Antonio Miranda DIALOGANDO COM
NIETZSCHE ALÉM DO BEM E DO MAL
2014-2015 (2ª. edição corrigida)
poexílio
“cet ami de l´inconnu” Guyan. “A filosofia mais avançada do século XX fica aquém do horizonte de Nietzsche no século XIX” Flávio R. Kothe “(...) se entendermos que o empreendimento de Nietzsche contempla uma filosofia da natureza, uma filosofia do espírito e uma teoria do conhecimento, embora todas elas viradas pelo avesso, então talvez possamos dizer que ele é um pensador sistemático.” Scarlett Marton “Para que serve um livro que não for capaz de nos transportar além dos livros?” Nietzsche
Quando eu era um jovem de 14 anos e morava no Rio de Janeiro, a bibliotecária do bairro convocou minha mãe porque eu estava lendo um livro “impróprio” — O Anticristo, de Friedrich Wilhelm Nietzsche (1884-1900). O título fazia parte do Index Librorum Prohibitorum. Minha mãe argumentou que eu era um leitor voraz, que lia sobre tudo, inclusive sobre outras religiões e também obras filosóficas, incluindo textos sobre o zen-budismo. Nietzsche era um autor demonizado, maldosamente relacionado com o nazismo durante a Segunda Guerra Mundial. Quem saiu em defesa do grande filósofo foi o nosso crítico Antonio Candido, em 1946, em jornais da época. Recordemos um fragmento: “Esse antipangermanista convicto deve ser considerado o que realmente é: um dos maiores inspiradores do mundo moderno, cuja lição, longe de exaurida, pode servir de guia a muitos problemas do humanismo contemporâneo”. Há muitos textos defendendo Nietzsche dessas infâmias. Sem dúvida. A ciência deve a ele a visão que, tempos depois, culminou no conceito de “conjecturas e refutações” de Karl R. Popper, sem esquecermos que Freud deve muito a ele na construção de sua psicanálise. Outra acusação falsa: que era machista. Leio e releio o autor da Gaia Ciência e de Ecce Homo, com renovado interesse, em diferentes traduções, pois o alemão que estudei à época não me capacitou para ir aos originais... Tarefa de Sísifo: você nunca chega aonde pretende ir. No meio do caminho tem uma pedra, como vaticinou Drummond... Morro acima só se for para subir o morro da Mangueira para ouvir o piano de Tom Jobim e os sambistas. Um poeta da Geração 45 escreveu uma tese inteira para provar que só existe poesia na literatura. Ledo engano, como diria meu saudoso Lêdo Ivo... Sem dúvida que existe poesia na literatura, mas é possível buscá-la em outras manifestações culturais... Quem esclareceu o caminho foi a nietzschianista Scarlett Marton — autora da tese “Nietzsche: das forças cósmicas aos valores humanos”, baseando-se em Deleuze, afirmou que o criador de Zaratustra, “havia privilegiado o aforismo e o poema”... Reafirmando: “A maneira pela qual escrevia importava tanto quanto o que ele escrevia, de sorte que revelava imprescindível questionar as formas literárias que se propunham a sustentar o conteúdo filosófico”, reiterou, sustentada por Deleuze, Derrida e Foucault. Preconizaram “suprimir as fronteiras entre a filosofia e a literatura”. A autora também levanta uma questão fundamental: a distância entre “interpretar”— possibilitando uma pluralidade de interpretações, com direito ao uso de paráfrases — e “comentar”, que ela prefere, por ser metodologicamente mais centrada no “objeto do conhecimento”, a ser construído pelo pesquisador. É certo que os “interpretantes” divagaram e se apropriaram dos textos de Nietzsche até em sentido contrário às ideias do autor. Foi o caso do nazismo que entendeu a questão da “vontade de poder” e do “superhomem” de forma ideológica e até racista... Mas eu optei também pela linha interpretante para trazer Nietzsche aos nossos dias, sem jamais pretender “atualizá-lo”. Hasteio-me na concepção de Gilvan Fogel, sobre o “direito da interpretação”, como sendo a “promoção do sentido [em que] está o movimento de alteração, de diferenciação e de transformação do sentido, ou seja, a criação. Tal sentido persiste, perdura, se perpetua à medida e só à medida que se transforma, se altera, se diferencia — enfim, que se faz ou se torna criação.” Um poeta, que também é filósofo, publicou recentemente um livro para “provar” que não é possível combinar poesia e filosofia, que circulam em trilhas independentes. Certo: têm suas próprias trilhas, mas nasceram juntas e seguirão percursos gêmeos agora e sempre.
“René Char publica na revista A Revolução Surrealista dois artigos sobre Heráclito, o Obscuro, que o convenceu de uma coisa: a poesia não é nada se não propõe uma visão de mundo, nasce com a filosofia, e dela não pode ser dissociada” (CASTRO, Gustavo de; DRAVET, Florence. Comunicação e Poesia: itinerários do aberto e da transparência. Brasília: Editora UnB, 2014, p. 46). Castro e Dravet vão mais além, afirmando que “Holderlin não acreditava que uma filosofia pudesse nascer em terreno que não fosse arado pela poesia.” (Op. cit., p. 68).
O presente livro é uma tentativa de poiesofia, uma combinação de poiesis e filosofia. Por que não? Se não cheguei lá, é outra coisa... Não fui o primeiro nem serei o último a perseguir esse ideal. Este é um livro de autoajuda, só que pelo avesso... Como acontece com os textos de Nietzsche, evitar um discurso totalmente linear, lógico-discursivo, tentar rupturas, saltar e misturar temas, interromper raciocínios para plantar a dúvida e o dissenso... Valhome de recursos para-linguísticos: cores, desdobramento de palavras no espaço, versos que rimam sem pretender apenas ampliar o sentido do texto, às vezes para contradizer, refutar: parataxes e hipotaxes... Ou o “avesso pelo verso” como definiu Emanuel Dimas de Melo Pimenta. Hermenêutica é a chave da interpretação, sem dogmatismos religiosos e metodológicos. Com a ressalva de Pierre Lévy, em defesa da equanimidade hermenêutica: “O fechamento hermenêutico (por oposição à abertura hermenêutica) deve ser aqui compreendido como a exclusão a priori dos outros, interpretação em benefício do “único verdadeiro sentido” de um evento, de um fenômeno ou de um texto em geral.” (LÉVY, Pierre. A esfera semântica. 2014, p. 26) O supracitado Lévy nos leva a uma dimensão que extrapola os objetivos do presente livro, mas se fixa subjacente e provocativamente, nada longe das especulações nietzscheanas: “A liberdade é essencialmente uma abertura à multiplicidade ou uma unidade forjada na independência e na autonomia? Ou ainda alguma coisa como um equilíbrio dialético entre esses dois momentos? E a abertura à multiplicidade pode ser pensada fora de uma universalidade capaz de contê-la sem limitá-la?” (Ibidem, p. 31) [”É provável que nenhum outro filósofo tenha sido tão estilisticamente paradoxal quanto Nietzsche”, afirma Jorge Luiz Viesenteiner. Nietzsche confirma: “É difícil me entender, e eu seria um tolo se não desse aos meus amigos uma margem de atuação para mal-entendido, e se não fosse, de boa vontade, agradecido à alguma liberdade de interpretação”.] Nietzsche foi mais radical ainda sobre a possibilidade da compreensão: “Quem tenha acreditado compreender algo de mim, esse me refez à sua imagem...” Ele se incluía, com clarividência, entre os “póstumos”... Sem pieguismo. ] Apresento aqui apenas uma versão. Sendo um processo, não pretende conclusão... Seria possível derivar centenas de outros poemas... e refazê-los infinitamente. Versões, interpretações. A obra de Niertzsche não é apenas aberta, é caleidoscópica, seus textos são holográficos, espécie de um moebius que se alimenta de si mesmo, polifonicamente, polifacetica/mente!!!Certamente que continuarei revisando e reescrevendo os textos enquanto puder. As críticas serão bem-vindas. ANTONIO MIRANDA
PREMONITÓRIO É um jogo de xadrez sem pedras, só palavras. Sem vitória: ato contínuo — da episteme à doxa. Paradoxo. Infinito até que até quando para quem acredita no Apocalipse. Elipses, subterfúgios, disfarces, mal-entendidos, enfrentamentos. O dito pelo não dito — o maldito e a fé sem questionamento. Cruz (a) mento.
“A dor de Deus é mais profunda, ó estranho mundo!" "Ó homens superiores, que vos parece? Sou um adivinho? Um sonhador? Rebelde? Um decifrador de sonho? Um sino de meia-noite?" De Assim falou Zaratustra
Nietzsche chorou, eu apaguei as lĂĄgrimas do texto! Nietzsche agonizou no texto, eu decantei seu sentido. Sofrido, Nietzsche asseverou, com veemĂŞncia, nosso flagelo. Eu atinei para o libelo.
1
APRENDER A VER “aprender a adiar o juízo, a rodear e a abarcar o caso particular a partir de todos os lados.” Paciência diante de tudo: cada coisa é uma coisa a descobrir e entender em silêncio e à distância: sem negar-se! Entregar-se: impulso sem contensão e sem pressa. Reagir. Ir ao outro, penetrar e compartilhar, sem forçar. Evoluímos em competição, controlando o instinto.
2
TELEOLOGIA “o que tinha de ser feito (...) para que o caos se fizesse um cosmo?” Se tudo é mistura, refazer-se, se tudo é vir-a-ser (perene?), em movimento (constante), indiferente porquanto diferente: ser existente. Branco vira negro, o leve adensa-se e o duro se desfaz, tanto faz. Em ex p a n s ã o, até os con/fins dos tempos: o movimento da mariposa se transforma em tsunami, o furacão perde força, adormece. Poesia pura, puro desígnio. Ígnio.
3
FOGO VIVO “e assim como joga a criança e o artista, joga o fogo eternamente vivo” Como o mar que faz e desfaz — espumas e areia, como o impulso lúdico do artista e da criança — bem aventurança — e sem segurança além dos ditames da ética, ou pela libertação pela estética, pela arte. “Por que os homens são tão estúpidos e ruins?” — pergunta Heráclito. Somos iguais, mas nos diferenciamos: somos bons e ruins e alternamos: “Desejo e ódio constituem o mundo” pontua Parmênides. Ser e não ser: perversão do pensamento, advento dos contrários em equilíbrio impossível. “Era”, “será”: engendrar a si mesmo. Razão e contradição. Sim e não. Solução: não existe o “não ser”... Pois não! Assume o fisicalista.
4
PENSAR DIALÉTICO “essa mesma lucidez que tem o poeta dramático quando se transforma em outros corpos”. Verso do poeta & pensar dialético do filósofo; para dizer o que viveu em gesto e música, o contemplado, pensado mas exposto — metafórico — o vir-a-ser, sendo em outros! Mas sempre indeterminado, mas quer-se determinado, terminado: matriz de todas as coisas! Ou “coisa em si”. Maldição eterna o vir-a-ser, morrendo e renascendo, sendo. Heráclito: “Não vejo nada além do vir-a-ser”.
5
SABER EM AÇÃO “usando o aprendido para a vida, não para o conhecimento erudito.” Mais que as origens do saber, valem os seus desdobramentos — a filosofia também é superável! Também as religiões se transformam, quando não se fossilizam; alienam; o saber é insaciável, irrefreável; serve para viver não (apenas) para morrer. Ação e civilização.
6
SÍSIFO "Todo o filosofar moderno (...) está (...) limitado às academias, costumes, modas, covardias dos homens". "Mas se..." Saber de sapio, de saborear, degustar! No impulso de aprender, a ciência desborda-se em buscas infinitas — "avidez cega" — e a filosofia — pela moral e pela estética — tenta os conceitos barrando os preconceitos — reflexo do mundo: nexo, complexo... pelos fins e causalidades.
7
NOUS "então o nous retornará ao seu movimento, e, não estando mais dividido ele mesmo, vagará pelo mundo..." O vouç que rege todos os processos do Universo, verso a verso, unindo-nos a todos e a tudo: os, as, no entendimento da vida: significação. Intelligentsia. Nous, mens, nós, vós, eles — espírito ativo de Anaxágoras. Neoplatônicos, neobarrocos, nãos. Do uNo ao múltiplo, enquanto conquanto, atividades do ser, estar: encantos. Do Bem ao Zen, sem regresso, processo sem fim: matéria e forma, formação, sim e não. Por que não? Porquê sim. Assim: ativo e passivo — transitivo.
8
SUBORDI-NAÇÕES "os romanos e os etruscos retalhavam o céu em rígidas linhas matemáticas e em um espaço assim delimitado confinavam um deus, como em um templo". Como edificar um discurso sobre fundamentos móveis, criando hierarquias, metáforas? Edificar linguagens, criar leis e privilégios — sortilégios — subordi nações, demarcações, instituições! Por isso somos humanos! — garantem. Cada deus em seu território, cada homem em seu lugar e momento, como advento, migratório. Antropológico, antropomórfico: homo sapiens, medida de tudo, "coisa" distante de uma Origem que pretende desvendar e dominar.
9
PROIBIDO PROIBIR "falo imoralmente, extra-moralmente, para além do bem e do mal" ? Espíritos livres, no "Humano, Demasiado Humano". Vida artificial, contra a doença, isolamento: "fundar o domínio da arte sobre a vida"; "aquele esplendor das instituições metafóricas”. Disfarçado, Nietzsche busca semelhantes ou tenta reproduzir-se neles, igual ando os não-iguais, transformando-os. Se for possível uma vez, que seja possível manter-se, reproduzir, multiplicar. Poucos podem mudar muitos! Apenas 100 homens forjaram Atenas, o Renascimento dependeu de tão poucos! Quantos estão a forjar o Novo Tempo? Que História será a nossa na memória dos povos, que marcas ressaltarão? E os mais iluminados, os criadores, que vivem sempre no futuro? Proibido proibir: na direção do impossível.
10
ILÓGICO NECESSÁRIO "não há fatos eternos: assim como não há verdades absolutas". A "superioridade" do pregador, prestidigitador, da alternae veritates, algo que permanece sempre igual no culto marmóreo de nossa fé: "testemunho sobre o homem de um espaço de tempo muito limitado", sacrossanto. Manto sagrado, razão ritualizada. Aparência, em vez de essência. Linguagem como conhecimento do mundo... "Apenas designações." Apenas, penas, as representações! E sentir-se humano. "Medos supersticiosos e religiosos" —libertação do medo e do pecado original! "Falta de finalidade última do homem",., "Os poetas sabem sempre consolar-se".
11
ENOBRECIMENTO POR DEGENERAÇÃO "é dos indivíduos mais desvinculados, muito mais inseguros e moralmente mais fracos, que depende o progresso espiritual". Já dizia Nelson Rodrigues, concordando: "Toda unanimidade é burra!" Bem aventuradas as "naturezas degeneradas" que desestabilizam hegemonias, segundo Nietzsche, transformam. (Não sei se para o bem ou para o mal, seguirei buscando a resposta...) Fica a proposta: continuar lendo o autor de "Humano, demasiado..." onde encontramos: "Todo progresso em grande escala tem de ser precedido de um enfraquecimento parcial". Sem crise não há mudança. Perseverança? "As naturezas mais fortes mantêm firme o tipo, as mais fracas ajudam a aperfeiçoá-lo". Então, me calo. Perseverantes e degenerados, uni-vos! em equilíbrio instável: ensinar a questionar, enquanto se (ré) constrói. Nietzsche adverte: "a mais perigosa companheira de toda duração, a autoridade, se defenderá contra isso". Por isso...
12
SUCUMBIR EM VEZ DE SE "as almas de todos esses pretendentes da verdade estavam totalmente encharcadas de ciúme e espuma" Superando "a civilização de homens"—os gregos (no sexto e no quinto séculos a.C) "nunca mais foram tratados tão amorosamente". Efebos! Mulheres no processo de procriação. "Nada mais entrava em consideração". Às mulheres restavam "os cultos religiosos". Existiam personagens femininas nas tragédias mas eram representadas por atores — homens, sobre coturnos, acima dos demais. Perigo "dessas comunidades fortes", fundadas sobre indivíduos homogêneos contra a liberdade da maioria desregrada capaz de "acolher esse novo" e prosperar. "E desse acaso preciso a vida surge — velhíssima mas com a amnésia de estrear" (Eduardo Mondolfo)
13
ESPÍRITOS SUBVERSIVOS "a religião sossega a mente do indivíduo em tempo de perda" (...) "para mitigar os sofrimentos da alma". A religião é arma do Estado para manter a multidão em submissão. Ou, em seu lugar, as ideologias e estamentos, regulamentos, supervisão, censura, socialização. Sim ou não? "O interesse do governo tutelar e o interesse da religião vão de mãos dadas". Com "o dedo de Deus" — valha-me Deus! — ficamos todos sujeitos às disposições vindas do "alto"... Do "alto" do Poder terrestre, "tutor em nome de uma multidão incapaz". E se a Religião constituir-se em assunto privado? Sem a instituição do Estado e da Igreja? Multiplicar-se em seitas radicais, terrorismo. Alguma semelhança com os tempos que presenciamos.
14
FRAGILIDADE DOS VALORES "Nada custou mais caro do que esta migalha de razão e de liberdade, que hoje nos envaidece" Sem dúvida, todas as coisas "boas" "foram noutro tempo más, todo o pecado original veio a ser virtude original". Dele viemos (há quem acredite). Casamento era um crime, procriar, nem pensar... Mas os mais simples procriam como coelhos, como um desígnio divino. Não haverá espaço para todos, clama um novo Malthus. Criam (acreditam) nas condições (im)possíveis. Sacrifício humano, votivo, vomitivo. Primitivo? Aborto? Controle da natalidade? Aperfeiçoamos as plantas para se multiplicarem: fome!!! Clonamos animais e gente para combinar genes, e não apenas nomes e sobrenomes.
15
ANTECIPAÇÕES "O que é grande no homem, é que ele é uma ponte e não um fim." "Amo Aquele que não reserva uma gota de espírito para si, mas quer ser inteiro o espírito de sua virtude: assim ele passa como espírito por sobre a ponte". ZARATUSTRA Assim mesmo: Aquele, com maiúscula, como um deus próprio, assumindo-se. Nietzsche via Zaratustra como um "seu" eu fora de si, transcendente, divino e afirmativo, com alma que "se esbanja", sem pedir gratidão. Cumpria o que prometia. Vivia no futuro, externando-se, encontrando-se. Está entre nós, e nós com ele.
16
CREDO QUIA ABSURDUM EST "Convicção é a crença de estar, em algum ponto do conhecimento, na posse da verdade incondicionada." Acreditar nos métodos perfeitos de chegar à verdade. Pensamento científico? Morrer pelas certezas do momento. Expressão dogmática: não científica! Só os fanáticos têm fé em suas crenças. Ideologias sem lugar ao contraditório. "Não é o combate das opiniões, que tornou a História tão violenta, mas o combate das crenças nas opiniões". Ofereciam sacrifícios. Sermões x Senãos. Se... algum questionamento admitisse "que aspecto pacífico teria a História da humanidade"?. Conjecturas e refutações.
17
JUS PRIMAE NOCTIS* "Então a dor passava por virtude, a vingança por virtude, a renúncia da razão por virtude, e o bem-estar passivo por perigo, o desejo de saber por perigo, a paz por perigo, a misericórdia por opróbio, o trabalho por vergonha, a demência por coisa divina, a conversão por imoralidade e a corrupção por coisa excelente." (de Genealogia da Moral) *Direito do senhor feudal da "primeira noite" do matrimônio. Vender e vender-se, apoderar-se. Depois: submeter-se ao direito! Deixa de ser vetitum, uma inovação, um crime, instituído com violência e opróbio. Renunciar à vingança. «Nada custou mais caro do que esta migalha de razão e de liberdade, que hoje nos envaidece».
18
A VONTADE, IN EXEMPLAR "incondicionada / liberdade e irresponsabilidade da vontade". "Vontade" que tudo move e desacomoda. Mas contra o senti mento de Culpa. Negar o Pecado. "Deus o pecador e o homem o redentor." Contra o homem-cordeiro "que carrega os pecados do mundo", sem salvação. Nega/ação! Sim ou não? Cega e falsa compaixão. Com Lawrence Stence, "tudo o que estava entre o sublime e o vil lhe era conhecido". Vontade à vontade. [Vejo por intermédio dele, e antevejo.]
19
PARA ESPÍRITOS LIVRES "Deve-se falar somente quando não se pode calar; e falar somente daquilo que se superou — o mais é tagalerice, "literatura."” Não acreditar em mais nada! "Sobre Verdade e Mentira no sentido Extra-moral"', escreveu Nietzsche. Desconfiado, caminho para si mesmo, evitando todo e qualquer conformismo. Assim mesmo: "falar de ermitão", "gratidão para com a vida" mas com olhar às avessas... "Desacorrentamento" de seus anseios. "Assim falava alguém de si para si." (Mas vou com ele, sem que me veja).
20
APRENDER A DESAPRENDER "para afinal, talvez muito tarde, alcançar ainda mais: mudar de sentir". Benefícios intelectuais, mentais "que traz[em] consigo toda solidão profunda". Liberdade de deveres e hábitos, isolar-se do "lá fora". "Meu Deus, por que me abandonaste" bradou Cristo na cruz. Cruz credo. Como dom Quixote, contra moinhos de pensamento. Desalento e solidão mas recuperando a visão do Mundo. Digo, então: que venham em defesa de mim mesmo, salvando-me de mim. Quero ser sem culpa, sem pecado, ressuscitado e em transformação.
21
MOIRA GREGA "Os gregos davam a este reino do incalculável" [do acaso] e da sublime burrice eterna, o nome de Moira (...)" sonhando com crepúsculo dos deuses, livrando-se do medo de viver. Horror de que todo acidente ou salvação tenha a mão Dele! Fugir da "fantasia excitável do medo" sem cair no degredo e isolamento, e que "cada qual ajude a si próprio" sem descuidar do sofrimento do outro. In fé licidade. Há-de! Autoajuda? Desprendimento, sentimento confuso, difuso. Como elevar-se acima da moral?
22
HABITUADOS À NECESSIDADE "nossos impulsos ao conhecimento forte demais para que ainda sejamos capazes de estimar a felicidade sem conhecimento". Crer: o conhecimento pode tudo: nossa paixão e realização supremas. Apenas uma compaixão sem remissão. De que conhecimento efetivamos, compartilhamos? Naufragamos no infinito? Ver mais e diferente? Necessidade (atual) da lógica, ou não, em contraposição — "seres intuitivos". Querem filosofia ou buscam religião? "espera e aceita o melhor do amor e clemência divinos", e não de si, o cristão. "Outros pássaros voarão mais longe"'.
23
PENSADOR DOENTE "talvez preponderem os pensadores doentes na história da filosofia". aqueles que usam a filosofia para entender sua desgraça humana, como medicamento e último refúgio. Há-os! E quantos! O pensamento submetido à doença. E pretendem curar os demais. O próprio corpo em observação. Por que não? Cobaia de si próprio. Corpo doente, mente sã? Sabia mente, auto-reflexiva: "um à parte, um além, um fora". O fisio-lógico, experi-atualidade. Qual o real valor da existência ou da falência do ser? Final.
24
DUALIDADES "Como fazer o bem e o bem querer sobre aqueles (...) que dependem de nós". É mais ostensivo o mal que fazemos... que o bem que distraídos praticamos. Causamos, provocamos, agimos: sentimento de potência ou sacrifício. Ofício de submissão ou de querência, perigoso e temerário, ou solidário. Visão de igualdade ou superioridade, compaixão, piedade ou insanidade. "Habituados (estamos) à doutrina da igualdade dos homens, mas não à própria igualdade." O poder do filósofo a la grega: "escravo é todo aquele que não é filósofo", até mesmo o Poderoso... Humanidade e animalidade: dualidade.
25
REAL "a aparência (...) acaba (...) por se tornar essência e faz efeito como essência!" Vivemos de aparência. Nomes no lugar de coisas. Importa pouco o que elas são... Reputação construída, projetada ou perdida. Um guarda-roupa em movimento, um catálogo exposto, simulacro e projeção criada. Nietzsche prefere efetividade — produção de efeito (Wirkung) no lugar de realidade, seguindo Heráclito. "Efetuar-se" como queria Schopenhauer. Como "frase de efeito", "efeitos especiais".
26
DEUS ESTÁ MORTO "nascemos decifradores de enigmas". "Sentimo-nos, à notícia de que "o velho Deus está morto", como que iluminados pelos raios de uma nova aurora". "toda ousadia de conhecedor é outra vez permitida" Reação numa universidade cristã americana: "Nietzsche morreu". Assinado: "Deus". Quem está convicto de quê? As convicções são passageiras, fluídas, por mais que durem. Fruição, assombro, olvido. Hipóteses hipotecadas;quase nadas. Mas valem tanto enquanto duram! Ciência pressupõe uma crença (etérea)? Mas com fundamentos de porvir. "Desconfiado, incondicional ou confiante incondicional?" E o acidental? Eureca!?! No entanto: "vontade de verdade" Crença metafísica!!! Para Platão, Deus seria a verdade divina — ou aquela mentira generosa e consoladora? [Se Deus morreu, é porque existiu] Perdão: é uma metáfora na contramão.
27
CRENÇA COMO DOENÇA "sob o comando de uma determinada moral (...) repetidas superstições populares da Europa cristã": "renúncia a si, na negação de si, no sacrifício de si mesmo(...)" Teria a moral um consenso universal? "Tu deves", assim é, tem de ser... "Uma moral poderia ter crescido de um erro"'. Valor curativo ou fatal. Moralismo, niilismo... Que nos domine um Deus, um político, um confessor, um médico, um professor... Sobre a nossa vontade, sobre a liberdade; "fanatismo em tempos de adormecimento da vontade": como proteção, orientação dos "fracos e inseguros". Onde o homem chega à convicção fundamental de que é preciso que mandem nele, ele se torna um "crente". De onde alicerçar a moral?
28
CONSCIÊNCIA-DE-SI Consciência: "em que medida poderíamos passar sem ela"? "refinamento e força de consciência estão sempre em proporção com a aptidão de comunicação de um ser humano". A consciência nasceria da necessidade de comunicação, de espelhar-se, de ligação "entre homem e homem" (ou mulher...), ou melhor: exteriorizar-se, fazer-se entender, persuadindo, convencimento de sua própria consciência-existência. Quão inteligível, quão necessária? Pensamento consciente (ou leniente), pensamento por palavras, para fora. (Não necessariamente da razão...)
29
VIDRAÇA "desconfiai de todos em quem o impulso de castigar é poderoso!" "Manda-se naquele que não pode obedecer a si próprio." ZARATUSTRA Dos que falam muito da própria justiça, devemos desconfiar. Os que mandam, carregando o peso dos que obedecem. Há sempre um risco em mandar e outro — maior — em quem obedece. Mesmo "quando manda em si próprio"... Pior: "bem e mal que seja imperecível — não há!" Daí o erro do autoengano. Vontade de poder. Ser vidraça e estilhaço. Vontade de vencer sem ter que mandar. Melhor é ser seguido, sem submeter-se.
30
ANTECIPAÇÕES "é de companheiros de viagem que eu preciso, e vivos" (...) " "porque querem seguir a si próprios — e para onde eu quero ir." ZARATUSTRA Nietzsche, profeta, pastor - quem diria! Fugindo de rebanho, buscando companheiros. Contra os crentes de toda crença. Quebrando valores, questionamentos. "Eu quero" EM VEZ DE "Tu-deves". Estar livre para novas criações. "Um começar de novo", "um sagrado dizer sim". Assim falou Zaratustra. Haveremos de.
31
VONTADE DE PODER "nada outro está "dado" com o real, a não ser nosso mundo de apetites de paixões" (...) "precisamente à realidade de nossos impulsos." "Vontade de potência", melhor, vontade de poder — para vencer o niilismo, vital, afirmativa, valor biológico do conhecimento, função da vida! Expandir sempre! Verdade metafísica, transformadora, dinâmica. Não apenas devir do ser, "essência íntima do ser". Pathos. Oposta à "vontade de verdade". Além do bem e do mal. Instinto. Intento. :"curiosos até o vício, inquisidores até a crueldade"; "tal espécie de homens somos nós, nós, espíritos livres"'. Liberta dores.
32
ALÉM DO BEM E DO MAL "esperar pela chegada de uma nova espécie de filósofos (...), inversa aos dos que houve até agora — filósofos do perigoso talvez em todos os sentidos". Contra os juízos sintéticos a priori, acreditados como verdadeiros! pelos filósofos pré/conceituosos... "Admitir", portanto, "a inverdade como condição de vida". Poderiam ser juízos falsos, impossíveis, de uma "crença de fachada". "Le Malade Imaginaire" (Molière), virtus dormitiva. Princípios teleológicos supérfluos! Sedução das palavras... Pensar como (talvez) querer, sentir. Mentir.
33
APARÊNCIA Somente da concepção do "eu" se segue, como derivado, o conceito "ser"... ? Os eleatas acreditavam — muitos entre nós, também — de que viemos do divino — pois temos a razão! Conceito-de-ser; a linguagem como razão do saber. O artista propenso a crer na aparência: recriação/ aperfeiçoada: o "verdadeiro mundo se transformou em fábula", "O" dionisíaco, paradisíaco, afrodisíaco... "eu, Platão, sou a verdade". (...)
34
CONTRADITIO "Os agnósticos adoram agora o ponto de interrogação mesmo como Deus?" "Cada opinião é também um esconderijo, cada palavra também uma máscara." Interpretar pode ser também falsear. Crença em um valor metafísico, mas também em seu contrário. A recíproca como verdadeira... Contra a verdade divina. Ideal ascético. Contraditório nas funções da verdade. Princípio e fim, se o pensar é ontológico. Colocar o valor da verdade em questão — por que não? — preceito da Gaia Ciência. Ciência como criadora de valores. Jogo de máscaras. Horrores: dogmatização. Incriticabilidade da verdade.
35
CONTRANATUREZA "nós, imoralistas, temos (...) nosso coração aberto para toda forma de entender". "Afirmativos." Contra a negação "da vontade de vida" — de trapistas, que se impõem medida pela "castração, extirpação". Não e não! Rebelião contra a vida, curas radicais. "A vida mesma valora através de nós, quando instituímos valores". A "liberdade inteligível" de Kant. De Platão. Nietzsche. "É-se no todo", livre da fatalidade. "O conceito "Deus" foi até agora a máxima objeção contra a existência..." Amansar a besta homem, pelo "aprimoramento". Animais confinados para o adestramento. Aquela moral que escraviza querendo libertar. ("Venha a nós o nosso Reich". Gèrard Lebrun).
36
ANTECIPANDO O JUÍZO FINAL "Estar pronto a sacrificar à sua causa seres humanos, sem excluir a si próprio." "a cinco passos da tirania, rente ao limiar do perigo da servidão.” O Juízo Final é uma condenação anunciada, "uma vingança". Final, mas se antecipa no Pecado. Carregar a cruz de sua impureza originária. Transformar o tempero da vida em veneno. Virtudes condicionadas, bondades impostas, igualdades simuladas, progresso caduco. "Liberalismo: dito em alemão, animalização em rebanho..." Liberdade: "algo que se tem e não se tem, que se quer, e que se conquista..."
37
FAZER-NÃO “é a impotência contra homens, não a impotência contra a natureza, que gera a mais desesperada amargura contra a existência”. Aquela forma primitiva de submeter-se ao mal (religião e moral) como justificação. Virtude como astúcia e como teodiceia. Até onde é possível suportar a “verdade”?! Entre o dionisíaco “sim” e o demoníaco “não”. Sem “vontade de potência” — sucumbir, resignar-se, tornar-se humilde, inseguro... Aqueles que necessitam de artigos de fé extremados. Justifica-se, então, o mal como castigo...
38
ERROS “Guardemo-nos de dizer que há leis na natureza. (...) nela não há ninguém que mande, ninguém que obedeça, ninguém que transgrida.” Não há fins, nem há acaso. Nem a morte se opõe à vida. Nem substâncias eternas. Boas para nós e em si mesmas. Razão como atividade livre, originada de si mesma. Juízos e convicções como “verdades”. Conhecimento e erro em combate. De onde vem a lógica que sustentamos? Em que hipóteses seríamos iguais? Nietzsche: “Queremos tornar-nos aqueles que somos”!
39
IMITAR-SE (RETRATO DE NIETZSCHE 1) “todo idealismo é mendacidade diante do necessário —, mas amá-lo...” Nietzsche perseguiu uma “transvalorização de valores”. Era “sadio no fundamento”. Vontade de vida. Valeu-se de coisas ruins “em sua vantagem”. Somando tudo. Tudo que ouvia, via, vivia. Sempre em sua própria companhia. Sem culpa, sem pecado, “quite consigo”. Sublimado na intimidade de Wagner. Instantes profundos, acasos sublimes. Alemão por antonomásia, sempre estrangeiro. Pequenas coisas, tão importantes, vitais. Avesso ao fanatismo, pretenso sadio. Sofrer com a multidão, sair do rebanho. “Uma coisa sou eu, outra são meus escritos.” Para não confundir, tentava não confundir-se.
40
IMITAR-SE (RETRATO DE NIETZSCHE 2) “Inexequibilidade de uma única interpretação do mundo”. Não à existência como castigo — “uma estimativa moral de valor”. Alijar da ciência todo valor moral! Por uma crítica severa da moral cristã. Escapar de alguma autoridade sobre-humana: “quanto mais emancipada da teologia, mais imperativa se torna a moral”; “a mais extrema forma de niilismo: o nada (o “sem sentido” ) eterno!” Descartar o fanatismo, pela felicidade. Cada acontecer como traço fundamental do ser, “cada instante da existência universal”. Um extemporâneo, vivendo no futuro. Zaratustra não pretendia seguidores.
41
PRÉ CONCEITOS “Toda moral é, (...) uma parte da tirania contra a “natureza”, e também contra a “razão” (...) “estamos, desde o fundamento, desde antiguidades, — habituados a mentir.” Seria (é, diz Nietzsche), a “hipocrisia do que manda”. E mente... Servindo aos rebanhos que dizem proteger. Mentir como forma de sobrevivência, viver de aparência... Máscaras. “Valores” acreditados como verdadeiros, creditados como verdades, virtudes: “Uma nova espécie de filósofos: do perigoso talvez em todos os sentidos”...
42
UM À PRIORI “passar por alto o inteiramente contraditório ou descartá-lo”... “que origem tem propriamente nosso bom e mau”? Nietzsche buscou a sua, dele, resposta. Imoralista, separando o “preconceito teológico do moral”, não procurou mais “a origem do mal”. Deus como origem do bem e/ou do mal? Bom e mau favorecem ou travam a humanidade? Ascenção ou degeneração da vida? Vieram respostas e novas perguntas... Crenças e descrenças... Descrenças, desavenças. Violência. Preceito e preconceito.
43
VALOR E VALORAÇÃO “essa teoria procura o foco próprio de surgimento do conceito “bom” no lugar do errado”! Juízos supremos: bondade atribuída aos nobres, e a maldade aos plebeus, homens comuns... Sentimentos inferiores... Valores autoproclamados. Hierarquia e poder, valores e... opositores. Nenhum perdão ao não! Bom e mau, o bem e o mal. Linguagem como potência dos dominantes: na sociedade, no governo, nas religiões. Genealogistas da moral como egoístas... Rebanho. Palavra como forma de domínio. Sagrada ou consagrada, ou degradada. Instinto e valor, senhor-de-si? Senhor de quem? Valores nobres. Pobres... “ A “redenção” do gênero humano (ou seja, sua redenção como “senhores”) está muito bem encaminhada”, ironiza Nietzsche. Seja esta teocrática ou laica.. Dizer sim a si próprio é nobre: “a moral dos escravos diz não”.
44
CULPA E DÍVIDA “O sentimento de culpa, de obrigação pessoal” (...) “teve sua origem (...) na mais antiga e originária relação pessoal (...) entre comprador e vendedor, credor e devedor”... Medir valor, estimar(!), comparar e vender. Na instituição religiosa seria diferente? Eu dou, você recebe, diz-se magnânima, altruísta... mas espera recompensa, reconhecimento. Ofensa? Punir, cobrar. A dor alheia redentora, sacrifícios. Mutilações nas religiões, exorcizações. “Não foi por inocência que a Igreja pós-conciliar (...) mudou o texto do Pai-nosso, de “perdoai as nossas dívidas”, para “perdoai as nossas culpas”, ideias fixas. Leis divinas e humanas. Culpa é dívida. Da vida, dádiva. Somos devedores. Quanto mais pagamos, mais devemos. Deveremos sujeitar-nos?
45
CRENTES “A vontade de verdade precisa de uma crítica”; “o valor da verdade deve alguma vez, experimentalmente, ser posto em questão”. Os idealistas, os ascéticos radicais, esses “descrentes” também são crentes. Pretendem demonstrar o que creem... a “inverossimelhança” do que acreditam! Se consideram venturosos, com os crentes. Fundam uma “verossimilhança” — do engano, “Esses” céticos (...) pálidos ateístas, anticristos, imoralistas, niilistas (...), afirma Nietzsche, “ainda estão longe de serem espíritos livres, pois acreditam ainda na verdade...” Quando nada é verdadeiro, tudo é permitido? Quando o não é proibido com o mesmo rigor do sim. Podemos duvidar de toda espécie de crentes. E se Deus for a “mais longa mentira”?!
46
MUNDO VERDADEIRO “Somente da concepção “eu” se segue, como derivado, o conceito “ser”. “Felicidade é igual a instinto.” O mundo verdadeiro é aquele em que vivemos. O tal mundo “aparente” de Kant: a “realidade”, “só que selecionada, fortalecida, corrigida”, garante Nietzsche. Aquele “verdadeiro mundo” inalcançável é também desconhecido. Inútil. Ideia fútil. Se negamos o verdadeiro mundo em que vivemos, em que realidade viveremos?
47
CURAS E SINECURAS “negação da vontade da vida — é o próprio instinto da décadence que faz de si um imperativo: Vai ao fundo!” — ela é o juízo dos condenados. Falta a modéstia aos imodestos. Molestos. Haveria sinceridade, na sua credulidade, ingenuidade, boa vontade... “Cura” para eles! Pregam todas as curas! Sinecuras. “Castração, extirpação, óbulos e absolvições”. Danos incontáveis, vantagens, inconsúteis. Juízo do condenado: “Não!! O homem deveria ser de outro modo”? Ele sabe (...) como deveria ser, esse gabola e carola”: (Nietzsche, Crepúsculo dos Ídolos)
48
“NADA FICOU INTACTO” “A “crença” como imperativo é o veto contra a ciência — in praxi a mentira a todo preço”. A Igreja falsificou a história da humanidade “como pré-história do cristianismo”: Criacionismo. “Nada ficou intacto”. Formar rebanhos, “tiranizar massas”, “a prova do viver-ainda do redentor” — Ressurreição. Sujeição ao Julgamento — a “imortalidade” de onde não se regressa, nem se redime, fogo eterno de punição. Um morrer imaterial, sobrenatural, a vida condenada ao “além”, “tirou-se da vida gravidade”. Alma imortal? Anti-natural. Espectral. “Ninguém me salvará do mal.”
49
PRESENTE EM VIDA “(…) é preciso que um sentido, primeiramente (…) já tenha sido introduzido”. Realidade e vida: in status nascendi — a essência do ser e seu entendimento. Movimento natural, de si mesma — psyché. Fundamento. Enquanto e como real. Interpretar! Assumir, responsável de si, independente, consequente/mente. “Instância de geração, de gênese. Em suma: de Vida.” (Gilvan Fogel) Presente, dádiva, tensão, consider/ação!
50
SELEÇÃO COMO SALVAÇÃO “todos os valores nos quais a humanidade enfeixa agora sua mais alta desejabilidade são valores de décadence”. Por que o homem é tão corrompido? — pergunta Nietzsche, ensejando a resposta: “quando perde seus instintos (...), quando prefere o que lhe é pernicioso”. Para ele, a vida vale como “instinto de crescimento, de duração, de acumulação de forças, de potência. Onde falta a vontade potência, há declínio”. O niilismo, “sob os mais santos nomes”, dominam. O cristianismo depressivo, compadecido, força mermada, sentimento contagioso, ocioso. Aristóteles “via na compaixão um estado doentio e perigoso”. “Schoppenhauer está certo: com a compaixão a vida é negada, tornada mais digna de negação — a compaixão é a praxe do niilismo". A seleção seria a salvação do indivíduo.
51
NADA FICOU INTACTO “A “crença” como imperativo é o veto contra a ciência — in praxi a mentira a todo preço”... A Igreja falsificou a história da humanidade “como pré-história do cristianismo: Criacionismo. Nada ficou intacto.” Formar rebanhos, “tiranizar massas”, “a prova do viver-ainda do redentor”— ressurreição. Sujeição ao Julgamento — a “imortalidade” de onde não se regressa, nem se redime, fogo eterno da punição. Um morrer imaterial, sobrenatural, a vida condenada ao “além”, “tirou-se da vida gravidade”. Alma imortal? Anti-natural. Espectral. “Ninguém me salvará do mal”.
52
DEUS ANTROPOMORFO “A crença no corpo é mais bem fundamentada que a crença no espírito.” Deus “é” um espírito à nossa semelhança? Homem ou menino, mulher? É ou passa por verdadeiro? Deixar as razões e “elevar-se” pelas emoções: “com a ajuda de sentimentos e não de razões”.
53
INTERTEXTUALIZANDO “vontade incondicionada de não simular nada e ver a razão na realidade — e não na “razão”, e menos ainda na “moral”... :Nietzsche, aparentado com Tucídides e Maquiavel. (Existe cura para o idealismo e o cristianismo?) Era um discípulo do filósofo Diónysos: preferiria antes ser sátiro do que um santo... Ecce Homo. Satura Menippea, sátiras de Varra... Nietzsche desconfiava dos judeus, mas criticava ainda mais o romantismo exacerbado alemão. Platão aprendera dos judeus, no Egito, um pré-cristianismo...O idealismo. “Uma ponte que conduzia à cruz”. “Quem disposto a padecer / por vós buscará os retiros, onde com ais, e suspiros / soubera por vós morrer! (...) “Ó se de uma dor tão rara / ouvísseis um só gemido, e se um ai enternecido / A tais ouvidos chegara”. (Gregório de Mattos)
54
CONVICÇÕES SÃO PRISÕES “É algo que não vê longe o bastante...” “A convicção como meio”. Ao inverso, a necessidade de crença, de um incondicionado de sim e não (...) uma necessidade de fraqueza.” Não pertinência, dependência, obediência. Incapaz “de se propor como fim (...) de propor fins a partir de si.” Privação de si, mas são influentes, a partir da falência. Lideram muitos: convictos, fanáticos. Dogmáticos, “invictos”, mártires. Fé cega, faca amolada, disse João Cabral. Andar com viseiras, digo eu. Os céticos são espíritos livres. Zoroastro, enfático: “O “crente” não se pertence”.
55
MENTIR CONSCIENTE “Uma criança (...) mente com toda a inocência” (...) “diz, involuntariamente, sempre aquilo que corresponde ao seu interesse”. Mentir sempre, reconhecidamente, e acreditar na própria mentira. Assumir que mentimos sempre, e que somos sinceros nisso! Por isso, humanos... Por conveniência, como sobrevivência. Acreditar na alma imortal, divina providência, na existência de um deus, etc. e tal. E o dogmatismo decorrente “é proporcional à ignorância”. Pressente Flavio R. Kothe. Nietzsche resume: “A principal mentira é a que contamos a nós mesmos”.
56
AGIR (CONSCIENTE?) "Por quais motivos se age" no campo moral? "Por quais motivos se deve agir: isso perguntamos nós". Agimos por motivos: sermos ativos. Que apelativos, quais lenitivos??!! Os moralistas se diferenciam: uns observam como os seres humanos agem. Outros, reagem: Por quais motivos agem? Proativos... "Paisagem moral: o fato de que se age, e se precisa agir", não explica. Pressuposto comum: "Que se aja por motivos". Nietzsche duvida de agirmos por motivos: mas por estarmos vivos. Sobrevivência. Consciência? Por vir. Há-de-vir. "Há uma razão maior em todo nosso agir."
57
COGITO “A crença no corpo é mais bem fundamentada que a crença no espírito.” “Pela via cartesiana não chegamos a uma certeza absoluta.” Existo, logo penso. Não conheço porque penso: se penso, denomino, domino. Um ser que constitui o “eu”. Só existem para nós as coisas que pensamos... Desconfiamos das outras. “Existe” o que represento, assim também a coisa representada. Se for constante, creio ser verdadeira... Real como verdadeiro. Real é um existir, com ou sem valor (verdadeiro). A cada ato corresponde um autor? Só conheço o efeito, onde está a causa?
58
ESCOLHER? LEIT MOTIV "As morais são também elas uma mímica dos afetos." "As morais como pantomimas dos afetos (...)" Que busca o indivíduo nas ações morais? Nietzsche pergunta, eleja você: — "justificar o autor diante dos outros"; — "fazer que ele se acalme e fique satisfeito"; — "pregar a si mesmo na cruz"; —- "exercer vingança contra os outros"; —- "esconder-se"; — "quer se glorificar, seja diante de si ou dos outros"; —- "quer obedecer" (...) —- "quer dominar e humilhar”; — todas as anteriores.
59
QUANTO VEJO DE JUSTIÇA "Quanto vejo de bondade, vejo de fraqueza. Quanto vejo de justiça e compaixão, vejo de fraqueza." ZARATUSTRA Converteu-se em animal doméstico e antecipa bondade em troca de bondade. E dizem ser isso: virtude. (Escambo...) Zaratustra, o sem Deus. Busca seu semelhante. Amando o próximo, amando a si próprio. Espera que acreditem nele, venturoso "como poetas, decifradores de enigmas e redentores do acaso ensinei-os a criar o futuro e tudo que foi, a redimir criando." "E somente para criar deveis aprender." Assim falou Zaratustra.
60
"TU DEVES, TU TENS DE" "minha torrente em errâncias" e insaciedade. "um ter-de incondicional eu só raramente posso me reclamar... é vaidade que quer que um só "ter de" seja o "ter de" de todo mundo"! Não levava os seres humanos totalmente a sério. Por que? Para quê? Que a forma não seja uma uniformidade. Que o "eu quero" não se transforme em "tenho de". Em vez de preservação da espécie, superação da espécie! Um poço sem fundo, astros gravitando em nosso redor, dando voz ao instinto. "Pensamento e sentimento".
61
EU ME SUPEREI "uma chama mais clara inventei para mim". "Eu me superei." "Ainda és para mim um prisioneiro, que pensa na liberdade". ZARATUSTRA Pelas terras que Zaratustra, andarilho, percorreu, encontrou as obras (valores) dos que amam, mas com sentido. Consentido. "Naquele que se elevou, a alma se torna gaia." E o querer liberta. "Do futuro chegam ventos com misteriosas batidas de asa.” O pessimista Nietzsche se redime: "de vós, que vos elegerdes a vós próprios, há de crescer um povo eleito". Assim falou Zaratustra.
62
PARA ALEM DO BEM E DO MAL "eu não saberia viver se não fosse ainda um visionário daquilo que há de vir." ZARATUSTRA Responder com perguntas. E um poeta? "Eu ando entre homens como entre fragmentos do futuro: daquele futuro que eu vejo.” Enigma e acaso. Que nos acorrenta ainda? "agora uma sede me devora, uma aspiração, que nunca silenciará". Nenhuma vontade eterna. E livrar-se da servidão dos fins: "Todo meu bom e ruim, gritou em mim". Assim falou Zaratustra.
63
SOMBRA E LUZ "Ó Zaratustra, tu és mais devoto do que acreditas, com uma tal descrença! Foi algum Deus em ti que te converteu ao ateísmo". Deus de si mesmo. Eu-Deus. "tua lealdade desmedida ainda te conduzirá para além do bem e do mal". Um sem-Deus, deus de si mesmo, profetizando a "crença em palavras e valores". "Onde está aquela mentirosa inocência que uma vez possuí?" Aquele que foi, e, resignado, reconhece: "Muita vez pensei mentir, e vê! só então encontrei — verdade." E arremata: "Ai, somente quem sabe para onde viaja sabe também que vento é bom e qual é o vento de sua viagem”. "Dissestes alguma vez sim a um prazer? 0/7, meus amigos, então dissestes sim também a toda dor." De Assim falou Zaratustra
64
VONTADE DE POTÊNCIA “Toda força impulsora é vontade de poder”. “Essência íntima do ser”. Pathos. Transmissão de valores: “transvaloração”. Além da vontade de verdade... Verdade? Aquele desejo incontido de ir além, de superar-se. Afim com a natureza, com a sociedade, e sem fim. Vital, mas determinado, no conhecimento, afinal!!! Biológico e orgânico, em função da vida: lógico. Não apenas viver... mas para quê. E alargar. Nada passivo ou reativo: proativo, ativo... Não é domesticar-se... Nem apenas individual. Dual!!! Uma força universal! Além do vital. Além do bem e do mal. Não é um princípio ou força física. Final... Quanta de força. Dinâmica. Devir além do ser.
65
SENTIDO “Uma coisa em si é algo tão absurdo quanto um sentido em si” (...) “é preciso que um sentido primeiramente sempre já tenha sido introduzido”. Sentido quer dizer: já senti. Passado, vivido, pressentido. Sentido é orientação, orientação indica oriente, oriente é nascente, anterior... É embasamento, a priori. Atento. Aquilo em que me sustento. Possibilidade de ser, sendo, movendo a si mesmo, de si para si, sido-sendo. Entendo! Impossível viver sem sentido...
66
INTER(PRET)AÇÃO “Não se tem direito de perguntar “Quem interpreta?”, mas o próprio interpretar, enquanto forma de vontade de poder, tem existência (não como um ser, mas como processo, como devir) como um afeto.” Modo próprio de ser da vida, mover a si mesmo. Não à esmo. Pro-move! Existência, essência. Interpretar: verbo, atividade, ação. É ser! Vida como interpretação. Em ação, sendo, interpretar-interpretando. O intérprete, o interpretável, o interpretado. Entendimento e saber, história de vida. Ente-ndi-mento do ser interpretante, da própria coisa, em sentido interposto. Em seu sentido próprio, de origem. Jamais imposto ao texto, ou pretexto!
67
MORAL “a vida não deve ser negada, pois a moral não está acima dela”. “Precisamos nos livrar da moral para podermos viver moralmente.” Para Nietzsche, não existem fenômenos morais, mas interpretação moral dos fenômenos. Menos: espécie de ventriloquia... espécie de alquimia relativa à química, fala por nós, sem nosso aval. Moral sem moral, menos mal... “As pessoas morais têm sua vaidade nos escrúpulos”.
68
VESTAIS MORAIS “avaliar a moral— de acordo com o quê?” “não permaneceu de pé nenhuma tábua de valores.” “Toda moral é efetivamente apenas um refinamento das regras de medida (...)” Das contradições às superstições.. Serviria apenas para louvar e recriminar... Impõe obediência e lei, penitência. Desistir da vida pela insatisfação moral? Mas Kant pregou um parâmetro do Bem e do Mal. “Não se deve procurar a moral nos escritores sobre moral”... (Nietzsche!) Moralistas deprimidos, “impotentes vingativos”... Instintos transformam-se em monumentos, pedestais: guerras religiosas erigiram vestais.
69
INSTINTO DE REBANHO “O pastor é um instrumento dourado do rebanho.” “(...) desprezado era o eu e sobre tudo pairava o rebanho.” “Esquece a ti mesmo em prol do rebanho! Ama o pastor e honra a mordida do cachorro”. “Eu sigo”. Ou morro, pela minha individualidade! Ou obedecer. Crer e seguir o rebanho, ou “ser-acima-do-humano” e “ter um objetivo”. Próprio. Um “refazer criativo”. E o sofrer “de quem busca conhecer”. Transformar-se! E concluindo: “Antigamente eu estava escondido no rebanho: e agora o rebanho ainda está escondido no eu”. Eu, heim! Dizer: nem vem que não tem...
70
CASAR? “Querer-amar revela cansaço e saturação de si mesmo”. “(...) aquele que quer ser amado gostaria de receber a si mesmo de presente”. Que o amor não seja “pecado” na origem e na finalidade. Castidade? Sim à sensualidade! Afeto como “descanso”, irracionalidade. Que o “casar” não venha antes do “amar”, lembra-nos Nietzsche. Que não seja “sujeição”... Obediência... Se tem asa, não se casa...
71
SOFRIMENTO E REMISSÃO “O asceta trata a vida como um caminho errado.” A vida deve ser vivida. Em vão? Sofrer como remissão? Missão? Valores de conservação, ideais, obediência incondicional, renúncia. Castidade x sexualidade. Reprodução egoica, desígnio... Amortecimento do sentimento de vida, adestramento e sujeição... Felicidade menor, ser gregário. Finitude e a indignidade. Ingente agonia, feliz no martírio: aliviar-se por assumir a fraqueza, haurido de penitência.
72
AUTOSUPRESSÃO (Selbstaufhebung) “Todos os instintos que não se descarregam para fora voltam-se para dentro — (...) interiorização do homem.” Nietzsche: autor e personagem — o homem é um animal doente — assente: animal em transformação. Ação contínua, experimental, superação. O homem quer dominar o homem, a natureza, e até os deuses! A fé que pretende demolir... a fé. Autoconhecimento? O que é? Paradoxo: buscar a autoconservação. Sujeito ao acaso, ao instinto: o “mais doente, mais inseguro, mais mutável, mais flexível dos animais.”! Uma hominização estressante, ressentida, consciência de culpa. Sofrimento. Expiação. Transfigurado em “pecador”. Dor. Rebanho domesticado, penitente. Inferno na terra: interno...
73
ÂNIMA / AÇÃO “O estilo deve provar que o sujeito acredita em seus pensamentos, e que ele não apenas os pensa, mas sente.” Signos convencionais nos unem e nos separam. Operacionais. Conhecer para organizar-se, ordenar-se, dar-se rumo/sentido. Necessidades vitais, instru mentais. O corpo precisa traduzir-se, comunicar-se, entender-se. E o inconsciente? Imanente. Forças orgânicas divergentes. Quem garante “que todos pensam com as mesmas palavras?” Diferentes interpretações: sem verdades universais. Suposições, superstições. Formulações conscientes. Divergentes.
74
CORPO PENSA “Tudo isso que chamamos consciência é um comentário mais ou menos fantástico, sobre um texto não sabido, talvez não “sabível”. O corpo inteiro pensa, apropria-se do mundo. Transforma-se em linguagem inteligível. Por códigos. Símbolos. Signos. Impulsos, instintos, interpretações. Corpo como texto apreensível, decifrável. Além da consciência, sujeito ao instinto. Impulsos x funções conscientes. Além do nosso conhecimento. As palavras não bastam. Mas “um mesmo número de vivências recorrentes (...) com base nesse rápido entendimento, as pessoas se unem (...).
75
PENSAR COM PALAVRAS “Exprimimos nossos pensamentos sempre com as palavras que se acha à mão” Pensamos com as palavras que conhecemos. Nas línguas que dominamos, extensão do aprendizado e da memória. Familiaridade com as palavras, capacidade de expressão, possibilidades... Diversidade e estilos, singularidade. Fabulário. As palavras ampliam os limites da comunicação. (Também ampliamos o sentido das palavras, ou as reinventamos e criamos novas...) Salvem-nos as metáforas! Interpretações, sensações, estados extremos do corpo. Pensamento sem centro físico de apoio. Aporia. Pensamento sem fundamento, signos que surgem organicamente: mente sem fundo físico determinado. Mistério insondável. E as imagens? Miragens, gestos, onomatopeias. Pré-conceitos em perspectiva. Quando esquecemos ou não temos as palavras...
76
SIGNO, SIGNIFICANTE, SIGNIFICADO “O mundo (...) é diversamente interpretável, não tem nenhum sentido por trás de si, mas inumeráveis sentidos.” Relação instituinte do interpretante. O interpretável dá lugar a interpretações. In f i n i t a s. Não há fatos, apenas interpretações! Impulsos. Nossos impulsos nos levam às interpretações. Delas às ações. Do inconsciente ao consciente. Vontade de potência. Mais fisiológica que lógica. Luta. Entre apolíneo e dionisíaco. Interpretabilidade do mundo. Uma perspectiva. Ad infinitum. Valores. “(...) o sentido de valor do mundo está em nossa interpretação (...) Vânia Dutra de Azevedo.
77
SIGNIFICAR “Isso é “ (...) “o único sentido possível: “Isso significa”. “essa inocência, de acreditar na inteligibilidade dos conceitos”. Invenções: ”o sujeito, o eu”. Nunca é, significa. Em um mundo de aparência, “ter-se por verdadeiro”. Porque designamos o reconhecível — que “permanece”... mesmo em transição/ imperceptível embora reconhecível. Das imagens derivamos conceitos para o conhecimento. Conhecimento? Preceitos, pré-conceitos. “Veracidade seria uma tendência contra natura.” Palavras como sinais e não verdades o que designamos. O metafísico como verdadeiro, em vez do aparente para o crente. Enfim: o útil no lugar do verdadeiro, embora fútil.
78
PSICOFISIOLOGIA “Toda lógica na natureza se resume a sistema de prazeres e dores.” “As leis da vida comunitária humanas são as mesmas do reino animal: crescimento constante e superação do próprio nível.” Processos culturais e vitais se mesclam, integram, completam: “impulsos fisiológicos”. Não seria um vir-a-ser: vive de si mesmo [o mundo], subsiste, vive dos excrementos. Autosuperação contínua, superação de si. Ou decadência. Consciência como evolução orgânica. Somos múltiplos, em diferentes etapas. Também “pensamos sem saber”, parte inconsciente, aflorante, contraditória. Bloquear, impedir, cercear a consciência! E até esquecer, voluntária/mente... “Eu” múltiplo, vário, mecanicista e atomista... “Forte e fraco são conceitos relativos”? Entendeu?
79
VERDADES I “O que é verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos (...) as verdades são ilusões (...) metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível (...)” Verdades como criações de circunstância, contingentes e empíricas da experiência vital, jamais a-históricas, eternas, absolutas. Fixações, resultados do desenvolvimento humano evidentes, hereditários. Transformações de conceitos biológicos em filosóficos. Meta-compreensibilidade, supraindividual, ou mesmo a inversão da compreensibilidade — pretender uma compreensão universal... Nietzsche coloca em dúvida o consensus saptientum como prova da verdade... Se todos compreendem mutuamente então estão diante da verdade?
80
VERDADES 2 “Que as coisas tenham em si uma natureza independente da interpretação e da subjetividade é uma hipótese inteiramente ociosa (...)” Compreensão inequívoca? Sistema de conceitos? Pré-conceitos? A que estaríamos sujeitos? Vulgarização? Algo em comum entre nós? Nietzsche instaura a filosofia da interpretação. O mundo se revela em um infinito de relações. Perspectivas! Maior a perspectiva, mais objetiva. A verdade não é nos é dada, mas criada. Transformada. Potência em movimento. Verdade como ficção. “Moral” da estória: o útil não é necessariamente verdadeiro, mas o que parece ser verdadeiro é que se torna útil... O útil é falso, e a verdade seria privilégio de espíritos livres... Potência, mutação. Revalorar valores.
81
VERDADE OU VERDADEIRO? “Nada existiria que pudesse se chamar conhecimento, se o conhecimento não começasse por transformar o mundo em “coisas”, em substância, idêntica a si mesma. É graças ao pensamento que o não verdadeiro existe”. “O conhecimento é por si uma representação contraditória.” Acreditamos ser verdadeiro aquilo que criamos: conhecimento como fábula. Conhecemos aquilo com que nos relacionamos. E determinamos. Haveria o conhecimento do conhecimento? “O conhecimento é o julgamento.” Obedecer em vez de examinar. A crença nós criamos fora da ciência. “É necessário, portanto, que haja coisas tidas como verdade, não coisas verdadeiras.”
82
CIENTIFICIDADE DA FILOSOFIA “O mundo visto de dentro, o mundo determinado e designado em seu “caráter inteligível” — seria justamente “vontade de potência”, e nada além disso.” Nietzsche buscou a cientificidade da filosofia. Antidogmática e antimetafísica. Consequente com a natureza, o orgânico e o inorgânico conjugados; nossa existência em vez da mera sobrevivência, buscando a superação. Repetimos: Autosuperação em vez de buscar a conservação. Concepção de vida biológica e genealogia da moral. Expansão da vontade de potência: única referência possível para a vida. Forma única de fundamentação do mundo. Ciência e filosofia com estética, produção cultural. Referências científicas como metáforas na filosofia.
83
DECIFRANDO NIETZSCHE “(...) o mundo (...) tem um decurso “necessário” e “calculável”, mas não porque nele reinam leis, mas porque absolutamente faltam leis (...)” Sendo tudo “interpretação”, esta é também uma interpretação. Pois não. Da perspectiva de um autor em sua “vontade de potência” de onde tira sua consequência. Quem filosofa são os nossos impulsos! Onde a objetividade e a impessoalidade do texto? Da polissemia do léxico à mensagem unívoca: o abismo. Fugir dos elementos precisos, ir aos elementos possíveis... Daí o “olhar”...
84
RUMINAR “Escreva com o sangue; e aprenderás que o sangue é o espírito”. ZARATUSTRA. “Em última instância, ninguém pode escutar mais das coisas, livros incluídos, do que aquilo que já sabe.” Como vacas apascentadas, ruminar... Em repouso, para poder interpretar. Da cumplicidade à imparcialidade. E vice-versa, nova versão... Aceitação, sem conclusão definitiva. Eterna enquanto dure... (Vinicius) Uma nova hermenêutica, propedêutica... Experimentar com o pensamento! Vivência. Mas só conseguimos ouvir a partir da experiência.
85
LEITURA DE MUNDO “e quanto mais afetos permitirmos falar sobre uma coisa, quanto mais olhos, diferentes olhos, soubermos utilizar para uma coisa, tanto mais completo será nosso “conceito” dela, nossa “objetividade”. Nossos afetos, quanto afetos mais, interferem e determinam nossa visão. Tanto mais “objetiva” nossa interpretação: nosso sistema semântico por nossos afetos. Perspectivismo. Ativismo semântico. Condição do humano. Expressividade. Percepção valorativa. Leitura ativa.
86
WILLE ZUR MACHT E 0 CONHECIMENTO “Do estado consciente vêm inúmeros erros que fazem um animal, um ser humano, sucumbir antes do que seria necessário, “contrariando o destino”, como diz Homero.” Paradoxo: só há verdade em afirmar que não há verdade. Mas... não existe uma verdade final, derradeira... Sem cair no relativismo... Hastear-se na vontade de potência! Na contradição que impulsiona um devir, perspectiva. Paradigma epistemológico: fluxo de opostos do viver. Quanta de potência. Conhecimento vivo. Cognição. Diante de um espelho: como deformação, inversão: que a-parece com o que reflete, re-flexão, no lugar do real. “O homem foi educado por seus erros”(...) “A maior parte de nosso ser nos é desconhecida”. Quem duvida?
87
SER “Sem prazer não há vida; a luta pelo prazer é a luta pela vida.” “Tudo no âmbito da moral veio a ser, é mutável (...)” Afirmação de vida. Contra os equívocos da moral ocidental, fontes de todo mal. Livrar-nos de culpa e pecado — “erros da razão”. Ira divina. Flagelação. Expansão da vida: “tudo é necessidade — assim diz o novo conhecimento.” “Sentimento do próprio poder.” Contra um Ser estranho, ensejar o próprio ser. “Ser ou não ser, eis a questão.” (Shakespeare)
88
EGOISMO “O egoísmo não é um princípio, é só e unicamente fato.” Para Wollf — criador da seita dos “egoístas” — nada existe fora da consciência do egoísta. Até onde a vista alcança... Sou egoísta, tu também, somos todos egoístas... ainda bem... Só existe o “eu mesmo”, nada além. Solipsismo: fora do indivíduo, só existem fantasmas, vaticinou Schopenhauer. (Nietzsche questiona o conceito de “indivíduo”.) Tantos egoísmos, quanto seres humanos... “Amor por si mesmo” (Aristóteles). Amor próprio? E o próprio Amor, por favor! Meu/teu “gosto” como padrão estético para os outros. Egotismo (Unamuno) que se exalta, sempre em alta. E o espaço para a crítica, autocrítica?!
89
HEMIPLEGIA DA VIRTUDE “O homem bom que renunciou ao mal, acometido por essa hemiplegia da virtude, (...) não cessa tampouco de fazer guerra, de ter inimigos, de dizer não, de “fazer não”. Para o cristão, “o mundo transborda de coisas odiosas”, dignas de combate e castigo. “É-se bom com a condição de saber ser mau, é-se mau porque de outra forma não se poderia ser bom.” Ninguém é totalmente bom, nem é totalmente mau. Sujeito à condição moral... Comungo com as “virtudes dianoéticas” de Aristóteles: intelectuais. E a virtude (pouco) virtuosa de Maquiavel, sagaz. Virtude como hábito, não espontâneo (Schiller) X Virtus como potência, de Nietzsche. Que aperfeiçoa, tranforma, “abençoa”?! Modo de ser? Só o virtuoso é feliz? E o idiota, quê?!
90
O HOMEM RELIGIOSO “A religião aviltou a noção de homem; sua consequência extrema é que todo bem, toda grandeza, toda verdade, é sobre-humana e dada pela graça.” Saio de cena, me calo, deixo Nietzsche argumentar: O homem “passivo”, “sofrido”, sem a unidade pessoal, alteração da personalidade: o sobre-humano avilta o homem. “O homem se diminuía: dividia entre duas esferas seus dois aspectos, um desprezível e fraco, o outro forte e surpreendente; chamava a primeira esfera “homem”, a segunda, “Deus”.”
91
PODER SACERDOTAL “a que preço é paga a reforma moral?” Sabedoria política: quem quer os fins, quer os meios. Eliminando a razão, reduzindo-a ao medo, arremedo de uma salvação: “Submissão a uma tutela sacerdotal” — o sacerdote é inquestionável, inatacável —, expressa a vontade divina; “um falso saber no lugar da análise e da experiência” — “como se deve fazer e não fazer” já estivessem determinados; — a lei “divina” passa a ser fim supremo, ou a punição que levaria à perfeição; — a “aspiração à verdade converte-se no estudo da Escritura”. A criatura sob a espada do Criador e a mediação sacerdotal como cura e salvação.
92
DIFERENÇAS E CRENÇAS “As qualidades são nossos limites intransponíveis.” “As qualidades são nossa mais autêntica idiossincrasia humana.” Apenas conhecemos o que é quantificável. Nossos sentimentos estão ligados às qualidades — são intransferíveis. Qualidades — não generalizáveis —nos diferenciam. Crenças pretendem igualar-nos. Podemos imitar, plagiar, seguir exemplos... mas continuaremos diferentes. Somos e devemos continuar diferentes. (...) “exigir que essas interpretações e esses valores humanos (..) sejam valores gerais (...) faz parte das loucuras do orgulho humano.”
93
DIVERSIDADE “A humanidade não é um todo; é uma multiplicidade inextricável de processos vitais ascendentes e descendentes.” Quem desmente? Temos mesmo a mesma origem? A humanidade é múltipla, variada, diversa, controversa, diversificada. Em diferentes idades, origens diferentes, raças, culturas, estágios civilizatórios. — “Unidade na diversidade”, queria Gilberto Freyre para a multirracialidade brasileira. Que possível hegemonia política, ideológica, unificação religiosa, filosofias de vida? Por que, para quê? Que crenças, que deuses, valores? Fundamentalismos. — Papa Francisco: “No es necesario creer en Dios para ser una buena persona.” (... ) En cierta forma, la idea tradicional de Dios no está actualizada.”“Algunas personas en la Historia no creían en Dios, mientras que muchos de los peores actos se hicieron en su nombre”.
94
MEDIOCR ... IDADE “ Os medíocres prevalecem e fazem triunfar seus critérios de valor.” “crise mórbida” (...) “verdade única de que quem nada possui, nada é.” (...) “colocar os fins no rebanho e não em indivíduos”. Cristo não deixou escritos. Foi descrito e versejado, endeusado e deturpado. Textos reescritos e textos rejeitados. “A Igreja é um episódio do triunfo do anticristianismo”, denuncia Nietzsche. Só se vê o Cristo na cruz, milagres, penitência, fé com reverência. A Igreja teria caído na doutrina da recompensa e do castigo. Recompensa para fugir do castigo... “Vida eterna” contra a vida pessoal, reprimida. Qual seria o Cristianismo original, de Cristo? “O “cristianismo” tornou-se algo de totalmente diferente do que fez e quis seu fundador.”
95
MUNDO MUNDO VASTO MUNDO... “O mundo não é senão pensamentos.” Se a natureza não é regulada por seus fins, o pensador também “encontraria” sem buscar. Método ajuda, não resolve, ou pior: leva apenas ao pressentido... Vamos ao mundo por todos os sentidos (expandidos, empoderados). Hipóteses “apenas” orientam. Haveria um “movimento antiteleológico”? Apesar disso, Nietzsche, mantém “o fim” e “o querer” em nós como uma ilusão... Questão de fisiologia ou de estética? Química, mecânica ou metafísica? Nosso corpo como guia: observando o mundo no nosso próprio espelho... Verdades provisórias...
96
POTÊNCIA DA VONTADE “O que é mais bem desenvolvido no homem é sua vontade de poder.” “Nossos instintos são redutíveis à vontade de poder.”
O “ser” acontece no fato de “viver”. “Nada podemos imaginar senão materialmente.” Em m o v i m e n t o, o pensamento... criar desejos e a vontade de poder e dominar. “Móvel” do mundo orgânico e... inorgânico: — “mesmo a explicação mecanicista do mundo também requer um móvel”. DEUSES somos, partes do universo e ao universo vamos por nossos desejos. “Temos acesso ao universo somente por meio de nós mesmos”.!
97
CRESCER “A mecânica é uma simples semiótica das consequências.” “o prazer é apenas um sintoma de sensação de que a potência foi atingida” (...). “o prazer acompanha o ato, não o põe em movimento.” A vida: um vir-a-ser e um deixar de ser. Enquanto... portanto... tanto e nem tanto. Casual-idade? Hereditariedade. Acumulação de força, desperdício, economia — vontade “de aumentar em quantidade, em força”. Alimentar-se: não é por sobrevivência. Espinosa pregava a “conservação em si mesmo”. Nietzsche refuta: “não é para se conservar, mas para crescer.” Mundo: “um mar de forças em tempestade e em fluxo perpétuo”. “Este mundo é o mundo da vontade de potência e nada mais. E vocês, vocês também são essa vontade de potência e nada mais”.
98
CORPORE SANO “Toda espécie de inclinação, de amizade, de amor é ao mesmo tempo fisiológico. Ninguém de nós sabe em que profundezas nem em que alturas atinge a realidade física.” “Suponho que em todo ser orgânico a memória é uma espécie de espírito.” Relação entre corpos: aproximações e rejeições, assimilação e reprodução. “Nós fundimos a reação com a coisa que agia em nós.” Vida/amor como regulação de equilíbrio entre formas, estabilidade dos contrários = negociação ou supeditação necessárias. Amor é uma forma de alimento do ser. Potência, comando, crescimento. Sens / ações táteis.
99
SEMI - ÓTICA “o ser verdadeiro das coisas é uma invenção do sujeito que as representa para si e que nada poderia representar-se sem essa ficção.” Pensamos por escolhas de representações das coisas. Um mundo exterior de imaginação em vez de “inconsciente”. Só vemos (percebemos) e entendemos se nos interessamos. O que buscamos. “O pensamento consciente consiste em escolher entre as diversas representações.” Comparando com o que conservamos, nos identificamos. As nuances dessa relação cabem à semiótica. Ótica. Relação entre sujeito e objeto.
100
INDIVÍDUO E DEVIR “Os fins do indivíduo são necessariamente os fins da espécie? Não.” O valor do mundo depende de interpretações possíveis, impossíveis no rebanho. “o homem exige que se triunfe sobre interpretações mais estreitas”: vontade de potência e resistência: existência. Invenção de mundo — verdadeiro enquanto essência e consciência. E a capacidade de absorver em si o outro em nosso “caráter do ser”. Valer por atribuição, superação e prazer. Devir. Mallarmé: Un coup de dés jamais n'abolira le hasard... Nietzsche havia se adiantado e indicado: “A moral individual: em decorrência de um lançamento de dados ocasional, existe um ser que está à procura de suas condições de existência” (...)
ANTONIO MIRANDA (Antonio Lisboa Carvalho de Miranda), poeta, escultor e dramaturgo, nasceu no Maranhão, em 1940 e mudou-se para o Rio de Janeiro aos 7 anos de idade. Foi para a Venezuela na época da Ditadura Militar, onde obteve o título de Licenciado em Bibliotecologia. Fez mestrado em Information Science na Inglaterra e doutorado em Comunicação pela USP/ECA. Trabalhou na Embrapa, na CAPES/MEC e no CNPq, até ingressar como professor da Universidade de Brasília, onde chegou a Professor Titular e a Professor Emérito. Atualmente está na Direção da Biblioteca Nacional de Brasília. Autor de mais de 50 livros de poesia, contos, novelas e livros científicos e técnicos, além de centenas de artigos científicos, ensaios literários, crônicas e prefácios de livros. Muitos de suas obras foram publicados em espanhol, italiano e russo, em diversos países. Foi o fundador dos grupos de teatro Rajatabla, da Venezuela e Cuatro Tablas, do Peru, sua autoria (livro em 1969 e peça musical e poética em 1971, com apresentações em muitos países das Américas e da Europa, obtendo diversos prêmios. Mantém, desde 2003, o Portal de Poesia Iberoamericana (www.antoniomiranda.com.br) com mais de 18 milhões de visitas até 2016.
COLOFÃO A 1ª. edição deste livro — DIALOGANDO COM NIETZSCHE ALÉM DO BEM E DO MAL”, escrito entre 2014 e 2015, foi originalmente publicada pela editora Patuá, na cidade de São Paulo, em 2016. Detectamos, a posteriori, um problema: os textos dos poemas 44 e 49 estavam repetidos. Questão a ser resolvida se fizermos uma nova tiragem. (A edição original foi de apenas 100 exemplares.) Na presente versão em formato de E-BOOK, substituímos o texto do poema 49 por outro produzido para este fim. E-book produzido em dezembro de 2016, edição da editora POEXILIO,