Escola EB23/Sec.de Oliveira de Frades
Katársis II Uma revista de Filosofia, Psicologia, Poesia e outras coisas afins….
50 Katársicos
Nº 1
“O homem que vê mal vê sempre menos do que aquilo que há para ver; o homem que ouve mal ouve Nietzsche sempre algo mais do que aquilo que há para ouvir.”
FICHA TÉCNICA
Editorial Depois de um pequeno intervalo de cerca de três anos eis que surge novamente a revista Katársis (II) na nossa escola. Na altura, ela foi o resultado de uma tentativa de conciliar os conteúdos filosóficos inerentes ao programa, com as perspectivas pessoais dos alunos sobre os mais diversos temas. Conseguia-se, por um lado, cultivar filosoficamente os discentes e por outro, promover a produção de textos, desenhos ou poemas originais, “obrigando-os” a escreverem e, acima de tudo a reflectirem, a pensarem por si próprios e a fundamentarem as ideias que lhes pareciam ser as mais correctas. Com maior ou menor dificuldade, conseguiu-se organizar um leque de textos razoáveis dos quais brotou a revista anterior. Todavia, se nessa altura os alunos que trabalharam na revista eram exclusivamente do ensino diurno, agora são em maioria do ensino nocturno, o que não deixa de ser um desafio maior, pois todos nós conhecemos as limitações inerentes a estes alunos, não a falta de capacidades, mas a falta de tempo efectivo para realizar textos de carácter reflexivo ou estudar e preparar convenientemente as matérias, pois são quase todos trabalhadores-estudantes. Nesta nova revista foi aberto o espaço também aos professores, (embora este nunca tenha estado efectivamente fechado) numa tentativa de despertá-los para a escrita e para a reflexão. Jorge Marques Guedes
e
Albertino
DIRECÇÃO E CONSELHO EDITORIAL
Jorge Marques e Albertino Guedes PROPRIEDADE
EB23/S. de Oliveira de Frades COMPOSIÇÃO E IMPRESSÃO
Reprografia da Escola IDEALIZAÇÂO DA CAPA
Jorge Marques MONTAGEM
Jorge Marques e Albertino Guedes
REVISÂO DOS TEXTOS
Albertino Guedes e Jorge Marques
AGRADECIMENTOS
A todos os alunos e professores que participaram na revista, ao Conselho Executivo pela disponibilidade concedida; aos funcionários da reprografia pelo trabalho acrescido em tempo de aulas.
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Publicidade e Discriminação Social Começo por dizer que estou desempregada. Fui rejeitada para uma vaga de empregada de balcão, porque tinha uns anos e uns quilos a mais. Em vez de mim, contrataram uma jovem esbelta. Senti-me discriminada. Resolvi comprar outro jornal, para uma nova tentativa e, foi então que relembrei o começo do meu dia. Apercebi-me, então, que a mesma manipulava o Ser Humano, fomentando a discriminação social.
Recordei, então, anúncios relacionados com a alimentação e constatei que eram feitos por jovens bonitos e elegantes, que apelavam à sua forma física. Insistiam, também, que engordar é nefasto para o nosso corpo. Embora isso seja verdade é, porém, necessário ressalvar o perigo da extrema magreza, que em casos avançados, pode levar à morte, como recentemente aconteceu com algumas modelos brasileiras. Por outro lado, a publicidade a produtos de emagrecimento mostra uma falsa realidade, na medida em que quem consumir os referidos produtos não irá conseguir uma forma física igual às dos modelos. E isso acontece, porque o valor nutricional dos produtos é exactamente igual ou até pior aos dos restantes. Ao lembrar-me da publicidade de alguns produtos, como por exemplo, de higiene, saúde, de beleza, perfumes, entre outros, constatei que, também esta era feita por um modelo estereotipado de pessoas aparentemente saudáveis. E interroguei-me: Porque será que os idosos, os anões, as pessoas com as mais variadas deficiências são discriminadas e, não são vistas a fazer publicidades? Elas, também, têm os seus encantos, também usam os produtos acima enunciados e fazem parte da sociedade. Por último, apercebi-me que, numa entrevista de emprego dá-se mais valor a uma boa aparência física do que a um invejável curriculum. Isto é uma prática corrente em Portugal e está provada por dados apresentados pela comunicação social. A mesma comunicação social que se esquece disso e continua a insistir numa publicidade que se centra, apenas, num único estereótipo de beleza. Infelizmente não existem só pessoas magras, jovens e bonitas. Existem todas as outras, que não seguem o padrão de beleza actual, e que também têm direito a um emprego e a uma vida sem discriminação social. Em suma, a publicidade, quando mal usada, impõe-nos, inadvertidamente, um determinado estereótipo de pessoas e, quem não o seguir, é discriminado socialmente não só por palavras, mas por gestos e acções. Assim, já que a comunicação social e, em particular a publicidade, exerce um poder tão grande nas mentalidades de cada um de nós é, também, o seu dever começar a mudá-las e a trabalhar no sentido de uma menor discriminação social.
Dalila Sousa 11ºNA
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KATÀRSIS II
Animalidade e racionalidade As questões ético-morais são sempre sinal de grande controvérsia. Basta passar os olhos sobre as diversas perspectivas filosóficas sobre o assunto para confirmar esta afirmação. Na perspectiva de um autor alemão, de que já todos ouvimos falar, ou seja, Kant, o acto considerado correcto ou moral, não suscita quaisquer dúvidas para o indivíduo que o executa, uma vez que pela sua capacidade racional ele é capaz de discernir correctamente o que deve ou não deve fazer em determinada situação. Somos livres de optar moralmente, muito embora esta liberdade só seja autêntica quando seguimos sem hesitações a “lei moral”, que está presente em cada um de nós, na nossa razão. Para este autor, só somos verdadeiramente livres e autónomos quando fazemos não aquilo que queremos, mas aquilo que devemos, seguindo sem reservas a nossa voz interior. Deste modo, sou livre porque me submeto a um princípio que me é dado pela minha própria razão, isto é, algo que vem de dentro e não de fora como é o caso das inclinações, interesses, desejos, caprichos, etc. que nos afectam a partir da nossa exterioridade. Portanto, eu não sou livre, se não consigo dizer não a algo que me apetece fazer, mas que a minha lei moral me diz que não devo fazer, pois estaria a contrariar a minha racionalidade. Neste sentido, podemos dizer que todos nós tendemos grande parte das vezes para a animalidade e muito poucas vezes para a racionalidade e consequente liberdade. Conclusão: quase nunca somos livres! Na perspectiva kantiana, querer e dever são conceitos que parecem “chocar”, pois o querer está normalmente associado às nossas inclinações e interesses e o dever aos ditames da nossa razão. Como”animal racional”, tal como a expressão indica, o homem não é só animal, nem é só racional. Ora, se a pretensão é progredir na direcção da racionalidade (afinal este é o conceito que nos define!) então, no campo da moralidade, devemos procurar aperfeiçoarmo-nos continuamente, ou seja, ele deve eliminar progressivamente a sua tendência natural para agir em função de aspectos sensíveis, materiais e do seu interesse próprio, apelando o mais possível à sua interioridade, à “lei moral”, promovendo dessa forma a sua racionalidade e consequente autonomia. A “lei moral” ou voz da razão, não é mais do que o respeito absoluto pelo dever, ou seja, pelo que a nossa razão determina. Como formalista, Kant defende uma moral da intenção, onde o que é importante não é o acto material em si, mas o que se deve fazer independentemente da situação concreta. Neste sentido, é uma moral com pouca aplicação prática, pois em geral sobrepõe-se a situação à intenção. Até é costume dizer-se: “De boas intenções está o inferno cheio”! Se pensássemos na aplicação prática desta perspectiva a casos como a Eutanásia, Aborto, a resposta não seria difícil. Obviamente, defenderia uma posição onde a acção fosse absolutamente desinteressada, pois o bem não está naquilo que se faz, mas na forma como agimos, isto é, na intenção que anima a acção. Além disso, para este autor a vida humana é o mais alto valor existente e, como tal, qualquer acção contra ela estaria irremediavelmente condenada, ou destituída de valor moral. Também o suicídio se encontra num patamar idêntico, uma vez que este seria atentar igualmente contra a vida. Já agora, o que seria verdadeiramente moral era uma pessoa ter perdido toda e qualquer vontade de viver e mesmo assim manter-se em vida. Prof. Jorge Marques
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KATÁRSIS II
A MINHA EXPERIÊNCIA COM A FILOSOFIA
A minha experiência na disciplina de filosofia ainda não é muita mas, já dá para me aperceber que afinal as coisas não são tão simples e óbvias quanto parecem. Uma breve reflexão mostra que o nosso mundo tem ainda muito por descobrir e mesmo aquilo que julgamos saber convictamente, muitas vezes não passa de uma mera ilusão ou aparência. A única coisa verdadeiramente certa é que quase nada é seguramente certo. Com esta disciplina também não garanti grandes certezas quanto ao porquê das coisas, mas pelo menos abriume os olhos relativamente à necessidade de procurar fundamentar todas as respostas encontradas e a duvidar quando as respostas forem dúbias.
Tudo o que a filosofia estuda e sobre o qual se interroga é a realidade que nos envolve. Ela procura incessantemente arranjar respostas coerentes, como tentativa de explicação racional da totalidade do real. Antes de ter esta disciplina, não tinha bem a noção da mesma, nem sequer a sua importância na vida prática. No entanto, estou a aperceber-me que ela é usada por todos nós no nosso dia a dia, nas mais pequenas questões, nas nossas interrogações, mesmo sem darmos conta!
José Amândio – 10ºNA
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Num Oceano Num oceano ao qual chamamos vida Onde as ondas se confundem com as marés E as esperanças parecem morrer na praia Como um barco decadente Velejamos num azul intenso Guiados por um vento Que não parece ter explicação Seguindo estrelas longínquas Como se percebessem a nossa angústia Sem rumo, sem fé Com um único remo que aponta para a solidão No nevoeiro a incerteza nos alcança Nada é certo, nada é verdadeiro Tudo são miragens marinhas Num deserto molhado Nas tempestades tudo parece perdido E nem sempre encontramos terra firme Parecemos todos marinheiros do nosso navio Perdidos no meio do nada Amarrados a corrente de algas brancas Remando...remando Nenhuma certeza...apenas a nossa pessoa Estamos vivos Uma milagrosa certeza Caminhamos sobre a água, até à miragem da morte E quando o orvalho se evapora Quando a essência tocar nos lábios Quando se derreter a película que nos envolve Quando cortarmos o cordão que nos liga ao universo Despertaremos para a viagem Quando percebermos a efemeridade da aventura Para a qual vivemos desprovidos de preparação Imploraremos para voltar a trás Ao início de tudo...
HELENA RODRIGUES
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KATÁRSIS II
O VALOR “ O Valor é algo que é desejável, algo digno de ser estimado ou uma preferência relativamente a algo, que pode ser de teor positivo ou negativo.” humano seria uma autêntica barafunda, onde reinaria a Usei esta breve definição de arbitrariedade e a liberdade valor para procurar explicar em rimaria não com respeito, mas termos valorativos um com prepotência. Como muitas acontecimento passado que me vezes ouvimos dizer: “ a nossa causou algum constrangimento. liberdade termina exactamente Num determinado dia, quando onde começa a do outro” e, só circulava numa estrada da região respeitando o outro posso de Lafões, deparei com uma esperar ser respeitado. viatura que ao mudar de direcção não assinalou a manobra. Nesse mesmo momento, iniciei a ultrapassagem e não consegui evitar o acidente. Após alguma discussão entre mim e outro condutor nada foi resolvido por não haver consenso quanto às causas da colisão e, como tal, nenhum se deu como culpado. Entretanto, chamei ao local as autoridades competentes, tendo as mesmas feito as medições necessárias e identificado ambos os condutores. A partir daí apuraram-se as responsabilidades e fez-se justiça, ou seja, foi atribuído um valor relativamente à culpa, que neste caso foi o condutor que circulava à minha frente. Com efeito, o valor da justiça fez-se sentir e nesse dia passei também a dar mais valor à acção da polícia. Este pequeno exemplo mostra o quanto são importantes as normas, as regras e as leis em Amândio – 10ºNA geral, sem as quais o mundo 7
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O Tabaco No mundo actual prolifera a venda de produtos nefastos à saúde, entre os quais se destaca o tabaco. Este é um dos produtos legais mais vendidos e que ao mesmo tempo mais dependência provoca, principalmente nas sociedades mais desenvolvidas, em que os jovens são os principais consumidores. No nosso país, uma grande parte da população é fumadora verificando-se que os consumidores do sexo feminino têm aumentado em detrimento do masculino. Destaquei este problema, pois apesar dos sucessivos avisos, mesmo nas próprias embalagens, de que o tabaco mata, os consumidores não diminuem. E porquê? Poderia propor vários caminhos, mas antes de mais parece-me importante focalizar este aspecto: parece que não há grande vontade por parte dos governos e dos grandes grupos económicos na resolução deste problema de saúde pública. Com efeito, para o governo é uma fonte de rendimentos importante para o equilíbrio das contas públicas; para os grupos económicos é um negócio de muitos milhões e, como tal, há que vender. Para o fumador é um escape que redunda num vício e, como todos os vícios, é difícil “escapar-lhe”. Parece-me que este elevado grau de consumo advém principalmente da publicidade, da necessidade de afirmação dos jovens perante o grupo de pares, pois consideram que quem fuma tem um estatuto mais adulto. Outros há que pensam que fumando aliviam o stress, ou os ajuda na concentração no trabalho, etc. Enfim, existem inúmeras possibilidades justificativas para a existência deste problema e, penso que uma das formas de minimizar esta preocupante calamidade mundial, seria os governos abdicarem das receitas do tabaco, proibindo qualquer tipo de publicidade e, como se verifica já em alguns países, proibir o consumo em todos os lugares públicos, restaurantes, escolas, etc. Até porque é importante ter em conta os fumadores passivos, pois da mesma forma que qualquer um tem o legítimo direito de fumar, também ele tem o direito de não ser prejudicado em termos de saúde por aqueles que fumam. Concluindo, espero que me perdoem os fumadores, mas para mim, o tabaco é uma “droga” legalizada, que devia ser eliminada da sociedade ou usada apenas para fins terapêuticos.
Eurico Gouveia 11 º NA
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Ser ou não ser egoísta
Se ser egoísta é pensarmos só em nós próprios, sem nos preocuparmos com os outros e ver as coisas unicamente de acordo com a nossa perspectiva. Por conseguinte, posso afirmar que por vezes sou egoísta. Acontece-me frequentemente só considerar válido aquilo que me interessa, as minhas convicções e não dar importância ao que os outros pensam, ou querem... Mas, na minha opinião, acho que todos somos um pouco egoístas, em muitos momentos da nossa vida. Acho que todos, mesmo que seja esporadicamente, pensamos sempre primeiro em nós e só depois nos outros. Um outro sentido da palavra “egoísta” é, a meu ver, o facto de nós não querermos partilhar alguma coisa ou mesmo alguém com outra pessoa. Por vezes, quando gostamos muito de uma determinada coisa ou alguém, é-nos muito difícil partilhá-la. Neste aspecto, penso que também sou um pouco egoísta. Chego a pensar que o egoísmo surge não tanto como um defeito, mas essencialmente como uma tendência natural de todo o ser humano.
Anónimo
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A LIBERDADE EXISTE? A liberdade existe ou não? Esta é uma questão bastante difícil, pois pensamos e vivemos como se fôssemos livres, todavia, damos conta nas mais pequenas acções, que não somos tão livres quanto isso. Por exemplo, quando me apetece comer cinco bolos seguidos sou livre de o fazer. No entanto, será que esta é uma verdadeira liberdade? Não será apenas a possibilidade de decidir comê-los? É que neste caso, talvez eu fosse mais livre se decidisse não comer todos os bolos, uma vez que isso não seria benéfico para mim, apenas seria alimentar a minha gula. Ao fim e ao cabo eu seria livre ao nível da minha vontade imediata, mas seria, por outro lado, um prisioneiro da gula. Com efeito, por vezes os conceitos abstractos, como é o caso de liberdade, são extremamente difíceis de delimitar e encontrar um consenso universal e, por isso, para mim, liberdade pode significar fazer o que me apetece sem ter em conta as regras, normas e leis e, para outra pessoa pode significar fazer o que deve fazer ou fazer o que quer, tendo sempre como pano de fundo o respeito pelos outros. Como seres humanos temos muitos condicionantes e, como tal, por vezes agimos de forma livre, outras apenas pensamos que o somos. José Amândio Rodrigues de Almeida 10º NA
Retórica, Filosofia e Verdade Será a retórica um meio importante para alcançar a verdade ou um mero meio de manipulação das pessoas?
A retórica é definida como um conjunto de regras que têm por único objectivo tornar mais clara a expressão dos argumentos ou como convencer os outros sem que tenhamos boas razões para sustentar as nossas posições; estes são dois conceitos opostos que nos confundem quanto ao que é realmente a retórica e quanto ao seu uso. 10
KATÁRSIS II Sendo assim, o objectivo deste ensaio, além de tentar clarificar o mais possível o conceito de retórica é, sobretudo, chegar a uma conclusão em relação à sua função: será que é
um meio para chegar à verdade dos discursos ou é apenas uma técnica que se usa para convencermos alguém? Estudar este assunto é muito importante, pois a retórica, ou “a arte da persuasão” como é vulgarmente conhecida, é constantemente usada no dia-a-dia, principalmente quando queremos que alguém mude de ideias. No entanto, nem sempre é usada correctamente, levando a que haja dois usos distintos, como veremos mais adiante. Por isso, é importante saber qual dos dois usos é o mais correcto ou o mais aceite, pois se permanecermos indiferentes a este assunto, podemos continuar enganados quanto à função ou ao uso da retórica. Como já foi referido anteriormente, a retórica nem sempre é usada correctamente. Isto leva à existência de dois usos bem definidos e contraditórios de retórica: um é a “boa retórica” ou “persuasão racional” e o outro é a “má retórica” ou “persuasão irracional”, também chamada de “manipulação”. A persuasão racional é um tipo de argumentação que respeita a autonomia das pessoas e se dirige à sua inteligência. Ela tem por objectivo oferecer a possibilidade do pensamento crítico, sendo assim um convite ao debate e à reflexão. Por sua vez, a persuasão irracional é um tipo de argumentação que viola o pensamento crítico das pessoas, uma vez que as impede de pensar; procura fechar o debate. Tem como objectivo convencer o auditório para aceitar o que está em causa. Aqui, uma das maneiras mais usuais de persuadir é embrulhar as ideias em frases de tal modo complexas e confusas que impedem a compreensão de quem escuta; assim, não restam alternativas senão concordar com o que se ouve. Enquanto que na persuasão irracional se discute para “ganhar” a discussão, na persuasão racional discute-se para chegar à verdade das coisas, independentemente de saber quem “ganha”. Em resumo, e comparando estas definições com a pergunta inicial, a persuasão racional diz que a retórica é um meio para chegar à verdade, enquanto que a persuasão irracional diz que é apenas um mero meio de manipulação das pessoas. Posto isto, a posição que aqui vai ser defendida é a da retórica como meio de manipulação. Um bom exemplo disto é o caso da publicidade. Aqui, os produtos são apresentados através de uma linguagem “fina”, usando palavras “caras” e um conjunto de técnicas que são preparadas especialmente para nos convencer. Isto mostra que o objectivo da publicidade é convencer-nos a comprar certos produtos, independentemente de saber se nos são úteis e/ou bons. Uma das razões que aponta para a retórica como meio de manipulação está relacionada com uma das suas definições, que a toma como “a arte de bem falar” ou “a arte da eloquência”. “Falar bem” é uma característica da retórica, e consiste em usar uma linguagem cuidada, com palavras “caras”, bonitas, que são, muitas vezes, desconhecidas da maior parte das pessoas, pois o locutor recorre a termos científicos ou 11
KATÁRSIS II arcaicos. Assim, o auditório fica a pensar que o locutor é portador de uma grande sabedoria e digno de confiança, levando a que fique convencido do que ele diz, embora às vezes o ouvinte não tenha percebido o que ouviu. A esta técnica dá-se o nome de “Ethos” e é, segundo Aristóteles, uma das três provas, isto é, técnicas preparadas pelo próprio orador para melhor persuadir. As outras duas são o “Pathos” e o “Logos” e dizem que a persuasão é obtida quando o auditório é levado pelo discurso a sentir emoções e que nos deixamos persuadir facilmente quando nos parece que aquilo que está a ser dito é verdadeiro, respectivamente. Isto só demonstra que a retórica se preocupa mais com a adesão do auditório do que com a verdade. O objectivo do locutor é persuadir o auditório daquilo que diz; a verdade ou falsidade é uma questão secundária. Por isso é que apela a emoções, “fala bonito” para parecer que aquilo que profere é verdadeiro (embora por vezes o seja mesmo). Outra razão é que a retórica é um método de persuasão e não de descoberta da verdade. O seu único objectivo é convencer os outros, independentemente de a conclusão do seu argumento ser verdadeira ou falsa. Por isso é que ela não é o método da filosofia, pois esta procura formular teorias verdadeiras e a retórica é apenas um método de persuasão. Se a retórica fosse realmente o método da filosofia, então qualquer teoria seria aceitável, desde que o filósofo fosse capaz de a apoiar com argumentos. Isto também está relacionado com o relativismo, que diz que não há uma verdade única sobre um dado assunto, mas sim várias verdades. No entanto, o relativismo é contraditório, pois se afirma que não há verdades universais e absolutas, então o que afirma pode não ser verdadeiro para algumas culturas. Só estas razões são suficientes para apoiar a ideia de que a retórica não é o método da filosofia e, consequentemente, não é um meio para chegar à verdade. Como o seu objectivo não é chegar à verdade, mas sim persuadir, a retórica usa uma linguagem que, por vezes, parece correcta do ponto de vista lógico, mas, geralmente, usa argumentos que façam com que o auditório aceite fazer algo sem que possa avaliar correctamente o que está em causa e não se baseia em argumentos sólidos nem em informação segura, mas sim em ideias falaciosas e informação enganadora. A este tipo de argumentação chama-se manipulação e todos os argumentos manipuladores são falácias (mas é importante clarificar que nem todas as falácias são argumentos manipuladores). Num auditório que não tenha conhecimentos de lógica deixa-se persuadir com este tipo de argumentação. Assim, usar a manipulação torna-se uma forma bastante eficaz, rápida e fácil de persuasão e é, por isso, que é usada, infelizmente, muito frequentemente. Joana - 11º B
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Eutanásia
A eutanásia é um tema complexo e que não é fácil de abordar. Eu sou da opinião que a eutanásia deveria ser permitida em função da gravidade da situação. Existem inúmeras pessoas que sofrem acidentes graves e ficam inválidas, permanecendo numa situação dependente para tudo que desejam na sua vida. Se nessa situação difícil o seu o desejo for pôr fim à vida, penso que tal deveria ser permitido, uma vez que é um direito que essas pessoas têm. E porquê? Porque certamente ninguém gostava de ver a sua vida sofrer uma mudança tão radical, por exemplo, deixar de poder movimentar as mais variadas partes do corpo, entre as quais os membros superiores e inferiores, ver serem-lhe retiradas muitas possibilidades que antes podia usufruir e que após o acidente, só existem ao nível da imaginação. Perder a qualidade de vida, perder a vontade de sonhar e, por fim, a vontade de viver. O sofrimento que advém destas situações deve ser tal, que estas pessoas acabam por desesperar e o futuro deixa de ser algo bom, mas apenas o prolongamento de uma interminável agonia. Não tendo muitas vezes a possibilidade de serem essas próprias pessoas a cometer eutanásia, quando, por exemplo, estão tetraplégicos ou em situação de coma prolongado e uma vez que as próprias leis impedem que tal seja possível, defendo que morte com dignidade seja um direito de tais pessoas.
Iúri – SEC A
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KATÁRSIS II
Anorexia - uma doença com nome de mulher (ANA) A anorexia ou magreza excessiva é uma doença com nome de mulher, ANA! Apesar de ter nome de mulher, esta, não afecta só mulheres, mas também homens. Parece até ser a doença da moda e, como tal, cada vez mais e mais pessoas aparecem afectadas por ela, estando infelizmente, a maioria num estado lastimável, tanto que, por vezes, já é demasiado tarde para a recuperação, acabando mesmo por ser a morte a última etapa desta doença. Esta obsessão pela magreza, pela obtenção de um corpo “dito bonito” e desejável, um corpo de “modelo”, obtém-se de uma forma doentia, em que as pessoas quase deixam de comer, de se alimentar para o atingir. Pode dizer-se que esta doença atinge-se quando as pessoas começam a ter ou têm vergonha de si, quando não se sentem bem com o vêm ao espelho e passam a ter como único objectivo tornar o corpo num belo modelo de magreza. Mas o que é afinal a beleza? Será a pessoa com um corpo magro, um “esqueleto” vivo, doentio e infeliz, apesar do seu aspecto? Ou será que é a pessoa ser feliz tal como é, cuidar de si saudavelmente e ter orgulho em si pelo que é de facto e não pelo que aparenta? É uma pena que na sociedade actual o corpo seja valorizado ao invés da pessoa, é uma pena que o corpo “belo” que está estereotipado, se tenha tornado um objectivo maior ou uma obsessão doentia para muita gente. Bonito é ser feliz como se é, gordo ou magro não importa, pois o importante é sermos felizes e saudáveis. A anorexia representa um grave perigo para algumas faixas etárias, no entanto, há que ter consciência de que tal como muitas outras, esta é uma doença tratável e recuperável quando detectada a tempo. Não é minha intenção, de forma alguma, atingir ou dizer mal das pessoas magras, não é isso, apenas critico os que tomam o corpo como único valor, como objectivo final. Na verdade, ninguém se faz e cada um é como é. E são o conjunto dessas e outras diferenças que nos tornam tão especiais, porque todos temos algo a dar. Eu sou a favor da saúde e da felicidade e, é apenas isso.
Ana Gonçalo -SEC A 14
KATÁRSIS II
Pena de Morte Um assunto que normalmente suscita bastante polémica é a pena de morte. Há quem defenda este tipo de punição e há quem repudie bastante este tipo de pena. Na minha opinião existiram, existem e existirão sempre pessoas que pela violência dos seus actos, justificam a aplicação do castigo máximo que é a pena de morte. Mas, reconheço também a impossibilidade da existência de um sistema judicial infalível e isento de corrupção e por isso, penso que este método deveria ser abolido nos países onde ainda existe. Ao longo da história da humanidade foram executadas milhares de pessoas apenas por possuírem uma tonalidade de pele diferente, por seguirem uma religião diferente ou simplesmente por serem pobres. Esta discriminação perdura até aos dias de hoje, afectando o uso correcto da justiça. Hoje em dia ainda ocorrem episódios em que muitos inocentes são muitas vezes condenados à pena de morte, enquanto que outros, que realmente a merecem, encontram-se em liberdade, por possuírem meios capazes de corromperem o sistema judicial. É baseando-me nesta instabilidade judicial que eu sou a favor da abolição da pena de morte. A justiça praticada pelo Homem, na minha opinião, não é e nunca será infalível.
André Silva – SEC A 15
KATÁRSIS II
A PESSOA
A noção que tenho de “pessoa” é a de um “animal racional” com direitos e deveres, educado a partir do seu nascimento, nascimento, passando a ter um maior reforço educacional depois dos seis anos com a entrada para a instituição escolar, tendo também o direito aos serviços de saúde, justiça e segurança pública. Acho que, enquanto pessoa, o indivíduo humano tem que ter consciência consciência da sua liberdade e igualdade relativamente aos outros, do que deve e que não deve fazer e, como tal, responsabilidade no que respeita às suas opções. Deve saber respeitar, para ser respeitado, caso contrário, poderpoder-sese-á tornar num ser antianti-social, caindo caindo no desprezo total. ConsideroConsidero-me uma pessoa porque tenho plena consciência dos aspectos que evidenciei anteriormente, porque procuro cumprir as regras e normas estabelecidas socialmente e, desse modo, posso exigir o respeito pelos meus direitos.
José Amândio
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O PROFESSOR ESTÁ SEMPRE ERRADO! * .... se é jovem, não tem experiência .... se é velho, está superado .... se não tem carro, é um coitado .... se tem carro, chora de "barriga cheia" .... se fala em voz alta, grita .... se fala em tom normal, ninguém o ouve ... se não falta às aulas, é um tontinho .... se falta, é um "turista" .... se conversa com outros professores, está a falar mal dos alunos .... se não conversa, é um desligado .... se dá a matéria toda, não tem dó dos alunos .... se não dá a matéria, não prepara os alunos .... se brinca com a turma, arma-se em engraçado .... se não brinca, é um chato .... se chama à atenção é um autoritário .... se não chama, não sabe se impor .... se o teste de avaliação é longo, não dá tempo .... se o teste de avaliação é curto, tira as chances dos alunos .... se escreve muito, não explica .... se explica muito, o caderno não tem nada .... se fala correctamente, ninguém entende .... se fala a "língua" do aluno, não tem vocabulário .... se o aluno é reprovado, foi perseguição .... se o aluno é aprovado, o professor facilitou. É verdade, o professor está sempre errado! Mas se você conseguiu ler até aqui, agradeça-lhe a ele!
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UM VELHO DILEMA O debate sobre o tema “Eutanásia” é uma discussão muito complexa acerca do que é e do que não é válido nas posições que tomamos sobre questões éticas relacionadas com o fim da vida. À eutanásia, normalmente, associa-se o “suicídio assistido” ou “morte voluntária”. Este é um tema que já vem a ser debatido ao longo de muitos séculos, no entanto, ainda hoje continua a ser muito controverso e é gerador de opiniões algo díspares. Platão, por exemplo, na “República”, aborda o tema e aprova-o de certa maneira, referindo que é uma forma de eliminar pessoas com doenças incuráveis. Mais radical, Thomas More, na “Utopia”, propõe que os sacerdotes e os magistrados convençam estes doentes a morrer. Contudo, Kant tem uma opinião diferente das referidas acima. Embora acreditasse que as leis morais se fundam na razão e não na religião, defendia que o “Homem não pode ter poder para dispor da sua vida”. Pode-se constatar, porém, que unanimidade é algo que não existe quando se discute este tema, pois o que está em causa são dois princípios fundamentais para o Homem: o valor da vida humana e a dignidade humana. Se por um lado temos os que defendem que a eutanásia é a única forma de preservar a dignidade do ser humano, quando só lhe resta dependência extrema e sofrimento, por outro temos os que afirmam que a eutanásia é sempre o suicídio de alguém, mesmo que para morrer tenha que pedir auxílio a outra pessoa. Nesta perspectiva, o valor da vida humana jamais deve ser posto em causa. Embora algumas destas ideias possam parecer arbitrárias e muito pertinentes do ponto de vista filosófico, é necessário que a sociedade reflicta sobre elas, para proteger determinados seres humanos (vulneráveis) de maus usos de poder.
Prof. Albertino Guedes
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Despenalização do aborto: sim ou não?
Depois de tantas manifestações, cada uma defendendo os seus princípios, e depois de cada um de nós tomarmos a nossa decisão de acordo com o nosso dever cívico, o sim ganhou em referendo nacional. A questão que agora se coloca é a seguinte: e agora como será? Será que se esta despenalização for mesmo avante as mulheres vão ter finalmente disponível o valor que devidamente merecem? Será que os níveis de dignidade de uma mulher que provocar um aborto, independentemente das suas razões e, mesmo que legal, passarão a ser diferentes? Será que esta será a solução mais eficaz para esta problemática? Realmente, a penalização, é a forma mais vergonhosa de solucionar o problema, mas ao invés de destruir a vida, porque não investir nela? Já que, como todos sabemos, Portugal está cada vez mais envelhecido e a população é maioritariamente idosa. Ao invés de dar apoio a esse “infanticídio”, porque não dar esse e todo o apoio necessário a essas mulheres desesperadas no sentido de proteger a vida? A despenalização sim, o aborto não! Logo, não será mais sensato lutar sim por soluções que combatam a problemática aborto, sem ter que recorrer a penalizações jurídicas e a constrangedoras situações para as mulheres envolvidas? Cristiane – SEC A
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A falta de formação dos Portugueses Nos últimos anos Constatou-se que nos últimos anos a população portuguesa é uma das menos qualificadas em termos de formação a nível Europeu. Decidi então reflectir sobre algumas das possíveis causas desta precária situação. Um dos aspectos que me pareceu significativo foi o facto de após a revolução de 25 de Abril, as escolas técnicas terem sido extintas umas atrás das outras como algo que estivesse a mais, por ser considerado um ensino dirigido às classes mais baixas. Por outro lado, “ toda a gente” passou a querer ter um curso superior, mesmo que este não servisse para nada, enquanto muitos podiam, mas não queriam, por exemplo, ser excelentes serralheiros e electricistas. Os nossos vizinhos espanhóis, ao invés, mantiveram as escolas profissionais, que são de uma necessidade evidente, e os resultados estão à vista Nos tempos que correm, são já muitas as pessoas com um nível social inferior que procuram estas escolas e delas têm saído grandes profissionais para o mercado. Outro problema está relacionado com a forma como o dinheiro proveniente da EU para a formação foi gasto. E não se sabe. Criou-se uma indústria cujo objectivo era captar os fundos europeus, sem grande preocupação de formar pessoas para o mercado de trabalho. Se esses fundos tivessem sido devidamente usados, certamente que hoje o panorama económico nacional seria bem melhor. O fundamental era criar um curso para ter direito a uma receita, independentemente da qualidade daquilo que se ensinava e da real formação para o mundo do trabalho. O resultado é que hoje as associações patronais e uma certa classe de empresários vivem à custa dos subsídios do Fundo Social Europeu. A formação é como pão para a boca, o maior investimento que se faz na vida e, se as pessoas querem ter sucesso, têm de mudar o seu modo de pensar. É óbvio que também os nossos governantes terão de ter outro tipo de atitude para que toda esta situação se inverta e deixem de pensar só no seu umbigo. São lançadas para o mercado formações do tipo: “como fazer o 9º ano em três semanas”, sem haver depois uma avaliação sobre o que se aprendeu neste tipo de formação, que parece não ser mais do que o envio para a União Europeia de um relatório a dizer que já temos mais pessoas com um nível escolar mais apropriado. Não me parece que este seja o melhor caminho. O que deveria realmente ser feito era a criação de infra-estruturas, mudar mentalidades e essencialmente esforçarmo-nos mais, não desistindo na primeira vez que deparamos com um problema. Seria importante cultivarmo-nos dia após dia e aproveitarmos as formações que nos são proporcionadas, em vez de ficarmos em casa sentados no sofá a ver TV. Só estudando e trabalhando de uma forma séria podemos aspirar a que o nosso país deixe de ser o menos preparado da Europa em termos de formação e passarmos a ter um nível de vida melhor.
Delfim Almeida – 11º NA
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ALGUMAS NOTAS SOBRE O “DEBATE” QUE SE FEZ EM PORTUGAL SOBRE O ABORTO Quando estas simples notas forem lidas, já todos saberemos o resultado do referendo que irá decorrer no dia 11 de Fevereiro. Mais de metade dos portugueses participaram nas eleições referendárias, para tornar o resultado do referendo vinculativo? Terá ganho o sim? Terá ganho o não? Na altura em que este texto está a ser escrito, as respostas a estas perguntas não passarão de meras suposições, já que há pouco mais de 24 horas se iniciou oficialmente o período de esclarecimento (não me refiro a campanha eleitoral, porque para o caso presente considero excessiva a expressão). Apesar de só agora se ter iniciado oficialmente o período de esclarecimento, já tivemos um longo e penoso período de pré-esclarecimento. Se se pensava que neste referendo o discurso seria balizado racionalmente (e inicialmente esta expectativa parecia que se iria concretizar), regrediu-me para o ano de 1998, esgrimindo-se argumentos emocionais e nalgumas vezes irracionais, só com o propósito de manipular e intoxicar a consciência das pessoas indo contra a autonomia do seu pensamento. A discussão sobre o aborto em Portugal enferma de um vício primário. Todos parecem estar de acordo de que se trata de um problema de consciência. Mas se se trata de um problema de consciência, estamos no domínio da moral. Se estamos no domínio da moral, estamos necessariamente no domínio da reflexão racional. Só que este debate em Portugal teima em transformar o problema da ética do aborto num simples problema jurídico (apela-se à alteração do Código Penal ou socorre-se da Constituição, de acordo com as conveniências) ou então, transforma-se o problema numa mera questão científica acerca da origem da vida (estranhandose que quem tem ou teve tanto por hábito olhar de soslaio para a ciência, venha agora despudoradamente gladiar argumentos científicos) ou há quem queira transformar o aborto num problema religioso, havendo para tal ministros da Igreja a ameaçarem os fiéis de excomunhão, comparando o aborto à morte de Saddam Hussein ou ao holocausto nazi ou mais modernamente, ao terrorismo. A moral não se pode subordinar a qualquer ideologia muito menos deve ser subserviente da religião. Outros ainda, imbuídos de uma postura subjectivista, pretenderam remeter o aborto às esferas íntimas de cada, considerando dessa forma desnecessário qualquer debate. A ética não pode ser colocada em qualquer destes planos, por isso só uma reflexão crítica e racional pode levar à solução do problema. Mas não foi isso que aconteceu. Em vez de se discutir o problema moral do aborto, fugiu-se claramente à questão. Argumentaram uns que o aborto continuará quer seja descriminalizado ou não, por isso advogaram que era preferível ser despenalizado, pois dessa forma a mulher abortará em melhores condições. Mas este argumento passa ao lado da questão essencial “será o aborto moralmente errado?”. Outros argumentaram recorrentemente de que o aborto é errado porque vai contra a dignidade da pessoa humana. Este argumento é falaciosamente circular pois ao descrever o
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KATÁRSIS II aborto como um atentado à dignidade da pessoa humana, está-se já a pressupor aquilo que se quer provar. Além disso a premissa “o aborto vai contra a dignidade da pessoa humana” não é mais plausível que a conclusão “o aborto é errado”, pois a premissa é profundamente disputável. Um outro argumento usado pelos defensores do aborto foi o argumento feminista de que o corpo é das mulheres, pelo que são estas que sabem o que fazer com ele. Este argumento também foge à questão por que nada diz sobre o estatuto moral do feto. Um outro argumento dos defensores do não foi o apelo exacerbado e ignóbil da emoções. Colocaram-se em outdoors fotografias de bebés (mas um feto com 10 meses não é um bebé, é um feto); usaram-se bebés e crianças nas marchas promovidas com o objectivo claro de manipular as emoções; usaram-se slogans mais característicos de campanhas publicitárias e com mensagens subliminarmente manipuladoras: “aborto a pedido não quando já bate um coração”, “ainda vais a tempo de salvar muitas vidas”, etc.; em vez de se falar de zigoto, embrião e feto, falou-se de bebé, criança, criança por nascer, numa linguagem perniciosamente manipuladora; nas sessões de esclarecimento passavam às mãos dos assistentes uma réplica de um feto humano de 10 semanas (muitas vezes apelidado de criança com 10 semanas) cuja única semelhança com um feto de 10 semanas era apenas o seu tamanho pois a configuração do corpo estava manifestamente manipulada a fazer lembrar as vetustas teorias do preformismo. Esta forma de “argumentar” é uma fuga ao cerne do problema do aborto. De parte a parte abusou-se do argumento de autoridade. Uns apresentam um especialista em genética que afirma que a vida começa com a fecundação; vem outro e afirma que não se pode dizer que aí aja vida humana. Vem um cardiologista e afirma já se poder ouvir os batimentos cardíacos dum feto de 10 semanas e por isso é sinal de que há vida, já que há um coração que bate; vem outro que afirma que não é isso que determina haver vida humana. Vem outro especialista médico que afirma que só há vida humana quando o feto apresentar actividade cerebral superior o que só acontece entre a 12ª e a 20ª semana; outro que afirma que a vida começa muito antes. A necessidade de invocar tantas e tão contraditórias autoridades só transformou este argumento numa absoluta falácia. Os especialistas, médicos e cientistas como podemos assistir, não estão de acordo sobre o início da vida humana, por isso é inútil no campo da argumentação socorrermo-nos da autoridade deles. Mais uma razão para o debate ter sido conduzido pela reflexão filosófica (pois os cientistas não têm de ter, e a maior parte deles não têm, qualquer formação em ética). Mas não foi esta a opção dos nossos meios de comunicação social que teimosamente convidaram sempre os mesmos para os debates: cientistas, médicos, teólogos, juristas e políticos, muitos deles especialistas na sua área específica mas que de ética revelaram saber pouco. Podia-se simplesmente partir para o debate sobre o aborto tomando como mote a reflexão do insuspeito teólogo e filósofo Anselmo Borges, que afirma termos necessidade de distinguir vida, vida humana e pessoa humana. Era por aqui que qualquer debate deveria começar, por uma profunda reflexão filosófica sobre a ética do aborto.
Prof. de Filosofia: António Paulo G. Rodrigues 23
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