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As mudanças regulatórias nos postes

A nova proposta de Resolução Conjunta de compartilhamento de uso de postes, apresentada pelas Consultas Públicas n° 73/2021 da Aneel e 17/2022 da Anatel, representa uma oportunidade de debate amplo e necessário de um dilema antigo. A pergunta que fica é: conseguiremos resolver os problemas?

Três coisas são certas: primeiro, os reguladores precisam inovar; segundo, os envolvidos devem saber conversar; e, por fim, tudo isso demanda tempo. Sem vontade regulatória e articulação institucional, não se chegará a lugar algum.

Por enquanto, a versão original da minuta da Resolução Conjunta está caracterizada por um completo esvaziamento do papel do mercado de telecomunicações e do seu ente regulador na dinâmica de compartilhamento dos postes. Atenta, nesse sentido, ao artigo 73 da LGT – Lei Geral de Telecomunicações e parece esquecer que os postes são bens afetos ao serviço público, gravados pela reversibilidade.

Dito isso, a Abrint sugere uma primeira questão de ordem: a regulação do compartilhamento de uso de postes deve observar a conduta dos regulados, de modo a coibir a adoção de práticas que possam caracterizar, potencialmente, infração da ordem econômica, desrespeitando-se o dever legal de compartilhar a preços e condições não discriminatórias e justas. Sim, o Cade e a regulação concorrencial serão chamados à mesa de discussões, se assim for necessário.

Os postes são e sempre foram insumos essenciais à oferta do serviço de telecomunicações e integram infraestrutura não duplicável. Nesse sentido, seu uso não pode estar sujeito a uma simples cessão para uma empresa exploradora qualquer, a critério exclusivo da distribuidora elétrica. Aqui se pontua a segunda questão de ordem: a cessão do direito de exploração comercial dos espaços nos postes é mecanismo crítico na persecução de uma nova dinâmica de relacionamento entre os setores e a regulação deve ir além, assegurando a cessão mandatária para uma entidade única, com atuação nacional, neutra e sem fins lucrativos, competente para gerir e cobrar contratos de compartilhamento, executar o reordenamento e fiscalizar o uso dos postes.

Sugere-se que essa Gestora Nacional seja monitorada e coordenada por um GCGI - Grupo de Coordenação da Gestão de Infraestrutura composto pela Aneel, Anatel, Ministérios da Comunicação e de Minas e Energia e pelas associações representativas de ambos os setores, responsável pela homologação de preços, prazos, ofertas de referência e demais regras que devem ser observadas pela Gestora Nacional.

E chegamos à questão do preço. A minuta original da Resolução Conjunta, embora traga o valor de referência, faz mais do mesmo e não resolve os problemas atuais. A Abrint sugere que o preço deve ser estabelecido por Ato Específico definido pelo GCGI, bem como que seu repasse às distribuidoras elétricas seja orientado aos custos incrementais decorrentes da atividade de compartilhamento, sem qualquer relação com a modicidade tarifária. O valor de referência passa a ser um preço teto, necessário para a transição de todo o quadro regulatório sugerido e garantia de manutenção das redes, vedando-se qualquer cobrança de equipamentos ou imposição de garantias.

Durante um tempo de transição, o provedor pagaria um valor teto, próximo a R$ 4,77, pelo espaço no poste (respeitados os casos de provedores que ainda pagam um valor inferior a esse, seja por conta de ordem judicial, decisão da comissão de resolução conjunta ou negociação); uma parte (correspondente ao custo incremental) seria repassada à distribuidora elétrica pela Gestora Nacional; já o valor remanescente seria utilizado pela Gestora na reorganização das redes. Passado esse período de transição, o GCGI já terá fixado novos preços, inferiores ao valor teto, assegurando uma dinâmica exitosa no uso compartilhado dos postes.

Quanto ao reordenamento das redes, tarefa incumbida à Gestora Nacional, a Abrint sugere as seguintes etapas: 1) identificação dos cabos e cadastro unificado de todas as empresas com contrato assinado ou sob discussão; 2) remoção dos cabos não identificados e das ocupações clandestinas; 3) levantamento feito em campo e identificação dos postes prioritários, conforme regras estabelecidas pelo GCGI. A partir dessas etapas, as regularizações das ocupações à revelia ganham maior ou menor rigor de tratamento, no que tange ao prazo de regularização, caso estejam em postes prioritários já tratados. Já as ocupações clandestinas seguem com tolerância zero, restando admitida a sua remoção. Todas as fases foram sugeridas de modo a garantir, às ocupantes, notificação prévia e maior grau de segurança, observando-se prazos e regras que serão fixados, oportunamente, pelo GCGI.

As sugestões foram construídas de forma conjunta por diversas associações e entidades ligadas ao setor de telecomunicações. Que consigamos extrapolar esse alinhamento institucional e mobilizar reguladores e setor elétrico das possibilidades e ganhos pela frente com equilíbrio e razoabilidade.

Cristiane Sanches é conselheira da Abrint, tem vasta experiência profissional em política regulatória de telecomunicações e tributação. Também é membro do conselho da LAC - Federação das Associações Latino-Americana e do Caribe de ISPs.

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