SALVADOR
SALVADOR TERÇA-FEIRA 23/11/2010
Arestides Baptista / Ag. A TARDE
VIOLÊNCIA Joel Santana, de 10 anos, fez comercial para atrair turistas à Bahia
Morte de criança em ação da PM gera revolta ARIVALDO SILVA
“O mestre é meu pai. Ele ensina até os gringos a cantar. Quando eu crescer, quero ser mestre de capoeira”. Este era o desejo de Joel da Conceição Santana, 10 anos. No último domingo, os sonhos dele foram abortados por duas balas perdidas, que atingiram a cabeça do garoto quando ele se preparava para dormir, na Rua Aurelino Souza, Nordeste de Amaralina. Os anseios do garoto foram registrados no início do ano num vídeo institucional da Empresa de Turismo da Bahia (Bahiatursa), em que ele participou com o pai, promovendo a cultura baiana. Moradores do bairro onde Joel vivia fizeram vários protestos ontem. Aos gritos de “polícia é para ladrão, não pa-
ra criança”, eles fecharam a Avenida Manoel Dias da Silva, durante duas horas pela manhã. Os manifestantes seguiram até a 28ª CP, onde testemunhas eram ouvidas. À noite, cerca de 200 pessoas fecharam o trânsito na Rua Visconde de Itaborahy, em Amaralina. Segundo moradores do local, que pediram para preservar a identidade, policiais de uma guarnição da 40ª CIPM (Companhia Independente da Polícia Militar) já chegaram à rua atirando para todos os lados. “Dispararam diversos tiros. O pai estava com a criança no colo, pedindo socorro, e os policiais mandaram ele voltar, senão morreria também”, relata um dos vi zinhos. “Joel era ótimo menino, bom aluno de capoeira e estava sendo preparado pa-
Indignados, parentes e vizinhos de Joel fazem protesto à frente da 28ª CP, no Nordeste
ra se apresentar na Europa”, lamenta Sílvio Santana, 38, o mestre de capoeira Falcão.
Repercussão
O trade turístico baiano espera mais de 6,7 milhões de visitantes na alta temporada em Salvador, sendo que 52% deste total devem vir do interior do Estado. Com mais uma onda de violência, a Associação Brasileira das Agências de Viagem – seção Bahia (Abav) teme o afastamento dos turistas. “O turista que vem visitar a Bahia, a negócios ou lazer, preza pela sua integridade física. Quando um dos alvos da violência é um personagem da propaganda institucional, é muito mais grave, porque se vende muito a Bahia por meio de nossa cultura”, afirma o presidente da seção baiana da
Ações policiais já têm média de 24 mortes por mês este ano Fernando Vivas / Ag. A TARDE / 4.4.2010
HELGA CIRINO
Vinte e quatro óbitos por mês. Esta tem sido a média de mortos em ações das polícias Civil e Militar entre os meses de janeiro e setembro deste ano na Grande Salvador. Em 2009, a realidade foi ainda mais sombria: 402 pessoas morreram nas operações, média de 33 por mês. O dado, divulgado com exclusividade ao A TARDE por uma fonte da Secretaria da Segurança Pública (SSP), é 92% maior que os 209 casos de 2007, e 34% superior aos 298 de 2008. No total, foram 1.130 mortes em um ano e nove meses. Os números foram alvos de denúncia do A TARDE, mês passado, que ressaltou o aumento das mortes ao longo dos anos, de acordo com a fonte da SSP.
Categoria
Coordenador da Associação dos Praças e Bombeiros da Bahia (Aspra), Marcos Prisco de-
Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav-BA), Pedro Galvão. O secretário da Segurança Pública (SSP), César Nunes, diz que está acompanhando de perto as investigações. “Já determinamos a instauração de inquérito policial na 28ª CP, como também um processo administrativo militar. Solicitamos que a Polícia Técnica agilize a entrega dos laudos para chegarmos à verdade dos fatos. A busca pela trajetória do projétil é parte essencial na elucidação do caso”, informa Nunes. Até o final da tarde de ontem, o corpo do garoto não havia sido liberado pelo Instituto Médico-Legal Nina Rodrigues. A família marcou o sepultamento para hoje, às 10 horas, no Cemitério do Campo Santo.
Érica Santos, morta em ação da PM no Pero Vaz (março)
lhos e falta de viaturas. “Eles saem com coletes vencidos, quando saem com coletes”. Ele também falou sobre a falta de requalificação e dos riscos enfrentados pelos militares no policiamento ostensivo diariamente nas operações. Entre agosto e janeiro deste ano, 13 policiais foram mortos.
“Meu filho arrumava a cama quando recebeu os tiros no rosto” MIRIAN CONCEIÇÃO, mãe de Joel
A5
Nove policiais da 40ª CIPM foram afastados das ruas Ainda ontem, a Polícia Militar afastou nove policiais das atividades nas ruas, de três guarnições da 40ª CIPM que participaram da operação no Nordeste de Amaralina. De acordo com o chefe da unidade de imprensa da PM, capitão Marcelo Pita, o major Joseval Pinto foi designado para presidir o inquérito policial militar. As armas dos PMs (pistolas Taurus calibre .40) também foram apreendidas para serem periciadas. “A corporação está consternada com a morte da criança”, ressaltou Pita.
Depoimentos
As investigações são comandadas pela delegada titular da 28ª CP, Jussara Souza, que ontem ouviu testemunhas, inclusive o pai da vítima, o capoeirista Joel Castro, 43, conhecido como mestre Ninha. “A PM apresentou uma pistola calibre 380 na Derca (unidade de proteção à criança) e a perícia será feita aqui na 28ª”, disse a delegada. A dona de casa Mirian Conceição, 38, mãe da criança, é evangélica e busca forças nas orações para encarar a cruel realidade. “Meu filho arrumava a cama para dormir quando recebeu os tiros no rosto”, contou.
Segurança e barbárie Carlos Costa Gomes Professor universitário, coordenador do Observatório de Segurança Pública da Bahia
fendeu a categoria e disse que muitos policiais sofrem de depressão devido ao alto risco enfrentado nas ruas e pela baixa remuneração profissional. Pelo menos mil PMs estão “encostados” no serviço médico, ressalta Prisco. Entre as dificuldades enumeradas estão o trabalho com equipamentos vencidos e ve-
REGIÃO METROPOLITANA
O assunto segurança pública é de uma prioridade atual sem precedentes na realidade brasileira e baiana e possui inúmeras faces. Portanto, há que se ter muita especificidade para produzir algum raciocínio válido ou compreensível. Para permitir o uso da lógica, sem paixões, aponto as condicionantes do problema. Primeira: a população não aumentou na proporção esperada – ou permaneceu praticamente a mesma. Em Salvador, o Censo 2000 somou 2.443.000 habitantes, e o de 2010, 2.480.000, somente 37 mil habitantes a mais (aumento menor que 2%). Segunda: neste período, os homicídios evoluíram de 666 (SEI-BA), em 2000, para 1.846, em 2010 (SSP-BA). Ou seja: 277%. E não foi um crescimen-
to idêntico ano a ano. Terceira: em 2005, foram 878 mortes e, em 2007, já chegavam a 1.733 (SSP-BA), salto de 97% em dois anos. Quarta: por outro lado, o investimento na área cresceu de R$ 524 milhões (2000) para R$ 1,9 bilhão (2010), cerca de 350%. Quinta: recentemente, a própria SSP informava que sete em dez homicídios seguem sem solução. Sexta: segundo o Conselho Nacional de Justiça, em 2009, 50% dos processos em atraso no País encontravam-se na Bahia. Sétima: diferentes formas de estruturação do policia-
Visões distorcidas, verdades isoladas, embaralham a visão
mento ostensivo e as fortes mudanças na Polícia Civil, até o momento, não produziram indícios de resultados. Oitava: a SSP apontou uma razão de solução das ocorrências de apenas 1,3% (abril de 2010). Nona: visões distorcidas do problema, verdades isoladas que não compõem o verdadeiro escopo, embaralham a visão. A necessidade de penas alternativas, a qualidade das prisões é para quem? Para o 1,3% que é condenado? E os demais 98,7%? A capacitação policial, aumento do efetivo ou de recursos são verdades, mas a maioria da polícia não é a mesma de antes? As perguntas desagradáveis que emergem da necessidade lógica são: de onde vieram, quem são, como foram criados, como foram educados esses monstros que atiram, matam e decapitam crianças? A civilização se perdeu? A pergunta certa, sem contornos políticos ou ideológicos é: como conter a essa barbárie?