Deste Planalto Central - Poetas de Brasília

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Deste Planalto Central

— Poetas de Brasília


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Deste Planalto Central

— Poetas de Brasília Salomão Sousa

Organizador

2008


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@ 2008. Proibida a reprodução. Direitos autorais reservados aos autores. Diagramação: Carlos Alberto


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Sumário

9 23 27 31 35 39 43 47 53 57 61 67 71 75 79 83 87 91 95 99 103 107 111 117 121

Argumentos do Organizador

Afonso Henriques Neto Aglaia Souza Alexandre Marino Alexandre Pilati Álvaro Faleiros Amneres Anderson Braga Horta Angélica Torres Antonio Carlos Osorio Antonio Miranda Astrid Cabral Chico Pôrto Cláudio Murilo Leal Cristina Bastos Eudoro Augusto Ézio Pires Francisco Alvim Francisco Kaq H. Dobal Heitor Humberto de Andrade Hermenegildo Bastos Hugo Mund Junior Joanyr de Oliveira João Bosco Bomfim


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Sumário

125 131 135 139 143 147 151 155 161 165 171 177 181 185 191 195 203 209 213 217 223 229 233 237 241 247 251

João Carlos Taveira José Edson dos Santos Josira Sampaio José Carlos Pereira Peliano José Santiago Naud Julio Cezar Meirelles Lina Tâmega Peixoto Lourdes Teodoro Luiz Martins da Silva Luis Turiba Menezes y Moraes Nelson Carvalho Nilto Maciel Nicolas Behr Otávio Afonso Pedro Tierra (Hamilton Pereira) Reynaldo Jardim Robson Corrêa de Araújo Ronaldo Cagiano Ronaldo Costa Fernandes Salomão Sousa Sylvia Cyntrão TT Catalão Vera Americano Viriato Gaspar Wilson Pereira Xenïa Antunes

255 Referências Biobibliográficas


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Argumentos do Organizador

“Deste Planalto Central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais um vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino.” Juscelino Kubitschek


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Esta coletânea, que abriga expressões da poesia brasiliense — atuantes nesta antevéspera do cinquentenário da Capital —, é item da programação da I Bienal Internacional de Brasília, promovida pela Biblioteca Nacional de Brasília. O organizador acalentava há mais de quinze anos o desejo de agrupar num único volume aqueles poetas que contribuem com têmpera pessoal para a edificação da poesia da sociedade cultural no Planalto Central. O convite da Biblioteca Nacional de Brasília concretiza este desejo. Ainda é cedo para o antevisto amanhã do profético discurso de Juscelino Kubitschek, mas numa velocidade elétrica   com argamassa de sangue e sonho de arquitetos, escritores, músicos…   forja-se com arrojo não só a certeza da centralização de decisões políticas e da abertura de frentes econômicas, mas forja-se também a certeza da necessária irradiação de cultura. Com a nova Capital ficou aberta a possibilidade de melhor miscigenação cultural da população mais a oeste do país. Ao elevar-se como símbolo da modernidade frente a todas as nações, Brasília extinguiu o conceito de província, que causou malefícios a tantos criadores não só em razão do preconceito, mas sobretudo pela ausência de redes de formação e de divulgação. Desse projeto, os poetas brasilienses têm sobressaído em


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antologias estrangeiras e nacionais, à medida que os anos passam, numa representatividade crescente. Basta ver o número deles na Antologia Comentada da Poesia Brasileira no Século 21 (Publifolha, 2006) e na Antologia Comentada de Literatura Brasileira (Vozes, 2006). Por se tratar de sociedade nascente, ainda são raros os poetas brasilienses naturais. Pelo que está coletado neste volume   transcorridos quase 50 anos da inauguração de Brasília  , constata-se que apenas um, numa totalidade de cinqüenta poetas, nasceu na cidade. Portanto, é cedo para a arte de Brasília admitir qualquer tombamento ou cerca limitadora, pois junto com a cidade, ainda está em processo a dinâmica de ampliação dos limites dos próprios recursos humanos e criativos. A condição de estrangeiro dos poetas brasilienses não é desalentadora. Primeiramente, ela corresponde à situação idêntica vivida pelos que atuam em outras instâncias. Assim como a árvore transplantada   conforme comprova a ciência  , os poetas se ajustam a esse solo, dele retiram elementos de sobrevivência e de construção simbólica, e a esse solo transferem características inseminadoras de novas fertilidades, contribuindo para o surgimento de uma vistosa Babilônia da modernidade. Essa troca de fertilidade não é de agora   desde a demarcação do Distrito Federal que se tem registro de poetas no território abrindo clareiras, armazenando metáforas da construção… Com essa troca leal, os poetas dão face à cultura de Brasília, e na história da cidade cinzelam suas efígies pessoais. A presença do corpo diplomático, dos tribunais, das casas legislativas, das universidades   de todo o arcabouço administrativo a exigir presença de homens e mulheres íntimos da interpretação cultural e política   favoreceu o rápido florescimento da literatura em Brasília. Assim, após a arquitetura, a poesia foi o segmento criativo que melhor vem se aclimatando às vastidões do Planalto Central, e se afirma como um dos segmentos da literatura de maior expressão na região. Outros segmentos aparecem


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através de booms temporários, enquanto a poesia se preocupa em encontrar dinâmica evolutiva. Como alternativa para enfrentar o distanciamento do mercado editorial, bem como do incipiente processo crítico   já que Brasília demora a produzir crítica cultural, pois os meios de comunicação aqui se instalam para produzir crítica política   e para demarcar, de forma coesa, a presença na cidade, os poetas brasilienses sempre buscaram se afirmar de forma organizada em entidades culturais e em antologias. A primeira antologia de Joanyr de Oliveira, de 1962, empresta cinco nomes para a presente coletânea. De lá para cá, são dezenas de antologias   consorciadas, temáticas, marginais, poetas agrupados por entidade, por repartição pública, por cidades-satélites… Inútil a construção de argumentos para justificar ausências de poetas nesta coletânea. Ou a abertura das preferências do organizador, pois elas nem sempre irão coincidir com a multiplicidade dos olhares críticos   mesmo quando manifestamente benfazejos. Independente da linguagem de cada autor, esta coletânea busca apreender poetas de todas as fases e grupos de escritores de Brasília, considerando desde aqueles que circulavam aqui entre 1956 e 1958, até os que atuam na Capital no advento de seu cinqüentenário. Seria injusto se não fosse oferecida prioridade, no processo de escolha, aos poetas residentes na cidade, preferencialmente àqueles que entrelaçam suas raízes para maior fixação numa nova territorialidade. Foram raríssimas, mas necessárias ao olhar do organizador, exceções àqueles que, mesmo fora, continuam a emprestar parcerias em ramificações que contribuem para ampliar a vitalidade da cultura brasiliense. Para evitar preterições de justificado questionamento, o material de vários poetas foi recolhido após a busca em fundos abandonos. Foi constatado que


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em Brasília os poetas guardam riquíssimo material inédito, prontos para edição, ou que se encontra em elaboração (há exigência urgente de projeto capaz de trazer à luz a obra que muitos poetas ativos têm produzido, e também o que sabidamente foi deixado inédito por Altino Caixeta de Castro, Esmerino Magalhães Jr., Fernando Mendes Vianna e Otávio Afonso). Alguma aura de invisibilidade   já que é incipiente o processo de avaliação dos escritores de Brasília   pode ter prejudicado a avaliação de algum autor. No entanto, sem o corpo-a-corpo crítico   é oportuno reconhecer   não há a troca entre terra e raízes, ou mesmo sem entrecruzar de genes na boa sementeira. Em que pese toda secura com que é tratado, o poeta não pode se recolher   tem de insistir com a sua fertilidade, trazê-la para a rua. Nem tudo pode acontecer só no antevisto amanhã. É natural que a coletânea não consiga abrigar todos os poetas expressivos que passaram ou que continuam em Brasília. O organizador coletou informações sobre muitos outros autores (basta dizer que de muitas antologias não foi sacado nenhum nome para figurar aqui), que deixam de ser relacionados, pois, a simples menção de seus nomes não repararia a ausência de uns e ainda suscitaria a lembrança de outros — o que sedimenta a certeza da impossibilidade de esgotar a totalidade daqueles que fortalecem a história inicial da literatura de Brasília. Para não diminuir a representatividade dos poetas que se encontram em atividade, a coletânea não contempla aqueles que já faleceram   por si sós, seriam suficientes para volume ainda mais caudaloso. Na primeira fase do levantamento dos nomes que poderiam figurar na coletânea, treze deles chegaram a ser relacionados. Sem necessidade de contratação de consultoria crítica para avaliá-los, acrescentariam mérito a qualquer antologia nacional ou estrangeira   ainda mais a uma regional: Altino Caixeta de Castro, Afonso Félix de Sousa, Antonio Roberval Miketen, Cassiano Nunes, Domingos Carvalho da Silva, Esmerino Magalhães Jr., Fernando Mendes Vianna, Jesus Barros Boquady, José Godoy Garcia, José Hélder de Souza, Yolanda


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Jordão, Marly de Oliveira e Oswaldino Marques. Como faleceram após desencadeado o processo de organização da coletânea, foram mantidas as presenças de Otávio Afonso, que foi o segundo poeta brasileiro “a levar” o Prêmio Casa de Las Américas, pois o primeiro “a trazer” este prêmio para o Brasil foi Pedro Tierra (também aqui presente), e H. Dobal, que, além de poeta aclamado, muita contribuição deixou na esfera administrativa de Brasília. O organizador pretendia que a formação da poesia de Brasília fosse apresentada na ótica de cada participante. Mas, por dificuldade de coletar o material, merecem destaque as justas observações de José Edson dos Santos: A formação do contexto histórico-cultural da práxis poética em Brasília passa certamente pela iniciativa desbravadora de Joanyr de Oliveira de reunir em 1962, na antologia Poetas em Brasília, nomes expressivos como Afonso Félix de Sousa, Alphonsus de Guimaraens Filho, Anderson Braga Horta, Ézio Pires, José Santiago Naud, entre outros. Nos anos setenta, outras manifestações poéticas coletivas como Águas Emendadas, com Francisco Alvim, Carlos Saldanha, Luis Martins, Chico Dias; Em Canto Cerrado, organizada por Salomão Sousa. As edições dos 8, 16, 20 e 27 POrrETAS, reunidas por César Athayde. A revista Grande Circular, a Lira Pau Brasília, com Turiba, Nicolas Behr, Paulo Tovar, Sóter, visitando escolas no início dos anos 80. A Livraria Galilei com os lançamentos e divulgação de livros e antologias que marcaram a iniciação de muitos poetas. A Feira do Livro também teve um papel relevante no surgimento de novos poetas, nas interações dos saraus pelos bares e cafés da cidade. Outras iniciativas e projetos alternativos ficaram no limbo do esquecimento. Trabalhos de mestrado como O Cristal e a Chama (A Linguagem Literária que Traduz o Objeto Brasília), de Maria da Glória Barbosa, e Poesia de Brasília: Duas Tendências, de José Roberto de Almeida Pinto, vêm de certa forma contribuir e resgatar esse espaço de atuação nas áreas da cultura e da poesia desenvolvidas em Brasília.


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Realmente, o estudo de José Roberto de Almeida Pinto — que toma por eixo a Poesia Marginal — merece ser reconhecido como aquele que melhor organiza os primeiros movimentos da poesia de Brasília. Não podem passar despercebidos os livros História da Literatura Brasiliense, de Luiz Carlos Guimarães da Costa, que   apesar da falta de sistematização historiográfica   focaliza alguns escritores de preferência do autor; e Depoimento Literário, Julgamento de Liberdade e Literatura na Criação de Brasília, de Ézio Pires, que reúne artigos e notas do autor sobre os primeiros passos da literatura brasiliense. Somam-se a esses livros os dois volumes de artigos, resenhas e palestras de Anderson Braga Horta. A literatura de Brasília — sem desmerecer esses esforços iniciais — já merece estudo de visão interpretativa e de melhor estrutura historiográfica. Quanto às publicações seriadas   em que pese a existência do Boletim da ANE, das revistas da Academia Brasiliense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Há Vagas e DF Letras  , destaca-se de forma isolada a revista Bric-a-Brac, que inverteu o viés do processo criativo. Contudo, as aproximações com as vanguardas, promovidas pela revista Bric-a-Brac, foram insuficientes para mudanças significativas nos rumos da poesia de Brasília. Para compreender o entendimento pessoal do poeta sobre a vida na Capital, talvez pudesse ser dramatizado o momento da chegada de alguns deles. Poderia, por exemplo, ser relembrada a primeira noite de determinado poeta numa cidade-satélite, quando andou chapinhando nas poças de lama. Para ele, a primeira lua em Brasília estava enlameada. Para muitos, a qualquer momento, a porta podia ser arrebentada pela força da repressão. O poeta, então, não tinha tempo para práxis e processos   tinha de construir com lama e resistência. Há um pequeno poema de Lourdes Teodoro que remete ao período em que a Ditadura fazia (re) percutir dentro dos lares brasileiros o ruído de seu torniquete, chamado “Oração do Mutilado”, que pode ser interpretado como o apagar-se da


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esperança ou ao elevar-se da construção onde antes era o verde: o verde em mim é um remoto ponto escuro. Lembremos também o poema sem título, de Esmerino Magalhães Jr., que foi recitado em diversos momentos de protesto realizados em Brasília: O SARGENTO QUE MATOU GARCIA LORCA está sentado. A mão direita de seu padre todo-poderoso na aldeia acena-lhe da porta da igreja. Corpo ainda modorrento do catre, levanta-se, pensando no que mais importa: à tarde, ao vinho, virá o melhor alcatre. O sargento que matou Garcia Lorca vai à missa domingueira e genuflexo é o herói da aldeia. A legenda nunca morta revive nos serões, nas tascas: três balas no plexo, sem ao menos tremer de leve os dedos, dono e senhor dos seus e outros medos. O sargento que matou Garcia Lorca é um velho forte, alto, e na taverna mais cresce ainda quando o vinho emborca, contando história antiga aos outros da caterva (o moço efeminado, trêmulo, de gelo), quando viril, com seu fuzil e o zelo, matou de vez a consciência porca do sargento que matou Garcia Lorca.

Além de estudar a poesia brasiliense, José Roberto de Almeida Pinto também é poeta expressivo. Publicou apenas um livro de poemas até o momento, mas,


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pela maneira peculiar de sentir e interpretar a cidade, a sua poesia é marcante na evolução da literatura de Brasília:

REMORSO Nesta Brasília, calada nesta sala assexuada Nesta hora desgraçada Eu sou somente remorso. Aço preto na testa, Acre sertão na garganta, Resina de esgoto nos olhos, Eu não sou mais que remorso. Eu não sou mais que a vontade de sair correndo estraçalhar a cara no primeiro poste, o homem que um dia sonhou ser bom, a besta que quer fugir e não pode que quer berrar e não pode que quer, meu Deus, ser perdoado. Nesta véspera de sábado Nesta Brasília silente Há festas, boates, mulheres. Roendo osso, remorso Nesta sala indiferente. Nesta hora desgraçada Há somente o homem em face de si mesmo e náusea O homem finalmente em face de si mesmo O atônito covarde.

José Roberto de Almeida Pinto demonstra neste poema que Brasília não é uma cida-


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de só para glórias, onde só se louva, mas é onde também se vive e se acovarda. A poesia acompanha todos os passos da civilização   tanto em seus momentos de heroísmo quanto de derrocadas. Outras razões ainda favorecem o destaque para o poema de José Roberto de Almeida Pinto. Traz temática que faz lembrar ao indivíduo egocêntrico da pós-modernidade que a humanidade se constrói com laços frágeis, de rigorosa humildade e generosidade. Todo comportamento egocêntrico e de excesso da valorização do “eu” é ausência de poesia. A metáfora de resistência está em repouso na poesia brasileira, inclusive em Brasília. Ainda não são significativos os experimentos na poesia brasiliense, excetuando parte da obra de Altino Caixeta de Castro, Da Nirham Eros (pseudônimo de Antonio Miranda), e Hugo Mund Jr., mas serão favorecidos com o ordenamento dos aspectos político-econômicos da cidade — cabendo, portanto, estudo para levantar as experiências raras com poesia visual ocorridas na Capital. A poesia de resistência se dá quando a vida está ameaçada; e, a poesia de experimentação, quando evolução das estruturas liberam os poetas das preocupações sócio-políticas. À medida que as estruturas de Brasília se completam, os poetas poderão melhor se debruçar em pesquisas das tendências da modernidade “e sair desse imbróglio do poder”, conforme expressa Heitor Humberto de Andrade. Brasília tem de deixar de ser vista como um elemento de malefício ou de redenção nacional para se transformar num organismo que se completa em si mesmo, em seus aspectos políticos, econômicos e culturais. O organismo que se realiza em si mesmo é o que melhor contribui com aqueles que estão fora dele. A Poesia Marginal   o único movimento legítimo da poesia de Brasília   resistia ao momento político e ao conservadorismo ou de experimentos que esvaziavam o discurso poético. Era uma busca de contato corporal com a palavra e com a cidade. Vencido este momento   não há como desconhecer  , os poetas brasilienses ainda se ajustam às incertezas dos segmentos de pós-vanguarda que vive a poesia, procurando aos poucos a eles se integrar.


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É o esforço para criar identidade e definir linguagens que dá excelência à poesia brasiliense. Aos poetas, então, cabe louvar a crescente inserção neste projeto de transformar Brasília num organismo autônomo, e estimulá-los com valorização crítica para que sejam motivados a seguir em busca de novas linguagens, já que a poesia, para não apodrecer, não pode ficar estancada sempre nos mesmos limites.

Brasília, 10 de junho de 2008.


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Poetas de BrasĂ­lia


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Afonso Henriques Neto

Desconhecido

Tudo o que está preso há de um dia se livrar. O poema é sempre mais livre que o próprio ar. Vejam as vozes de madeira encarceradas em manequins sombrios nos fundos de um depósito ou mesmo nas feéricas vitrinas onde a treva manietada cospe iodo. Vejam como essas vozes de madeira se esforçam para se safar para caminhar nos passos de qualquer passante que lá se vai adiante sem nada nada notar. Vejam a enfermeira arrancando da cama lençóis de lodo depois que levaram o corpo para o último banho e o quarto se trancou em escamas obsessivas. Vejam o esforço da aurora para romper esses muros mofados os olhos trancafiados na sombra até o fim dos abismos. Vejam que a própria manhã e seus inflamados leopardos arrasta uma corrente de repetida exaustão por essas chamas e esses ruídos de língua nova ou de latim de asfixiada saudade fúria de ouro a sangrar sem idade. Tudo o que está preso há de um dia se livrar. O poema é sonho mais livre que o próprio sonhar.


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Afonso Henriques Neto A Lua Nova

a lua voava nua na madrugada vermelha mas onde estaria aquela que de tão bela ofuscara do sol a dança amarela? no quarto ora deserto um distante acordeom depunha a melancolia numa poça de néon (quando a lua bebera o sol pela cama em desmazelo risos mordiam o lençol no embebedado novelo) pois onde estaria aquela alma de primavera que no tempo se perdera vaga sombra na janela? gritar gritar que ela venha com seu corpo de centelha a lua voava nua na madrugada vermelha


Afonso Henriques Neto Cósmico

lá está o diamante incrustado no rochedo. civilizações zoam em torno abelhas na colmeia. guerras se desfazem caveira poeira deserto. os amores os ódios os comércios da paixão gerações faíscam à volta do rochedo portentoso inacessível indiferente familiar. homens buscam deus ardem em febre e política nomeiam o coração louco de galáxias. inventam armas possantes como estrelas gangrenadas se esquecem de que carne é água pele é vento olhos mergulhados no fruto. e a montanha enorme grávida mas sem sinais transportando invisível o segredo enorme. onde a placenta do poema dorme lá está o diamante incrustado no rochedo.

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Afonso Henriques Neto r engole o peixe com a espinha e tocarĂĄs a guelra de Deus aprende todas as palavras antes de reduzi-las a Uma ser infinitas palavras nĂŁo precisar de Nenhuma


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Aglaia Souza

MarchĂŠ aux Puces

Eu troco vårias luas pelo sol pelo brilho pelo azul. Permuto muitas noites pelo verde pela tarde pelo dia. Cambio toda a terra pelo ar pelo vento pelo mar. Escambo esta chuva pelo canto pela dança pela praia.


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Aglaia Souza Em Ritmo de Jazz

No momento em que eu fechar a porta, não vai ter correio, não vai ter mensagem, não vai ter espera. Na hora em que eu pular no teu colo, não vai ter frio, não vai ter fome, não vai ter sede. No dia em que eu cair em teus braços, não vai ter telefone, nem televisão, nem geladeira. No instante em que cair a noite, não vai ter pressa, não vai ter sono, não vai ter adeus.


Aglaia Souza Enluarada ou Magia Branca em Noite de Lua Cheia

Sem pedir licença veio ventando abrindo as portas de par em par. Sem nenhum aviso nem mesmo deu tempo de apagar a luz, cortinas cerrar. Agora, o que faço? as cabras fugiram, as aves voaram, o medo a girar. Sem vento, sem chuva, sem sol, sem ribeiro, ficou a pergunta pairando no ar: se não era meu, por que me encantou? A vela derrete, o cristal se rompe. Que maga sou eu? Não sei ler luar.

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Aglaia Souza Cantaria

Estou indo bem mais velha: Maranhão me envelheceu. Suas ruas, suas casas, onde o passado ainda mora, criaram raízes, lianas, azulejaram as paredes, ruíram caibros e tetos, musgos nasceram nos becos. Estou levando comigo Maranhão feito em pedaços. Suas pedras, suas portas, seus licores, suas frutas, camarões, peixes enormes, a fala mansa, sem pressa, os livros (tantos poetas!), seus rios cheirando a mar. Estou indo assim saudosa do tempo do Maranhão.


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Alexandre Marino Os pássaros de Bagdá

Ninguém pensou nos pássaros de Bagdá, desafios canoros que os ditadores ignoram. Ninguém pensou nas formigas entre bombas e tesouros pré-diluvianos ou mesmo nas baratas e sua inocência asquerosa E o que dizem dos peixes do Tigre, seu navegar subversivo, almas a mover as águas? Se os homens são tristes e por isso merecem morrer, lembrem-se das romãs, gordas e vermelhas de zombaria, e dos pistaches em guerra contra o verde depressivo das infantarias Pensem na Babilônia, onde sonha o leão dos ermos sua próxima proeza, remotos generais mortos em combate, velados pelas amendoeiras Vermes, répteis, cada grão de areia do deserto, olhares mortos de susto, reflexo da visão do míssil em vôo espectral crianças afônicas, sentinelas de sonhos secretos, erguem as mãos decepadas e amparam o gesto final.


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Alexandre Marino A Última Visão do Homem do Gelo

Guerreiros inimigos acuaram Ötzi na montanha e o pouparam de incertos futuros e perigos de uma outra humanidade Houve quem rezasse em vão pelo companheiro perdido em espaços sem existência e razão Ötzi não deixou descendência ou registros na pedra a revelar o incorpóreo da história ou sua existência efêmera Mas por uma fenda da pedra, por uma fenda do tempo, Ötzi, etéreo, eternizou-se ao viver para sempre soterrado sob a neve Cinco mil anos depois morreu ao salvar-se do não-tempo sob o olhar de algum mortal que não viverá   ainda que morto   tanto quanto ele   Onde viver essas vidas eternas antes que a ciência inexplique e traga escuridão à luz que o sono lhe revela?


Alexandre Marino No alto do Himalaia? Nos anéis de Saturno? Nos abismos dos abismos Sob mares mais noturnos? Onde poderia, Ötzi, um homem entregar-se ao último cansaço sem que a humanidade lhe desvendasse a identidade na inútil tentativa de despertá-lo?

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Alexandre Marino Contraluz

Para Fernando Mendes Vianna

Lá vai o homem de olhos moucos em busca da última paisagem. Trilhas de sal e dores silenciosas, a névoa mãe de todos os pulsares. Conduz um presságio e uma sentença relíquias plantadas entre desvarios fulgura sobre naufrágios e catedrais e sob rastros esconde a essência de seus caminhos quando se esvai. Brande um sabre e recolhe âncora mascara o norte de sua última errância troca a cegueira pela alocromia   já não tem olhos, apenas substância. Agora elipse, semeia ventanias e relampeja além do negrume. Vai velejar seu latifúndio de palavras, crepitar à contraluz, declamar novos luares, lucilar na escuridão, farol na bruma.


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Alexandre Pilati

Faca

a quem interessar possa declaro: o título deste poema escapou pelos desvãos de meus jovens dedos esclerosados para ler uma estante inteira de teoria da literatura desiludiu-se perdeu a cedilha como quem larga a lente de contato no chão dum WC público soube que nada há que fazer a não ser estripar o coração e os mais difíceis objetos com certas palavras pontiagudas


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Alexandre Pilati Balada

se assusta não, menina nasci durante a guerra fria (toda a poesia já estava escrita em 76) se assusta não, menina violenta é a tevê se assusta não, menina vivo assim mesmo suando frio (pois que me resta apenas colecionar brindes, panfletos e promoções) se assusta não, menina eu não atiro, só babo por uma balada que exploda o mundo se assusta não, menina que eu junto os restos dele e faço retrato colorido pra pôr na minha estante ao lado do seu sorriso


Alexandre Pilati Minha Condicional

se desse olvidava minhas senhas de tarjetas magnéticas se desse descia à natural natureza dessa maçã largada na geladeira murchando vermelha até virar uma chama gelada laranjada de podridão se desse me amassava bem assava meu sangue nos teus ombros a tempo

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Alexandre Pilati de virar terror: uma explos達o no dia 11 de setembro se desse morria sempre em teus olhos cada vez que me visses e me conviesse dizer te amo


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Álvaro Faleiros

r hoje não sairemos tarde automóveis batem no vidro e nas grades do centro dos edifícios difícil será romper o asfalto teremos contudo ainda segundos de elevador onze choros piso a piso o pavor se cai a ligação das redes mas não desanime azulejos não esfriam dentro dos chuveiros


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Álvaro Faleiros

r um primeiro espasmo pelas escamas das águas sei dos sopros nos olhos já sem as dores do mundo devorado dos timbres do medo e posso a luz de um mar sem grades / / no berço le parc / revoada no pulso da lâmina ou no ringue ou no chão enviesado de lentes rindo segredos de jardim / jatos de peixe prata feixes de ameba no metal e digo sempre explosão e contra no fogo e mais a cada hora ainda


Álvaro Faleiros ave eva

ave ave eva nave mãe que me navega nessa indomável cruzada que se faz do nada ao nada onde tudo desfeito se reagrega assim eu satélite ou astro em ti refeito e semeado caminho contigo lado a lado às vezes tímido às vezes vasto ante a luz que emana ou se reflete ave mãe leio em teus lábios um rumo certo para minha era e se teu leite alimenta a terra é porque emanas o gesto sábio de saber-nos todos no mesmo barco por isso o arco da trajetória que desenho hoje livre em asa guarda em si o germe da nossa casa sem que me pese a âncora da história pois mãe és pássaro em minha hora e se agora beijo a tua herança com a boca em fruto e a mão em verso é porque te amo intenso e terno e amo em ti tua eterna esperança que faz mais bela a nossa dança soltos neste espaço que nos cerca

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Álvaro Faleiros hai ku!

se abashô demais um vento no bambuzal frio no lago azul


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Amneres Gaivota

Como uma corça, a poesia me alcança e sopra em mim brisa morna, sereno, centelha, esperança. Como uma puta, a poesia se apossa de mim, carne viva, e me excita e de esperma me ensopa. Como uma rosa, uma mina, uma luz, pedra preciosa, a poesia seduz. Como uma lâmina, a poesia em mim corta, faca afiada me esgarça e me encharca e me aborta. Como enseada de aldeia remota, a poesia gaivota em mim voa e liberta e arrebata. Como uma enchente na veia dos dias, a poesia transborda, torrente, vazão, travessia.


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Amneres Eva

Dentro de mim mora um bicho, aprisionado no corpo, a quem mantenho escondido, sob o jugo de meu dorso e a quem amanso e agrado, quando me enrosca o pescoço, quando grita e ameaça deixar à mostra em meu rosto toda a dor que me traspassa. Dentro de mim, feito traça, esse bicho corrosivo destrói o casco da barca que me carrega os sentidos, deixando a alma à deriva a bordo de uma carcaça.


Amneres Dentro de mim, seus gemidos, como um eco tenebroso, reverberam em meus ouvidos, turvam os olhos de desgosto, lembram os amores perdidos e os abismos tortuosos, feito os badalos de um sino a lamentar os seus mortos. Dentro de mim hĂĄ um fosso onde o verme sobrevive, alimentado dos corpos inertes dos infelizes, como o suplĂ­cio de um corvo a carcomer cicatrizes. Dentro de mim, como ruge essa fera solitĂĄria, como se faz temerĂĄria,

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Amneres inertes dos infelizes, como o suplício de um corvo a carcomer cicatrizes. Dentro de mim ela mora, essa serpente ancestral — substantiva memória do pecado original — contaminando minh’alma, com seu veneno letal, feito de pus e de mágoa, de solidão e de caos.


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Anderson Braga Horta

A Palavra-Coisa Musgo

Hay un poco de música en el musgo.

“Bay Rum”   Poemas Árticos

Vicente Huidobro

A palavra musgo tem algo de música, tem algo de goma. A palavra musgo cintila de luz-sombra. A coisa musgo tem verdes de modéstia, tenacidades do verde. Na coisa musgo nem uma nota se perde. Musgo de pedra, de muro, musgo pedestre, de calçada, musgo teimoso de greta de asfalto. Na palavra-coisa musgo meio oculta palpita a modéstia infinitamente tenaz da vida.


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Anderson Braga Horta Puro

Ser um momento puro de alegria. Alegria sem objeto e sem sujeito. Felicidade de animal obscuro, ignorante do universo, sem teogonia e sem filosofia. Mortal passageiro do eterno.


Anderson Braga Horta Poética

Deixe que a mão escreva. A cabeça está velha, está cansada, cheia de pensamentos gastos e de idéias senis. Não há mais mata atlântica nem floresta amazônica nem sertão bruto. Há estradas asfaltadas, esclerosadas, trabalhadas por preconceitos os mais vis. Deixe que a mão escreva. O coração viciou-se num certo número de emoções e já não está disponível para sentir o novo. Cristalizou-se a melodia. O belo já não flui. O pássaro já não rompe a casca do ovo. Deixe que a mão escreva. A vontade amolece ao peso dos desejos e se desfibra e verga a orgulhosa cerviz. Onde era força, ou a ilusão da força, agora não há mais que informe cicatriz. Deixe que a mão escreva.

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Anderson Braga Horta A Tartaruga

Eu venho donde vem o infinito da Vida, do crespo e ardente oceano em toda parte ondeando, da explosão inefável do que chamais abismo, e é tudo, e é nada, no pulso intemporal de quanto existe e de quanto é oculto. Vivo porque o Mistério impõe que eu viva, e na vaga da Vida  sonho que vou sonhando e que me sonha  eu beijo a mão do Arcano e o lábio do Sigilo, e reflito no olhar, como um memento, o olhar do que é, não sendo. Os olhos tenho abertos para a impressão do nimbo e do relâmpago, da água turva e do ar claro, do céu-mar que se abre e se desdobra à avidez do meu nado, de meu nada. Mas não vêem o tempo além do agora, o segundo futuro, próximo como o que se foi há um átimo, e no entanto remoto como a encoberta eternidade. Vi o homem de gatinhas, na semente animal ainda indiferenciado. Ouvi seus balbucios. Fiz minha mão a mão que fez o arado, que faiscou na pedra um firmamento fugaz de estrelas árdegas. Tomei-lhe da mão trêmula a ensaiar-se divina no primeiro rabisco do primeiro alfabeto,


Anderson Braga Horta na prisca partitura da vindoura vertigem de encontrar-se maior que a imensa origem. Das figuras rupestres das cavernas subi ao zigurate dos sumérios. Cunhei sonhos avoengos nos ladrilhos. Andei Índias e Chinas do Oriente e do Ocidente. Topei do Egito o sacro escaravelho. De tudo em toda parte uma imagem ficou-me gravada na retina que não vedes. Sei do amor e do ódio, sei do hino e do vômito, sei da paz e da guerra, sei do mar e da terra, sei do céu e do éter, sei da carne e do espírito. Muito eu tenho vivido, tanto amado e sofrido e pecado e ascendido. Respeitai-me, se não por vós, grumetes que o Mar aleita ainda, pela Vida que em mim se fez tempo e caminha para fazer-se eternidade. Que novas cores beberei? Que músicas fluirão no meu dorso? Que suaves, que pétreos tatos guardarei no olfato, no paladar, na pele, na retina? Eu continuo. Adiante! Para onde, afinal? Que universo, que abismo

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Anderson Braga Horta espera por meus pĂŠs na curva do infinito? Eu vou para onde ireis: para AlĂŠm, para o Enigma. Eu vou para onde vai o infinito da Vida.


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Angélica Torres

A Manhã

A manhã chega acendendo luzes no quintal. As árvores posam para o quadro digital com seus verdes menta e marrons café, mostarda, magenta e as rosáceas, os ciprestes, os bambus. O Criador ordena o eco em plenitude e o silêncio traz o burburinho das ruas da infância e sua voz melodiosa d’ água sinos bichos versos folhas ventos risos prosas. A vida então se ajeita, livre das dores nas costas dos receios sombrios das insônias teimosas. Ainda que por poucas horas


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Angélica Torres Anoiteceu

Os homens inauguram-se bruscos como monumentos. Toscas palavras de sal. Dormem secas as cascas lacrimais da madrugada desvirginada por galos e cães Em geometria abismal bebem as torrentes do sono aceso. E o sangue foge para um campo arredio e sem lamas, enquanto a Via Láctea espreita o leite latino da transmutação


Angélica Torres Goyaz não há Mais

Cortaram o meu Goyaz ao meio e não me pediram licença. Meu papagaio de infância degolado. Eu não tinha autorizado. Com o Norte, assim de mim apartado perdi o rumo no mapa. Levaram embora minha crença meu estado de nascença o contorno da minh’alma meu Brasil por excelência meu sentimento geográfico meu sentido de existência. Só deixaram o Sul, disforme, e a metade da minha ausência

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Angélica Torres r A morte não me assusta mas a dor que nela aguça aguda, extrema a tortura que provoca Não me apavora o negrume o oco, o avesso o passaporte dantesco ao lado de Caronte e Virgílio que por ventura seja a sorte Todavia o ar exangue ao abate o corte, a gélida navegação do sangue


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Antonio Carlos Osorio

Reinvenção

Resisto ao inimigo feroz que me assedia e me reconstruo em metáforas de sonho. Em bandeiras escarlates continuo a desfraldar minhas manhãs e quando a noite-feiticeira chega mimetizo-me. Teço-me no meu sangue delirante e recosturo as minhas entranhas. Chamo à luta em campo aberto os inimigos da minha carne. Resisto-me, refaço-me, reinvento-me em metáforas de sonho.


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Antonio Carlos Osório Elegia III

O mundo é tão diverso (do meu verso) E já tão enfadonho (está meu sonho) E tudo é desencontro (longo ou pronto) A morte contém penas (sem antenas) E o dia contém diálogos (análogos) A hora em vão espera (uma outra era) O vento é tão disperso (é de perverso?) Já póstuma é a hora (e desamora). O mundo é tão diverso do meu verso que o papel está branco do meu pranto.


Antonio Carlos Osorio Guerreiro de Dor

Guerreiro de dor em lança me faço de pétala e aço. Guerreiro de dor Cavalgo meu pranto nas rédeas do canto. Guerreiro de dor me faço em granito e brado meu grito. Guerreiro de dor na hora tardia moldo minha utopia. Guerreiro de dor meu sangue transmudo em vela e escudo.

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Antonio Carlos Osorio C.T.I. (Ou A Máquina e o Homem)

Pode ser que a máquina engane o morto mas não engana os vivos. Será que os riscos da máquina marcam estrada para algum lugar? Na sua crueldade a máquina cinicamente finge uma vida que não mais existe. Friamente ela continua a desenhar tentando mentir ao morto ou aos vivos? Os caminhos da máquina são diferentes dos caminhos do homem. Os riscos verdoengos parecem galgos em corrida à lebre. O morto cada vez mais branco e cada vez mais morto mas a máquina não cansa. A máquina é surda às súplicas do morto para que pare o jogo. O arquejo final do homem não era mais humano: só um solavanco da máquina.


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Antonio Miranda

Ninguém

para Donaldo Mello

Não há princípio nem fim na eterna diáspora dos astros tresloucados deslocando-se aos confins do universo em expansão. O tempo não existe para as estrelas mas elas fenecem e, de vê-las, fico triste. Sem sombra e destino, também vagarei. Hei de seguir o mesmo curso de ninguém.


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Antonio Miranda En Stonehenge

Para Iracema Marinho

Toda gênese procede da terra.Toda gênese está manchada de impureza e horror. Conde de Keyserling

I Quem ergueu estas pedras votivas num esforço sobre-humano e insano? A que deuses evocava a que forças referenciava a que fenômenos aludia e reverenciava? Quanto pode o homem em sua obstinada recriação — tudo ou nada? E a cultura é sempre contra-natura em sua vã fatuidade? II Quais os limites da materialidade em que vagamos errantes e solertes? Pretensa eternidade nestas pedras inertes…


Antonio Miranda III Nas ruínas pré-históricas (atribuídas aos druidas) dois tempos simultâneos contradizendo-se: eu, perplexo, buscando o nexo entre a fragilidade humana e a vã materialidade daquele monumento. Em que momento voltaremos a ser terra regressaremos à comum mineralidade?

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Antonio Miranda Meu Pai

Meu pai era bonito. E mulherengo. Igual a tantos naquelas terras de homens e de aventurança, de vidas empobrecidas, de marasmo e suor nas virilhas, onde apenas o cemitério segurava aquela gente errante e retirante. A rua acabava no rio e ele, no bar, pelo caminho. Vi, então, meu pai inteiro, desnudo, tomando banho de caneco e me apaixonei por ele — eu tinha meus nove anos e me reconheci no espelho avesso de nossas diferenças. Ele, tão libertino. Eu, introvertido, escrevendo versos. Mas o cigarro abreviou-lhe a vida e as finanças da família, virou fumaça e lágrimas. Levitando como nuvem estacionada, lá está ele segurando uma balança, lembrança dos tempos de garimpo. Diante de deus, de joelhos — noves fora nada. Derradeira sentença, dizia minha mãe desventurada.


Antonio Miranda Mas eu agora tenho os cabelos brancos e espessos que ele me legou mas n茫o aquele olhar possessivo, aquele olhar sentencioso e definitivo que me conquistou como o anti-her贸i.

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Antonio Miranda Asas de Borboletas

Aos pares como asas de borboletas similares debatendo-se e confrontando-se atendo-se a uma simetria crítica inquieta geometria instável repetida frenética insustentável: corpos aos pares asas modulares articuladas. Corpos justapostos mancomunados atados dependentes breves flamejantes. Acasalados leves. Casais como dobradiças treliças partes par es . duas metades no quadrado imaginário: asas


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Astrid Cabral Das Coisas

Algumas são perecíveis. As comestíveis, por exemplo, tão assimiláveis e semelhantes nas urgências e desgastes do corpo tão irmãs no destino decadente mergulham conosco na voragem. Outras são descartáveis e se afastam de nós cada vez mais rejeitadas por nossos gestos rebaixadas a lixo e ainda assim recicláveis com direito pleno à metamorfose e reencarnação. Grande parte das coisas é de assombrosa resistência matéria incólume pelas eras muralhas e pirâmides de pedra, pontes, arcos e torres de ferro, coroas de ouro e diamante. Efêmeros seres em trânsito, devemos conviver com presenças tão duradouras que até diríamos participantes da eternidade. Destas mantemos distância devido às incompatíveis esferas. Abro o guarda-roupa e encontro os casacos com que meu filho enfrentou a neve de Chicago


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Astrid Cabral e caminhou ao sol da Califórnia a camisa de um ido Carnaval. Restos de seu rastro no mundo. Não fosse a vida humana assim breve, impermanente poderia vesti-los a qualquer instante perfeitos, embora pendurados bem mais de uma dezena de anos nos ombros fantasmas dos cabides. Como disse um amigo às vésperas de seu embarque definitivo: o mundo só se acaba pra quem morre. Daí a sobrevivência das coisas. Apesar da aparência precária da mudez e paralisia, resistem. Longo é o circuito de tantas coisas pequenas enquanto o tempo nos destrona derrubando-nos ao rés-do-chão.


Astrid Cabral A Poesia me Pede a Mão

A poesia me pede a mão sussurrando ao pé do ouvido: pega caneta e folha. Tira a roupa que te atrapalha. Joga fora a máscara diária. Vamos ao recôndito reino lá pelas ínvias estradas do soterrado labirinto onde ardem tuas fogueiras e tristes se amoitam sombras. Liberta, vem desbravar matas afundar em rios penetrar grutas e estrelas. Depois contempla o papel: lá estarão em palavras teus infernos e teus céus.

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Astrid Cabral Sorveteria

Dia de verão qualquer no labirinto dos shoppings os homens tomam sorvete. Alguns engolem vorazes receosos de que o mormaço lhes arrebate a porção. Outros, lentos, não acertam com o creme fugaz o ritmo da fome. Morrem na fonte. Poucos os que se deleitam fruindo o açúcar e a neve sem dúvidas sobre a dádiva. Existe quem torça a cara às iguarias servidas imaginando outras raras. E quem enfeite o bocado de caldas extras, perfume de licores, nozes finas. Todos um dia qualquer terão suas taças vazias lábios imóveis, mãos frias.


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Chico Pôrto

postulado

tracei com as garras da solidão vitalícia a dor de todas as ausências amanheci anoiteci os sonhos deduzindo a esperança da madrugada holocausto na combustão do dia caminhos de pedra concretude de nuvens força telúrica das águas serei visionário ou meu porto é a ubícua linha do horizonte?


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Chico P么rto poema ecol贸gico

passarinho por que voc锚 me olha de soslaio eu que sou o dono de tua fome industrial?


Chico Pôrto azulei IX

à luz de velas em adegas por cordilheiras de uvas púrpuras a massa ensina-me o conflito entre o mar e o horizonte à mesa posta meu coração se contamina no tempero de tuas mãos para minha fome peregrina

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Chico Pôrto insônia

o silêncio concreto envolve a noite vou caçar o sono enquanto tua ausência ubícua não me vem acordar de manhã cotovia!


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Cláudio Murilo Leal

Vampiros

Asas de vampiro que morcegais docemente meus negros ais, vós, juntos, os dentes jamais libertaram minh’alma da amargura, o meu coração, a selva escura em que ele vive. Sei que dura pouco sermos, assim, humanos, mas não é com o passar dos anos que se apagam vozes e desenganos. O consolo vem do verso antigo, que me lambe como um cão amigo e parece querer dialogar comigo. Ainda bem há cães e morcegos, uns velam-me os sonhos e os sossegos, outros são inimigos: alados e cegos.


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Cláudio Murilo Leal Angústia

A floresta que na sibéria arde, combustão expontânea, lenta agonia, é o carvão com que escreve kirkegaard a página cotidiana que vangloria a vitória do sol negro, naquela tarde, em que a angústia veio, e ele não sabia. Veio do pó, pé ante pé, sem alarde, e apagou o texto que se imprimia no livro noruego. Os necrológios, últimos remorsos e quimeras, revertem as hastes de vãos relógios, buscando as frias, subterrâneas eras, onde estão guardados os despojos que resistiram ao sortilégio e às feras.


Cláudio Murilo Leal Infinito

Algo que fosse essencial e íntimo, o âmago, o cerne, a medula: o sidéreo campo, imenso e ínfimo. Filósofo que cria e especula o sentir e os saberes, lídimo representante do Gênio e da Azêmola. Uns riem e dançam, acompanham o ritmo do Teatro do Mundo, onde espetacula a trupe de anões, sacristãos e cambonos. Outros lêem Nobre e Anjos, Só e Eu, feitos de ácido amniótico e carbonos. Infinita ascese, recolhido gineceu, mantido com drágeas e sonos, espaço uterino sem o meu e o seu.

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Cláudio Murilo Leal Loucura

O pão que o diabo amassou também se come, nem tudo é hóstia, carne ou peixe; o jejum alegra o faquir sempre que deixe em suas entranhas o frenesi da fome; quando seu corpo se torna um magro feixe de ossos, uma louca vertigem consome o sonho que vem e volta, vai e some, sem que o peripatético quixote se queixe do seu destino de cavaleiro andante. O farnel é parco, a utopia é farta, as visões simbólicas são as de Dante. Na viagem, sem astrolábio ou carta, o que era depois passa a ser antes e o naipe do desvario não se descarta.


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Cristina Bastos

r se o vazio é meu tema não há porque temer falta de assunto há um mundo no vazio que teço sem tantos termos ditos


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Cristina Bastos r Tenho tudo, uma flauta o silêncio esse riso, pela estrada vou dançando pelo meio extremos batem em vigas portas sem saídas pelo meio não busco respiro e vai me achando o que preciso.


Cristina Bastos r Se eu não voltar será porque me lembrei do tanto que já voltei será por estar serena e não precisar mais me dizer a palavra nada me dirá não me direi se eu não voltar serenei.

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Cristina Bastos r No fundo é claro o rio todo o resto é desperdício só o fundo vale o medo do mergulho. Até mesmo o frio, esse que vem e faz tremer é nada, nem o medo suplantado vale nada, nem o orgulho do pulo. Só o fundo só o fundo vale o mergulho.


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Eudoro Augusto

Marítimo

Um ruflar de asas anuncia a aurora. As luzes aos poucos se apagam na casa quase enterrada na areia. Na estreita trilha para o cais conchas e algas e cascas garras de crustáceos duas garrafas vazias um frasco de perfume. Um cavalo-marinho espectro e emblema de si mesmo. O mistério do novo dia começa ali em algum lugar entre o rochedo e o mar. A brisa e seu hálito de maresia. Uma ilha ao longe uma nuvem negra um albatroz. O sabor salgado de um novo dia. Quem sabe uma vida mais amena ou mais veloz. O coração é uma câmara de ecos e os tambores da manhã já estão rufando.


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Eudoro Augusto As Horas

Deixo o relógio em casa e saio procurando as horas. As horas de esplendor e as horas de prazer as horas de serenidade as horas de amor à vida as melhores horas da minha vida perdidas entre o desejo e o medo. As manhãs esplêndidas. um passeio bem cedo pelo mercado e pelo cais na pequena cidade da memória. Os barcos carregados de peixe e aquela brisa cheia de cheiros. Uma saia de seda acenando ao vento como a bandeira mais alta da manhã. Os serenos crepúsculos. Vermelho na costa da Caparica verde em Itaipava dourado no Arpoador azul quase cinza na Ilha de Santa Catarina. Agora Brasília adormece em silêncio sépia e o poeta se move na direção do horizonte. Para longe da cidade proibida com suas horas de néon e seus salões de paixão e êxtase.


Eudoro Augusto Desertos

O café fechou mais cedo. Só restam sinais de vida no cheiro azedo de cerveja que ainda se desprende das mesas e cadeiras empilhadas no fedor de urina nas árvores e canteiros mais próximos. Um bêbado atravessa a rua na diagonal brigando com o silêncio. A puta come o hambúrguer com um sorriso e a buzina solitária lança seu grito agônico na madrugada. E mais nada. Na esquina o cão farejando o lixo duas garrafas quebradas duas sacolas rasgadas um carrinho de bebê abandonado.

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Eudoro Augusto Batalha Naval

Adoro quando vocĂŞ ataca de surpresa afunda meu destroyer e atravessa as linhas de defesa com mĂ­sseis de chocolate amargo.


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Ézio Pires

Vagina da Terra

Antes da descoberta na Bíblia daquela terra sem forma e vazia, o cerrado já existia   De lá Vento Vindo Verde-triste Ainda sopra Fortes cheiros Da vagina da terra Vermelho-punjente!... Vento Vindo Verde-triste Sopra ainda Da praça sem graça E sem flores, Maus odores Dos que arrotam poderes!...


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Ézio Pires Dúvidas

Pelos caminhos perdidos A água está dolorida   Não se sabe se o seu gosto É o de sangue ou da vida (?)   Passo pelas curvas do tempo, Onde o sol entra Nas palavras úmidas de dúvidas   Como ser poeta Ou semeador de utopias Se as dúvidas disso desconfiam?   Como dar voz às palavras Se as dúvidas logo gritam   Cuidado!   Não insista! Seu discurso pode ser fascista Como viver sem as dúvidas E despreocupados Numa ilha chamada Brasília, Cercadas de pontes-piratas por todos os lados??? Ser Candango antigo Não se sabe se é prêmio ou castigo?   Como saber Se é um direito ou um delito, Alimentar dúvidas Sobre tudo neste mundo??? De que adianta Exigirem de mim a verdade,   “somente a verdade!!!” Se perante a justiça cega Dúvidas são certezas da impunidade Se durmo com minhas dúvidas Fico sem saber se durmo Em condomínio ou condemônio?   Seja o dia de sol ou de chuva, A única certeza que tenho é a das dúvidas.


Ézio Pires Quando Fracassam as Palavras

Ainda não sei o que faço Quando fracassam as palavras (?)   Já fracassaram Para me dizer o que foi isso, Que ainda chamam De Tribunal do Santo Ofício(?)   Existem palavras que fracassam úmidas De perfume vindo de nossa terra santa   Faz tempo e faz angústia Que a palavra paz Jaz em pé Na sua solidão sem fé...   Como fracassam Os que ainda palavram Em suas crenças calvas!... Se as palavras Que fracassam Vivem à míngua Protejo a marginal Que é a mais linda Da nossa língua!!! Que bom palavrear Palavras de olhos grisalhos!   Elas não falham!   Nem quando se equilibram Sobre o fio de afiada navalha

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Ézio Pires Para Ouvir o Silêncio

contra o silêncio não luto:   sou poeta em estado bruto ... me nasceram c/poder de morrer ... esta vida me cansa não tenho direito à esperança para entender o prazer ... a poesia e os mortos do amor estou ouvindo o silêncio ...   não insista


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Francisco Alvim

Ordenha

Os dedos flácidos acompanham trôpegos o embate da testa Ordenham esta idéia e mais aquela outra espremem bem a teta Longe o telefone acorda um latido— o bastante afinal para que a córnea escorra sobre a fronha


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Francisco Alvim A Mote de Alguns

Procuro na pasta algum endereço para orientar-me em busca do termo Mais certo talvez olhar da janela na tarde cruenta tribos se devoram Como sofreá-las no impulso hediondo? As leis não coíbem a antropofagia Ora, não me preocupo: só termos pelejam Os poetas se escondem atrás de janelas E não vejo sangue na aragem anêmica (termos se devoram incruentamente) Nesta guerra é certo como em Uccello só se valorizam os gestos mais belos Mesmo porque desertas de homens as janelas nelas só se vêem poetas


Francisco Alvim Greta

Estou vivendo meus grandes dias O Império terá sido mesmo uma fazenda modesta e ordenada mas sem povo Aqui, penteando este caroço de manga sobre o mármore da pia da cozinha, me lembro daquela mangueira ao lado do curral e de suas mangas-rosa Para chegar até lá a gente atravessava antes um pátio de pedras— entre o curral e a casa— em cujas gretas um dia alguém viu desaparecer uma urutu cruzeiro

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Francisco Alvim Obrigação

Não é questão de gostar É de ter de ser

Obrigação

A gente tem é que se acostumar


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Francisco Kaq detetive

dedilho in loco indícios disse-me o desígnio trêmulo seio sinais de vida induzem morte? a olho lupino deduzo o absurdo ela (incerto objeto do crime) mente, meu caro devo enredando-me amá-la? dedá-la? dédalo de indecisões ela: precipício finjo que me abismo


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Francisco Kaq r ruído no oco do cosmos despalavras aladas esvoaçam

o bê-á-bá! babel em casulo do início o signo (e só agora soa)

o bebêuniverso balbucia


Francisco Kaq r pleni lua no cĂŠu sing a song de um chim luni bĂŞbado tu li po a lua per segues ping pong em cĂŠu e lago tchi bum loa sub mersa some lago ond ula

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Francisco Kaq r estran ho ser de outro céu

ta tua me o teu fulgor

tela flaman te se gravo amor

êxt ase tác t i l etc


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H. Dobal

Campo Maior

Ai campos do verde plano todo alagado de carnaúbas. Ai planos dos tabuleiros tão transformados tão de repente num vasto verde num plano campo de flores e de babugem Ai rios breves preparados de noite e nuvem. Ai rios breves amanhecidos na várzea longa, cabeças d’água do Surubim no chão parado dos animais, no chão das vacas e das ovelhas. Ai campos de criar. Fazendas de minha avó onde outrora havia banhos de leite. Ai lendas tramadas pelo inverno. Ai latifúndios.


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H. Dobal Cortina

Uma cortina de cânhamo: entre o poente da planície e o funcionário. No fim do expediente o escriturário descobre o que foram as ss/tardes: o pó da cortina de cânhamo, a poeira dos processos, a secura da cidade. No fim do dia o homem não programado descobre os seus sensores remotos. Lhe dizem: seu tempo foi inútil. Foi um tempo inteiriço como a cantiga do grilo, um tempo não dividido em estações, mais vivido em papel do que na rua. Tudo agora é mais simples: o homem o escriturário descobre a igualdade dos meses.


H. Dobal Factus Est

O que fez o verão também fez esta água parada água de mal viver. Fez o dia de cacto e macambira, o dia de sono e sol sobre a sombra dos pequizeiros. Fez a luz nos olhos das onças pretas. Os bichos bravos pisando macio nas folhas secas. As passadas fundas na areia das trilhas onde os comboios de jumentos levaram suas cargas de carne-seca, farinha e rapadura. O que fez da vida a seiva escondida nos troncos sob o sol. Fez os olhos da pedra que vence os verões. Fez as palhas da carnaúba e as águas cortadas águas mornas água de barro água de cacimba que a sede não refuga. O que parou as águas fez irreal este silêncio dos chapadões. Fez os bichos obstinados de sol e de poeira: as cabras as formigas os cupins o homem sóbrio e os seus dias de mal viver.

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H. Dobal Ruínas

Estas velhas paredes não confessam à brisa sem memória os seus segredos. A pedra construída sobre a pedra, numa estranha argamassa reforçada por suor de escravo e óleo de baleia, como se alguém quisesse levantar, contra o sereno da noite, contra a ferrugem do mar, uma alvenaria libertada de tudo o que a morte corrompe. Mas pouco permanece. Estas paredes vão-se abatendo semi-destruídas pelo puro movimento dos dias. Bate na tarde um vento claro, bate no peito uma lembrança que estas paredes não confessam: A vida. A mágoa sem remédio. O jogo do amor, talvez mais difícil naquele tempo.


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Heitor Humberto de Andrade

A Mário Quintana

Uma borboleta amarela veio me visitar parecia uma flor no ar Seria uma mensagem de amor? Um vaticínio ao acaso? É verdade que fiz um jardim Não tenho corrido atrás de borboletas


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Heitor Humberto de Andrade Curral

A eternidade que nos circunda ĂŠ como um cupim imponente exibindo um marruĂĄ(s) passeando solene no curral.


Heitor Humberto de Andrade Célula

Não importa a origem do homem se veio do zero ou do nada O que importa agora e sempre é o que dele fazer: general para comandar defuntos poeta para empolgar os ânimos cientista para inventar robôs ou músico para invocar Orfeu? Mais do que nunca é preciso salvar o homem Do tédio: desta célula de nomes cabalísticos.

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Heitor Humberto de Andrade Alforge

Onde está o poema? Na Arca de Nóe? Na equação de Einstein? Os intelectuais têm semiótica para concebê-los. Os românticos perambulam pelas estradas e os guardam no alforge recitando Walt Witmann O poema sussurando nos olvidos diz: Companheiro, eu estou em qualquer lugar.


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Hermenegildo Bastos

O Ser e o Nado(a)

A poesia já está pronta fora do poeta como a vida completa O poeta vai e fere a poesia quebra-a, destrata-a mas não a esgota Daí essa coisa gritante que é ter o poeta de fazer novos poemas sempre mas não como o rio dá peixe sim como o peixe na sua prática de rio reinventa o nado


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Hermenegildo Bastos Depois de Drummond

Ontem: “mercadorias espreitam-me” assim solenemente Mas para ser sincero era recíproco   ele também as espreitava talvez mais jocosamente ao infinito Hoje deram o bote já não há margem para espreitar tudo é tediosamente excitante A alma-corpo da mercadoria clone sem máculas ou defeitos, o homem enfim superior colagem de mil pedaços geneticamente selecionados de inúmeros cadáveres de onde se retiram os brilhantes os catarros, ódio e outras imperfeições Sem olhos, as coisas se espreitam


Hermenegildo Bastos Galdino ou A Morte por DiferenteI

I O final precedido pelo descuido: “lesão corporal seguida de morte” Outro final: a morte por cálculo: no corpo estirado na pedra os litros de fogo e álcool Quem folheia o catálogo da morte, e escolhe? A morte por lapso, indiferença a dele, a mais violenta quando o corpo ao calor se encolhe II Os termos são: 1   “O meio cruel”: a cama industrializada com acabamento em chama 2   “O motivo torpe”: o cinema de bairro da agonia 3   “A defesa impossível”: na fuga sem pernas corre a lava Queimado por esporte inteiro morreu Galdino tríplice morte III Pataxó eu também sem bordunas, flechas e outras mágicas martelo as flautas do réquiem:

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Hermenegildo Bastos ora igual, ora impossível como reconhecer um homem se só o ouvimos ao longe? se só o vemos remoto, longínquo como reconhecer um homem? pelas vestes que protegem o corpo? pelo corpo sem mais, em pele, queimado? pelos gritos como palavras? Um homem, como ele é por perto? frente a si mesmo, cara a cara? como reconhecer um homem, sua laia? Indistinto é o homem? Somos todos o tanto? Ou nem tanto, ou só enquanto o olhar fotografa e esquadrinha? IV À míngua, ou por excesso ora igual e por isso distinto ora distinto e então desigual O jaez faz a diferença: um homem não está pra se reconhecer mas quem à dessemelhança se reconhece


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Hugo Mund Junior

Casulo

Cálice, casca ou arca, opaca morada côncava que se guarda oca. Destroço de abrigo, cripta lunar, limite entre escama e pele, casulo hostil onde inseto algum se instala. Agora jaz desocupado neste chão ressequido. Do hóspede que partiu é o que ficou: o fardo.


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Hugo Mund Junior Virtude e Vício

Leva-me agora a um lugar de flores esta véspera de infância desprovida, ferida que cresce em tamanho perseguindo a virtude reclamada. É um pátio de igreja circundado de silêncios tatuados nas janelas, cismas de menino retraído no outono povoado de fantasmas. É um sino disfarçando a friagem do calvário que destila na calçada, a saliva dos lábios neste cálice onde o sangue busca afoito o próprio vício.


Hugo Mund Junior Vênus Tardia

Pérfido, aquece o verão esta chama, extrema euforia sustentada por Vênus, fábula que aflige a carne madura. Derrota o sol a excessiva indulgência do coração afogado na embriaguez que não quer saber do seu outono. Na duração da incógnita, o enjôo do fruto. Este é o lugar da víbora e da pomba, risco de insulto no irrevogável impulso.

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Hugo Mund Junior Um Bar, Um Pomar

Ao branco, azul e rosa, junta-se o verde e o vermelho alerta. Aflora a malícia em cada esquina quando o regozijo almeja a inocência de um vício. Também vivemos saqueando luxúrias na transparência das vestes, seios brancos como lápides de cemitérios de aldeias. Não mais quietude de pomar alheio ao furto, persegue o coração qualquer programa no desconforto da tarde, o triunfo de um bar no mercado onde uma resignada matrona, sem parentesco nenhum com a crise, honra um berço sobre o mar imenso de tantos naufrágios.


Hugo Mund Junior r misterioso impulso ocupa-nos como Anteu a extrair da terra energia e matéria quando maior é a fartura aérea no vazio absoluto nasce o ato puro liberando a alma — impõe-se silêncio ao desgosto — pior é a tristeza enaltece a alegria o domínio da arte nada mais oprime — autor da obra é apenas emanação — não mais a mão

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Hugo Mund Junior Navegação

Tudo é emblema no rumo das águas vivas, tudo é provável aurora, trilhas esparsas. Tal é o empenho: fundar caminhos. O senhor do fogo, o senhor da idéia para a escolha certa. Ela ensina o terreno fértil, o sinal da lunação correta. E estes barcos e estas velas? Celebram paz ou novo tempo de esmagadas flores? Um navegante mensura a vertigem da luz. Limites do mundo: manuseio de bússulas, calma incubação de tormenta na solidez do céu, fresco rumor de porto em cais azul.


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Joanyr de Oliveira

A Cidade da Paz

A cidade brotou de palmas iluminadas, de dedos mágicos, translúcidos. Das luzes de Lúcio e Oscar, do febril sangue de candangos. Ela mantém em eixos e quadras antigas ressonâncias, enraizando-se e a bailar resplendores nos alpendres das nuvens. Sonhos consumados cantam no concreto e no abstrato. Alguns séculos repercutem em nossos ombros e frontes. Viver no coração desta cidade é estender a paz nas próprias artérias. Viver no coração desta cidade é flutuar na singularidade de um mundo.


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Joanyr de Oliveira Serenata pela Sombra do Alferes

Ao Francisco Carvalho

Versos frios como a alma dos montes dedicaste ao amigo. Neles recordavas os modos singulares do Alferes, os punhos das mortalhas, o ouro de lei, augúrios e a alma peripatética a lamber com seu corpo as noites. Embora jamais tenhamos nos visto nem caminhado solidários por Minas, sobre seixos ou a beijar as montanhas, conquanto jamais colhido as vozes dos sinos do Carmo e a matriz do Pilar, nossos cantos soturnos se casaram. O peso das trevas de Ouro Preto lançou bombardeios sobre nós, e a soluçar, um no ombro do outro, somamos Minas e as dores da terra cearense   e todos os heróis fenecidos no fundo do outrora onde passamos.


Joanyr de Oliveira Os Anjos Falazes

Teço anátemas. E abjuro a alma cega da escultura. Renego os anjos falazes de pau oco e mil disfarces. Repudio as criaturas de barro, sem córnea e luz. Recuso os anjos de louça fonte de brilho enganoso. Refugo esses anjos pétreos   peso e aridez da matéria. Repasso os anjos de vento, sem sangue e discernimento. Abjuro os medievos anjos de musgo e de trevas. Permuto-os pelos que habitam o cerne azul do invisível.

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Joanyr de Oliveira Despedida

Novos amigos, não quero. Nem primos, nem descendentes. Amizade requer provas na longa extensão dos dias. Quanto aos netos de meus netos, sequer ouvirão de mim. Quero empedrar-me onde estou, enraizar-me aqui mesmo. Como alcançarei o cerne de outras terras, de outras gentes, se um relógio fatigado em minhas córneas põe fim? Novos compêndios, pra quê? Alfarrábios, muito menos. Virgens metáforas se perdem, no crepúsculo definham. Amigos, filhos, cenários, adeus, para nunca mais.


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João Bosco Bonfim

r E como o triste se tornasse ausente Dei de me imaginar alegre De uma alegria tosca e felpuda Como se saída de uma tristeza dormente E como ainda não bastasse a saudade Da tristeza enraizada em tantos anos Dei de lhe pintar em quadros De cores que se esmaecem com a idade Mas como ainda fosse perene A falta da grande tristeza amiga Dei de ir visitá-la em cantos obscuros Como uma escareação reaviva a ferida Pois só do gozo de tanta dor Pode viver meu amor nesta quadra dorida


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João Bosco Bonfim r Hoje eu quero dizer Um poema que não vem da palavra Uma poema que, antes de tudo, Vem da voz sem palavras Uma voz que é um aboio Um canto, um choro, animal Por isso, tanto sentir Guarda esse poema primal Não é que negue o abrigo Que as palavras-leito me dão É que não vejo mais nelas A de minha vida expressão Perdido que fui pelo engano De tanta razão Meu poema, pois, sem palavras, Só chora e só ri Só voa e cai Só dança e sofre Meu poema, como a folha, Não sabe porque nasceu Nem porque, vento frio Da árvore se desprendeu Entanto nem Maiakóvski nem Quintana O acompanham em sua sina tirana De mal nascer e já morto Não ter rio em que escorrer Livre das palavras que o aprisionam


João Bosco Bonfim Filho Pródigo

Essa faca desfiada Luzente no entredentes Sorriso de quase-corte Torpeza clarividente Entre partida-sem-volta Fio afiado, no prumo Revôlta revólta fina Bússola de que rumo? Ora fere de morte Ora abrigo: demente Esse passo de dança Pega no contra-pé Baião de um sem dois Reza braba sem fé

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João Bosco Bonfim r pour elise meu parque de diversões é triste só o chiste de um carrossel um corcel que gira e insiste persiste a girar sobre o eixo seixo já gasto e sem graxa e graça vê no gemido sentido com um carro de boi sem aboio


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João Carlos Taveira

Navio Fantasma

Brusca, a barca trafega nas trevas da existência. Sem trégua, o timoneiro avança. E, na dormência de músculos e artérias, atinge o magma, o centro do abismo de existir, fora de si e dentro. As velas retorcidas, a que ventos sucumbes, nos vendavais da dor, ao gozo e seus vislumbres? Há tantos sóis e luas na árdua travessia! Melhor não fora o porto que a vida oferecia? A vida não deságua em lisos acalantos? E não floresce a pedra nas águas de seus prantos? Ó velas desfraldadas, de que sonhos se nutrem a ânsia dos navios, a fome dos abutres?


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João Carlos Taveira Poema de Aniversário nº 6

A Omar Kraüss

O tempo com suas gôndolas, abertas lucarnas ao vento, esculpe a pele, a carne, o cerne do ser que em mim se faz e pássaro. Diante do futuro, estou completo: meio peixe meio pássaro neste pouco corpo em que velejo. Porém, sou homem e voz dentro da concha: libertam-me o peixe que inventei na pedra e os mares desesperados que sulquei na terra com minhas penas e escamas de esmeralda.


João Carlos Taveira A Imposição do Poema

Dissimulado, o poema se impõe: aceso o coração, iluminada a rua, o poema dá as caras nas frestas das janelas, põe as manguinhas de fora, cospe no prato e, atrevido, vai realizando, meio tonto, meio sonso, sua esfinge de cal, sua natureza de vento, sua estrutura de nada. Inútil, o poema compõe disfarces: armada a cilada, preparado o bote, o poema primeiro dorme, descansa seu corpo de éter, sua alquimia, ao menor descuido, para depois, ágil e confiante, estabelecer-se inteiro, na superfície rasa, do papel vencido.

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João Carlos Taveira O Argonauta

Ao escritor Affonso Heliodoro

Ó argonauta do sonho, em que estrela te perdeste? em que nave ou nuvem luzem os faróis do Centro-Oeste? Claras minas se avoluman em caudais de gestos rotos, como se fosse no sangue esse rio sem esgotos. Como se fossem de seda esses nós na voz tonal, cujo canto flui da chama anterior, ancestral. Ossos, pedaços de espanto bóiam secos sob o sol do Planalto, feito lâminas, escamas, facas, tersol. Ó marinheiro sem mar, em que mágoas, em que charco erguerás o sonho-porto rente à proa do teu barco?


João Carlos Taveira Testamento

Ao poeta Anderson Braga Horta

Deixa o teu silêncio e o que restar da voz impregnados nos objetos, nas exigências, nas ruas de Brasília, nos versos inconclusos de algum poema. Deixa  e não te queixes  amores unilaterais mas puros para os teus pósteros rivais, nesta congênere aventura. Deixa os teus livros, quadros na parede, os discos de Beethoven, todas as óperas, inclusive Aida: a tua predileta. Deixa o teu amor à música de Mozart, aos filmes de Carlitos, ao corpo de Sophia Loren... Deixa os teus papéis e até a folha branca em que não se fixou a face da palavra necessária.

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João Carlos Taveira Pequena Canção de Despedida

Ao escritor Flávio Kothe

Não deixo nenhum legado para os meus filhos, nenhum motivo de orgulho, nenhuma herança. Desfaz-se junto comigo todo um império de idéias vazias, de sentimentos tortos, de desassossego inútil. Além do horizonte hão de prevalecer, incógnitos, sonhos irrealizados, vontades subterrâneas, anseios vãos. Contemplo o infinito como quem ausculta o som irremediável da própria voz, e sabe que o mistério está próximo do fim.


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José Edson dos Santos

Quatorze de Junho

Fogos de artifícios iluminam a noite nas mídias dos edifícios Acende a vela Ivan na nave dos quarentas quem ostenta barba por fazer demora desmemoriar minas Traça o chocolate inteiro enquanto a cerveja chora Se nunca viste um duende pede alpiste ao Silibrino ele te ensina o hino da insensatez na tez Na idade dos lobos vorazes há necessidade de jugulares tenras Acende a vela e não sopra o vento está a favor


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José Edson dos Santos O Peixe Dourado

Mar abissal subaquático o peixe dourado de Paul Klee ilumina a cor da poesia submersa âmago amarelo brânquias nadadeiras cauda escarlate olho vermelho no azul Luminoso peixe feixes por entre plânctons algas selenitas cartilaginosas nenúfares da penumbra sensitiva peixinhos encarnados fogem do mistério que espreita mundo submarino natatório Domínio da flor do abismo quebranto cor-de-sangue perscrutando grande olho aragem atlântica da fertilidade espanto azul no escuro do mar profundo púrpuro da cor sob peixe laser que brilha Sombra obscura azulina-violácea aquarela aquática watercolor matizando origem da vida respira signos e cores análogas O peixe dourado irradia mistério Klee reinventa marinho estrelas do mar sargaços oceânicos do ser como criaturas da noite das águas onde dorme um azul aceso e inquieto


José Edson dos Santos Felação de Violinista

O calvo toca De Falla com efeitos de sodomia para traduzir sua fala mansa à balzaqueana sestrosa do Guará sendo instrumento varonil como um garboso trombone de vara do seu falo alcoviteiro dolorido

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José Edson dos Santos Sol Bardo

Depois do abacateiro beliscar teu céu conjugação dos elementos siderais do firmamento a estrela do norte riscou o silêncio do verso do avesso Rumor do rio da infância preamar no olhar caboclo louca expiação da indolência engendrando flor de tucumã Teu cheiro de pupunha no cangote engasga a boca de saudade no decote aberto da manhã Tosca vaidade de vampiro tatua signo secreto desmontado no vitral das horas ao resfolegar de um fagote sob sol bardo empapuçado e enfartante


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Josira Sampaio

r Não desejo esse corpo que sei sempre dando e suplicando sóis Corpo espiral de umbigo a outro gastando vida O que eu desejo é o outro Completude perfeita A outra face O lado obscuro Então vou palmilhando como quem lavra flores varas falos botões multiplicante iluminando Perfeito o laço ele é tudo e sou ele quando o tenho


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Josira Sampaio r Lua crescente branca pousada no tapete algodรฃo corpo tendido entre quietude e fragor Ela te aguarda brilhante e dรณcil atenta ao gozo prรณximo desejo contido na espera Lua negra indรณcil perscrutando da metade oculta te enlaรงo por cima inesperada liquefazendo meu gozo no teu ventre Teu olhar se ofusca na brancura e teu prazer mergulha na profundez da outra face a oculta inebriante obscura


Josira Sampaio r Àqueles que se dizem naturalmente irresistíveis sedutores respondo Não me cativa o falo Atraem-me certos pomos dourados verdes ou maduros que exalam certos perfumes de vida Intensamente

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Josira Sampaio r Repousar no lilás dourado de agosto preencher tempo de desejos sem resposta E a faísca? Inútil quarta-feira está chovendo por cima de todos os flamboyants


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José Carlos Pereira Peliano

Teco-tecos

procuro por mim entre os dias da semana e percebo que ainda levo ancorados finais emoldurados de tardes em canções que insistem em me acompanhar barulhos de motores de teco-tecos a esticarem o tamanho azul das manhãs os últimos suspiros de meu pai, esvaindo-se de si e da vida ao meu lado, outras viagens de maria-fumaça em minha cabeça de menino que um dia não parou de inventar cantos que os bem-te-vis nunca desaprenderam mas que ainda descosturam tristezas e a amizade de Marcelo Mastroianni com início nos cinemas Pálace e Central em Juiz de Fora e fim não terminado com sua morte longe de todas as telas


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José Carlos Pereira Peliano Variante

um poema de um segundo é o poema que é o primeiro a ter de chegar ao mundo sem haver nascido inteiro: “vou de vez agarrado aos teus cabelos” um poema mais de metro é o poema derradeiro que não chega e sai de retro sem título e paradeiro: “vou de vez agarrado aos teus cabelos com gosto e cheiro morno de xampu” um poema que tem dor é o poema que tem pulso corre as veias a vapor e faz verso a cada impulso: “vou de vez agarrado aos teus cabelos com gosto e cheiro morno de xampu envolver-me nas ondas e envolvê-los” um poema só e seco é o poema do deserto sem sombra, chegada e eco que estar pode longe ou perto: “vou de vez agarrado aos teus cabelos com gosto e cheiro morno de xampu envolver-me nas ondas e envolvê-los nos cabelos de meu desejo nu”


José Carlos Pereira Peliano Vinde

vinde a galopes de miragem pelo deserto dentro em mim vinde e aterrisse pedaços ao mar seu Boeing sem radar e manetes vinde e chegue em estrondoso vulcão pleno de asfixia e enxames e pedras vinde sem hora para chegar sem tempo para transigir vinde que nem enchentes de rios súbitas, momentosas, definitivas vinde a me derramar a lâmina do mangue de onde eu retire uma poção de temeridade vinde com os condores entrincheirados para que eu aprenda a gravidade do olhar vinde para que eu não me aprume mais mas que saiba que não morri

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José Carlos Pereira Peliano Quilômetros

quilômetros próximos e o desembarque da ansiedade se avizinha um olhar atravessado de faróis segue na estrada as margens da noite quilômetros adiante e o peito não mais ampara o coração um gosto seco de urgência esfaqueado na garganta quilômetros seguintes e as mãos não mais suportam o volante as pernas ensaiam sair do carro e deixá-lo no acostamento da aflição quilômetros mais tarde e o rádio relincha uma música torturante não há mais lugar onde caiba qualquer coisa: uma locomotiva desgovernada corre solta pelas veias


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José Santiago Naud

Cavalo Morto

Morto sua cabeça tão bela outrora insofreável repousando entre vermes. O corpo terso, enorme inominável já colando-se na terra. E a grama vencida a repugnância a ensaiar terna uma cor mais nova. Antes, a utilidade e agora, memória mal exposta signo do tempo constituição confusa velocidade podre. Das patas ágeis restam   persistência patética   os cascos e um resto apenas de cabelos escuros. Sobre   o arcanjo da destruição passa sombrio e enfeixa aquela descomposta figura nos silêncios da espada.


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José Santiago Naud r Na face humana há um mistério, rosa e espinho entrelaçados, trigo no vento ondulando, terra em carne lacerada. Às vezes na face humana a indecisão se reflete, e vem o amor tatalando como bandeiras da noite. Inconclusa geografia, a face humana adivinha, subterrânea, a certeza que nas feições de prepara. E a linha terna da boca, a oblíqua do olhar, a abrupta que no nariz se insinua conduzem suas raízes aos amplos campos da fronte. E a face que, de cuidada, civilizada, a blandícia vai peneirando entre os homens, deixa ver, se observada com os olhos da realidade grudados na poesia, o choque forte das raças, as mãos numa só reunidas e os ecos de um céu mais claro. Ventos mais altos submetem, então, o todo que é o homem à estátua de aura e cabelo. Assim, nas cristas da grama, um raio de sol incide e ouro as fulgura.


José Santiago Naud De Repente no Meio da Rua

Estou de repente no meio da rua e põem-me um fruto na mão, qualquer coisa como romã com casca de laranja mas cuja pele concêntrica ao jeito de espiral a gente mesmo sem faca pode ir cortando. Põem-me na mão um fruto, e o simples ato de doação gratuita, como a incivilidade que acotovela os dias de festa, é a incitação do que devo fazer: chegar ao nó do gomo. Ah, que ilusão tentar a nudez das polpas que recuam, gomos que não são gomos, nem grãos, nem sumos, nem outra coisa qualquer que não seja o imenso vazio todo cheio, a que não se pode nunca pôr fim. E vou pela rua embaraçado neste fruto estranho, sem poder chegar-lhe à essência e sempre cortando no cerne o novelo que enche a matemática do artifício e explode de repente como um figo partindo na boca, negro, ou ventre de menina em grande desejo. Trago o fruto comigo, que me deram enquanto ia pela rua todo compenetrado da condição civil. E agora estou aqui nas pupilas do nada numa vasta charneca em que passa um cavaleiro a cavalo

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José Santiago Naud e um homem de burel vai com a cruz enquanto na torre o sino anuncia e em galhos bem altos balança um tufo de folhas tenras, que homens de branco vêm colher na alva, enquanto outros manejam espadas, musculosos. E tudo é redondo como o fruto, com gosto de nozes que impregnam a esfera de sombra e partem, num ruído seco, a inocência do Natal no fundo da bota. Tenho na mão vazia as cascas do ovo e no meio da gema toda a multidão prostrada em concha de nácar constelada na noite que caiu subitamente enquanto no ar sobe um cheiro de amêndoas e do umbigo formoso da mulher em ouro e vermelho, lentamente, um deus vai se erguendo.


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Julio Cezar Meirelles

Gênesis

Cai a tarde Sombras devolutas borbulham astros e pirilampos A razão aquiesce ao langor de sinos Longe o cão distraído lambe o próprio dorso O dia cumpriu-se; cumpra-se a noite De sortilégios e amoreios, entre arvoredos e eclipses o corpo vencido de fadiga; a alma em vazante a noite vem aos poucos, grávida de auroras Enquanto isso o ente se fecunda no fogo da paixão, beira rio, moita-a-dentro É a sina, o cosmo se refaz em coisa e gente   motim eterno de sedes e clarões na vulva ribeirinha da manhã Logo nasce o dia, faz-se em luz a treva espessa Emerge o ente das entranhas da carne, agora em flor e criatura


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Julio Cezar Meirelles r Teu corpo é pasto de animal no cio Relva insolente de ácidas ternuras xtase que açula o garanhão vadio Eriço crinas para cruzar espáduas Curral de cítaras, sou teu cavalo Teu corpo é rinha, é meu outrora Ponta de esporas nas ancas do desejo Metade escuro, metade incendiado Vulva da noite nas coxas da manhã Acordo a tua aurora, sou teu galo Vulcão de neves, teu corpo é vala escavada em meu semblante Surges das brechas, gretas e falésias por onde a terra chora ao pé do buriti Suspiro em chamas, solto lavas Teu corpo é sino que ressoa insano ao fim da tarde Dobra-se em vales, loas e finados Celebro bronzes em teu ventre alado Torre de gemidos, sou badalo


Julio Cezar Meirelles Partida

Ir-se para dentro, longe e nunca mais Voltar às trevas de origem, à noumenalidade do não ser Refluir ao pó, ao absinto das léguas Partir de si para os abismos da carne Perder a mão do pai na multidão O chapéu que voa pelo convés   ir-se, grudado à pele, trincado nos lábios partir sem chance de ressurreição ou mito Ir-se e partir para dentro e, mato afora, enfurnar-se no escuro das alcovas, degustar intrigas, entre o lábio e o vagido Amar, aquém da criatura proibida Ir-se pelo confim das conchas, mar avesso Vazar pelo horizonte, arribação dos anjos Sonhar e acordar pra dentro, como esfinge e arder no fogo glacial da esperança A partida e chegada pelo avesso Poente, onde a morte amanhece

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Julio Cezar Meirelles Haikai

O sonho brilha esconjuro, do lado De fora, do muro Pichado por dentro de escuro


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Lina Tâmega Peixoto

Motivo X

Quando a casa morava sozinha e bandos de mansa alegria andavam pela tarde, a menina moía a floresta nos grãos de mostarda, colhia o musgo macio do mormaço punha a chuva na moringa e descalçava o coração. Assoprava as luzes do quarto e os frutos de louça na tigela endureciam a noite. Lia em voz alta o livro para que o corpo das palavras lhe desse forma de moça. Ao romper as vigílias da fala cantava a carnadura da alma.


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Lina Tâmega Peixoto Círculo

No redemoinho do braço o giz branco prende o contorno do mundo. Mas deixa cego o seu bojo. Colado no espaço fica o verde algemado. Que mão descose o que está por fora do limite desta auréola para ser perfeito este arco? Que nome contempla o malvo corpo em circunflexa imagem para ser dupla a sua metade? Que raios explodem este delicado cogumelo em tão diversos atalhos? Da área lavrada do círculo uma rosácea figura se solta.


Lina Tâmega Peixoto Carta de Cataguases

Nada afasta o atordoado e leso dia em que senti se apagarem as margens do mundo onde cavas as águas do sonho. Nada redime as formas de amor e feições de encantamento, transcritas por muitos anos em teu amargo e doce silêncio. Eu estava lá e não soube arrancar de teus ombros o manto de montanhas que tolhia tua esperança, graça e brilho com que reordenavas as coisas da natural existência. Agora, em penitência e dádiva, desejo tua morte diferente atenta à glória e levantada do pranto buscando-te para um passeio em tua casa. Aflora o coração nos vasos de antúrios e orquídeas concebidas como lanternas de jardim e toma posse do que está aquecido sob o chão duro do quintal. Estás tão próxima, submersa no poço da insônia, que louvo tua miragem e a cerco de filhos que acariciam teu cabelo e o enrolam como botões de rosa. Vejo-te sentada na cadeira da varanda espalhando no colo meadas de cores e conduzindo com a mão o rebanho de linhas para cintilar na toalha de Natal. Peço que lembres do que construí camuflada no caos da infância. Enclausurada nas palavras deixei-as emendadas na garganta e fiapos de voz, canto crepuscular, ficaram à deriva das constelações do medo.

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Lina Tâmega Peixoto Deposito em teus ossos   reino de herança ao abrigo da terra   o óleo suave e espesso da lembrança que ultrapassa a viagem circunscrita a nascimentos e mortes. E recorto na envelhecida porta da memória as festas de aniversário, a de borboletas de papel, pregadas nas árvores, que apanhávamos com redes de filó e a dos balões crepitando com iscas de fogo na negrura do céu. Os rumores de outrora renovam, como armadilhas do sol, a compassiva alegria no teu rosto. Amarguro a perda dos signos do passado que, indistinto, reconstruo com visitas à tua cidade e com linguagens de lastro e palha que contam à tua gente como salvar-me da solidão. Não me inclinei sobre tua imagem insulada no tempo para juntas deitarmos sobre a pedra,   adamantina pedra da pele e das fraturas do corpo   que se aquieta em mim a luz frouxa da meia lua desfazendo as dobras de nossa história. Procuro falas da tua vida na seiva solar que escreve teu infindo repouso que arremesso às imprecisas raízes maternas. Tanto mistério me consola e de tal modo ordena o emaranhado da alma que não percebo que lateja nos olhos a mansa demência de tua morte, mãe.


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Lourdes Teodoro

o besouro

em algum canto iluminado repousa o besouro verde: zune, grunhe, viravolteia e sob o sol, o verde se azula tremulando cores fugidias, apenas captadas já se mudam ao som do besouro azul que fora duas asas verdes. seu dorso é pedra de anel, as patas, seda macia, ao olhar que o seduz é seduzido que se mostra, ensaia vôos, retorna, se aquieta, adormece engraçadinho. o sol insiste em exibi-lo mesmo quieto, mesmo imóvel, revoa cá nos meus olhos o dorso verde do besouro azul


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Lourdes Teodoro Haikai

Na ponte de pedra Ao brilho da íris Dança luminoso arco-íris


Lourdes Teodoro BrasĂ­lia

o cerrado o cimento armado o verde o concreto o homem sem teto.

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Lourdes Teodoro praça 21 de abril

foi dado o ar o vento e todo o espaço em flores mas vieram os soldados. do menino, ficou o sorriso e as cores da bola bem nítidas nos meus olhos.


Lourdes Teodoro à sombra dos embondeiros do recife VI carta sem destinatário.

não sou trezentos, tampouco tenho em mim todos os sonhos do mundo; custa-me ajeitar os ombros, com todo esse peso das mãos de uma criança, querendo eternamente ser em mim. dancei na praça: os meninos de rua soltaram o corpo comigo, súbito, sem loló ou crack, viraram folha, docemente ao vento!

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Lourdes Teodoro A Transparência da Esfera

esse monstro diáfano sobrevoando as águas nesse mar acabrunhado e roto e de cabelos brancos, há milênios o esperamos em vão e esperançosamente. virá talvez cheio de exóticos e tóxicos perfumes vestir de alegria bêbada nossa impaciência envelhecida. virá talvez com milhares de balões coloridos e infindáveis bolhas de sabão a sobrevoá-lo, e pierrôs delicados e pálidos tocando flautas doces mimando graças leves, seu único olho, verde no vértice da fronte, virá o barco pleno de mãos cheias das essencialidades dos tesouros e renascerão exilados sem caminho renascerão os exílios dos já mortos e habitaremos esse espaço largo feito de irrealidades transparentes redimidos da espera e do vivido.


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Luiz Martins da Silva

Tempo Vegetal

Árvores existem que são relógios, não são árvores. Flores são cronômetros, copas, mostruários. Marcam assim o tempo, a vida em frações, dividem a nossa existência em exatas estações. Despem-se, vestem-se, escolhem novas roupagens; umas engordam, outras emagrecem, mudam o manequim; estilistas, passarelas, desfiles, lançamentos de ramagens. Outras ainda se enchem de frutos num torneio de abundância; são por demais generosas, tanto faz, para você ou para mim; Entregam-se com fartura, doçura, formosura e elegância. Se é outono, são bromélias, camélias, azaléias, dálias; se é inverno, quaresmeiras, ipês (roxos, brancos, amarelos), jasmins; se é primavera, cajueiros, jenipapos, laranjas, mangueiras, amoras; se é verão, fogo ardente, flamboyants, radiantes, carmins.


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Luiz Martins da Silva A uma Velha Caneta

Caneta, sigamos pelo mundo, escrevendo versos, pois, filhos, agora já os tenho e, muitos, ainda os queria, mas… Agora, rimas e trovas, portanto, guarda ainda para mim um pouquinho da tua tinta, para falarmos de orvalhos e cantos. Passarinhos e auroras agradecem, todas as manhãs, pelos aromas de café e perfumes de maçãs. Portanto, velha caneta, nem mais tinteiros existem! Mas persiste ainda o teu tempo, jamais se aposenta a escrita. Escreve para mim, hoje, velha caneta, uma ode, guia-me pelo branco com as tuas linhas, dá-me aquele impecável verso de marfim.


Luiz Martins da Silva A uma Libélula

Encontraste a meio caminho do universo uma vidraça, pouso certamente inconsútil e diáfano, tão volátil era o teu corpanzil. Que Artista te nacarou, fina iluminura em acetato, madrepérola e furta-cores! Por pouco não fazias do etéreo a tua natural e eterna lápide. Eras quase o puro ar, mas é verdade, tinhas lá um corpo, sobre impressão de películas. De que estribilho te soltaste ao vento? Que frenesi te estabanou tão de repente para o além de todo e qualquer limite? Rendo-te humilde homenagem póstuma, minúsculo funeral, exéquias semânticas. É o tanto que posso, em nome dos vidreiros um pedido de desculpas: embalsamar-te em múmia literária

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Luiz Martins da Silva

Paisagens Emprestadas

Por algum desígnio insondável quis o Criador ver o mundo pelos meus olhos. E é dessa forma que testemunho a sua obra, com deleite, mas com o temor, De que, a qualquer hora, desligue-se a câmera e tudo se me escureça. Ah! Por que me fizestes ao mesmo tempo vosso vidente e vossa vinha? Por que, a qualquer momento, terás de me recolher como simples dente-de-leão ao vento? Guardarás para mim o silêncio das coisas finitas, ou me glorificarás ainda mais, com a visão do Nirvana? Com estes olhos que já não sei se são meus ou se são Teus, vi a mulher amada, os campos floridos e o oceano. Vi os meus irmãos me estendendo as mãos e eu não lhes ater senão com humildes palavras. Vejo, agora, neste momento, o dom das letras, ah! Obrigado, Senhor, por este código secreto. Haverão de me entender, ou, quem sabe, antever, como antevejo, neste momento, a cena, a se fechar o pano? Dai-me, Senhor dos mundos, neste último fotograma, a simples visão da pura flor que se eleva desde a plácida lama.


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Luiz Turiba

Bico da Torre

A sombra do bico da torre na terra Faz o ponteiro Que marca o momento exato E o destino da gente se amar São flocos de nuvens que pairam No céu de Brasília Dão na vista textura arquitetura Obra de artista São blocos caiados de branco Manchados de chuva e de luz Necessidade nesta cidade De acesso é o que conduz Me induzo a ficar a pensar Que sou o céu E o bico da torre é antena Que marca o momento apenas


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Luiz Turiba

Ábsono

sambo espalhafatosamente para dentro como quem não quer nada sambo parado no espaço do meu corpo com minhas vísceras meus testículos meus intestinos minhas moléculas minha cartilagens sambo assim meio moleque meio bobagem com minhas células em permanente renovação rumo à morte meus glóbulos brancos vermelhos desbotados meus neurônios minha aura vital minhas correntes sanguíneas no trânsito intenso e interno de veias e vácuos sambo com meus buracos descalço nu como nasci meio preso meio solto ábsono & absorto quase com sono sambo meio grogue minha apoteose é iogue de mãos no bolso


Luiz Turiba MorrerViver

quando morri, nasci da bolha d‘água onde vivia berrei o sopro de um fim com a terrível luz do dia um dia fui feto e morri bebi líquido amniótico fui anjo da própria mãe acalmando-a das neuroses mundo rodando e eu ali borbulho de um rei vítreo quente o feto faz do giro seu último e futuro filho quem nasce é porque morre do aquático mundo velho a dor é gélida na passagem água é morna o ar é melhor tempo feito sem memória o afeto é mais que células das sensações nasce a mãe o feto apenas morre delas

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Luiz Turiba Língua à Brasileira

Ó órgão vernacular alongado Hábil áspero ponteado Móvel nobel ágil tátil Amálgama lusa malvada Degusta deglute deflora Mas qual fora antropofágica Salva a pátria mal amada Língua-de-trapo língua solta Língua ferino língua douta Língua cheia de saliva Sarava língua-de-fogo e fósforo Viva & declinativa Língua fônica apócrifa Lusófona & arcaica Crioula iorubáica Língua-de-sogra língua provecta Língua morta & ressurecta Língua tonal viperina Palmo de neolatina Poema em linha reta Lusíadas no fim do túnel Caetano não fica mudo Nem “Seu” Manoel lá da esquina Por ti Guesa Errante, afro-gueixa O mar se abre o sol se deita Por Mários de Sagarana Por magos de Saramago Viva os lábios! Viva os livros! Dos Rosas Campos & Netos Os léxicos, Andrades, os êxtases


Luiz Turiba Toda a síntese da sintaxe Dos erros milionários Desses malandros otários Descartáveis, de gorjetas Língua afiada a Machado Afinal, cabeça afeita Desafinada índia-preta Por cruzas mil linguajeiras A coisa mais língua que existe É o beijo da impureza Desta língua que adeja Toda a brisa brasileira Por mim, Tupi, Por tu Guesa

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Luiz Turiba r Ou a gente se Raoni Ou a gente se Sting


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Menezes y Moraes

Lavras do Dilúvio

O canto é a boca e o pão no seu encontro Não te iludas amor a barata voa A saída da sarjeta pode ser a porta do pós-tudo O pão é o homem no seu canto E a vida é jazinho amor Não desperdiçar lero nem delícias É só o tempo de dizer foi legal Não vi nada já vi tudo Embarco nas primeiras lavras do dilúvio


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Menezes y Moraes Ser

Só existe o que não foi criado O ser é a eternidade agora


Menezes y Moraes Oferenda (Sol-Estrela)

Trago-te esta estrela da tarde colhida no azul do mais puro céu E a certeza da vida que se faz sentida com a argila das mãos e o barro dos pés O sonho concretizado Trago-te ainda os metais desses pássaros de ofício nos tons jorrantes de suas cachoeiras e a ternura dessa tarde que escorre macia entre o cio da paz e o pôr-do-sol dos teus cabelos

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Menezes y Moraes Discurso dos Peixes (Extermínio das Águas)

Os novos velhos ídolos já não dizem nada com suas orelhas furadas com suas orelhas lacradas com seus discursos des/codificados e seus velhos novos papos cooptados Os novos velhos ídolos estão cansados Afinal ser ídolo dá muitrabalho Suor pra inventar novos modismos verbos novos conjugados na mulplicação de bens e suas retarguadas E assim os novos velhos ídolos dizem tudo Tudo tudo tudo Por exemplo o impassecular de falar ou ficar mudo Ou o discurso da paixão que se cumpriu na faixa dor-de-corno da canção que berra o rádio nesses tempos de chantagem atômica de césio 137 e transição por força do acaso O poeta escreve fogo e água contra o século da poeiratômica E os novos velhos ídolos já não dizem nada com suas orelhas furadas com suas orelhas lacradas Apenas a certeza vertical da estrada as penas do pavão cansado no espelho horizontal de uma paixão Igual àquele amor que não deu certo segundo os informes da canção que está por cima nas paradas de sucesso


Menezes y Moraes Os novos velhos ídolos choram comovidos no preto e branco da TV Pra você vê minha flor está caríssimo o pão do apreço desse nosso amor É alta a taxa de radioatividade e de ternura dessa vida E claríssimo é o sol do desejo quando eu te vejo ou te pressinto mudando radicalmente o meu destino Os novos velhos ídolos entregam os canos rebolambem requebramal nos palcos da vida para não enferrujar vossas feridas cultivadas no petróleo das canções 78 rotações choram de dor 78 rotações gemem de amor Os filhos dos tempos desumanos tempos cruéis de mártires e tiranos prendem matam arrebentam Gostariam de acessar o pensamento dos iguais que escrevem e falam fogo e água e luz contra o lixo atômico jogando na lixeira o senador biônico amando sim vivendo não até que os novos velhos ídolos se transformem na essência cósmica das canções paixão de todo grão

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Menezes y Moraes Autofagia Celeste

Enquanto gira em torno de si a Terra devora tempo espaço luz e planetas periféricos Da mesma forma teus olhos de mistério e festa devoram o eu que restou de mim o não que sobrou do sim o cio que se faz por si e a canção vermelha do teu púbis na varanda do amanhecer Qual é o pente Poesia que te pentelha? A Terra gira bêbada nos asteróides dos teus pêlos E eu cosmonauta da existência sou atraído peluz do teu buraco negro


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Nelson Carvalho

O menino do caixote

o menino dorme dentro do caixote como um gênio miserável desses presos em lâmpadas ou potes saídos das mil e uma noites ele dorme mil e tantas embutido no engradado não há nada ao seu lado a não ser pernas passantes mas ninguém repara nele ninguém pára nunca ninguém depois ou antes era de pêras o engradado e ele cheira a frutas o menino encaixotado pêras podres e ele fede o menino na calçada o menino no caixote de ripas espaçadas


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Nelson Carvalho talvez sonhe com pipas talvez espere um toque talvez já não espere de ninguém espere nada ele é quase o próprio pinho de que é feito o caixote eles dois ambos sozinhos esquecidos por enquanto até mesmo pela morte o menino do caixote está quieto emadeirado imóvel na dobradura dorme


Nelson Carvalho O Menino o Escritor a Solidão

o menino o escritor a solidão o menino pede pão o escritor pega moedas no bolso do casacão o escritor tem uma caneta e um bloco e escreve a solidão o menino tem fome tem fome e febre e um saco de cola na mão o menino pergunta se ele escreve se é um livro que ele escreve o menino a solidão o escritor diz que sim o menino roda o corpo abre um sorriso equilibrista a solidão o escritor olha aquela quase dança aquela quase criança equilibrista o escritor diz sim o escritor o menino cola o olho no olho do escritor a solidão e diz : quando ele for pra banca o menino diz a solidão quando ele for pra banca guarda um livro pra mim

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Nelson Carvalho Poemas de Toque

II scls duzentos e tal : o sol pendurado num varal amanhece III imensa solidão : o lago paranoou-se em meu coração IV dourada a luz verão das seis : calda esparramada pela W-3 V agosto ensandece : vago pela sqs ensoldecido VI cento e seis sul às seis : à beira do eixo meu coração talvez


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Nilto Maciel

Navegador

Meus olhos cegos, que não vêem naves, navegam pelos mares das tormentas   perdidos barcos, rotos, sem timão. Meus olhos mudos só vislumbram vagas, doida babel de tempestades feita, monstros marinhos, oceano largo. Meus olhos surdos só conseguem ver cantos de dor, de morte e solidão, a minha própria imensidão de ser.


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Nilto Maciel Cena Doméstica

Havia um porco no quintal da casa e estava morto sobre o chão e só. Voavam pelos ares muitas moscas, como a querer comê-lo, devorá-lo. Havia ainda abelhas a voar, e aranhas lentas nas paredes sujas. Havia nas pessoas velhas, toscas, canina fome, como a dos insetos. Havia dor em toda parte, e banha, assim como torresmo e alguma sanha. Havia em mim uma vontade enorme de não ser gente como aqueles vermes, de não ser mosca e muito menos porco.


Nilto Maciel Persona

Faço de conta que estou triste. Chego a chorar, a me cobrir de prantos, como um sofredor. E, para mais fingir, ao fogo me atiraria, em desespero, não fosse o medo de morrer. No entanto, apenas me entristeço, se me imagino lacrimoso. E apenas choro, quando a dor eu busco, e apenas me atormento, quando meu fim me prenuncio. Então simulo que sonhava ou estou sorrindo, como quando de ser senhor de mim brincava, e dos meus próprios devaneios   outro iludido fingidor.

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Nilto Maciel Soneto crepuscular

Para Francisco Carvalho

Nos campos de meu pai antigamente as chuvas inundavam meus pensares e do pomar do céu pingavam frutos. Ventos ninavam aves repousadas nas árvores vigias de seu sono, sentinelas da luz crepuscular. As ovelhas baliam suas crias, os vaga-lumes alumbravam tudo e a solidão das vacas nos currais. Duendes se assustavam co’os trovões. Na escuridão dos quartos o perfume do amor gemente à sombra dos lençóis. Invernos que de mim se evaporaram nos campos de meu pai antigamente.


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Nicolas Behr

aquela é a estátua de teseu, maior herói cerratense (sim, filho, maior que jk) libertou brasília da opressão do burocrotauro, um ser meio homem meio carimbo que vivia pelos labirintos dos ministérios, devorando lentamente qualquer fila que se formasse a sua frente


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Nicolas Behr

desconstruir jk reconstruir braxília desbrasilianizar jk rebraxilianizar brasília resjuscelinizar braxília desjuscelinizar jk reinventar a cidade inventada


Nicolas Behr

qual o livro sagrado da mitologia can danga? por que toda a mitologia can danga acontece em torno da construção de brasília, não incluindo revelações ou ensinamentos espirituais? por que os deuses rivais, dos cratas buro, escolheram a praça dos três poderes como olimpo? por que jk não é considerado o filho de deus, que morreu atropelado por nós para que pudéssemos atravessar o eixão sem olhar para os lados?

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Nicolas Behr

uma forte tempestade trouxe à luz uma parte do que poderiam ter sido os ministérios, iniciando escavações que permitiram identificar também estruturas habitacionais bastante complexas, com pessoas aparentemente vivendo dentro de grandes caixas de concreto seriam estas estruturas parte das primeiras moradias permanentes da civilização, as legendárias superquadras?


Nicolas Behr

cidade-mato-maquete cidade-mata-maquete cidade-mini-maquete cidade-em-mim-maquete cidade-mito-maquete cidade-minto-maquete

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Nicolas Behr

como toda cidade mĂ­tica a origem de brasĂ­lia se perde na noite dos tempos tempos que as luzes do eixĂŁo tentam iluminar


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Otávio Afonso

meu tempo

essa ampulheta sobre a mesa da vida mede o sussurro dos lábios e a foice do tempo essa mesma areia que prende afunda e queima mais soterra o que dela retiro a toda ferrugem da morte essa areia nos vértices da alma entre vultos de arcanjos corrói o corpo e promete a ardência do fogo


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Otávio Afonso dú-vida

sou um entre os três elementos que o discurso encerra : sou o assunto   a coisa que registra e doma noutra forma a pessoa que fala mas quando digo   o fim do discurso!   falo do terceiro elemento : o ouvinte que nada ouve? ou me refiro àquilo que sou no discurso   o meio   pensamento   falatório? não sabendo o ser do discurso quando este se esvazia e morre nos frisos lisos dos teus dentes e não querendo ver o curso das secretas frutas das cidades posso   falso inventor de madrugadas   desvendar a solidão áspera dos fonemas ?


Otávio Afonso autópsia

um exercício inútil : decifrar no esqueleto a textura da pele o estúpido segredo mas são limpos os mortos nas pegadas das cidades são limpos os ossos brancos troços de alguma história (o retrato sobre a mesa é um espaço em trânsito)

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Otávio Afonso surdo compasso

procuro além do zodíaco a poeira do teu rosto envelhecido procuro aves e obeliscos e sei do grave risco que traz o anverso da pluma no míssil que jaz entre um silo e o silêncio procuro no céu de maio o manto branco de Deus asa suspensa se batendo ao sol e o distante azul das penas mas súbito avançam ogivas com asas de tântalo semeando a simetria das órbitas e o rebater dos laser-tipos na entranha da gasta memória


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Pedro Tierra

Oficina Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás.

Che Guevara

Ao companheiro Luiz José da Cunha, assassinado em julho de 1973

Há nesta cidade uma oficina. Há nesta noite uma oficina. Os ferreiros são apenas sombras, na hora tardia dos encontros. Reter a palavra quando o gesto é possível. Descer a rua como a bruma sobre o mar. O vigia não perceba mais que o vento, um sereno mais intenso. Há neste país uma oficina. Há uma oficina na América. Percebemos daqui o martelar das ordens: recortar no aço o rosto dos ferreiros, a mão taciturna dos ferreiros. Trabalhar no ferro a vontade dos escolhidos, a alma retificada na dor, a crença que resistiu purificada. Há na madrugada uma oficina. Há no sangue do povo uma oficina de reservas infinitas, que se reconstrói a cada minuto.


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Pedro Tierra VocĂŞ, companheiro, encontre os homens que labutam na forja e diz a eles por mim: nĂŁo malhem na bigorna sem ternura.


Pedro Tierra A Hora dos Ferreiros

Quando o sol ferir com punhais de fogo e forja a exata hora dos ferreiros, varrei o pó da oficina e a mansidão dos terreiros, libertai a alma dos bronzes e dos meninos desatada em som e nessa aguda solidão que em ondas se apazigua   ponta de espinho antigo   na carne do coração. Convocai enxadas, foices, forcados, facões, grades, cutelos, machados, a pesada procissão dos ferros afeitos ao rigor da terra e da procura e, por fim, as mãos, resignadas, multiplicadas no cereal maduro. Mãos talhadas em silêncio e ternura, que plantam a cada dia sementes de liberdade e colhem ao fim da tarde celeiros de escravidão.

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Pedro Tierra Esgotou-se o tempo de semear e inventou-se a hora do martelo. Retorcei na bigorna outros anelos e a força incandescente deste mar de ferros levantados. Esgotou-se o tempo de consentir e pôs-se a andar a multidão dos saqueados contra os cercados do medo. Homens de terra e relâmpago! Convertei em fuzis vossos arados, armai com farpas e pontas a paz de vossas espigas!


Pedro Tierra Poema Prólogo

Fui assassinado. Morri cem vezes e cem vezes renasci sob os golpes do açoite. Meus olhos em sangue testemunharam a dança dos algozes em torno do meu cadáver. Tornei-me mineral memória da dor. Para sobreviver, recolhi das chagas do corpo a lua vermelha de minha crença, no meu sangue amanhecendo. Em cinco séculos reconstruí minha esperança. A faca do verso feriu-me a boca e com ela entreguei-me à tarefa de renascer. Fui poeta do povo da noite como um grito de metal fundido. Fui poeta como uma arma para sobreviver

e sobrevivi.

Companheira, se alguém perguntar por mim: sou o poeta que busca

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Pedro Tierra converter a noite em semente, o poeta que se alimenta do teu amor de vigília e silêncio e bebeu no próprio sangue o ódio dos opressores. Porque sou o poeta dos mortos assassinados, dos eletrocutados, dos “suicidas”, dos “enforcados” e “atropelados”, dos que “tentaram fugir”, dos enlouquecidos. Sou o poeta dos torturados, dos “desaparecidos”, dos atirados ao mar, sou os olhos atentos sobre o crime. Companheira, virão perguntar por mim. Recorda o primeiro poema que lhe deixei entre os dedos e dize a eles como quem acende fogueiras num país ainda em sombras: meu ofício sobre a terra é ressuscitar os mortos e apontar a cara dos assassinos. Porque a noite não anoitece sozinha. Há mãos armadas de açoite retalhando em pedaços o fogo do sol e o corpo dos lutadores.


Pedro Tierra Venho falar pela boca de meus mortos. Sou poeta-testemunha, poeta da geração de sonho e sangue sobre as ruas de meu país.

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Pedro Tierra Não Serei a Tua Paz

Não serei a tua paz, antes o sobressalto, a imprevista solidão. Não serei teu riso — a clara morada de meninos —, antes este silêncio de agulhas sangrando o peito. Hoje, serei apenas ausência, tuas mãos vazias, tua espera. Não serei tua liberdade, companheira, exilada para além dos muros do horizonte, serei, antes, o filho da terra e do tempo: esta obstinada vontade de resistir.


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Reynaldo Jardim

O Silêncio

O silêncio é inaudível zumbido, sustenido agudo, gemido em surdina, noturno e frio. Saudoso de um remoto ruído, vozerio festivo, o silêncio, lâmina sibilina, irritante tímpano no tímpano, a sândalo deveria cheirar. Grávido de vazios, no tempo imóvel, frutos límpidos sobre a mesa, na pele, envolto na placenta, ele, o silêncio, pesa. Quem em nosso campo sensitivo percebe a silente presença? Todavia supomos contemplá-lo, sentir seu odor, toque, os sons que dele exala. O silêncio oculta o violeta de sua fala envolvente, amargo desencanto, lembranças, desordem do quarto e gavetas, toalha úmida no chão do banheiro. O silêncio dói quando se nega a transmutar-se em melodia, fonema, arrepio. Pausa entre acordes, palavras, ainda contendo a vibração do que foi, do que se aproxima. Não atinge a nitidez


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Reynaldo Jardim silenciosa do silêncio absoluto. O silêncio violenta a intimidade enclausurada de freiras, monges tibetanos, almas penando.

O silêncio é sórdido. Deus criou o ruído, o marulhar, o estrondo, canto de pássaros, som cosmogônico, gemer do vento, farfalhar das folhas, sonora eloqüência da vida. Deus sempre foi ruidoso. O demônio inventou o silêncio letártgico, letal. Punhal insensível cravado em si mesmo.


Reynaldo Jardim A Chave de Fenda

Não se ofenda com oferenda precária: uma chave de fenda achada na rede viária. Mesmo um tanto corroída pela ferrugem, o cabo de plástico esmigalhado, uma chave de fenda sempre tem valor se usada no momento febril, bastando alguma habilidade do usuário. Aliás, todo poema deveria vir acompanhado da respectiva chave de fenda, para que o leitor pudesse afrouxar as articulações doloridas. Apertar as metonímias, extrair as hipérboles e outros quistos ortofônicos. Quando se tornasse oportuno, o leitor, o poeta, o crítico, poderiam, sem muita dificuldade, desconstruí-lo e jogá-lo no cesto do lixo orgânico, para que não se tornasse impiedosamente nocivo às pessoas razoavelmente sensíveis.

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Reynaldo Jardim Há décadas alguém andou divulgando o aforismo de que o poema não se escreve com idéias e sim com palavras. Palavras são idéias, seu toupeira. Idéias são, necessariamente palavras, quando saem do limbo e se transformam em caricaturas escritas. Se você entendesse de luminescências, eu explicaria que só a luz é real. E não carece de idéias e sons, mesmo ágrafos. Por enquanto fiquemos na utilidade prática das chaves de fendas.


Reynaldo Jardim O Corvo

Naquela velha fazenda, estressado de fadiga, mais folheava do que lia, uma revista antiga. Passava da meia-noite, alguém abriu a cancela. Espio pela vidraça, opaca luz amarela. Uma figura estranha, sombra lenta e insegura. Será alguém pedindo abrigo, perdido na noite escura? Bate, bate, em minha porta, abro com muita cautela. Entra o vulto alvoroçado, na poltrona se estatela. Não me diz uma palavra, fica ali, só encarando. Um sorriso de Gioconda, mas, incrível, está chorando. Pergunto o que pretende, se vai ficar, até quando. E a figura sussurra:   Até quando, até quando. De repente surge a dúvida, se até quando amaria. Minha angústia só repete a sinistra litania.   Até quando, até quando, permanece murmurando. De minha alma não sai o ritornelo nefando. Até quando agüentarei esse maldito até quando!

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Reynaldo Jardim Brilhos

A palavra brilha (repentina brilha) onde repentina fulgurante brilha? Na boca do estômago, na garganta seca, no ar respirado, na vulva, na teta. Onde dá o bote e sacode o guizo? Na fronte, na mente, lábios ou juízo? É a castanhola? Cascavel safada?   Crótalo! E a sua faca já está cravada.


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Robson Corrêa de Araújo

IMPACT Causar impacto com letra ideal do escritor se o tipo é

impacto uma fonte impactante vai jorrar pacto de mote letra puxa letra jogo joga jogo palavras da hora manda uma letra aí velho causo de conto pausa de poesia uso narrar poética sem nenhuma ética proseio desterro negro céu pesa sol flutua alguém quer pegar nuvem algodão doce cão morde agora surrealismo escapa o gás néon de hélio guitarra salto pára-quedista morde as cordas sangra a gengiva engasga com o próprio vômito garrote na testa mostra veia ao pico do hino nacional se ainda não impactou sigam o cortejo e antes da cova gritem para o dono do defunto enfiá-lo no cu.


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Robson Corrêa de Araújo Abre-Asas-da-Mata

…Alma-de-gato, vissiá Vivi, trepador-coleira, Flautim-marrom, Saí-azul… Cuspidor-de-máscara-preta, Sovi, papa-lagarta, Arredio-do-rio, Saí-andorinha… Maria-bonita, Rendeira, Bico-de-lacre, Saí-verde… Polícia-inglesa-do-norte? Topetinho-vermelho? Trinta-réis-anão? Saí-azul-de-pernas-vermelhas… Tiê-sangue! Sanhaço-de-fogo! Barulhento! Saí-amarelo…


Robson Corrêa de Araújo r Menos textual contexto, sempre xingo! instantânea poesia madre pérola meus botões desembaraço! Que umbigo? liguei o refrigerador “sonífera ilha…” Salto um cão! exclamarei um ponto de interrogação nossos tios sonoros mais testes com teste, meu senhor cabeça! simultânea com mestre sérvio padre eterno abro casas além do tabuleiro! “…quem quer comprar bananas?” desligado venci minha dose de soma passo! reclame propaganda silêncio incontestável.

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Robson Corrêa de Araújo r Calibre o corpo Mirando Adália relendo versus alhures Correspondências referências inserir Revisão normal titulo sem espaço Parágrafo fonte estilo Veleidade Impact Sentido duplo Miro a Adália leio o verso algures Cores pondo refiro-me à inserção Revise norma título dê espaço Para grafar um tipo Stihl Verdade


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Ronaldo Cagiano

Diante de um Quadro de Di Carrara Deito-me no quadro — e sonho.

Cassiano Nunes

Quando a cidade dorme diante da beleza, contemplo o que é humano e indivisível. Há um verso clamando nos teares noturnos das tecelagens de Cataguases, como uma gota de sangue nas galochas dos operários que desviam da enxurrada e um feixe de espantos na falta de censura à miséria. Há poesia em tudo, porque a nudez das coisas traz em si uma raiz serena de cumplicidade com o mundo e seu destino. Esses meninos esquálidos que freqüentam as ruas menos que os nossos corações compõem o quadro mais que habitam a vida e eu vou contemplando a suspeita jornada das pessoas corretas e detidas em seu dia-a-dia, enquanto o cemitério contabiliza perdas e a rodoviária em frente nos dá lições de ausência. Esses corpos escassos que me inquirem da tela falam do imponderável, vão além do amor e aqui fora mar insuspeito de indigências


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Ronaldo Cagiano viceja a tristeza ofensiva do destino coletivo. O artista escreve outra vez um Natal impossível mas que renasce nos olhos dessa infância entre espinhos dos que ainda acreditam na transformação do betume em rosa, cristal sem rugas garimpado na sarjeta.


Ronaldo Cagiano Residência Provisória

para Eltânia André

Viajei mundos, mas ainda não me (re)conheço: duro é o trajeto por dentro. Registro de um percurso inacabado. Sob pernas pânicas, as solas intactas dos sapatos resumem o muito que não andei. O cansaço de existir interdita o reconhecimento do futuro. Escravo da solidão eletrônica nessa era de pastores mercenários (mascates da salvação improvável) em quantos me divido para me tornar inteiro? Quantos deuses hão de morrer para ressuscitar o Deus que tantos, em vão, procuram nos shoppings centers de uma fé inócua? As fotos na parede me desmentem: esse rio que me leva, e lavra-me num cemitério de anzóis sabe mais do que não viu. A pele da solidão não envelhece   inúteis as plásticas   nenhum bisturi reduzirá o seu império, e ela reverberando pelos cantos seu canto de cisne da inutilidade existencial. Até quando conseguirei unir as margens do abismo?

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Ronaldo Cagiano O ritmo das Coisas Quanto de nós é o que não somos?

Ésio Macedo Ribeiro

O sol aceso em meus olhos fere a estrangeira gestação dos vazios. Nos relógios da cidade o tempo é uma hipérbole: eternidade com seus cupins de aço varando nossas entranhas para o triunfo do imponderável. Estamos purgando a existência com esses ponteiros insolentes condenando-nos a um destino de fadigas ou a nenhum registro nos obituários. Pedra dentro do tempo, a morte, como a mó, impõe o ritmo das coisas: pacientemente nos esfarinha, grãos de nada num pomar de bactérias.


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Ronaldo Costa Fernandes

Solilóquio

Com quantos ferros se faz uma manhã? Pernas mecânicas, bocas mecânicas, o mundo mecânico dos elevadores e da depressão. Os objetos pendem como frutas   os objetos também amadurecem  , a seiva dos ferros e madeiras. A sala precisa ser podada   que jardineiro extirpará as ervas daninhas do sofá? A tosse do motor de popa   onde estão os barcos na umidade dos prédios? Os peixes nadam na clorofila das venezianas.


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Ronaldo Costa Fernandes Animal Barbado

Este animal barbado que se rasura como quem raspa a orelha do porco para a feijoada do fim de semana, este animal feroz e matutino, como um auto-retrato, com seus olhos 3 x 4, observa a paisagem da janela e do outro lado do vidro está ele mesmo, é ele a paisagem que envelhece cada vez que a freqüenta. Este homem ao espelho, gilete de martírios e angústias violáceas, barbeia seu minuto e sua morte, exasperada e afiada servidão, a consciência espumosa da pequena guilhotina.


Ronaldo Costa Fernandes A Garça II

Eis que a garça pára e, assim, fixa, é flor do cerrado, abre as asas, é flor que voa assim como a flor é a garça fixa no chão. Vem, me diz, não és garça e flor? Assim, fixa, no cerrado dos meus olhos não expandes a fixidez do teu olhar   infinito e horizonte   e quando teus cabelos voam, qual asa de garça   graciosa   não és flor que voa?

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Ronaldo Costa Fernandes

O Rosto

Na sombra, os rostos têm todas as feições porque nela cabe a imaginação cuja cara é uma deusa sem rosto. Por isso te vejo em todas as sombras   sombras do quarto ou da noite. Por isso estás também em minha mente que vive em permanente sombra.


Ronaldo Costa Fernandes A Torre do Abismo

Aqui estaremos seguros da vida. Nada nos atingirá   nem falésia nem miséria nem a ambição dos homens. Mais tarde subiremos à torre e de lá olharemos os homens e diremos que não fugimos ao pasmo do abismo, apenas preferimos o risco do silêncio.

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Ronaldo Costa Fernandes Deserto

Assim a praia deserta, imóvel, paquiderme de areia, ventando-se a si própria, onda que de si se alimenta, estava o coração do mundo. As palmeiras perfiladas não discordavam com suas palmas indecisas e toda nervura da manhã deserta era a desfiguração da realidade postal do tempo estagnado: praia, homem, olhos e areia. O que escalda não é a areia fina nem o sol que se dependura, coco exaustivo, passado do tempo, o que escalda é o remorso arenoso. Este mar que me banha não é líquido. Já não tenho a memória dos peixes.


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Salomão Sousa

r Tangido a estalos secos o cavalo ecoa no asfalto empurrado dentro do enfado Pressupõe um mundo que nada sem nódoas no verde O tempo dentro da viseira não existe nas laterais O espaço não passa de uma água incapaz de escapar aos canais A distância se acanha sem declarar aonde a chegada Pode ser onde for os corvos não acabaram Talvez montes de lixos ou a repugnância do estorvo Apavora desconhecer quando será admitido beber e mesmo se haverá água Suplício não saber quando será dado o último estalo Angústia o desperdício da marcha levando nem mesmo ao atoladouro


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Salomão Sousa r E há os que ficam dentro da margaça apenas carregando os fardos E há os que são pura massa sem nenhuma levitação que lembre a graça E há os que em estado de nenhuma graça nem se sentem desgraçados E há os que silenciam a mágica da graça vestidos com suas fadas E há os que arregaçados de tanto levar coiçadas recomeçam para alcançar a graça


Salomão Sousa r Ser o cipreste da beira do Nilo Esquecido da ferrugem das pragas e sem a impiedade das aves do tempo Entregue ao saibro do silêncio nem a mínima para o rumor da sabedoria Iria me deixar num barranco com as mãos na corda do abismo E quem visse a ameaça da queda não acharia fraudes não apanharia frutos Não emprestaria madeira às viagens ou cachos às virgens em romaria Não pediria água, saibro ou sol Não se apiedariam de minhas ruínas as lianas em flor e os braços Resina alguma exigiria o cristal do sangue Areia alguma me envelheceria Quando alguém contemplasse a secura com as garras cravadas nas beiras não exigiria sinecuras e pirâmides Ser a secura na beira do Nilo

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Salomão Sousa r Uma fidelidade veio ficar comigo Uma fé sem bomba escondida no casaco Vieram parar bem aqui entre os eixos que fazem a paz Protege a minha porta a serenidade sem lama Sinto-me sem fronteira se extintos os negociantes com os aros de impedir nossos pés Nossas mãos já se aproximam Os lábios não se disfarçam com o cuspe e com o chulo. Sinto. Sinto que não sou eu que me enche Enchem-me uns lábios, uma idéia um corpo vindo sem fronteiras Sinto que chegou sadio o homem que come comigo o meu o pão e planta comigo o desejo Sinto que enche de força os meus ossos Uma fidelidade me beija Tão perto um Tibete sob meus pés Beijo o calor de seu cânhamo o rastros de seus cães Sacio-me na fidelidade de seu cântaro


Salomão Sousa r A poesia é um dos meus nervos aquele mais sensível que move as minhas demais mãos os demais passos de meus pés Move as lâminas com as quais derroto os arrotos dos Hades do tédio com as quais não dou sais às cinzas dos rancores e das tragédias Dos veios dos vales, das fêmeas? Quem não veio das heranças do sol? Ainda são as retinas, as tiras de cor Há o miosótis, a pele, o espelho de chuva a seiva reluzente nas frondes humanas Com a poesia desponto do escuro embarco sem os grumos das ausências Fervo o sangue com os braços da poesia e com os nervos quentes das palavras Remo os barcos às margens dos homens Mostrou os brotos de verdes extremos? Quem ainda não retesou os nervos?

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Salomão Sousa r No galho a casca não é definitiva Para filhotes surgem tocas, as juntas amontoam pó e surgem trevos Muda o pássaro a plumagem só para ter outra mais viva e assim combinar com a nuvem Vivo de me mudar de caminhos para não ter de dar o mesmo tédio Dar outro gosto à ternura Vamos mudar de banda Vamos bandear de brisa E em meus braços nasçam ninhos


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Sylvia Cyntrão

o IVquarto e o 2º.ato

voei como águia briguei como tigre falei sem parar a língua dos anjos cuidei como mãe preguei como padre amei como fêmea lutei como nunca usei palavras silêncios e atos ainda assim foi minha luta mais vã eu só precisava ter te amado como se não houvesse amanhã* *(mas como alguém consegue isso?)


230

Sylvia Cyntrão rosa meditativa

(à moda de Gala)

era uma vez uma rosa suspensa que era sombra e também gramado …em vez de Dali era você sobre o meu cerrado


Sylvia Cyntrão

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a verdadeira leveza DE ser

primeiro foi o mar Rio… depois cachoeira e o porto de um lago cerrado, cercado de água por todos os lados depois o ar o impulso as asas o alto habitat natural das pedras candentesincandescências na vista definitiva do centro fumegante da terra descubro contigo que a verdadeira leveza de ser é vulcânica


232

Sylvia Cyntrão a escuta

a certeza da aurora na madrugada não poupa ânsia ao vôo o azul noturno confunde as asas que sonoras se acercam do branco biombo das montanhas aprender com Ícaro a distância do sol não salvará o condor do canto das sereias do Pacífico (mas é preciso deixar o topo refazer o tato afiar a escuta...)


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TT Catalão

“poeta”

só serei poeta quando perder a meta; sem desejo por tal glória vivo em despejo do tal fluxo da história; sem ousar usar poeta no título versejo desfeito percevejo esmagado na unha da língua — sem ar, truque de rima, artifício ou trava: desmerecer antologias brasa matricial sem retrospectivas ou crachá de marginal oficial; só rogo pelo parco orifício por onde possa brotar a sagrada palavra de tão oculta expressa   em viva carne agrava travo, meta, alvo sem seta fora dessa diluição otária de “poeta”


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TT Catalão

r Línquas à míngua caçam sinais, entumescem e migram. Línguas lavram palavras. Cinge-as. Fingem feito esfinges. No entanto, flagram, amordaçam, afogam, afagam. Arautos de fronteiras, línguas erguem muros sobre seres cegos de solos, heróis e suas bandeiras. Línguas, ínguas volumosas, apêndices no corpo usam a volúpia e a vilania, o vã e a via, o tem e o havia, sendo a mesma para o rancor e a simpatia. Sémen do ator simulam a criatura enquanto criam. Línguas penetram, acolhem, aquecem, esfriam. Línguas lânguidas insinuam resvalam pelo ralo da boca e o gargalo instiga tanta fala quanto falo tanto bala quanto embalo tanto cala quanto calo tanto engole quanto entala tanto bole quanto retalha migalha morde o sentido que resvala pelolambesignos embaralha discursa embrulha mortalha como se come a outra no beijo que a entrelaça como se pousa vício ou lábia no outro que a devassa...


TT Catalão r POR QUE A GENTE TEIMA ? POR QUE A GENTE INSISTE ? POR QUE A GENTE SE QUEIMA ? POR QUE A GENTE RESISTE ? POR QUE A GENTE TENTA QUANDO TANTOS IMPEDEM OU SE OMITEM ? POR QUE A GENTE RECUSA O PAPEL DE QUEM ASSISTE ? POR QUE A GENTE ACREDITA NA VIDA COMO UM CONVITE ? POR QUE A GENTE SE DOA MESMO QUE A REALIDADE MOA ? POR QUE A GENTE NÃO ACEITA QUALQUER NÃO COMO LIMITE ? TALVEZ A GENTE PERCEBA O SER SEM POVO OU ELITE TALVEZ A GENTE SÓ QUEIRA FAZER COM QUEM SE FIE CRIAR COM QUEM SE CRIE MOSTRAR QUE A VIDA RENASCE QUANDO UM MAIS UM DECIDE FAZ -LA FRATERNA E BONITA MAIS FARTA E COM MAIS APETITE ARTE PRA QUEM EXISTE ATITUDE DE QUEM INSISTE

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TT Catalão

r Uma cidade pode ser uma cilada, armadilha de ilhas, se nela ninguém se dá ou dela se torna cerco e cidadela, fuga e fantasia, verdade e balela. Uma cidade pode ser uma saída se nela se diluir a saudade romper o selo, abrir a cela, perder do dono seus truques e sua chancela. Uma cidade pertence a quem por ela se dê, instrumentos vivos da civilidade contra o vil, o vã e a vaidade; ferramentas de carne e osso construindo a cidade projeção de si no projeto cidadão de quem se doa inteiro sem perder-se na luxúria da parcela. Uma cidade é a celebração cotidiana de quem se entrega, se expõe em paixão sem cautela. Uma cidade são tantas quantas as suas virtudes e mazelas. Na cidade do “vale tudo”, domínio por tabela, deve valer o valor de todos parido das nossas entranhas, nascido das nossas costelas. Cidade limpa, clara, musa, fonte, berço, signo, busca, luta, prazer, dor, espaço aberto sem chaves, conchavos, trancas, trancos. Abracadabra-abra-cada-cadeia-abra, cidade de mil janelas, o céu como tela e a consciência solidária como sonho que se alimenta e vela. Uma cidade convive com o carpete e a favela. Renasce todo dia quando a gente se compromete pela vida que a fertiliza e a faz mais bela, contra o cerco, o ciúme, o crime e a imagem que a nivela como origem da falência e o início da fivela. A cidade é a soma e o sumo dos que se criam criando, nela.


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Vera Americano

Duplo Mortal

Postar-se no desv찾o entre dois argumentos, por dois segundos. Respirar economicamente entre duas palavras, duas ondas muito crespas. Decidir em s창nscrita ilus찾o: viver ou deixar para mais tarde.


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Vera Americano Pequeno Roteiro Tenso

A palavra exata desferida do Ăşltimo pavimento abre uma cratera extravagante na certeza absoluta.


Vera Americano As Quatro Estações

1. Expor-se ao néctar e ao aroma dos jasmins: nada é tão violento quanto a primavera. 2. Dos verões tudo se esquece. Apenas um certo azul persiste em tons de asa e ressoa porta afora prenunciando a chave na ranhura. 3. Errantes pernoites trazidos pelo vento denunciam a indecisão: nem bem verão e já tão inverno. 4. Aconchegante, a falsa lareira fabrica o frio. Só o queixo treme sutilmente com medo do medo.

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Vera Americano Bodas

A mem贸ria desloca uma pe莽a e tudo muda: o ar menos denso, a garganta pronta para a palavra mais terna. A exclus茫o constr贸i.


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Viriato Gaspar

Bilhete a Montale

Que tempo este de agora e suas redes. O sol morre de frio e o mar, de sede. Que mundo este, que encheu s贸 de vazio. A fome r贸i nas ruas seu fastio. Goramos o luar; s贸 resta um mantra, e este gosto de agosto na garganta.


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Viriato Gaspar A Caminho, de Volta

(a Odylo Costa, filho, in memoriam)

Os Anjos rasgarão nos meus cabelos estradas para Deus, e seus atalhos. Nas minhas mãos geladas trigo e orvalho Deus plantará depois, para eu bebê-los. Os Anjos brotarão dos meus joelhos e cantarão manhãs que nunca pude. Hão de nascer das plumas do alaúde as rosas da manhã, clarins vermelhos. Hei de cantar, cantar, cantar, cantar as luzes que engasguei, por mundo ou medo, os salmos que apaguei, por mal, por mim. E os Anjos me erguerão no álter do altar, para eu sugar o Sol e arfar enfim o sopro antigo e novo do Segredo.


Viriato Gaspar A Sesta

(a Leonardo Boff)

Não quero abrir no azul um céu chinfrim, que seja só um sol que nunca ladre. Não quero um Deus assim, morto de mim, cevado de senões, patrão de padres. Eu quero O Deus em mim, total de tudo, uma alva rede aberta em minha alma. Um cachorro enrolado em seu veludo, meu pai me dando adeus na tarde calma.

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Viriato Gaspar

A Ilha

Janelas. Poeira. Mosquitos. Meu pai ventava em azul as paredes da insônia. Lamparinas. Calor. Formigas. Fome. Os homens exercitavam vagas vidas vazias. Idéias. Ideais. Lixo. Luxo. Lisura espectral. Uma rede sozinha. Var/ando a var anda. Var/ânsias. Átrios de igrejas. Sé. Carmo. Remédios. Pam ta leão. Garrafas. Gumes. Cuspo. Fé. Fezes. Padre, dai-me a vossa bênção porque pe(s)quei. Ide em gás e que o terror vos arrebanhe. Mentiras. AMEN/tiras. Os dias despejavam adrenalina. Ossos magros. Fome. Fumo. Fama. Fúria. Os homens inventavam teorias para explicar o medo. Mastigar o medo. O muco murcho da matilha amorfa. A porca era gorda demais. E a gente tinha fome. As mulheres eram qualquer coisa secreta. Proibida. O veludo molhado da rosa incendiada na penugem. Uma dúzia de sonhos. Uma saga de dúvidas. Tesão. Teso. Ah ânsia de voar sobre as ladeiras e amanhecer assombros nos sobrados. A vida era o desfiar morrente de uma esperança sem futuro. Exv(a)ida a cada dia. Como o rosário comprido de minha mãe. Deus era o pavor absoluto. O nome extremo do medo. O sol sugava o sumo do suor do osso. Os outros, ostras incrustadas no estertor antigo. O coração ganindo a própria gana. A vida vindo em vão e vã voando. Veloz. Vaga. Vadia. A casa era pequena, mas cabia a tosse de meu pai e a sua rede. O armador tecia na parede um gemido asmático de animal doméstico. A noite se enchia de calor e paz com o roc-roc-roc da velha rede de meu pai, insone. O mundo era uma ilha sem horizontes. Os barcos passavam. Como os dias. O mar aberto era uma chaga alheia. A vida era uma ilha. Afogada em seu fogo vazio. A vida era uma ... (a vida foi se.)


Viriato Gaspar A Vinda

Chegaste de manhã, e era dezembro. O mar cuspia azul sobre as estrelas e marejava um cais para bebê-las. Teu rosto era um farol, é o que me lembro. Chegaste como a chuva; pelo avesso, acendendo a manhã nas minhas unhas. Agora foi depois, quando eu supunha não mais molhar-me o sol, seu sal espesso. Nunca disse teu nome, não cabia. A palavra era apenas seu esgar, um modo de morder a ventania. Só lembro do dezembro. E então o mar.

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Viriato Gaspar O Náufrago

teu corpo negro iluminava tudo com seus segredos fundos de mulher e nele eu me enconchava em caramujo no refluir-fruir dessa maré de barcos emboscados no ar escuro tarrafando sargaços de suor teu corpo negro então ficava sujo de claridade e desmanchava o sol em golfadas de trêmulas espumas teu corpo negro pluma de penumbra a derramar manhãs no travesseiro e eu náufrago de tudo arremetesse as praias de teu corpo e me solvesse nos minérios malinos de teus pêlos.


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Wilson Pereira

Ambos

Outro dia passando por mim eu quase me reconheci mas Ă­amos ambos apressados um para o futuro o outro para o passado.


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Wilson Pereira O Menino

O menino em mim ainda se comemora: hĂĄ um gosto de vento nos ombros, um cheiro de amoras no tempo, um engenho de sonho nos olhos; uma varanda namora o silĂŞncio das horas que caem. O menino em mim ainda cresce e me leva embora.


Wilson Pereira Os Bois Azuis

Pela etérea palhada dos meus sonhos os bois azuis repastam brisa e luar e suas leves ancas tecem danças entre as finas e brancas sedas do ar. Os longos chifres luzem nos relumbres do orvalho que se move devagar e dos úmidos olhos vagam-lumes para o alto, para o além, o algum lugar. A efêmera manada então descansa e nas palhas da noite se desmama a rarefeita sede de sonhar. Aos poucos a manhã azul se impõe e encobre a aura, e luz, e espanta o sonho: meus bois azuis refluem no luar.

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Wilson Pereira Cavalos

Cavalos selvagens galopam no ar de frias paragens: a brida solta venta ao luar, ressoa nos astros o eco dos cascos, priscam seus halos os terrĂ­veis cavalos.


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Xenïa Antunes

Para Publicar

Talvez por isso tenha morrido cedo a vida assim fazia mais sentido se suicidada deixava mulher e filhos e um poema para publicar. Não tinha seguro de vida não acreditava em Deus nem no Diabo mas tinha uma palavra de honra para zelar um respeito pelo parapeito do décimo andar e um poema para publicar. E assim se escreveu de morte e assim se acabou num pulo e assim se fez revelar o poema que tinha para publicar.


Xenïa Antunes

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Sobre a Tríplice Aliança

O sal é certamente bom; caso porém se torne insípido, como restaurar-lhe o sabor?

Mateus

Trama matar o gato, o marido fritar todos os bifes da sua carne polida. Espera perder a paciência em algum descaminho reanimar o amante querido encardir com indecência o branco de sua vida. Deseja o gozo da inconsciência as contrações musculares alimenta o desajuízo a insegurança animal fantasias mulheris. Resiste, cala e se ofende. Sonha com o motorista de táxi Embriaga-se de rum vagabundo acorda e se arrasta rendendo aos dias o hábito do pijama a cama despencada o hálito do amor endividado.


Xenïa Antunes Sempre Viva

Literalmente não me preocupa Insegurança eu também tenho Desejo enlouqueço por ele Paixão onde me reconheço Vida acontece comigo Amor acontece na vida Medo é metrô Fuga é Debussy Outras coisas podem ser Compromisso não diz comigo Liberdade em verdade é luta Medo é metrô Fuga é Debussy Paixão também faz poesia Corpo atravessa corpo Beleza é corpo celeste Sentir é esbanjar o dia Perfeição não me preocupa Repetição é rima e castigo Fuga é metrô Medo é Debussy Defeitos são delícias Confeitos são desejos Conflito é desnecessário Amor eu sexo a vida.

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Xen誰a Antunes Maria dos Prazeres

Cada vez que me possuem cada vez fico mais pura mais casta mais virgem Cada vez que fico nua cada vez sou mais louvada beijada aleluia Cada vez que eu me entrego cada vez eu sou mais santa mais salve rainha Cada vez que estou parindo cada vez eu sou mais mater mais ave maria


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Referências Biobibliográficas


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Referências Biobibliográficas

AFONSO, Otávio – nasceu em Porto Velho (RO), em 1953. Morou em Brasília desde 1980. Foi coordenador de Direito Autoral do Ministério da Cultura. Quando morou em Salvador, publicou Sábado 13 horas (1978), poemas experimentais com Damário da Cruz e Márcio Salgado. Em 1980, foi o primeiro brasileiro a ganhar o Prêmio Casa de las Américas, em língua portuguesa, com o livro Cidade Morta, de poesia. Participa do disco Revivência, de Marluí Miranda, com a letra da música Imagens. Participou, entre outras, da coletânea Novos Poetas Brasileiros, organizada por Hilda Hirst. Faleceu em 5/3/2008. Deixou no ar o blog Chão do Adeus (www.ocmas.blogspot.com) e vários livros de poesia inéditos. ALVIM, Francisco – nasceu em Araxá (MG), em 1938. Cursou o Instituto Rio Branco. Diplomata. Vive em Brasília desde 1975. Bibliografia: Sol dos Cegos (1968); Passatempo (coleção Frenesi, 1974, Rio de Janeiro); Dia Sim Dia Não, com Eudoro Augusto (coleção Mão no Bolso, 1978, Brasília); Lago, Montanha (coleção Capricho, 1981, Rio de Janeiro); Festa (id.); Passatempo e Outros Poemas, coletânea dos livros publicados, à exceção de Dia Sim Dia Não (Brasiliense, 1981, São Paulo); Poesias Reunidas, que reúne os livros anteriores, inclusive Dia Sim Dia Não, e inclui o inédito O Corpo Fora (Coleção Claro Enigma, Duas Cidades, 1988, São Paulo); Elefante (Companhia das Letras, 2000); e Poemas – 1968/2000 (Cosac & Naify, 2004). AMERICANO, Vera – nasceu em Minas Gerais. De família goiana, residiu entre Goiás e Rio de Janeiro. Finalmente fixaria residência em Brasília. Fez Letras na Universidade de Brasília (UnB), e mestrado em Literatura Brasileira

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na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ). Foi professora de Teoria da Literatura na Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro. Em Brasília, trabalhou no Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) e no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Atualmente, trabalha na Consultoria Legislativa do Senado Federal, na área de cultura e patrimônio histórico. Bibliografia: Hora Maior (1970), prêmio da UBE; Viaje ao reino de Cora Coralina (ensaio, El Urogallo, Madrid, 1996); Arremesso livre (Relume Dumará, 2004); e Os Cine-jornais sobre a Construção de Brasília (MinC/SPHAN/Pró-memória, 1988). AMNERES – nasceu na Paraíba e encontra-se radicada em Brasília desde 1979. Formada em Letras e em Jornalismo pela UnB. Promotora de recitais. Atualmente, organiza Diário da Poesia em Combustão, primeiro livroblog a ser lançado no meio virtual durante o processo de elaboração. Bibliografia: Pedro Penseiro (novela, Thesaurus, 1980); Emquatro ( Thesaurus, 1985); Humaníssima Trindade (poemas, 1993); Rubi (poemas, Francisco Alves, 1997); Razão do Poema (poemas, Takano, 2000); Entre Elas (poemas, Projecto Editorial, 2004); e Eva - Poemas em Verso e Prosa (Edição bilíngüe português/espanhol, Thesaurus, 2007). ANDRADE, Heitor Humberto de – nasceu em Salvador (BA), em 23/6/1937. Como poeta, ele se declara autodidata e que durante toda a sua vida não abdicou do espírito de aventura e liberdade, por isso, já foi livreiro, editor, securitário, jornalista, publicitário e vendedor. Atualmente, coordena a Ecovila Vera Cruz, em Planaltina (DF). Bibliografia: Corpos


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Referências Biobibliográficas

de Concreto (1964); Sigla Viva (1970); 3x1 — A Matemática do Poema (1978); e Nas Grades do Tempo (1994). ANTUNES, Xenïa – nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 9/10/1949. Em Brasília desde 1960. Entrou para a faculdade de Direito em 1968, mas abandonou o curso para se dedicar às Artes. Além de escritora, é artista plástica. Funcionária pública de 1968 a 1982. Criou e foi editora da página “Vamos Ler”, no jornal “Correio Braziliense”, na década de 80. Participação, entre outras, das antologias Poesia Jovem — Anos 70; Nova Poesia Brasileira, de Olga Savary; e Saciedade dos Poetas Vivos. Integrou a Geração Mimeógrafo (ou Poesia Marginal). Bibliografia: Parto Normal e Exercícios de Amor e de Ódio. ARAÚJO, Robson Corrêa de – nasceu em São Miguel Paulista — zona leste da grande São Paulo — em 30/04/58, filho de Paulo Corrêa de Araújo e Terezinha Corrêa de Araújo, embalado desde a barriga da mãe pelos dobrados do avô Diomar Simão Vieira. Mudanças e mortes trouxeram-no até Brasília em 1979. A Arte sempre fez parte da sua vida, como ele mesmo diz: “assim como o desregramento quase total escrevo com desenho fotografo me manifesto sempre em qualquer local com qualquer suporte travessuras pode ser atravesso…”. Bibliografia: Azul no Branco (2003), Curtas (2004), e Y Semiótico (2006). AUGUSTO, Eudoro (Eudoro Augusto Macieira de Souza) – nasceu em Lisboa (Portugal), em 16/8/1943. Transferiu-se com a família para o Brasil em 1953, morando inicialmente em São Paulo e depois em Florianópolis. Residiu em Brasília de 1963 a 1970, quando foi para o Rio de Janeiro, onde se

aproximou da Poesia Marginal, e retornou definitivamente em 1971. Formou-se em Letras na Universidade de Brasília (UnB), com mestrado em Literatura Brasileira. Bibliografia : O Misterioso Ladrão de Tenerife (em parceria com Afonso Henriques Neto), Brasília, Ed. Oriente (1972); A Vida Alheia, Rio, Coleção Vida de Artista (1975); Dia Sim, Dia Não (em parceria com Francisco Alvim), Brasília, edição dos autores (1978); Poemas (em parceria com Antônio Carlos de Brito e Letícia Moreira de Souza), Lima (1979); Carnaval, Massao Ohno (1981); Cabeças, Rio, Coleção Capricho (1981); O Desejo e o Deserto, Massao Ohno, (1989); Olhos de Bandido, Sette Letras (2001). Participa de diversas antologias, tais como 26 Poetas Hoje, de Heloísa Buarque de Hollanda (org.) (1976) e Antologia Comentada da Poesia Brasileira do Século 21, de Manuel da Costa Pinto (org.), Publifolha (2006). BASTOS, Cristina – nasceu em Uberlândia (MG), em 1960. Encontra-se em Brasília desde 1972. Formada em Educação Artística , participou de diversas exposições fotográficas com o grupo Ladrões de Alma. Escreve desde 1971, e tem participação em diversas antologias, entre elas a Antologia Poética Pinto Ferreira, volumes X, XI e XII, e da coletânea Intimidades Transvistas (Editora Iluminuras, 1997), de poemas inspirados na obra do artista plástico Valdir Rocha. Bibliografia: Decerto o Deserto, Editora Iluminuras (1992); e Teia, Massao Ono (2002). Trabalha atualmente na edição do inédito Verso Bailarino. BASTOS, Hermenegildo (José de Menezes) – nasceu em Salvador (BA), em 1944. Está em Brasília desde 1966. Doutor em Letras (Teoria Literária e Literatura Comparada) pela Universidade


Referências Biobibliográficas

de São Paulo. Concluiu o pós-doutorado na Universidad Nacional Autónoma de México, em 2004. Foi professor convidado da UNAM em 2003 e 2004. Atualmente, é Professor Associado da Universidade de Brasília. Bibliografia: A Dança (1968); O Pássaro-Inspeção (1970); Rotação (1972); Autópsia de Sombras (1997); Memórias do Cárcere: Literatura e Testemunho, crítica literária (1998). Diversos trabalhos publicados na área do ensaio. BEHR, Nicolas (Nikolaus von Behr) – nasceu em Cuiabá (MT), em 1958. Estudou o primário com padres jesuítas em Diamantino (MT). Foi coroinha e menino de roça. No ginásio, queria ser geólogo. Em Brasília desde 1974. Iogurte com Farinha é seu primeiro livro, mimeografado, de 1977. Um ano depois foi preso e processado pelo DOPS por “posse de material pornográfico”, sendo julgado e absolvido em 1979. Entre 1980 e 1986 foi redator em agências de propaganda, e militou no movimento ambientalista. Trabalhou na FUNATURA. A partir de 1990 dedica-se profissionalmente ao seu antigo hobby: produção de mudas nativas do cerrado. Em 2007, a Língua Geral lançou Laranja Seleta — poesia escolhida (1977-2007). Adora Brasília. BONFIM, João Bosco Bezerra – nasceu em Novo Oriente (CE), em 1961; encontra-se em Brasília desde 1972. Graduado em Letras (1986), mestre e doutorando em Lingüística (UnB, 2000; UnB/Universidade de Lisboa, 2006-2009). Antes de se tornar consultor legislativo do Senado Federal, atuou como professor de Português e literatura no Ensino Médio e com Alfabetização de Adultos, no Movimento de Educação de Base, da CNBB. Bibliografia: Amador amador (Ed. do autor, 2001); Pirenópolis Pedras Janelas Quintais

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(Ed. Plano, 2002); Passagens Terrâneas e Subterrâneas (LGE, 2004); e Romance do Vaqueiro Voador (LGE, 2004), entre outros. Sítio pessoal: www.lavrapalavra.com.br CABRAL, Astrid – nasceu em Manaus (AM), em 25/9/1936. Mudou-se do Rio para Brasília em 1962, a fim de trabalhar no Instituto de Letras da UnB, de onde se afastou em 1966, em decorrência da ditadura. Em 1968, através de concurso público ingressou no Ministério das Relações, em Brasília, até ser removida para Beirute, em 1970. Em 1988, graças à anistia, foi reintegrada à UnB, onde lecionou Literatura Brasileira de 1991 a 1994. Bibliografia: Alameda (1963); Ponto de Cruz (1979); Torna-viagem (1981); Zé Pirulito (1982); Visgo da Terra (1986); Lição de Alice (1986); Rês Desgarrada (1994); De Déu em Déu, reunião dos livros anteriores, Sette Letras (1998); Intramuros (1998); Rasos d’Água (2003); Jaula (2006) e Ante-sala (2007). CAGIANO, Ronaldo – nasceu em Cataguases (MG), em 15/4/61. Viveu em Brasília 28 anos, onde se formou em Direito. Atualmente, reside em São Paulo. Bibliografia: Palavra Engajada (1989); Colheita Amarga & Outras Angústias (1990); Exílio (1990); Palavracesa (1994); O Prazer da Leitura, em parceria com Jacinto Guerra (1997); Prismas — Literatura e Outros Temas (1997); Canção dentro da noite (1999); Espelho, espelho meu, em parceria com Joilson Portocalvo (2000); Dezembro indigesto (2001); Concerto para arranhacéus, (2004); e Dicionário de Pequenas Solidões, Agualusa, (2006). Organizou as antologias Poetas Mineiros em Brasília (2001); Antologia do Conto Brasiliense (2004); e Todas as Gerações — O Conto Brasiliense Contemporâneo (2006).


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Referências Biobibliográficas

CARVALHO, Nelson – nasceu em Piquete (SP), em 8/2/1957. Formado em Letras, e mestre pela PUC (SP), é professor da Faculdade Michelangelo. Detentor de mais de dez prêmios literários. Participação em diversas coletâneas, sendo a sua estréia na antologia Em Canto Cerrado (1979). É integrante do grupo Poetas Pela Paz. Reside em Brasília desde 1969. Bibliografia: Aqui Brasília (1982), A noite em que Dormi com Che (1985), Utopia Versos Paixão (1990) e Quatro (2005). CYNTRÃO, Sylvia – nasceu no Rio de Janeiro (RJ). Graduada em Letras pela UFRJ. Encontra-se em Brasília desde 1983. Trabalhou na Faculdade Dulcina de Teatro e na Universidade Católica de Brasília, onde fundou a Editora Universa. Mestre e doutora em Literatura Brasileira pela Universidade de Brasília, onde coordena o Curso de Especialização em Literatura e o Grupo de Pesquisa de Poesia Contemporânea. Bibliografia: Da Paulicéia à Centopéia Desvairada: a MPB e as Vanguardas, com Xico Chaves (Elo Editora, RJ, 1999); A Forma da Festa: Tropicalismo, a Explosão e seus Estilhaços (org.) (editora da UNB, 2000); Como Ler o Texto Poético: Caminhos Contemporâneos (Editora Plano, 2004); Sopros e Mordidas (Elo Editora, RJ, 1999); Coração em III Atos (Elo Editora, RJ, 2001); O Quarto e o Ato (Esquina da Palavra, com apoio do FAC-DF, 2007). DOBAL, H. (Hindemburgo Dobal Teixeira) – nasceu em Teresina (PI), em 1927. Bacharel em Direito, funcionário público, residiu em Brasília, Londres e Berlim. Bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito do Piauí. Diretor da revista “Meridiano”, líder da geração vanguardista. Membro do Conselho de Contribuintes e fiscal do Imposto de

Consumo do Ministério da Fazenda, em Brasília. Membro da Academia Brasiliense de Letras. Faleceu em 22/5/2008. Bibliografia: O Tempo Conseqüente (1966); O Dia Sem Presságios (1970), Prêmio Jorge de Lima do INL; A Viagem Imperfeita (1973); A Província Deserta (1974); A Serra das Confusões (1978); A Cidade Substituída (1978); Os Signos e as Siglas (1986); Uma Antologia Provisória (1988); Cantiga de Folhas (1989); Roteiro Sentimental e Pitoresco de Teresina (1992); Ephemera (1995); Grandeza e Glória nos Letreiros de Teresina (1997); Lírica (2000); Um Homem Particular (contos, 1987); Gleba de Ausentes — Uma Antologia Provisória 2002. FALEIROS, Álvaro – nasceu no Chile em 1972, e passou a adolescência em Brasília (1984-1990), voltando à cidade de 2000 a 2002, quando se mudou para São Paulo e doutorou-se em Língua e Literatura Francesa, na USP (2003). É professor da Universidade de Brasília (UnB) desde 2004. Como tradutor publicou, entre outros: Latitudes: 9 Poetas do Québec (Noroît/Nankin, 2003); O Bestiário, de Guillaume Apollinaire (Iluminuras, 1995); Descabelados, de Yosano Akiko (Ed. UnB, 2007), com Donatela Natili; e Caligramas, de Guillaume Apollinaire (Ateliê, 2008). Publicou os seguintes livros de poemas: Coágulos (Iluminuras, 1995); Amapeando (Nankin, 1997); Transes (França, 2000), O Retirante que Virou Presidente (Cordel, 2002); O Auto do Boi d’Água (cordel, 2003); e Meio Mundo (Ateliê, 2007). Como compositor, lançou o CD Água Minha (2003). FERNANDES, Ronaldo Costa – nasceu em São Luís (MA), em 1952. Doutor em Literatura pela UnB. Ganhou


Referências Biobibliográficas

prêmios como o Casa de las Américas, com o romance O Morto Solidário (1998); o APCA e o Guimarães Rosa. Dirigiu o Centro de Estudos Brasileiros da Embaixada do Brasil em Caracas, e coordenou a Funarte de Brasília a partir de 1995, quando retornou ao país. Pertence ao quadro do Ministério da Cultura. Bibliografia: João Rama (1979); O Ladrão de Cartas (1981); Retratos Falados (1984); O Narrador do Romance (1996); Concerto para Flauta e Martelo (1997); Estrangeiro (1997); Terratreme (1998); Andarilho (2000); O Imaginário da Cidade (organizador) (2000); Eterno Passageiro (2004); O Viúvo (2005); Manual de Tortura (2007) e Ideologia do Personagem Brasileiro (2007). GASPAR, Viriato (Viriato Gaspar dos Santos) – nasceu em São Luís (MA), em 7/3/1952. Radicado em Brasília desde agosto de 1978. Jornalista desde 1970. Funcionário de carreira do Superior Tribunal de Justiça. Participação em antologias poéticas no Maranhão e em Brasília. Vencedor de muitos prêmios literários, tanto em sua terra natal quanto no Distrito Federal. Bibliografia: Manhã Portátil, Gráfica SIOGE, São Luís-MA (1984); Onipresença (versão incompleta), Gráfica SIOGE, São Luís-MA (1986); A Lâmina do Grito, Gráfica SIOGE, São Luís-MA (1988), e Sáfara Safra, São LuísMA (1996). Está concluindo um livro de Salmos em linguagem moderna, e tem dois livros de poemas e um de contos, inéditos. Endereço eletrônico eletrônico: www:viriatogaspar@globalmix.com.br HENRIQUES NETO, Afonso — nasceu em Belo Horizonte (MG), em 1944. Morou em Brasília de 1961 a 1972, onde se formou em direito na primeira turma da UnB em 1966. Vive no Rio de Janeiro. Livros de poesia publicados: O misterioso ladrão de

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Tenerife, com Eudoro Augusto (Goiânia: Oriente, 1972; 2ª ed., Rio de Janeiro: Sette Letras, 1997); Restos & estrelas & fraturas (Rio de Janeiro: edição independente, 1975; 2ª ed., Rio de Janeiro: Sette Letras, 2004); Ossos do paraíso (Rio de Janeiro: edição independente, 1981); Tudo nenhum (São Paulo: Massao Ohno, 1985); Avenida Eros (São Paulo: Massao Ohno, 1992); Piano mudo (São Paulo: Massao Ohno, 1992); Abismo com violinos (São Paulo: Massao Ohno, 1995); Eles devem ter visto o caos (Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998); Ser infinitas palavras (Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2001); 50 poemas escolhidos pelo autor (Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2003); Cidade vertigem (Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005). HORTA, Anderson Braga – nasceu em Carangola (MG), em 17/11/1934. Morou em várias cidades mineiras, no Rio de Janeiro, na cidade de Goiás e em Goiânia. Encontra-se em Brasília desde 12/7/1960. Aposentou-se como diretor da Câmara dos Deputados. É poeta, contista, ensaísta e tradutor. Bibliografia: Altiplano e Outros Poemas, Marvário, Incomunicação, Exercícios de Homem, Cronoscópio, O Cordeiro e a Nuvem, O Pássaro no Aquário, publicados entre 1971 e 1990, e dois inéditos foram enfeixados em Fragmentos da Paixão — Poemas Reunidos, Massao Ohno (2000); Dos Sonetos na Corda de Sol, (1999); Pulso, Barcarola (2000); Quarteto Arcaico e Trinta e Três Sonetos, EGM (2000 e 2001); Antologia Pessoal, Thesaurus (2001); e 50 Poemas Escolhidos pelo Autor, Galo Branco (2003). Em prosa (Thesaurus / FAC), entre 2002 e 2007: A Aventura Espiritual de Álvares de Azevedo: Estudo e Antologia; Sob o Signo da Poesia: Literatura em Brasília; Testemunho & Participação: Ensaio e Crítica Literária e Criadores de Mantras: Ensaios e Conferências.


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Referências Biobibliográficas

JARDIM, Reynaldo – nasceu em São Paulo (SP), em 13/12/1926. Entre outras atividades profissionais, participou, nos anos 50, da reforma do “Jornal do Brasil” – onde criou e editou o Suplemento Dominical, o Caderno de Domingo e o Caderno B. Antes fora redator das revistas “O Cruzeiro” e “Manchete”, e exerceu cargos de chefia em várias rádios do Rio de Janeiro. Em 1967, criou o jornal-escola “O Sol”. Dirigiu o “Correio da Manhã” de 1967 a 1972. Trabalhou em diversas capitais brasileiras em reformas de jornais, até chegar a Brasília, em 1988, onde foi editor do caderno Aparte, do “Correio Braziliense”, e diretor executivo da Fundação Cultural do Distrito Federal. Publicou dez livros de poesia, entre eles Joana em Flor e Maria Bethânia, Guerreira, Guerrilha. A Lagartixa é seu mais recente livro. Vem preparando a edição de sua poesia completa, com inclusão de vários inéditos. KAQ, Francisco – nasceu no Recife (PE), em 1961. Desde a infância que se encontra em Brasília, pois chegou à cidade com cinco anos de idade. Cursou licenciatura em Letras e mestrado em Comunicação na Universidade de Brasília. Participou de eventos intersignos, tais como o Labirinto Transparente (no Grupo Heleura, maio de 1987) e o Afrofuturismo (diversas edições, a partir de 1999). Bibliografia: Aresta/Hagoromo, Thesaurus (1990); 1001, Noosfera (1997); eu versus, 7 Letras (1999); Poesia Aporia, 7 Letras (2002) e Diz, Casa das Musas (2007). LEAL, Cláudio Murilo – nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 1937. Doutor em Letras e mestre em Literatura Brasileira pela UFRJ. Professor da UFRJ; da Universidade de Essex, Inglaterra; da Universidade Toulouse-Le-Mirail,

França; da Universidade de Brasília (1971/79, período em que colaborou com os jornais “Correio Braziliense” e “Jornal de Brasília”); diretor do “Colegio Mayor Universitario” Casa do Brasil, em Madrid. Atual presidente do PEN Club do Brasil. Bibliografia: Poemas; Novos Poemas; Fonte; Gesto Solidário; As Doze Horas; A Rosa Prática; A Musa Alienada; Poemas de Amor; Caderno de Proust (Prêmio Nacional de Poesia do Instituto Nacional do Livro, 1981); A Velhice de Ezra Pound; O Poeta Versus Maniqueu; Escrito en la Carne ; Reflets; As Quatro Estações; Catarse; As Guerras Púnicas; Treze Bilhetes Suicidas; Módulos (antologia, Sette Letras); e Cinelândia. Tradutor da Antologia Poética, Carlos Drummond de Andrade, Espanha (1986); e organizador de Toda a Poesia de Machado de Assis, Record (2008). MACIEL, Nilto – nasceu em Baturité (CE), em 1945. Formou-se em Direito pela UFC. Criou, em 76, com outros escritores, a revista “O Saco”. Mudou-se para Brasília em 77 e regressou a Fortaleza em 2002. Editor da revista “Literatura” desde 91. Detentor de diversos prêmios literários nacionais e estaduais. Organizou, com Glauco Mattoso, Queda de Braço — Uma Antologia do Conto Marginal (Rio de Janeiro/Fortaleza, 1977). Participa de diversas coletâneas, entre elas Quartas Histórias — Contos Baseados em Narrativas de Guimarães Rosa, org. por Rinaldo de Fernandes (Ed. Garamond, Rio de Janeiro, 2006) e 15 Cuentos Brasileros/15 Contos Brasileiros, edición bilingüe español-portugués, org. por Nelson de Oliveira e tradução de Federico Lavezzo. Córdoba, Argentina, Editorial Comunicarte, 2007. Publicou oito volumes de contos, oito romances, um conjunto de poemas e o ensaio Panorama do Conto Cearense.


Referências Biobibliográficas

MARINO, Alexandre – nasceu em Passos (MG), em 1956, e vive em Brasília desde 1982. Jornalista e publicitário. Atualmente é funcionário do Ministério da Educação. Como jornalista, trabalhou nas redações dos jornais “Correio Braziliense”, “Jornal de Brasília”, “O Estado de S. Paulo” e “Jornal do Brasil”. Bibliografia: Os Operários da Palavra (Batangüera, 1979); Todas as Tempestades (edição do autor, 1981); O Delírio dos Búzios (Varanda, 1999); Arqueolhar (LGE, 2005); Poemas por Amor (Varanda, 2007). Co-editou as revistas literárias “Há Vagas” (Brasília, entre 1982 e 1985), “Bodoque” (Belo Horizonte, entre 1979 e 1981) e “Protótipo” (Passos/Belo Horizonte, entre 1972 e 1975), entre outras. Endereço virtual: http://www.marino.jor.br. MEIRELLES, Julio Cezar (Júlio Cezar Meirelles Gomes) – nasceu no Rio de Janeiro (RJ). Radicado em Brasília desde 1967. Mestre em Medicina Interna pela Universidade de Brasília. Presidente do Conselho Regional de Medicina (DF) no período entre 1993/94. Contribuiu para a organização do movimento estudantil no Rio de Janeiro. Foi membro da base política do Partido Comunista na Faculdade de Ciências Medicas da UERJ. Bibliografia: Poema (1975); Prosoema (1979); Clariturno (1983); Almas Emendadas (1997) e A Hora do Cordeiro (2001). MIRANDA, Antonio – nasceu no Maranhão, foi criado no Rio de Janeiro e viveu em vários países da América Latina e da Europa. Reside em Brasília desde 1974. Formado em Biblioteconomia (Venezuela, 1970), mestrado em Ciência da Informação (Inglaterra, 1975) e doutor em Comunicação (USP, 1988). Professor da Universidade de Brasília e atual Diretor da Biblioteca Nacional de Brasília. Sua obra

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mais conhecida é o poemário Tu País Está Feliz, levado ao teatro na Venezuela e no Peru e apresentado em muitos países, em diversas montagens desde 1971, com onze edições em castelhano e em português. Alguns títulos de livros de poesia: Brasil Brasis (1999), Despertar das Águas, Eu Konstantinos Kavafis de Alexandria. Mantém portal de poesia ibero-americana no seguinte endereço eletrônico: www.antoniomiranda.com.br. MORAIS, Menezes y – nasceu em Altos (PI), em 29/7/1951. Encontra-se em Brasília desde 1980, depois de breve passagem por Teresina (PI). Licenciado em História, pela UnB. Presidiu o Sindicato dos Escritores do Distrito Federal. Jornalista, professor, promotor cultural e coordenador do Coletivo de Poetas, movimento criado em 1992, que mantém encontros e recitais de poesia e de música em Brasília. Bibliografia: Laranja Partida ao Meio (1975); O Suicídio da Mãe Terra, contos, (1980); Pássaros da Terra com Paisagens Humanas (1982); Diário da Terra & Cenas da Cidade Sitiada (1984); 1964 — Poemas do Sufoco (1986); A Balada do Ser e do Tempo (1987); O Livro das Canções de Amor & Outros Cantares de Igual (1990); O Rock da Massa Falida (1992); e Na Micropiscina da Lágrima Feliz (1999). MUND Júnior, Hugo – nasceu em Mafra (SC), em 24/12/1933. Estudou em Florianópolis, no Colégio Catarinense e no Instituto da Educação. No Rio de Janeiro, cursou Pintura na Escola Nacional de BelasArtes. Chegou a Brasília em 1962, onde foi assessor de Artes do Ministério da Educação, assessor da Codeplan, e aposentou-se pela UnB. Um dos fundadores da Feira de Artes e Ciências da Fundação


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Referências Biobibliográficas

Educacional do Distrito Federal. Recebeu, entre outros, os prêmios Cidade de Belo Horizonte e Luís Delfino (SC). Membro da Academia Catarinense de Letras. Seus primeiros livros são de poesia visual. Bibliografia: Gráficos (1968); Palavras que não São Palavras (1969); Germens (1977); Ícones da Terra (1985); Espelho Ardente (1985); Flauta de Espuma (1986); Exercício em Branco (1986); Véspera do Coração (1986); Grifos & Emblemas (1987); Palavra e Cor (1988); As Vozes do Juramento (1989); Cósmica Província (1992); Poesia Reunida (1977) edição da Academia Catarinense de Letras publica. NAUD, José Santiago – nasceu em Santiago (RS), em 24/7/1930. Formado em Letras Clássicas pela UFRGS (1959). Concursado pelo MEC e pioneiro de Brasília (1960). Em 1962, integrou o grupo docente fundador da UnB. Professor visitante ou conferencista em universidades dos EUA, da Europa e da América Latina. Diretor do CEB (Itamaraty). Prêmio de Poesia (1958), Festival Internacional da Revista “Quixote”, Porto Alegre, e Prêmio Nacional de Poesia (1965), no Encontro Nacional de Escritores, da Fundação Cultural do Distrito Federal, Brasília. Bibliografia: Noite Elementar (1958); Hinos Cotidianos (1960); A Geometria das Águas (1963); Ofício Humano (1966); Verbo Intranqüilo (1967); Conhecimento a Oeste (1974); Dos Nomes (1977); Noção do Dia (1977); Promontorio Milenario (1983); Pedra Azteca (1985) e Vez de Eros (1987); As Colunas do Templo (1989), O Olho Reverso (1993), Memórias de Signos (1993), O Avesso do Espelho (1996). OLIVEIRA, Joanyr de – nasceu em Aimorés (MG), em 6/12/1933. Advogado, professor e jornalista, atuou em Vitória, São Paulo, Goiânia, Rio de Janeiro

e em Boston, Hartford, Santa Ana, Anahaim (EUA). Chegou a Brasília em 1960, onde foi redator da Rádio Educadora, revisor do Departamento de Imprensa Nacional e funcionário da Câmara de Deputados. Organizador de seis antologias de poetas de Brasília. Bibliografia: Minha Lira (1957); Cantares (1977); O Grito Submerso (1980); Casulos do Silêncio (1982); Soberanas Mitologias (1991); A Cidade do Medo (1991); Luta A(r)mada (1992); Flagrantes Líricos (1993); Pluricanto, Trinta Anos de Poesia (1996); Canção ao Filho do Homem (1998); Vozes de Bichos (infanto-juvenil) (2000); Tempo de Ceifar (2002); A hora de Deus (2002); 50 Poemas Escolhidos pelo Autor (2003); Por que Chora a Chuva? (Infanto-juvenil) (2005); Biografia da Cidade (2005); Raízes do Ser — Poemas para Aimorés (2006); Antologia Pessoal — 7 (2007). E ainda um romance e três livros de contos. OSORIO, Antonio Carlos (Elizalde) – nasceu em Quaraí (RS), em 14/5/1927. Bacharel em Filosofia (1949) e Direito (1950). Primeiro advogado a estabelecer escritório em Brasília, em 1957, no Núcleo Bandeirante. Presidente da OAB/ DF (1969/71) e da Academia Brasiliense de Letras (1986/2009). Bibliografia: Brasília — Diálogo com o Futuro, ensaios (1978); Rebanho de Ventos, (1979); O Desafio do Branco, poesia (1982); Arsenal da Vigília, poesia (1986); Topia e Utopia, ensaios e contos (1991); O Silêncio e suas Raízes, poesia (1992); Quase Hai-Kais, poesia (1992); Peço a Palavra pela Ordem, ensaios e contos (1992); Arquivo Morto (memórias de um advogado) (1996); Bestiário Lírico, crônicas (1997); Os Degraus do Tempo (uma antologia pessoal), poesia (2001); e A Roda da Fortuna (2004).


Referências Biobibliográficas

PEIXOTO, Lina Tâmega – nasceu em Cataguases (MG). Formouse em Letras Clássicas pela PUC (RJ). Em 1958, transferiu-se para Brasília. Em 1960, integrou o grupo pioneiro de professores encarregado de implantar o ensino oficial na Capital Federal. Exerceu o magistério na Fundação Educacional do Distrito Federal e na Universidade de Brasília. Bibliografia: Algum Dia, Rio de Janeiro, Hipocampo (1953); Entretempo, Rio de Janeiro, Record/ INL (1983); Dialeto do Corpo (prêmio Lúcia Aizim da União Brasileira de EscritoresRJ) Cataguases, Editora-Empresa Instituto Francisca de Souza Peixoto, 2005; Água Polida, Rio de Janeiro, Edições Galo Branco (2007). PELIANO, José Carlos Pereira – nasceu em Juiz de Fora (MG), em 1948. Poeta, contista, roteirista e doutor em Economia (1993). Encontra-se em Brasília desde 1973, tendo trabalhado no IPEA, CNPq e Câmara dos Deputados, mantendo atualmente consultoria autônoma. Membro da Associação Nacional de Escritores. Bibliografia: Passagem de Nível, (1979); A Faca no Ar (1988); Os Pireneus e os Outros Eus (co-autoria com o fotógrafo Roberto Castelo) (1996); Dois Oceanos, 1º lugar da Bolsa Brasília de Produção Literária (1998). Inéditos: Tetraedro e Águas Emendadas, menções honrosas do Prêmio Jorge de Lima de Poesia, União Brasileira de Escritores (UBE), Rio de Janeiro, 1993; e Vadândora, 1º lugar do Prêmio Jorge de Lima de Poesia, UBE, Rio de Janeiro, 1994. PEREIRA, Hamilton – ver Pedro Tierra. PEREIRA, Wilson – nasceu em Coromandel (MG), em 1º/9/1949. Viveu em Patos de Minas, de onde se mudou para Brasília, em 1976.

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Professor universitário e assessor legislativo aposentado da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Mstre em Literatura Brasileira pela UnB.Coordenador-geral do Centro de Informações e Biblioteca em Educação (CIBEC), do INEP/MEC. Bibliografia: Escavações no Tempo (1974); Menino sem Fim (1988); Pedras de Minas (1994); os livros infantis Pé de Poesia (1995), Vento Moleque (2002), e Riozinhos de Brinquedo (2006); e o livro de contos Amor de Menino (1997). Publicou em 2002 a antologia A Pedra de Minas Poemas Gerais, que reúne poemas dos três primeiros livros e o inédito Decantação. PILATI, Alexandre – nasceu em Brasília (DF), em 1976. Graduado em Letras e doutor em Literatura Brasileira pela UnB. Colabora com artigos e colunas de livros e literatura no rádio e em jornais impressos. Bibliografia: sqs 120m2 com dce (NTC, 2004) e Prafóra (7letras, 2007). PIRES, Ézio – nasceu em Cantagalo (RJ), em 29/10/1927. Reside em Brasília desde 1960. Membro e fundador de diversas entidades culturais de Brasília. Jornalista do “Correio Braziliense”, onde divulgou os passos iniciais da literatura de Brasília – trabalho este reunido no livro Depoimento Literário, Julgamento de Liberdade e Literatura na Criação de Brasília. Aposentado do Supremo Tribunal Federal. É um dos fundadores do Sindicato dos Escritores do Distrito Federal. Recebeu o prêmio Fundação Cultural do DF. De sua vasta bibliografia, destaque para os livros de poesia: Menina S Trinta, Editora Livraria S. José, RJ, 1958; Messias da Hora, 1959; Hora Marginal, Editora Livraria D. Bosco, DF, 1963; Poema Interrompido, Convênio do SEDF/Cegraf, DF, 1988; A Beleza


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Referências Biobibliográficas

Tem Fome, Da Anta Casa Editora, DF, 1990; Anjas, Da Anta Casa Editora, DF, 1990; O que os Olhos Devoram, Editora Cultura, 1992. Livros inéditos: Histórias não Publicadas do STF, Adjacências e Caminhos Perdidos – estes dois últimos livros são de poesia. PÔRTO, Chico – (e Arymororó, pseudônimos de Francisco Antônio de Sousa Pôrto). Nasceu em Fortaleza (CE). Encontra-se em Brasília desde 1969, onde formou-se em Direito pela Universidade de Brasília em 1975. Advogado e filiado ao Sindicato dos Escritores do Distrito Federal. Participou, entre outras, das coletâneas 27 Porretas e de Mais Uns, do Coletivo de Poetas. Bibliografia: É-vocação, Da Anta Casa Editora, Brasília (1975). SAMPAIO, Josira – nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 28/9/1931. Mudou-se em 1967 para Brasília para compartilhar o sonho de Dom Bosco, onde “correrá leite e mel”. Fez cursos na USP, com destaque para Filosofia da Música (do prof. José Miguel Wisnik). Como professora, desenvolveu vários trabalhos na Fundação Educacional do Distrito Federal e na Aliança Francesa. Promoveu um Tribunal Popular de julgamento da dívida externa, e visitou Cuba, onde trabalhou nos laranjais ao lado de camponesas. Acompanhou o MST para fotografar as trabalhadoras do movimento – esse trabalho foi exposto em Brasília. Recebeu do ministro da Cultura da França, M. Jack Lang, a comenda Chevalier de J’Ordre des Artes et des Lettres. Bibliografia: Cantigas; A Espera, Thesaurus (s/d); Soma; Formosa (acompanhado de vídeo sobre danças do Brasil, que foi distribuído às escolas públicas do DF).

SANTOS, José Edson dos – nasceu em Macapá/AP, em 23/5/1955. Encontra-se em Brasília desde 1974. Arteeducador, trabalha no CEAN/Asa Norte. Bibliografia: Xarda Misturada, com José Montoril e Ray Cunha (1972); Águagonia, com Alvisto Skef, Antonio Flávio Testa, Chico Terra e Kleber Lima (1980); Latitude Zero (1980); Bolero em Noite Cinza , Casa da Anta (1995); e Ampulheta de Aedo, LGE Editora, com o patrocínio do FAC/SC/DF (2005). Livros inéditos: Uva Vulva (poesia), Loucura Pouca é Bobagem (teatro) e A Anta e o Violonista (conto). Participa de diversas antologias, inclusive dos 27 Porretas. SILVA, Luiz Martins da (Luiz Martins/Luis Martins) – nasceu em Nova Russas (CE), em 3/9/1950. Em Brasília desde 1970; formado em Jornalismo e mestre em Comunicação pela UnB; doutor em Sociologia (UnB/Universidade Nova de Lisboa); jornalista desde 1975 (“Jornal de Brasília”, “O Globo” e “Veja”, entre outros). Professor da Faculdade de Comunicação da UnB, desde 1988; e pesquisador do CNPq, desde 1996. Participação, entre outras, da antologia Poesia Jovem — Anos 70. Integrou a Geração Marginal. Bibliografia: Rua de Mim; Comigo Foi Assim; Brasilinhas; Breviários; Palavras Leves; e Realejo. Foi um dos organizadores da antologia de poesia Águas Emendadas (1977). Autor de vários livros e trabalhos acadêmicos na área de Comunicação. SOUSA, Salomão – nasceu em Silvânia (GO), em 19/9/1952. Encontra-se em Brasília desde 1971, onde se formou em Jornalismo (CEUB). Jornalista do Ministério da Fazenda – trabalha atualmente na área de assessoramento legislativo. Bibliografia: A Moenda dos Dias (1979); A Moenda dos Dias/O Susto de Viver (1980); Falo (1986); Criação de


Referências Biobibliográficas

Lodo (1993); Caderno de Desapontamentos (1994); Estoque de Relâmpagos, Prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária (2002); Ruínas ao Sol, Prêmio Goyaz de Poesia (2006); Safra Quebrada (reunião dos livros anteriores e de dois inéditos: Gleba dos Excluídos e Marimbondo Feliz), FAC/SEC/ DF (2007). Organizou as antologias Em Canto Cerrado (1979) e Conto Candango (1980). Endereço eletrônico: www. safraquebrada.blogspot.com. SOUZA, Aglaia (Costa de) – nasceu no Rio de Janeiro (RJ), onde se formou em Música. Professora de Piano na Escola de Música de Brasília, também trabalha com revisão de textos. Bibliografia: Gota de Barro, Ed. Scortecci, São Paulo, poesia (1982); Artesã, Thesaurus Ed., Brasília, poesia (1989); Vida Fêmea, Thesaurus Ed., Brasília, contos (1991); Murmúrio, Thesaurus Ed., Brasília, poesia (1993); Rondó ao Mar, Ed. Regional/ Asefe, prosoema (1996); Canção Tagoriana, Ed. Lorenz, Rio de Janeiro, poesia (2000); O Anjo da Morte (Prêmio I Concurso de Contos Luiz Beltrão, da Associação Nacional de Escritores), editado pelo FAC/SEC/DF/Verano Ed. (2003); Moto-contínuo, FAC/SEC/DF/Verano Ed., crônicas (2007). Organizou as antologias Cronistas de Brasília — Vol. I e II, em 1995 e 1996, respectivamente. Tem, em preparo, Cantaria (poesia) e diversos títulos de literatura infantil. TAVEIRA, João Carlos – nasceu em Caratinga (MG), em 17/9/1947. Formação em Letras Neolatinas. Em 1969, mudou-se para Brasília, onde trabalhou na ECT, na VASP e na Divisão de Desporto, Lazer e Turismo, na Administração do Núcleo Bandeirante (DF). De 1999 a 2002 trabalhou com o Engenheiro e Físico Paulo Gontijo, na organização de obras literárias e na construção do Templo da

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Ciência. Atualmente, trabalha com revisão e coordenação editorial, além de integrar o Conselho de Cultura do FAC/SEC-DF. Bibliografia: O Prisioneiro (1984), Na Concha das Palavras Azuis (1987), Canto Só (1989), Aceitação do Branco (1991), A Flauta em Construção (1993) e Arquitetura do Homem (2005). TEODORO, Lourdes (Maria de Lourdes Teodoro) – nasceu em Formosa (GO), em 4/6/1946. Reside em Brasília desde 1959. Doutora em Literatura Comparada pela Universidade de Paris, Sorbonne. É professora aposentada do Instituto de Artes da Universidade de Brasília, e dedica-se atualmente à Psicanálise (teoria e clínica na SPB), após estudos teóricos na Universidade de Harvard (USA). Foi militante pela Anistia (pós-1964), e ativista contra o racismo. Bibliografia: Água-marinha ou tempo sem palavra (1978); Canções do mais Belo Pecado e Poemas Antigos (1996); entre outros. Incluída em antologias no Brasil, Europa, Índia e Estados Unidos. Além dos quatro livros de poemas, é autora de Modernisme Brésilien et Negritude Antillaise — Mário de Andrade e Aimé Césaire (crítica literária), pela editora L´Harmattan (Paris/Montreal). Tem alguns livros inéditos (poesia, crítica literária e relações raciais). TIERRA, Pedro (Hamilton Pereira) – nasceu em Porto Nacional (TO), em 1948. Viveu em seminários e prisões. Por sua militância na Ação Libertadora Nacional (ALN), cumpriu cinco anos de prisão (1972/77) em Goiânia, Brasília e São Paulo, sofrendo tortura. Libertado, contribuiu para fundar e organizar Sindicatos de Trabalhadores Rurais. É membro da diretoria executiva do PT desde 1987. Foi secretário de


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Referências Biobibliográficas

Cultura do Distrito Federal. Desde 2003 é presidente da Fundação Perseu Abramo. Militante informal do MST; participou da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Bibliografia: Poemas do Povo da Noite, Menção Honrosa no Prêmio Casa de Las Américas, em 1977 (Sigueme, Salamanca, Espanha, EMI, Milão, Itália, e Livramento, S. Paulo); Missa da Terra Sem-Males, em parceria com Pedro Casaldáliga e Martin Coplas (Livramento, Tempo e Presença, S. Paulo); Missa dos Quilombos, com Pedro Casaldáliga e Milton Nascimento (disco da EMI); Água de Rebelião (Vozes); Inventar o Fogo (Goiânia); Zeit der Widrikeiten, antologia (Edition DIÁ, Berlin); Dies Irae (Edição do autor, Goiânia, e MLAL, Roma, Itália). TORRES, Angélica – nasceu em Ipameri (GO), em 1952. Reside em Brasília desde 1965. Cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Brasília (UnB), Comunicação (UnB) e direção e cenografia em Artes Cênicas , na Fefieg (atual UniRio). Especializou-se em edição de livros e periódicos pela Universidade de Wisconsin (EUA). Trabalhou em diversos jornais, geralmente em editorias de cultura. Bibliografia: Sindicato de Estudantes, Brasiliana — Prêmio Mario Quintana de Poesia, do Sindicato dos Escritores do DF (1986); Solares, Bric-a-Brac (1988); Paleolírica, Alô Comunicação/Gazeta Mercantil (2000); e O Poema Quer Ser Útil, LGE Editora/recurso do FAC/DF (2006). É autora do relato jornalístico-poético de Koikwa, um Buraco no Céu (Editora UnB, 1999). TT Catalão (Vanderlei dos Santos Catalão) – nasceu no Rio de Janeiro (RJ), em 22/11/1948. Encontra-se em Brasília desde 1972, onde editou cadernos culturais na imprensa, fez

crônicas da cidade para a Tv Globo, criou o Espaço Cultural 508 Sul e atuou como consultor do PNUD para implantar os Pontos de Cultura do Minc.Participou das antologias Ebulição da Escrivatura, org. Moacyr Félix (1976) e Antologia da Nova Poesia Brasileira, org. de Olga Savary. Não tem publicado livro individual e declara-se “um ‘poeta sujo’ de cotidiano amarelado, hoje, em centenas de páginas de jornal (sua real paixão): recluso, na graça das traças, (...)sou mais um frasista militante do verbo encantado”. TURIBA, Luis – nasceu em 1950. Preso em São Paulo, em 1972, interrompeu o curso de Jornalismo. Assim que foi solto, voltou ao Rio de Janeiro, onde começou sua carreira de jornalista no jornal” O Globo”. Encontra-se em Brasília desde 1977, onde trabalhou em diversos jornais e participou ativamente no projeto Cabeças, pelo qual lançou a revista “Grande Circular”. Criou, ainda, a revista “Bric-a-Brac”, que ligou a poesia brasiliense às vanguardas. Produziu discos de Renato Matos. Participou das coletâneas Porretas. Bibliografia: Clube do Ócio; Luminares; Realejos; Kiprokó; Cadê (Paralelo 15, Brasília, 1998), Prêmio Candango Cultural de Literatura; Bala (P555, Salvador, 2005).


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Este livro foi composto em tipologia Memoir, impresso em papel, em


271


272

Este livro foi composto em tipologia Memoir, impresso em papel, em 2008.




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