ANTONIO MIRANDA
AR CÊNICO
POEXÍLIO 2013
VAMO-NOS Figuraram um pacto de morte: — a la mierda, queremos ir-nos sem deixar rastro e propriedades. Um gato de soslaio observava sonhando com comida e carinho enquanto o vento destapava horizontes e eles comprometidos. — Valha-me Nossa Senhora, cerca da de anjos sem asas, as sustados, lendo diários atrasados. — Vamo-nos, é hora de acabar com este poema barato, vamos! Disparos: e seguiremos juntos estrela mais adiante — perquirição.
IR ALÉM
Ser no que nunca fui, estar onde nunca estive.
Sair de si? e nĂŁo mais regressar.
FAZER E DESFAZER
É sempre um horizonte inatingível. Perdão: está sempre mais adiante, por mais que avancemos. Sim é sempre não.
PALAVRAS – COISAS e não as palavras sobre as coisas.
Coisificar a linguagem!
PALAVRAS – PALAVRAS As palavras brotam sem qualquer significado: dependem do momento, da situação. Não existem em si mesmas, mermas.
Elas não querem referir-se a algo. Nós é que lhe atribuímos significados que não têm. >>>
São relações fortuitas, não gratuitas, de ocasião. Combinações sem intenção, in-tensão, impondo-se transformando. >>>
Fazer pensar. Palavras revividas, recriadas. Fora, livres do pensamento.
NEM EU SEI
Nem sei o que digo: falo sem querer.
Escrevo sem pensar, guiado pelos sentidos, que me surpreendem.
IN ( EXPRESSIVO)
Grito, e me entendem. Vocifero e as feras me ouvem e respondem.
Se falo, n達o me entendem, e calo.
( )
PENSAMENTO DINÂMICO
Já era, não mais será, nunca foi, pode vir-a-ser. Entre ser e estar — em vez de “eu amo”, digo: “estou amando”. “Eu amo” é um futuro duvidoso. Mas “eu sei” é insustentável! Esqueçam tudo que escrevi até aqui. Depois, quem sabe?
EM LUGAR ALGUM
Estou aqui, mas queria estar lá. Poderia estar lá mas devo estar aqui. Entre física e metafísica está a minha ubiquidade. Bobagem: estou onde estou.
LUGAR NENHUM
O mesmo lugar em dois momentos: memento, sentimento. Minto: não mais sou quem eu era. Lugar é um tempo a que voltamos / para o qual seguimos — antes e depois ou enquanto...
VA M O
S
Estás em qualquer lugar, sem sair daqui. Só os trapezistas e os poetas conseguem. Tem quem viva no passado, outros já (já) morreram e juram estar vivos. Viver é questão de tempo (impossível): conta regressiva. Incrível.
Prá frente.
S O M A V
E DAÍ ?
A gente não morre. Termina: “se morre”, garante Deleuze. Mente quem pensa que volta. Volta para (de) onde veio ou vai.
TEMPO, ENTRETEMPO
Entre agora e antes um instante de (em) que nem percebemos. Só depois, ruminando, sofrendo, julgando. Melhor é o que virá, mesmo não sendo. Revivendo. Sonh ando: dois momentos de memento. Como concentrar-se no agora? Deter o tempo, ser no estar sem passado e futuro. Viver sem o antes e depois. Pois, pois. Pois é. Pois não.
>>
Ente presente, sem o “se”. Contingente, presente, ente. Nada de devires e deveres. Seres presentes, atuais, atuantes. Imanência e experiência enquanto, durante, entanto.
CADA UM
Eu em mim, você em você. Eu em você, você em mim. Reflexo, um duplo sensível, jamais inteligível. Quando nos vemos muitos tus e eus reaparecem, se existirem. Tu e eu. Dentro e fora, não fora a desmemoria. >>>
Passado e presente diante de nós, incontinenti, reagindo por nós, em nós indis sociáveis. Transcendência e imanência.
DITADURA Viver na indeterminação. Um inconsciente (onisciente) orquestrando, cediço e movediço. Ser e não-ser, um si próprio que aparece e desaparece nas brenhas, nas entranhas, de dimensões incontroláveis. Educar-se, buscar um autoconhecimento — a intervalos, revel ação do ser, sendo. >>>
Império da razão sobre a sensação pura. Na contramão, perdura o mistério da emoção. De repente, num rompante lascivo, a excitação, tesão, a ditadura do inconsciente.
UM DISCURSO DE GÓRGIAS Poema de Antonio Miranda para Salomão Sousa
A minha poesia só existe para mim. É incomunicável. O que se escreve é incompreensível. Faço minhas leituras de Drummond, sem jamais apreendê-lo: palavras me levam a outro sentido. >>>
Releio e recrio. Por isso o crítico escreve mil palavras sobre um mesmo verso de Pessoa, e apenas o intuímos: o sentimento é intransferível! Uns dizem entender, outros abominam, nos desentendemos. Insondáveis, alteregos do diálogo de equívocos. Intencionalidades. Tent ativas, aproximações. >>>
Sempre nos vemos nos outros sem que nos vejam. Não vemos ninguém, só a nós mesmos. Condenados ao solipsismo. A sós, nós na multidão. Em vão.
Brasília, 14-17.07.2013
Esta edição de 10 exemplares, numerados e assinados pelo autor — Antonio Miranda —foi impressa de forma alternativa, fora de comércio, sendo dois exemplares para o autor e os demais para Salomão Sousa, Ésio Macedo Ribeiro, Oto Dias Becker Reifschneider, Antonio Carlos Secchin, Cláudio Murilo Leal , Aurora Cuevas Cerveró, Elga Pérez-Laborde e José Fernandes. Será disponibilizado também em e-book. Brasília, julho de 2013. Editores: Antonio Miranda & Zenilton Gayozo. E-book digital: Nildo