Estado e sociedade lutam contra o preconceito e a intolerância religiosa

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SALVADOR QUARTA-FEIRA 17/11/2010

SALVADOR REGIÃO METROPOLITANA

Editor-coordenador Cláudio Bandeira

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salvador@grupoatarde.com.br

Mila Cordeiro / Ag. A TARDE

Rebeca Tárique (sociedade civil) e Leonel Ribeiro (Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-ameríndia) integram comissão contra crimes de intolerância religiosa

CIDADANIA Imagem da Bahia manchada por crimes contra povo do candomblé

Estado e sociedade lutam contra o preconceito ARIVALDO SILVA

No imaginário coletivo, a Bahia é conhecida internacionalmente como um dos poucos locais no mundo onde diferentes matrizes religiosas e étnicas convivem em harmo-

nia. No entanto, a violência – aliada à intolerância religiosa – registrada em diversos episódios contradiz esse mito. As comunidades que professam religiões de matriz africana são as que mais sofrem com as invasões, depredação e ex-

pulsão das pessoas dos espaços sagrados. Desde agosto do ano passado, quando integrantes do lê Axé Ojunilê Xapanã, na Capelinha de São Caetano, foram expulsos do local a tiros por criminosos, pelo menos

outras cinco graves ocorrências foram registradas em Salvador e no sul do Estado. Em dezembro de 2009, o babalorixá José Bispo, o Pai Santinho, do Ilê Axé Filibomin (Tancredo Neves), foi morto, o templo, destruído, e as pessoas, expulsas. No Ilê Axé Opô Afonjá, em São Gonçalo, traficantes invadiram o local e levaram objetos sagrados em janeiro deste ano. Em abril, após o assassinato do ogan Claudionor Cruz, 15 famílias do Ilê Axé Jilewá, em Fazenda Coutos, foram expulsas por traficantes. As famílias ainda não retornaram. Em Portão (Grande Salvador), em julho, o Ilê Omorodé Axé Orixanlá foi invadido, um tiro deflagrado e um celular furtado. No último dia 23, a ialorixá Bernadete Souza Ferreira dos Santos foi agredida por policiais militares, no assentamento Dom Hélder Câmara, em Ilhéus (a 467 km de Salvador). Os PMs estão afasta-

Comissão

A comissão criada pela Secretaria da Segurança Pública baiana (SSP-BA) para coibir crimes de intolerância está em fase de organização interna para atuar no enfrentamento aos crimes. Ela é formada pela delegada Isabel Alice Pinho, o major da Polícia

Comissão

Neste contexto, foi criada, em maio, uma comissão com representantes de terreiros e da Secretaria da Segurança Pública (SSP). De acordo com o titular da SSP, César Nunes, o trabalho da comissão é um elo entre a comunidade e o governo. “Fizemos várias ações baseadas nas investigações, coibindo a violência”, disse Nunes. Para ele, “todas as hipóteses estão sendo investigadas no caso de Ilhéus”. Divulgação Manu Dias / Agecom / 10.11.2010

Justiça tem 65 processos por preconceito de raça ou de cor Dados do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) dão conta de que tramitam 65 processos de crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor nas 17 varas crimes de Salvador e 39 em comarcas do interior do Estado. Para o professor Ordep Serra, do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), está havendo uma “demonização” do povo-de-santo na Bahia. “Quando policiais entram em um terreiro e tentam fazer um exorcismo, ficamos reféns de um ato pseudorreligioso. É necessária a reeducação da sociedade”, opina o professor e pesquisador. A secretária estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), Luiza Bairros, afirma que o maior esforço deve ser para colocar a população das comunidades de terreiro como atores políticos. “A Sepromi contribui neste contexto, viabilizando abrigo e alimentação às pessoas em risco”, explica a secretária.

dos das atividades nas ruas. O governador Jaques Wagner esteve reunido com Bernadete, no último dia 10, para discutir a denúncia. Wagner disse ao A TARDE que, no segundo mandato, o combate a esses crimes será efetivo: “Não haverá tolerância com a intolerância”. Para ele, o corregedor adjunto da PM, tenente-coronel Manoel Souza, que descartou intolerância religiosa, foi “precipitado”.

A mãe-de-santo agredida em Ilhéus por PMs, Bernadete Ferreira, foi recebida pelo governador quarta-feira passada

Militar Paulo Sérgio Peixoto, o presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia, ogan do Ilê Axé Oxumarê, Leonel Monteiro, o coordenador do Núcleo das Religiões de Matriz Africana da PM, Raimundo de Souza, e a representante da sociedade civil (movimento negro) do terrei-

ro Ilé Axé Nzambi Funam, Rebeca Tárique.

Preconceito

Segundo Leonel Monteiro, é preciso combater o preconceito, que gera a intolerância. “O ódio religioso tem várias facetas. É preciso que os agentes públicos em todos os níveis tenham a orientação de

respeitar a diversidade de crenças que existem na Bahia”, ele acredita. De acordo com o major, a comissão tem caráter articulador: “O objetivo é empreender ações no campo social e da segurança, buscando o amparo para as comunidades que ficaram desprotegidas”, informa Peixoto.

POLÊMICA AGRESSÃO A SANTO NEGRO Há três anos, um fiel de uma religião evangélica quebrou em 27 pedaços uma imagem secular de São Benedito, na Igreja de Sant’Ana (Nazaré). A imagem já foi restaurada

ONDE DENUNCIAR O PRECONCEITO INSTITUTO PEDRA DE RAIO oferece atendimento jurídico em questões raciais. Telefone: (71) 3241-3851 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PRESERVAÇÃO DA CULTURA AFRO-AMERÍNDIA (AFA) atua no enfrentamento à intolerância religiosa. Telefone: (71) 3495-5967 GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE COMBATE À DISCRIMINAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO BAIANO apura denúncias de agressões relacionadas ao racismo. Telefone: (71) 3103-6409 COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OAB-BA apura violações de direitos: (71) 3321-2777

Discriminação oficial foi extinta no ano de 1891 O Estado laico se consolidou no Brasil na primeira Constituição Republicana do País, promulgada no ano de 1891. Só a partir dali, a nação adotou uma postura oficialmente neutra em relação às questões religiosas. Antes disso, o preconceito era oficial. O vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Bahia (OAB-BA), Antônio Menezes, lembra que, quando a religião oficial do País era a católica, os praticantes do candomblé e os protestantes (como eram chamados os evangélicos) eram perseguidos com o aval do próprio estado. “As pessoas só podiam professar outras religiões no País se fosse no âmbito particular. Hoje, sob certos aspectos, vemos uma situação parecida. Os ofendidos podem procurar a comissão de direitos humanos da OAB para denunciar”, esclarece Menezes.

Discriminação

O Grupo de Atuação Especial de Combate à Discriminação do Ministério Público baiano (Gedis/MP-BA) acompanha o caso de tortura e discriminação sofridas pela ialorixá Bernadete, em Ilhéus. Segundo o promotor Cícero Ornellas, as denúncias recebidas pelo MP são apuradas e repassadas à Secretária da Segurança, para que tome as medidas cabíveis.


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