Edição Pedagógica 2013

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“(…) Ela não permitirá que a sombra escura do deserto impeça de enflorar-se o pinheiro, que em toda a oportunidade é seu alento protetor. Acredita no seu destino, já que seu aliado brota da terra. Coligam-se em acordo ave e planta, na árdua faina de recriar a natureza. Para que a harmonia não pereça, (pesar da destruição e da malvadeza) dos descaminhos que alteram o ambiente, ela luta tenaz por sua sobrevivência.” Sueli de Souza Pinto

Poetisa e Professora da Rede Estadual de Ensino do Paraná. em União da Vitória.


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EDITORIAL Abrimos a Edição Pedagógica de 2013 com a paisagem do artista paranaense Alfredo Andersen, a mesma que ilustrou a capa da agenda APP-Sindicato apresentando uma série de outras obras de pintores do Paraná. A mensagem com a qual finalizamos aquele trabalho é aqui reafirmada na Semana Pedagógica: “dos caminhos a serem semeados, das ideias e ideais a serem frutificados, do trabalho pedagógico a ser produzido no cotidiano da escola e nos demais espaços que partilhamos em sociedade.” Nosso símbolo inspirador é a gralha-azul que com persistência, semeia dia-a-dia os pinhões para a formação de uma nova araucária, cuja preservação está ameaçada. Com firmeza e convicção queremos também semear: a nossa capacidade de conhecimento, de luta e de resistência. E assim fortalecer a unidade dos trabalhadores/as em educação, junto com a comunidade escolar, na defesa e garantia da escola pública. O ano de 2013 será por demais desafiante. E trazemos sempre reflexões sobre a escola que temos e os esforços históricos pela construção e afirmações da escola que queremos: uma escola emancipadora, de qualidade para todos/as. A semana pedagógica deve tornar-se o coletivo permanente de todo o ano letivo. “Educar e instruir são atos políticos”, nos lembra o professor Miguel Arroyo.

Portanto, nenhuma ordem se mantém por atributo inato. As relações de poder são as forças que mantém uma determinada sociedade.Assim como na sociedade, a escola é também espaço de conflitos, contradições e sínteses superadoras. É território de lutas. Educar é mais do que dominar técnicas, métodos e teorias: é manter-se numa escuta sempre renovada, pois essa leitura nunca está acabada. Paulo Freire sempre esteve atento a todas as manifestações que aconteciam ao seu redor e captava a afirmação dos sujeitos, a inaudível preocupação com a humanização. Pode-se repetir anos a fio o mesmo conteúdo, mas não se repetirá a mesma relação pedagógica. O esclarecimento, o conhecimento e a consciência política pode redefinir as escolhas pedagógicas. A escola sozinha não reverte os processos de desumanização, mas, deve contribuir para não reforçá-los e superá-los. A escola é o nosso espaço social de trabalho. Manter ou mudar a realidade depende de nossa luta política corporativa, através do sindicato, bem como das lutas coletivas e sociais de resistências. Para isso é preciso compreender o momento histórico e suas implicações. Neste sentido, a Edição Especial para a Semana Pedagógica traz alguns temas centrais que precisamos discutir e refletir. Primeiramente, a presidenta, professora Marlei Fernandes de Carvalho apresenta a importância do trabalho coletivo e pedagógico na escola, evidenciando o papel dos/as Diretores/as e Pedagogos/as, na efetivação e garantia de uma gestão democrática

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para uma escola pública de qualidade e emancipadora. Em seguida, a presidenta apresenta parte do artigo da professora Maria Teresa Leitão de Melo, publicado em 2009 na Revista Retratos da Escola da CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, sobre a construção e afirmação da identidade dos/as Funcionários/as de escola. Na sequência, a professora Marcia Baiersdorf de Araújo, da Universidade Federal do Paraná, discute a função e a importância do Currículo e da Organização Escolar no âmbito das relações, dos conflitos e das lutas em defesa da escola pública. A professora Walkíria Olegário Mazeto, Secretária Educacional da APP-Sindicato, analisa a questão da hora-atividade como condição para o desenvolvimento do trabalho docente. Marcia do Rocio Santos, doutora em Serviço Social e assessora educacional da APP escreve um artigo sobre os fundamentos políticos e ideológicos do modelo de gestão empresarial predominante nas políticas educacionais do Paraná. Por fim, a professora Janeslei Aparecida Albuquerque, secretária de formação da APP-Sindicato, traz para o debate na escola a importância da unificação das pautas no campo da Educação e da Cultura, dos movimentos sociais do campo educacional na América Latina Para Um Movimento Pedagógico Latino-americano. Boa leitura e debate à todos/as! Diretoria Estadual da APP-Sindicato

Da semana pedagógica ao encontro com o trabalho coletivo

Marlei Fernandes de Carvalho Presidenta da APP-Sindicato

Debater a organização e gestão da escola é compromisso e dever de todos: tomar decisões coletivas nas instâncias, decidir onde e como investir os recursos públicos da escola, a relação entre funcionários, professores, direção, equipe pedagógica, e,ainda, manter as políticas públicas e ampliá-la sem regressão, são desafios permanentes. Alguns caminhos da organização precisam ser retomados: a Pedagogia histórico-crítica proporcionou o debate e a ruptura com o tecnicismo e com a compreensão de que a escola tem uma natureza seletiva. Também a luta pela universalização da escola, pela democratização, pela vinculação e ampliação de recursos, pela escola de qualidade social aliada às condições efetivas de trabalho avançou, mas ainda não foram totalmente implementadas. A recusa, pela sociedade civil, especialmente do movimento sindical e popular, do monopólio do Estado sobre as políticas, sobre sua formulação, sua definição ideológica e estrutural se fazem presentes. A instituição de espaços democráticos, do Estado Democrático e de um sistema educacional que garanta a democracia permanece sine qua non para a conjuntura política. É necessário inverter a tendência dominante de cima para baixo na perspectiva de que é a partir da ação coletiva da escola, do sistema e da sociedade que deve ser exercido o poder e, assim, controlar o próprio poder com a reafirmação do caráter público da Escola e de sua manutenção pelo Estado. Papel das Direções e Pedagogos/as: Uma gestão democrática e a organização do trabalho pedagógico são determinantes na estruturação da Escola Pública emancipadora que desejamos e lutamos. Em um momento onde as políticas educacionais são apresentadas e determinadas sob a ótica do individualismo é im-

portantíssimo a reafirmação e o fortalecimento tanto do papel dirigente coletivo na gestão democrática das escolas como o fortalecimento coletivo do papel pedagógico das equipes pedagógicas. Há um conjunto de projetos e programas importantes que auxiliam na aprendizagem como também há propostas que vão na contramão da educação emancipadora. O Caderno de subsídio para acompanhamento pedagógico da Secretaria de Estado da Educação (SEED) é o maior exemplo de perversidade da política liberal que “transfere” para as direções, equipes pedagógicas, professores e funcionários a resolução da maioria dos problemas social-históricos que não são de fácil resolução, mas que na visão do governo, dependem única e exclusivamente do esforço individual de cada escola. Isolam-se os problemas das condições de trabalho necessárias para efetivação desse trabalho. Destacamos aqui a burocratização do trabalho de diretores/as e pedagogos/as, a falta de funcionários/as e suas substituições, a falta de substituição dos/as professores/as que encontram-se doentes e, também, na maioria das escolas, as condições físicas e materiais que tornam o trabalho “quase sem solução”. Cria-se na escola um ciclo vicioso de dificuldades. Não há receitas de resolução. A solução está na luta permanente e cobrança do governo de políticas que solucionem todos esses problemas. O que queremos e defendemos é o fortalecimento do trabalho coletivo, dividindo as responsabilidades para não se “culpabilizar” nenhum segmento individualmente. Por isso, a APP – Sindicato tem convidado as/os diretoras/es de escolas e pedagogos/as para um trabalho conjunto e unificador. É necessário retomar nossos coletivos para não cair na tentação que as dificuldades são de cada local, ou seja, individuais.

Lutamos pela qualidade da educação e das condições efetivas para os/as trabalhadores/as. Temos uma certeza: de que a luta é conjunta e estaremos unificados por uma Escola Pública Democrática e de qualidade para todos/as. Retomar o sentido da totalidade, para inversão dessa ordem é uma tarefa árdua do conjunto da categoria, mas aqui em especial para as/os diretoras/es e pedagogos/as das escolas. A vida escolar tão degradada pelo capital, por anos de reprodução de hierarquias, de autoritarismos, de consumismos e individualismos, torna o trabalho mais desafiador. Há uma tarefa dirigente intransferível que é a construção contra-hegemônica, no sentido de Gramsci: “operar em dois níveis: como direção cultural e direção política. Uma nova hegemonia é a criação da vontade coletiva para uma nova direção política e também a reforma intelectual e moral para uma nova direção cultural”. O trabalho coletivo e o envolvimento de todos os sujeitos da comunidade escolar podem alcançar êxito. Estabelecer pactos de ação, de solução conjunta dos problemas, ampliando as relações democráticas; ações que suplantem os autoritarismos presentes em cada um de nós e na sociedade são desafios diários. Pensar uma outra escola restabelecendo o sentimento de pertencimento social-coletivo de solidariedade. Há que se humanizar o que foi e continua sendo desumanizado pelo capital: a relação entre os seres humanos. A escola é o espaço privilegiado de relações humanas, de contradições e ações, de realização e de possibilidades, de afirmação da liberdade e da justiça, de desvelamento das misérias e da opressão. A Escola é lugar de sonhos e esperança!


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Funcionários/as da educação: atuação política e pedagógica permanente A história de luta e a pauta dos/as Funcionários/as de escola, nos últimos anos, integram a agenda da educação brasileira e ganha força sua organização, formação e valorização profissional. No Paraná não é diferente. Avançamos, mas temos certeza que a garantia das conquistas continuará com a afirmação permanente da luta. Nesse sentido, o debate pedagógico-educacional é uma conquista política, espaço construído com muita luta, portanto, não podemos rebaixar ou mesmo descaracterizar a nossa participação como segmento do coletivo escolar. As decisões durante a Semana Pedagógica requer todo esforço coletivo e participação ativa do conjunto da categoria. Isso não é tarefa somente dos diretores/as, pedagogos/as e dos/as professores/as. No dizer de Gramsci: “Política é força”, e é com essa força coletiva que buscamos, de forma organizada, intervir nos processos de decisão da nossa escola. Precisamos estar organizados e fortes em todo processo educacional, nas decisões políticas e nas condições de trabalho, tanto na escola como na luta permanente da pauta da categoria. Avançamos é verdade, mas temos ainda muitos desafios de superação. Nessa perspectiva, trazemos para Semana Pedagógica a reprodução de parte do artigo da Professora Maria Teresa Leitão de Melo, publicado em 2009 na Revista Retratos da Escola, de forma a contribuir no debate e no aprofundamento político-pedagógico-educacional. Marlei Fernandes de Carvalho Presidenta da APP-Sindicato

O chão da escola: Construção e afirmação da identidade Professora Maria Teresa Leitão de Melo

Certa vez, quando era dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), participava de um debate sobre a profissionalização dos funcionários de escola e um porteiro pediu a palavra para nos afirmar: “Sou porteiro da escola, só estudei até a 7a série. Quero estudar mais, concluir o ensino médio, ter na minha ficha funcional um cargo próprio e não apenas agente administrativo. Eu quero que no nome do meu cargo tenha a palavra escola ou a palavra educador, porque mesmo que eu seja porteiro eu serei porteiro de escola e não porteiro de edifício ou de hotel e isso é muito diferente.” Foi sob esta perspectiva que a CNTE construiu sua tese de profissionalização dos funcionários e sua concepção da identidade coletiva dos trabalhadores em educação: o chão da escola como síntese, como ponto de encontro. Demarcar nesse território as contradições, as polêmicas e as possibilidades de diálogo é um exercício desafiador, que não se faz sem dores ou choros, mas que enseja muita felicidade e aprendizagens.

convicção militante das entidades sindicais representativas dos trabalhadores em educação. Com a unificação das associações e sindicatos de professores, iniciada na década de noventa, os funcionários ocupam lugar estratégico na definição desta nova categoria que surge do chão da escola. É um novo conceito a desafiar a desprofissionalização, a terceirização, a invisibilidade a que estavam relegados os funcionários. Com educação básica incompleta, impedidos de fazer greve, distantes da entidade sindical, apartados da participação nas decisões da escola, os funcionários passam a ser o grande desafio da inclusão, da democratização, de afirmação da categoria dos trabalhadores em educação. As pautas de reivindicação ganham novos itens, a agenda de políticas públicas, novas exigências. Como considerar democrática uma gestão que permite trabalhar na escola pessoas a quem o direito à educação foi negado? Como considerar democrática uma gestão que não permite a fala e a opinião de todos os segmentos da comunidade escolar?

A própria escola, ao absorver a divisão social do trabalho que se dá na sociedade, nos apresenta elementos para refletir sobre o espaço pedagógico ocupado pelos funcionários. A primeira constatação é a de que ainda existe uma grande diversidade na denominação desses trabalhadores. Desde não-docentes (afirmando-se pela negação, pelo não ser professor) até agentes, auxiliares, assistentes para, finalmente, a partir, da denominação de profissionais da educação, serem traduzidos na Lei 12.014, de 2009 (BRASIL, 2009), de autoria da senadora Fátima Cleide (PT-RO), como técnicos em áreas pedagógicas ou afins. A questão da identidade mexe com valores, impulsiona a prática, direciona as relações na escola, cria o sentimento de pertencimento. Daí ser importante considerar a reivindicação do porteiro de ser um educador e como tal se portar e ser tratado diante da realidade da escola. (...)

A escola desperta para essas contradições, impulsionada, sobretudo, pelos sindicatos, que trazem para o debate mais amplo das políticas públicas de educação e da legislação educacional a questão dos funcionários. E o que vem a ser a “questão dos funcionários”, se não, em primeira hora, a sua identidade profissional? Colocamse neste âmbito, a meu ver, desde o sentimento de pertencimento à comunidade escolar, com as devidas oportunidades de participação, até as políticas de formação e carreira como indicadores e referenciais da profissionalização. De maneira muito estratégica e respeitosa, o movimento sindical dos trabalhadores em educação não quer apenas ampliar a sua base de representação com os funcionários e deixá-los no estágio em que se encontravam quando da unificação. Muito pelo contrário, embora a imagem mais forte relacionada à educação seja a do professor, os funcionários conquistam espaços valiosos na identidade da categoria dos trabalhadores em educação, ampliando-se o próprio conceito de profissionais da educação. Para tal, há de se considerar como indispensáveis as políticas de formação e de elevação da escolaridade, iniciadas com a experiência do Profuncionário, bem como a revisão dos planos de cargos e carreira, de modo a contemplar todo o quadro da educação e não apenas os professores.

Não é fácil tocar em feridas tão profundas, marcadas pela hierarquia, pelo não ser educador, pelo não poder falar, pelo não poder entrar nos ambientes pedagógicos a não ser para limpá-los e arrumá-los. Chega-se ao extremo de termos funcionários de escola semi-alfabetizados... Este é o desafio inicial da democratização da gestão, espaço de participação de toda a comunidade escolar. Afirmar, no preâmbulo, que o chão da escola não é um chão qualquer - é um chão que congrega, que constrói, que educa. É por isso que merendeira não é cozinheira de restaurante, que secretária não é recepcionista de hotel, que porteiro não é porteiro de banco. Com todo respeito aos demais, os da escola são educadores e educadoras e é desta forma que devem ser formados, tratados e considerados. (…)

A afirmação educativa dos funcionários Para além do contexto cotidiano da escola e considerando a luta histórica dos trabalhadores em educação, mais uma vez vamos encontrar o desafio da inclusão dos funcionários escolares como agentes sociais na construção de uma escola democrática e de qualidade. A sua afirmação educativa está ligada aos processos lentos e graduais de profissionalização, conquistados a duras penas e nascidos da

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: MELO, Maria Teresa Leitão de. Chão da Escola: Construção e afirmação da Identidade. In: Revista Retratos da Escola. Funcionários de Escola: identidade e profissionalização. Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), vol.3, Brasília, julho-dezembro de 2009.

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CURRÍCULO E ORGANIZAÇÃO ESCOLAR Márcia Baiersdorf de Araujo* Este texto tem por objetivo oferecer aos profissionais da educação alguns apontamentos e considerações acerca da relação entre o currículo e a organização do trabalho escolar. Essa temática se faz atual e necessária na medida em que com certa freqüência a escola e seus professores são questionados quanto aos modos como desenvolvem o trabalho educativo, ao mesmo tempo em que são reconhecidos no discurso político e especializado como agentes imprescindíveis para o avanço da qualidade da educação nacional.

1. A questão da qualidade da educação básica

2. Afinal o que entendemos por educação básica?

Certamente mudanças na qualidade da educação e, por conseqüência, melhorias na formação dos estudantes dependem, em grande medida, da capacidade de realização do trabalho docente e de toda a organização escolar, ao nível local como também sistêmico. Entretanto nem sempre os profissionais da educação ou mesmo as comunidades nas quais atuam, participam das decisões sobre a política educacional que impacta na prática escolar realizada e nas possibilidades formativas almejadas por essas mesmas comunidades.

O próprio entendimento do conceito educação básica é parte da disputa entre projetos formativos distintos, reveladores de interesses e demandas sociais diversas e por vezes inconciliáveis. Considerando a existência de tais alinhamentos societários divergentes passamos a compreender melhor que o que se espera de uma escola de qualidade pode mudar de acordo com o enfoque político-pedagógico em questão. Podemos significar educação básica e qualidade educacional de formas distintas.

Em muitos sistemas de ensino estaduais e municipais prevalece o exacerbado controle externo da organização escolar, em prejuízo da base reflexiva necessária a organização do trabalho educativo, qual seja o pensar o projeto formativo e as formas de sua implementação. Tudo se passa como se na escola as questões curriculares, por tanto àquelas de natureza formativa, se reduzissem ao plano das ações mais pragmáticas já que o currículo seria elaborado por especialistas e a escola sujeita a sua validação por meio da avaliação de resultados. Essa tendência segue em grande parte o que se passa no âmbito federal, especificamente as políticas de avaliação dos sistemas de ensino, centradas no desempenho dos estudantes, principal indicativo considerado hoje para indagar a qualidade da escola básica brasileira. Ficam excluídas dessas análises fatores como a desigualdade social e suas repercussões na experiência escolar dos estudantes, a ausência de um pacto federativo mais efetivo e com maior presença da União no financiamento educacional, as precárias condições físicas e estruturais da escola brasileira, a forma como os tempos para o planejar coletivamente o trabalho são ou não disponibilizados nas escolas, entre outros aspectos relevantes, amplamente mencionados por educadores, pesquisadores, na literatura educacional e nos movimentos sociais em favor da qualidade da escola pública. Vale observar que tal sistemática avaliativa está legalmente sustentada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN 9394/1996 (Art. 8º e 9º), que confere à União o poder da avaliação externa, tendência que se replica nos respectivos sistemas estaduais e municipais preocupados em realizar suas próprias avaliações e em produzir documentos curriculares normativos na tentativa de moldar a prática escolar aos objetivos e expectativas de aprendizagens correspondentes as áreas do conhecimento, conteúdos e habilidades a serem verificados no desempenho dos estudantes ao final de algumas etapas. Seguindo essa orientação focada nos resultados finais do processo de escolarização, a gestão dos sistemas de ensino, seja no âmbito estadual e municipal ou específico dos estabelecimentos escolares, tende a reforçar orientações técnicas e gerenciais que se impõem como solução objetiva para as problemáticas educacionais levantadas. Com isso as demandas de natureza formativa, mais relacionadas ao processo educacional, deixam de ser discutidas e encaminhadas e o currículo escolar acaba reduzido a instrumento de controle burocrático e administrativo, elaborado por especialistas. A escola vê assim negada sua participação na definição das finalidades educacionais, princípios e objetivos formativos mais amplos. Identificamos nessa tendência o estreitamento do direito dos estudantes e comunidades populares ao acesso ao conhecimento em bases ampliadas. Tal opção curricular focada em conteúdos e habilidades mínimos subestima o caráter formativo de saberes outros, complementares àqueles de natureza mais instrumental, contrariando o previsto na própria LDEBEN quando define os objetivos e as finalidades da educação básica (Art. 22 e 27) ou quando específica a abrangência formativa em cada etapa de escolarização (Art. 29, 32, 35 e 36). Em decorrência dessa racionalização de saberes promovida pela avaliação externa como fim em si mesma os objetivos e as finalidades da educação básica correm o risco de abandono ou esquecimento curricular, subsumidos na crítica parcial a uma escola que não dá conta nem do mínimo. Discurso ardiloso que tende a omitir a existência de intencionalidades outras para a educação básica.

* Professora da Universidade Federal do Paraná, marbaier@yahoo.com.br

Na tentativa de elucidar alguns posicionamentos possíveis e no intuito de contribuir para a discussão curricular nas escolas, buscaremos significar a educação básica a partir de dois enfoques formativos divergentes. O primeiro abrange àquelas tendências formativas afinadas com a lógica do mercado de trabalho e a dinâmica do mundo globalizado, propondo um ensino comprometido com a adaptação dos indivíduos à sociedade e com a capacitação desses mesmos indivíduos para que saibam inovar, reinventar as bases produtivas vigentes. O segundo enfoque representa as tendências curriculares mais favoráveis a uma formação escolar igualitária, questionadora das desigualdades sociais, aberta a diversidade humana e capaz de relacionar no currículo escolar conhecimento e formação política tendo em vista a modificação das estruturas sociais vigentes. Ambos os enfoques estão presentes nos diferentes cenários educacionais, repercutindo nas formas como as escolas significam a formação dada aos seus estudantes. Também estão presentes no campo das políticas educacionais e na forma como em dada conjuntura uma ou outra tendência prevalecerá e na forma como à tendência não dominante continuará a influenciar, tencionar esse mesmo cenário. Vemos assim que em cada sistema de ensino e em cada escola em particular haverá uma correlação de forças, um arranjo possível entre projetos formativos distintos. Para elucidar tais disputas entre intencionalidades educacionais diversas valeria o esforço de uma pedagogia da pergunta, revelador de nossos próprios posicionamentos sobre currículo. Vejamos algumas provocações: • A ênfase em habilidades e expectativas de aprendizagens verificadas nas avaliações externas não estaria reproduzindo a escola elementar conservadora, restrita ao ensinar a ler, escrever e contar? • A escola básica deve ir além dessas aprendizagens elementares? Deveria dar conta apenas desse mínimo necessário ao invés de arriscar-se em outros domínios de conhecimento? • Faz parte do trabalho escolar ensinar “o para que” ler, escrever e contar? Que conteúdos poderiam ser suscitados com base nesse “para quê”? • Os estudantes se interessam por saberes meramente instrumentais ou gostariam de utilizá-los para significar o contexto em que vivem? Quais saberes ou temas de estudo escolar tornariam tais aprendizagens socialmente relevantes? • O que fazemos com os estudantes que porventura não dominarem no tempo previsto tais aprendizagens? Devem retomar seus percursos de aprendizagem desde o início ou continuar a partir do que já sabem? Essas perguntas estão aqui colocadas na intenção de suscitar debates e de demonstrar que a escola se constitui no espaço privilegiado para dar conteúdo e forma a essas e outras indagações, demonstrando sua participação na construção de um currículo vivo, revelador da identidade dos diferentes estabelecimentos de ensino, seus profissionais, estudantes e comunidades envolvidas na tarefa de educar.


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3. O que a escola tem a dizer sobre a qualidade da educação básica? É importante notar que nas escolas há um constante enfrentamento das problemáticas relativas ao ensino e a sua qualidade, mesmo admitindo que haja também no nível local exemplos de omissão. Para desempenharem o ensino as escolas tomam partida, realizam leituras sobre os princípios e finalidades direcionadores de sua prática educativa. E isso se dá diariamente, não raras às vezes com grande dramaticidade e a partir de embates ideológicos e com base em acordos recíprocos acerca da organização pedagógica mais coerente com a formação pretendida. Ao definirem seus projetos de ação pedagógica e mesmo no lidar com a prática cotidiana as escolas e seus profissionais expressam grande empenho em mover-se diante das condicionalidades e, na medida do possível, em superar limitadores do trabalho educativo. Nessa dinâmica certos saberes e construtos curriculares advindos dessas experiências docentes e comunitárias são promovidos pelas escolas, muitas vezes nas entrelinhas e à margem das políticas oficiais que organizam os sistemas de ensino. Nesse sentido podemos afirmar que as comunidades escolares integram as políticas curriculares não somente enquanto executoras de tarefas indicadas pelo discurso político e especializado.

4. Concluindo Nesse texto partimos da compreensão de que o currículo se define na proposta formadora da escola e se configura como campo de organização de saberes a partir de finalidades socialmente postas e, em certa medida assumidas pelos sistemas educacionais além de conformadas na lógica de organização da educação nacional na atualidade.

e finalidades sócio-educacionais assumidos nas escolas, nas suas comunidades, nas interações com os estudantes e pelos profissionais da educação.

Consideramos a escola como espaço formador por excelência no qual não apenas se aplica o currículo, mas também se define seu próprio posicionamento político-pedagógico, sua tomada de posição perante a formação dos estudantes e suas escolhas sempre relacionadas às intencionalidades do ensino.

ARROYO, Miguel G. Currículo, território em disputa. Rio de Janeiro: Vozes, 2011. BRASIL. Câmara dos Deputados. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 6ª edição. Brasília: Edições da Câmara, 2011. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Indagações sobre currículo. Brasília, 2007. CURY, Carlos Roberto Jamil. A educação básica no Brasil. Educação e sociedade. Campinas: n. 80, vol. 23, set/2012, p. 168-200. DUBET, François. A idéia de sociedade. In: Sociologia da experiência. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. p. 41-50. FORQUIN, Jean-Claude. Saberes escolares, imperativos e dinâmicas escolares. Revista Teoria & Educação. Porto Alegre, n.5, p.28-49, 1992. GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. GÓMEZ, A. I. Perez. A cultura escolar na sociedade neoliberal. Porto Alegre: ArtMed, 2001. MOREIRA, Antonio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 1994. NÓVOA, Antônio. Os professores na virada do milênio: execesso do discursos à pobreza das práticas. Educação e Pesquisa. São Paulo, jan/jun 1999, v.25, n.1, p.11-20. OLIVEIRA, R. P. & ARAUJO, G. C. Qualidade do ensino: uma nova dimensão da luta pelo direito a educação. Revista Brasileira de Educação. n.28, jan/fev/mar/ab/2005.

Compreendemos o empenho de cada comunidade escolar em definir suas prioridades formativas não como algo de menor importância, mas ao contrário, como movimento presente na dinâmica própria dos estabelecimentos de ensino, revelador do currículo como território em disputa e da escola como local de organização política do conhecimento. Com base nesses argumentos situamos a educação básica como parte de um campo societário mais amplo no qual estão em correlação de forças interesses e movimentos políticos e culturais diversos. A forma como desenvolvemos o ensino e como o priorizamos está, desse modo, intimamente relacionada com princípios, objetivos

Hora-atividade Walkíria Olegário Mazeto Secretária Educacional da APP-Sindicato

Nas últimas décadas a educação brasileira passou por grandes transformações e tem buscado superar os grandes desafios como o de universalizar o acesso, garantir a permanência dos estudantes na escola, assegurar o cumprimento pleno de sua função social, o de formar sujeitos plenamente conscientes da realidade em que vivem e em condições de contribuir para a realização das transformações das quais necessita. Para que a função social da educação possa se efetivar a escola precisa garantir as condições necessárias para que tanto aquele que nela trabalha ou estuda tenha suas necessidades atendidas. Por exemplo, a garantia das condições de trabalho para o/a professor/a como fator necessário para assegurar a qualidade do ensino. O trabalho docente e as condições necessárias para que ele se efetive precisam ser analisados na ótica do trabalho sob o capitalismo: o modo de produção da vida material no sistema de produção de mercadorias condiciona o processo. Conforme o recente documento Estudo sobre a Lei do Piso Salarial do Conselho Nacional de Educação, “o trabalho docente não está diretamente vinculado à valorização do capital, à produção de mercadorias. Entretanto, é diretamente afetado pela forma como está organizado o sistema capitalista, é por ele influenciado e tende a ser por ele dirigido”. No que diz respeito à organização e gestão do processo educativo na atualidade prevalece métodos gerenciais próprios da empresa privada dentro das escolas na qual os trabalhadores/as sofrem funções repetitivas e sequenciais, sem que qualquer um deles tenha domínio sobre a sua totalidade, isto é, sobre o conjunto do processo. Esse modelo

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

impede ou dissimula a participação dos/as trabalhadores/as na definição das políticas públicas da educação pela falta das condições - de tempo, de espaço e de estrutura - para interagir com seus pares e apropriar-se de seu próprio trabalho. Resta, as limitações para realizar integralmente sua função social que não é apenas a de transmitir o saber historicamente acumulado mas também de produzir novos conhecimentos. A luta dos/as trabalhadores/as para romper com a lógica do capital e conquistar condições efetivas para que o trabalho docente possa ser realizado teve uma grande conquista com a Lei Federal nº 11.738/08. No seu artigo 2º, § 4º, a Lei Federal, prevê que, no máximo, 2/3 da jornada docente deve ser destinado às atividades em sala de aula. Ou, como afirma o Parecer 09/2012 do Conselho Nacional de Educação (a espera de homologação): Assim, de acordo com a legislação, a jornada de trabalho de 40 horas semanais de trabalho deve ser composta da seguinte forma,26 horas de interação com educando e 14 horas de atividades extra classe, independente do tempo de duração de cada aula, definido pelos sistemas de ensino. Logo, para cumprimento do disposto no § 4º do artigo 2º da Lei Federal nº 11.738/08, não se pode fazer uma grande operação matemática para multiplicar as jornadas por minutos e depois distribuí-los por aulas, aumentando as aulas das jornadas de trabalho, mas apenas e tão somente destacar das jornadas previstas nas leis dos entes federados, um terço de cada carga horária.

Contudo ainda existem governos municipais e estaduais descumprindo essa Lei, como é o caso do Governo do Estado do Paraná. Precisamos agora lutar para que esse dispositivo legal se efetive no chão da escola, aplicando-o sobre a jornada de trabalho de horas-aula semanais. O que estava negociado para se efetivar em janeiro de 2013 não foi praticado por parte do Governo do Estado, o que tem nos levado à construção da Greve! Mais do que nunca é hora de continuarmos na luta unificada para a conquista de nossas reivindicações! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Parecer 09/2012. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica, Distrito Federal. 12/4/2012. (a espera de homologação). MARX, K. & ENGELS.”Contribuições para a crítica da economia política”. In: Coleção Pensadores. São Paulo, Abril, 1986. MARX, K. Manuscritos econômicos filosóficos e outros textos escolhidos. Trad. José Arthur Gianotti. 4. ed. São Paulo: Nova Cultura, 1987. v. 2. LEI FEDERAL Nº 11.738, DE 16 DE JULHO DE 2008. Institui o Piso Salarial Profissional Nacional para os profissionais do Magistério Público da Educação Básica.

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FUNDAMENTOS DA CRÍTICA À GESTÃO EMPRESARIAL DA EDUCAÇÃO 1

Marcia do Rocio Santos, Doutora em Serviço Social e Assessora Educacional da APP

O objetivo deste artigo é de refletir alguns elementos do campo da filosofia marxista, do modo dialético e revolucionário de compreender, explicar, e agir na realidade social e política, fundamentando assim o significado (contraditório) da educação e dos que nela trabalham. A importância histórica dos intelectuais (de esquerda) e de sua capacidade de contestação, sua função orgânica na totalidade das lutas sociais, são elementos que trazemos para interpretar a condição dos trabalhadores/as em educação que vendem sua força de trabalho - não no chão da fábrica, mas no chão da escola. Ainda que o capitalismo inverta a relação e trate como mercadoria, o produto do trabalho coletivo na escola é conhecimento, cultura, que pode se transformar na contracultura, na tomada de consciência, nas condições de negação e de superação da ordem estabelecida pelos mercados para a educação. Assim, fundamentamos a crítica à lógica empresarial da educação no Paraná e o seu contraponto: a luta histórica e viva em defesa da escola pública.

dade tem como fundamento histórico as relações de produção de uma determinada sociedade e a luta das classes sociais diante de seus interesses e necessidades históricas. A alienação econômica como resultante da divisão do trabalho na sociedade capitalista também produz o eixo central de ocultação das relações sociais: o modo em que mistifica o sujeito histórico num ser genérico, abstrato, distante de sua atividade social no meio onde vive e produz. Destas relações de alienação recai as consequências profundamente destrutivas do capitalismo sobre as capacidades criativas e libertárias do ser humano. Despertar a consciência da classe trabalhadora de forma a impulsionar as lutas sociais em direção à sua liberdade e emancipação constitui o sentido histórico da ciência revolucionária marxista. É seu horizonte objetivo, jamais terminal, pois impulsionado pela natureza dialética da história e pelas contradições que dela insurgem.

1. Fundamentos histórico-metodológicos

Os intelectuais ocupam um lugar decisivo na produção das ideias, da educação, da cultura, da ciência, isto é, na produção e reprodução das formas de consciência social. Representam determinada visão de mundo e de sociedade. Por exemplo, pode atender à uma visão burguesa e aos interesses do capitalismo. Ao contrário, também pode representar a visão e os interesses dos/as trabalhadores/ as. Ou seja, definem o lugar e o discurso representativo de classes sociais antagônicas. Na crítica à lógica empresarial que define a gestão das políticas educacionais no Paraná o que desejamos evidenciar são as características de exploração do trabalho intelectual docente: precário, reificado, pensado como mercadoria. A sociedade moderna transformou a atividade intelectual, criadora de produtos ideológico-culturais, em atividade assalariada, numa determinada forma do trabalho social dominada e controlada segundo as prerrogativas do mercado, pois:

Os diferentes campos do pensamento, do conhecimento social e da atividade humana em geral, tomados em si, isoladamente, não são compreendidos, senão na relação com o conjunto, com a totalidade histórica que lhes confere sentido. A política, a economia, a filosofia, a religião, a ciência e a educação se observadas isoladamente, fora do conjunto das relações sociais, perdem sentido histórico nos fragmentos da vida social. A forma dominante de ver e explicar o mundo e suas relações (a lógica formal) reflete um significado político na sociedade: a visão, os interesses e as práticas das classes economicamente dominantes. A totalidade é a categoria e o fundamento original da ciência marxista revolucionária (Löwy, 1978, 1998). Por ser dialética e concreta a totalidade tem seu fundamento nas relações de produção (condições materiais de existência) e de reprodução (formas de consciência) da vida social. As contradições econômicas, políticas, culturais, científicas, religiosas, filosóficas que se manifestam na socie-

2. Os intelectuais e a negação da sociedade capitalista

Deste aspecto socioeconômico fundamental decorre uma série de consequências para o trabalhador intelectual que são os sinais visíveis de sua proletarização: a passagem da autonomia à subordinação e da independência à dependência; a perda de controle sobre o conteúdo de sua própria atividade; a expropriação de seu sobretrabalho. A proletarização frequentemente significa também a desqualificação, a subocupação, o desemprego, os baixos salários, o trabalho parcelado, fragmentado, mecanizado, monótono e brutalizante. Este “dilaceramento” da liberdade em direção à submissão a um poder exterior é, sem dúvida, uma das fontes do antiautoritarismo da revolta dos estudantes e trabalhadores intelectuais. (Löwy, 1998, p.268)

Reunião de greve dos operários no Alto São Francisco, antes de se dirigirem à Praça Tiradentes, 1917 (Curitiba/PR). Acervo: Casa da Memória (Fundação Cultural de Curitiba).

Mas, a condição material dos professores assalariados não resume o conjunto de determinações que estabelece o seu processo de radicalização. Como analisou Löwy (1998), as condições ético-culturais e político-morais também motivaram a insurgência de uma radicalização anticapitalista. Neste aspecto, o aprofundamento das relações coercitivas do Estado, a violação às prerrogativas democráticas, às liberdades políticas, aos direitos sociais e humanos... O Estado social, em tese, transforma-se em Estado policial quando necessário para manter a ordem das coisas. Diga-se, a ordem das coisas do mercado. As ditaduras financiadas pelo imperialismo norte-americano na América Latina registraram, entre outras barbáries, a perseguição política aos professores/as que se levantaram contra a “ordem e o progresso”. As torturas, desapa-

Este artigo é a síntese de algumas formulações teóricas da nossa dissertação de mestrado (UFSC/2004) e tese de doutorado (PUC-SP/2011) subsidiando uma análise sobre as Políticas Educacionais no Paraná, sob gestão do Governo Beto Richa.

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recimentos e assassinatos de intelectuais e militantes (no Brasil, especialmente no período entre 1968-1972) marcaram decisivamente a quem serviu a estrutura e o aparelho de Estado.

dições sociais, econômicas, educacionais não interferem? Nesta ótica, a responsabilização pelos problemas da escola é da própria escola. Aprender ou não é um problema dos estudantes, assim como o resultado produtivo ou não das turmas é um problema do/a professor/a e assim por diante. A escola deve identificar os “problemas” da escola e procurar soluções. Neste sentido, os/as pedagogos/as receberam os Cadernos de Subsídio Pedagógico do governo para dar respostas à drogadição, evasão, violência, entre outros problemas complexos da nossa sociedade. A lógica da concorrência e da meritocracia estabelece um processo de disputa entre as escolas, um ranqueamento pelas notas e uma grande pressão sobre os/as diretores/as “gestores/as”. O Plano de Atendimento Personalizado é outro aspecto a ser observado, pois objetiva acelerar o avanço dos que possuem dificuldades de aprovação, mas não garantir aprendizagem efetiva. As parcerias com o Sistema S e outras empresas para reforço dos estudantes e cursos de preparação para o mercado de trabalho objetivam única e exclusivamente a formação de mão-de-obra. Por fim, os/as funcionários/as de escola e sua invisibilidade no processo educativo, pois estão fora da formação continuada e não são incluídos/as no cotidiano escolar, ignorando uma trajetória de luta no reconhecimento do papel educativo que esses profissionais da educação desempenham dentro da escola.

Mobilização dos/as trabalhadores/as em educação em frente ao Palácio Iguaçu (30 de agosto de 1988) 3. A educação como negação da lógica mercantil: crítica a gestão empresarial da educação no Paraná. Na sociedade capitalista, do trabalho reificado, coisificado, assalariado, István Mészáros (2005, 2006) pensa a educação como transcendência positiva da autoalienação do trabalho, estratégia revolucionária ampla e gradual, de negação do sistema capitalista e de construção de uma nova síntese histórica: uma sociedade para além do capital. Dialeticamente, o momento da negação (antítese) é fundamental para construir o caminho de superação (síntese). Na realidade concreta, as políticas educacionais do estado do Paraná são o foco de nossa atenção e é nesse tempo e lugar que queremos refletir o momento da negação: o do modelo de gestão empresarial da educação no Paraná sob o governo Beto Richa. Essa forma de gestão que atende à sociedade de mercado é contrária à escola pública que queremos. Por razões que evidenciamos a seguir. Na gestão empresarial a qualidade da educação é medida por números e resultados. A escola pública se torna um lugar do empreendedorismo como nas empresas, utilizando-se, inclusive, do papel do “gestor” no processo de gestão e de organização escolar. Para o controle do “processo produtivo” a avaliação da rede é importante para apresentar e justificar os números. Neste sentido, as escolas públicas do Paraná responderam questionários e planilhas da Secretaria de Estado da Educação (SEED) com informações como: evasão, reprovação e aprendizagem para compor e justificar a nota final do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Padronizar o que se ensina e o que se aprende? Esta é a questão colocada na Semana Pedagógica de 2011 com a apresentação do subsídio “Expectativas de Aprendizagem” pelo governo. Definir o que deve ser ensinado a cada ano e a partir disso construir a avaliação do sistema educacional é uma medida que desconsidera as diferenças e especificidades da comunidade escolar. Todos/as aprenderão as mesmas coisas, do mesmo jeito, em todos os lugares? E as con-

Sobre o avanço da carreira, o governo nega o reconhecimento da graduação e da especialização, para os agentes I e II, respectivamente. Não se tem momentos coletivos para uma reflexão crítica do sistema e para a construção de saberes. A fragmentação e a individualização, a redução de despesas e o enxugamento da máquina com o fechamento de turmas, otimização de pessoal e de recursos, são também características desse modelo de gestão. Contrária a tal gestão, a APP-Sindicato tem uma proposição sólida, coerente e possível dos/as trabalhadores/as da educação para a escola que queremos. O programa, os princípios, o projeto estratégico é síntese de uma luta histórica de 65 anos. Luta que se inscreve no conjunto das resistências sociais por uma outra sociedade. A luta de classes é o motor da história e a educação é parte essencial dessa ‘engrenagem’. Ferramenta inevitável na luta de classes, a educação movese no terreno da contraconsciência à ordem. Afirma Mészáros (2005, p.65): Portanto, o papel da educação é soberano, tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de reprodução, como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem social metabólica radicalmente diferente. (…) Portanto, não é surpreendente que na concepção marxista a “efetiva transcendência da auto-alienação do trabalho’ seja caracterizada como uma tarefa inevitavelmente educacional. A esse respeito, dois conceitos principais devem ser postos em primeiro plano: a universalização da educação e a universalização do trabalho como atividade humana auto-realizadora.

Nesta direção, a educação não será mais o momento de reprodução da força de trabalho assalariada e das ideias e práticas que sustentem a sociedade de mercado. Para além do capital, a educação tem como horizonte decifrar o estranhamento do homem diante do mundo que ele mesmo produz em direção da sua liberdade. Para além da liberdade burguesa, deve ultrapassar mesmo a ideia de educação cidadã. É liberdade na interação consciente com a natureza e com o meio social, no pensar e no agir sobre o mundo de forma crítica. Frente aos desafios e ao fardo do tempo histórico, resta-nos a insurgência e a intensificação das lutas sociais com o despertar da consciência e da práxis. A educação é um dos caminhos fundamentais e estratégicos nesta jornada e que deve contribuir para a unidade da classe trabalhadora.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: LÖWY, Michael. A evolução política de Lukács: 1909-1929. Edição revisada, São Paulo: Cortez, 1998. ______. Método Dialético e Teoria Política. 4ªed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. Tradução: Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2005. _________. A alienação e a crise da educação. In: A teoria da alienação em Marx. Tradução: Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2006. SANTOS, Marcia do Rocio. A proletarização do trabalho intelectual: mercantilização e resistência no Ensino Superior. Tese de doutorado. Programa de Estudos Pós-graduados em Serviço Social PUC-SP, 2011. ______. A Resistência dos Trabalhadores aos princípios da sociedade de mercado na Educação Pública do Paraná. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Serviço Social. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2004.

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Para um movimento Latino-americano Paulo Freire Janeslei Aparecida Albuquerque4

“De certo modo, a direita tem razão quando se identifica com a tranqüilidade e a ordem; é a ordem, de fato, da cotidiana humilhação das maiorias, mas ordem em última análise; a tranqüilidade de que a injustiça continue sendo injusta e a fome faminta.” (Eduardo Galeano, in “As veias abertas da América Latina”)

Ao encerrar o Manifesto Comunista, Marx e Engels lançam uma exortação aos trabalhadores e trabalhadoras do mundo: “uni-vos!”. De lá para cá, tem-se buscado esse grau de organização e unidade nas pautas de lutas da classe trabalhadora em todo o mundo. O que a Internacional da Educação tem feito a partir da sua criação é fazer coro a esse chamamento para unificar as lutas dos/as trabalhadores/as da educação do mundo inteiro. A secção latino-americana da IE tem empreendido esforços para construir essa união no continente para além de uma visão reducionista do Mercosul, isto é, indo além dos debates comerciais e avançando para aquilo que é comum a todos os povos: o trabalho e a cultura. Temos diferenças no que diz respeito à consolidação do direito à educação na América Latina. Entre nós há países que tem mais de 150 anos dessa tradição e o direito à educação consolidado, outros como nós que ainda seguem no esforço de constituir um Sistema Nacional de Educação. Os debates da CONAE, Conferência Nacional de Educação, têm como uma das grandes metas a construção do Plano Nacional de Educação. Esse Projeto de Lei deveria ter sido aprovado no ano passado e, por pressão dos interesses privados do ensino, ficou para 2013. As metas do PNE ainda que não contemplem pautas históricas dos movimentos sociais da educação, representam um grande avanço para consolidar uma conquista recente da sociedade brasileira: a Educação Pública como direito de todos e dever do Estado. Temos que acompanhar atentamente essas votações, pois parlamentares do Paraná e de todo o Brasil, não tiveram dúvidas de votar contra a destinação de 100% dos royalties do petróleo para a educação pública. Não podemos ignorar o cinismo daqueles que em campanha falam em valorização do ensino público e, em votações no Congresso Nacional, optam pelos interesses de poder de governos que não querem assumir este

compromisso. Sabemos que: ou aumentam os recursos para a educação pública, ou as metas não serão cumpridas. Neste cenário, outros espaços organizados de discussão e decisão vem sendo constituídos na região além do Mercosul, como a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) na qual a CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação) e a CUT (Central Única dos Trabalhadores) têm assento através da CSA (Coordenadora de Centrais Sindicais das Américas). Os objetivos são de construir uma unidade nas condições de trabalho dos/as educadores/as e também a proposição conjunta de uma pedagogia em defesa da educação pública. Isto porque as políticas neoliberais atacaram não somente os salários mas também a formação docente e a própria concepção de educação pública de qualidade. Em função também disso, o movimento sindical docente tem de fazer frente e conter o processo de deterioração da educação e nela, do trabalho docente e da escola pública. Tudo que hoje identificamos com liberdade e democracia liberal (sindicatos, voto universal, educação gratuita universal, liberdade de imprensa etc.) foi conquistado com a luta difícil e prolongada das classes inferiores nos séculos XIX e XX; em outras palavras, foi tudo, menos consequência “natural” das relações capitalistas. Recordemos a lista de exigências que conclui o ‘Manifesto Comunista’: com exceção da abolição da propriedade privada dos meios de produção, a maioria é amplamente aceita hoje nas democracias “burguesas”, mas somente como resultado de lutas populares.1

O Movimento Pedagógico Latino-Americano tem o desafio de desenvolver sua capacidade organizativa e elaborar coletivamente uma proposta de política educacional alternativa ao neoliberalismo para a educação. Nos organizamos para ter força política e contrapor os governos e os grupos interessados na educação para o mercado. A educação tem sido transformada em mercadoria, com grandes lucros para os setores privados independente da qualidade que ofereçam. Nega-se, portanto, a educação como um direito social. Nesse processo, desvalorizaram a função docente para o desenvolvimento social dos nossos países. Entendemos que nossa luta tem de ser combinada entre a reivindicação por salários, carreira e condições de trabalho e a depuração de temas que dizem respeito aos conteúdos que são ensinados pois, “a educação pública não é neutra, não é apolítica, a educação tem conteúdo social-ideológico, a partir da sala de aula estamos construindo identidade, ideologia, valores, política.”2 Nesse momento nossa tarefa dá um passo adiante e um grau acima: já não basta o protesto, a negação apenas. Mais que nunca nos cabe propor, construir propostas que reafirmem os/as trabalhadores da educação pública como sujeitos dessa construção. A escola pública é da sociedade brasileira e não dos mercados que a desqualificam e nem da mídia que manipula a serviço do mercado. Então, temos: o compromisso de nos colocarmos em pé, como professores/as [e funcionários/ as] com a herança de Paulo Freire, e dizer que sistema educacional, que docente [que funcionário], que escola, que aluno/a, que sociedade, que país, que continente, nós, latino-americanos e caribenhos, queremos.3

Zizek, Slavoj. Primeiro como tragédia, depois como farsa. Trad: Maria Beatriz de Medina. São Paulo: Boitempo, 2011, p.42-43. Primeiro Encontro – Até um movimento pedagógico latino-americano. CNTE, 2012, p. 8. 3 YASKI, Hugo. Idem, p. 11. 4 Professora de Língua e Literatura da Rede Estadual de Ensino do Paraná, Secretária de Formação da APP-Sindicato. 1 2

Expediente: APP-SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO PÚBLICA DO PARANÁ - Av. Iguaçu, 880 - Rebouças - Curitiba - PR • CEP: 80.230-020. Fone: (41) 3026-9822 - Fax: (41) 3222-5261 - www.appsindicato.org.br - Direção: Marlei Fernandes de Carvalho - Presidente • Silvana Prestes de Araújo - Secretaria Geral • Isabel Catarina Zöllner - Secretaria de Política Sindical • Walkíria Olegário Mazeto - Secretaria Educacional • José Valdivino de Moraes - Secretaria de Funcionários • Miguel Angel Alvarenga Baez - Secretaria de Finanças • Clotilde Santos Vasconcelos - Sec. Adm. e Patrimônio • Edilson Aparecido de Paula - Secretaria de Municipais • Luiz Carlos Paixão da Rocha - Sec. Imprensa e Divulgação • Mario Sergio Ferreira de Souza - Secretaria de Assuntos Jurídicos • Tomiko Kiyoku Falleiros - Secretaria de Aposentados • Luiz Felipe Nunes de Alves - Secretaria de Políticas Sociais • Hermes Silva Leão - Secretaria de Organização • Janeslei Aparecida Albuquerque - Sec. de Formação Política Sindical • Mariah Seni Vasconcelos Silva - Secretaria de Sindicalizados • Elizamara Goulart Araújo - Sec. de Gênero, Relações Étnico-Raciais e dos Direitos LGBT • Idemar Vanderlei Beki - Secretaria de Saúde e Previdência. Uma produção da Secretaria Educacional da APP-Sindicato - educacional@app.com.br • Organização: Walkíria Olegário Mazeto, Marcia do Rocio Santos, Janeslei Albuquerque, Marlei Fernandes de Carvalho e Hermes Silva Leão. Projeto Gráfico e Diagramação: Rodrigo A. Romani (DRT-PR 7756) – Secretaria de Imprensa e Divulgação da APP-Sindicato. Gráfica: WL Impressões - Tiragem: 40 mil exemplares.


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