável. B impossível conceber um pecado humano tão grave clut' o preço pago antecipadamente pela redenção do pecador não o possa ïesgatar, ainda que fosse mil vezes pior. Alórrr disso, nunca ê tarde de mais para uma pessoa se arrepenclcr'. Mesmo que o transgressor espere atê ao último minuto da última hora do último dia da sua vida mortal para prol'crir, de lábios exangues, a sua confissão de fé, pode ir parâ o Paraíso; foi isso que fez o ladrão moribundo e que poclcr'íio fazer outros tão vis como ele. São estas as pretensõcs tlrr Igreja e do Clero; pretensões que os pregadores mais í'anro sos de Inglaterra metem na cabeça dos seus cornpatrìolrrs apesar do "esclarecimento trazido pelo séc. XIX"), ópot'rr que não podia ser mais paradoxal. Ora, a que poderá isto levar? 162
DOS NIISTÉRIOS
DA REINCARNAÇÃO
P. Não será o Cristão mais feliz do que o budista ou brâmane por isso mesmo? R. Não; pelo menos os homens cultos não o são, pois há muito que na sua grande maioria deixaram praticamónte cle acreditar neste dogma cruei. Mas não conheço nacla que conduza mais facilmente os que acredííam nele aré aa limiar de todo's os crimes imagínóveis. Deixe-me citar-lhe outra passagem cle lsrs sem Véu (vide vol. II, pp. 542-543): <Se sairmos do domínio limitado do credo c consicle_ Ì'armos o universo como um tcdo cujo equilíbrio se deve à harmonia perfeita de todas as partes que o integram, veri_ Íicamos como toda a.lógica e como o mínimo senticlo rje Justiça se insurge contra esta Expiação por interposta pessoa! Se o criminoso apenas pecasse contra si mesmo e só fizesse mal a si próprio; se mediante um arrependimento sincero irudesse obliterar acontecimentos passados não só da memória clo homem, mas também daquele registo imperecível que nenhuma divindade a Mais Suprema das Supremas - nem pode fazer desaparecer, talvez este dogrna não fosse incomllreensível. Mas afirmar que uma pessoa pode fazer mal ao scu semelhante, matar, perturbar a harmonia da sociedade t-r a ordem natural das coisas e depois * por cobardia, espe_ rÍÌnça ou compulsão, não importa ser perdoaclo por acre. ditar que o facto de um homem ter- derramado o seu sangue vai limpar outro sangue derramado, é absurdo! poderão tts consequêncías dum crime ser obliteradas embora o crime possa ser perdoado? Os efeitos duma cousa nunca se restrin_ gem aos limites dessa causa, tal como as consequências tlum crime não se restringem apenas ao delinquente e a sua vítima. Qualquer boa ou má acção produz efeitos duma rrraneira tão palpável como uma pedra atirada para ,a âgua tranquila. A imagem é banal mas não podia ser melhor, portanto servir-me-ei dela. Os círculos concêntricos são ttrniores e sucedem-se com rnaior rapidez consoante o objecto lnnçado seja maior ou menor, Ínas o mais pequeno seixo, ou melhor, o mais pequeno grão, provoca ondulação. E não o
163
A CHAVE DA TEOSOFIA é só à superfície da água que esta agitação é visível. Debaixo de água, despercebidas, as gotas exercem pressão umas sobre as outras em todas as direcções para fora e para tlaixo até que os laclos e o fundo são tocados pela força que exer-
cem. Mais, o ar poj: cima da superfície da água é agitado e, segundo dtzern os físicos, esta perturbação faz-se sentir de camada em camada em direcção ao espaço para sempre; a matéria sofreu um impulso e este nunca se perde nem nunca pode ser anulaclo!... ïsto aplica-se ao crime e ao oposto do crime. A acçâo podera ser rnstantânea, os efeitos são eternos. Se alguma vez, depois da pedra lançada no charco, formos capazes de a fazer voltar à nossa mão, obliterar a força despendida, fa;er as ondas etéreas vc,ltar ao estado cle não-ser em que se encontravam e apagar todos os vestígios do acto de lançar o projéctil, de forma que o registo do Tempo não mostre que jamais aconteceu, então, e só então, ouviremos pacientemente os argumentos dos cristãos a favor cla eficácia cla
DOS A(TSTERIOS
DA
que nos ensina que as necessidades da nossa natureza espi-
ritual só poderão ser satisfeitas pela felicidade espiritual. Enquanio estivermos presos ao corpo, estamos sujeitos à clor, ao sofrimento e a todas as desilusões da vida. Assim, para mitigar essa dor e esse sofrimento, tentamos alcançar o conhecimento, pois só ele é que nos pode proporcionar alívio e dar esperança dum futuro rnelhor.
Expiação.>
E deixaremos cle acreditar na Lei do Karma. Mas pot' agora convidamos a humanidade a dizet qual das duas doutrinas denota um maior sentido de justiça deífica, e qual é mais razoâvel, me$mo do simples ponto de vista humano e lógico.
P. O destino último do homern não é, portanto, unr Céu presidido por l)eus, mas a transformação gradual clrr matêna no seu eleinento priinordial, o Espírito? R. É para esse fim que tudo tende na nattteza. P. Não há alguns teósofos que associam a ideia dc <descida do espírito na matéria)) com o mal, e o renascimento com a dor? R. }Jâ, e como tal tentam diminuir a duração do seu período probatório na terra. Mas não se trata dum mal sem contrapartida, na medida em que nos proporciona ir experiência de que necessitamos para alcançar o conhecimento e a sabedoria. Estou a falar claqueia experiênci;r 164
RETNCALINAÇÃO
165
XU
o QUE Ìi A TEOSOFTA PRÁTICA?
O
DEVER
P. Nesse caso, porque há reincarnações, se nenhuma delas consegue assegurar-nos uma paz permanente? R. Porque o objectivo final só poderá ser alcançado através de experiências de vida, e estas traduzem-se essencialmente em dor e sofrimento. Só através deste é que podemos aprender. As alegrias e os prazeres não nos ensinam nada; são evanescentes s, a longo prazo, a única coisa a que nos levam é à saciedade. Alérn disso, a nossa constante incapacidade trlara encontrar na vida um prazer permanente que nos permitisse satisfazer as necessiclacles da nossa natureza superior demonstra claramente que cssas necessidades só poclem ser satisfeitas no seu próprio plano, isto é, no plano espilitual. P. A consequência natural clisso não será o desejo de abandonar a vida duma maneira ou doutra? R. Se por esse desejo entende <<suicídio>1, de maneira nenhuma. IJma consequência clessas nunca poderá ser considerada <<natural>, devenclo-se antes a uma doença mental mórbida ou a ideias rnaterialistas extremamente enraizadas. E o pior dos crimes e as suas consequências são terríveis. Mas se por esse desejo entende âpenas uma aspiração a 167
A
CT{ÁVE
O QUE E
DA TEASOFIA
uma existência espiritual e não uma vontade de abandonar' a tena, então trata-se sem dúvida clum desejo muito natural. Caso contrário a morle voluntária seria uma renúncia clo cargo que oÇupamos e dos deveres que nos incumbem, benr como uma tentativa de nos furtarmos a respcnsabilidaclcs Kármicas, danclo portanto origem a um novo Karma. P. Mas, se as acções no plano material não satisfazenr. porque hão-de os deveres, que afinal também são acções. ser obrigatórios? R. Em primeiro lugar, porque segundo a nossa filosofia o objectivo de cumprirmos os nossos deveres para com todos os homens, e só depois para com nós mesmos, não ê alcançar a felicidade pessoal mas a felicidade dos outros; ê fazer o bem pelo bem e não por aquilo que ekr nos possa trazer. É verdade que do cumprimento do devcr pode resultar felicidade, ou melhor, satisfação, mas não é nem deve ser isso o que nos leva a agir. P. E como é que define esses cleveres, oll ((deverD, crìì termos gerais? R. O dever é aquilo que á devido à Hurnanidade, aos nossos semelhantes, vizinhos, família e, sobretudo, aquikr que devemos a todos aqueles que são mais pobres e estão mais desamparados do que nós. É uma dívida que, se nã<r for paga durante a vida, fará de nós insolventes espirituais e falidos morais na nossa próxima incarnação. A Teosoiia é a quinta-essência do dever. Por último, se me perguntar como é que entendemos o dever teosófico na prática e dc acordo com o Karma, poderei responder que o nosso devcr é beber, sem um murmúrio, até à última gota, aquilo quc o cálice da vida nos reserva; colher as rosas da vida apeníìs; pelo perfurne que poderão derramar sobre os oulinos, e cnn tentarmo-nos com os espinhos, se para gozarmos esse pcr' fume tivermos de privar alguém dele. P. O que é que considera ser devido à humaniclarlt' em geral? 168
A
TEOSOFIÁ FRÁTICA?
R. Pleno reconhecimento de direitos e privilégios iguais para todos, sem distinção de raça, cor, posição sociai on nascimento.
P. Em que circunstâncias se falta a, este dever? R. Quando hâ a mínima usurpação do direito de
outrem, quer se trate de um homem ou cle uma nação, em que a justiça, bonclacle, consideração ou misericórdia que desejamos para nós próprios lhe são de qua.lquer modo negadas. Toda a política actual se baseia na omissão clc tais direitos e na mais feroz afirmação do egoísrno nacional. P. A Sociedacle Teosófica participa cle alguma maneira na política? R. Como Sociedacle, temos o maior cuidado em evitar participar na política pelos motivos que lhe vou apresentar. Tentar introduzir reforrnas políticas antes de termos conseguido uma reforma da natureza humsna, é como deita,r vinho novo em garralas velhos. Se conseguirmos que os homens sintam e reconheçam no seu íntimo qual é o seu dever vercladeiro e real para com todos os homens, autornaticamente deixarão de existir todas as espécies de abusos de poder e de leis iníquas nas políticas nacionais baseadas no egoísmo humano, social e político. O jardineiro que tenta arrancar dum canteiro as ervas daninhas cortando-as à superfície do solo em vez de as arrancar pela raiz, não passa dum insensato. Não é possível levar-se a cabo qualquer reforma política duradoura enquanto os governos estiverem nas mãos dos mesmos homens egoístas de sempre.
RErAçÕES DA SOCTEDADE TEOSóF|CA COM AS REFORMÀS POLíTICAS
P. A Sociedade Teosófica não nizaçáo política?
é, portanto, uma orga-
R. De maneira nenhuma. É internacional no sentido mais elevado da expressão e na medida em que entre os t69
A CHÁVE DÁ TEOSOFIA
O gUE E A TEOSOFIA PRÁTICA?
seus membros se contam homens e mulheres de todas as raças, credos e maneiras de pensar que trabalham em conjunto para o mesmo fim, o progresso da humanidade; mas como sociedade não desempenha qualquer papei em políticas nacionais ou partidárias.
ambos os planos. Como essa formação e esse desenvolvimento são um dos objectivos declarados da Teosofia, a Socieclade
P. R.
Porquê?
Pelas razões que acabo de referir. Além disso, a acção política tem necessariamente de mudar com as circunstâncias da época e idiossincrasias dos indivíduos. Embora devido à própria nattreza da sua posição como teósofos os membros da Sociedade Teosófica estejam de acordo sobre os princípios da Teosofia (doutro modo não seriam membros da sociedade), não se pode concluir daí que estejam de acordo em tudo. Como sociedade só podem agir em conjunto em assuntos que a todos digam respeito, ou seja, naquilo que diz respeito à própria Teosofia; corno indivíduos têm inteira liberdade de seguir esta ou aquela via específica de pensamento e acção políticos, ilesde que isso não vá entrar em conflito com os princípios teosóficos nem de qualquer modo afectar a Sociedade Teosófica. P. Mas a Sociedade Teosófica decerto que não está completamente afastada de questões sociais que têm vindo a assumir uma importância crescente? R. Os próprios princípios da Sociedade Teosófica provam que a Sociedade, ou melhor, a maioria dos seus ü1embros, não estão afastados dessas questões. Se a humanidaclc só pode progredir mental e espiritualmente mediante a aplicaçã.o, em primeiro lugar, de leis fisiológicas válidas e científicas, é dever imperioso de todos aqueles que lutam por esse progresso fazer tudo o que está ao seu alcance para garantir a execução dessas mesmas leis. Por muito que iss<r lhes custe, os teósofos têm perfeita consciência de que a condição social da grande maioria das pessoas, sobretuclo nos países ocidentais, torna impossível uma formação adcquada dessas pessoas, tanto no plano físico como espiritual, e isso constitui um impedimento ao seu desenvolvimento cur 170
Teosófica concorda plenamente com todos os verdadeiros esforços nesse sentido.
P. Mas o que quer dizer com <verdadeiros esforços>? Cada reformador social tem a sua própria panaceia e cada um deles considera que a solução por ele proposta é a única que pode fazer progredir e salvar a humanidacle. R. Tem toda a razáo e é por esse motivo que se tem feito tão pouco no campo social. A maioria dessas panaceias não estão sujeitas a um princípio orientador, e sobretudo não há um princípio único qualquer que estabeleça uma ligação entre todas elas. Perde-se assim um tempo e uma energia preciosos, porque, em vez de colaborarem, os homens lutam uns contra os outros, muitas vezes, infelizmente, mais pelo renome e benefícios que isso lhes pode trazer do que pela grancle causa que afirrnam defender e que deveria ser o objectivo principal das suas vidas. P. Nesse caso, como é que os princípios teosóficos deviam ser aplicados de modo a proÍnover a cooperação social e a realização de esforços vercladeiros no sentido duma me-
lhoria social? R. Vou recordar-lhe rapidamente quais são esses princípios: Unidade e Causalidade universais, Solidariedade Humana, a Lei do Karma e a Reincarnação. São estes os quatro clos da corrente de ouro que deve unir a humanidade e Í'azer detra uma família, uma Fraternidade Universal.
P. R.
Como?
No estado em que a sociedade se encontra, sobretudo nos chamados países civilizados, somos constantemente lcvados a constatar que há inúmeras pessoas que têm de suportar miséria, pobreza e doenças. A sua condição física ó deplorável e, muitas vezes, as suas faculdades mentais e cspirituais estão praticamente inactivas. Por outro lado, no outro extremo da escala social, muitas pessoas levam uma vida de inconsequente indiferença, Iuxo material e auto171
Á L'HAVE DÁ
O QUE E A TEOSOFIA PRÁTICA?
T"EOSOFIA
-satisfação egoísta. Ora estas formas de existência não são assim por acaso. Qualquer delas ó resultacÍo das condições de vida clessas pessoas e o não cumprimento do clever social por uma das paríes está intimamente ligado à atrofia e falta de desenvolvimento da outra. A lei da causalidade universai aplica-se à sociologia, tal corno a todas as verdadeiras ciências. IVías o resultado lógico dessa causalidade é necessarianente aquela solidariedads humana em que a Teosofia tanto insiste. Se a acção de uma pessoa age sempre sobrc a vida
de todos, e é esta a vercladeira ideia científica, só
será
possível alcançar a verdadeira soliclariedacle humana de que depende o engranclecimento da raça quando todos os homens
e mulheres se tornarern irmãos uns dos outros, pondo em prática na sua vida do dia-a-dia a verdacleira fraternidade. Esta acção e interacção, esta verdadeira fraternidade, em que cada um viverá para todos e todos viverão para cada um, constitui um dos princípios fundamentais que todos os teósofos deveriam comprometer-se não só a ensinar como a pôr em prática na sua própria vida. P. Isso está tudo muito bem como princípio geral, mas como ó que o aplicaria concretamente? R. Pense uns momentos naquilo a que chama os factos concretos da sociedade humana. Compare as viclas não só das massas populares, como de muitos claqueles que pertencem às chamadas classes média e superior, corn aquilo que poderiam ser em condições mais saudáveis e dignas em que prevalecessem a justiça, a bonclade e o amor, em vez do egoísmo, a indiferença e a vioiência que muiias vezes parecem reinar. Todas as coisas boas e más da humanidacle têm origem ntr carácter humano, e este foi e continua a ser condicionado pela sucessão interminável de causas e efeitos. Mas este condicionamento aplica-se ao futuro tal como ao presente c ao passado. O egoísmo, a indiferença e a violência não podem ser de maneira nenhuma o estado normal da raça acreditar nisso seria desesperar da humaniclade, e nenhum -teósofo o poderá fazer. É, possível progredir, mas o progresso só pode t
7')
ser aicançado rnedianle o cleselrvolvimento clas qualidades A verdadeira evolução mostra-nos que poclemos modificar e aperfeiçoar o organismo, modii'icando o am-
mais nobres.
biente em que eie vive; em sentido mais estrito, isto também é verdade em relação ao homem. Os teósofos têm, portanto,
como obrigrçã,o fazer tudo o que estiver ao seu alcance c cÍnpregar todos os meios cle que disponham para participarem em todos os esforços sensatos e acertaclos que tenham por objectivo a melhoria das condições de vida clos pobres. Esses esforços devem ser orientacios para a total emancipação social destes, ou para uma tomada de consciência dcr sentido do dever por parte daqueles que actualmente tantas vezes o esquecem em quase todas as suas relações. P. De acordo. Mas a quem é que compete decidir se determinacla acção social é ou não sensata'l R. Não é possível ninguém nem socieclade nenhuma estabelecer uma regra rígida quanto a esse aspecto. Muitas coisas têm necessariarnente de ficar ao critério individuai cle cada um. Mas há, no entanto, uma pergunta que se pode sempre fazer: a acção proposta tenderá a promover a verdadeira fraternidade que a Teosofia pretende alcançar? Nenhum teósofo verdadeiro terá grande dificuldade em responder a esta pergunta, e, caso a resposta seja afirmativa, teút, como dever ajudar a formar a opinião pública. A única maneira de o conseguir consistirá em inculcar nas pessoas as rnais nobres e elevadas noções de deveres públicos e privados que estão na base de todo o progresso espiritual e material. O teósofo deverá ser, por outro lado, e em todas as circunstâncias, um centro de acção espiritual, e tanto ele como a sua vida quotidiana deverão irracliar aquela força espiiitual superior que constitui o irnico meio de regenerâr os seus semelhantes. P. Mas porque é que o há-de fazerT Segundo disse, tanto ele como toclas as outras pessoas estão condicionaclos pelo seu Karma e este manifesta-se necessariamente de acordo com determinadas regras. t73
A CHAVE DA TEOSOFIA
O QUT E A TEOSOFIA PRÁTICÁ?
R. E a própria Lei do Karma que reforça tuclo aquilo que eu disse. O indivíduo não pode considerar-se distinto da
qual poderemos entrar, não egoistamente e sós, mas na cornpanhia dos nossos semelhantes, nos palácios que estão clo outro lado.
raça, nem
a raça distinta do indivíduo. A Lei do Karma
aplica-se igualmente a todos, embora nem todas as pessoas estejam no mesmo grau de desenvolvimento. Ao ajudar os
DO AUTO.SACRIFíCIO
outros a desenvolverem-se, o teósofo sabe que está não só a ajudá-los a reahzat o seu Karma, como também, no sentido mais estrito, está a cumprir o seu próprio Karma. Aquilo que tem sempre em vista é o progresso da humanidade, da qual tanto ele como os outros fazem parte integrante, e ele sabe que quaiquer incapacidade cla sua parte para responcler ao que há de mais elevado dentro de si irá retardar não só a sua evolução como a de toda a humanidade. Com as suas acções tanto poderá impedir como contribuir para que a hr:rmanidade alcance o plano de existência superior seguinte. P. Em que medida é que isso está ligado ao quarto princípio que referiu, a Reincarnação? R. Existe nma estreita ligação entre o que acabo cle dizer e o princípio da Reincarnação. Se a nossa vida actual clepende clo desenvolvimento de determinados principios que são produto de embriões deixados por uma existência anterior, a lei aplica-se ao futuro. ïJma vez que tenhamos compreendido qlle a causalidade universal não é apenas presente, mas passada, presente e futura, todas as acções realizaclas no plano em que nos encontramos actualmente passam a estar, com a maior naturalidacle e facilidade, no lugar que verdadeiramente lhes compete e, por outro lado, são vistas na sua verdadeira relação connosco e com os outros. As acções más e egoístas fazem-nos sempre recuar e não avançar, ao passo que os pensamentos nobres e acções altruístas são degraus que nos podem conduzir aos planos superiores e mais gloriosos do ser. Se a existência estivesse reduzida a esta vida terrena, então esta seria sem dúvida, em muitos aspectos, uma vida medíocre e insignificante; mas, se a considerarmos como uma preparação paÍa a esfera de existência seguinte, poderemos ver nela o portão de ouro através do
P. O objectivo mais elevado da Teosofia é justiça iguaÌ para todos e amor pala com todas as criaturas? R. Não; há outro ainda mais elevado. P. Qual é? R. Dar aos outros mais do que a nós próprios o &Lüa- notável -sacrifício. Este era a característica comum e mais dos grandes Mestres da Humanidade cle que a história nos dá um exemplo em Gautama Budha e os Evangelhos em Jesus cle Nazareth. Só por si ela conseguiu assegurar-lhes o respeito e gratidão eternos das gerações que se lhes seguiram. Segundo a Teosofia, devemos, porém, auto-sacrificarmo-nos com discernimento, pois se a nossa entrega de nós mesnros não for feita com justiça e se agirmos cegamente. independentemente das consequências que daí possam advir, vimos muitas vezes a verificar que o nosso sacrifício não só foi em vão corno prejudicial. Uma das Íegrâs fundamentais da Teosofia é a Justiça para com nós rnesrnos tomada - uma como unidade da humanidade colectiva e não corno autojustiça pessoal, não devendo ser maior nem menor do que aquela de que usamos para coÍl os outros, excepto se pelo sacrifício do nosso eu índívidual pudermos beneficiar outros. P. Não podia explicar melhor o que acaba de dizer dando um exemplo? R. Para a Teosofia, o auto-sacrifício por um bem real, e tendo ern vista salvar muitas ou diversas pessoas, é muito superior à auto-renúncia por um ideal sectário, como por exemplo <<salvar os pagãos da condenação eterna>>. Na nossa opinião, o Padre Damien, um hornern de trinta anos que sacrificou a sua vida para benefício e alívio do sofrimento
174
175
A CHAVE DA
TEOSOFIA
dos leprosos ele Molokai, c quc viveu sozinho com eles durante dezoito anos até que acabou por contrair a doença e morrel', não morreu em t,íto. Com o seu sacrifício o Padre I)amien conseguiu aliviar e dar uma relativa felicidade a rnilhares de desgraçados. Deu-lhes consolação física e mentai.
Acendeu um raio de luz na noite negra e dolorosa duma existência cuja total ausôncia cie esperança não tem paralelo na história do sofrimento hurnano. Era um verdudeiro te(tsot'o e a sua mernória ficará para sempre registada nos nossos anais.
P. Os teósofos consideram, portanto, o auto-sacrifício um dever? R. Sim, e justificanos â nossa posição mostrando que o altruísmo é uma parie integrante do nosso próprio desenvolvirnento. Mas temos cÌe agir com discernimento. Um homem não tem qualquer clireito de se matar à fome para que cutro homem tenha que comer, a não ser que a vida desse outro homem seja evidentemente maìs útil para a
maioria do que a sua própria vida. Mas é seu dever sacrificar o seu próprio conforto e trabalhar pelos outros se estes não o puderem fazer. 'É, seu dever dar tudo aquilo que é inteiramente seìr e que só o pode beneficiar a si mesmo se o guardar egoistamente para si. A Teosofia prega a auto-renúncia, mas não ensina o auto-sacrifício irreflectido e inútil nem aceita o fanatismo. P. Mas como é que se pode alcançar um grau de desenvolvimento tão elevado? R. Pondo em prática os nossos preceitos duma maneira esclarecida. Usando da nossa razão superior, intuição espiritual e sentido moLal, e seguindo os ditames daquilo a que chamamos a <<voz da consciência>, que é afinal a voz do nosso EGO e que fala mais alto em nós do que os terramotos e trovões de Jeová em que <o Senhor não está>. P. Se são esses os nossos deveres para corn a humanidade dum modo geral, quais são, no seu entender, os nossos cleveres parâ com o nosso próximo? 1V6
O QAE E A TEOSOFIA PRÁTICA?
R. Exactamente os mesmos, mais aqueles que advêm de obrigações especiais relacionadas com laços familiares.
P. Então não é verdade, como se diz, que assim que um homem se torna membro cla Sociedade Teosófica começa gradualmente a afastar-se da sua mulher, dos seus filhos e dos seus deveres para com a família? R. Isso é uma calúnia sem qualquer fundamento, como tantas outras. O prirneiro dever teosófico é cumprirmos o nosso dever para com todos os hornens e, sobretudo, para com quern temos responsabilidades específicas, quer porque as assumimos voluntariamente, como no caso dos laços matrirnoniais, quer porque o nosso destino nos obriga a isso; refiro-me às responsabilidades que temos para com os nossos pais e parentes. P" E qual é o dever do teósofo para consigo mesmo? R.. Controlar e dominar o seu eu inferior através do eu Superior. Purificar-se interior e moralmente; não recear nada nem ninguém a não ser o tribunal da sua própria consciência. Nunca deixar as coisas em meio; isto é, se ele acha que determinada coisa está certa e que tem de a f.azer, que a faça aberta e corajosamente; se a considera errada, que não pense nela sequer. É dever do teósofo aliviar o seu fardo pensando no aforismo sensato de Epicteto que iliz: <Não deixes que nenhuma observação fútil que o mundo imbecil t'aça sobre ti te afaste do teu dever, pois não tens qualquer poder sobre as suas censuras e, como tal, estas não devem preocupar-te de maneira nenhuma.> P. Mas suponhamos que um membro da Sociedade Teosófica afirma não poder ser altruísta para com os outros ale-
gando que ((a caridade começa em casa)), que tem muito que fazer ou que é dernasiado pobre para poder ajudar de algum modo a humanidade ou Ínesmo qualquer dos seus elementos. Quais as regras que se aplicam num caso destes? R. Ninguém tem o direito de afirmar que não pode fazer nada pelos outros, seja sob que pretexto for. <Ao cumprir o dever certo no local certo, um homem pode fazer do 177
A
CÍTAVE
DA
TEOSOFIA
mundo seu devedor>>, diz um escritor inglês. Dar um copo de água fresca a um viajante sequioso é um dever mais nobre e meritório do que oferecer uma clúzia de jantares despro-
a pessoas que os podem pagar. Só é possível um homem tornar-se teósofo se já o for interiormente, mas se o não for pode continuar na mesma a ser membro da nossa Sociedade. Não temos regras para obrigaÍ uma pessoa a praticar a Teosofia se ela não o desejar. P. Mas, se não é esse o desejo dela, porque há-de entrar para a Sociedade? R. Essa é uma pergunta a que só podem responder os que agem assim. É mais um caso em que não temos o direito de fazer juízos prematuros, ainda que a opinião duma comunidade inteira esteja contra a pessoa em questão. positados
O QUE É A TEOSOFIA PRÁTICA?
P. Como é que isso se aplica na prática? R. A noção teosófica de caridade significa
esforço pessoal pelos outros; misericórdia e bondade pessoais;interesse pessoal pelo bem-estar dos que sofrem; simpatia, previsão e ajuda pessoais nas suas atribulações e necessidades. Acreditamos na necessidade de aliviar a fome da alma tanto ou mais que a do estômago.
COMO OS MEMBROS PODEM AJUDAR
A
SOCIEDADE
P. Como é que espeïa que os membros da Sociedade Teosófica a ajudem naquilo que ela se propõe fazer? R. Em primeiro lugar, estudando e compreendendo as doutrinas teosóficas de modo a poderem ensiná-las aos outros, especialmente aos jovens. Em segundo lugar, aproveitando
E ainda: <<Nunca dês dinheiro ao pobre, ou comida ao saccrdote, que pede à tua porta, por íntermédio dos teus críados, não vá o teu dinheiro diminuir a sua gratidáo e a tua comicla transformar-se em feb.
todas as oportunidades de falar com os outros e de lhes explicar o que é a Teosofia e aquilo que não é, eliminando equívocos e despertando interesse pelo assunto. Em terceiro lugar, ajudando a divulgar a nossa literatura, comprando livros quando dispõem de meios para isso, emprestando-os e dando-os e convencendo os amigos a fazerem o mesmo. Em quarto lugar, defendendo a Sociedade de calúnias injustas por todos os meios ao seu alcance. Em quinto lugar, e acima de tudo, fazendo da sua vida um exemplo. P. Mas essa literatura que referiu, e cuja divulgação considera tão importante, não me parece ter grancle utilidade prittica no que diz respeito a ajudar a humanidade. Não se pode dizer que isso seja uma forma de pôr a caridade em prática. R. Discordo. Para nós, um bom livro que faça as pessoas pensar, que fortaleça e esclareça os seus espíritos e lhes permita apreender verdades de que elas tinham uma vaga consciência mas que não conseguiam formular, faz um bem real considerável. Quanto àquilo a que chama actos de caridade concretos, que se traduzem em benefícios materiais
178
179
DA
CARIDADE
P.
Como é que os teósofos encaram o dever cristão da
Caridade?
R. De que caridade é que está a falar? Da caridade do pensamento ou da caridade prática no plano físico? P. Estou a falar da caridade prâtica, uma vez que a caridade do pensamento é necessariamente abrangida pela noção de fraternidade universal. R. É preciso agir individualmente e não colectivamente; seguir os preceitos do Budismo do Norte: <<Nunca ponhas comida na boca dos que têm fome pela mão de outro>; <<Nunca deixes que a sombra do teu próximo (um terceiro) se interponha entre ti e o objecto da tua dádivu; <<Nunca dês tempo ao sol para secar uma lágrima antes de a limpares>.
A CHAVE DA
TEOSOFIA
O QUE E Á TEOSOFIA PRÁTICÁ?
para os nossos semelhantes, devemos fazer o que puciermos. O dever do teósofo é, sobretudo, esquecer a sua próprìa personalidade.
O OUE UM TEÓSOFO TEM OBRIGAçÃO DE NÃO
FAZÊR
P. Na Sociedade
Teosofica hâ leis ou cláusulas quc quaisquer proibições para os seus membros'/ estabeleçam R. Muitas, mas não as impomos. Essas normas exprimem o ideal da nossa organizaçáo, mas cleixamos a sua aplicação prática ao critério dos mernbros. IJ precisarnentc por isso que me vejo forçada a salientar a diferença quo existe entre a verdadeira Teosofia e a Sociedade Teosófica, pois esta, apesar de todos os seus esforços e boas intenções" não passa afinal do veículo indigno da primcira. F. Não me poderá dizer que escolhos perigosos shtr esses que surgem no mar alto da 'I-eosofia? R.. Bem lhes pode chamat escolhos, pois já houve rnuitos membros sinceros e bem intencionados da Sociedade Teosófica que encalharam neles com conseqÌ]ências fatais! L' no entanto, às vezes parece que seria cxtremamente fácil evitar determinadas coisas. Vou dar-lhe um exemplo de uma coisa que os teósofos não devern fazer e que conslitui unlrt verdadeiro dever teosófico: Nenhum teósofo deve ficar calado ao tornar conheci mento de acusações ou calúnias contra a Sociedade ou pcssoas inocentes, quer estas sejarn ou não membros cla Sociedade.
P. Mas supondo que essa acusação é verdadeira, tttt que pode ser verdadeira, sem nós sabermos'? R. Nesse caso terá de exigir que lha provem, ouvir' as partes interessadas com irnparcialidade e não se limitar a não contradizer. Não temos qualquer direito de acreditar numa afirmação caluniosa antes de termos provas irreltr táveis quanto à sua exactidão. r80
P. R.
Então o que é que se deve fazer? Accmpaixão, ainclulgência,a caridade e a paciência são virtudes que nos deviarn permitir sempre clesculpar os nossos irrnãos pecadores e não julgar aqueles que erram com demasiada dureza. Um teósofo nunca deve esquecer que muitas falhas se devem a deficiências e fraquezas da natuteza humana. P. Ìrium caso ilesses os teósofos clevem então perdoar completamente?
R. Ern fodos os casos, e isso aplica-se sobretudo à pessoa contra a qual o pecado é cometido. P. hdas o que deverão eles fazer se ao perdoar se arriscam a magoar alguém ou a deixar que outros sejam magoados?
R. Devem fazer o seu dever, aquilo que a sua consciência e natureza superior lhes ditar, mas só depois de ponderarem bem a atitude que devem tomar. A justiça consiste em não fazer mal a nenhum ser vivo, mas a justiça tarnbém manda que nunca deixemos que se faça mal à maioria, ou rnesmo a uma única pessoa inocente, deixando passâr sem censura uma pessoa culpada. P. Quais são as outras coisas que os membros da Sociedade Teosófica não devern fazer? R. Ne-nhum teósofo se deve contentar com uma vida ociosa e frívola que não lhe traz bem nenhum a ele e ainda menos aos outros. Deverá trabalhar pelo bem daqueles que precisam dele se não tiver possibiliclade de lutar pela Humanidade, e esforçar-se desse modo pelo desenvolvimento da causa teosófica. P. Isso exige qÌ.re uma pessoa tenha uma nattreza excepcional e deve ser clifícil para muita gente. R. Nesse caso será melhor que não se tornern membros da Sociedade Teosófica, ern vez de fingirem ser uma coisa que não são. Não pedimos a ninguém que dê mais do que aquilo que pode. qller se trate de dedicação, tempo, trabalho ou clinheiro. I8I
A CHÁVE DA TEOSOFIA
P. E que mais? R. Nenhum membro
activo deverá atribuir demasiada importância ao seu avanço ou conhecimento pessoais em matéria de estudos teosóficos, devendo antes trabalhar o mais que puder pelos outros. Não deverá deixar que sejam os poucos trabalhadores dedicados a suportar todo o peso e responsabilidade da causa teosófica. Os membros devem sentir que é seu dever compartilhar o trabalho comum na medida das suas possibilidades e dar toda a colaboraçãcr que lhes for possível. P. E justo. Que mais há? R. Nenhum teósofo deverá colocar a sua vaidade pessoal, ou os seus sentimentos, acima dos interesses da Sociedade como um todo. Aquele que sacrifica esses interesses ou a reputação doutras pessoas no altar da sua vaidade pessoal, benefício mundano ou orgulho, não deveria continuar a ser membro da Sociedade. Um órgão canceroso é quanto basta para afeçtar todo o corpo. P. É dever dos membros ensinar aos outros e pregaï a Teosofia? R. Sem dúvida. Nenhum membro tem o direito de ficar de braços cruzados sob o pretexto de saber demasiado pouco para poder ensinar, pois há sempre pessoas que sabem ainda menos do que ele. Além disso, só quando uma pessoa começa a temtar ensinar aos outros é que descobre a sua própria ignorância e tenta vencê-la. Mas esta regra é menos importante.
P. R.
Qual é, então, o dever teosófico mais importante? Estar sempre disposto a reconhecer e a confessar os seus próprios defeitos. É preferível pecar por sobrevalorizar os esforços do próximo do que por não se ser capaz de os apreciar. Nunca dizer mal duma pessoa nem caluniar ninguém. Dizer sempre aberta e directamente aquilo que temos contra alguém. Nunca repetir nada que ouçamos dizer contra os outros, nem guardar rancor contra aqueles que nos magoam. 182
O QAE É
A
TEOSOFIA PRÁTICA?
P. Como é que se pode distinguir a maledicência da crítica justa? Não será nosso dever prevenir os nossos amigos e o nosso próximo contra pessoas que sabemos serem companhias perigosas? R.. Se pelo facto de não censurannos alguém corremos o risco de deixar que outros sejam magoados, é sem dúvida nosso dever tentar evitá-lo prevenindo os interessados em particular. Mas nunca devemos espalhar uma acusação feita contra outra pessoa, seja ela verdadeira ou falsa. Se for verdadeira e não afectar senão o pecado,r, deixemo-lo entregue ao seu Karma. Se for falsa, evitaremos desse modo uma injustiça maior. Não devemos, portanto, falar dessas coisas com pessoas a quem não dizem directamente respeito. Mas se a nossa discrição e silêncio puderem magoar ou pôr em perigo outras pessoas, então devo acrescentar: <<Diz a verdade custe o que custarn, e repito as palavras de Annesly: <Aconselha-te com o dever e não corn os acontecimentos.>> Há casos em que uma pessoa tem de dizer: <Mais vale não ser discreto do que deixar de cumprir o dever.>> P. Já que admite haver pelo menos t:anta, senão mais, maledicência, calúnia e questiúnculas na Sociedade Teosôfica do que nas Igrejas Cristãs, para não falar de associações científicas, gostaria que me dissesse que espécie de Fraternidade é essa? R. É, de facto, uma amostra de fraca qualidade neste momento, e, atê que seja cuidadosamente joeirada e reorganizada, a Socieclade Teosófica não serâ- melhor que outras organizações. Mas não esqueça que a natuteza humana é a mesma d,entra e fora da Sociedade. Gs seus membros não são santos; na melhor das hipóteses são pecadores que se esforçam por se aperfeiçoar e que têm muitas possibilidades de cair de novo devido à sua fraqueza. P. Não me parece que esteja numa posição muito invejável. R. Na realidade não estou. Mas não acha que tem de haver algo de muito nobre, muito elevado e muito verda183
A
CITAVE
DA TEOSAFIA
deiro na Sociedade e na sua fìiosofia pa_ra que os seus dirigentes continuem a trabalhar por ela com toclas as suas forças?
XII{ DOS EQUÍVOCOS SOBRE
P.
Devo confessar que tal perseverança me admira, e já perguntei a mirn mesmo por que é que o fariam. R. Pode acreditar clue não ó para nossa satisfaçãcr própria. Para a geração vindoura, o caminho perl. a paz. será um pouco menos espinhoso e um pouco mais largo; todo este sofrimento terá produzido bons resultados e cr auto-sacrifício não terá siclo em vão. Neste momento, o objectivo principai e funclamental da Sociedade ê, lançar nos corações dos homens sementes que a seu tempo germinem e que, em condições mais propícias, conduzam a uma reforma salutar que traga às massc,s uma maior feliciclacle do que aquela que lhes foi clado gozar at6, agora.
18,í
A SOCIEDADE TIIOSOtrICA
TEOSOFÍA E .ASCETISMO
P. Ouvi dizer que as vossas regras exigern que os mernbros sejam vegetarianos, celibatários e ascetas, mas ainda aqui não fez nenhuma afirmação nesse sentido" Importa-se de me dizer qual é exactarnente a posição da Sociedade Teosófica em relação a esse ponto? R. Para lhe dìzer'a verdade, as nossas ïegras não Ía.zem qualquer imposição clesse tipo. A Sociedade Teosófica não só não exige como nem sequer espera que qualquer dns seus membros seja asceta sob que aspecto for, a não ser que considere ascetismo esperar que tentemos ajudar os outros homens e não sejamos egoístas na vida quotìdiana. P. No entanto, o que é certo é que muitos dos vossos rnembros são vegetarianos convictos. Aliás, isso é particularmente frequente entre aqueles que clesempenham funções importantes na Sociedacle. R. Isso é absolutamente natural. Mas parece que scrir melhor expor-lhe os nossos pontos de vista sobre o ascetismo dum modo geral, e depois entencierá a nossa posição em relação ao vegetarianismo, etc. P. Faça favor. R. Como já the disse, muitos daqueles que se tornam vercladeiros estudiosos cla Teosofia e colaboradores activos TB5
A CHAVE DA
TEOSOFTA
da nossa Sociedade desejam fazer algo rnais do que estudar apenas na teoria as verdade$ que ensinamos. Pretendem conhecer a verdade por meio duma experiência pessoal directa e estudar o Ocultismo com o objectivo de alcançar a sabedoria e a força de que necessitam a fim de ajudar os outros duma maneìra eficaz e criteriosa e não cegamente a sabedoria e a força de que necessitam a fim de ajudarem e ao acaso. A primeira coisa que os membros aprendern através do seu estudo é uma noção verdadeira da relação do corpo ou invólucro físico com o homem interior e verdadeiro. A relação e a interacção mútua entre estes dois aspectos da natureza humana são-lhes explicaclas de modo que depressa tomam consciência da superioridade do homem interior relativamente ao inrrólucro exterior ou corpo. P. Estou a perceber. Só consideram necessário o ascetismo moraL É um meio para atingir um fim, sendo esse fim conseguir o perfeito equilíbrio da natureza int'erior d.o homem e alcançar o domínio absoluto sobre o corpo com todas as suas paixões e desejos, não é? R. Exactamente. Mas devemos servir-nos deste meio com inteligência e prudência e não cega e estupidamente; como um atleta que se está a preparar para uma importante competição e não como um agiota que, de tanta forne trmssar, adoece a firn de satisfazer a sua paixão pelo ouro. P. Compreendo agora a sua ideia geral, mas vejarnos como se aplicaria na prática. O que pensa do vegetarianisrno, por exemplo? R. Um grande cientista alemão já demonstrou que, independentemente da rnaneira como for cozinhado, qualquer tecido anirnal conserva certas características acentuadas do animal a que pertenceu, características essas que podem ser reconhecidas. Além disso, pelo sabor, qualquer pessoa sabe que carne está a comer. Nós vamos um pouco mais longe e provamos que, ao ser comida e assimilada peio homem, a carne dos animais lhe transmite fisiologicamente algumas clas características do animal de que proveio. Por T86
DOS EQAÍVOCOS SOBRE
A
SOCIEDADE TEOSÓFICA
outro lado, as ciências ocultas ensinam e demonstram isso mesmo àqueles que as estudam, por meio duma demonstração ocular, fazendolhes ver também que este efeito <inferiorizante ou animalizatte>> sobre o hornem é maior no caso de a carne ingerida provir de animais muito grandes, menor se for proveniente de pássaros, menor ainda se se fialar de peixes ou outros animais de sangue frio e rnínimo se só se coÍner vegetais. P. Parece que o meihor seria não comer absoiutamente nada?
R. Se pudéssemos viver sem comer, assim seria de facto. Mas, tal como as coisas são, é preciso comer para viver e, portanto, aconselhamos os estudiosos verdadeiramente interessados a comerem os alimentos que menos embotem e pesem no seu cérebro e no setr corpo, que menos efeito produzam no aspecto de dificultar e retardar neles o desenvolvimento da intuição e das suas faculdades e poderes interiores. P. Nesse caso não perfilha todos os argumentos que os vegetarianos geralmente invocam? R. Claro que não. Alguns dos seus argì.rmentos são pouco consistentes, baseando-se muitas vezes em premissas absolutamente falsas, o que não impede, no entanto, que muitas das coisas que dizem sejam verdade. Por exemplo, nós pensamos que muitas doenças, e principalmente a grande predisposição para contrair doenças que se está a tornar uma característica tão acentuada do nosso tempo, se devem em grande parte ao facto de se comer caïne. Mas levaria muito tempo discutir aqui detalhadamente os méritos do vegetarianismo, portanto seria melhor mudar de assunto. P. Só mais uma pergunta. O que é que devem fazer os membros da Sociedade Teosófica em relação à sua alimentação no caso de adoecerem? R. Seguir o melhor conselho prático que conseguirem obter, naturalmente. Ainda não entendeu que nós nunca impomos regras rígidas a esse respeito? Veja se consegue 187
Á {:HAVli ilA
T'1L050|:tA
Ìcmbrar-se de que â nossa posição relalivamente a qulestòcs clessa natureza é racianal e nunca {'a.nática. Se por doença
ou por um laábito arreigado um homem não puder pasar sem carne, pois então que a corna. Não é um crime; apeíìas retarclará urn pollco o seu dcsenvolvimento, porque afinal de contas *s acções e funções pura.mente físicas tôm bern menos impcrtância do que acluiio quo !-lm homern pensü e scnle , do quc os rlescjos quc aÌimenta na sua mentc e que ele pcrrnite que se enraízem e clcsenvolvam.
P. Mas, no que toca aos vinhos e outras bebidas alcoólicas, suponho que não aconselha o seu consllmo, pois não? R. Eles são mais prejudicr'ais ao ciesenvolvirnento moral e espirifual do que a carne, pois as bebiclas alcoólicas, sejam
de que tipo forern, têm uma influência directa, marcada e muito perniciosa sobre o estaclo psíquico do hornem. Beber
é
quase tão destrutivo para
o
desenvolvimento dos seus
poderes interiores como consumir regularmente haxixe, ópio e outras drogas semelhantes.
DOS EQUÍVOCOS SOBRE
A
SO{:{EDADE 7'EOSOFí('A
naìguns casos de Ocultismo prático, t'r c:ilsanicnkr ó o úrnicro remédio contra a imoralidade. F. Mas porque não se pode alcançar esse conhecimentcr e esse poder sendo casado? R. Meu caro senhor, não posso entlar em pormenores Íisiológicos consigo mas posso apresentar-Ìhe uma boa razão que, juigo, responderá à sua pergunia e explicará os motivos de ordem morai eÍn que nos baseamos. Poderá um homern servir a dois senhores? Não. Fois nesse caso tambórn não lhe será possível clividir a sua atenção entre o estudo do
Ocultismo e uma mulher. Se o tentar fazer, falhará sein dúvida em arnbas as coisas. Aiém clisso, devo recordal'-lhe que o estndo do Ocultismo prático é clemasiaelo sério e perigoso para que urn homern se entrcgue a ele, a não ser que esteja clisposto a dcdicar-se-lhe inieira"mente e a sacrificar tudo, cctmeçando por si próp;rio, pala atingir o seu fim. Refiro-me, portanto, àqueles que estão deciclidos a trilhar o caminho do disciprúacio que conduz ao objectivo mais elevado.
TEOSOFIA E CASAMENTO
P. -se ou
Consideremos or-rtl a questão. Um homem cleve casar,
ficar solteiro?
POROUE HAVERÁ TANTOS PRECONCEITOS CONTRA A SOCIEDADE TEOSÓFICA?
P.
Depende clo tipo dc homem que for. Se está a falar clum homem que pretenda viver no Ínundo, que, âpesar de ser um Teósofo sincero e um defensor ardente da nossa causa, ainda tenha laços e desejos que o prendem ao mundo, que, em sumâ, não sinta que rompeu pâra sempre com aquilo que os homens chamam vicÌa e que cleseje âpenâs uma única coisa conhecer a verdade c ser capâz de ajudar os outros então não há qualquer tazão para que não se case, -, correr o risco de se quiser .iogar nessa lotaria em que são muito ma.is os bilhefes brancos do que os prérnios. Certamente não nos consiclera erbsnrdos c faliálicos a ponto cìe irmos llïegar contra o casamento. Pelo contrário, excepto
Se a Teosofia é realmente isso que cliz, não r,ejo porque há-de haver tanta má vontade contra ela. R. Que o é, não há dúvida, mas não se esqueça dos muitos e poderosos aclr,'ersários que tivemos clesde que a Sociedade se formou. Corno acabo cle dizer, se o movirnento Teosófico fosse mais uma moda como tantas outras, em última análise tão inofensivas como passageiras, as pessoas limitar-se-iarn a rir-se dele *- como já o fazem hoje aqueles que aincla não compreenderam o seu verdacleiro objectivo e deixálo-iam em paz. Mas não é. A Teosofia ó intrinsecamente o movimento mais sério clo nosso tempo; além disso é uma ameaça parà a maioria das mistificações, pre-
188
t89
R.
A CHAYE DA conceitos
e
TEOSOFIÁ
males sociais ainda hoje
táo enraizados
DOS EQUÍYOCOS SOBRE
na
sociedade.
P. Importa-se de me fornecer mais dados a fim de eu poder responder devidamente quando me fizerem perguntas sobre o assunto? Em suma, conte-me em poucas palavras a história da Sociedade e diga-me porque é que o mundo acredita em todas essas coisas? R. A maioria das pessoas estranhas à Sociedade não sabia nada sobre eia, sobre os seus motivos, obìectivos e convicções. Logo desde o princípio o mundo viu apenas na
A
SOCIEDADE TEOSÓFICA
sófica foi transferida de Nova Iorque para Bombaim, na Índia, e mais tarde para Madras, onde ainda permânece. Quando o primeiro ramo da Sociedade, a Sociedade Teosófica Britânica, foi fundado ern Londres, os Espíritas Ingleses começaram imediatamente a atacar-nos, tal como os Americanos tinham feito e como aconteceu depois com Espíritas Franceses.
P.
Mas corno explica a atitucle hostil clo clero em relação à Sociedade quando, afinal, as doutrinas Teosóficas se opõem ao Materialismo, grande inimigo de todas as
Teosofia certos fenómenos maraviihosos. A Socieclade não tardou a ser considerada como uma associação que tinha a pretensão de possuir poderes <<miraculosos>>. O mundo nunca se apercebeu de que urn dos ensinamentos fundamentais da Sociedade era que não se deve acreditar em milagres nem sequer na possibilidade de eles existirem; que são poucos os membros que possuem poderes parapsíquicos e menos ainda os que se importam com isso. Tal como nunca entendeu que tais fenórnenos nunca se produzern em público mas só entre amigos são como um acessório destinado a dernonstrar directamente que essas coisas se podem pÍrssar sem necessidade de salas escuras, espíritos, médiuns ou dos acessórios habituais. Infelizmente esse equívoco foi muito alimentado e exagerado pelo primeiro livro publicado sobre o assunto, e que aliás deu bastante que falar na Europa - O Mundo OcuJto, da autoria de A. P. Sinnett. P. Por que razã.a e desde quando é que os Espíritas odeiam a Sociedade? R. Desde o primeiro dia da sua existência. Assim que se soube que a Sociedade Teosófica, como organismo, não acredita em comunicações com os espíritos dos mortos e que considera que esses <espíritos> são, na sua maioria, reflexos astrais de personalidades desincarnadas, cascas, etc., os Espíritas começaram a nutrir um ódio violento por ela e sobretudo pelos seus Fundadores. Esse ódio data jâ de 1875 e mantém-se ainda hoje. Em 1879 a sede da Sociedade Teo-
formas de religião nos nossos dias? R. A oposição do clero fundamenta-se no princípio geral de que (quem não é por mim é contra mim>>. Como a Teosofia não defende nenhuma Seita ou Credo em particular, é considerada inimiga de todos, na medida em que prega que toclos eles têm pontos em que estão errados. Na Índia os missionár'ios odiavarn-nos e tentaram esmagar-nos porque o escol da juventude culta indiana e muitos Brâmanes, que eram para eles praticamente inacessíveis. ingressaram na Sociedade. No entanto, alresâr do ódio da classe, dum modo geral, a Sociedade Teosófica conta com muitos elemenios clo clero, inclusivamente com um ou dois bispos, entre os seus membros. P. E o que levou a S. P. R. (*) a tomar posição contra a vossa Sociedade? Quer a S. P. R. quer a Sociedade Teosófica prosseguiam estudos semelhantes em alguns aspectos e vários membros faziam também parte da Sociedade Teo-
190
I9I
sófica.
R. d
princípio as nossas relações com os dirigentes da S. P. R. eram muito amigáveis, mas quando apareceu nc! Christian College Magaline um ataque aos fenómenos parapsíquicos, a S. P. R. achou que se tinha comprometido ao publicar nas suas Actas demasiados fenómenos ocorridos (*) S. P. R. Society for Psychical Research Investigação Parapsicológica.
-
Sociedade de
Á
CFIAVE DA TEOSOFTÁ
DOS MIS?'ËJ?íOS'.4 REINCAR.?,IAçÃO
cofiÌ rnembros da Sociedade Teosófica. Preiendendo apresentar-se como uma atúaridude e um organisrno rigarosumente cíentít'ico, teve de escolher entre manter cssa reputação aíastando-se cla Sociedacle Teosófica e procurando até clesiruí-la, e correr o risco de ser confunciida coln
os
<crédulos> Teósofos e Ëspíritas. Não havia outra saida, outra alternativa e, portanto, renegou-nos. Fara ela era questão cle absoluta necessiclade. Mas, tão empenhados estavam os nossos inimigos ern encontrar urn rnotivo verosímil capaz de explicar
a vida de dedicação e de tral:alho incansável dos dois Funa inexistôncia de qualquer compensação de carácter pecuniário ou de qualquer outro gérrero, que se viralìÌ obrigados para justificar essa dedicação a recorrer à famosa <teoria da espia rÌtssai), que não só é totaÌmente absurda, como profundamente ridícula. Depois do prirneiro impacto provocado por esse ataque, a Sociedacle Teosófica viu os seus membros duplicarern e triplicarem, mas a má ìmpressão que ele produziu ainda hoje subsiste. P. Antes de passarrnos a outro assunto Ialvez seja melhor tentar apurar a ver"dade em relação a este. Alguns escritores têm classificado os vossos ensinarnentos de <<imorais e perniciososil; outLos, alegando que muitas das chamadas <<autoridades> e Orientalistas não encontram nas religiões indianas senão o culto do sexo nas rnais variadas Íormas, acusam-vos cie não ensinar mais do que o culto fálico. Segundo eles, estando tão estreitarnente ligactra ao pensamento oriental, principalrnente ao Indiano, a Teosofia mcderna não se pode libertar dessa mancha. Por vezes chegam até a acusar os Teósofos europeus cle terem ressuscitacio as práticas reìacionaclas corn esse culto. O que tem a dizet sobre isto? R. Já tinha ouvido e lido isso e só tenho a responder que ó a calúnia mais infunclada e falsa jamais ievantada e difundida. <As pessoas estúpidas só podem ter sonhos estúpidos>, diz um provérbio russo. Sinto o saÍrgue ferver ao ouvir essas acusações vis e totalmente desprovidas cle fundamento, bascadas em mer&s inferências. Per.qunte às <tradores e
t92
centenas cle ingieses respeitáveis, hornens e mulheres, que há anos são rnembros da Sociedade Teosófica, se alguma vez lhes ensinaram qualquer preceito imaral ou doutrina perniciosa. A uraneira como os nossos ensinamentos e convicções têm sido constante e intencionalmente desvirtuados é
realmente infame.
P. Mas não pode negar que o elernento fáúica existe efectivamente nas religiões orientais. R. Nem nego; afirmo apenas que isso não prova nada, tal como a suâ presença Íìo Cristianismo, a religião do Ocidente, também nada prova. Se o quiser comprovar leia a obra Os Rosa-Cruz de Hargrave Jenning. No Oriente o simboiismo fálico é, talvez, mais cru por ser mais fiel à natrrreza, ou talvez devesse antes dizer mats ingénuo e sincero do que nc, Ocidente. Mas não é mais licencioso nem sugere ao espírito Oriental as ideias grosseiras que sugere aos Ocidentais, salvo uma ou duas excepções. Mas esse assunto foi pormenorizadamente analisado em A Doutrina Secrcta, obra para que o remeto novamente se pretende mais elementos. Para concluir, quero sublinhar que a verdadeira essência da Teosofia se opõe frontalmente ao culto fálico, e a sua secção oculta ou esotérica ainda mais do que a doutrina exotérica. Não pode haver afirrnação mais falsa do que essa.
t93
XIV OS (MAHATN,4AS>r TEOSOFICOS
SËRÃO (ESPÍRITOS DE LUZD Ol,.! (DEMóNIOS MALDITOST?
P. R.
Quem são afinal aqueles a quem chama <Mestres>? Enr prirneiro lugar sáo homens uívos, que nasceram tal como nós e estão condenados a morrer como qualquer outro mortal. P. Mas o que significa realmente a palavra <Mahatmar>? R. Apenas uma ((grande alma>, grande devido à elevação moral e à rcalização intelectual. Se chamam grande a um soldado bêbado como Alexandre, ilor que razáo náo havemos de chamar <Grandes> àqueles que fizeram bem maiores conquistas no caÍrpo dos segredos da Natureza da que Alexandre jamais fez no campo de batalha? É um termo Indiano e uma palavra muito antiga. P. E porque lhes chamam <Mestres>? R. Chamamos-lhes <<Mestres) porque eles são os nossos instrutores; e porque foi através deles que nos chegaram todas as verdades teosóficas, por mais incorrectamente que alguns as tenham expressado e outros as tenham entendido. São homens de grande sabedoria e que vivem em grande santidade, a quem damos o nome de Iniciados. Não são ascetas, no sentido comum da palavra, embora evidente195
A CHAVE DA TEOSOFTA mente se rnantenhanÌ aíastados da agitação e das lutas do mundo ocidental. P. Mas não acha que esse isolamento é urn egoísrno
da parte
R.
deles?
Onde é que está o egoísmo? As vicissitudes da Socie-
dade Teosófica não são suficientes para the provar que o mundo não está preparado nem para os reconhecer nem para aproveitar os seus ensinarnentos? Só se isolam do Ocidente. Nos seus países andam em público como as outras pessoas.
P.
Mas os Teósofos não lhes atribuem poderes sobre-
naturais?
R. Tal como já disse, não acreditamos erÌì nada sobrenatural. Os poderes que eles possuem devem-sc apenas ao facto de terern clesenvolvido faculdades latentes em todos os homens e mulheres e cuja realidade a ciência oficial começa
a
reconhecer.
P. E verdade
que esses hornens inspírarn alguns dos e que muitas ._ senão todas obras Teosóficas foram ditadas por eles? R.. Algumas foram. Há passagens que foram integral e textualmente ditadas por eles, mâs, na maioria dos casos, limitam-se a inspirar as ideias, deixando a forma literária ao cuidado dos escritores.
vossos escritores
P. Mas isso é miraculoso; é, de facto, um mílagre. Como é que eles o conseguem fazer? R. Meu caro senhor, está a laborar nurn grande erro e será a própria ciência que irá refutar os seus argumentos num futuro próximo. Porque havia de ser urn <<milagre>, como diz? Um milagre implica uma intervenção sobrenatural, quando na verdade nada há acima ou para além da NATUREZA e das suas leis. Quando existe entre duas mentes uma relação de simpatia e os instrumentos através dos quais funcionam estão sintonizados para reagir magnética e electricamente uma à outra, nada impede que haìa transmissão voluntária de pensamentos entre elas, pois como t96
OS <<MAHATMAS>> TEOSOFICOS
a mente não ó cìe naturezzr
ì-angíveÌ para que a distância possa constituir urn obstácuio entre ela e o objecto da sua
contemplação, iìeduz-se qrie a única ciiferença que pode haver entre cÌuas mentes é uma diferença cle ESTAIIO. IVfas, se esta não existir, onde está c milagre de tra:nsmissãa tle 1;ensamt:nto seja a que ctristância for? i). Diga-rne uma ccisa: os Arieptos inspiraram ou ditaïam a muitos 'Ieósolos? R. Felo contrár.io, a muil.o poucos. Essas operações rcquerem conclições especiais. LJrn Adepto da Fraternidade Negra (*) (<Irrnãos cla Sornbra> e Dugpas, como nós lhes chamamos) sem escrúpulos, mas hábil, terá bem menos dificuldades em fazê-io. hião tencjo leis de carácter Espiritual que llie imponham qualquer proibição, um <Íeiticeiro> Dugpa não hesitará em obter controlo sobre qualquer mente e em subrnetê-ia inteiramente ac's seus poderes maiéficcs. Mas os ncssos Mestres recusam-se a fazê-7a. A não ser que caiam na Magia Negra, os tr/Iestres não têm o direito c1e tentar
dcminar completamente o Ego irnortal de qualqueÍ pessoâ c, tr)or isso, só podem agir sobre a natureza física e psíquica cio indivíduo, ern nada afectando, portanto, c livre exercício tla sua vontade. Assim, se não existir uma relação parapsíquica entre uma pessoa e os Mestres baseada numa fé e dedicação absolutas dessa pessoa para corn eìes, estes, ao transmitirem os seus pensamentos, têm grande dificuldade em penetrar o caos nebuloso da esfera daquele cotr quem pretendem comunicar. Mas não me pârece que este seja o lugar indicado para tratar dum assunto desta natureza. Easta dizer que, se esse podel existe, é porque há Inteligêncìas (incarnadas ou não) que o orientam e instrumentos vivos conscientes através clos quais ele é transrnitido e pelos quais é recebido. Mas, no que toca à magia negra,
todaacautelaépouca. (*) O uso da palavra <Negra> não tem qualquer conotação com a cor da pele. * Ed. 19V
A CHÁYE DÁ
TEOSOFIÁ
P. R.
Mas o que entende exactamente por (mìagia negra>? Apenas a abuso dos poderes parapsíquicos ou de qualquer segreda da natureza,. o facto de se utilizarem os poderes Ocultos para fins egoístas e pecaminosos. Na minha opinião, um hipnotizador que, aproveitando-se dos seus pocleres de <<sugestão>r, força um indivíduo a roubar ou maiar ê um mago negro. P. Mas se os Mestres existem porque não se apresentam perante todos os homens e refutam duma vez pata sempre as inúmeras acusações que são feitas a Mme. Blavatskv
eà
Sociedade? Que acusações?
R. P.
Que eles não existem e são uma invenção dela. são fantoches, <Mahatmas de mulheres tagarelas>. Será Que que isso não prejudica a sua reputação? R. Ëm que é que essa acusação a poderá realmente prejudicar? Será que ela ganhou alguma coisa com a sua pretensa existência ou daí retirou lucro ou fama? A minha resposta é que isso só the trouxe insultos, injúrias e calúnias que muito a teriam magoado se não tivesse aprendido há muito a manter-se totalmente indiferente perante tais acusações falsas. Afinal o que é que isso representa? No fundo um elagío qua, se não se tivessem deixado arrastar por um ódio cego, os tolos que a acusam não teriam feito sem pensar duas vezes. Dizer que foi ela que inventou os Mestres equivale a dizer que cleve ter sido ela quem inventou os textos filosóficos divulgados pela literatura Teosófica. Que foi ela a autora das cartas a partir das quais foi escrita a obra Budismo Esotérico, e a única inventora de todos os princípios enunciados em A l)outrina Secreta, muitos dos quais são elos de ligação que a ciência aincla procura e que virão a ser descobertos dentro dos próximos cem anos, facto que o mundo reconheceria se fosse justo. Ao fazerem tais afirmações estão também a reconhecer que ela é muito mais inteligente do que centenas de homens (do que muitos homens muito inteligentes e mesmo um bom número de homens 198
OS <MAHATMAS>> TEOSÓFICOS
de ciência) que acreditam no que ela diz e que, portanto, foram todos ludibriados por ela! Se eles dizem a verdade é porque ela deve ser vários Mahatmas medidos uns nos outros como as caixas chinesas, visto que as chamadas <<cartas dos Mahatmas)) que os seus acusadores lhe atribuem estão escritas em estilos totalmente diferentes. P. Mas, na realidade, esses Mestres existem? R. Nós afirmamos que sim. Muitas pessoas, inclusivamente aÌguns Teósofos e ex-Teósofos, clizem que nunca tiveram qualquer prova da sua existência. A isso Mme.
Blavatsky responde com a seguinte alternativa: se ela os inventou a eles, então foi também ela que inventou a sua filosofia e os conheçimentos práticos que algumas pessoas adquiriram; e nesse caso que importa que existam ou não se ela está aqui e de qualquer modo a su& existência díïicilmente pode ser negada? Se o conhecimento transmitido por ela é intrinsecamente bom e é aceite como tal por muitas pessoas de inteligência superior à média, porque se há-de levantar tamanha polémica em relação ao assunto? A hipótese de ser uma impostora nunca se provou e nunca se poderá provar, ao passo que é certo e inegável que, fosse inventada por quem fosse, a filosofia pregada pelos <Mestres> é uma das mais elevadas e mais benéficas filosofias de sempre, uma vez que tenha sido devidamente entendida. P. Mas se dispõem de homens tão sábios e bons para guiar a Sociedade como explica que se tenham cometido tantos erros? R. Os Mestres nõo guiam a Sociedade nem sequer os Fundadores, e nunca ninguém afirmou que o fizessem: limitam-se a vigiáJa e a protegê-la. Aliás, a melhor prova disso é que nenhum erro foi capazde a abalar e nenhum escândalo no seu seio ou ataque vindo de fora a conseguiu derrubar. Os Mestres olham para o futuro e não para o presente; e cada erro que se comete é uma fonte de experiência para os dias que hão-de vir. Aquele outro <<Mestre> que deu a um homem cinco talentos não lhe disse como havia de 199
A
CI-IAVE
DÁ
TEOSOFIA
os multipìicaï ncni. impechu que o servo icÌiota enterrasse o seu talento na terra. Cacla urn tem de aXcançar a sahecÌaria através da sua experiência e dos seus méritos próprios. ABUSO DE NOMËS E TËRMOS SA.GRADOS
P.
Nesse caso, tuclo aquilo que lenho ouvido clizer,
nomeadamente que rnuitos dos escri'Lores Teosóficos pretendem ter sido inspirados por essec Mestres ou tê-los visto e conversado com eles, é falso? R. Tanto pode ser falso corno nãc. Como ó que posso
Éa
eies quc compete piová-lo. Aiguns, poucos muito pouccs mesüÌc, devo clizer níit'a,rr ilcclera-damente ou esiaverïì -, me aiucinados quanctrc se vanglorialam cle terem sido inspirados, mas outros foram de facto inspirados por grandes Adeptos. Uma árvore conhece-se pelo seus frutos; e tal como todos os Teósofos devem ser julgaclos pelos seus actos e não pelo que escrevem ou dizem, tatnbém Íodas as obras Teosóficas devem ser aceites pelos scr..ls nóritos e não por qualquer pretensão cle autoridacle q.ue possam saber?
reclamar.
P.
Mas scrá que isso se apÌica tambérn aos livros cle Mme. Blavatsky, à Doutrina Secrets, por exemirlo? R. Evidentemente que sim. Ela afirma expressarnente no PREF'ÁCIO que está a divulgar as doutrinas que os Mestres lhe transrnitiram mas não pretende ter sicio inspiracla ao escrever as suas obras mais receni;es. Quanto aos nossos melhores Teósofos, acredito que eles preferem também neste caso não ver os nomes dos Ìt4esires envolvidos, seja de que maneira for, com os nossos livros. Ilá dois Mestres cujos nomes foram já muitc profanados. E clifícil encontrar um médium que não pretenda têJos visto. Toclas essas Socieciades fraudulentas que pare. aí há dizeni âgoriì, para efeitos comerciais, que são guiadas e dirigidas por <<Mestres> que muítas vezes apontarn conlo senclo muito supe-
OS
(A4A H AI'Al ÁS>t 7'|.:OSQ|;ICQS
tiores aos nossos! h'luito e gravementc pecaram aqueles que, quer ievarJos pela ambição ou pela vaidade, quer por uma mediuminidade irresponsável, Íizerarn tal afirmação. L4uitas pessoas foram exploradas por essas Sociedades que clìzem vencler os segredos cio poder, do conhecimento e da verdacle espiritual a troco de simples ouro. E, o que é pior ainrla, os nomes sagrados do Ocultismo e dos seus santos defensores forain enlameadcs, manchados, ao serem associaclos a motivos sórdjdos e a práticas imorais, enquanto que milhares de homens foram ir:rpediclos de alcançar o caÍninho da verdadc e cla 1u;: devido zro elescrédito e à má fama a que essas impostulas, burlas c fraudes deram origem. P. E verclaclc quo os seus nomes são flequentemente citactros hoje em dia inas não rne lernbro de ter ouvido falar de ì\,4estres até trtâ pouco tempo. R. Teln razão. E se tivéssemcs seguido o sábio princípio de guarelar silêncio cm vez ile nos deixarmos arrastar pela notoriedade ao publicarmos tudo o que sabíamos e tínhamos ouvido, nunca teria havido tal profanação. Infeiizmerite fomcs nós, os Teósofos, os primeiros a falar destas coises, a divutrgar a existância dc <Adeptosr> e <Mestres>r no Oriente e o conhecimento Ocullista; e agora o nome pertence ao clomínio público. É sobre nós, agora, que recai o Katrma, ou seja as consequências da profanação dos nomes e coisas sagradas. Tudo o que hoje se cncontla na literatura sobre estes e não se pode cÌizer que seja pouco deve ser atribuído ac impulso dado neste sentido pela Sociedade Teosófir:a e seLìs Fundadores. N{as o que está feito esfá feito e c1e nirìa serve lamentá-lo; resta-nos apenas sofrer as consequências, na esperança cle que â nossa indiscrição tenira ajudactro outros a chegarem mais facilmente aos Mestres, cujos nümes são agora invocados em vão por toda a irarte e que têm servido de cobertura a tantas iniquidades.
201
CONCLUSÃO
O FUTURO DA SOCIEDADE
TÊOSÓFICA
P. R.
Qual é, na sua opinião, o futuro da Teosofia? Se é da Teosofia que fala, a minha resposta é que tal como sempre existiu ciclo após ciclo do Passado, assim existirá também para todo o sempre, porque Teosofia é sinónimo de VERDADE ETERNA. P. Perdão, eu referia-me ao futuro da Sociedade Teosófica.
R. O seu futuro dependerá quase exclusivamente do grau de altruísrno, integridade, dedicação e sobretudo do conhecimento e sabedoria dos seus membros, a quem competirá prosseguir o trabalho e dirigir a Sociedade após a morte dos Fundadores. P. Entendo perfeitamente a importância do altruismo e da dedicação mas não vejo como é que o conhecimento pode ser um factor tão essencial corno as outras qualidades que apontou. Não lhe parece que a literatura existente, à qual estão constantemente a ser âcrescentados novos elementos, deveria basfar? R. Não me estava a referir ao conhecimento técnico da doutrina esotérica, embora ele seja da maior importância; falava antes da grande necessidade que os nossos sucessores 203
A CHÁ1ií] NA TEOSOT;IÁ
OS
<<L,ÍA
ÍI ATA,ÍAS>t TE0SoFICO:;
na diïecção da Sociedade terão de discernir com ciareza e
invariavelmente uma expiosão ou um aumento de espirituali-
imparcialidade. ToCas as experiências do género da Sociedaclc Teosófica têrn lalhado aíé agora pcrque mais tarde ou mais ceclo acabaram por degenerar numa seita e por impor os seus próprios tlogrnas rígick;s, perdenclo assim gradual e imperceptivetrmente a vitaljclade que só a verclade viva podc
dade
transmitir.
P. R. ïrá
ì\4as, se se conseguir el,itar r:sse perigo? Nesse çassl a Sclieclade scbreviverá ao século vinte.
graduatrrnenÍe irnpregnar
e pcnetrar a grancÌc massa
de
seres pensailíes e inteiigentes com a sua visão ampla e nobre
Religião, Dever e Filantropia. Lenta rnas firmemenle, irá quetrranclo os grilhões de creclos e dogmas, cle prr:conceitos sociais e de castas; porá termo acs confiitos e removerá os c1a
obstáculos entre raças
e
nações
e abrirá caminho païa
a
reatrizaçáo prática da Fraternidade entre todos os homens. Graças aos sells ensinamentos, graÇâs à filosofia que tornou
acessível e inteligível para a mente rnoderna, o Ocidente aprenderá a compreender e a admirar o Oriente no seu verdadeiro valor. For outro lado, o desenvolvimento dos poderes e faculdades parapsíquicas prosseguirá normalmente. Serão poupados à humanidade cs terríveis perigos rnentais e físicos que são inevitáveis quando esses poderes e faculdades se manifestam, como se receia que aconteça, nurn amtriente de egoísrno e de paixões negativas. O clesenvolvimento menfal e psíquico do homern realizarse-â em harmonia com a sua evolução moral e as circunstâllcias materiais que o rodeiam reflectirão a pa.z e a boa vontaile fraternal que reinarão na sua mente eÍn vez de reflecfirem a discórclia e a luta que hoje se nos cleparam ent tcda a partc. P. Que lin<lo quadro! hdas espera realmente que tudo isso se realize no curto espaço de um século? R. E difícil. Mas clevo dizer-lhe qì.re. no últirno quarteÌ de cada século, os <<Mestres> e1e que lhe falei tentam con, tribuir para o progresso espiritual da Hurnanidade duma forma notória e concreta. Nos fins cle cada século houve
._ chameJhe misticismo se preferir. Apareceram no mundo, como seus agentes, uma ou mais pessoas e e'lil'ulgou-se, em maior ou menor grau, o conhecimento e ensinamentos ocultos. Se se der a esse trabalho poderá reconstituit' esses movimentos, século após século, descle a época a que i'emotanÌ os docurnentos hitóricos cle que dispornos. P. Mas ccmo é que isso está relacionaclo com o futuro cla Sociedade Teosófica? R. Se a tentativa actual, que a nossa Sociedade representa, tiver mais êxito do que as anteriores, então, quancio chegar o momento de o século vinte se eviclenciar, ela existirá conÌo ruÌ1 organismo vivo, organizada e são. Graças à propagação dos seus ensinamentos, as rnentes e os corações dos
homens terão evcluído positivamente, serão mais puros e, tal como já disse, os seus preconceitos e ilusões dcgmáticas terão sido ultrapassados em certa meclida. Por outro laclo, além c1e haver uma literatura extensa e acessível à clisposiçã-o clos homens, o próximo impulso irá encontrar um grupo nrÌmeroso e unído ile pcssoas dispostas a receber o novo portador do facho da Verdade. Irá encontrar as mentes dos hornens preparadas para a sua mensagem, urna linguagem própria para veicular as verclades que irá anunciar, uma orgnização que esÌlera a sua chegada e que afastará clo seu caminho os obstáculos e dificuldades materiais puramente mecânicos" Imagine o que uma pessoa a quem fosse dada essa oporlunidade poderia fazer. Reflicta sobre tudo isto e depois diga-rne se sou demasiado optimista quando afirrno que se a Sociedade Teosófica sobreviver e for fiel à sua missão, aos seus cliga me impr"rlsos iniciais, durante os próximos celÌì ânüs que â terrir scrá uln céu se vou longe de mais ao cleclarar no século vinte e um, colïìparada com o qlle é agora.
205
ÍNDICE
Introdução à versão parcial
9
l5
Prefácio SECÇÃO r
A
Teasofia e a Sociedade Teosófica:
Significado do nome
Linha de conduta da Sociedade Teosófica
A
Religião-Sabedoria esotérica em todos os tempos Teosofia não é Budismo ...
SECÇÃO
t7
...
19
...
25
II
TeosoÍia Exotërica e Esotéríca: O que a actual Sociedade Teosófica não é ... Teósofos e Membros da Sociedade Teosófica Diferença entre Teosofia e Ocultismo ...
2q 32
36
Diferença entre Teosofia e Espiritismo ... Por que motivo é aceite a Teosofia? SECÇÃO
3t
4l
III
Plano de Acção da Sociedade Teosôfica: Objectivos da Sociedade A origem comum de todos os homens .. Outros obiectivos da Sociedade Teosófica [Da sacralidade e do compromisso ... ... 207
2l
45
46 50 ...1
SECÇÃO IV
Iìeluçiio eníre a Sociedade Teosófica e e Teor;ofia:
I)o auto-aperfeiçoamento Oabstractoeoconcreto
J-ì
Algurnas palavras sobre os Skandhas Da consciência depois da morte e depois do nascimento O que se entende realmente por âniquilação ... ... ... Palavras clefinielas pala exprimir coisas clefinidas ..,
125 127
t32 136
54
SECÇÃO X
SECÇÃO V
l)a
Ensinantent<ts f undamcn.tai.,s da Teosofìa tr)e Deus e da oração
!l neccssúr'io orar? .. A oração clestrói a autoconfiança
59
...
Da origern da alma humana Ensinamentos budistas sotrre os assuntos trataclos nesia secçiì()
66 67
natttreza clo nctsso Princípío pensanlc:
O Mistério do Ego
A natureza complexa de Manas E,sta doutrina é ensinada no Evangelho
139 143 145
segunclo S. Jorir,t
SECÇÃO XI
6q
Dcts mìstérios da Reíncarnaçõo:
SECÇÃO VI Ensínamentos T'e,sóficos ,yobre a Natureza e o ÍIomem: A unidade de Tudo no Todo EvoluÇão e ilusão Da constituição septenária do nosso ptraneta A natureza septenária do homem ... ... .. Diferença entre alma e espírito [Os ensinarnentos gregos
1ì.enascimentos perióclicos
O que é o Karma?
75
...
151 153 157
...
Quem são os que sabem?
''/6
Diferença entre Fé e Conhecimento, ou entre Fé Cega
78
Terá l)eus
BO
e
Fé Racional
159
o direito de perdoar'/
162
8l .ì
SECÇÃO XIT SECÇÃO
VII
I)os vdrios estados após a molte: O homem físico e o homem espiritual I)a recompensa e do castigo efernos e 'Jo Dos vários Princípios do homern ...
O que é a Teosofia prótica?: O dever
Niïu"o...
...
93 98
0
SECÇÃO VIIT
Da Reincarnaçõ,o ou Renascímento: O que é a memória segundo a doutrina teosófica?
..,
...
Forque.não los lembramos das nossas vidas passadas? ... Da Individr-ralidade e da Personalidade ...
l)a
recompensa
e castigo do
Ego
SECÇÃO
que um teósofo tem obrigacão de não fazer
106 111
IX
Dos equívocos sobre
a
175 1',l8
179 180
.
Sociedacle Teosófìca:
.l
IConceitos errados Teosofia e Ascetismo Teosofia e Casamento ... [Teosofia e Educação
È";q;é travera tantoJ pié.ô".Ëitot contra a 'feosófica?
teosóii;
il;
.. ... ...1
Á.ió.iáôao .om finn
Ls""aã"sãõiedade
119
lMembros Trabalhadores da Sociedacle f-eosófica
iucrativos
âüc)
...
185 188
Sociedade
117
de
r67 169
SECÇÃO XTIT
103
r 13
Do Kanw-Loka e do Devachan: Do destino dos Princípios inferiores Motivo por que os teósofos não acreditam no regresso <Espíritos> puros ... 208
Relações da Sociedade Teosófica com as reformas políticas Do auto-sacrifício ... Da Caridade .. . . .] lTeosofia para todos Como os membros podem ajudar a Sociedade
...
I
... ...i
189
As
<<Mahatmas>> Teosófícos:
Serão <Bspíritos de LuzD ou (Demónios malditosD? Abuso de nomes e termos sagrados
... ...
195
200
CONCLUSÃO
O Futuro da
Sociedade Teosófica
2IA
203