Revista 29 de abril

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DE UM LADO, A VIOLÊNCIA.

DO NOSSO LADO, A EDUCAÇÃO. 29 DE ABRIL, 1 ANO DO MASSACRE


29 de abril ABRIL DE 2016 | ANO I | Nº 1

ÍNDICE 04. Expediente / Índice 05. Editorial É tempo de resgatar a utopia

24. Papo Reto Galera da luta 26. Agricultura Familiar

06. Volta às aulas Os superpoderes da educação 08. Diversidade COTAS: por uma universidade de todas as cores 11. Operação quadro negro Combater a corrupção, fortalecer a democracia 14. Entrevista

Alimentação escolar e agricultura familiar, um "baião de dois" que deu certo 28. Por dentro da APP Pelos(as) educadores(as), para os(as) educadores(as) 30. Artigo do(a) Educador(a) Escola como território de luta e resistência

EXPEDIENTE APP-Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná - Filiada à CUT e à CNTE. Av. Iguaçu, 880, Rebouças, Curitiba / PR - CEP 80.230-020 Tel.: (41) 3026-9822 | Fax (41) 3222-5261 Site: www.appsindicato.org.br Presidente: Hermes Silva Leão Secretário de Comunicação: Luiz Fernando Rodrigues Assessor de Comunicação: Tiago Tavares Somma

Com Emir Sader

32. Na Ponta do Giz Escola 29 de Abril: Por uma sociedade justa, igualitária e humanizada

17. Matéria de capa A força da educação

34. O Valor das Palavras O poder vem do povo

Projeto Gráfico e Diagramação: Veraz Comunicação

Jornalistas: Aline Lima, Francielly Camilo (9561-PR), Uanilla Pivetta (8071-PR) e Valnísia Mangueira (893-SE) Edição: Uanilla Pivetta (8071-PR)

Revisão: Carlos Barbosa e Antonio Frutuoso Ilustrações: Ctrl S Comunicação e Dhionata Marlon Schneider Impressão: WL Impressões | Tiragem: 20 mil exemplares

Gestão Somos Mais APP – Em defesa da Escola Pública (2014-2017) Hermes Silva Leão - Presidente | Vanda do Pilar Santos Bandeira Santana - Secretaria Geral | Arnaldo Vicente - Secretaria de Política Sindical Walkíria Olegário Mazeto - Secretaria Educacional | Nádia Brixner - Secretaria de Funcionários | Marlei Fernandes de Carvalho - Secretaria de Finanças | Mariah Seni Vasconcelos Silva - Secretaria Administração e Patrimônio | Celso José dos Santos - Secretaria de Assuntos Municipais | Luiz Fernando Rodrigues Secretaria de Comunicação | Mario Sergio Ferreira de Souza - Secretaria de Assuntos Jurídicos | Valci Maria Mattos - Secretaria de Aposentados | Alfeo Luiz Capellari - Secretaria de Políticas Sociais | Tereza de Fátima dos Santos Rodrigues Lemos - Secretaria de Organização | Janeslei Albuquerque - Secretaria de Formação Política Sindical | Rose Mari Gomes - Secretaria de Sindicalizados | Elizamara Goulart Araújo - Secretaria de Gênero, Relações Étnico-Raciais e dos Direitos LGBT | Ralph Charles Wandpap - Secretaria de Saúde e Previdência.

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EDITORIAL É TEMPO DE RESGATAR A UTOPIA

no dia a dia é um avanço do ódio ao diferente, uma crescente de movimentos conservadores de direita e uma ameaça de retorno de movimentos como o totalitarismo e o fascismo. No entanto, existem aqueles(as) que não se curvam ao processo atual. Estão na contramão. Manifestações

Em seu artigo “A era das distopias” a economista

ganham força. Símbolo de que as velhas utopias não morre-

Maria da Conceição Tavares discorre sobre o período atual.

ram, elas resgatam o verdadeiro objetivo de ainda poder

Para ela, passamos por uma mudança de era, muito parecida

lutar por outro mundo possível.

com o que ocorreu na transição do século XVIII para o século XIX. Porém, uma diferença é marcante entre aquele e este período: a falta ou a desconstrução de utopias.

A luta nas ruas, por exemplo, foi a responsável pela maior vitória do movimento sindical nos últimos anos. No início de 2015, o governador eleito em primeiro turno no ano

Se naquela época havia um

anterior com mais de 50% dos votos,

desejo de mudança, “a história tinha um

com ampla maioria no parlamento, teve

sentido, um objetivo: criar uma socieda-

que se curvar à mobilização de uma

de mais livre e mais igualitária”, hoje não é o que vemos. A investida liberal tem produzido seres amorfos. O avanço das redes sociais aparentemente proporcionou certa inclusão digital, mas gerou verdadeiras bolhas, em que a comunica-

A LUTA NAS RUAS, POR EXEMPLO, FOI RESPONSÁVEL PELA MAIOR VITÓRIA DO MOVIMENTO SINDICAL NOS ÚLTIMOS ANOS.

categoria organizada e disposta a resistir contra a perda de direitos. Na sequência, para aprovar um projeto que prejudicaria os(as) mesmos(as) servidores(as), o governo precisou usar do aparato de repressão e violência

ção se dá apenas com aqueles(as) que eu

contra uma manifestação legítima. O

aceito em minha rede e isso está longe de

dia 29 de abril ficou e ficará marcado

ser um ambiente democrático.

como o dia da resistência dos movimen-

Muitos dos conectados deixa-ram o ambiente público (a escola, o teatro, a praça, a rua) e passaram a viver

tos de trabalhadores(as) contra políticas que os prejudiquem.

intensamente o ambiente privado (o quarto, a sala de TV, o

Ao completar um ano do massacre, a APP-Sindicato,

escritório, a rede social). O resultado é que quando estes

tem a honra de apresentar à sociedade esta nova publicação,

indivíduos vão para as ruas repetem o que debatem na sua

um registro que marcará para sempre na memória dos(as)

bolha e tem dificuldades em dialogar com aqueles que

trabalhadores(as) e do povo do Paraná a nossa luta por uma

pensam diferente. Humberto Eco, antes de sua morte, causou

sociedade mais justa, humana e solidária. Uma luta em

polêmica ao se referir a estes manifestantes da internet

defesa da democracia. Uma luta pelos nossos sonhos, pelas

como “idiotas da aldeia”, uma vez que a internet tornou-os

nossas utopias!

“portadores da verdade”. O que se lê nas redes sociais e se vê

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V O LTA À S A U L A S

OS SUPERPODERES DA

o ã ç a c edu {

os heróis e heroínas que fazem da escola um lugar de vitórias diárias

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O que caracteriza um herói e uma heroína? Essa pergunta foi lançada em

através de objetos foi aprimorado, Keila

alunos(as) continuam o heroico

uma sala de aula e gerou as mais

aprendeu a, mesmo de costas, enxergar

trabalho de resistência. Os(as)

diferentes respostas. De superpoderes

o que se passa em uma sala com, pelo

estudantes estão em escolas, muitas

até pessoas que morreram por uma

menos, 35 pessoas. E, apesar de não ter

vezes, sem condições estruturais de

causa, a maioria dos(as) estudantes

morrido por uma causa, esteve em uma

recebê-los(as). Os(as) educadores(as)

lembrou de alguma virtude homérica

batalha de verdade, com tiros e sangue,

trabalham doentes pela falta de

para descrever um figura quase mítica.

quando foi para a rua defender os

licenças médicas, sofrem com assédio

No fundo, todos(as) ali sonham em ser

direitos de uma profissão que exige

moral e com a incerteza diária sobre o

um pouco heróis e heroínas e se

resistência.

pagamento de direitos como as

deleitam com o reconhecimento que o

Keila Patrícia da Rocha é

progressões na carreira. “Apesar de

título pode trazer. “Imagine só, ter seu

professora da rede estadual do Paraná e

tudo, eu amo o que eu faço. A minha

nome escrito em um livro de história?”

representa os(as) mais de 100 mil

vida profissional vale a pena quando

ou “e sua vida toda contada em um

profissionais da educação que, todos os

vejo que o meu exemplo aqui na escola

livro?”, “Ah, mas o melhor mesmo deve

dias, saem de casa com a missão de

e lá fora muda alguma coisa no

ser todo mundo na rua te conhecer!”. A

ensinar. E, apesar da nobreza da

pensamento de um aluno. Eu adoro o

imaginação dos(as) estudantes corre

profissão, precisam parar suas

que eu faço, sem dúvida nenhuma”,

solta quando a assunto é heroísmo.

atividades nas escolas para ir para a rua

afirma a professora.

Keila não tem uma capa

com cartazes, faixas e megafones gritar

Professores(as) podem não ser

mágica, nem uma visão de raio-x e

alto para que sua carreira e seu local de

reconhecidos como os(as) famosos(as),

tampouco perdeu a vida lutando em

trabalho sejam respeitados. O país vive

nem ter seus nomes perpetuados nos

uma batalha. Mas, assim como os(as)

há mais de 30 anos em um regime

livros de história ou biografias com

estudantes, quando criança pensava

democrático, no entanto, ainda é

suas trajetórias de vida, mas são

em salvar o planeta de mazelas como a

preciso protestar para garantir que

verdadeiros heróis e heroínas

fome e as guerras. Já que herói e

alguns direitos (como salário em dia,

munidos(as) da arma mais poderosa

heroína ainda não são profissões

cumprimento de leis e respeito às

para mudar o mundo: a educação.

reconhecidas, ela teve que se adaptar.

diversidades) sejam assegurados.

No lugar da indumentária colorida, usa

Passado um ano do massacre

um jaleco feito para identificação

que indignou a sociedade paranaense e

profissional, e também para proteger a

o mundo, professores(as), funcio-

roupa do pó do giz. O poder de ver

nários(as), pais, mães, responsáveis e

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D I V E R S I DA D E

COTAS: por uma universidade de todas as cores Além de tentar reparar os anos de escravidão no Brasil, as cotas também buscam trazer diversidade para dentro das universidades e contribuir com o fim do racismo e do preconceito. Desde 2000 os resultados já são reais

Meu sonho quando criança era fazer odontologia e desde aquela época, até dentro da minha própria família, eu escutava coisas do tipo ‘ah odonto não é curso de negro’

Há poucos anos, era

alguns candidatos(as) em seu

improvável para um(a) jovem

processo seletivo. Em seguida,

negro(a) de baixa renda cursar uma

outras universidades também

universidade pública. Uma prova

passaram a destinar algumas

disso é que em 1997 apenas 2,2% de

vagas para pessoas negras e de

pardos e 1,8% de negros(as), entre 18

baixa renda.

e 24 anos, cursavam ou tinham

A estudante de odontologia

concluído um curso de graduação no

da Universidade Estadual de

Brasil. Era urgente uma medida que

Londrina (UEL), Greissy Lopes do

possibilitasse a inclusão de negros-

Santos (26), entrou no curso em 2011

(as) e pobres nas universidades. A

e hoje não visualiza outra forma de

solução? Ações afirmativas por meio

estar no ensino superior se não fosse

de reservas de vagas, que ficaram

pelas cotas. "Meu sonho quando

conhecidas como cotas.

criança era fazer odontologia e

Assim, no início dos anos

desde aquela época, até dentro da

2000 começa a existir o sistema de

minha própria família, eu escutava

cotas no Brasil. A pioneira foi a

coisas do tipo 'ah odonto não é curso

Universidade de Brasília (UnB), que

de negro, é curso da elite, é viagem,

decidiu fazer reserva de vagas para

você nunca vai entrar'".

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Foto: acervo pessoal

Greissy conta que conseguiu fazer cursinho pré-vestibular porque ganhou uma bolsa de estudos e achou que essa oportunidade iria lhe dar um pouco mais de chance para passar em um vestibular, entretanto não foi bem assim que as coisas aconteceram. "Era uma turma de gente branca e rica, eu era a única negra, filha de empregada. Eu me sentia como se estivesse invadindo o espaço deles, não sei, uma sensação estranha. Eu percebi que por mais que eu quisesse cursar odonto, seria uma coisa muito difícil, porque aquelas pessoas estavam a um milhão de passos na minha frente. A concorrência era muito desleal, era nítida a desvantagem, por mais que eu me esforçasse. Se não fossem as cotas para negros, eu jamais teria entrado na UEL".

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D I V E R S I DA D E Em 2005, a UEL adotou o sistema de

ausência de políticas públicas direcionadas à

cotas reservando até 20% das vagas de cada

população negra que propiciassem a igualdade

curso para estudantes negros(as) vindos(as) de

racial e a diminuição do racismo. "Essa medida

escolas públicas, e até outros 20% para os(as)

também procura diminuir o preconceito racial,

demais estudantes de instituições públicas.

ao formar negros e negras médicos, arquitetos,

Assim, Greissy pode entrar no tão sonhado e

psicólogos, engenheiros, advogados, etc. para

concorrido curso de odontologia.

entrar no mercado de trabalho a partir de uma

Em 2012, a Lei nº 12.711 foi

formação de qualidade e excelência oferecida

sancionada, garantindo a reserva de 50% das

pelas universidades públicas brasileiras",

matrículas por curso e turno nas 59

explica Marivânia.

Universidades Federais e 38 Institutos Federais

A estudante Greissy lembra ainda

de Educação, Ciência e Tecnologia a alunos(as)

que quando entrou na universidade, além dela

oriundos(as) integralmente do ensino médio

havia apenas mais dois negros em uma turma de

público, em cursos regulares ou da educação de

60 estudantes. "Hoje o perfil dos nossos

jovens e adultos. As demais 50% das vagas

calouros mudou. Além de o número de vagas ter

permanecem para ampla concorrência. Segundo a coordenadora do Núcleo

aumentado, eu acho que os negros também se sentem mais confiantes para escolher o curso

de Estudos Interdisciplinares Afro-Brasileiros

que querem". É o que também defende

(Neiab) da Universidade Estadual de Maringá

Marivânia, "as cotas realizam muitas mudanças

(UEM), professora doutora Marivânia

na vida desses alunos, pois o ingresso numa

Conceição de Araujo, apesar de ser um direito

universidade proporciona mudança de visão de

garantido em lei, ainda existem muitos

mundo, aumento o seu horizonte de

argumentos contra essa medida. "Alguns

possibilidades, capacita para uma vida

argumentos sempre serão usados contra as

profissional, traz o empoderamento".

cotas. Talvez os mais usados sejam que as cotas

Para a professora Marivânia, a

vão diminuir a qualidade dos cursos e que os

discussão sobre cotas sociais e raciais se torna

alunos cotistas entram nas universidades sem o

cada vez mais importante porque permite

vestibular. Os dois argumentos são falaciosos.

refletir sobre temas como desigualdade social e

Primeiro que os candidatos cotistas às

racial, racismo, preconceito, reparação e ações

universidades concorrem no vestibular, e

afirmativas. "Esses são temas difíceis sobre os

segundo que após anos de cotas em várias

quais há muita controvérsia, mas no Brasil há

universidades brasileiras, foi possível fazer

uma disparidade muito grande nas condições

estudos comparativos entre o desempenho dos

de vida da população negra e branca e isso se

alunos cotistas e os não-cotistas. Essas

reflete nas universidades públicas com um

pesquisas mostraram que os cotistas têm

número muito pequeno de alunos e professores

desempenho escolar melhor, têm menor índice

negros. Essa situação das universidades ajuda a

de reprovação, menor índice de evasão dos

perpetuar as desigualdades raciais, desse modo,

cursos que os alunos não cotistas. As cotas do

é preciso conversar sobre as cotas para que se

ponto de vista acadêmico são um sucesso".

veja que elas são necessárias para tornar o

Além disso, as cotas nada mais são do que a

Brasil um país mais igualitário".

reparação por três séculos de escravidão, pela

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O texto da lei 12711/2012 prevê a destinação de vagas para estudantes de escolas públicas e, dentro dessa reserva, algumas vagas são para autodeclarados(as) negros(as), pardos(as) ou indígenas. Cotas Sociais Dos 50% de vagas para estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas, metade deve ser destinada a candidatos(as) que possuam renda mensal per capita igual ou menor a 1,5 salário-mínimo e a outra metade para os(as) estudantes com renda maior que 1,5 saláriomínimo. No ato da inscrição o(a) candidato(a) autodeclara a renda e origem escolar, mas caso seja aprovado(a) dentro da reserva de vagas, é necessário comprovar por documentação as informações prestadas. Cotas Raciais Em alguns concursos públicos e em universidade públicas há reserva de vagas para a seleção de candidatos(as) negros(as) e pardos(as) e um dos critérios é a autodeclaração, ou seja, os candidatos às cotas devem se declarar negro(a) ou pardo(a) para concorrer às cotas. Em alguns concursos e vestibulares existem bancas compostas por estudiosos(as) das relações raciais e integrantes do movimento negro, que analisam esses(as) candidatos(as) para confirmar sua declaração. A análise é feita a partir das características do fenótipo: tipo de cabelo, cor da pele, formato do nariz e dos lábios, percebendo se eles(elas) são negros(as) e pardos(as). Além do que está previsto na lei, as universidades também possuem autonomia para implementar outras ações afirmativas que assegurem o acesso de determinadas classes ao ensino superior. Algumas instituições destinam, por exemplo, vagas para estudantes de comunidades de quilombos e pessoas com deficiências físicas. Existem ainda processos seletivos que são exclusivos para estudantes indígenas. Somente nos últimos dois anos, a política de cotas garantiu o acesso de aproximadamente 150 mil estudantes negros(as) em instituições de ensino superior em todo o país, quase superando a meta do Ministério da Educação, que era atingir o porcentual de 50% das vagas reservadas gradualmente até o final de 2016. Os últimos números divulgados pelo MEC mostram que em 2013 o percentual de vagas para cotistas foi de 33%, índice que aumentou para 40% em 2014. Nas cotas raciais houve um crescimento em proporção semelhante: em 2013 foram 50.937 preenchidas por negros(as), e em 2014, 60.731. Além disso, as informações do MEC também mostram que a lei está sendo cumprida pelas 128 Instituições Federais de ensino que atualmente participam do sistema e que nos últimos três anos as universidades ganharam em diversidade e em qualidade, com destaque para as boas notas dos(as) estudantes cotistas e o baixo índice de desistência dos cursos


É D A S U A C O N TA

COMBATER A CORRUPÇÃO

[

R E C E L A T E FOR

A I C A R C O A DEM

[

Desvios de recursos públicos afetam diretamente a prestação de serviços à sociedade

Desde que a democracia foi

A história do Brasil mostra

Outro exemplo aconteceu no período

reestabelecida no país na década de

que, assim como no cenário atual, em

do presidente João Goulart (Jango) –

80, falar o que se pensa não significa

outros momentos já se falou muito em

1961 a 1964 -, um governo também

mais ser alvo de tortura, medo e

corrupção. Um exemplo disso foi no

fortemente acusado de ser corrupto

assassinato, como acontecia no

período dos governos do presidente

pela mídia e oposição da época, e que

período de ditadura militar. O

Getúlio Vargas – 1930 a 1945 e 1950 a

priorizava a classe pobre, que mais

combate à corrupção, principalmen-

1954 - que eram considerados

sofria – e ainda sofre - com a desigual-

te nos últimos anos, se tornou mais

governos de orientação popular.

dade social no Brasil. Jango pretendia

efetivo e concreto, com a investiga-

Getúlio sancionou a Consolidação das

promover reformas agrária, bancá-

ção de casos graves e antigos de

Leis do Trabalho (CLT), aumentou em

ria, educacional, tributária e adminis-

desvios, repasses e roubo de dinheiro

100% o salário mínimo em 1954 e,

trativa, conhecidas como Reformas

público. Além disso, a população

entre outras ações, possibilitou a

de Base.

parece estar mais crítica, com mais

criação da Petrobras, que era total-

acesso à informação, e vê a corrupção

mente estatal, indo contra os setores

como algo que prejudica e ataca

empresariais.

diretamente a democracia brasileira.

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E OS SERVIÇOS PÚBLICOS? O secretário de Desenvo-lvimento

sociais e econômicas. Pouco se falava

Certamente o desvio de

Sustentável da Confederação Sindical

em corrupção em governos de direita e,

dinheiro público afeta, diretamente, a

das Américas (CSA), Rafael Freire,

o que é ainda mais grave, menos ainda

prestação de serviços públicos. Serviços

alerta que não é um caso impensado o

se falava deste problema na ditadura

precários, aumentos de tarifas e

fato de a mídia e a elite do país acusa-

militar.

impostos e falta de assistência estão

rem mais veemente estes governos

Por uma reforma política - A

populares de corrupção. “Nós tivemos

democracia brasileira está em pleno

isso, no Brasil, em vários momentos. O

desenvolvimento. Um curto período

mais marcante foi o golpe militar de 64,

democrático de 31 anos, que tem

quando ocorreu o rompimento

evoluído e deve ser defendido por toda

institucional. Em outros momentos, o

sociedade. Uma das bandeiras de

golpe não chegou ao final porque

movimentos sociais, sindicatos,

Getúlio Vargas se suicida, em 1954, mas

lideranças e grupos que defendem o

o governo dele era considerado, pela

fortalecimento da democracia

de reais desviados de obras de escolas

imprensa da época, o mais corrupto da

brasileira, e da punição de corruptos e

estaduais. Escolas estas que estão sendo

história do Brasil. Em 1963, o de João

corruptores no Brasil, é a existência de

aguardadas ansiosamente pelas

Goulart também era considerado um

uma reforma política no país.

comunidades e permanecem inacaba-

entre as situações que a população vive graças à má gestão e desvio dos recursos. No Paraná, existem duas investigações em andamento que se destacam: ‘Quadro Negro’ e ‘Publicano’. A Operação Quadro Negro investiga aproximadamente 20 milhões

dos governos mais corruptos do Brasil

A reforma política nada mais é

das, com poucas paredes levantadas ou

pelos mesmos segmentos conservado-

do que mudanças nas regras do sistema

nenhuma palha movida do lugar.

res. As duas características da época

político, alterando as leis que estabele-

Enquanto estudantes aguardam por

eram: primeiro, a valorização do

cem as regras das eleições que, ainda,

reformas e novas salas, esquemas de

trabalho, a consolidação da CLT com o

seguem o Código Eleitoral, de 1965, e a

corrupção impedem que se tenha

Getúlio; depois, com Jango, as reformas

Lei Eleitoral, de 1997. Mesmo que

de base”, explica. O curioso é que, em

algumas poucas leis tenham sido

acesso a condições básicas de funciona-

momentos em que a classe trabalhado-

incorporadas - como a da Ficha Limpa -

ra conquistava mais direitos, os

no geral, temas como financiamento de

governos eram acusados de corrupção

campanhas, coligações partidárias e

e fortemente atacados pelas elites

outros pontos importantes do sistema eleitoral brasileiro continuam sendo

mento nas unidades. Os recursos passaram pelo governo e foram desviados antes de chegar, em forma de obras e melhorias, até a sociedade. Paralelamente, a Operação Publicano, que completou um ano em

definidos, infeliz-

março de 2016, investiga desvios de

mente, por legisla-

verbas que nem chegaram aos cofres

ções antigas. E que

públicos, mas que fazem parte da

possibilitam o qua-

arrecadação do Estado. O esquema

dro de corrupção no

investigado aponta que os desvios

país.

estavam sendo feitos dentro da Receita Estadual do Paraná, e há suspeitas de que o próprio governador do Estado, Beto Richa, recebeu dinheiro para sua campanha de reeleição.

12 REVISTA 29 DE ABRIL


Corrupção além da esfera pública Em março de 2015, o professor doutor em Ciências da Comunicação pela USP, Clóvis Barros Filho deu uma entrevista ao programa Além do Mais, sobre ética e corrupção. Durante esta entrevista, ele recebeu o seguinte questionamento de um telespectador: “O senhor acha que todas as pessoas são corrompíveis? O que fazer para combater a corrupção?”. O professor Clóvis explicou que a corrupção não é uma ação solitária. “A corrupção é um tipo de relação entre duas pessoas. Por isso até o prefixo ‘co’ - como colaboração, coabitação, cooperação - mostra que tem mais de um envolvido. Não existe a corrupção solitária. Uma maneira de impedir a corrupção é impedir o sucesso dessa relação. Quando esses dois conseguem o que pretendem e, com isso, destroem a convivência, agridem a confiança nas instituições, dilapidam o patrimônio moral coletivo. Então, é absolutamente imprescindível que a sociedade esteja preparada para agir exatamente naquele segmento, que é o segmento das pessoas que têm poder de decisão, porque essas são as mais vulneráveis na hora de uma abordagem corruptora”. Para o cientista Político e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Másimo Della Justina, é preciso conscientizar a população para o combate à corrupção. “Tem pessoas que olham pela janela para apontar, mas deveriam olhar para o espelho”, diz. Para ele, é preciso buscar a integridade individual. “Sabemos que a democracia vai mal quando todos percebem que, não importa o seu tamanho, você tem que ser corrupto para sobreviver. O Brasil não tem só crise política, mas crise de CFP e CNPJ”, aponta.

De toda forma, o combate à corrupção deve ser levado a sério em qualquer sociedade. A democracia, enquanto sistema que deveria garantir que todas as pessoas independentemente de cor, raça, credo, status social ou qualquer coisa – tivessem seus direitos respeitados sem abusos, por parte do Estado, precisa ser assegurada por uma luta coletiva. Mesmo com todos os seus equívocos e usos, a democracia ainda é um sistema que garante, entre outras coisas, que as pessoas sejam vistas enquanto pessoas e que tenham o direito de tomar suas próprias decisões.

REVISTA 29 DE ABRIL

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E N T R E V I S TA Com Emir Sader

PARA SOCIÓLOGO, ESQUERDA DEVE RECONQUISTAR AS GRANDES CAMADAS POPULARES A turbulência política que tomou o país nos últimos meses, na visão do sociólogo e cientista político Emir Sader, serviu, pelo menos, para uma coisa: separar o joio do trigo, isto é, os ‘golpistas’ dos que integram, de fato, o ‘campo democrático no Brasil’. Convidado pelo diretório paranaense da Frente Brasil Popular, para falar sobre a conjuntura política e econômica, o professor concedeu uma entrevista à Revista 29 de Abril. A entrevista ocorreu no dia 9 de abril, antes da Câmara Federal aprovar o prosseguimento do processo de impeachment da Presidenta Dilma e, portanto, reflete as circunstâncias daquele momento. Na conversa, Sader – que foi perseguido pela ditadura militar brasileira – comparou o golpe de 64 à atual tentativa de interromper o governo da presidenta Dilma Rousseff. De orientação marxista, o sociólogo avalia que a esquerda, de fato, ganhou ao conseguir chegar ao poder, mas perdeu a batalha de ideias e, agora, urge reconquistar a classe trabalhadora.

Foto: Janaína Meazza

14 REVISTA 29 DE ABRIL


29 de Abril – Para o senhor, qual a semelhança

o que foi alcançado na última década, como

que reconquiste as grandes camadas populares, as

entre a ditadura militar no Brasil, que durou

também fortalecer, no lugar onde o neoliberalis-

mesmas que elegeram e reelegeram os governos

mais de 20 anos, e a atual tentativa de

mo teve mais derrotas, um lucro neoliberal

do campo democrático. E o Lula é um grande líder

impeachment contra a presidenta Dilma

concatenado com o neoliberalismo no mundo.

popular e nacional, que pode ajudar, sem dúvida, a

Roussef?

Ganhando o campo democrático, o que se abre

superar as possíveis fraturas existentes. Mas que

Emir Sader – Este é um momento especial, porque

para nós, primeiro, é a reconstrução do modelo

não são, de fato, uma divisão.

embora seja uma tentativa de golpe – é uma

econômico de distribuição de renda que esteve

investida usando um sistema institucional. Dá

abandonado. Será um período, daqui até 2018, de

29 de abril - Este atual momento de crise tem

para comparar as forças ideológicas que pregam o

reconstrução mesmo. De alianças políticas, de

aglutinado, de fato inequívoco, as forças

golpe, pois são muito parecidas. No entanto, o

alianças econômicas, de alianças sociais. E é nesta

progressistas contra as forças antide-

marco, agora, faz com que ele tenha uma

perspectiva que devemos colocar a Assembleia

mocráticas?

cobertura jurídica ou parlamentar, o que acaba

Constituinte para 2018, não só para reformar o

Emir Sader - A hora de crise aguda, como essa, é a

dando um caráter um pouco diferente. Neste

sistema político mercantilizado como está aí, mas,

hora da verdade. Fica bastante claro o que está em

momento específico, chegamos a uma situação de

também, para reformular o Estado, que hoje tem

jogo e quais as forças envolvidas. Não há terceira

empate, de equilíbrio entre os dois lados. O campo

um modelo não adaptado para uma política social

via, não há alternativa. Não é por acaso que a

golpista, digamos assim, tem uma força enorme na

democrática. Assim, acho que deveríamos

Marina se pronunciou pelo golpe. Porque não há

mídia, no Congresso Nacional, em setores do

consolidar a derrota da direita com um passo

metade do caminho. Os setores radicalizados da

Judiciário e na Polícia Federal, enquanto o campo

institucional que, por sua vez, marque a estrutura

esquerda estão no campo democrático.

democrático demonstrou uma extraordinária

do Estado e mude a relação de forças.

Perceberam que o apoio à democracia e a continuidade institucional é o passo fundamental

capacidade de mobilização popular, realizando atos públicos não vistos desde o período da

29 de Abril – O senhor cita duas forças

hoje em dia. Então, acho que isto também será um

Campanha das Diretas Já, com apoio generalizado

antagônicas. Para o senhor, o Brasil está

tema esclarecedor no futuro. Também o tema da

de entidades civis - de universitárias ao Hip hop -

dividido?

governabilidade não pode mais ser ignorado.

passando por religiosos e artísticos. Além disso,

Emir Sader -A impressão de que temos um país

Deixamos que a direita elegesse o pior Congresso

também tem peso na Câmara Federal e no Senado,

dividido ao meio é falsa. Olhe as manifestações da

dos últimos anos. Os movimentos popular e social

tem o governo e tem a liderança do ex-presidente

direita, quais são os setores sociais que estão

não têm tradição de eleger suas bancadas. Cadê os

Luiz Inácio Lula da Silva. São forças diferentes

expressos lá? Uma coisa inegável e lamentável é

representantes dos professores do setor público?

entre si. Só que o encaminhamento dado pela

que, com uma campanha midiática, eles

Os lobbies da educação privada estão lá... Já que a

direita foi de levar a decisão para o Congresso, em

conseguiram votos e nos impingiram uma derrota

via é a democratização do Estado, uma das

uma votação no plenário. É um momento decisivo

terrível, que foi o fato de um candidato declarada-

instâncias fundamentais é o parlamento. É preciso

porque não só define a história imediata, mas,

mente de direita, o Aécio Neves, obter 51 milhões

democratizar este espaço a partir do seu interior.

provavelmente a fisionomia do Brasil na primeira

de votos. Portanto, ele teve, pelo menos, uns de 30

Antes, parecia que a governabilidade era a

metade deste século, e com muitas cosequencias

milhões de votos populares, de gente beneficiária

instrumentalização de uma categoria para fazer

para a América Latina. Ganhando a direita, nós

das políticas sociais do governo. Mas estes setores

qualquer tipo de aliança. Agora, percebemos, pela

temos na Argentina uma referência do que será.

são perfeitamente resgatáveis por nós. Eles, da

atual realidade, o que é ingovernabilidade. Não é

Não só uma restauração conservadora, mas um

direita, não têm capacidade de manter os setores

só colocar em questão a existência de um governo,

revanchismo social muito grande, contra os

populares porque as políticas que impõem são,

mas é votar uma quantidade de pautas que são

direitos dos trabalhadores em geral. Então, não é

explicitamente, de caráter antipopular. Daí o

regressivas socialmente e que são economicamen-

apenas uma mudança de modelo, mas uma

medo que eles têm do Lula, o único que pode, de

te corporativas, as chamadas bombas de tempo,

mudança brutal na relação de força entre as

fato, reunificar o país, pois é um líder com

emendas obrigatórias. Todos os parlamentares

classes, porque este tipo de virada tem, obrigatori-

legitimidade popular. E é recompondo o modelo

têm direito de aprovar uma emenda dessa

amente, que ser acompanhada de repressão, já que

econômico parecido com o que ele desenvolveu e

natureza e obrigar o governo a realizar, não

ela é uma política antipopular, assim, não se trata

que fez com que terminasse o mandato, mesmo

importa o ônus para as finanças públicas. O

apenas de uma mudança de modelo. A Argentina

com toda mídia contra, com 84% de apoio do povo.

governo está cortando,

está vivendo isso. Imagine Brasil e Argentina com

Então, para a reintegração dessa parcela que votou

políticas similares! Seria não apenas desconstruir

na direita é indispensável um modelo econômico

REVISTA 29 DE ABRIL

15


Foto: Janaína Meazza

até indevidamente, os seus gastos. Já o

mesmo tempo, perdura a hegemonia do capital

se depararem com este fato, começaram a

parlamento, não cortou absolutamente nada.

financeiro, especulativo e tudo mais. Mas é

perceber que estes espaços devem, sim, ser deles.

Ainda teremos que estabelecer alianças com esse

verdade que a batalha ideológica é mais

Foi uma perda enorme, para nós, não termos mais

último Congresso, eleito com financiamento

importante. Quando atuamos com este foco,

a escola pública como espaço de socialização dos

empresarial, mas são alianças necessárias, porque,

conseguimos resultados incríveis. Exemplo disso

jovens pobres. Outro erro é ignorar questões que

se não, elas tornam inviável a presidência da

foi melhorarmos, com a nossa força política, a

afetam diretamente essa população jovem, a

república. E, ao mesmo tempo, devemos negociar

posição progressista. Deslocamos o ‘Fora Dilma’ e

exemplo do genocídio dos jovens negros. Algo

com os empresários. Pela primeira vez uma

colocamos, no lugar, o ‘Não vai ter golpe’.

escandaloso. E é um tema que não está colocado na

presidenta foi reeleita com todo o grande

Ganhamos a batalha de ideias. O ‘Fora Dilma’ é

opinião pública. Não tem nenhum político,

empresariado contra, quer dizer, com todo capital

reducionista. Já o nosso movimento mostra que o

nenhum dirigente, que vocalize isso

na ofensiva, pois ainda vivemos no modelo

impeachment é um golpe e uma tentativa

constantemente. Nós nos permitimos, tendo

capitalista. Então, o movimento da economia

descarada de derrubar um governo de caráter

melhorado socialmente, ter uma das polícias mais

depende de aliança com estes setores empresariais

popular. Então, quando você ganha a batalha das

violentas do mundo. E estes são temas que a mídia

que, acredito, são os que estão mais propensos à

ideias, ganha força política, que é o que está

esconde ou, quando mostra, criminaliza os jovens

aliança. Os partidos de direita estão jogando tudo,

permitindo essa virada atual.

pobres. E mesmo o campo democrático não tem

também está jogando todo o seu prestígio aí.

29 de Abril – E como situar a educação neste

prioritário, para disputar, no nível das ideias,

Agora, os empresários, embora tenham se

cenário?

o país.

empenhado contra a presidenta, não estão

Emir Sader - A educação ainda é um problema.

considerado este como um tema fundamental,

eles sairão derrotados e esfarrapados. A mídia

apoiando a Fiesp. Eles querem um marco de

Tivemos avanços extraordinários na Educação

29 de Abril – O senhor está otimista com relação

continuidade, estabilidade, de desenvolvimento

Universitária, mas não ocorreu o mesmo salto na

ao futuro do país?

econômico. Este é um setor mais propenso a

Educação Média e Básica. E uma educação muito

Emir Sader -

No momento que dou esta

alianças com um modelo de desenvolvimento

ruim não se resume a índices arbitrários de

entrevista, sim. Viramos o jogo. Há um clima de

econômico com distribuição de renda.

pesquisa, mas se trata, e muito, da disputar a

derrota do outro lado. E conseguimos isto em

atenção dos jovens. O maior avanço educacional

condições extremamente difíceis, porque a

29 de Abril – O campo progressista ainda é

brasileiro nesta área são os Centros Educacionais

correlação de forças é desigual, eles têm a mídia, o

capaz de influenciar a sociedade?

Unificados, os chamados CEUs, lá em São Paulo. Na

poderio econômico e o Congresso. Se nossa

Emir Sader - O historiador inglês marxista Perry

última periferia da cidade, espaços públicos

vantagem se mantiver e conseguirmos

Anderson disse que quando a esquerda finalmente

abertos o tempo todo para a comunidade com

desarticular o golpe, teremos condições, com a

ganhou, tinha perdido a batalha das ideias. A pior

educação, cultura e esportes. Aí, sim, você disputa

liderança e ajuda do Lula, de resgatar um governo

herança que o Lula recebeu não foi apenas a

o interesse dos jovens. Quando os estudantes se

coerente com o que tínhamos desenvolvido anteriormente.

recessão, o Estado mínimo, foi a ideologia dos

mobilizam para ocupar escolas, como ocorreu em

valores com o modo de vida americano, estilo

São Paulo, em Goiás, agora, no Rio de Janeiro, eles

shopping Center. Esta ideologia perdura. Ao

sabem que as escolas não são deles, no entanto, ao

Foto: Janaína Meazza

16 REVISTA 29 DE ABRIL


Foto: Joka Madruga

o dia em que os(as) servidores(as) pĂşblicos(as) enfrentaram com bravura a truculĂŞncia de um governo neoliberal

17 REVISTA 29 DE ABRIL


M AT É R I A D E C A P A

militares estava no local para fazer o cerco à Alep, a mando do governo para

NAQUELA NOITE, FIZEMOS UMA ESPÉCIE DE VIGÍLIA PORQUE FOI IMPOSSÍVEL DORMIR

garantir a “tranqüilidade” dos(as) deputados(as e assegurar que os(as) trabalhadores(as) não pudessem acompanhar a votação que mexeria com a previdência dos(as) servidores(as). Apesar da ostensividade policial, jamais se imaginaria que quem estava ali sofreria, no dia sequinte, uma

Naquele 29 de abril de 2015,

violência tão grande. “Eu estava no

Joyce e Maria de Lourdes eram duas

acampamento dos educadores

dentre milhares de professoras e

montado na frente da Alep já há alguns

funcionárias de escola que se manifes-

dias. Ao mesmo tempo que era uma

tavam no Centro Cívico de Curitiba na

coisa bonita de se ver, pois tinha gente

frente da Assembleia Legislativa do

de todo Estado, famílias, alunos, a

Paraná (Alep). Dentro da Assembleia,

gente foi ficando com medo porque

alguns deputados e deputadas

eram muitos os policiais armados.

articulavam manobras para aprovar a

Naquela noite, fizemos uma espécie de

proposta que autorizaria o governo a

vigília porque foi impossível dormir”,

pegar oito bilhões de reais da previ-

relembra a professora e participante

dência dos(as) servidores(as) para

do Fórum do Paranaense de Direitos

pagar dívidas do Estado. (Entenda o

Humanos, Maria de Lourdes Santa

que foi esse projeto de lei no quadro da

de Souza.

página 23 - box 01). Na noite anterior, na Praça Nossa Senhora da Salete, o clima era de tensão. Um pesado aparato de

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Foto: Joka Madruga REVISTA 29 DE ABRIL 19


Foto: Joka Madruga 20 REVISTA 29 DE ABRIL


SE COM ISSO EU CONSEGUIR MUDAR A VIDA DE UM ALUNO COM O MEU EXEMPLO, TUDO TERÁ VALIDO A PENA

militares para fazer o cerco à Casa do

mas até hoje ouço zumbidos”,

Povo. O aparato contava ainda com

relembra.

helicóptero, armas, cães de guarda,

O número trabalhadores(as)

balas de borracha, sprays de pimenta,

feridos(as) psicologicamente não é

mangueiras de água e bombas de efeito

possível mensurar, já que a indignação,

moral. “Sabe o que eu me lembro bem?

tristeza e angústia afetou toda a

No Paraná e até fora do Estado,

Na hora em que os policiais começaram

sociedade, não só aqueles(as) que

os(as) educadores(as) são reconheci-

a disparar bombas para evitar que os

estavam na praça protestando. Quando

dos(as) pela trajetória de manifesta-

manifestantes chegassem na assemble-

perguntada sobre o sentimento que

ções. É comum à luta e a organização

ia, eu estava longe das grades e ouvia o

predomina hoje, um ano após o

destes trabalhadores(as) sair às ruas

Luiz [Luiz Fernando Rodrigues,

massacre, a professora Joyce é enfática:

pelo avanço e manutenção dos direitos

secretário de Comunicação da APP] no

“eu sou professora e acredito no que eu

da carreira e por uma educação pública

caminhão de som gritando ‘policiais,

faço. Hoje eu tenho uma marca física e

com mais qualidade. Aqui no Estado a

por favor parem! Nós não estamos

uma história. Se com isso eu conseguir

APP-Sindicado é o sindicato que

atacando! Parem que tem botijão de gás

mudar a vida de um aluno com o meu

representa os(as) educadores(as) da

na barraca dos ambulantes aqui.

exemplo, tudo terá valido a pena”.

rede pública e é um dos mais antigos do

Parem!’. Naquela hora eu tive medo”,

país. São quase 70 anos batalhando por

comenta a professora Santa,ao

melhorias (veja no quadro na página 23

relembrar o início dos ataques.

algumas das conquistas da categoria

No total, foram mais de 400 educadores(as) feridos(as). A professo-

nos últimos anos). Uma das mais simbólicas

ra Joyce Giovanna Bertoni, de Cambará,

em 1988,

foi uma delas. “Eu estava na linha de

quando o Brasil dava os primeiros

frente do protesto. Vi a PM abrir aquele

passos de um período pós-ditadura. Na

cerco e jogar spray de pimenta e, logo

ocasião, a cavalaria do então governa-

em seguida, bombas e tiros na direção

dor Álvaro Dias foi para cima dos

do nosso rosto. No rosto! Não era

professores e professoras que pediam

preciso ser daquele jeito. Quando eu vi

estabelecimento de um plano de

um dos PMs mirando na nossa direção

carreira. A data não caiu no esqueci-

eu abracei uma professora que era

mento graças à organização da

menor do que eu e joguei meu corpo

categoria e ao trabalho incansável do

sobre ela. Quando a bomba estourou eu

sindicato de relembrar todos os anos o

abri o olho, percebi que estava tonta,

dia 30 de agosto de 88.

sem conseguir ouvir direito. Nessa hora

destas batalhas ocorreu

Foto: Joka Madruga

28 anos depois dessa data, um

eu ainda não sabia, mas havia perdido a

novo enredo de batalha foi montado no

audição do meu ouvido direito. Do

mesmo cenário. Eram 1682 policiais

esquerdo, a audição foi preservada,

REVISTA 29 DE ABRIL 21


Os primeiros socorros às vítimas foram prestados no prédio da Prefeitura de Curitiba. Os próprios educadores e educadoras criaram um corredor, com ajuda Foi por respeito que os trabalhadores e de um cordão humano, para garantir que os(as) feridos(as) trabalhadoras da educação resistiram aos ataques. Respeito fossem atendidos(as) em segurança. No carro de som, aos(às) estudantes e a educação pública. Respeito que dirigentes da APP-Sindicato gritavam por socorro. “Tem governo não teve ao mandar a tropa de choque avançar uma lição que eu levo desse dia e que ficou marcada em mim contra os(as) educadores(as). Logo após a ação, o para toda vida. Do caminhão de som a Vanda e a Janeslei [em governador Beto Richa veio a público alegar que haveriam referência as secretárias da APP Vanda Santana – secretaria blackblocks no ato. Dois meses depois, o Ministério Público, Geral e Janeslei Albuquerque – secretaria de Formação] após encerrar a investigação que contém mais de 580 gritando ‘vamos cuidar uns dos outros, vamos cuidar uns depoimentos, imagens, fotos e inúmeros materiais enviados dos outros’. Aquilo foi tão forte e tão emblemático”, se pela imprensa e sociedade em geral, divulgou que não emociona a professora Santa de Souza. haviam blackblocks na manifestação. O educador Vitor Dois meses após o Massacre do Centro Cívico, o Ministério Molina, de Maringá, foi atingido por um dos tiros de bala de Público do Paraná concluiu que houve, sim, excessos por borracha. “Me jogaram no chão, xingando e ofendendo… parte do governo. Além disso, ajuizou uma ação civil Quando eu estava caído e imóvel, espirraram spray de pública, por ato de improbidade administrativa, contra o pimenta dentro da minha boca e me levantaram, puxando governador Beto Richa, o ex-secretário de pela roupa”, descreve. O excesso de Segurança Pública, Fernando Franviolência relembra o período da cischini, e o ex-comandante da Polícia ditadura, mas foi recente, à luz do dia, A NOSSA GREVE Militar, César Kogut. O ex-subcomandante em frente um bairro nobre da capital e LEVANTOU E UNIFICOU da PM, Nerino Mariano de Brito, o coronel contra uma categoria de trabalhadores OS MOVIMENTOS SOCIAIS DO PARANÁ Arildo Luís Dias e o tenente-coronel que protestava pelos direitos de uma Hudson Leôncio Teixeira também foram carreira digna. apontados na investigação. O processo Durante o massacre, que durou ainda aguarda julgamento da justiça. mais de duas horas, o presidente da Alep, deputado Ademar O dia 29 de abril de 2015 não será esquecido jamais. Traiano, disse que a violência que a categoria estava A APP-Sindicato continuará usando o termo luto, como um sofrendo não era problema da Assembleia Legislativa do substantivo que remete à dor pelos(as) feridos(as) e pela Paraná, fato que casou ainda mais revolta na sociedade. O maneira cruel e arbitrária que a educação foi tratada nesse deputado Professor Lemos, que se colocou ao lado dos(as) período. Mas também usará o termo luta, enquanto verbo educadores(as) desde o início da greve, fez um apelo para para levar à frente as ações em defesa dos direitos dos(as) que a sessão legislativa fosse suspensa. A resposta do trabalhadores(as) e de uma educação pública de qualidade. presidente da Alep indignou a todos(as): “a sessão aqui está “A nossa greve levantou e unificou os movimentos sociais do segura. O problema lá fora não é da responsabilidade da Paraná. Ela deu um ânimo novo porque, apesar dos feridos, nossa Assembleia. Vossa Excelência tem que entender que foi uma greve muito vitoriosa. Superamos todas as adversinós aqui estamos numa sessão normal. Fora da Assembleia, é dades, fomos notícia no Brasil e no mundo, fomos aplaudide responsabilidade da Secretaria de Segurança. Não vamos dos pela sociedade, reconfiguramos um cenário político no tumultuar a sessão, Professor Lemos”. A fala do deputado Paraná. Sabemos que somos capazes de nos organizar, lutar Traiano evidenciava o objetivo do governo: o projeto e vencer”, reforça Janeslei Albuquerque. deveria ser votado a qualquer custo, mesmo que integridade dos(as) educadores(as) estivesse sendo violada.

22 REVISTA 29 DE ABRIL


Foto: Joka Madruga

Acima de tudo, Joyce, Maria de Lourdes, Vitor e todos os(as) professores(as) e funcionários(as) que participaram deste dia voltaram para suas escolas mostrando que souberam cuidar uns dos outros e que seguem cuidado para que haja uma sociedade mais justa. “Cuidem uns dos outros. Essa é nossa essência, essa é a essência de quem milita por uma causa”, conclui a professora Santa de Souza. Recentemente a investigação de abuso de força no Massacre do Centro Cívico foi arquivada na Justiça Militar. O caso, ainda será julgado em uma ação civil pública, movida pelo Ministério Público do Paraná, por ato de improbidade administrativa. Ainda corre na Justiça a ação civil pública, da Defensoria Pública estadual, proposta no final de maio de 2015, que cobra uma indenização do governo estadual por danos morais (revertidos para o Fundo Estadual de Defesa de Interesses Difusos do Estado do Paraná), e obriga o Executivo a formular uma série de regras envolvendo a atuação da Polícia Militar do Paraná em manifestações públicas.

Por que os(as) educadores(as) e outras categorias estavam nas ruas naquele 29 de abril? O início de 2015 foi bem turbulento para os(as) servidores(as) no Paraná. O governo estava com os cofres vazios e precisando de dinheiro. Os(as) primeiros a sofrer com os cortes foram os setores de serviços básicos, como educação, saúde, meio ambiente e segurança pública: de algum lugar, a grana precisava sair. Os(as) educadores(as) da rede estadual iniciaram assim uma greve no dia 9 de fevereiro. O estopim foi o fato de o governo estadual apresentar os projetos de lei 06/2015 e o 60/2015 (o primeiro retirava direitos já conquistados da carreira dos educadores e o segundo autorizava o governador a extinguir a Paranaprevidência e passar os recursos do Fundo Previdênciário para o Tesouro do estado, garantindo 8 bilhões de recursos para o caixa do governo, mas prejudicando a carreira e as futuras aposentadorias dos trabalhadores e trabalhadoras). A categoria se revezou em uma vigília constante, em frente à Assembleia onde permaneceu até o 9 de março, quando uma assembleia geral decidiu pela suspensão da greve. Após um período de intensa negociação, a unidade da categoria e os esforços do sindicato possibilitaram que os direitos já conquistados não fossem alterados. Não foi uma greve por salários, e sim para que os(as) professores(as) e funcionários(as) não perdessem direitos na carreira. O projeto foi retirado da pauta o que garantiu o retorno das aulas. A campanha “Eu tô na luta” seguiu firme e em todo Estado. Os(as) trabalhadores(as) fizeram da escola lugar de debate e resistência contra as ofensivas do governo. Com o retorno do projeto que mexia na aposentadoria dos servidores(as) pauta de votação da Alep, a categoria voltou à greve no dia 25 de abril. A intenção era resistir e mostrar à população os danos que o polêmico projeto causaria, se aprovado. Foi assim, em resistência, que a categoria estava dia 29 de abril.

Os(as) trabalhadores(as) da educação pública do Paraná são reconhecidos(as) em todo país por sua trajetória de manifestações, lutas e resistência. Veja abaixo algumas das conquistas obtidas por meio da organização e da unidade de nossa categoria: Ÿ

regime estatutário, garantindo carreira e maior estabilidade profissional;

Ÿ

instituição do cargo único de professor(a);

Ÿ

gratificação de período noturno;

Ÿ

auxílio-transporte;

Ÿ

aulas extraordinárias pagas de acordo com nível e classe da carreira;

Ÿ

regulamentação da hora-aula;

Ÿ

estruturação da carreira em 36 níveis para funcionários(as)e em 6 níveis e 11 classes para professores(as);

Ÿ

promoções e Progressões;

Ÿ

licença especial, licença sem vencimento e licença para mestrado;

Ÿ

estágio probatório;

Ÿ

PSS com salários calculados a partir da tabela de vencimento do plano;

Ÿ

Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE);

Ÿ

concurso público;

Ÿ

hora-atividade de 35% da carga horária ;

Ÿ

data-base 'em junho para todos os(as) servidores(as) públicos(as) estaduais.

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Foto: Aline Lima

GALERA DA L U TA ESTUDANTES PARTICIPAM DE MOBILIZAÇÕES DOS(AS) EDUCADORES(AS) E CONTRIBUEM PARA O CRESCIMENTO DA ESCOLA

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No início do bate papo foi possível perceber um tema que era necessário estar em nossa conversa: a participação dos(as) estudantes no dia 29 de abril de 2015. As lembranças eram muito vivas e das mais variadas: correria, bomba para todo lado, gás de pimenta, desespero, tecidos com vinagre, palavras de ordem e medo. O Papo Reto com os(as) integrantes do Grêmio do Colégio Estadual Professor Lysímaco Ferreira da Costa, que fica em Curitiba, não podia começar diferente. O fato de terem participado da mobilização, e visto de perto a violência na Praça Nossa Senhora de Salete, foi muito marcante para cada um(a) deles(as). As lembranças iam fluindo e compondo um cenário que, como definiu a presidente do grêmio, Amanda Andrade (17), “era clima de guerra”. O sentimento geral da roda de amigos era de indignação, mas também de orgulho por fazer parte dessa história.


PA P O R E T O Amanda é filha de uma educadora e lembra-se de um momento que a marcou muito. “Eu estava sentindo falta da minha mãe, porque eu não sabia onde ela estava. Liguei pra ela perguntando onde eu a encontrava e ela me explicou o local certinho. O clima era tenso, todo mundo com medo do que podia acontecer. Quando estava a caminho de encontrar com ela, a primeira bomba caiu exatamente no local. Bateu o desespero. Fiquei em choque, sem saber o que estava acontecendo”. Felipe Cavichiolo (17), diretor acadêmico do grêmio, se sentiu revoltado pela maneira com que as pessoas estavam sendo agredidas naquele momento. “Eu senti uma indignação de ver a forma como os professores foram tratados. Antes de você ser um bom estudante, você tem que ser um bom ser humano. E quem vai te passar esses valores? O auxílio da escola que é importantíssimo”. A diretora social do Grêmio, Lilian Veçoski Baldaia (16), lembra que, mesmo com o medo e a indignação, sente orgulho de ter feito parte da mobilização. “Não parecia real, parecia abstrato. Você nunca pensa que, ao sair de casa, vai receber uma bomba. Mas valeu a pena estar lá, pois nós contribuímos com a história. No futuro isso vai estar nos livros didáticos e os alunos poderão dizer que estavam lá. Quando a gente chegar num lugar melhor, eu vou poder dizer que eu estava na construção disso”. Construção coletiva – O Grêmio do Lysímaco é composto por 16 estudantes. Todos(as) foram eleitos(as) pelos(as) próprios(as) colegas de escola e representam aproximadamente 1.500 estudantes do colégio. Amanda acredita que o trabalho da equipe vai muito além, tratando-se de uma ação social. “Eu acho que o que a gente faz aqui dentro todo dia, enquanto grêmio, é muito importante. É essencial para comunidade também, já que a gente faz uma espécie de trabalho social, pois nós defendemos a escola”.

Foto: Tiago Tavares

Bianca Noronha (17) é vice-presidente do Grêmio acredita que “sem educação você não é nada”. Ela explica que é preciso ter acesso ao conhecimento para se ampliar a visão de mundo e sociedade. “Se você não tem acesso à educação, você vai ficar em uma caixinha e não ser ensinado a pensar. Você vai aceitar o que dizem, porque não te ensinaram a contrariar. Mas a educação é isso: a ferramenta para você pensar”. A galera aposta no fato de o Grêmio contribuir diretamente para a melhoria da educação. Apostam também em ações vindas da própria organização dos(as) estudantes. Ravel Bortoni (16) é diretor acadêmico e conta um pouco de ações práticas do Grêmio. “Acho que os alunos podem contribuir para evolução da educação. Por exemplo, ano passado eu organizei um ‘aulão’ aqui no colégio voltado para os terceiros anos, com temas de vestibular. Foi muito interessante. Muitos alunos estavam precisando de ajuda para a prova e tiveram auxílio. Esse ano as aulas vão continuar”, explica. Ele alerta para o fato dessas ações não dependerem apenas do Grêmio para sua realização, pois contam com a ajuda de toda a escola. “As atividades não dependem só da gente, mas também de professores, auxiliares e da direção. Outro exemplo é que vamos iniciar um grupo de filosofia e outro de coletivo feminista, só que cada um deles precisa do apoio de um professor”. As palavras de Ravel evidenciam que, olhando a escola como um todo, cada pedacinho contribui para a construção daquilo que tanto se almeja: uma escola plural, diversa, democrática e que é construída com contribuição coletiva.

QUANDO A GENTE CHEGAR NUM LUGAR MELHOR, EU VOU PODER DIZER QUE EU ESTAVA REVISTA 29 DE ABRIL NA CONSTRUÇÃO DISSO

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A G R I C U LT U R A F A M I L I A R

Alimentacao

escolar

e agricultura

familiar um “baião de dois” que deu certo Segurança alimentar e desenvolvimento local são prerrogativas que transformam programa brasileiro em modelo para o mundo

No Brasil, o caráter inicial da merenda escolar – introduzida na rede pública em 1955 – era tornar a escola mais atrativa e reduzir, assim, a evasão. No entanto, com o decorrer dos anos, e graças à mobilização da sociedade civil, isto mudou. A alimentação escolar passou a ser entendida como parte da educação para a promoção da saúde e prevenção às doenças. Em 2009, com a sanção do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), algumas conquistas foram atingidas, como o reconhecimento da alimentação como um direito humano e a obrigatoriedade de que,

26 REVISTA 29 DE ABRIL

no mínimo, 30% dos recursos sejam destinados à compra de alimentos da agricultura familiar através de chamadas públicas de compra, com dispensa de licitação. O Programa assegura a alimentação escolar aos(às) estudantes da educação básica em escolas públicas e filantrópicas. “Seu objetivo é atender as necessidades nutricionais dos(as) estudantes para contribuir na aprendizagem e rendimento, bem como promover hábitos alimentares saudáveis”, explica Vanessa Reichenbach, representante da APP-Sindicato no Conselho Estadual de Segurança Alimentar

(CAE), instância que tem papel fundamental, no Paraná, na garantia do uso correto dos recursos no segmento. “Os CAEs têm como principal função zelar pela concretização da segurança alimentar e nutricional dos(as) escolares, por meio da fiscalização dos recursos públicos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, que complementa o recurso dos Estados, Distrito Federal e Municípios, para compra de gêneros alimentícios para a alimentação escolar e o acompanhamento da execução desta política”, informa Vanessa.


De acordo com a regra do FNDE, o repasse é calculado considerando número de estudantes, dias letivos e etapas de ensino. O valor, per capta, pode variar de R$ 0,30 a R$ 1,00. O investimento é calculado com base no censo escolar do ano anterior ao atendimento. A sociedade acompanha e fiscaliza o programa por meio dos Conselhos, dos Tribunais de Contas e do Ministério Público, dentre outras instituições. O orçamento de 2015 atingiu R$ 3,8 bilhões e beneficiou mais de 42 milhões de estudantes em todo país. Fortalecendo a Agricultura Familiar – Dos bilhões investidos, quase R$ 900 milhões foram direcionados, exclusivamente, para a compra de itens da agricultura familiar. E isto também faz uma enorme diferença nas comunidades. É o que garante o agricultor Evandro Jorge Leal, vicepresidente da Associação de Agricultores Familiares de Capinzal, distrito do

município de Araucária. “Nossa associação reúne 30 famílias que produzem hortaliças e frutas. Ano passado, conseguimos vender R$ 122 mil para as escolas da rede estadual, para a alimentação escolar, via PNAE, com recursos do governo federal. Isto, pra gente, é muito bom, pois garante o escoamento da nossa produção. Antes disso, dependíamos unicamente da venda no Ceasa”, descreveu. O programa fortalece a agricultura familiar e reconhece que esses agricultores e agricultoras produzem alimentos de qualidade, além do fato que eles têm direito a participar do programa e vender a produção local dispensando o processo licitatório pelas chamadas públicas. Mas infelizmente, ainda há dificuldades, pois em muitos locais as prefeituras ainda não estão fazendo essas chamadas públicas, e o processo licitatório acaba prevalecendo. “Em Araucária, nos últimos três anos, deveríamos ter vendido

cerca de R$ 500 mil em produtos, mas, até hoje, só conseguimos entregar e receber R$ 8 mil. A Prefeitura não tem nos ajudado. Em contrapartida, tem apoiado, e muito, empresas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina”, reclama o produtor. Esta mesma crítica é compartilhada por George Barbosa, presidente do CAE no Paraná: “ainda existe uma tradição de compra centralizada através de licitação, uma prática que termina por favorecer as grandes empresas. Por isto a importância da chamada pública, que possibilita a compra da agricultura familiar. Este modelo faz com que os alimentos que chegam às escolas sejam definidos pela questão da segurança alimentar e do desenvolvimento local, o que evita situações absurdas como, por exemplo, importar produtos que são produzidos localmente”.

Modelo para o mundo Tanto o cardápio ofertado nas escolas, como os procedimentos para aquisição pública de alimentos, são fiscalizados pelos CAEs. E entre os aspectos considerados estão questões sobre se a produção é local, sazonalidade, variedade, validade e, finalmente, a cultura e os hábitos alimentares saudáveis. Estas características têm angariado o respeito do mundo ao programa brasileiro. No final do ano passado, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) elogiou diferentes iniciativas brasileiras no combate à pobreza e à fome, entre elas, o PNAE. Segundo a FAO, o Programa Nacional de Alimentação Escolar é o segundo maior do planeta em alcance, ficando atrás apenas de um projeto análogo na Índia. O modelo tem sido apresentando, pelas Nações Unidas, a outros países, especialmente da América Latina e da África. “Os programas de alimentação escolar são uma importante intervenção de proteção social e de aplicação efetiva do direito humano à alimentação adequada. Além disso, são componentes chave para garantir o acesso aos alimentos e para o processo de educação alimentar e nutricional”, disse a coordenadora regional do projeto Fortalecimento dos Programas de Alimentação Escolar da FAO, Najla Veloso, no portal da organização. Além de aliar o consumo de alimentos mais saudáveis com a produção local, a composição do cardápio da alimentação ofertada nas escolas públicas brasileiras tem sido elogiada em outras frentes. Em 2012, a merenda brasileira foi destaque em um livro da autora canadense Andrea Curtis, “What’s for Lunch?: How Schoolchildren Eat Around the World” (O que há para o almoço? Como os alunos comem ao redor do mundo). Na publicação, a escritora afirma que as refeições escolares no Brasil são uma inspiração. “A merenda escolar brasileira é parte de uma estratégia integrada para aliviar a fome e a pobreza. O frescor dos alimentos também é impressionante. Acho interessante também a política de obrigar as escolas a usarem 30% da comida produzida na sua região para fazer a merenda escolar. Isto gera benefícios econômicos para a comunidade, bem como tem um impacto sobre a saúde e os resultados da aprendizagem para as crianças”, afirmou a pesquisadora em entrevista a um site brasileiro.

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PELOS(AS) EDUCADORES(AS), PARA OS(AS) EDUCADORES(AS)!

1. Serviço de Atendimento ao Sindicalizado - Orienta o(a) sindicalizado(a) nas questões de direitos e da vida funcional do(a) servidor(a), PSS e estatutário(a), como também antes e após a aposentadoria.

3. Ferramentas de Comunicação - A APPSindicato oferece ao(à) sindicalizado(a) materiais informa vos e de apoio para debate nas escolas como as publicações impressas (Jornal 30 de Agosto, Jornal Mural, Revista 29 de Abril, Informa vos, panfletos, 30 Fax), website, aplica vo para smartphone, TV APP e Rádio APP.

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A APP-Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná, primeira organização estadual criada pelos(as) educadores(as) no Paraná, luta há 70 anos pela garantia dos direitos dos(as) educadores(as). Além disso, oferece um serviço cada vez mais especializado para as necessidades apresentadas pelos(as) trabalhadores(as), contemplando todas as áreas da profissão, da formação ao lazer.

2. Lazer - A APP disponibiliza para os(as) sindicalizados(as) espaços para descanso, lazer e hospedagem: Casa e o Clube da APP em Curi ba, as Casas do(a) Trabalhador(a) em Educação nas cidades de Maringá, Londrina, Pato Branco, Ponta Grossa e as Colônias de Praia em Itapoá e Guaratuba. Em todos é necessário reservar previamente.

4. Cursos de formação - Oferece um programa de formação polí ca sindical, voltado para o debate de temas relevantes da categoria, como gestão sindical, polí cas públicas, organização do local de trabalho, formação do(a) dirigente sindical e assuntos educacionais, com cer ficação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) ou de outras universidades públicas do Estado.


P O R D E N T R O DA A P P

5. Saúde - Orientação e acompanhamento dos(as) educadores(as) nas questões de saúde, perícia médica e acidentes de trabalho. Além disso, acompanha os prestadores de serviços do Serviço de Atendimento ao Servidor (SAS) e oferece aos(às) sindicalizados(as) convênio com a Unimed.

6. Municipais - Em cerca de 200 municípios, a APP-Sindicato apoia o fortalecimento da luta dos(as) professores(as), amparando e subsidiando as comissões no debate e negociação dos Planos de Cargo de Carreira e a implantação do Piso Salarial Nacional (PSPN), como também nas greves e mobilizações municipais.

7. Atendimento Jurídico - Atende o(a) sindicalizado(a), na a va e aposentado(a), em tudo o que for relacionado à carreira e aos direitos não respeitados por parte do governo estadual. A APP-Sindicato entra com ações administra vas e judiciais necessárias para a defesa do(a) sindicalizado(a).

8. Aposentados(as) - Organiza os(as) aposentados(as) para manter a par cipação no sindicato, com formações, lazer e defesa de polí cas públicas. Proporcionando ainda o conceito de "Bem viver", através dos encontros nos conselhos regionais, no cole vo da APP, Coral da APP e outras a vidades.

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ARTIGO DO(A) EDUCADOR(A)

Escola como territorio de luta e resistencia Aproximações com a pedagogia da resistência Por Antônio Carlos Frutuoso. Professor de Matemática, mestre em Educação.

É primavera. Acorde, homem de Deus! A neve se derrete. Estão dormindo os mortos. Que se aguente nos sapatos aquele que não está morto ainda! [B. Brecht] Brecht é conhecido por sua obra de resistência. Nascido na Alemanha nos últimos anos do século XIX (1898), viu com apreensão a ascensão do nazismo na Alemanha e assistiu às atrocidades da Segunda Guerra Mundial. Assumidamente marxista, seu teatro é de forte inclinação marxiana. A epígrafe acima faz parte de um coro cantado no ato final de Mãe Coragem e seus filhos, escrita no inicio da Segunda Guerra Mundial. Na cena, “mãe coragem” acabara de se despedir e chorar a morte de sua filha Kattrin. Num ato de resistência solitária, a filha avisa a cidade da chegada de soldados para que assim possam, seus moradores e moradoras, se protegerem da ameaça. Do alto de um telhado, toca insistentemente e de forma vigorosa um tambor cujo som, ao final, se mistura ao seu próprio choro, até ser golpeada fatalmente por um tiro de bacamarte. Resta à “mãe coragem” despedir-se de sua filha, puxar sua carroça e seguir o caminho, à procura do único filho vivo que lhe sobrou.

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Resistere, que no latim quer dizer se manter firme e fincar o pé, é que dá origem à palavra resistência. Kattrin resistiu. Manteve-se firme diante da ameaça de ver sua cidade tomada por soldados e isso, na dramaturgia de Brecht, lhe custou a vida. Mas há um traço de esperança nos versos finais da peça, quando se aponta para a primavera e para a necessidade de que aqueles e aquelas que estejam vivos e vivas continuem lutando e que se “aguentem nos sapatos” para fazer a caminhada. A educação tem sido campo fértil de resistência. Não é de hoje que educadores e educadoras, assim como estudantes, pais e mães “aguentam-se nos sapatos” e fazem a defesa de escola pública de qualidade. Os fatos mais recentes, como os ocorridos no ano passado no Paraná, com a ocupação da ALEP em fevereiro e com o ato do dia 29 de abril, bem como a mobilização e organização dos estudantes em São Paulo e Goiás, foram atos de resistência contra as políticas educacionais liberalizantes de governos comprometidos, não com a qualidade da educação pública, mas sim, com projetos privatizantes. Mas estas foram ações externas e que ganharam visibilidade nacional. Mas o que dizer das ações diárias que ocorrem no interior das escolas e sobre as quais pouco se fala? Há tanta

resistência na ocupação de uma escola quanto no ato pedagógico diário de um professor ou professora comprometida com o processo de consciência de seus e de suas estudantes. Giroux (2004) chama atenção para o fato de que as escolas são muito mais do que lugares de transmissão de conhecimento. São, também, espaços culturais e políticos de luta e de contestação. É este o sentido deste artigo: dialogar com a pedagogia da resistência para que compreendamos a escola como território de lutas, lugar onde ficamos nossos pés e fazemos a resistência diária e cotidiana.

POR UMA PEDAGOGIA DA RESISTÊNCIA EM NOSSAS ESCOLAS No bojo das teorias críticas da reprodução (Bernstein, Bourdieu, Passeron, Baudelot e Establet) surgiram as teorias da resistência (Giroux, Maclaren. Apple) “voltadas a entender a autonomia relativa da escola na produção de significados e a combinar discussões de classe e cultura” (LOPES E MACEDO, 2011, p. 165). As teorias da reprodução refletem o papel da escola na manutenção e perpetuação capitalistas e o fazem, principalmente, a partir das bases criticas de Althusser que em a Ideologia e os Aparelhos Ideológicos de Estado sustentam que para a manutenção da sociedade capitalista a


escola cumpre o papel importantíssimo de aparelho ideológico, de conformação do status quo. Já para o segundo grupo de autores – os da teoria da resistência, a escola possui relativa autonomia por onde são produzidas as cisões que possibilitam a emancipação dos sujeitos – educandos(as) e educadores(as), através da ação crítica humana. Enquanto os primeiros aproximam-se de Althusser, é visível nos teóricos da resistência a impregnação do pensamento freireano. Paulo Freire (1980) acreditou no sentido político e cultural, de assunção de consciência que se faz a partir da superação do pensamento ingênuo e constituição do pensamento crítico e

emancipatório. O que pretende a pedagogia da resistência é uma pedagogia das possibilidades (SILVA, 2001), na medida em que existem mediações e ações no nível da escola e do currículo que fogem ao que estava determinado pelas estruturas de poder e de controle. Novamente há o encontro dos pedagogos da resistência com Freire (2001, p. 171) no sentido de a “grande tarefa do educador é exatamente refletir sobre o possível” . Em outro momento, Freire reafirma o valor da resistência como um dos fundamentos de nossa rebeldia às formas de resignação. No entanto, adverte: “a rebeldia precisa se alongar até uma posição mais radical e crítica” (2009, p. 79). Atentos aos limites de uma resistência mais radical e crítica, teóricos como Giroux e

Maclaren evoluem para o conceito de contrahegemonia. Falar em hegemonia e contrahegemonia “é pensar no antagonismo entre as classes sociais que, a partir de sua posição dominante ou subalterna no interior da sociedade e do Estado de classes, exercem, sofrem e disputam permanentemente o poder” (Dantas apud OLIVEIRA, 2010, p. 136). A radicalização e utilização deste conceito para a ampliação da pedagogia da resistência se dá em função de ser “mais teórico, político e crítico, não apenas dos processos de dominação, mas constituinte da ação transformadora a ser exercida pelos sujeitos” (LOPES E MACEDO, 2011, p. 177), com isso, aumentam-se as possibilidades de emancipação. Surge desta teoria a categoria dos “pedagogos críticos”, que são aqueles e aquelas que atuam no sentindo de desestabilizar a ordem capitalista.

A resistência nossa de cada dia Das teorias criticas herdamos a compreensão da escola como um aparelho ideológico do capitalismo. Da análise e da superação desta teoria, de seus mecanicismos e determinismos, surge a pedagogia da resistência, que num primeiro momento está preocupada com a autonomia dos sujeitos na produção das cisões no próprio sistema. Na evolução da própria teoria, chega-se ao conceito de contrahegemonia, empoderando os sujeitos – pedagogos críticos – como agentes potenciais de mudança, de se fazer a luta de classe no interior das escolas. A perspectiva é sempre a emancipação dos sujeitos e da própria educação: É através de um processo pedagógico [e político] que permita às pessoas se tornarem conscientes do papel de controle e poder exercido pelas instituições e pelas estruturas sociais que elas podem se

tornar emancipadas ou libertadas de seu poder e de seu controle. (SILVA, 2001, p. 54). O cotidiano escolar e suas práticas assumem importância fundamental. Como pedagogos críticos, se atua ativamente diante do conhecimento e dos processos de ensinoaprendizagem, impactando na constituição de um currículo emancipatório. No entanto, vale frisar, não existe a priori uma fórmula ou um projeto único emancipatório. São múltiplos interesses em contextos diversos que disputam a condição de serem emancipatórios. Se não é possível uma fórmula, há um caminho, segundo análise de Silva da obra de Giroux (2001), que se pode construir no interior das escolas em que se deve: - tomar a escola como uma esfera pública e democrática, onde os(as) educadores-

Que se aguente nos sapatos A escola nossa de cada dia é feita de muita crítica e muita resistência. Como território em disputa, precisa da ação ativa de educadores(as) e estudantes, cônscios de sua tarefa de emancipar-se no processo e em conjunto. Não há libertação que seja apenas de um indivíduo. Trata-se de uma tarefa coletiva. Governos como o que vivemos nos dias de hoje exigem nossa máxima ação e constante mobilização. Se organizados(as), por vezes sofremos revés, desmobilizados(as) seremos alvo fácil ao capitalismo e sua lógica empresarial. A unidade na ação é condição igualmente importante na difícil tarefa de resistirmos no interior das escolas. A liturgia humana diária de nossas escolas exigem de nós que finquemos os pés. Que se aguente nos sapatos! No ato final do teatro de João Cabral Melo Neto, Severino de vida severina e resistida

quer se jogar para fora da vida, quando lhe anunciam que um filho seu saltou-lhe para dentro da vida. O novo anunciado e existido é celebrado como esperança por dias melhores, pois ele é o novo que até o velho contagia. E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida; mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida; como a de há pouco, franzina; mesmo quando é a explosão de uma vida Severina. Que nossas escolas sejam de luta e resistência, mas também de muita esperança para a explosão da vida.

(as) estão ativamente envolvidos nos processos de questionamento e critica ao modelo de escola e educação liberalizantes e a serviço da emancipação e libertação dos sujeitos, do conhecimento e do currículo; - constituir uma classe dirigente na acepção gramsciana, de intelectuais transformadores(as) e orgânicos, de pedagogos e pedagogas críticas, capazes de fazer o enfrentamento aos projetos, práticas e condições impostas pelo capital; - dar voz e vez aos estudantes como copartícipes ativos do processo de emancipação. Historicamente invisibilizados do processo pedagógico, se o que se propõem é uma pedagogia da resistência com vistas à emancipação dos sujeitos, é necessário a criação de espaços onde os anseios e desejos dos estudantes possam ser ouvidos e atentamente considerados.

Referências: ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. São Paulo: Martins Fontes, s/d. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2009. _ Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: UNESP, 2001. _Conscientização: teoria e prática da libertação. Uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Moraes, 1980 GIROUX, Henry. Teoria y resistencia en educación. Buenos Aires: siglo XXI, 2004. LOPES, Alice Casimiro e MACEDO, Elizabeth. Teorias de currículo. São Paulo: Cortez, 2011. OLIVEIRA, Carlos Eduardo Rebuá. A “crítica „mafaldiana ” à sociedade burguesa numa leitura marxista: hq's e contrahegemonia na aula de história. IN: Revista tempos históricos. Volume 14, 2º semestre de 2010, p. 134-153. Versão eletrônica. Disponível em: file:///C:/Users/frutuoso/Downloads/486217766-1-PB.pdf. Acessado em ¾/2016. SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autência, 2001.

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N A P O N TA D O G I Z

Escola 29 de Abril: Por uma sociedade justa, igualitรกria e humanizada

Foto: Daniel Matoso

DO TRONCO DA VIDA, MESMO FERIDA, NASCE UMA FLOR, RINDO DA DOR.

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Mesmo com as marcas do massacre do Governo do Estado do Paraná aos(às) educadores(as) surge uma esperança simbolicamente “batizada” de Escola 29 de abril. O projeto nasceu de uma conjuntura adversa, logo após a barbárie do Centro Cívico, ainda durante o período de greve dos(as) trabalhadores(as) da educação do Estado do Paraná em que o governador Beto Richa mantinha a firme a decisão de não dialogar com os(as) trabalhadores(as). Mas, eis que estudantes solidários(as) à luta dos trabalhadores(as), preocupados(as) com a qualidade da educação pública, com a valorização dos profissionais educadores(as) e com o descaso governamental reuniram-se e, com apoio da APP-Sindicato, formaram a primeira turma da Escola. Nos “aulões” (como são chamados os encontros) analisa-se a conjuntura, debate-se encaminhamentos e exercese a cidadania. “Não era pelo descaso do governo do estado que desanimaríamos” afirmou o jovem Wesley Santos, um dos coordenadores do projeto. A Escola 29 de abril é um projeto do Núcleo Sindical da APPSindicato em Cascavel, coordenado pela professora de filosofia Sheila Lombardi, da rede estadual de ensino, e construída coletivamente em parceria com a Unioeste, que certifica o curso. O projeto busca desenvolver a autonomia de pensamento e a reflexão crítica, tanto individual como coletiva, sobre o contexto e os processos educacionais na sociedade nos quais os(as) estudantes estão inseridos(as). Além de problematizar temas educacionais, discute-se

questões gerais da sociedade atual, como acessibilidade, diversidade e igualdade, bem como quer fortalecer os laços entre sindicato e juventude. Sheila destaca a participação e a formação política – ausentes nos debates atuais da juventude –, como aspectos que foram considerados na organização e construção do projeto. “A participação social e a formação política são dois aspectos que cada vez mais vem se revelando como ferramentas de emancipação e autonomia do cidadão e que deseja compreender a sociedade e perceber-se como agente constituidor e transformador de realidades. A consciência sobre a capacidade individual torna-se ainda mais eficiente quando despertada na adolescência e nos jovens. Contudo podemos perceber que no atual contexto a ausência de projeto ético e de uma sinalização comprometida com mudanças, os jovens acabam destinando sua atenção para outras prioridades, desta forma, abriu-se a possibilidade de efetivar a formação social e política dos alunos, através de estudos e reflexões acerca das temáticas abordadas neste projeto”, explica a professora. Com 20 estudantes formados(as) na primeira etapa, o projeto foi expandido e atende também o município Guaraniaçu, além de Cascavel. Os temas discutidos nos aulões, em que participação democrática é um princípio pedagógico, são encaminhados nos momentos presenciais e continuam nos não presenciais. “As aulas presenciais consistem em dez encontros de quatro horas cada uma, perfazendo 40 horas e nas 20 horas

restantes, são realizadas atividades não presenciais, de reflexão a respeito dos assuntos estudados, totalizando 60 horas de curso. O procedimento metodológico adotado neste trabalho é o de participação democrática, utilizando-se de debates, recursos práticos como a cogestão, num processo em que o aluno é levado a desenvolver novas ideias e novas formas de pensar e de agir politicamente, em decorrência, provocará mudanças a partir de sua influência na ação criadora e recriadora que exercemos diariamente em sociedade”, explica o jovem Wesley. A partir da participação da juventude, a formação política extracurricular torna-se uma ferramenta importante na capacitação da mesma, uma vez que se está formando pessoas com senso crítico e que têm importância fundamental na sociedade. “Estamos formando as nossas futuras lideranças pastorais, sindicais e porque não dirigentes políticos?” É a reflexão o professor Paulino Pereira da Luz, presidente licenciado do Núcleo Sindical da APP em Cascavel e vereador no município. Autonomia, empoderamento e democracia, essas são as palavras que mais apareceram em uma breve pesquisa com os(as) estudantes que concluíram e foram diplomados(as) na primeira turma da Escola 29 de abril, prova de que com o espaço de formação a juventude tende a ser ainda mais protagonista nas próximas etapas, não somente em Cascavel, mas em todo o estado do Paraná

A sua escola tem algum projeto que você gostaria de ver noticiado aqui na Revista 29 de abril? Envie sua sugestão para o e-mail: revista29deabril@app.com.br

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O VA L O R D A S P A L AV R A S : D E M O C R A C I A

Opoderpovo!

o d ev m

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Em tempos de crise, inclusive de princípios, retomar o entendimento sobre alguns termos é fundamental. Assim, a coluna ‘O Valor das Palavras’ estreia como um espaço de reflexão sobre a palavra (escrita, falada, pensada). Aqui, o leitor e a leitora poderão conhecer mais a respeito da origem dos termos, de expressões, de ideias. Também comentaremos livros e outras publicações. E para começar, vamos falar sobre: democracia. A força do povo – a raiz da palavra ‘Democracia’ deve ser buscada na Grécia. Ela se origina do grego demokratía - junção de demos (“povo”) e kratía (“força, poder”). Antes de ser incorporado ao português, o termo entrou, tardiamente, no latim (democratia) e no francês (démocratie).

A frase do presidente norte-americano Abraham Lincoln, em um dos seus discursos históricos, resume bem, no imaginário popular, a concepção de democracia: “A democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo”. Dessa forma, a democracia pode ser entendida como um regime de governo no qual o povo é quem deve tomar as decisões políticas e de poder. O regime brasileiro, da Constituição de 1988, baseia-se, portanto, no princípio democrático da soberania popular. Atualmente, a democracia tornouse um sistema político e que pode ser exercido, pelo povo, dos seguintes modos: direto (quando o povo exerce diretamente o governo); indireto (quando o povo elege seus e suas representantes) e semidireto (quando os cidadãos e cidadãs podem estabelecer leis através de iniciativas populares).

Para saber mais

Cultura do silêncio e democracia no Brasil Venício Lima

Globalização, democracia e terrorismo Eric Hobsbawn

Cultura e Democracia Marilena Chauí

O que é Democraria (Coleção Primeiros Passos) Denis L. Roselfield

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DE UM LADO, A REPRESSÃO.


29 DE AB 1 ANO DO MASSA

DO NOSSO LADO, A DEFESA DOS DIREITOS. 29 DE ABRIL, 1 ANO DO MASSACRE

appsindicato.org.br





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