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Interface
Wi-Fi 6 e tecnologias para redes sem fio mais sofisticadas devem levar a uma redução ou extinção das redes cabeadas ou à convivência de ambas? Como obter um bom desempenho em redes sem fio? Parte 3
Nas edições anteriores de Interface, apresentei uma visão geral sobre a tecnologia Wi-Fi, em especial o padrão Wi-Fi 6. Revisamos o histórico de desenvolvimento do padrão Wi-Fi, discutimos brevemente as técnicas OFDM - Orthogonal Frequency Division Multiplexing e OFDMA Orthogonal Frequency Division Multiple Access, assim como as tecnologias MIMO - Multiple-input, Multiple-output e MU-MIMO - Multiuser, Multiple-input, Multiple-output, que melhora o desempenho do padrão Wi-Fi 6, reduzindo congestionamentos. Passamos pelo método de acesso de camada física (PHY), conceito de spatial streaming, configurações MU-MIMO, a interferência entre canais OBSS - Overlapping Basic Service Set e finalizamos com a apresentação da técnica de BSS coloring, eficiente para otimizar o reúso do canal em redes sem fio.
Nesta edição, encerro a discussão sobre Wi-Fi 6 apresentando brevemente os mecanismos de modulação, taxa de transmissão efetiva, capacidade do canal e a relação entre os pontos de acesso Wi-Fi e a rede cabeada, ou o canal de uplink, como é definido. Taxa de transmissão Wi-Fi e conexão à rede cabeada
As redes Wi-Fi operam com modulação de amplitude e fase, sendo a QAM - Quadrature Amplitude Modulation a que permite um maior throughput e, portanto, maior desempenho de transmissão. Os esquemas de modulação BPSK -Binary Phase-Shift Keying e QPSK - Quadrature Phase-Shift Keying são também empregados em dispositivos Wi-Fi, inclusive no padrão Wi-Fi 6.
A modulação QAM combina, então, mudanças de amplitude e fase para oferecer capacidade adicional de transmissão de dados e oferece altos níveis de eficiência do uso do espectro de frequência, utilizando quatro estados de amplitude. O que há de interessante nisso é que quatro estados de amplitude são exatamente quatro estados de fase. Nesse esquema de modulação, duas portadoras defasadas em 90° entre si são combinadas e moduladas. Como resultado dessa diferença de fase, elas estão em quadratura, conforme mostrado na figura 1.
O comportamento apresentado na figura 1 é o mesmo para a modulação QPSK. Portanto, o sinal resultante consiste na combinação de ambas as portadoras, que carregam variações tanto de amplitude quanto de fase.
A modulação QAM tem sido utilizada em sistemas de transmissão analógica por muito tempo, porém sua aplicação mais interessante atualmente é na transmissão de dados digitais a altas velocidades exatamente por sua capacidade de aumentar a quantidade de bits por símbolos e menor margem de erro de decodificação. Embora suscetível a ruídos e interferências, esse esquema de modulação ainda é mais eficiente que a modulação em fase (PSK), conforme mostrado na figura 2.
Na figura 2, as distâncias, d, entre os estados ou dados (pontos e círculos em a e b) mostram que na modulação QAM há uma separação maior entre esses estados em relação à PSK, onde eles estão mais próximos. Para uma comparação adequada, em ambas as modulações o número de estados é o mesmo. Quanto maior essa distância, melhor, mais eficientes e menores serão os erros e interferências na transmissão.
A propósito, a figura 2a mostra um esquema de modulação QAM de 16 estados, ou 16-QAM, e esse arranjo é denominado constelação, no jargão técnico da área.
As distâncias entre os estados são importantes porque como o ruído é adicionado ao sinal, a constelação “limpa” na figura 2a tende a se tornar “borrada”, conforme mostrado na figura 3 devido ao efeito do ruído. As regiões em torno dos estados na constelação, hachuradas
Esta seção se propõe a analisar tópicos de cabeamento estruturado, incluindo normas, produtos, aspectos de projeto e execução. Os leitores podem enviar suas dúvidas para Redação de RTI, e-mail: inforti@arandanet.com.br. Fig. 1 – Exemplo de modulação QAM na qual as amplitudes e fases estão defasadas em 90o
Fig. 2 – Diferença entre modulações de quadratura e fase
na figura 3, representam a influência do ruído e definem os domínios (ou regiões) de decisão, nas quais a determinação dos estados é possível. Uma sobreposição de regiões, por exemplo, leva a erros da detecção e decodificação dos sinais efetivamente transmitidos.
Embora um tanto teórica, a discussão é importante para a compreensão de como a capacidade de transmissão de cada canal em uma rede Wi-Fi é determinada. Como exemplo, o padrão Wi-Fi 6 pode utilizar QAM com vários níveis de codificação, como 16-QAM, 64-QAM, 256-QAM e 1024-QAM. Com base no 16-QAM (figura 2a), o leitor pode ter uma ideia do diagrama de constelação dos esquemas com 64, 256 e 1024 estados.
A determinação da taxa de transmissão por canal em uma rede Wi-Fi depende dos seguintes fatores: • Esquema de modulação empregado (16-QAM, 64-QAM, etc.). • Número de spatial streams (1, 2, 3, 4, 8). • Largura de banda do canal básico (20 MHz, 40 MHz, 80 MHz, etc.). • Fator de intervalo de guarda, ou separação entre as bandas dos canais de transmissão.
Conforme vimos anteriormente, a constelação QAM define a quantidade de bits por símbolo. Como exemplo, um canal operando com 256-QAM, ou seja, com oito bits por símbolo, pode oferecer uma velocidade nominal de transmissão de 85 Mbit/s.
O número de spatial streams está diretamente associado à quantidade de antenas que os dispositivos clientes podem ter. Embora o padrão Wi-Fi 6 possa lidar com até oito spatial streams, a maioria dos dispositivos móveis não terá mais que duas antenas para Wi-Fi. Isso é devido a problemas e dificuldades em se implementar várias antenas nesses dispositivos. Além disso, cada antena implica um rádio (com uma eletrônica própria) e, portanto, maior consumo de energia e menor autonomia de bateria.
A largura de banda de cada canal básico está associada ao padrão Wi-Fi. No caso do Wi-Fi 6, a largura de banda pode chegar a 160 MHz. Embora essa ampliação na largura de banda do canal básico pareça interessante, os canais de 80 MHz e 160 MHz não são, na maioria dos casos, usados na prática. Isso é devido a eles acabarem oferecendo um número de canais muito limitado para os usuários e mais sujeitos aos efeitos da sobreposição (OBSS) e desempenho comprometido.
O fator de intervalo de guarda se refere à separação entre os canais básicos para reduzir o OBSS. Portanto, de forma simplista, podemos determinar a taxa de transferência (velocidade, em bits por segundo) de um canal Wi-Fi com base nos quatro fatores mencionados acima.
Fig. 3 – Ruído adicionado ao sinal na constelação mostrando as regiões de decisão Exemplo de determinação da taxa de transmissão
Consideremos um ponto de acesso WiFi com as seguintes características: • Esquema de modulação: 256-QAM • Número de spatial streams: 2 • Largura de banda do canal básico: 20 MHz • Fator de intervalo de guarda: 1,15
Em que:
VelocidadetxWiFi
= vQAM • N ss • Bcb • F guarda
• vQAM: velocidade de transmissão associada ao mecanismo de modulação empregado. • N ss : número de spatial streams • Bcb: largura de banda do canal básico • F guarda: fator de intervalo de guarda
Com base nesses dados, a velocidade nominal de transmissão desse ponto de acesso Wi-Fi será de 190 Mbit/s. Se esse resultado for comparado com valores tabelados com base no padrão, IEEE 801.11ac nesse caso, encontraremos que a velocidade do canal estará entre 156 e 173,3 Mbit/s, dependendo do intervalo de guarda, que varia nesse caso entre 0,8 μs e 0,4 μs, respectivamente.
É importante enfatizar que a velocidade de transmissão determinada no exemplo em questão é nominal, pois devido às características da transmissão de dados, cerca de 25% (ou mais) dessa velocidade pode ser considerada “perdida”. Portanto, a velocidade real estaria em torno de 142,5 Mbit/s. Há que se considerar que pontos de acesso (PA) anteriores ao padrão Wi-Fi 6 compartilham o canal com a quantidade de usuários conectados a ele. Assim, se um total de 25 usuários compartilharem o mesmo PA, cada usuário transmitirá a 5,7 Mbit/s quando chegar sua vez.
Como vimos na primeira parte deste artigo, a tecnologia OFDMA, que é uma versão multiusuário da OFDM, divide a frequência do canal básico Wi-Fi em frequências menores denominadas RU – Resource Units. Isso permite ao ponto de acesso Wi-Fi sincronizar comunicações com vários clientes associados a RU específicas. Essa divisão do canal básico em “subcanais” permite que pequenos blocos de dados sejam transmitidos simultaneamente a diversos clientes. Como exemplo, com 242 RU, o padrão IEEE 802.11ax (Wi-Fi 6) pode oferecer canais operando entre 175,5 e 206,5 Mbit/s com 256-QAM e duas spatial streams.
Se compararmos esse resultado com o exemplo acima, a velocidade nominal resultante no padrão Wi-Fi 6 não parece necessariamente mais alta que na versão anterior do padrão, ou 190 Mbit/s (Wi-Fi 5) contra 206,5 Mbit/s (Wi-Fi 6). A diferença é que no padrão Wi-Fi 6, que utiliza OFDMA, vários usuários são atendidos simultaneamente por diferentes subcanais.
A tecnologia OFDMA oferece excelente desempenho quanto ao reúso do canal, baixa latência e eficiência otimizada.
O leitor pode estar se perguntando o quanto uma conexão Wi-Fi 6 é
Tab. I – Exemplos de velocidades no padrão Wi-Fi 6
Especificações Wi-Fi 6 (IEEE 802.11ax) OFDM MU-OFDMA
Spatial streams 8
Mecanismo de modulação
1024-QAM Largura de banda do canal básico (MHz) 160 Intervalo de guarda (μs) 0,8
Subcanais -
8 1024-QAM 160 0,8 996-RU
Velocidade nominal (Mbit/s) 9607,8 4803,9
realmente mais rápida que conexões em versões anteriores do padrão. O fato é que a velocidade da conexão não é o que torna o Wi-Fi 6 mais “rápido” e sim, sua capacidade de atender a vários usuários simultaneamente. A velocidade nominal de 9,6 Gbit/s (conforme especificações do padrão) ainda não é possível, em um sistema de comunicação sem fio, pois não há dispositivos clientes capazes de operar com oito spatial streams. Isso pode acontecer em algum momento. De qualquer forma, pontos de acesso Wi-Fi 6 podem estabelecer conexões entre si com oito spatial streams.
Como a velocidade da conexão no padrão Wi-Fi 6 depende de diversos fatores como mecanismo de modulação, número de spatial streams, largura de banda do canal básico, quantidade de subcanais (RU), etc., não é possível determinar uma velocidade “padrão”. A tabela I mostra exemplos de velocidades máximas possíveis e em que condições são atingidas.
Com base na tabela I, concluímos que a velocidade nominal máxima do padrão IEEE 802.11ax é de aproximadamente 9,6 Gbit/s quando utilizada modulação 1024-QAM associada à tecnologia OFDM, ou seja, para conexões monousuário. Mantido o mesmo mecanismo de modulação, com 996 subcanais, porém com a tecnologia OFDMA (multiusuário), a velocidade nominal máxima do Wi-Fi 6 é de cerca de 4,8 Gbit/s.
Novamente, isso não significa que a tecnologia OFDM tem um melhor throughput por oferecer uma velocidade nominal máxima superior, pois esse parâmetro depende, como vimos ao longo das últimas edições de Interface, de diversos fatores. Em resumo, o desempenho do Wi-Fi 6 (com OFDMA e MU-MIMO) é superior a outras versões do padrão que operam com OFDM, inclusive do próprio Wi-Fi 6 com tecnologia OFDM.
Agora que conhecemos as características dos padrões Wi-Fi, com ênfase no Wi-Fi 6, como definir a categoria de desempenho mais adequada para atender aos pontos de acesso em uma rede corporativa?
Para uma breve revisão, a tabela II apresenta algumas categorias de desempenho de cabeamento balanceado e características correspondentes.
Embora não haja uma relação direta entre a velocidade da aplicação Wi-Fi 6 (entre pontos de acesso e entre pontos de acesso e usuários) e a velocidade da
Tab. II – Categorias de desempenho e características de cabeamento balanceado
Categoria de Largura de banda Aplicação1 desempenho (MHz) (Gbit/s)
6 250 1
6A 500 10
7
600 7A 1000 1 Aplicação típica mais comum para a categoria 2 Comprimento máximo do canal para a aplicação Comprimento do canal2
100 m conexão cabeada até o ponto de acesso (uplink), ou seja, entre um switch (core, de acesso, etc.) e um PA, uma abordagem conservadora é a escolha de cabeamento Categoria 6A (500 MHz) em um canal de 100 m de comprimento para essa conexão, pois está preparada para suportar transmissão a 10 Gbit/s.
Considerando as características de transmissão de redes Wi-Fi, inclusive Wi-Fi 6, essa velocidade provavelmente não será atingida no uplink, mas, certamente será superior a 1 Gbit/s.
Para finalizar, uma boa recomendação do cabeamento até as tomadas de telecomunicações para a conexão dos PA Wi-Fi é o uso de cabos balanceados de quatro pares, Categoria 6A, blindados, sendo a blindagem F/UTP suficiente nesse cenário. Isso ajudará a minimizar potenciais problemas de interferência eletromagnética entre os rádios Wi-Fi e o cabeamento estruturado em suas proximidades.
É importante enfatizar que a escolha de cabos blindados nesse caso não se aplica à rede cabeada como um todo, apenas nas posições suscetíveis a interferências devido às antenas dos pontos de acesso da rede sem fio. O cabeamento da rede deve sempre ser definido com base nos requisitos do contratante, orçamento disponível, levando-se em consideração a expectativa de vida da instalação, os requisitos de infraestrutura física da aplicação mais exigente a ser utilizada, entre outros.
Paulo Marin é engenheiro eletricista, mestre em propagação de sinais e doutor em interferência eletromagnética aplicada à infraestrutura de TI. Marin trabalha como consultor independente, é palestrante internacional e ministra treinamentos técnicos e acadêmicos. Autor de vários livros técnicos e coordenador de grupos de normalização no Brasil e EUA. Site: www.paulomarin.com.