a história na íntegra Os pontos desta página representam as quase 14 mil edições produzidas pelo Santa em 45 anos. Este caderno especial revisita textos originais publicados a partir de 1971 – desde registros marcantes para os habitantes do Vale do Itajaí a reportagens que revelam o quão singular foi o passado que escrevemos
Jornal de Santa Catarina 45 anos
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mulher de vanguarda
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mIlhareS proteStam
o verão de 1971
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o poema a últIma vIagem
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o dia 22 de setembro de 1971 o Jornal de Santa Catarina começava uma jornada que hoje chega a quase 14 mil edições. Nas milhares e milhares de páginas já publicadas estão impressas as memórias de Blumenau e do Vale do Itajaí – as belas e as dolorosas também. Estão delineadas sutilmente, ano a ano, as mudanças de comportamento das recentes gerações que passaram por esta terra. Este caderno é um convite para entrever uma pequena fração desta história. Não é uma retrospectiva. Não estão aqui necessariamente os fatos mais decisivos dos últimos 45 anos. Há também a chance de dar uma olhadela no que era rotineiro – a expectativa pelo verão de 1971, as figuras que marcaram a Oktoberfest de 1990, um comércio de secos e molhados que fechou as portas em 2006. As reportagens publicadas aqui são originais, retiradas do arquivo do Jornal de Santa Catarina. O conteúdo de outrora vestiu o design de hoje, ganhou frescor e mais uma chance de ser apreciado. Os textos foram atualizados conforme a nova reforma ortográfica, mas expressões, termos e referências de tempo não foram alterados. Infelizmente, nos primeiros anos do jornal nem todo o material publicado era creditado. Por isso há textos e fotos que não estão assinados pelos autores. Foi um prazer retirar estas reportagens de páginas amareladas, destinadas ao confinamento do arquivo, e trazê-las de volta ao fazer jornalístico. Reeditá-las, repensá-las, revisá-las. E entregá-las, tantos anos depois, novamente ao leitor, como um lampejo de memória. Boa parte deste conteúdo foi originalmente redigido em máquinas de escrever e montado em um antigo método artesanal de diagramação. Para esta edição especial, foi manuseado e forjado por alguns profissionais que nem sequer haviam nascido quando estas histórias ganharam corpo nas Olivettis da antiga redação do Santa, na Rua São Paulo. O tempo é pura poesia. Aos que sentirem um perfume de moralismo em algumas páginas, é importante lembrar que o passado teve dessas também. E olhar para ele é uma das melhores formas de enxergar as montanhas que ainda precisamos escalar. A todos os colegas que construíram este repertório, que dia a dia, desde 1971, apuraram, redigiram, fotografaram e conservaram esta memória para as gerações futuras, nosso profundo respeito e agradecimento.
feIra da prImavera
ISto não é uma retroSpeCtIva
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O REcOmEçO dE tUdO
PELA PONtE dO SALtO
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EXPEdIENtE
edição mARIANA fURLAN
mariana.furlan@santa.com.br
DESIGN Arivaldo hermes
TERÇA-FEIRA, 20 DE NOVEMBRO DE 2007
Aumenta a população negra. AMANHÃ
Os escravos fundaram a cidade. HOJE
Os caminhos para a miscigenação. QUINTA
Antes mesmo da chegada dos imigrantes, eles já abriam as primeiras picadas. Os negros, usados como mão-de-obra escrava, foram os primeiros a trabalhar na criação da colônia Blumenau MAGALI MOSER magali.moser@santa.com.br
á uma outra Blumenau além da marcada pelas raízes alemãs, de gente galega, pele e olhos claros. Longe dos anúncios publicitários e panfletos turísticos, a cidade que carrega a máxima de loira assume a cor da miscigenação já na origem: foi erguida a partir do suor dos negros. Antes mesmo da fundação do município, em 1850, eles abriram as primeiras clareiras na mata fechada. Submetidos a jornadas de trabalho braçal e aprisionados para evitar fugas, escravos africanos levantaram a estrutura inicial para a implantação da colônia que deu origem à cidade. Registros de cartas mantidas entre Hermann Bruno Otto Blumenau e o cônsul geral do Brasil na Prússia, na época, Johann Jacob Sturz, confrontam com a versão oficial da fundação do município, propagada nas páginas dos livros de história e nas manifestações culturais cultivadas ao longo do tempo. Os documentos mostram que dois anos antes dos 17 imigrantes alemães considerados pioneiros desembarcarem na foz do Ribeirão da Velha liderados por Doutor Blumenau, escravos já habitavam a região, contratados por fazendeiros da época. A exploração do trabalho braçal dos negros foi determinante - não só para a formação da estrutura ini-
1568 - Começa o tráfico regular de escravos negros para o Nordeste do Brasil
cial da colônia, mas também para a construção da cidade. Mesmo assim, eles continuam à margem na cidade que se orgulha dos traços europeus e da fama de “Alemanha brasileira”. – Ninguém fala que Blumenau começou pelo trabalho negro. Com a estruturação da colônia foi se criando um núcleo alemão, mas escravos tiveram papel fundamental. O projeto de colonização foi uma “higiene racial”, não visualizava a miscigenação – resume o professor e historiador André Voigt.
Negros e pardos somam hoje mais de 17 mil pessoas no município. Ainda assim, a maioria deles permanece em guetos e distantes da paisagem enxaimel do Centro. São principalmente operários de fábricas e ajudam a construir as riquezas do município, assim como no passado, quando exerceram o trabalho mais pesado na implantação da colônia. Coube a eles a derrubada da mata fechada e a expansão das primeiras picadas. – Já existiam alemães na região que faziam uso com freqüência da mão-de-obra dos negros antes de Doutor Blumenau chegar – confirma a professora responsável pelo Arquivo Histórico de Blumenau, Sueli Petry.
1848 - Contratados por
fazendeiros da época, escravos fazem o trabalho braçal de implantação da estrutura inicial da colônia
Registros de época Artigo 12 do projeto de colonização apresentado pelo Doutor Blumenau
ica desde já e para sempre proibida a entrada de escravos nas terras concedidas pelo governo à Companhia e seus colonos para empregarem em serviço de qualquer natureza n’essas terras ou em serviço doméstico (...) Nunca poderão entrar escravos no serviço da Companhia, nem das pessoas estabelecidas nas terras concedidas pelo Governo à Companhia e seus colonos, e nenhum proprietário de qualquer parcela destes terrenos poderá ficar ao mesmo tempo dono de escravos. Trecho de carta enviada pelo Doutor Blumenau ao cônsul do Brasil na Prússia, Johann Jacob Sturz, em 1849
17 mil negros e pardos
Mão-de-obra negra foi utilizada para edificar a colônia, construindo a ferrovia
Sebastião ajudou na estrada de ferro
1848 - Doutor Blumenau
assina legislação proibindo escravos nas terras da colônia. Estudiosos afirmam que ele e o sócio, Ferdinando Hackradt, admitem em cartas ter feito uso da mão-de-obra escrava
Sentado à beira da calçada da Rua Pedro Krauss Sênior, no Bairro Vorstadt, Sebastião Correa Filho é levado pela melancolia a reviver o passado. No município desde 1940, o tijucano de 80 anos não cansa de dizer que ajudou a construir Blumenau. Ao longo da conversa, a atribuição que parecia pretensiosa é fortalecida pelas memórias do homem de braços fortes que contribuiu para erguer obras como a prefeitura e a Estrada de Ferro Santa Catarina. – Quando cheguei aqui, negro não tinha vez. Era negro com negro e branco com branco. Cada um na sua repartição. Hoje já não tem mais isso, mas o preconceito é comum. Ainda me falam brincando que querem voltar aos outros tempos para nos escravizar – relata. Sebastião faz parte do grupo de imigrantes que veio para Blumenau a fim de trabalhar na construção da ferrovia. Assim como a maior parte dos operários da obra, ele passou a residir na primeira favela de Blumenau, a Farroupilha, no Morro da Boa Vista.
- José Henrique Flores 1888 - A Lei Áurea de 13 de 1882 - Pedro Wagner, um 1883 Filho assume a presidência da maio determina oficialmente abastado colono de Blumenau, registra a compra de um escravo de nome Camillo, 40 anos, pelo valor de 600 mil réis
Câmara Municipal e transfere residência de Itajaí para Blumenau, trazendo consigo os escravos
a abolição da escravidão no Brasil. No entanto, o tráfico de pessoas e o trabalho compulsório continuam existindo
Geral
TERÇA-FEIRA, 20 DE NOVEMBRO DE 2007
Hackradt* me escreve, com data de 26 de fevereiro, que comprou mais um pouco de terras e que Korff partiu etc. Que há muita falta de trabalhadores e que ele, por isso, ainda não pôde cortar nada no engenho; por isso ele comprou mais cinco negros no Rio. Um negro doente ele vendeu e este negro veio a falecer na casa de seu novo dono; um outro se encontra doente. Isto também é bastante sério!
egistros históricos da colonização mostram que Doutor Blumenau era contra escravos na colônia. No artigo 12 da proposta de colonização que o farmacêutico alemão apresentou à Assembléia Provincial de Santa Catarina, em 1848, ele reprova o regime de trabalho servil com a proibição da entrada, passagem e permanência de escravos nas terras cedidas pelo governo para a colonização. A postura é protestada, no entanto, por historiadores. – Doutor Blumenau proíbe a escravidão por um decreto, mas admite na informalidade e isso foi descoberto a
A dor do preconceito vive no passado e no presente
Amontoados como mercadorias em cubículos escuros e com cheiro insuportável, os negros dão início à saída da África em direção ao Brasil no século 16. Nos porões dos navios negreiros, muitos não sobrevivem e são lançados ao mar. Os que resistem sofrem castigos físicos, são acorrentados e submetidos ao trabalho braçal. Bisneta de escravos, Rosália Lúcia Francisco herdou histórias como essa, de sofrimento dos antepassados. Cresceu ouvindo as torturas a que os familiares foram sujeitados. As situações de preconceito carregadas na memória da itajaiense de 77 anos, moradora de Blumenau há 32, não se restringem, no entanto, ao passado. – Em Blumenau, num ônibus, vagou um lugar ao meu lado. Uma moça comentou com a amiga loira que estava de pé para sentar e aí ela disse: ‘Eu não vou sentar do lado dessa nega aí’. Não me segurei e falei a ela: ‘Corta o teu dedo e o meu para ver a diferença que tem’ – recorda.
*Sócio de Doutor Blumenau na colônia
Capoeira, de forma de resistência a esporte
fORçA INVISíVEL
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larissa rafaella
larissa.quintani@santa.com.br
PELAS PÁGINAS
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1971 No canto esquerdo de cada reportagem está a data de publicação original
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partir das correspondências que ele mantinha com o cônsul geral do Brasil na Prússia. As cartas são mais íntimas que o documento público – conclui a historiadora Carla Fernanda da Silva, da Furb. – Há uma diferença entre a história escrita, a oficial, e o que ocorreu de fato. Seguramente havia a presença de escravos na região, mesmo com o decreto. Não existia formas de controle eficientes e nem havia a separação tão forte como os documentos sugerem – entende a antropóloga Vera Iten Teixeira, da Furb. Na concepção da ciência racial da época, o negro era visto como cidadão
de segunda categoria. Por isso, para Vera, Doutor Blumenau também era influenciado sob a ótica econômica: não queria criar uma competição no mercado de trabalho, já que, se uma pessoa com mais posses pudesse contratar mão-de-obra, deixaria de empregar alemães para contratar escravos. – A determinação de Doutor Blumenau não caracteriza que ele estava isento do racismo. Pelo contrário. Por não querer escravos, ele mostra a pretensão de uma hegemonia racial. O que ele fazia era um recorte cultural – contesta Lenilso Luis da Silva, um dos líderes do movimento Cisne Negro em Blumenau.
FOTOS RAFAELA MARTINS
Hoje é Dia da Consciência Negra O debate em torno da participação do negro na sociedade ganha evidência hoje, Dia Nacional da Consciência Negra. A data foi escolhida por coincidir com a morte do líder Zumbi dos Palmares, em 1695. A Fundação Cultural de Blumenau promove atividades até sábado para lembrar o dia. Hoje, às 9h30min, o professor Carlos Silva ministra a palestra Um Olhar Sobre o Negro Em Blumenau, na fundação. Às 16h, haverá apresentações artísticas com capoeira e dança de rua, na Praça Doutor Blumenau. A entrada é gratuita todos os dias da promoção. A programação completa está no site www.fcblu. com.br
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O som do berimbau determina o ritmo dos movimentos. Na roda, a ginga é elemento fundamental. Utilizada na luta de escravos em busca da liberdade, a capoeira é considerada uma das principais heranças deixadas pelos ancestrais africanos e conquista adeptos espalhados por Blumenau. Surgida como forma de resistência dos escravos negros, a prática foi usada como instrumento de libertação. – A origem da capoeira remonta aos tempos da escravidão. No início, só os negros praticavam. Mas está se difundindo cada vez mais como esporte – comenta o professor de capoeira Ismael Alves de Oliveira, 34 anos, o mestre Dendê, da Fundação Cultural de Blumenau.
ONdE A LUz NÃO ILUmINA
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ARQUIVO HITÓRICO JOSÉ FERREIRA DA SILVA
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vá à feira
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oje é domingo. Dia de estender o último bocejo. Desprezar virtualmente o despertador e trocar o pijama em desalinho pela roupa mais bem cuidadinha. Tomar café sem pressa nenhuma, discutir o orçamento familiar com a mulher e, quem sabe, curar o princípio de ressaca do copo a mais de ontem à noite. Domingo. Dia de alisar os cabelos dos pequenos, ralhar com eles, ajeitar-lhes a blusa e tomá-los pela mão para sair à rua. Passear pela praça, descer a rua sem calçamento olhando sempre para o alto, pressupondo as condições do tempo e, surpreendido, verificar as novas construções da cidade. Tudo isso sem horário e sem determinação. Hoje é o dia do passeio despreocupado, da visita ao parente, do apontar para as crianças o prédio onde se trabalha a semana inteira. É dia de lhes sa-
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Levante um pouco mais tarde, arrume as crianças e vá à Festa da Primavera
tisfazer a curiosidade, diverti-los, brincar mais que eles. E, quem sabe, uma sugestão: a Festa da Primavera começou ontem, aqui em Blumenau. A semana que passou foi dos expositores, decoradores e operários, que montaram a feira nos dois pavilhões da Proeb. Ontem foi o dia das autoridades cortarem a fita, elogiarem o progresso da região, comemorarem o desenvolvimento com almoço e, aproveitando o encontro semiocasional, especular posições e atitudes políticas. Domingo não. Hoje é dia de visitar a festa, descomprometidamente. Roupa domingueira e crianças pela mão. Os jovens. Esses vão trocar alguns dos estandes pela espiadela marota na turma do sexo oposto que faz de conta que está na feira por causa dos pombos ou das orquídeas. Leve-os junto também. Com as crianças vai ser preciso um pouco mais de paciência. Cuidá-las para que não se percam, explicar-lhes
a origem das coisas e, mais do que elas próprias, surpreender-se com o tamanho das aves e as cores das orquídeas. Não esqueça de levar os pequenos até o lugar dos pequenos animais. Mas prepare-se para justificar a impossibilidade de sair sem levar os filhotes para casa. Prepare-se também para responder a mil e uma perguntas e aproveite uma folga para dar uma espiada nos estandes da indústria e comércio para saber como é que anda nosso desenvolvimento. Se você não foi ontem à festa, já perdeu tourada, o rodeio crioulo e a apresentação do centro de tradições gaúchas de Blumenau. Mas hoje você pode assistir à apresentação de cães adestrados, do CTG Barbicacho Colorado, de Lages, e o torneio de laço – Grupo Laço de Ouro, de Tijucas. Isso tudo sem contar com os pombos, orquídeas, produtos e animais expostos. É domingo. Vá à feira. Jornal de Santa Catarina 45 anos
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Um verão qUe chega em setembro
FOTO BANCO DE DADOS, 9/1971
O mar já começa a ser o programa obrigatório destes fins de semana que a cidade nos oferece calor, paz demais e quase nada de novo
Jornal de santa catarina 45 anos
“Pegue a esteira e o seu chapéu. Vamos para a praia que o sol já vem...” Tiribiribim e lá estão milhares de catarinenses caindo nas águas do Atlântico. A primavera mal iniciou, o verão está muito longe, mas a corrida às praias já começou. De Joinville a Criciúma, de Lages a Florianópolis, quem tem tempo e automóvel se abalou para Camboriú, Cabeçudas, Canasvieiras, Morro dos Conventos e dezenas de outras praias catarinenses. Desde sexta-feira, quando o sol reapareceu depois de chuvas intermitentes, o fim de semana se mostrava límpido e quente. Em Blumenau, Joinville e Florianópolis o comércio aumentou as vendas de chapéus de palha, roupa de banho e cosmético para a praia. Mas não são só os catarinenses que gostam de nossas praias. Do Paraná e do Rio Grande do Sul vêm centenas de turistas, na maioria estudantes que viajam de carro próprio ou carona. Os paranaenses preferem Camboriú (foto), pela proximidade e pela fama, que este ano deverá receber 150 mil veranistas. Os gaúchos, pelo contrário, preferem Morro dos Conventos ou o sossego de Garopaba, praia semideserta, ideal para descansar e para quem já saturou de praias superlotadas como Tramandaí e Torres (RS). E quem gosta de variedade e
maior conforto tem mais praia em Santa Catarina do que pode imaginar a fantasia domingueira do turista. Escolha devagar, porque cada uma tem uma característica especial.
CAMBORIÚ Quem vai à praia quer viajar sem transtornos. Então é preciso boas estradas que dão acesso fácil. Talvez seja este um dos motivos de grande número de banhistas em Camboriú. Novos trechos de asfalto na BR-101 e a retificação de outras estradas que demandam ao mar. Camboriú cresceu em fama mas não aumentou as acomodações para justificar essa popularidade. Os três melhores e maiores hotéis continuam sendo o Fischer, o Marambaia e o Miramar. Existem os menores, de igual conforto, que já não satisfazem ao número cada vez mais crescente de veranistas. Estes hotéis, além de não oferecerem boas condições, estão com as reservas esgotadas, o que explica o aumento dos preços de hospedagem. Ninguém aceita mais reserva para o veraneio na maior praia de Santa Catarina. Não há empreendimentos imobiliários de vulto e a construção de hotéis parece que parou. E, se isso não mudar, talvez no próximo veraneio Camboriú deixe de se chamar a “Copacabana do Sul”.
*Uma parte deste texto foi publicada no dia 3 e outra no dia 5
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FOTO BANCO DE DADOS, 4/3/1976
Registro de Elke no ano de 1976
Jornal de Santa Catarina 45 anos
Mulher de vanguarda A personalidade marcante e o misticismo de Elke Hering Bell
Paulo Beccon
O
encontro com Elke Hering Bell já estava programado há algumas semanas e quarta-feira passada se concretizou, pois tivemos o prazer de entrevistar uma das mais famosas escultoras de Santa Catarina (no programa Mulheres de Vanguarda, da TV Coligadas). Elke é uma mulher de voz grave, alta, magra, olhos marcantes. Falando com muita desenvoltura e de maneira segura, certamente o telespectador não sentiu o tempo passar. Casada com Lindolf Bell, tem um filhinho chamado Pedro e espera outro dentro de alguns meses. Elke impressiona logo pela sua personalidade simples e definida. Para ela, o problema da paz entre os homens não está no maior ou menor desenvolvimento
socioeconômico, nem no nivelamento do potencial das nações da terra. Só terminarão as guerras quando houver um equilíbrio de paz interna, de grandeza interior. Seus olhos têm algo de místico – ela não sabe com certeza se realmente possui uma personalidade mística, porém o assunto a entusiasma bastante. Essa inclinação a faz estudar astrologia como ciência, que dia a dia se aperfeiçoa. Basta dizer que já se está fazendo horóscopos eletrônicos, de uma exatidão impressionante.
Mãe Além de mulher de sociedade, escultora, vocês sabem que Elke Hering Bell é mãe. “Depois que se é mãe”, explicou, “há uma reviravolta completa na forma de ser. Do que era antes, muito pouco resta. É a grande experiência da mulher.” Seu mundo ideal seria na Índia, em uma cidade chamada Auroville, que na aparência é uma cidade
como outra, com indústrias, restaurantes, lojas e tudo mais. Mas lá a função do homem é a sua realização. Pratica-se ioga, discutem-se todos os problemas que surgem e medita-se profundamente. O principal não é o dinheiro, mas o desenvolvimento interior das potencialidades de cada um.
Arte A arte no Brasil tem grande futuro. Na Europa respira-se arte em cada lugar, mas tudo já está se tornando bastante artificial. O Brasil, como a África, tem um manancial de riquezas inimagináveis. Em Santa Catarina o problema é o mesmo. Entre as coisas que mais gosta na vida estão o trabalho, a criação, viajar, a família e o mundo interior. Para Elke, é evidente que a felicidade existe. “Se não existe”, acrescentou, “não haveria essa busca incessante”.
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arte sobre foto banco de dados, 26/6/1975
O dia em que a cidade parOu Ingrid Budag, a Miss Brasil 1975, foi recepcionada com euforia em cortejo pelas ruas de Blumenau
Jornal de Santa catarina 45 anos
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em a conquista do Mundial de Futebol, em 1970, levou tanta euforia às ruas quanto a recepção feita ontem pelo blumenauense à Miss Brasil Ingrid Budag. O atraso de quase uma hora na sua chegada, prevista para as 17h, não chegou a ser motivo suficiente para a desistência dos que esperavam à beira da Rodovia Jorge Lacerda, nos morros, janelas, cercas, viadutos, calçadas e terraços. Ingrid Budag chegou à divisa entre Gaspar e Blumenau às 17h50min no Opala oficial da prefeitura. Sob aplausos, subiu em um caminhão do Corpo de Bombeiros. Dali, o cortejo seguiu em marcha lenta até o Centro da cidade. Gastou 40 minutos para chegar até as proximidades da Sulfabril e mais 10 até a prefeitura. Depois da indecisão sobre como desceria do carro do Corpo de Bombeiros para atingir o palanque, Ingrid Budag desceu normalmente, amparada por um cordão de isolamento, e subiu abraçando seus familiares e cumprimentando as autoridades e alguns amigos. Ouviu a mensagem oficial do governo municipal, agradeceu, para depois ir até o Salão Nobre da prefeitura, receber as chaves da cidade e outras homenagens. De lá seguiu para a sua casa, no bairro da Velha, onde houve pequena comemoração.
EspEra O maior ponto de concentração para a espera e recepção da Miss 1975 foi na divisa entre Blumenau e Gaspar. Lá reuniram-se centenas de pessoas, dezenas de motoqueiros e um bom número de automóveis. Todos dispostos a enfrentar e organizar um cortejo. A concentração começou a ser feita a partir das 16h30min, nas margens da Rodovia Jorge Lacerda e num posto de gasolina. Ali também estavam os batedores da Guarda de Trânsito e o Corpo de Bombeiros. A desordenada parada no local e a imprudência de alguns fizeram com que outros previssem um acidente, já que a rodovia continuava com o tráfego normal e em alta velocidade. Mas nada disso aconteceu, e a pista ficou liberada e isolada quando foi tomada pelos populares, no momento da chegada de Ingrid Budag.
DEmora Todos estavam convictos de que a chegada seria às 17h, como o previsto. No entanto isso não aconteceu e imediatamente veio a impaciência. Fotógrafos sem flashes e cinegrafistas amadores lamentavam a chegada da noite, e a consequente falta de documentação da chegada. Outros comentavam a beleza ou sorte de Ingrid, ou arrumavam bandeirolas em seus veículos, enquanto o Serviço Municipal de Turismo definia a ordem a ser seguida durante o cortejo. No caminhão do Corpo de Bombeiros, o sargento Marquart dava as últimas ordens a seus soldados. Entre todos, Jovelino, o motorista, era o mais contente. E explicava sorrindo: “Quando a Vera
Fischer foi Miss Brasil, em 1969, eu também fui o motorista destacado para trazê-la do Aeroporto de Itajaí até o Carlos Gomes”.
ChEgaDa Os voos rasantes e a soltura de papel picado feita pelos monomotores do Aeroclube de Blumenau prenunciaram a chegada de Ingrid Budag. E a confirmação veio logo após, com a notícia dada por quatro motoqueiros, que haviam ido até Gaspar. Foi uma movimentação total. Os demais ligaram suas “máquinas” e um imediato barulho ensurdecedor, aliado à fumaceira e ao cheiro de combustível, se formou – para maior efeito ligaram também os faróis. Quase todas as pessoas atravessaram a pista da Jorge Lacerda desordenadamente; uns procurando seus veículos para conseguir boa colocação no cortejo, outros para ver a miss de perto. O carro oficial da prefeitura foi praticamente
Ingrid chegou no opala oficial da prefeitura e sob aplausos subiu em um caminhão dos bombeiros
obrigado a parar, sua intenção era continuar mais ou menos 100 metros. Ao mesmo tempo, os soldados do Corpo de Bombeiros formavam o cordão de isolamento. Diante de tanta confusão, finalmente a porta esquerda traseira do Opala foi aberta. Primeiro saiu a primeira-dama, Murita Theiss, e, logo após, Ingrid Budag. Aplaudida, tinha sobre a cabeça uma coroa prateada e cravejada de pedras brilhantes; sobre os ombros, o manto de cor vermelha; além de estar com uma calça comprida negra. Em meio à euforia, ela subiu no caminhão do Corpo de Bombeiros, que sustentava três bandeiras: a nacional, do Estado e do município.
DEsfilE Com o trânsito congestionado nos dois sentidos, entre Blumenau e Gaspar, iniciou-se o desfile. Já era noite. O realce ficou com as motos de faróis acesos e o carro do Corpo de Bombeiros, com a sinalização de emergência ligada. Nos morros que circundam a rodovia, eram comuns os aglomerados de pessoas – na sua maioria de gente bem humilde – a esperá-la, conhecê-la e aplaudi-la. Os
fogos de artifício foram constantes durante todo o trajeto, assim como as buzinas. Na Rua Itajaí, quando Ingrid passou, foi só aplausos, principalmente das operárias da Sulfabril, que afunilaram a rua. O mesmo aconteceu no viaduto da extinta ferrovia, onde haviam preparado serpentina, confetes e papel moído. Assim o desfile seguiu o mesmo ritmo até o centro de saúde, com uma fila de carros calculada em mais de dois quilômetros. Ao chegar a esse ponto as manifestações foram gerais em todo o Centro da cidade. Todos procuravam um lugar melhor para avistar a nova Miss Brasil, enquanto em muitos pontos da cidade o trânsito se estrangulava pelo impedimento da Avenida Beira-Rio e Rua XV de Novembro.
No CENtro No Centro, a euforia, as manifestações e a confusão foram maiores, houve até cenas de histerismo. Sorrindo sempre, com simplicidade, além da mão direita com o aceno tradicional, ou algumas vezes arrumando a coroa, desajeitada pela serpentina, Ingrid Budag não se intimidou, e teve sempre aplausos. Misturando-se aos carros que acompanhavam o cortejo, o povo não se conteve em ficar nas calçadas e preferiu acompanhá-la. Os confetes vinham dos edifícios, e o barulho dos fogos se misturava ao repicar dos sinos da Igreja Matriz. Várias vezes os batedores tiveram dificuldade para abrir caminho, tomado pelos populares.
palaNquE Enquanto era feito o desfile pelas ruas centrais, no palanque, os familiares de Ingrid, sem chegar a um acordo, traçavam o resto da recepção. Suas tias queriam que ela fosse ao bairro da Velha em carro aberto. E, como argumento, a tia Anita dizia: “No dia em que a Verinha chegou, fiquei sentada esperando ela passar”. Outra dúvida era onde ela dormiria: na sua casa ou numa suíte oferecida por um hotel de Blumenau. Mas, para Murita Theiss, a preocupação maior era o seu deslocamento hoje cedo, às 6h, para Florianópolis, onde receberá uma homenagem da Assembleia. “Ela está cansada demais para levantar cedo e viajar. Isso pode até prejudicar”, dizia.
rECEpção ofiCial Quando o carro do Corpo de Bombeiros chegou ao palanque, as pessoas se comprimiram ao redor do veículo, dificultando a descida de Ingrid. A Banda Municipal tocou a marcha Pra Frente Brasil, entrecortada pelos aplausos e os gritos de vivas da multidão. Por quase cinco minutos ficou indecisa. Somente depois de feito o cordão de isolamento é que tornou a iniciativa. No palanque onde estavam as autoridades, Ingrid foi saudada por Renato Vianna, assessor jurídico da prefeitura, que falou em nome do Executivo. Seu discurso começou com o poema Receita de Mulher, de Vinicius de Moraes: “As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”.
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Pela Ponte do Salto
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22/1/1982
de ProPóSito Luiz Antônio Soares
Essa rapaziada da área cultural é gozada. Quando do incidente com o paisagista Burle Marx, foi aquele quiproquó dos diabos. Resmungaram, excomungaram, entisicaram, espernearam, gastaram, enfim, todo o arsenal disponível para malhar a nossa arquitetura neogermânica, classificação com que alguém houve por bem de “homenagear” o estilo adotado para os enxaiméis locais em versão moderna. O barulho, nos botecos, nos jornais e nas esquinas era – e é ainda – ornado com os brasões da preservação histórica e cultural do nosso abençoado município, cujas tradições estariam sendo profanadas pelo “mau gosto”. Quem visse a coisa de fora até poderia imaginar que os enfurecidos senhores, ocupantes sagrados dos nossos canteirinhos, adonados do precioso espaço que lhes era ofertado pela turma que quer ver o circo pegar fogo, compunham em uníssono o relevante protesto na sincera defesa do nosso patrimônio histórico. Bem no fim até eu me convenci de que essa gente, apesar de seus costumeiros pecadilhos, teria o grande mérito de guardar, como se fora um pelotão avançado de sentinelas vigilantes, a respeitável e ainda não bem contada história desta antiga colônia. Aí – veja-se como são as coisas –, aí a Ponte do Salto, como este repórter exauriu-se de prevenir, foi pro saco. E foi porque tinha que ir mesmo. Só cego não via que uma estrutura daquele tamanho, jogada, às traças, enjeitada por Suas Excelências de lá e de cá, acabaria derrubada pelo tempo. De propósito não fiz sobre o desastre a menor alusão. Vamos ver – pensei comigo – o que fazem agora as nossas sentinelas culturais. Afinal de contas, a Ponte do Salto é (ou era) um monumento histórico da nossa terra. Trata-se de uma obra de arte da qual se orgulharia qualquer cidade do mundo. Preservar, nem só pela sua utilidade como também pela sua atração, o seu estilo, seria – pensei mais uma vez comigo – um dever rotineiro da comunidade. Nenhuma alma caridosa levantou-se em defesa da falecida.A prefeitura já anunciou que vai construir outra ponte e aproveitar as ferragens para fazer pontilhões (no melhor estilo eleitoreiro) ao largo das nossas periferias. Ninguém resmungou, ninguém blasfemou, ninguém entisicou. Por que não mandam perguntar ao Sr. Burle Marx, já que a opinião dele foi tão endeusada, o que ele pensa de uma comunidade cultural que não faz o mínimo protesto contra o extermínio puro e simples de um patrimônio como a Ponte do Salto? Jornal de Santa Catarina 45 anos
A estrutura despencou dia 5 de janeiro de 1982
Em 1982 o colunista Luiz Antônio Soares comprovou a força do jornalismo para transformar a realidade da comunidade. Depois da queda da Ponte do Salto, em Blumenau, em janeiro daquele ano, Soares se posicionou firmemente contra a intenção do governo municipal da época, que pretendia reconstruir a estrutura ignorando a arquitetura original. Insistiu que a primeira ponte construída sobre o Itajaí-Açu precisava ser vista como patrimônio histórico e moveu uma ação pública para garantir a preservação dela. Selecionamos quatro colunas que abordaram o tema: 24 e 25/1/1982
Tiquinho de nada Luiz Antônio Soares
Meu caro governador, Estava pensando cá c’os meus botões: o Dr. Jorge (Bornhausen) larga o governo daqui a pouco e eu, como cidadão, acabo sem lhe fazer um só pedido. Então veio-me a ideia de, aproveitando o ensejo, encaminhar a minha respeitosa reivindicação. Não é, em verdade, um pedido adornado daquela chatice que o Sr. deve receber aí por atacado: privilégios pra familhada, uma boquinha no governo, transferência d’alguém pr’uma melhor, carro por conta, nada disso. Vossa Excelência bem sabe que eu não sou dessas coisas. O meu pedido, governador, é um tiquinho de nada. Basta uma canetada sua e fica tudo resolvido. É o seguinte: a Ponte do Salto saltou de banda e foi pras cucuias depois que um tijoleiro andou passando das medidas. Aliás, como o telhado da ponte, de saudosa memória, sucumbira há muito e bom tempo, a gente só tinha mesmo é que esperar pelo pior. Sabe, governador, a Ponte do Salto, assim como Vossa Excelência e eu entendemos, está inserida naquilo que as pessoas de bom senso qualificam como um patrimônio histórico. Originalmente, aliás, trata-se de uma ponte muito atrativa. Eu até a imagino, para o futuro, toda florida, arborizada em suas cabeceiras e com áreas de acesso pelas suas laterais às margens do rio, pois o Itajaí-Açu, naquele trecho, caprichou em beleza. Se depender de Blumenau (conheço as flores do meu jardim), eu não tenho dúvida, a ponte vai pro beleléu. E aí, babau. Com o Vapor Blumenau foi assim: deixaram o bicho apodrecer nas barrancas do rio e depois que ele estava bem podre, mas bem podre mesmo, construíram dois pedestais de concreto na prainha e largaram o coitado em cima. É a nossa vergonha. Já a“macuca”, nossa velha e poética locomotiva, foi salva pela restauração. Levei um susto quando a vi pintada verde.Afinal, ela sempre foi preta. Mas, governador, com o gosto dessa gente não convém discutir porque pra chamar a gente de burro eles não contam até três. Eu os conheço. E justo porque os conheço é que resolvi depositar nas mãos de Vossa Excelência a minha esperança. Salve a Ponte do Salto, governador. Trata-se de um patrimônio pelo qual os países civilizados dariam uma fortuna. E daqui a 10 anos – se persistirem no intento de exterminá-la – não faltará quem venha às ruas para dizer que justamente no seu governo é que se cometeu esse crime. Não vou argumentar mais porque sei que o seu tempo é escasso. Reforço apenas o meu pedido com o argumento de que a decisão pode até resultar em bom investimento político. Como Vossa Excelência sabe, se não houver um empurrão muito forte aí de cima, a coisa aqui vai ficar ruim barbaridade. Tanto é que esse pedido deveria estar sendo feito por eles e não por mim... Sou grato pela atenção.
27/1/1982
do pedido Luiz Antônio Soares
Sobre o comentário aqui inserido no último domingo, quando este repórter tomou a liberdade de dirigir um apelo ao governador Jorge Konder Bornhausen tentando salvar como patrimônio histórico a nossa velha e combalida Ponte do Salto, tenho recebido inúmeras consultas, algumas na base do deboche: – Como é, o governador já respondeu?... Pipocas! Primeiro que o governo não fica no dever de responder-me coisa alguma porque não pedi ao governador uma resposta, mas sim uma decisão, ou melhor, uma “canetada” para o “Dão”, que é o secretário dos Transportes e é a quem compete materializar o meu desejo se, naturalmente, for acatado o meu pedido. Segundo que, mesmo que Sua Excelência o Sr. governador houvesse por bem de mandar-me um ofício, negando-me o pedido, eu engoliria em seco mas compreenderia. Sabem por quê? Porque cheguei à conclusão de que essa ponte só foi alçada à condição de patrimônio histórico porque eu, na minha santa burrice, resolvi promovê-la a tais patamares. Tanto é verdade que os nossos deputados, os nossos vereadores, os nossos administradores, os nossos escritores, senadores, poetas, pintores, arteiros, as nossas abençoadas e sempre badaladas “entidades representativas”, essa gente toda está aí, caladinha, omissa, inerte diante da iminente destruição da ponte. Neste verão, portanto, sou uma andorinha só. De maneira que meu fio de esperança fica mesmo pendurado na crença de que o governador Jorge Bornhausen se deixe levar pelo meu papo. Ora, patrimônio histórico! E o que é meu Deus, o que é que uma pontezinha à toa teria a ver com as tradições de um povo? Só mesmo pra minha cara... Em tempo: apesar de tudo, sou pela ponte de pé. Continuo pedindo.
Conteúdo foi vencedor do Prêmio Esso Regional Sul em 1982
7 e 8/2/1982
quem vê cara... Luiz Antônio Soares
Circunstante sempre inspirado, irreverente ao fazer suas avaliações a respeito da cena urbana, garantia que, estivessem aqui as pirâmides do Egito, não faltaria gente para apoiar a ideia de retalhá-las, transformando-as em paralelepípedos. Jura por todos os santos, além do mais, que a Torre de Pisa, em Blumenau, há muito tempo já teria ido “pro saco” porque aqui, segundo ele, haveria muito mais gente disposta a empurrar do que a segurar sua estrutura. Não é de duvidar. Nessa aventura a que o repórter se dispôs, incorporado na sua condição de ser cidadão antes de ser profissional de imprensa, houve margem para o recolhimento de subsídios muito interessantes sobre o comportamento de certos indivíduos, ditos e tidos no contexto da cidade como “gente culta”. Mas houve também, seria injusto não relevar, posicionamentos surpreendentes de gente simples do povo que, mesmo despojada dos chamados “dotes culturais”, demonstraram profunda sensibilidade para as intenções deste jornalista e até emociona-me lembrar, uma dessas pessoas, ao pedir licença para apertar-me a mão, revelava suas lembranças da juventude e infância, marcadas pela presença da inesquecível Ponte do Salto, não resistiu, chegando às lágrimas. Paradoxal o comportamento, se comparado ao de um conhecido líder classista que, do alto de seu diploma, fazendo escárnio, preferiu justificar seu comodismo e omissão com uma expressão que nem ele mesmo aprova: “aquela velharia precisa mesmo é vir abaixo”. Um dia, deixem passar tudo isso – e seja o que Deus quiser – um dia eu ainda vou contar algumas estórias, para evitar, no mínimo, que se venha a plantar estátuas no futuro para homenagear certo tipo de gente. Quem vê cara, não vê que horas são. 23 de setembro de 2016
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O reCOmeçO de
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prefeito Dalto dos Reis vai criar uma comissão de reconstrução e acredita que o “bairrismo sadio” do povo de Blumenau vai ajudar, “mais uma vez”, a reerguer a cidade, atingida pela maior catástrofe do século. Depois de sete dias de pânico, a cidade volta à normalidade, contando seus mortos e seus prejuízos. O sistema de abastecimento de água potável será restabelecido hoje, os Correios prometem normalizar a entrega de correspondência na segunda-feira e os estabelecimentos bancários reabrem na terça. Na prefeitura, a exemplo de todos os outros postos de distribui-
Depois de dias de pânico, em que o nível do Itajaí-Açu chegou a 16,2* metros, Blumenau começa a voltar à normalidade ção de alimentos, uma enorme fila de pessoas aguardava para receber sua porção. Enquanto nas principais ruas do Centro da cidade algumas pessoas já iniciavam a limpeza de lojas, em grande parte dos bairros a situação ainda era precária. Embora já sem a necessidade de helicópteros para o transporte de alimentos, ainda era muito difícil a chegada em certos locais, coisa que era feita somente através de barcos. Por volta das 16h o nível do rio era de aproximadamente 10,5 metros e o sol voltava a brilhar com toda a intensidade. Não choveu durante todo o dia na cidade. O prefeito Dalto dos Reis, que durante os dias da calamidade não
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abandonou a prefeitura, de onde coordenava as ações da Comissão Municipal de Defesa Civil e vez por outra concedia emocionados depoimentos a emissoras de rádio e TV, fez ontem um primeiro balanço dos prejuízos e da situação em geral. – Não temos até o momento praticamente nenhum dado oficial para divulgar. Houve mortes e não sabemos ao certo quantas. Desabrigados tivemos, creio, um número aproximado de 50 mil. Foram aproximadamente 10 mil casas invadidas pelas águas, algumas destruídas e outras soterradas por barreiras – declarou. Sobre as causas da catástrofe, Dalto disse que não acredita na versão corrente da responsabilidade da
Usina de ltaipu. Ele prefere culpar o desmatamento e reconhece que este vem sendo praticado ao longo do rio Itajaí-Açu. – Mas a barragem de Ibirama, que deveria estar pronta, contribuiu sobremaneira para que sofrêssemos esta desgraça. Esta barragem teria, sozinha, o dobro da capacidade das duas já existentes, a de Ituporanga e Taió – ressaltou. Dalto anunciou que está criando uma comissão pró-reconstrução do município. Durante a Operação Limpeza, os Centros Sociais Urbanos serão transformados em creches, onde as crianças receberão alimentação e abrigo enquanto os pais podem trabalhar na restauração das casas.
* Nos registros atualizados da Defesa Civil de Blumenau, o nível do rio em 1983 chegou a 15,3 metros
Mais de 50 Mil pessoas atingidas
Rua São Paulo, Blumenau
tudo
Segundo informações da Comissão de Defesa Civil de Blumenau, mais de 50 mil pessoas foram atingidas pelas águas da última enchente. Cerca de 50% destas pessoas foram atingidas pela enchente pela primeira vez. Foi grande o número de famílias que perderam todos os seus pertences, enganadas pelas previsões que indicavam que o nível do rio não passaria de 13 metros. Sobre o número de vítimas fatais as informações são muito desencontradas e os dados oficiais somente serão conhecidos nos próximos dias. Sabe-se contudo que é grande o número de vítimas fatais por afogamento, por choque elétrico e também alguns casos de fome e sede. EmseunívelmaiscríticoorioItajaíAçu chegou a atingir 16,2* metros, no sábado à noite. As águas contudo começaram a baixar na segundafeira, chegando a 14,8 metros, o que levou várias famílias a iniciarem o processo de limpeza das casas atingidas. Para a surpresa da comunidade, a maré subiu um pouco além do normal e as barragens de Ituporanga e Taió tiveram algumas comportas
Cobertura vencedora do Prêmio Esso Regional Sul em 1983
abertas para liberar a carga d’água, com o que o rio voltou a atingir uma marca crítica, próxima aos 16 metros. Esse fenômeno ocorreu justamente quando não havia mais alimentos e a água começava a faltar, o que deixou a população em pânico.
Solidariedade Além das manifestações de solidariedade oriundas de várias cidades do Estado e de outras cidades brasileiras, foi muito importante o trabalho realizado pelas comunidades dos municípios vizinhos de Indaial, Pomerode, Rodeio, Timbó e Ibirama. No município de Timbó, durante os dias de enchente a comunidade encarregou-se de confeccionar diariamente cerca de 10 mil sanduíches para distribuição aos flagelados. Já Indaial enviou a Blumenau mais de cinco ônibus que regressaram cheios de flagelados, abrigados mais tarde em vários pontos daquele município. Também o Clube Veleiros da Ilha, de Florianópolis, teve importante participação no trabalho de socorro às vítimas, colocando várias lanchas e homens à disposição.
Rua XV de Novembro, Blumenau
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POE TA foto banco de dados
Lindolf Bell traça, em 20 anos de carreira, um discurso entrecruzado de poesia e vida
“O
poeta Lindolf Bell não envelheceu nestes mais de 20 anos de poesia. Até parece, reinventou a juventude. Navegou, bem fundo, no rio da palavra. Entre algas e correntezas. Fiel à poesia, à emoção, ao artesanato do fazer poético. De húmus e areia, amor e participação, síntese e propósito, elaborou seu verso. Ajudou a construir a sílaba da vida. Poetou. Poeta. Sincero. No balcão do tempo, serve, alquimista da metáfora e da beleza, a magia do poema...” Estas considerações são de Fernando Coelho, poeta cearense, radicado em São Paulo, em introdução a uma entrevista com Bell para o Jornal do Ceará. Fernando Coelho elaborou a entrevista na época do lançamento do livro “O Código das Águas”, publicado pela Global Editora (SP) e que Lindolf esteve autografando na quinta-feira, em Timbó, sua terra natal, numa grande noite cultural naquela cidade, onde há 20 anos não apresentava suas obras. Na ocasião ele autografou também o poster-poema das “Crianças Traídas” e o livro “Vi-
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vências Elementares”. Na entrevista cedida a Fernando Coelho, o poeta Bell resume seu pensamento sobre a poesia, emoção e luta pela sobrevivência como testemunha de seu tempo. Criador da Catequese Poética, em 1964, Lindolf Bell considera que o movimento deu certo à medida que surgiu no tempo certo. “Os anos 1960 caracterizaram-se por uma insuspeita inquietação na cultura brasileira”, relata o poeta. “Cinema, teatro, música, dança e poesia: o signo dominante era a inovação. Mas a redescoberta de raízes, as primeiras manifestações das memórias nacionais jogadas no lixo, começaram a ter defensores”. Para o poeta, falar para 10 mil pessoas, como fez em Itajaí, no Estádio Marcílio Dias, num silêncio “ancestral e comovido” da plateia, representa um dos feitos dentro da poesia brasileira, que “às vezes não divulga em grandes centros”. O que justificou não ter a mínima importância. “Porque tudo faz parte de tudo. Ainda que pareça o contrário”. Perguntado se poderia dizer onde se encontram, hoje em dia, os catequizados pela poesia, Bell disse
que se algumas pessoas se redescobrem no poema, não carece fazer alarde. “O homem que se redescobre através do poema sabe que já não corre mais o risco de perder-se na sociedade consumista, pois reencontrou sua capacidade de introspecção. Bell acha que a poesia não trai. Mas desafia. Se faz duvidar, no mesmo instante que amplia a intuição, a consciência do nosso destino comum, ilumina a incerteza das coisas. E, acrescenta,“faz do ato poético uma dádiva, onde o tempo do homem se faz de todas as estações e de todas as circunstâncias”. Quanto ao mercado para a poesia, ele acha que há, embora lento, “mas não impossível”. Considera que se todos os poetas entenderem que o ato final do poema é chegar ao leitor, o mercado se ampliará. “Se a educação nas escolas, na casa de cada um, na universidade, assumir o poema como um instrumento de autoconhecimento, a audiência do poema crescerá”. Mas, para tanto, Bell acha que é preciso não ter vergonha da palavra poesia.“Quando isto se tornar claro para todos, tudo ficará mais fácil”, acredita. 23 de setembro de 2016
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arte sobre foto banco de dados
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SimpleS e metódico A Aos 81 anos, o industrial Ingo Hering acorda cedo, trabalha de segunda a sexta, dirige seu próprio carro, não cultiva vícios nem se permite a exageros
simplicidade é a marca indelével de Ingo Wolfgang Hering, um dos empresários mais bem sucedidos e respeitados do país. Aos 81 anos, três filhos, oito netos e prestes a completar 54 anos de casado com dona Lili,“seu Ingo”, como é chamado carinhosamente por familiares e funcionários, é um homem metódico. Avesso à improvisação, há anos segue uma rotina bem traçada. Levanta-se às 7h e pontualmente às 8h, de segunda a sexta-feira, está em seu gabinete, no prédio da administração na sede da Cia. Hering, no bairro Bom Retiro, em Blumenau. É uma sala modesta para um dos mais destacados industriais brasileiros e sem secretária exclusiva. Acarpetada, mas sem tapetes, aconchegante, mas sem luxo, comporta duas cadeiras e um sofá para três pessoas. Sua escrivaninha está sempre abarrotada de papéis. Na parede, o retrato de seu pai, Curt Hering. Abaixo da foto, uma máquina de escrever portátil. É ali que passa boa parte do seu dia. Ocupa a sala para supervisionar as empresas (ele próprio reconhece que é presidente executivo e do Conselho Administrativo sem exercer, atualmente, plenamente estes dois cargos), ler muito e escrever semanalmente seu artigo que sai publicado aos domingos no Santa. À noite ouve Mozart,“gosto porque sua música vem do interior”. Mas já foi fã de Beethoven. Deixou-o por “ser muito impulsivo”. Sempre que pode vai ao teatro, “principalmente para acompanhar a orquestra”. Há um ano abandonou seu único hobby: tocar piano. “Minhas mãos já não permitem este privilégio”. Assiste a poucos filmes, vê novela às vezes e mantém distância de aparelhos eletrônicos devido ao marcapasso que carrega no peito há três anos. Nos finais de semana se diverte com a família, principalmente seus netos.“É uma alegria ver as crianças brincarem”. Vale-se de uma dieta sem exageros para manter a forma. É um homem de fala macia, pausada e gestos fortes. Cultiva amizades sem discriminações sociais ou ideológicas e é reconhecido por favores impagáveis. Da política partidária quer distância, apesar de ter se notabilizado como defensor das causas comunitárias. Usa o carisma que forjou durante estas oito décadas de convivência com os blumenauenses para deixar de lado certos cuidados com sua segurança pessoal e levar uma vida o mais normal possível. É ele mesmo quem dirige seu carro (até ano passado um Opala que não era do ano) e toda quinta-feira entrega sua coluna na redação do Santa, pessoalmente. “Não tenho motivos para me preocupar com isso”, diz satisfeito. 23 de setembro de 2016
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lumenau nunca viu nada igual. A opinião é de representantes do movimento de trabalhadores e dirigentes sindicais de Blumenau, que não descartaram a possibilidade de continuar a paralisação amanhã. Ontem de manhã milhares de pessoas voltaram a se concentrar na Rua XV de Novembro, defronte à Igreja Matriz. Entre os discursos dos grevistas, a queima da bandeira dos Estados Unidos por um dos manifestantes empolgou a multidão. A manifestação prosseguiu sem tumultos e, após seu término, os manifestantes seguiram em passeata pelo Centro e pelas principais ruas da cidade, fechando todos os estabelecimentos que ainda permaneciam abertos. Escolas, bancos e hospitais ficaram fechados, mas ao final da tarde algumas lojas abriram e o transporte coletivo voltou a funcionar, precariamente, em algumas linhas. Segundo balanço da Central Única dos Trabalhadores (CUT), mais de 350 mil pessoas paralisaram em todo o Estado. A expectativa para hoje é de que este número chegue a 500 mil. Na avaliação do governo de Santa Catarina, o movimento grevista foi pacífico e ordeiro até ontem, como haviam assegurado os organizadores da greve. Jornal de Santa Catarina 45 anos
Milhares Setor têxtil O presidente do Sindicato das indústrias de Fiação e Tecelagem de Blumenau, Ulrich Kuhn, reconheceu a greve dos têxteis como um direito constitucional, mas, no entanto, considerou-a precipitada. O maior problema, na sua opinião, foi a mistura deste movimento com a greve geral articulada a nível nacional pela CUT e a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), “que tem como alvo o governo, provocando uma grande confusão”. O índice de 87% de reposição, pedido pelos trabalhadores, foi avaliado como inviável por Kuhn, que considerou a proposta de 33% de reposição mais 5,2% de aumento, feita pelos empresários, como “sensata, principalmente porque não podemos repassar os reajustes para os preços finais dos produtos, que estão congelados”. O presidente do sindicato patronal acredita que hoje cerca de 80% a 90% dos têxteis deverão retornar ao trabalho. O rompimento das negociações, para Kuhn, fez com que a proposta dos 33% deixasse de ter efeito. A adesão mais maciça à greve geral em Blumenau tem sido a dos trabalhadores das indústrias têxteis, que foram os principais responsáveis pela paralisação quase total da cidade um dia antes do programado, se-
A greve geral convocada pelas centrais sindicais contra o Plano Verão levou trabalhadores às ruas de Blumenau, em um grau de adesão que surpreendeu até mesmo as lideranças do movimento gunda-feira. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Fiação e Tecelagem de Blumenau, Osmar Zimmermann, acusou os empresários do setor de se fecharem à negociação, partindo para acordos isolados,“inviabilizando a negociação de salários”. Segundo Zimmermann, as notícias veiculadas na imprensa em anúncios pelo sindicato patronal da área têxtil não correspondem à verdade, “porque eles encerraram as negociações, e hoje (ontem) pela manhã ligamos para os empresários de diversas empresas e eles se recusaram a nos atender”.
Foto JosĂŠ Werner, bd, 14/3/1989
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Personagens da fotoS marcio damaSio, bd, 11/10/1990
Uma esPanhola solitária
deo ou câmara fotográfica. Terezinha Nunes é carioca, tem 60 anos, e desde 1984 não perde uma Oktober. Sempre sozinha, tendo como companheira seu ritmo e castanhola, ela realmente não para. Para ela a Oktoberfest é a melhor festa do mundo e Blumenau é pura fantasia. Apreciadora de uma boa música, ela improvisa o ritmo de castanhola com polcas e marchas germânicas que, segundo ela, “encaixam perfeitamente”. Ela já está há nove noites dançando seis horas por dia sem parar. Na abertura da Oktoberfest, quem abriu os festejos foi esta alegre foliã que está hospedada no Hotel Dusseldorf sozinha. O segredo de sua vitalidade apesar de seus 60 anos é “não beber, não fumar e não parar nunca”, diz ela. Um show à parte. É isto que é Terezinha com sua roupa estilizada, flores na cabeça e babados no final de sua saia que não para aos seus passos ágeis e precisos.
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m show à parte. É isto o que oferece Terezinha Nunes diariamente em qualquer um dos quatro pavilhões da Proeb, desde que abrem até o horário de encerramento da festa. Contrastando com suspensórios e chapéus germânicos, Terezinha dança estilizada, espanhola de castanholas. Sorriso frequente, ela desliza sobre os tablados dos pavilhões divertindo foliões de todas as idades e encantando turistas que procuram cenas diferentes para registrar em seu ví-
foto Gilmar de Souza, bd, 8/10/1990
Carlitos, Um Caso à Parte
acenos com a própria bengala ou o lencinho branco, Carlitos e sua cadelinha Pretty também circulam pelos pavilhões da Proeb durante a Oktoberfest. São solicitados para serem fotografados por turistas e visitantes, especialmente as crianças, por quem Carlitos é seguido, muitas vezes, ao longo de trajetos bastante longos. Divino Brizola, artista amador, e Sandra Baron (Hana), que neste ano recebe sua graduação em artes cênicas pela Faculdade de Belas Artes de Curitiba, sobrevivem há dois anos de espetáculos em clubes, casas particulares para animar aniversários ou mesmo em praça pública. – Foi o jeito que encontramos para sobreviver – explica Carlitos, que, ao final de cada espetáculo ou depois de posar para uma foto, mostra o chapéu vazio e aponta para o estômago, cobrando cachês por suas demonstrações.
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hapéu-coco, terninho negro em desalinho, sua eterna bengala e o andar do vagabundo inveterado, mas amado há décadas, Carlitos também veio à Oktoberfest. Mesmo não estando incluído da programação oficial do desfile de abertura realizado no domingo, Carlitos deu um show que arrancou aplausos e levou o público ao delírio em plena Rua XV de Novembro. Passos miúdos e rápidos, piscadelas para todos,
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OktOberfest 1990 O estradeirO Helmut
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é na estrada o ano todo em turnês pelo mundo, a Helmut Högl Band mostra, em Blumenau, há sete anos consecutivos tocando na Oktoberfest, por que leva ao delírio quando toca. Na bagagem os nove integrantes do grupo trazem, além
de instrumentos, equipamentos de som e pautas, a musicalidade que está no sangue que corre nas veias. No líder da banda, Helmut, vamos encontrar surpresas de atitudes que variam do sorriso debochado às lágrimas que facilmente lhe chegam aos olhos, especialmente se o assunto for injustiça social. Na crooner Sonir, esposa de Helmut, podemos atestar que, ao lado de um grande homem, obrigatoriamente vai sempre uma mulher que encerra doses equilibradas da paciência de “Amélia” do samba de Ataulfo e do heroísmo de Bibiana de Erico Verrissimo. A história da banda começou em 1955, quando o próprio Helmut passou, aos 19 anos, a tocar
no grupo do pai – um maestro de uma orquestra de instrumentos de sopro e cordas em Munique, na Alemanha. Levado pela tradição da família, Helmut aprendeu violino, guitarra e depois acabou se especializando em trompete “uma paixão entre outros”, confessa. De lá para cá sua vida foi da valsa. Mas foi a partir de 1976, quando a banda acabou passando para as suas mãos, que vieram os discos. “Centenas, e bem por isto não posso me lembrar dos primeiros compactos”, conta o maestro. O sucesso foi o caminho que os conduziu aos palcos da vida, aos bailes do mundo e à festa do Brasil, “um país que eu amo”, confessa emocionado. foto Marcio DaMasio, bD, 12/10/1990
Prazer “Tocar no México, Montreal, New Orleans, Bancoc, Hong Kong, Finlândia, Espanha, França, Itália, entre outros países, é nossa vida. Animamos a Oktoberfest em Munique, nosso compromisso de todos os anos, mas estar na festa de outubro em Blumenau transformou-se em prazer”, diz Helmut. Arranjos feitos por Felipe Beetz – o trombonista que, como poucos, sabe dar acabamentos diferentes e harmoniosos às antigas melodias –, estes clássicos que andam no assovio do povo vez por outra, são marca registrada da banda, que se em Blumenau mantém um repertório quase que exclusivamente composto de músicas alemãs, na
Alemanha é aplaudida de pé quando o público percebe que vem um pot-pourri de canções brasileiras.“Não há fronteiras, não há espaço de tempo na contagem regressiva entre o som e a emoção”, filosofa Helmuth, que na Oktoberfest de Munique deste ano, onde toca em um dos únicos pavilhões de vinhos, quase colocou o lugar abaixo quando executou algumas lambadas.
Lucidez Homem de extremos, ele confessa que não bebe pouco nem muito, “apenas o suficiente para que o clima continue perfeito e a lucidez não entre pelos caminhos errados que levam às bobagens” e conse-
gue passar sem fumar por muitos meses, mesmo que o salto para esta abstinência ao pequeno pecado seja de três carteiras em média por dia ao zero em consumo de nicotina. Definindo felicidade como “o resultado de momentos onde nos sentimos satisfeitos conosco ou quando conseguimos nos contentar com o que temos sem cobiçar o que está longe do alcance das nossas mãos”, ele assiste, de dentro de si mesmo e muito surpreso,“às mudanças da vida, do mundo e das pessoas”. “É preciso solidariedade, espírito nobre, empatia e amor para que o curso da história não nos prove que estamos por demais tecnocratas em detrimento do humanismo”, analisa ele. 23 de setembro de 2016
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mOrte nO maiOr aSSaltO dO eStadO Márcia Pontes e Guarim Liberato Júnior
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Banco do Estado de Santa Catarina (Besc) não teve tempo para cortar o bolo em comemoração aos 35 anos de aniversário, e recebeu o maior presente de grego de sua história. Ontem, às 14h45min, quatro assaltantes tiveram a ousadia de levar R$ 982 mil da agência Central do Besc em Blumenau, na Rua XV de Novembro, que estava lotada naquele horário. No maior roubo a banco da história de Santa Catarina – o 12º a agências do Besc na região de Blumenau este ano –, a ação dos assaltantes foi rápida e violenta. O segurança da Prosegur Brasil Valdecir Amaral, 32 anos, que não usava colete à prova de balas, foi morto com quatro tiros e uma cliente que estava na fila, Valdecir Heinzen, 54, levou um tiro no pé direito. Os assaltantes já estavam dentro da agência quando os funcionários da Prosegur Brasil – transportadora de valores – entraram no Besc para recolher um malote com R$ 982 mil que seriam depositados no Banco do Brasil, a poucos metros dali. Na hora em que um funcionário da empresa saía da sala-forte da agência com o malote, dois assaltantes sacaram meias dos bolsos, enfiaram na cabeça e deram voz de assalto. Segundo a publicitária Olívia Marchi, que estava atrás de um assaltante que esperava na fila, o segurança Valdecir Amaral, que segurava o malote, resistiu em entregá-lo ao assaltante e foi exe-
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cutado. Os clientes e funcionários da agência entraram em pânico e se atiraram ao chão, enquanto as balas ricocheteavam nas paredes da agência. – Depois que os assaltantes mataram o segurança, os outros revidaram os tiros e o faroeste começou – contou Olivia. Um assaltante também foi atingido e saiu mancando da agência. Já na Rua XV de Novembro os assaltantes continuaram atirando contra o Besc e fugiram a pé, em direção à Rua Padre Roberto Landell de Moura, onde pegaram um Vectra vinho, de Balneário Camboriú, estacionado em frente ao prédio da Justiça Federal. Eles fugiram pela Rua Martin Luther e abandonaram o carro na Rua Arthur Koehler, uma via sem saída transversal à Antônio da Veiga.
Gangue comandada pelo bandido mais procurado do Sul do país invade o Besc, rouba R$ 982 mil e deixa rastro de destruição
terror Depois de abandonar o veículo, os assaltantes se refugiaram em um prédio comercial. Uma corporação da Polícia Militar (PM) feminina invadiu o imóvel e encurralou os fugitivos. Nesse momento, a policial feminina Magali Theiss, 23 anos, acertou um projétil de seu revólver calibre 38 no fígado de Cláudio Adriano Ribeiro, 35 anos, o Papagaio, considerado o bandido mais procurado do Sul do país. O comparsa de Papagaio, o assaltante Márcio Jorge Rodrigues, 34 anos, o Zi, se rendeu quando a policial Cleusa, que acompanhava Magali, pediu reforço ao local.
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Guarnições da Polícia Militar fizeram buscas aos assaltantes em fuga arte sobre foto bd, 21/7/1997
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O vento indica perigos, indica boas pescas. O vento atrasa a volta pra casa, faz do navegar um passeio. É preciso conhecer seus caprichos
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Giovana Kindlein
opra um vento terral numa manhã de sábado, nos molhes do Pontal, na boca da barra, em Navegantes. O movimento de Dalci Cristino da Conceição, o seu Dadá, 65 anos, é automático. Depois de chegar na praia, ele abre a tarrafa de popa, ou seja, ruma a favor do vento. A possibilidade de levar para casa uma tainhota, robalo ou pescada é quase certa, para a alegria da mulher, Maria de Lourdes, a dona Ia, 60. A própria experiência e os ensinamentos sobre a interferência dos ventos, passados de pai para filho, fazem dele um sinalizador de boas pescarias. Depois de 35 anos embarcado em traineiras e sardinheiros, hoje aposentado, seu Dadá comprova que não dá ponto sem nó. Ele sabe que a ação da natureza é implacável. O vento sudoeste, segundo o contido e discreto senhor, é um dos mais perigosos para os pescadores. Com ar compenetrado, ele comenta: “É um vento muito pesado. Quando cai, deixa uma mandada tremenda em alto-mar. Os barcos que pescam no golfo passam um cortado com ele. Muitos já naufragaram por conta dele. Mas o tempo ruim que se pega, se esquece. Correr da morte ninguém pode!”. Em contrapartida, conforme seu Dadá, um dos melhores ventos para a pesca é o nordeste. O tempo também é determinante para a chegada do cardume de tainhas em águas catarinenses. Elas aparecem somente de maio a julho e podem, dependendo do vento, segundo o pescador aposentado, apressar ou refrear o seu trajeto: “Um sudoeste fraco é bom para trazer o cardume, mas se bater forte, o peixe viaja muito!”.
O dia a dia no mar aumentou seu conhecimento sobre o assunto. Em certos momentos, às duras penas. Quando embarcou pela primeira vez numa traineira, aos 20 anos, com destino ao Litoral do Rio Grande do Sul, teve que suportar a angústia de passar três meses no oceano, longe de casa e da família. Há 25 anos cada viagem levava, em média, de três a quatro meses, período bem superior ao de hoje, que gira em torno de 20 a 30 dias. Com uma ponta de nostalgia, seu Dadá recorda: “Certa vez, meu filho Isaías (hoje com 29 anos), de dois anos, chegou a correr de mim quando entrei em casa depois de quatro meses sem aparecer. Não me conhecia mais”. Antigamente, segundo ele, os filhos tinham que ajudar os pais e, por isso, começavam cedo na lida. Aos oito anos já saía de madrugada com o pai para pescar de espinhel. Até aprender bem o ofício, a regra era a seguinte: metade do que pescava era da tripulação e a outra metade era sua.Aos 12, aprendeu sozinho a fazer tarrafa com um pedacinho de fio, e aos 14 já fazia o serviço de um homem. “Naquele tempo fazia de tudo para ajudar a casa. O rapaz com 15 anos não tinha moleza. Quatro horas de estudo não impedem o trabalho. Hoje é tudo diferente!”, compara seu Dadá, que além de tarrafear, trabalha à noite como vigia. Texto retirado de série publicada em seis edições
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Foto Marcos Porto, BD, 7/2000
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A últimA
viAgem Fiu Saldanha
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a madrugada do dia 13 de março de 1971, há três décadas, um apito melancólico cortava a região dos Vales pela última vez. Para várias testemunhas que assistiram à derradeira viagem de trem na região, a locomotiva 331 emitia sons que pareciam lamentos. A máquina a vapor de fabricação americana, marca Baldwin, não chorava sozinha. José Pacheco, hoje com 72 anos, era o maquinista naquela noite abafada. A desativação da Estrada de Ferro Santa Catarina (EFSC) é uma lembrança que traz lágrimas aos olhos do velho ferroviário. Pacheco não sente saudade apenas de ser o comandante de uma máquina que, usando apenas lenha como combustível, chegava a arrastar pelos trilhos até 1,5 mil toneladas em cada viagem. Ele sente a falta de um dia a dia aventureiro, perigoso; de uma época em que a vida transcorria em preto e branco como em um filme antigo. Quis o destino, porém, que o maquinista se notabilizasse justamente por ter feito a última viagem oficial da EFSC – uma história que ele não gosta de contar. Com alguma insistência, se pode arrancar do narrador alguns detalhes. Pela memória de Pacheco, a última viagem começou realmente na véspera, dia 12 de março de 1971, às 5h02min, no amanhecer em Trombudo Central. A locomotiva 331 e três Jornal de Santa Catarina 45 anos
vagões de passageiros chegaram em Itajaí por volta do meio-dia. O retorno só teria começado após o almoço.
Estopa O trem retornou à Itoupava Seca, às 16h. Foi quando José Pacheco entrou para a história. Antes, como era de costume, passou um pano, provavelmente uma estopa, pelas alavancas usadas para comandar a locomotiva. – Não parecia ser verdade, mas era. Era a última viagem – recorda, sem disfarçar a tristeza. Do restante do trajeto, Pacheco lembra apenas das pessoas paradas próximas à estrada, algumas imóveis, outras acenando, muitas com um lenço branco na mão. A memória do maquinista não chega a precisar horários. Testemunhas como Luiz Carlos Henkels garantem que o trem, voltando para Blumenau, estacionou em Itoupava Central às 3h, já na madrugada do dia 13. – Moro em Indaial, na localidade de Encano, e a locomotiva 331 passou apitando, em frente à minha casa, às 2h. Pelos meus cálculos, uma hora depois a máquina chegava ao destino final – garante o funcionário de uma indústria têxtil. Há quase 20 anos, Henkels estuda o transporte ferroviário, principalmente, para não dizer quase que exclusivamente, a Estrada de Ferro Santa Catarina. Mesmo possuindo centenas de documentos sobre o assunto, que não cansa de rever, ele é mais
um saudoso da EFSC. Mais que ele, apenas pessoas como Pacheco, que viveram a história. Além da memória, já em parte debilitada, o maquinista guarda como lembranças da ferrovia quatro pedaços de trilho, usados para sustentar uma caixa d’água, e uma lanterna da época. Mas nem toda a saudade do mundo impede Pacheco de relembrar também algumas mazelas.
sucatEamEnto Os últimos anos de funcionamento da ferrovia, já quase abandonada, deixaram algumas mágoas na lembrança do maquinista. O suficiente para ele afirmar que foi melhor terminar tudo enquanto ainda havia alguma dignidade para a memória do transporte ferroviário na região. – Ainda hoje sonho que estou trabalhando, sentindo o vento contra o rosto na cabine da locomotiva. Preferia que nunca tivesse acabado. Mas, do jeito que estavam tratando a ferrovia e seus funcionários na época, às vezes penso que não havia outra saída – lamenta Pacheco. O maquinista ampara a dose de mágoa guardada na memória em trilhos gastos, vagões desalinhados e locomotivas que funcionavam mais pela dedicação dos condutores e mecânicos que pela exigência dos gestores da ferrovia, na época, o governo federal. – Parece que deixaram os problemas acontecerem para ter uma boa desculpa para a desativação – teoriza o aposentado que hoje mora sozinho, no bairro Asilo, em Blumenau.
Há 30 anos um gigante metálico parou de cruzar o Vale. O silêncio baixou sobre os trilhos, deixando saudade não apenas de um transporte mais barato e seguro, mas de um dia a dia romântico e aventureiro foto Gilmar de Souza, bd, 10/3/2016
“A extinção de quAlquer ferroviA é um desperdício” Aos 76 anos o agricultor Teodoro Koslop tem uma bronca danada, segundo suas próprias palavras, das pessoas que decidiram pela desativação da EFSC. Morador da localidade de Warnow, em Indaial, ele diz só ter visto dinheiro mesmo na vida quando ia de trem até Blumenau vender legumes e verduras que plantava. Antes da ferrovia, para comercializar a produção, Koslop viajava até 10 horas levando apenas o que cabia em uma carroça. Além de ter a quantidade limitada pelo tamanho da carroça, o agricultor ainda enfrentava problemas com a desvalorização das hortaliças transportadas precariamente por estradas de chão. – Com o trem, em apenas uma hora eu chevaga a Blumenau, com as verduras ainda fresquinhas e valendo mais. Se a ferrovia não tivesse sido desativada, teria ganho dinheiro suficiente para que minha família vivesse hoje com mais dignidade – acredita o homem que nem mais consegue trabalhar. Para o chefe do escritório da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), em Curitiba, Paulo Sidnei
Texto retirado de série publicada em seis edições
Carreiro Ferraz, a matemática comprova que a extinção de qualquer ferrovia é um desperdício. Ele cita, por exemplo, que nos chamados países desenvolvidos – grupo que engloba as maiores economias do mundo – 40% do volume de transportes se deslocam sobre trilhos.
MateMática A enorme lista de vantagens do sistema ferroviário apontadas por Ferraz, em relação às rodovias, vai bem mais além da simples economia de recursos. Passa também pelo respeito à natureza, além da redução do número de mortes nas estradas. No Brasil, país dependente da importação de petróleo e seus derivados, 92% do combustível são usados no transporte rodoviário e apenas 3,5% com ferrovias. Um maior uso das estradas de ferro, pelos cálculos de Ferraz, bastaria para economizar milhões de dólares. – Basta lembrar que para cada barril de petróleo são transportadas 2,6 mil toneladas de produtos pelas rodovias. Com o mesmo combustível o
transporte sobre trilhos levaria 14,7 mil toneladas – exemplifica o engenheiro. A mesma necessidade de combustível para um transporte quase seis vezes maior de carga, ressalta Ferraz, faz o frete ferroviário ser 85% mais barato em relação ao rodoviário. – Aumentando o volume transportado pelos trilhos haveria drástica diminuição do tráfego pesado nas rodovias. Assim haveria menos gastos com a manutenção das estradas, além da consequente redução do número de acidentes, mortes e feridos – enumera. Pelo grande número de vantagens, principalmente em um lugar com as características econômica e geográfica das cidades que formam o Vale do Itajaí, Ferraz acredita que a região sofreu um grande prejuízo com o fim da EFSC. As impressões do engenheiro ganham força quando levado em conta que quase 100 cidades dependem hoje quase que exclusivamente da BR-470, uma rodovia federal em pista única, com sérios problemas de conservação, onde 1.176 pessoas já morreram apenas nos últimos 13 anos. 23 de setembro de 2016
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Aos 74 anos, a Casa Kieckbusch vai fechar. Para os blumenauenses, é o fim de um tempo romântico. Para os irmãos Klaus e Erica, o começo de um tempo para descansar, cuidar do lar, caminhar na praia...
DaS EnDE Jornal de Santa Catarina 45 anos
Giselle Zambiazzi
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á fora, o tempo corre com a mesma velocidade dos carros apressados. Passando o umbral da Casa Kieckbusch, ele dá uma trégua. Mas, como a umidade que atravessa paredes e passa por debaixo da porta, deu um jeito de atingir a loja que, no dia 1º de julho, completou 74 anos. No pequeno cartaz colado na vitrine, a marca mais nociva das ações do tempo: a casa está fechando. Discreto, o aviso segue o mesmo estilo do secos e molhados e seus donos. Sem estardalhaço. Muito menos lamentações. Acabou-se. Pronto. Dia 30, a porta de caixilho arredondado e madeira escura vai fechar. E, no dia 1º, não vai mais abrir. Pelo menos não sob o nome de Casa Kieckbusch Ltda. Os irmãos Klaus e Erica Kieckbusch cansaram do balcão atrás do qual cresceram, casaram, aposentaram-se e envelheceram. Só ele tem filhos. Quatro. Todos escolheram outras profissões. Não tem mais ninguém para administrar a loja. – Mesmo que alguém quisesse comprar o ponto, não venderíamos. Tradição não enche barriga de ninguém. Essa disputa que tem aí fora, de um querer ser mais forte do que o outro, isso não é com a gente. Assim pensa Klaus. – A gente também não quer ver o sofrimento dos outros. É muito caro manter essas geladeiras ligadas. O lucro é cada vez menor para uma despesa cada vez maior. Antigamente os fregueses eram mais fiéis, davam mais valor. É muito difícil competir com os mercados grandes. Assim pensa Erica. Ambos sorriem.Atendem com a mesma atenção de sempre. Olham em volta. E dizem que não estão tristes. Antes, aliviados. De fato, é o que parece. Mas também dá a impressão de uma saudade antecipada, um nó na garganta que Klaus jura que é uma gripe forte: – Talvez nos primeiros meses a gente sinta falta do contato com os fregueses.
História Junto a tudo o que está dentro da loja, incluindo seus donos, a Kieckbusch preserva coisas não palpáveis mas muito importantes. Como a língua. Aqui ainda se compra e se vende em alemão. Do jeitinho como era quando Ernzt Kieckbusch, pai de Klaus e Erica, fundou a loja. E essa história vale a pena contar. O pai de Ernzt era um professor de Biologia ale-
mão. Muito doente, foi aconselhado pelo médico a mudar-se para os trópicos. Escolheu Blumenau. Ernzt tinha então quatro anos. Como o pai não podia trabalhar muito para sustentar a família, aos 14 o filho teve de ir à luta. Encontrou emprego na extinta loja de Tintas Hering. Pegou gosto pelo comércio. Em 1932 fundou a Casa Kieckbusch, em 1933 noivou, em 1934 casou e em 1935 nasceu Erica, a primeira filha. Tudo exatamente na mesma esquina da Alameda Rio Branco com a Rua XV de Novembro. A loja ficava no térreo do prédio em que a família Kieckbusch morava no primeiro andar e os cinco funcionários, no segundo. – Almoçávamos todos juntos. Aos sábados, eu e meus irmãos tínhamos que ajudar na loja arrumando as prateleiras, essas coisas. Durante a semana a gente só estudava e brincava – lembra Klaus.
Dia 30, a porta de caixilho arredondado e madeira escura vai fechar. E, no dia 1 , não vai mais abrir o
A responsabilidade veio aos 14 anos. Como qualquer empregado, os filhos tinham carteira assinada. – Claro! Senão a gente não poderia se aposentar – completa. Ernzt realmente tinha o olho no futuro.
Em alEmão Além de artigo de luxo, telefone era um aparelho complicado. Uma ligação chegava a demorar 10 minutos para ser completada. Mas não fazia muita diferença para a Casa Kieckbusch. – A gente ia no freguês, pegava a lista de compra e depois entregava de bicicleta. Os clientes estavam espalhados por toda a cidade, eram fixos e fiéis. Um desconhecido dificilmente tinha seu pedido entregue em casa. Especialmente na época da Segunda Guerra Mundial, considerada a mais crítica. Ninguém podia falar alemão, língua materna da família. Da cidade. Dos clientes.
– Minha mãe tinha acabado de ganhar neném. Chegou uma senhora no balcão que não sabia falar português. Foi só ela falar a primeira palavra. O policial que estava na porta, de ouvido em pé, levou a cliente para a cadeia na hora. Ficou lá um ou dois dias. Isso que era brasileira – lembra Erica. Não fosse a amizade da família com o então coronel, que era freguês da casa, teria sido muito pior. – Ele e a mulher sempre orientavam a gente de como devia ser. Foi um tempo muito difícil.
anos 1980 A década de 1980 foi, literalmente, um divisor de águas para a Casa Kieckbusch. Primeiro porque a loja ganhou sede nova, reformada, azulejada e com vitrine. E, logo em seguida, enfrentou as enchentes de 1983 e 1984, que inundaram a loja. Nessa época, a cadernetinha do fiado, os empregados e a bicicleta já haviam sido dispensados. Como o depósito fica no andar de cima, as perdas foram mínimas. Pelo menos as imediatas. Porque de lá para cá, foi a umidade do tempo que começou a se infiltrar. Os Kieckbusch nunca foram dados a investimentos em marketing ou publicidade. Nem caixa registradora a loja tem. O aparelho mais moderno é uma balança eletrônica, mas a de peso nunca deixou de ser usada. A qualidade e tradição dos produtos sempre foram o grande diferencial. Até o empresário Beto Carrero já foi cliente assíduo. Uma vez por ano ele fazia uma compra para mandar os artigos para a direção da Rede Globo, no Rio de Janeiro.
tEmpo Klaus tem 65 anos. Erica, 71. Ambos se sentem cansados. São quatro, cinco décadas de segunda a sexta das 7h às 19h. Aos sábados até o meio-dia. Sem férias. Apenas alguns dias esporádicos na praia. O que explica uma certa ansiedade para que chegue logo o dia 30. A aposentadoria vai garantir o de comer. Parte do estoque – que já não é muito – está sendo negociada com empresas que trabalham com artigos afins. O que não for vendido, será repartido na família. E a sala, posta para alugar. O tempo. Ele mais uma vez. Já faz tempo que os irmãos Kieckbusch vêm amadurecendo a ideia de fechar as portas do comércio. Os clientes protestam. Mas, além de se livrar do peso de um negócio que não traz mais lucros, tudo o que eles querem agora é ter tempo. Para arrumar suas casas, descansar, caminhar na praia. Para Erica e Klaus, dia 30, a última volta da chave na porta da Casa Kieckbusch vai encerrar um tempo. E começar outro.
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AderbAl vAi Ao Chão
Demolição do estádio do BEC causou comoção entre torcedores e ex-jogadores Isabela Kiesel
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e roupa esportiva, mochila e bola na mão, Manoel Brites Ramalho, 60 anos, conhecido como Duia, saiu de casa a pé ontem de manhã em direção ao Grêmio Esportivo Olímpico. Às 8h30min, ao passar diante do Estádio Aderbal Ramos da Silva, que sediou as atividades do Blumenau Esporte Clube (BEC) por mais de duas décadas e estava abandonado, percebeu movimentação. Pediu para entrar. Sozinho na arquibancada, o ex-zagueiro do Palmeiras chorou. Ele testemunhava a demolição do estádio,
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que começou ontem, às 7h. – Não tenho palavras para descrever um episódio lamentável como esse. A derrubada de um patrimônio maravilhoso da cidade. Vivi os melhores momentos da minha vida aqui dentro – comentou o ex-jogador. Durante as três horas em que observou a única máquina retroescavadeira trabalhar, Duia preencheu quatro páginas de um caderno que trazia na bolsa. Redigiu palavras de tristeza e memórias dos oito anos em que dividiu o campo do BEC com jogadores renomados do futebol, entre 1967 e 1975. Aproveitou também para rever fotos e recortes de jornais da época, que coincidentemente carregava na bagagem de mão para serem mostradas a um colega no Olímpico
ontem de manhã. O início da demolição trouxe dor também aos fanáticos do BEC. Quando surgiram os primeiros sinais de destruição, no paredão ao longo da Rua das Palmeiras, curiosos e torcedores paravam para observar. Havia quem balançasse a cabeça num gesto de discórdia, outros que tapavam o rosto, como quem não quisesse acreditar. – Cresci aqui dentro, fiz parte da torcida. Participei do mutirão da limpeza e recuperação do estádio no ano passado. Me seguro para não chorar. Blumenau já não tem estádio de futebol. Por que não conservaram o único que existia? – disse Leandro Izidoro, 30 anos, com os olhos cheios de lágrimas. (Colaboraram Giovanni Ramos e Rodrigo Pereira) Jornal de Santa Catarina 45 anos
a cidade naSceu negra
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2007 Antes da chegada dos imigrantes, eles já abriam as primeiras picadas. Os negros foram os primeiros a trabalhar na criação da colônia Blumenau
á uma outra Blumenau além da marcada pelas raízes alemãs, de gente galega, pele e olhos claros. Longe dos anúncios publicitários e panfletos turísticos, a cidade que carrega a máxima de loira assume a cor da miscigenação já na origem: foi erguida a partir do suor dos negros. Antes mesmo da fundação do município, em 1850, eles abriram as primeiras clareiras na mata fechada. Submetidos a jornadas de trabalho braçal e aprisionados para evitar fugas, escravos africanos levantaram a estrutura inicial para a implantação da colônia que deu origem à cidade. Registros de cartas mantidas entre Hermann Bruno Otto Blumenau e o cônsul geral do Brasil na Prússia, na época, Johann Jacob Sturz, confrontam com a versão oficial da fundação do município, propagada nas páginas dos livros de história e nas manifestações culturais cultivadas ao longo do tempo. Os documentos mostram que dois anos antes dos 17 imigrantes alemães considerados pioneiros desembarcarem na foz do ribeirão da Velha liderados por Doutor Blumenau, escravos já habitavam a região, contratados por fazendeiros da época. A exploração do trabalho braçal dos negros foi determinante – não só para a formação da estrutura inicial da colônia, mas também para a construção da cidade. Mesmo assim, eles continuam à margem na cidade que se orgulha dos traços europeus e da fama de Alemanha brasileira. – Ninguém fala que Blumenau começou pelo trabalho negro. Com a estruturação da colônia foi se criando um núcleo alemão, mas escravos tiveram papel fundamental. O projeto de colonização foi uma “higiene racial”, não visualizava a miscigenação – resume o professor e historiador André Voigt. Negros e pardos somam hoje mais de 17 mil pessoas no município. Ainda assim, a maioria deles permanece em guetos e distantes da paisagem enxaimel do Centro. São principalmente operários de fábricas e ajudam a construir as riquezas do município, assim como no passado, quando exerceram o trabalho mais pesado na implantação da colônia. Coube a eles a derrubada da mata fechada e a expansão das primeiras picadas. – Já existiam alemães na região que faziam uso com frequência da mão de obra dos negros antes de Doutor Blumenau chegar – confirma a professora responsável pelo Arquivo Histórico de Blumenau, Sueli Petry. jornal de Santa catarina 45 anos
Foto RaFaela MaRtins, bd, 8/11/2007
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Magali Moser
SebaStião ajudou na eStrada de ferro Sentado à beira da calçada da Rua Pedro Krauss Sênior, no bairro Vorstadt, Sebastião Correa Filho (foto) é levado pela melancolia a reviver o passado. No município desde 1940, o tijucano de 80 anos não cansa de dizer que ajudou a construir Blumenau. Ao longo da conversa, a atribuição que parecia pretensiosa é fortalecida pelas memórias do homem de braços fortes que contribuiu para erguer obras como a prefeitura e a Estrada de Ferro Santa Catarina. – Quando cheguei aqui, negro não tinha vez. Era
negro com negro e branco com branco. Cada um na sua repartição. Hoje já não tem mais isso, mas o preconceito é comum. Ainda me falam brincando que querem voltar aos outros tempos para nos escravizar – relata. Sebastião faz parte do grupo de imigrantes que veio para Blumenau a fim de trabalhar na construção da ferrovia. Assim como a maior parte dos operários da obra, ele passou a residir na primeira favela de Blumenau, a Farroupilha, no Morro do Boa Vista. Texto retirado de série publicada em três edições
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2008 Na fuga da enchente, mãe, filhas, netas, sobrinha e amigo acabam soterrados no abrigo. Floresta desabou sobre sete pessoas
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Foto tadeu Vilani, bd, 25/11/2008
Carlos Etchichury
o perceber as águas ocupando o pátio de sua casa, Maria Marlene Mendonça, 49 anos, juntou duas filhas, dois netos, uma sobrinha e um amigo e abrigou-se numa residência de alvenaria, na encosta de uma floresta vistosa e ainda nativa, no Sertão Verde, localidade de Gaspar. Julgavam-se seguros. – As casas aqui inundam, mas a floresta nunca tinha desmoronado – lembra Francisco Mendonça, 49 anos, marido de Maria. Eram 15h de domingo. Uma hora mais tarde, uma avalanche de lama e árvores engoliu a casa que servia de abrigo para a família. Todos morreram. A tragédia dizimou os Mendonça, abalou Francisco e enlutou Sertão Verde. Frequentador da Igreja Assembleia de Deus, Francisco, que escapou da morte porque não conseguiu voltar do trabalho, busca forças na fé para compreender tamanho infortúnio. – Era a hora delas. Só pode ser isso. Não tem outra explicação – diz o vigilante, que comemoraria em fevereiro 30 anos de casamento. Enquanto olha os retratos da família na sala de casa – aquela em que Maria temia permanecer e que nem sequer teve seus cômodos inundados –, Francisco se desespera: – Aqui não tenho mais como morar. Olha as paredes (aponta paras os retratos). Elas estão aí! Eu fiquei sozinho. Como vou continuar vivendo? Ele mesmo responde: – Preciso ajudar a minha outra filha (Jussara). Só restou eu e ela da nossa família. Ontem, em meio às perdas irreparáveis, o
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luto em família
Cobertura vencedora do Prêmio Esso Regional em 2009
No Sertão Verde, Gaspar, uma avalanche de lama atingiu a casa de alvenaria que protegia sete familiares sofrimento de Mendonça arrefeceu no meio da tarde. Mergulhados nos escombros, os corpos da filha Débora, 26 anos, (grávida de dois meses) e da netinha Ester, quatro anos, foram encontrados. Mãe e filha estavam abraçadas. A cena emocionou bombeiros e voluntários. – É uma das coisas mais tristes que já vi na minha vida – balbucia um dos soldados dos Bombeiros, com o rosto protegido por máscara de pano. Cerca de 30 metros de onde mãe e filha foram achadas, voluntários localizaram Géssica, 15 anos.Até o final da tarde, os corpos de Maria, 49, Elenai, nove, e
Charles, 19, permaneciam ocultos pela lama. Além de dizimar os Mendonça, a fúria da natureza destruiu a localidade. Escolas, creches, ruas e centenas de casas foram parcialmente destruídas. Derrotados pela perda dos bens e pela morte dos vizinhos, centenas de moradores concentravam seus esforços ontem retirando água de balde de seus cômodos ou removendo com pá camadas de até 30 centímetros de lama de seus bairros. – Levaremos muito tempo para nos recuperar – avisa Francisco. E complementa a frase antes de se despedir: – Se conseguirmos nos recuperar. Jornal de Santa Catarina 45 anos
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RESTAURANTE Tabajara Ltda O sonho de uma pessoa, que unido de talento, e boa vontade de várias outras, tornaram-se realidade, e Hoje o Jornal de Santa Catarina completa 45 Anos. PARABÉNS! Servimos para todo o Estado Banquetes, Cocktails, Buffet. Rua Alwin Schrader s/nº - (47) 3326-1269 – Blumenau/SC.
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Muitos anos de vida
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Blumenau tem 14 pessoas com mais de 100 anos. Ana Mineiro Sá, a Ciana, é uma delas. O que a conduziu à longevidade resume-se em uma palavra: coragem
Texto retirado de série publicada em quatro edições
Jornal de Santa Catarina 45 anos
iana dispensa a ajuda de quem se aproxima. Basta a bengala. Com a mão direita apoiada sobre o acessório de madeira envernizada, percorre os cômodos da casa de repouso onde vive, em Blumenau. Corredor, rampa, degrau. Ignora a coluna fraturada e a visão prejudicada pela catarata que nem os óculos de grau mais dão jeito. É toda desassossego. Aos 103 anos, completados dia 25 de março, faz questão de tirar a fragilidade cedo da cama. Coragem nunca lhe faltou. – Pra viajar em cima do cavalo, vesti calça comprida, camisa. Coloquei até chapéu. Igual ao meu marido Vicente quando puxava boi. A vizinha olhou: “Ciana, cê tá doida? Pensei que fosse um homem” – relembra, em tom de travessura, a transgressão protagonizada na primeira metade do século passado, quando calça era roupa masculina. Entre os fragmentos de memória, vêm à tona os que reforçam a personalidade destemida. Com a fala firme, segue orgulhosa a contar: – Eu meti a cara e aprendi a ler e escrever depois de botar os meus filhos pra estudar. Nunca quis filho analfabeto. Um coronel me ensinou a juntar as letras. Um dia, chegou lá em casa e me disse: “Vou te ensinar uma coisa. Não fala pra ninguém.” Eu respondi: “Falo, não”. O uso peculiar da negação depois do verbo numa conversa, como na resposta ao militar, dá a pista. Nasceu Ana Mineiro Sá em Mineirolândia, hoje distrito de Pedra Branca, sertão cearense. No vilarejo, distante 260 quilômetros da capital Fortaleza, cresceu sob os cuidados do irmão mais velho. Perdeu a mãe na infância. O apelido Ciana viria mais tarde. A origem, Ciana desconhece. Medo, só tem um: – Peço a Deus para não ficar prostrada, dependendo dos outros. A minha felicidade, na idade que eu tô, é eu ainda poder cuidar de mim. Casou-se uma vez, com Vicente. Teve cinco filhos. Representou uma projeção da própria mãe, com a qual gostaria de ter convivido mais tempo. – Diziam: “Tenho inveja de você. Teus filhos andam todos com roupa bordada” – conta Ciana, ao recordar o capricho empregado pelas próprias mãos nas vestimentas dos herdeiros. Quando o marido morreu, há 33 anos, mudou-se para a casa do filho em Blumenau. Deixou o Ceará muito antes de a cidade natal chegar aos atuais 42 mil habitantes. Uma metrópole perto do que era quando nasceu. Não demonstra ter saudade: – Aqui em Blumenau eu faço coisas que não podia fazer lá. Provavelmente, se refere ao tempo disponível para dedicar-se ao que chama de faxina. Um passatempo executado mais de uma vez por dia, na casa de repouso onde vive há 15 meses. Tira as roupas do armário individual, as dobra e guarda tudo novamente. No Ceará, a vida sempre foi dura. Carregou lata de água na cabeça e trabalhou em engenho de farinha. Fazia bolos e queijos para vender. Negou o modelo de união da época. Para Ciana, o papel da mulher estava longe de ser restrito às tarefas domésticas. – Eu gostei de um rapaz, primeiro. O Manoel me pediu em casamento. Mas, eu, casar com um homem para andar debaixo do braço dele? – indaga, convicta sobre a possibilidade de resposta ser única: não. Explicar por que Vicente a fez mudar de ideia é algo difícil. Quer seja pela idade avançada ou por tratar-se de uma daquelas inexplicáveis histórias de amor, silencia. Conserva no dedo anelar da mão direita a aliança de casamento. Talvez sejam lembranças desta história o motivo dos olhos umedecerem quando, orgulhosa do dom, canta sem desafinar: “Lua, manda tua luz prateada despertar a minha amada. Canto e por fim; nem a lua tem pena de mim; pois ao ver que quem te chama sou eu; entre a neblina se escondeu.” A quem dela se despede, Ciana deseja, como se resumisse em três palavras o que a conduziu a uma vida centenária: – Saúde. Força. Coragem. 23 de setembro de 2016
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foto Rafaela MaRtins, bd, 10/5/2011
Reportagem vencedora do Prêmio Longevidade Bradesco
Daiane Costa
7 e 8/9
2013
Onde a luz nãO ilumina Pelo menos 30 casas em áreas urbanas de Blumenau padecem da falta de energia elétrica Cristian Weiss
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foto Lucas amoreLLi, bd, 14/8/2013
ara eles, a TV empoeirada renunciou à vocação de animar. A sala de estar tornou-se sombria. O banho esfriou. A luminária da varanda rendeu-se à penumbra. E os dias tornaram-se mais breves. Tudo o que se podia esperar de uma vida de esforços era desfrutar o conforto ao final de cada jornada. Mas Seu Miranda, Laerte, Pedro, Genésio, a esposa Sandra e as cinco crianças estão excluídos sempre que o sol se põe. Em casebres de madeira ou de tijolos nus, moram onde a energia elétrica não chega, seja por faltar dinheiro para o poste particular ou por viver em área de risco. Habitam a zona urbana de Blumenau e como 130 mil famílias brasileiras veem a cidade se acender enquanto os lares são dominados pela escuridão. Eles têm água encanada e recebem correspondências. Gente que prefere a honestidade em abdicar o conforto à facilidade da ligação clandestina.
Jornal de Santa Catarina 45 anos
chiara veio à Luz na escuridão Se a vida começa ao renunciar à escuridão do ventre para enfrentar as luzes do mundo, Chiara quase contradiz a lei da natureza. Às 20h do dia 7 de dezembro de 2012, Sandra Marques, 37 anos, sentiu as contrações do parto se intensificarem. O marido, José Genésio Duarte, 44, responsável por trazer ao mundo pelas próprias mãos outros quatro filhos do casal, colocou colchão, almofada e cobertores na sala. Às 22h16min, nasceu Chiara, hoje com oito meses. Quando a menina chegou, a família estava nove meses sem eletricidade. A sala do parto foi iluminada por lâmpada de emergência a bateria e velas. O corte da luz ocorreu por atrasos no pagamento das faturas. O lar da família fica entre o Morro do Aipim e a Rua Pedro Krauss Sênior, no Vorstadt. Na vizinhança, a casa abaixo foi atingida por deslizamento em 2008. Desde então, vizinhos têm dificuldades para religar a energia. Precisam do aval da Defesa Civil. Há dois meses, a família juntou R$ 800 e quitou a dívida com a Celesc. – Agora que a gente teve condições de pagar à
vista, eles não estão querendo liberar porque o poste está na área de risco. Fico triste, magoada. TV, banho quente, não temos – lamenta Sandra. Genésio é engenhoso. Fez um balanço no fundo de casa para os filhos e para o rottweiler que guarda a casa. Sandra sai às 6h30min para o CEI Pedro Krauss, onde trabalha, com as duas caçulas. Genésio se divide em dois empregos, mas acompanha os maiores até o Colégio Pedro II. Voltam para casa às 17h45min. Sandra acende a vela, esquenta água no fogão e dá banho nas crianças. O mais velho prepara o café no bule, pois a cafeteira, assim como o micro-ondas, a geladeira e as panelas elétricas, está aposentada. Genésio alimenta o gosto pela leitura e espalha pela casa revistas e livros. Um dos filhos chegou a ocupar o topo da lista dos que mais emprestam livros da biblioteca da escola. Apesar das adversidades, a família segue unida a cada luz que se cintila. – Os outros têm eletricidade, nós temos um ao outro e damos um jeitinho – finaliza Genésio.
Laerte vê a cidade se acender Os olhos esmeralda de Laerte Loli, 47 anos, brilham com as luzes que se acendem no Vorstadt e na Ponta Aguda a cada anoitecer, enquanto, dentro de casa, o escuro toma conta. A morada 73 da Rua José Isidoro Correa, no Morro da Pedreira, ergueu com tijolos por R$ 3,2 mil. Morava um pouco abaixo há seis anos. Mas trocou a casa com o antigo dono de onde vive hoje, que lhe propôs a barganha após desentendimento com os vizinhos. Um trato pouco lucrativo, pois meses depois o ex-parceiro de negócios arrumou a rede e instalou luz na nova casa. Laerte permanece no escuro. Admite não ter se informado sobre o que precisa para ter energia. O lampião quebrado acima da porta é mera decoração. À noite, acende velas e prepara o chimarrão. As banquetas, uma cadeira de madeira, a cama de solteiro e mesas improvisadas se espremem no cômodo de 12 metros quadrados. No banheiro em construção, banho só de caneca e bacia. O fogão a gás aquece a água e cozinha o arroz, as verduras e a carne, comprados em porções, por faltar refrigeração. Laerte não tem emprego fixo, mas orgulha-se do legado. Chegou a Blumenau em 1986 e edificou um dos primeiros prédios da Ponta Aguda,
a sede da Caixa Econômica, o Viaduto da Via Expressa, reformou a Câmara de Vereadores e a rede de esgoto do Garcia. Os 15 anos de carteira assinada e a oitava série não lhe dão garantias e, assim, a depressão o persegue. Laerte sente falta do pai, que se foi há um ano e meio. Revisita fotografias, recorda do filho de oito anos doado a uma família italiana. Para superar a solidão, sintoniza o rádio a pilhas nas estações AM, FM e canais de TV. Fim da noite, deita-se, ouve mais um capítulo da novela e sonha com os desfechos da ficção. Em seus dramas reais, descobriu que sonhar é mais edificante que a ambição do conforto moderno. Com 20 anos, queria ser humorista, mas foi barrado pela timidez. Guarda duas passagens compradas por R$ 1,2 mil, em 2009. Em janeiro, voou de Navegantes a São Paulo. Em novembro, foi ao Rio de Janeiro. Nas duas viagens, teve dinheiro apenas para ir ao aeroporto e retornar de imediato. Nem sequer pisou o solo das metrópoles. – Queria voar de avião. Era um sonho. Se pudesse, queria ir para o estrangeiro, para Nova York. Mesmo sem a definição dos problemas, traça planos. Os olhos esmeralda brilham novamente: Laerte quer conquistar uma família. 23 de setembro de 2016
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23 de setembro de 2016 NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE