História da Igreja II Esta página tem por finalidade colocar à disposição dos meus alunos da Escola Teológica Rev. Celso Lopes o material referente às aulas da matéria título do blog.
Segunda-feira, 17 de Novembro de 2008 Questionário das aulas 10 a 13 História da Igreja II Questionário das aulas 10 a 13 1. Quem fundou a Igreja Presbiteriana do Brasil e, resumidamente, qual é a sua biografia? R. Ashbel Green Simonton foi o missionário fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil. Ele era membro de uma das inúmeras famílias de origem escocesa-irlandesa que viviam no Estado da Pensilvânia. Simonton nasceu em 20 de janeiro de 1833 na localidade de West Hanover, no sul daquele estado. Era o filho mais novo do Dr. William Simonton, um médico que também abraçou a carreira política, tendo sido eleito duas vezes para o Congresso dos Estados Unidos. A mãe de Simonton, Martha Davis Snodgrass, era filha do Rev. James Snodgrass, que durante 58 anos foi pastor da Igreja Presbiteriana local. 2. Apesar de Simonton ter chegado ao Brasil em 1859, somente bem depois foi fundada a Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. Por qual motivo e quando aconteceu a organização da IPRJ? R. Em virtude da falta de fluência na língua portuguesa, nos seus primeiros tempos no Brasil, Simonton limitou-se a proferir as suas prédicas em navios ancorados na Baía da Guanabara e em residências de estrangeiros. A partir de maio de 1861, o melhor domínio da língua permitiu que Simonton tivesse mais êxito em atrair interessados e ele manifestou a satisfação de finalmente poder anunciar a sua mensagem aos brasileiros (e portugueses) e ver os primeiros frutos. Assim, a 12 de janeiro de 1862 concretizou-se a primeira grande realização de Simonton, que foi a fundação da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. 3. No ano de 1864, dois acontecimentos marcaram a história da IPB. Quais foram eles? R. No dia 23 de outubro, o ex-sacerdote José Manoel da Conceição foi formalmente recebido como membro da igreja, após declarar publicamente a sua adesão à fé evangélica. Conceição havia sido pároco em várias cidades do interior de São Paulo e convivera com imigrantes protestantes. Sua ênfase às Escrituras e outras posições consideradas pouco ortodoxas levaram seus colegas a apelidá-lo de "padre protestante". Os seus contatos com o Rev. Blackford finalmente o levaram a romper com a religião que, conforme afirmou, havia inspirado os melhores atos da sua vida. Essa importante adesão deu grande publicidade ao novo movimento. Dois dias após a profissão de fé de Conceição, ocorreu o lançamento da Imprensa Evangélica, o primeiro periódico protestante do Brasil, que haveria de circular por 28 anos. 4. Descreva os acontecimentos ocorridos em 1865 e que deram grande impulso ao presbiterianismo no Brasil.
R. Em 1865, surgiram outras duas comunidades presbiterianas no Brasil, ambas na Província de São Paulo. O Rev. Blackford organizou em março a igreja da capital, em um salão localizado junto ao Largo de São Bento, e em novembro outra igreja na distante vila de Brotas, a última paróquia do ex-padre Conceição. Surgia assim um novo fenômeno no nascente protestantismo brasileiro — a conversão de grandes famílias residentes no interior; no caso de Brotas, as famílias Gouvêa e Cerqueira Leite. Agora, com a existência de três comunidades, foi possível a Simonton e seus colegas dar mais um passo importante na institucionalização do presbiterianismo no Brasil — a criação de um presbitério ou federação regional de igrejas. 5. Quando e onde foi instalado o Presbitério do Rio de Janeiro, e a qual Sínodo ficou vinculado? R. O Presbitério do Rio de Janeiro foi solenemente instalado no dia 16 de dezembro de 1865, na cidade de São Paulo. Era composto por apenas três pequenas igrejas e três missionários estrangeiros, e ficou filiado ao Sínodo de Baltimore, da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos. 6.Por qual motivo e quando foi fundado o primeiro Seminário Presbiteriano no Brasil? R. Simonton percebeu que a Igreja Presbiteriana do Brasil não poderia crescer e emancipar-se sem a preparação de líderes. Assim, no dia 14 de maio de 1867, tiveram início as aulas do Seminário do Rio de Janeiro, tendo como professores o próprio Simonton, seu colega Schneider e o pastor luterano Carlos Wagner. Essa modesta instituição teológica formou os quatro primeiros pastores presbiterianos nacionais: António Bandeira Trajano, Miguel Gonçalves Torres, Modesto Perestrello de Barras Carvalhosa e António Pedro de Cerqueira Leite. 7. Relacione as principais contribuições de Simonton, no sentido de lançar as bases do presbiterianismo no Brasil. R. 1. A fundação da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro (1862), a primeira comunidade reformada de língua portuguesa a ser estabelecida no Brasil (composta de brasileiros e portugueses). 2. A criação da Imprensa Evangélica (1864), o primeiro periódico evangélico de língua portuguesa a circular no Brasil. 3. A organização do Presbitério do Rio de Janeiro (1865). O presbitério é a instituição mais característica do sistema presbiteriano de governo, visto ser o órgão que ordena os ministros e supervisiona as igrejas locais. 4. O seu interesse pela educação, materializado na criação da escola paroquial anexa à igreja do Rio de Janeiro. 5. A sua preocupação com o treinamento de uma liderança presbiteriana nacional, traduzida na instalação do Seminário do Rio de Janeiro (1867), que formou os primeiros pastores de língua portuguesa. 6. O seu espírito tolerante e aberto, expresso no relacionamento próximo que teve com colegas de outras confissões evangélicas, como o congregacional Kalley e o luterano Wagner, e mesmo com sacerdotes da religião majoritária, com os quais dialogou frequentemente. 7. Seu interesse pela boa literatura evangélica no idioma pátrio. Além de seus editoriais e artigos na Imprensa Evangélica, escritos num português que faria inveja a muitos brasileiros, Simonton traduziu o Breve Catecismo de Westminster e outras obras, escreveu um comentário bíblico e deixou muitos sermões, alguns dos quais foram reunidos por seu cunhado Blackford e publicados nos Estados Unidos em 1868.
8. Sua visão de uma igreja que não devia isolar-se, mas inserir-se fortemente na sociedade, contribuindo decisivamente para o aperfeiçoamento ético, intelectual e espiritual dos indivíduos, das famílias e das instituições. 9. O desprendimento que demonstrou, deixando o conforto e a segurança da terra natal para dedicar a sua vida e esforços em benefício do povo brasileiro, continua a ser uma fonte de inspiração e motivação para os herdeiros do seu movimento. 8. Além da Igreja Presbiteriana do Brasil, que outras organizações religiosas têm base presbiteriana no Brasil? R. Atualmente, existem no Brasil várias denominações de origem reformada ou calvinista. Entre elas incluem-se a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, a Igreja Presbiteriana Conservadora, a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e algumas igrejas criadas por imigrantes vindos da Europa continental, tais como suíços, holandeses e húngaros. 9. Antes de Simonton, houve uma tentativa de introdução do calvinismo no Brasil que ocorreu em meados do século XVII através dos holandeses. Como se deu tal tentativa? R. No contexto da guerra contra a Espanha, a Companhia das Índias Ocidentais ocupou o nordeste brasileiro por vinte e quatro anos (1630-1654). O mais famoso governante do Brasil holandês foi o príncipe João Maurício de Nassau-Siegen, que aqui esteve apenas sete anos (1637-1644). Embora os residentes católicos e judeus tenham gozado de tolerância religiosa, a igreja oficial da colónia era a Igreja Reformada da Holanda, que realizou uma grande obra pastoral e missionária. Ao longo dos anos foram criadas 22 igrejas e congregações, dois presbitérios (Pernambuco e Paraíba) e até mesmo um sínodo, o Sínodo do Brasil (1642-1646). Além da assistência aos colonos europeus, a igreja reformada fez um notável trabalho missionário junto aos indígenas. Ao lado da pregação e do ensino, houve a preparação de um catecismo na língua nativa. Outros projetos incluíam a tradução das Escrituras e a ordenação de pastores indígenas, o que não chegou a efetivar-se. Com a expulsão dos holandeses, as igrejas nativas vieram a extinguir-se e, por um século e meio, desapareceram os vestígios do calvinismo no Brasil. 10. Simonton e seus companheiros eram todos da Igreja Presbiteriana do Norte dos Estados Unidos (PCUSA). Mas vieram para o Brasil missionário dos Sul dos Estados Unidos. Quando isso ocorreu, quem foram tais missionários e quais os resultados? R. Em 1869 chegaram os primeiros missionários da Igreja do Sul (PCUS): George Nash Morton e Edward Lane. Eles fixaram-se em Campinas, região onde residiam muitas famílias norte-americanas que vieram para o Brasil após a Guerra Civil no seu país (1861-1865). Em 1870, Morton e Lane fundaram a igreja de Campinas e, em 1873, o famoso, porém efêmero, Colégio Internacional. Os missionários da PCUS evangelizaram a região da Mogiana, o oeste de Minas, o Triângulo Mineiro e o sul de Goiás. O pioneiro em várias dessas regiões foi o incansável Rev. John Boyle, falecido em 1892. 11. Quem foram e como aconteceu o trabalho missionário dos presbiterianos no Norte e Nordeste do Brasil? R. Os obreiros da PCUS também foram os pioneiros presbiterianos no nordeste e norte do Brasil (de Alagoas até a Amazônia). Os principais foram John Rockwell Smith, fundador da igreja do Recife (1878); DeLacey Wardlaw, pioneiro em Fortaleza; e o Dr. George W. Butler, o "médico amado" de Pernambuco. O mais conhecido dentre os
primeiros pastores brasileiros do nordeste foi o Rev. Belmiro de Araújo César, patriarca de uma grande família presbiteriana. Além disso, os missionários da Igreja do Norte dos Estados Unidos, auxiliados por novos colegas, davam continuidade ao seu trabalho nos campos da Bahia e Sergipe, onde atuou, além de Schneider e Blackford, o Rev. John Benjamin Kolb. 12. Que fato marcou o desligamento da IPB das igrejas mães norte-americanas? R. Em setembro de 1888, foi organizado o Sínodo da Igreja Presbiteriana do Brasil, que assim tornou-se autônoma, desligando-se das igrejas-mães norte-americanas. O Sínodo compunha-se de três presbitérios (Rio de Janeiro, Campinas-Oeste de Minas e Pernambuco) e tinha vinte missionários, doze pastores nacionais e cerca de 60 igrejas. O primeiro moderador foi o veterano Rev. Blackford. O Sínodo criou o Seminário Presbiteriano, elegeu seus dois primeiros professores e dividiu o Presbitério de Campinas e Oeste de Minas em dois: São Paulo e Minas. 13.Quando foi organizada a Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana do Brasil e quem foi seu moderador? R. Em 1907, o Sínodo dividiu-se em dois (Norte e Sul) e em 1910 foi organizada a Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana do Brasil. O instalador da Assembléia Geral foi o veterano Modesto Carvalhosa, ordenado 40 anos antes. A Assembleia Geral foi instalada na Igreja do Rio de Janeiro, e o Rev. Álvaro Reis foi eleito seu primeiro moderador. 14. Como foi o período que terminou com a comemoração do centenário do presbiterianismo no Brasil? R. Nas décadas de 1930 a 1950, a IPB continuou a crescer e a aperfeiçoar a sua estrutura, criando entidades voltadas para o trabalho feminino, mocidade, missões nacionais e estrangeiras, literatura e ação social. O período terminou com a comemoração do centenário do presbiterianismo no Brasil. Nessa época, a igreja era constituída dos seguintes sínodos: (1) Setentrional: estendia-se de Alagoas até a Amazónia, estando o maior número de igrejas no Estado de Pernambuco; (2) Bahia-Sergipe: criado em 1950, quando o Presbitério Bahia-Sergipe, antigo campo da Missão Central, dividiu-se nos presbitérios de Salvador, Campo Formoso e Itabuna; (3) Minas-Espírito Santo: surgiu em 1946, abrangendo o leste de Minas e o Espírito Santo, a região de maior crescimento da igreja; (4] Central: formado em 1928, incluía o Estado do Rio de Janeiro, bem como o sul e o oeste de Minas Gerais; (5) Meridional: sínodo histórico (1910-47), abrangia São Paulo, Paraná e Santa Catarina; (6) Oeste do Brasil: foi formado em 1947, abrangendo todo o norte e oeste de São Paulo. No final da década de 50, foram entregues pelas missões os Presbitérios de Triângulo Mineiro, Goiás e Cuiabá. 15. Faça uma biografia resumida do primeiro ministro presbiteriano brasileiro. R. José Manoel da Conceição nasceu na cidade de São Paulo em 11 de março de 1822, tendo sido batizado treze dias depois. Era filho do português Manoel da Costa Santos e da brasileira Cândida Flora de Oliveira Mascarenhas. Dois anos mais tarde, a família mudou-se para Sorocaba, onde o menino foi criado e educado por seu tio-avô, o padre José Francisco de Mendonça. Desejoso de seguir o sacerdócio, foi para São Paulo, onde frequentou o curso anexo da Academia Jurídica e estudou teologia (1840-1842). Relacionou-se com protestantes e sentiu-se atraído por eles, levado pelo bom testemunho de suas vidas religiosas. Em Ipanema, visitou a família inglesa Godwin e as
casas dos alemães, impressionando-se com a maneira respeitosa como guardavam o domingo e com a prática da leitura da Bíblia e de livros religiosos. Em 1844 e 1845, Conceição foi sucessivamente ordenado diácono e presbítero da Igreja Romana, sendo enviado para Limeira. Começou a pregar mensagens evangélicas e a incentivar o povo a ler a Bíblia, sendo apelidado de "padre protestante". Preocupado com a situação, o bispo D Manoel Joaquim Gonçalves de Andrade passou a transferi-lo com frequência de uma paróquia para outra. No dia 23 de setembro de 1864, Conceição foi a São Paulo e foi hospedado por Blackford. Dois dias depois, um domingo, participou pela primeira vez de um culto protestante. No dia 28, obteve uma audiência com o bispo e lhe comunicou que estava deixando o sacerdócio e a Igreja Católica Romana. Uma semana mais tarde, em 4 de outubro, partiu com o missionário para o Rio de Janeiro, deixando em mãos de um amigo a carta de renúncia que devia ser entregue a D. Sebastião. Sua chegada à capital do império causou sensação e quando pregou pela primeira vez, no dia 9, a sala ficou repleta. Fez amizade imediata com o Rev. Ashbel Simonton, que ainda sentia a morte da esposa ocorrida há três meses. No dia 23 de outubro de 1864, Conceição fez a sua pública profissão de fé e foi batizado pelo Rev. Blackford. O Rev. Simonton proferiu breves palavras, e o ex-padre explicou aos presentes o passo que havia dado. A série de conferências que fez foi o seu primeiro trabalho como evangélico. Sendo culto e eloquente, a sua conversão causou consternação no clero católico. Em dezembro de 1865, Conceição foi ordenado pastor presbiteriano. 16. Em linhas gerais como foi o ministério do Rev. Manoel da Conceição? R. O Rev. Conceição exerceu o seu ministério de maneira sacrificial e abnegada. Seu método era ir de vila em vila e de casa em casa, pregando, lendo e expondo a Bíblia. Vivia como um nômade, pregando em toda parte e experimentando toda sorte de privações, que lhe prejudicaram a saúde. Passava a noite em qualquer lugar que lhe oferecessem e, em sinal de reconhecimento, servia de enfermeiro a algum doente ou prestava pequenos serviços, como varrer e lavar. Alimentava-se de maneira frugal e o seu único vestuário era o que lhe cobria o corpo. Nas longas peregrinações, ocupava as horas vagas escrevendo a lápis sermões, traduzindo artigos e fazendo anotações curiosas sobre tudo o que observava. 17. Antes do Rev. Ashbel Green Simonton, houve alguma instituição que atuou na área de evangelismo, no Brasil? Quais e como? R. Geralmente se afirma que as missões protestantes no Brasil tiveram início em caráter definitivo com a chegada dos Revs. Robert Reid Kalley e Ashbel Green Simonton, na década de 1850. Todavia, muitos anos antes havia surgido a primeira manifestação significativa do protestantismo missionário no país, que foi o trabalho das sociedades bíblicas, a Britânica e Estrangeira, fundada em 1804, e a Americana, fundada em 1816. A sociedade inglesa começou a enviar Bíblias para o Brasil de modo regular poucos anos antes da independência. Essas Bíblias, impressas na Inglaterra, geralmente eram na versão do padre António Pereira de Figueiredo, visando facilitar a sua aceitação no ambiente católico. Inicialmente foram trazidas por capitães de navios, comerciantes e diplomatas. Mais tarde as sociedades bíblicas passaram a ter os seus próprios agentes no Brasil. 18. As sociedades bíblicas usaram de que expediente para distribuir Bíblias pelo vasto território brasileiro? R. Para facilitar a distribuição das Bíblias, principalmente no vasto interior do país, as sociedades passaram a contratar “colportores", homens simples, dedicados e corajosos
que escreveram algumas das páginas mais inspiradoras da história da evangelização do Brasil. 19. Como atuavam os colportores? R. Eles saíam por toda parte, deslocando-se a cavalo, de trem, barco e a pé, vendendo Bíblias, Novos Testamentos, panfletos e periódicos a quem encontrassem. Por força do seu trabalho, eram também evangelistas e plantadores de igrejas. Foram companheiros e, com frequência, precursores dos missionários e dos pastores nacionais. O trabalho destes últimos muitas vezes foi facilitado pela atuação dos incansáveis colportores. 20. Dentre os colportores que atuaram no Nordeste, descreva um que se destacou por seu trabalho junto a igrejas e congregações presbiterianas. R. Muitos colportores eram nordestinos e trabalharam na sua própria região. Um dos mais destacados foi o paraibano Francisco Filadelfo de Souza Pontes, que colaborou com o Rev. Alexander Blackford quando este era agente da Sociedade Bíblica Americana (1877-1880), acompanhando-o numa visita ao Maranhão em 1878. Pontes fez longas viagens de colportagem e de evangelização do rio São Francisco para o norte. Esteve à frente da congregação presbiteriana de Goiana e por dois anos, até o final de 1883, dirigiu a da Paraíba (João Pessoa), em meio a fortes perseguições. Residiu por dois anos em Caxias, no Maranhão, onde estabeleceu a congregação presbiteriana, e por onze anos em Teresina. 21. Houve algum pastor presbiteriano que foi colportor? R. Os primeiros pastores presbiterianos nacionais foram todos colportores quando ainda eram aspirantes ao ministério. No Nordeste, houve os discípulos do Rev. John R. Smith: João Batista de Lima, José Francisco Primênio da Silva e Belmiro de Araújo César. Referindo-se a Smith, Themudo Lessa afirmou: "De largo descortino como missionário, soube rodear-se de um corpo seleto de colportores-catequistas, que foram desbravando o terreno para a sementeira que se ia fazer. Eram homens de fé e de coragem, prontos a arrostar perseguições por amor da causa em que se empenhavam". 22. Como o Rev. Boanerges Ribeiro registrou as dificuldades enfrentadas por muitos colportores. R. "Em 1864 o delegado expulsava um colportor de Santo Amaro, Bahia, depois de apreender seus livros. Em 1867 um delegado negava licença para vender Bíblias em Sergipe. Em 1869, em Santos, um delegado expulsava o colportor da cidade, obstando a que retirasse um caixote de Bíblias da alfândega. Em 1871, em Olinda, o Vigário Capitular apreendia as Bíblias de um colportor previamente detido pelo delegado de polícia. Em 1873 em Guaratinguetá um colportor era ameaçado de espancamento, após violento sermão do padre contra suas Bíblias - e tinha de retirar-se... Colportores sempre foram parte valiosíssima do staff missionário, nesses anos iniciais. Precediam os pregadores; sofriam os primeiros embates da oposição, e os enfrentavam. Abriam novas frentes evangelísticas. Homens rústicos, primários na instrução, dedicados e decididos, pouco valeu contra sua presença constante, o latim, a artilharia patrística e a alta posição dos bispos: abriram caminho, espalharam Bíblias, deixaram atrás de si famílias prontas para aderir ao protestantismo". Postado por Pastor Pedro às 10:38 0 comentários Marcadores: Questionário das aulas 10 a 13
Sábado, 4 de Outubro de 2008
Questionário – Aulas de 1 a 9 1. Em fins do século XVI, por conta do trabalho dos jesuítas no Brasil, milhares de índios haviam se tornado escravos dos portugueses. A reação dos índios não tardou. Tal reação veio sob que forma? R. Logo apareceu um culto messiânico que combinava elementos do cristianismo com outros vindos das tradições dos próprios índios, os quais começaram a falar de um salvador, a quem chamavam "Santo", que os livraria do jugo dos portugueses, e faria deles seus escravos. Esse culto, que recebeu o nome de santidade, logo se espalhou tanto entre os índios dominados como entre os que continuavam escondidos nas selvas. 2. O culto da santidade preocupou o governo do Brasil colônia. Para por fim a esse culto, que medida tomou o governador? R. O governador decidiu fazer uso de um mestiço, a quem os portugueses chamavam de Domingo Fernandes Nobre, e os índios, de Tomocauna, para pôr fim a ameaça daquele movimento. 3. Quem era Tomocauna? R. Tomocauna era um traficante de escravos que se acostumara a penetrar no coração do Brasil, ganhar a confiança de alguma tribo, e regressar com milhares de escravos. 4. Como agiu Tomocauna e qual o resultado de sua ação? R. Tomocauna dirigiu-se ao quartel general da santidade, onde moravam o "papa" e sua esposa, "a mãe de Deus". O resultado da sua expedição foi que convenceu a um bom número dos adeptos desse culto que lhes convinha viver na plantação do colono Fernão Cabral de Ataíde, que havia custeado a empresa. Junto com aqueles índios, Tomocauna regressou às terras de Cabral, e este os recebeu e lhes permitiu viver ali, em troca de seus trabalhos. 5. Quem foi o líder da colônia francesa que se estabeleceu na Baia de Guanabara. R. Nicholas Durand de Villegagnon, um hábil soldado que tinha se destacado em várias campanhas europeias. 6. Qual a importância de Villegagnon para a História da Igreja Reformada no Brasil? R. Villegagnon escreveu a Calvino pedindo-lhe que enviasse pastores protestantes. E a 10 de março de 1557, na ilha de Villegaignon, então Forte de Coligny, se celebrou o primeiro culto evangélico, segundo o rito calvinista, em terras do Brasil e, aliás, da América do Sul. 7. Nos séculos XVII e XVIII, a teologia na Europa ia se tornando rígida, acadêmica e fria. O propósito dessa teologia, por mais que se mostrasse aberta para a Palavra de Deus, foi manter e defender o que outros antes haviam proposto. Nesse cenário, o que estava tomando o lugar da fé e do amor? R. O dogma veio a ocupar o lugar da fé viva, e a ortodoxia parecia tomar o lugar do amor. Assim, os dogmas se contrapuseram às dúvidas da época e deram lugar às ortodoxias rígidas, tanto entre católicos como entre luteranos e reformados. 8. Antes da Guerra dos 30 Anos, na Alemanha, onde surgiram os primeiros conflitos? R. Os primeiros conflitos, que posteriormente levaram à guerra, tiveram lugar em Donauwörth.
9. De que privilégio a cidade de Donauwörth gozava e qual o resultado disso? R. Donauwörth contava com certas leis e privilégios e, entre eles, o de decidir acerca de sua própria religião, e havia optado pelo luteranismo vários anos antes. Seguindo a prática comumente aceita a partir de então, só se admitiam protestantes como cidadãos. O resultado foi que, praticamente, toda a população era protestante, com a notável exceção de uns monges, a quem se permitia o livre exercício de sua religião, desde que não molestassem aos cidadãos com procedimentos ou outras mostras externas de sua fé. 10. Quem era o duque Maximiliano de Baviera e o que ele fez em Donauwörth? R. Maximiliano era um católico convencido, cria que a heresia protestante devia extirpar-se a sangue e fogo. Armado de um edito imperial que o autorizava, instalou-se em Donauwörth e começou a obrigar seus habitantes a serem católicos. 11. Qual foi a reação dos protestantes contra Maximiliano? R. No princípio de 1608, os protestantes organizaram a União Evangélica com o propósito de defender-se frente aos católicos. 12. Em contrapartida, o que fizeram os católicos e qual a conseqüência? R. Os católicos responderam no ano seguinte, fundando a Liga Católica. Desse modo, o Império Alemão parecia ficar dividido em dois lados. Mas, era certo que a Liga Católica era muito mais forte que a União Evangélica. 13. Que episódio marcou o começo da Guerra dos Trinta Anos? R. Numa reunião em Praga, o Conselho Real negou-se a dar ouvidos aos reclamos dos protestantes. Estes se exaltaram e jogaram pela janela dois dos principais católicos. Esse episódio, que se conhece como a "Defenestracão de Praga", marcou o começo da Guerra dos Trinta Anos, provavelmente a mais cruel e desastrosa que a Europa conheceu antes do século XX. 14. Na Guerra dos 30 Anos, qual foi a posição da Boêmia? R. A Boêmia tinha se declarado em rebelião aberta contra Fernando II, imperador católico da Alemanha, e contava com o apoio da União Evangélica e da Inglaterra. 15. Nessa situação, o que fez o Imperador Fernando II? R. O Imperador recorreu aos recursos da Liga Católica e de seu chefe Maximiliano da Baviera. Maximiliano juntou todos seus recursos para invadir a Boêmia. 16. Quais as conseqüências da invasão da Boêmia por Maximiliano da Baviera? R. Na Boêmia, os principais chefes protestantes foram executados. A muitos outros, privaram-lhes de suas propriedades. Decretaram-se leis proibindo hospedar ou ajudar de qualquer modo os pastores luteranos e hussitas. Cada vez, eram mais os que sofriam por sua fé. Por último, determinou-se que, para a Páscoa da Ressurreição de 1626, quem não estivesse disposto a fazer-se católico, teria que abandonar o país. O resultado de tudo isso foi tal que se calcula que, nos trinta anos que durou a guerra, a população da Boêmia diminuiu em oitenta por cento. 17. Em 1622, que personagem católico da França ganhou destaque e poder? R. Em 1622, começou a ganhar ascendência na corte o cardeal Armando de Richelieu que, dois anos mais tarde, chegou a ser o principal conselheiro do Rei.
18. Qual era a política religiosa de Richelieu? R. Richelieu era um político de grande habilidade, cujos principais objetivos eram o engrandecimento da coroa francesa e do seu próprio poder pessoal. Ainda que cardeal da igreja romana, sua política religiosa não se baseava em considerações teológicas ou confissões, mas sim nas conveniências. Assim, uma vez convencido de que o principal inimigo dos Bourbons que reinavam na Franca era a Casa de Áustria, interveio na Guerra dos Trinta Anos, a favor dos protestantes e contra o Imperador que era dessa casa. 19. Se Richelieu agiu assim, a favor dos protestantes na Alemanha, como foi na própria França? R. Para Richelieu era bom dividir a Alemanha, apoiando o partido protestante frente ao Imperador. Mas, na França, era preciso destruir o partido huguenote, considerado um quisto dentro do Estado. Isto se devia tanto à doutrina dos protestantes, como ao ato de Henrique IV que, para garantir-lhes a paz, lhes havia concedido várias praças fortes e, graças a elas, os huguenotes, ao tempo em que se declararam fiéis súditos da coroa, estavam em condições de se oporem a ela, caso seus direitos fossem quebrados. O espírito centralizador de Richelieu não podia tolerar a existência desse "estado dentro do estado". 20. No que resultou os esforços de Richelieu contra os protestantes? R. Os esforços de Richelieu por desfazer-se do "quisto protestante" culminaram com o cerco de La Rochelle, a principal praça forte dos huguenotes. O cerco durou um ano, durante o qual os defensores enfrentaram valentemente o melhor do exército francês. Quando, por fim, a cidade se rendeu, não restaram mais que 1.500 dos seus 25.000 habitantes, muitos deles enfermos e esqueléticos. Após a rendição da cidade, suas defesas foram destruídas, e o culto católico celebrou-se em todas as igrejas. 21. O que vieram a ser os chamados “cristãos do deserto”, na França? R. Oficialmente, a partir da investida de Richelieu, não havia protestantes na França. Mas, o fato é que muitos dos supostamente convertidos ao catolicismo seguiam sustentando suas crenças e buscavam um modo de continuar reunindo-se para celebrar o culto protestante. Para muitos deles, tais reuniões se faziam necessárias, porquanto levavam uma pesada carga na consciência por terem renunciado à sua fé. À falta de templos, os bosques e os campos tornaram-se lugares de adoração. De noite, às escondidas, por todas as partes do país, congregavam-se dezenas e até centenas de pessoas para escutarem a Palavra. O zelo com que se guardava o segredo de tais reuniões era admirável, pois raramente os agentes do governo descobriam o lugar e a hora marcados. Mas, quando conseguiam surpreender um culto, todos os presentes eram agarrados e enviava-se os homens para remarem nas galeras e as mulheres à prisão pelo resto de seus dias. Os pastores recebiam sentença de morte, e seus filhos eram arrebatados do seio de suas famílias para serem educados como católicos. Mas, apesar disso, o movimento continuava e, repetidamente, chegavam notícias disso aos ouvidos dos agentes reais, cujo redobrado zelo não conseguiu afogar os "cristãos do deserto", como passaram a ser chamados. 22. Na Inglaterra, como viviam os puritanos e a que se oponham? R. Os puritanos insistiam na necessidade de levar uma vida sóbria, segundo os mandamentos bíblicos. Sua oposição a boa parte do culto oficial relacionava-se com a pompa que fazia parte dele, pois, para eles, todo luxo ou ostentação devia ser evitado.
Muitos insistiam na necessidade de guardar o Dia do Senhor, dedicando-se exclusivamente aos exercícios religiosos e à prática da caridade. 23. Quem foi e como agiu, na Inglaterra e na Escócia, um dos mais decididos adversários do puritanismo? R. Em 1633, William Laud foi feito arcebispo de Canterbury. Era um homem cuidadoso com a beleza do culto e convencido de que o bem estar social requeria uma igreja monolítica. Suas medidas contra os puritanos foram cada vez mais cruéis, e não faltaram penas de morte nem mutilações ordenadas por ele. O Rei Carlos I cometeu o erro de dar-lhe plenos poderes sobre a Escócia, onde Laud tratou de impor a liturgia e outros elementos da Igreja Anglicana. 24. Em meio aos conflitos na Inglaterra, o Parlamento convocou uma assembléia de teólogos para o aconselhar em matéria religiosa. Que assembléia foi essa? R. Essa foi a famosa Assembléia de Westminster, cuja Confissão veio a ser um dos principais documentos da ortodoxia calvinista. Essa Assembléia continha, além de cento e vinte e um ministros e trinta leigos nomeados pelo Parlamento, oito comissários escoceses. Visto que os escoceses representavam, naquele momento, o mais forte exército que existia na Grã-Bretanha, o valor de seus comissários na Assembléia foi decisivo. 25. O que foi o Concílio de Trento e em que se baseava seu programa? R. O Concílio de Trento, no ano de 1563, fixou o que seria a ortodoxia católica durante os próximos quatro séculos. Além disso, promulgou todo um programa de reforma, o qual se baseava na centralização do poder em torno da pessoa do papa. 26. Em que aspecto, o Concílio de Trento condenava as posições protestantes e como se posicionava em relação a Agostinho? R. O Concílio de Trento condenou categoricamente as proposições de Lutero e Calvino, acerca da graça e da predestinação. Mas havia quem temesse que uma interpretação extrema das decisões desse concílio pudesse vir a contradizer os ensinos do grande mestre Santo Agostinho, acerca desses temas. Portanto, desde o fim do século XVI, particularmente nas universidades de Salamanca e Louvain, suscitaram-se disputas sobre a graça, a predestinação e o livre arbítrio. 27. Cornélio Jansen, bispo de Ypres, escreveu uma obra famosa. Que obra foi essa e consistia em que? R. Em 1640, publicou-se, postumamente, a volumosa obra de Jansen, “Agostinho”, que causou grande agitação. A obra em si não pretendia ser mais que um estudo e exposição dos ensinamentos do grande bispo de Hipona. Mas, o que Jansen propunha com ela, era mostrar que Agostinho havia ensinado a primazia e a necessidade da graça de um modo que não concordava com as doutrinas comumente aceitas pela igreja romana — propostas principalmente pelos jesuítas. Esta era uma tarefa a que Jansen havia se consagrado secretamente, anos antes, para a qual se propunha a ler e reler todas as obras de Agostinho, tantas vezes quantas fossem necessárias. Portanto, seu livro apresentava argumentos contundentes com os quais confirmavam sua interpretação de Agostinho e não podia, senão, causar sérias controvérsias. 28. Qual papa condenou o jansenismo? R. O papa Clemente XI, em 1713, mediante a bula Unigénitas, condenou
categoricamente o jansenismo e seus chefes. 29. Em que consistia a reforma proposta e começada por Martinho Lutero? R. A reforma proposta e começada por Lutero era de caráter doutrinário e não meramente prático. Lutero criticava a corrupção que se havia tornado tão comum na vida da igreja. Mas esse não era o tema principal de seu conflito com a Igreja Romana. Esse conflito devia-se a razões teológicas. Por isso, Lutero estava convencido de que a reta doutrina era de especial importância para a vida da igreja. 30. Qual a principal característica do escolasticismo protestante? R. A principal característica do escolasticismo protestante foi sua ênfase no pensamento sistemático. Lutero nunca tratou de expor todo um sistema de teologia, nem sequer de desenvolver tal sistema. Mas os teólogos da escolástica protestante escreveram grandes obras sistemáticas que tanto por sua extensão como pelo detalhe de suas análises, podiam comparar-se às grandes sínteses da escolástica medieval. 31. Quais foram os importantes legados da escolástica protestante? R. Ainda que a escolástica protestante tenha caído em desuso em fins do século XVIII, deixou dois legados importantes: sua doutrina da inspiração das Escrituras e seu espírito de rigidez confessional. 32. Que importante declaração fez o Sínodo de Dordrecht? R. “A eleição é o propósito imutável de Deus, mediante o qual, antes da fundação do mundo e por pura graça, escolheu dentre toda a raça humana... a certo número de pessoas a serem redimidas em Cristo”. 33. Quais são as cinco doutrinas básicas do calvinismo publicadas pelo Sínodo de Dordrecht? R. Os Cânones do Sínodo de Dordrecht promulgaram cinco doutrinas contra os arminianos e, a partir daí, essas doutrinas se fizeram parte fundamental do calvinismo ortodoxo. A primeira dessas doutrinas é a da eleição incondicional. Isso queria dizer que a eleição dos predestinados não se baseava no conhecimento que Deus tem do modo pelo qual cada um responderá ao oferecimento da salvação, senão unicamente no inescrutável beneplácito divino. O segundo dos princípios de Dordrecht afirma a limitada expiação. Os arminianos afirmavam que Jesus Cristo havia morrido por todo o gênero humano. Frente a eles, o Sínodo de Dordrecht declarou: ainda que o sacrifício de Cristo seja suficiente para toda a humanidade, Jesus Cristo morreu para salvar unicamente os eleitos. Em terceiro lugar, Dordrecht ainda afirmou que, embora reste no ser humano caído certo vestígio de luz natural, sua natureza foi corrompida de tal modo que essa luz não pode ser usada corretamente. Isto é certo, não somente ao que se refere ao conhecimento de Deus e à conversão, mas também no que se refere às coisas "civis" e "naturais". A quarta doutrina fundamental de Dordrecht é a da graça irresistível. Por último, o Sínodo afirmou a perseverança dos santos, ou seja, a doutrina segundo a qual os eleitos têm de perseverar na graça. Embora isto não seja obra sua, senão de Deus, servirá para dar-lhes confiança em sua salvação, firmeza no bem, ainda que vejam o poder do pecado atuando neles. Postado por Pastor Pedro às 11:52 2 comentários Marcadores: Questionário 1 a 9
Terça-feira, 6 de Novembro de 2007 Aula 13 - COLPORTORES
HERÓIS ESQUECIDOS DA OBRA MISSIONÁRIA NO BRASIL Geralmente se afirma que as missões protestantes no Brasil tiveram início em caráter definitivo com a chegada dos Revs. Robert Reid Kalley e Ashbel Green Simonton, na década de 1850. Todavia, muitos anos antes havia surgido a primeira manifestação significativa do protestantismo missionário no país, que foi o trabalho das sociedades bíblicas, a Britânica e Estrangeira, fundada em 1804, e a Americana, fundada em 1816. A sociedade inglesa começou a enviar Bíblias para o Brasil de modo regular poucos anos antes da independência. Essas Bíblias, impressas na Inglaterra, geralmente eram na versão do padre António Pereira de Figueiredo, visando facilitar a sua aceitação no ambiente católico. Inicialmente foram trazidas por capitães de navios, comerciantes e diplomatas. Mais tarde as sociedades bíblicas passaram a ter os seus próprios agentes no Brasil. 1. Pioneiros ilustres Dois homens ligados à Sociedade Bíblica Americana tornaram-se famosos na história do protestantismo brasileiro: o metodista Daniel P. Kidder e o presbiteriano James C. Fletcher. Kidder esteve no Brasil de 1837 a 1840, como integrante de uma missão metodista no Rio de Janeiro. Viajou amplamente pelo país, vendendo Bíblias e fazendo contatos com pessoas de destaque. Escreveu um valioso livro dando suas impressões sobre o país: Reminiscências de viagens e permanência no Brasil (1845). Fletcher, que esteve no Brasil na década de 1850, também promoveu a distribuição das Escrituras, ao lado de muitas outras atividades. Ele atualizou o livro de Kidder, publicando-o sob o título O Brasil e os brasileiros (1857). Outros pioneiros importantes nessa área foram o escocês Richard Holden e o americano Hugh C. Tucker. Duncan A. Reily observa que desde a vinda dos primeiros missionários houve estreita conexão entre a obra denominacional e a bíblica, pois o conhecimento da Bíblia era tido como base indispensável para o trabalho evangélico. Para facilitar a distribuição das Bíblias, principalmente no vasto interior do país, as sociedades passaram a contratar ncolportores", homens simples, dedicados e corajosos que escreveram algumas das páginas mais inspiradoras da história da evangelização do
Brasil. Eles saíam por toda parte, deslocando-se a cavalo, de trem, barco e a pé, vendendo Bíblias, Novos Testamentos, panfletos e periódicos a quem encontrassem. Por força do seu trabalho, eram também evangelistas e plantadores de igrejas. Foram companheiros e, com frequência, precursores dos missionários e dos pastores nacionais. O trabalho destes últimos muitas vezes foi facilitado pela atuação dos incansáveis colportores. O Rev. Edward Lane afirmou: O trabalho do colportor é o braço direito do missionário; o que ele faz distribuindo a Palavra de Deus não pode ser subestimado". Muitos desses obreiros trabalharam sob os auspícios dos primeiros grupos evangélicos do Brasil: congregacionais, presbiterianos, metodistas e batistas. Durante boa parte do século 19 e a primeira metade do século 20, foram muitos os colportores que atuaram no Brasil. Alguns deles se tornaram figuras lendárias, como o espanhol Tomás Gallart, batizado pelo Rev. Kalley em 1861, que percorreu todo o rio São Francisco e o litoral desde o Amazonas até o rio da Prata, vindo a falecer em 1876. Outro personagem famoso de um período posterior foi Frederick C. Glass, que publicou o livro Adventures wíth the Bible in Brazíl (Aventuras com a Bíblia no Brasil). Trabalhou em Mato Grosso e outras regiões do interior do Brasil. 2. A contribuição dos imigrantes Em seu livro mais conhecido, o Rev. Vicente Themudo Lessa menciona muitos colportores que tiveram ligações com a obra presbiteriana no Brasil. Vários desses obreiros eram portugueses e foram membros da Igreja Evangélica Fluminense, fundada em 1858 pelo Rev. Robert Kalley. É o caso de Manoel José da Silva Viana, que ingressou nessa igreja em 1866 e dois anos mais tarde foi enviado a Pernambuco como colportor da Sociedade Bíblica Britânica. Foi ordenado diácono da Igreja Fluminense em 1872. Fundou e pastoreou até 1877 a Igreja Evangélica Pernambucana (organizada pelo Rev, Kalley em 1873). Voltou então a trabalhar como colportor, desta vez com a Sociedade Bíblica Americana, sob a supervisão do Rev. John Rockwell Smith, o pioneiro presbiteriano do Nordeste. Em 1879 tornou a servir a Sociedade Britânica, vindo a falecer em Recife em 1880. Iniciou o trabalho evangélico na Paraíba e também em Alagoas e Sergipe. Dois desses lusitanos foram pioneiros da obra evangélica na capital paulista. António Marinho da Silva, outro membro da Igreja Fluminense, trabalhou por dez meses em São Paulo em 1862, no interior e na capital, como colportor da Sociedade Bíblica Britânica. Acompanhou o Rev. João Fernandes Dagama na primeira visita deste à cidade de Campos, em 1872. Por sua vez, Manoel Pereira da Cunha Bastos, um diácono da Igreja Fluminense, era colportor da Sociedade Bíblica Americana. Foi enviado a São Paulo pelo Rev. Simonton poucos meses antes da chegada do Rev. Alexander L. Blackford e contribuiu para a conversão dos primeiros membros da Igreja Presbiteriana. João António de Menezes era irmão do Rev. Manoel António de Menezes, a quem evangelizou. Trabalhou para a Sociedade Bíblica Britânica em muitos pontos do Nordeste brasileiro, inclusive no interior do Maranhão, e faleceu em 1930. Francisco da Gama, um irmão do Rev. João F. Dagama, foi um dos primeiros membros da Igreja Fluminense e um dos primeiros colportores a trabalhar no Brasil. Outro estrangeiro que se destacou como colportor foi o italiano Bartolomeu Reviglio, um dos antigos membros da Igreja Presbiteriana de São Paulo, na qual professou a fé em 1867. Mais tarde tornou-se membro da Igreja de Rio Claro. Foi incansável colportor e evangelista, tendo auxiliado os Revs. João Fernandes Dagama, Robert Lenington e outros missionários no interior de São Paulo e no sul de Minas Gerais. Enfrentou dificuldades e perseguições em árduas viagens e faleceu em 1901. O alemão Jacó Filipe Wingerther residiu por muito tempo nos Estados Unidos, de onde veio para o Brasil em
1867, na companhia de imigrantes sulistas. Em 1870 foi convidado pelo Rev. Edward Lane para trabalhar entre os colonos de origem alernã residentes no interior de São Paulo. Foi presbítero da Igreja de Mogi-Mirim, tendo visitado muitos locais na Mogiana, Triângulo Mineiro e sul de Goiás. Fez diversas viagens na companhia dos Revs. John W. Dabney, John Boyle, Delfino Teixeira e Miguel Torres. Trabalhou inicialmente com a Missão de Nashville e depois com a Sociedade Bíblica Americana. 3. De norte a sul Muitos colportores eram nordestinos e trabalharam na sua própria região. Um dos mais destacados foi o paraibano Francisco Filadelfo de Souza Pontes, que colaborou com o Rev. Alexander Blackford quando este era agente da Sociedade Bíblica Americana (1877-1880), acompanhando-o numa visita ao Maranhão em 1878. Pontes fez longas viagens de colportagem e de evangelização do rio São Francisco para o norte. Esteve à frente da congregação presbiteriana de Goiana e por dois anos, até o final de 1883, dirigiu a da Paraíba (João Pessoa), em meio a fortes perseguições. Residiu por dois anos em Caxias, no Maranhão, onde estabeleceu a congregação presbiteriana, e por onze anos em Teresina. Regressou à Paraíba, onde faleceu em 1909. João Mendes Pereira Guerra converteu-se em Goiana em 1878 e foi presbítero da Igreja do Recife. Auxiliou o Rev. John R. Smith e outros missionários do Nordeste. Suas viagens de colportagem estenderam-se até o Amazonas. Residiu por breve tempo em São Luís e por muitos anos no Ceará. O congregacional Jerônimo de Oliveira também auxiliou o Rev. Smith. Trabalhou em Pão de Açúcar e outros locais às margens do rio São Francisco, e no litoral até Belém do Pará. Voltando a Pernambuco, pastoreou a Igreja Recifense, fundada por ele em 1889. Mais tarde tornou-se pastor batista. Outros colportores menos conhecidos que atuaram no Norte e Nordeste foram Silvino Neves, que trabalhou no Maranhão (São Luís, Rosário, Caxias) e em Teresina; Alexandre da Gama, que trabalhou em Nazaré (Paraíba) e no Rio São Francisco, indo depois para a Bahia, onde foi auxiliar do Rev. Blackford; e José Clementino, que também trabalhou na Bahia, onde foi companheiro de viagens do Rev. George Chamberlain. O Centro-Sul também foi palco da atuação de muitos colportores, vários dos quais foram membros da Igreja Presbiteriana de São Paulo. Manoel Jacinto Botelho, enteado do Rev. José de Azevedo Granja, tornou-se membro dessa igreja em 1870. Lourenço Moreira de Almeida filiou-se à igreja em 1878. Era tio do Rev. Álvaro Reis e foi companheiro de viagens do Rev. John Boyle. Faleceu em idade avançada na década de 1930, na região de Araguari. Luiz Bernini, um valdense italiano, foi arrolado na Igreja de São Paulo em 1881. Faleceu aos 80 anos em 1926. O português Manoel de Souza e Silva ingressou na mesma igreja em 1882. Após trabalhar como colportor no Brasil, voltou para Portugal, onde publicou um jornal evangélico (A luz do mundo}. Pouco antes de falecer, tornou-se pastor batista. Guilherme da Costa, um filho do presbítero Manoel da Costa, tornou-se um dedicado pastor metodista e faleceu em 1904. Camilo Cardoso de Jesus e António Pinto de Souza, os primeiros diáconos da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, também serviram como colportores. José Freitas de Guimarães, outro membro dessa igreja, foi auxiliar do Rev. Francis J. C. Schneider na Bahia, e Bernardino J. Rabello trabalhou para a Missão de Nova York no Rio de Janeiro, na década de 1870. Francisco Augusto Deslandes (1860-1937), um dos fundadores da Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte, acompanhou os Revs. Samuel Gammon, David Armstrong e Horace Allyn a muitos pontos do sul e oeste de Minas Gerais. António Rangel foi companheiro de viagens dos Revs. John Boyle e George Thompson em São Paulo e no Triângulo Mineiro. Francisco Machado e Estêvão Gibotti colaboraram com o
Rev. Emanuel Vanorden no Rio Grande do Sul. O trabalho presbiteriano no Paraná contou com o auxílio inicial de pelo menos três colportores: Francisco Alves de Oliveira, da Sociedade Bíblica Americana; António Pinheiro de Carvalho, da Sociedade Bíblica Britânica; e principalmente João Antunes de Moura (1849-1928), que foi presbítero da Igreja de Itapeva e um assíduo participante dos concílios da IPB. Os primeiros pastores presbiterianos nacionais foram todos colportores quando ainda eram aspirantes ao ministério. No Nordeste, houve os discípulos do Rev. John R. Smith: João Batista de Lima, José Francisco Primênio da Silva e Belmiro de Araújo César. Referindo-se a Smith, Themudo Lessa afirmou: "De largo descortino como missionário, soube rodear-se de um corpo seleto de colportores-catequistas, que foram desbravando o terreno para a sementeira que se ia fazer. Eram homens de fé e de coragem, prontos a arrostar perseguições por amor da causa em que se empenhavam".[5i No Sul, os primeiros candidatos ao ministério que trabalharam como colportores foram António Bandeira Trajano, Miguel Gonçalves Torres, António Pedro de Cerqueira Leite, João Ribeiro de Carvalho Braga e João Vieira Bizarro, entre outros. Belarmino Ferraz (18581943), que seria o primeiro pastor ordenado pela Igreja Presbiteriana Independente, foi companheiro de viagens do Rev. Dagama no interior de São Paulo. Conclusão O Rev. Boanerges Ribeiro registrou as dificuldades enfrentadas por muitos colportores: "Em 1864 o delegado expulsava um colportor de Santo Amaro, Bahia, depois de apreender seus livros. Em 1867 um delegado negava licença para vender Bíblias em Sergipe. Em 1869, em Santos, um delegado expulsava o colportor da cidade, obstando a que retirasse um caixote de Bíblias da alfândega. Em 1871, em Olinda, o Vigário Capitular apreendia as Bíblias de um colportor previamente detido pelo delegado de polícia. Em 1873 em Guaratinguetá um colportor era ameaçado de espancamento, após violento sermão do padre contra suas Bíblias - e tinha de retirar-se... Colportores sempre foram parte valiosíssima do staff missionário, nesses anos iniciais. Precediam os pregadores; sofriam os primeiros embates da oposição, e os enfrentavam. Abriam novas frentes evangelísticas. Homens rústicos, primários na instrução, dedicados e decididos, pouco valeu contra sua presença constante, o latim, a artilharia patrística e a alta posição dos bispos: abriram caminho, espalharam Bíblias, deixaram atrás de si famílias prontas para aderir ao protestantismo". Considerando a enorme contribuição que prestaram à obra missionária em geral e ao presbiterianismo nascente no Brasil, esses personagens têm sido pouco lembrados pelos historiadores e pelas igrejas. Apesar do seu pioneirismo como desbravadores, eles poucas vezes têm recebido o crédito pelo trabalho que realizaram. Existem alguns livros sobre eles, mas são poucos os estudos sistemáticos sobre as suas atividades e sobre o significado da sua obra. Espera-se que estas breves considerações sirvam de estímulo para um maior reconhecimento dos seus esforços e para o resgate histórico de suas vidas e contribuições à causa de Cristo. Alderi Souza de Matos Postado por Pastor Pedro às 16:23 3 comentários Marcadores: Aula 13
Segunda-feira, 29 de Outubro de 2007
Aula 12 - Biografia do Rev. José Manoel da Conceição - Primeiro ministro evangélico brasileiro
José Manoel da Conceição nasceu na cidade de São Paulo em 11 de março de 1822, tendo sido batizado treze dias depois. Era filho do português Manoel da Costa Santos e da brasileira Cândida Flora de Oliveira Mascarenhas. Dois anos mais tarde, a família mudou-se para Sorocaba, onde o menino foi criado e educado por seu tio-avô, o padre José Francisco de Mendonça. Desejoso de seguir o sacerdócio, foi para São Paulo, onde frequentou o curso anexo da Academia Jurídica e estudou teologia (1840-1842). Conheceu o frei Joaquim do Monte Carmelo, que foi seu amigo e defensor até o final da vida. Em abril de 1842 recebeu as ordens menores da Igreja Católica, inclusive a de subdiácono. Pouco depois, ele e o tio-avô apoiaram a Revolução Liberal, o que retardou a sua ordenação. Passou a exercer as suas atividades religiosas em Ipanema, localidade próxima de Sorocaba, onde foi instalada a primeira fundição de ferro do Brasil. Desde os dezoito anos travou contato com a Bíblia, descobrindo conflitos entre os seus ensinos e certas práticas e doutrinas católicas. Certa vez, ao repreender o seu professor de desenho, o francês Carlos Leão Baillot, por tê-lo visto andar na igreja com o boné na cabeça, ouviu dele palavras que nunca esqueceu: "Menino, aprende em tua Bíblia a distinguir a alegoria de religião. O fim da Bíblia é ensinar-nos a amar a Deus sobre tudo e depois amarmo-nos uns aos outros como bons irmãos, filhos de um só Pai que está no céu. Ouves, meu menino?" Relacionou-se com protestantes e sentiu-se atraído por eles, levado pelo bom testemunho de suas vidas religiosas. Em Ipanema, visitou a família inglesa Godwin e as casas dos alemães, impressionando-se com a maneira respeitosa como guardavam o domingo e com a prática da leitura da Bíblia e de livros religiosos. Fez amizade com o médico dinamarquês Dr. João Henrique Teodoro Langaard, com quem aprendeu alemão, história e geografia. Em 1844 e 1845, Conceição foi sucessivamente ordenado diácono e presbítero da Igreja Romana, sendo enviado para Limeira. Começou a pregar mensagens evangélicas e a incentivar o povo a ler a Bíblia, sendo apelidado de "padre protestante". Preocupado com a situação, o bispo D Manoel Joaquim Gonçalves de Andrade passou a transferi-lo corr frequência de uma paróquia para outra: Piracicaba, Monte-Mór, Limeira outra vez, Taubaté, Ubatuba, Santa Bárbara e por fim Brotas, onde chegou em 1860. Nesses anos, Conceição traduziu para os editores protestantes de Rio de Janeiro, os irmãos Laemmert, algumas obras que também o influenciaram, como a Nova História Sagrada do Antigo e Novo Testamento, traduzida ern Ubatuba (1856). Esses editores faziam vir da Europa livros que ele encomendava e lhe ofereciam outros, conhecendo as suas tendências reformistas. No primeiro semestre de 1863, Conceição escreveu ao novo bispo, D Sebastião Pinto do Rego, sobre as suas lutas espirituais e foi nomeado vigário da vara, um cargo administrativo sem funções sacerdotais. Comprou um sítio junto ao rio Corumbataí, perto de Rio Claro, para onde se mudou. No final do mesmo ano, recebeu a visita do
Rev. Alexandei Latimer Blackford, missionário presbiteriano que acabara de mudar-se para São Paulo e ouvira falar do padre que tinha ideias protestantes. Seguiu-se uma correspondência assídua entre os dois, até que, no dia 19 de maio de 1864, Conceição chegou a São Paulo para encontrar-se com Blackford. Conheceu a esposa deste, Elizabeth, que o convidou sem rodeios a se tornar protestante. Depois de várias palestras longas e proveitosas com o missionário, o sacerdote voltou para casa no dia 24 decidido a abraçar a fé evangélica. Na volta, passou por Campinas e levou a irmã Gertrudes de Amaral - Tudica (1849-1923), com apenas quinze anos, que fora educada pela família Bierrenbach. Foram para Rio Claro, onde Gertrudes se casou no início de junho com José Rufino de Cerqueira Leite - Nhô Zé (1844-1907), irmão do futuro pastor António Pedro. No dia 23 de setembro, Conceição tornou a ir a São Paulo e foi hospedado por Blackford. Dois dias depois, um domingo, participou pela primeira vez de um culto protestante. No dia 28, obteve uma audiência com o bispo e lhe comunicou que estava deixando o sacerdócio e a Igreja Católica Romana. Uma semana mais tarde, em 4 de outubro, partiu com o missionário para o Rio de Janeiro, deixando em mãos de um amigo a carta de renúncia que devia ser entregue a D. Sebastião. Sua chegada à capital do império causou sensação e quando pregou pela primeira vez, no dia 9, a sala ficou repleta. Fez amizade imediata com o Rev. Ashbel Simonton, que ainda sentia a morte da esposa ocorrida há três meses. No dia 23 de outubro de 1864, Conceição fez a sua pública profissão de fé e foi batizado pelo Rev. Blackford. O Rev. Simonton proferiu breves palavras, e o ex-padre explicou aos presentes o passo que havia dado. A série de conferências que fez foi o seu primeiro trabalho como evangélico. Sendo culto e eloquente, a sua conversão causou consternação no clero católico. Passou a colaborar com os missionários na redação do jornal Imprensa Evangélica, cujo primeiro número foi lançado ao público no dia 5 de novembro. Pouco depois, sem avisar, Conceição partiu repentinamente, regressando a Brotas, onde viviam a irmã Gertrudes e seu esposo José Rufino. Debatia-se com uma grave crise de consciência por causa da sua vida anterior. Depois de algumas viagens com os missionários e de muitos esforços pacientes dos mesmos no sentido de tranquilizá-lo, superou o sentimento de culpa que o atormentava. Foi então, em meados de 1865, que escreveu a sua bela e inspiradora Profissão de Fé Evangélica. No dia 13 de novembrc daquele ano, graças ao seu trabalho evangelístico e à colaboração dos missionários, foi organizada a Igreja Presbiteriana de Brotas, a primeira do interior do Brasil. Blackford recebeu por profissão de fé onze pessoas da família Gouvêa e batizou dez crianças. Conceição apresentou a mensagerr e fez uma tocante oração de encerramento. Nos meses seguintes, foram recebidos na igreja vários familiares seus, inclusive Gertrudes e José Rufino, bem como outros membros da família Cerqueira Leite. Desde fins de 1863, Conceição vinha distribuindo folhetos e Bíblias em Brotas e expondo suas dúvidas e novas convicções às famílias Gouvêa e Cerqueira Leite. Em abril e maio de 1865, acompanhara o Rev George Chamberlain em Brotas e em outubro e novembro, o Rev Blackford, pregando e ensinando na vila e nos sítios. Outro irmão do ex-padre que veio a se converter foi Venceslau da Costa Santos (Nhô Lau), nascido em 28 de setembro de 1846, que foi presbítero, residiu em Boa Vista do Jacaré e outros locais, e faleceu na Fazenda Olivete, em Torrinha, em junho de 1941. Era casado com Adelaide, filha de Remígio de Cerqueira Leite, um dos irmãos de António Pedro. No dia 16 dezembro de 1865, os Revs. Simonton, Blackford e Francis Schneider organizaram, na cidade de São Paulo, o Presbitério do Rio de Janeiro, composto das Igrejas do Rio, São Paulo e Brotas. José Manoel de Conceição foi examinado acerca das suas convicções e considerado apto. No dia seguinte, um domingo, pregou pela manhã o
sermão de prova sobre Lucas 4.18-19 e à tarde foi ordenado ministro do evangelho. Blackford fez as perguntas de praxe, e Simonton discursou com base em 2 Coríntios 5.20, saudando e exortando o novo pastor. Pouco depois da sua ordenação, Conceição deu início às suas famosas viagens evangelísticas, que eventualmente o levaram até Itapeva (sul de São Paulo), Brotas (oeste), Campanha (sul de Minas) e Barra do Piraí (Vale do Paraíba). Visitou as cidades e vilas onde havia sido pároco e muitas outras, plantando as sementes de futuras igrejas. O Rev. George Landes, em um folheto sobre a evangelização do Paraná, diz que certa vez Conceição visitou a vila de Castro, onde uma de suas irmãs era professora, e pregou em Ponta Grossa. Em 28 de fevereiro de 1866, dois meses e meio após a ordenação, Conceição partiu de São Paulo pela estrada do sul, passando por Cotia, Una, Piedade, São Roque e Sorocaba, e retornou à capital. A seguir, fo novamente a Sorocaba, onde pregou por muitos dias a auditórios sempre crescentes, e distribuiu Bíblias, folhetos e muitos exemplares da Imprense Evangélica. O primeiro culto foi realizado na casa da família Bertoldo, a seguir, Conceição foi a Porto Feliz, Rio Claro e Brotas, onde pregou na companhia de Schneider e Chamberlain. Após recuperar-se de urr problema de saúde, foi para Rio Claro, onde muitas pessoas o ouviram, inclusive o vigário local. Esteve em Limeira, Campinas, Belém de Jundiá (Itatiba) e Bragança, onde Blackford foi encontrálo em 25 de maio. Pregaram a auditórios de cem a duzentas pessoas, sem incidentes. Voltando a São Paulo, tomou a estrada do Rio de Janeiro no início de junho, passando pela Penha, São Miguel, Jacareí e São José dos Campos. Pregou a muitas pessoas no Hotel Figueira, sendo essa possivelmente a primeira vez que a fé evangélica foi anunciada naquela cidade. A seguir passou por Caçapava, Taubaté (onde fora vigário), Pindamonhangaba, Aparecida, Guaratinguetá, Lorena, Queluz, Resende, Barra Mansa e Piraí, onde tomou o trem, chegando ao Rio em 29 de junho para a reunião do presbitério, ao qual prestou relatório. Todo esse enorme trabalho foi realizado em apenas quatro meses, sendo a maior parte do trajeto percorrida a pé. No ano presbiterial de 1866-1867, após retornar a São Paulo, pregou nas cidades onde já estivera e em muitas outras. Escrevendo em 30 de agosto, o aspirante ao ministério António Pedro afirmou: O nome do padre José Manoel está espalhado pelo universo; não há lugar onde se passe que não falem em seu nome". Passou dois meses em Brotas, que também recebeu a visita de Blackford, Emanuel Pires e Schneider. Em janeiro e fevereiro de 1867, visitou vários pontos do Vale do Paraíba na companhia de Blackford Em março, seguiu para Minas Gerais na companhia de Miguel Torres, visitando Ouro Fino, Borda da Mata, Pouso Alegre e Santana do Sapucaí. Em Borda da Mata, pregou três vezes no sítio de António Joaquim de Gouvêa, parente dos crentes de Brotas. As sete reuniões realizadas em Pouso Alegre foram muito concorridas. Em 23 de abril de 1867, o jornal Correio Paulistano publicou a "Sentença de Excomunhão e Exautoração” contra o ex-padre. No mês seguinte, os jornais publicaram a resposta do Rev. Conceição, um verdadeiro manifesto evangélico. Em junho ele publicou a sentença e a respectiva resposta em um livreto que teve grande divulgação. Seguiu então novamente para o Rio de Janeiro. Tendo chegado pouco antes da reunião do presbitério (11 a 16 de julho), pregou em Copacabana, São Cristóvão, Cascadura, Maxambomba, Macacos e Serra, estações da estrada de ferro. Na reunião presbiterial, leu um texto intitulado "O Brasil necessita da pregação do evangelho?" Como a sua saúde inspirava cuidados, os missionários o incentivaram a ir aos Estados Unidos, o que ele fez no início de agosto, lá permanecendo quase um ano. Partiu em 3 de agosto no navio Eclipse e chegou a Nova York em 12 de setembro. Apresentou ao Dr. David Irving, secretário da Junta de Missões, uma carta de recomendação de Simonton, e passou alguns dias com Chamberlain, que angariava donativos para a construção do
templo do Rio. Este o levou para conhecer as igrejas portuguesas de Springfield e Jacksonville, no Illinois, nas quais Conceição trabalhou durante oito meses e onde aplicou os seus conhecimentos de medicina. Iria corresponder-se com essas igrejas até pouco antes do seu falecimento. As mesmas haviam enviado ao Brasil o Rev. Emanuel Pires e logo enviaram os Revs. Robert Lenigton e João Fernandes Dagama. Nessa estadia nos Estados Unidos, Conceição fez a revisão de uma tradução do Novo Testamento para a Sociedade Bíblica Americana e traduziu artigos e folhetos para a Sociedade Americana de Tratados. De regresso a Nova York, Irving e Chamberiain o acompanharam ao vapor Mississippi, no qual embarcou no dia 23 de junho de 1868, chegando ao Rio de Janeiro em 20 de julho. No dia 1° de agosto, embarcou com Blackford e Schneider para Santos, a fim de participar da reunião do presbitério em São Paulo (5 a 8 de agosto). Após a reunião presbiterial, Conceição tomou o caminho do sul, passando por Cotia, São Roque, Sorocaba, Campo Largo, Alambari e Itapetininga. No início de outubro retornou a São Paulo e foi para o Rio de Janeiro. Acompanhou Chamberiain no vapor Parati ao litoral fluminense, visitando Angra dos Reis e Parati. Dali subiram a serra, passando por Cunha e Lorena, onde houve perseguição. Seguiu então para São Paulo, visitando as principais cidades e vilas do Vale do Paraíba. Na capital paulista, foi hospedado pelos Revs. Pires e McKee. No dia 15 de janeiro de 1869 partiu para Atibaia, Bragança, Amparo e Socorro. Esteve também em São José dos Campos e outros locais. Em julho voltou a São Paulo para a 5a reunião do Presbitério do Rio de Janeiro (12-18 de agosto), a última a que compareceu. O trabalho havia mudado durante a sua ausência no exterior. A ênfase era outra: não mais o febril desbravamento, mas a consolidação em torno de alguns centros. Seu relatório foi considerado demasiado longo e recebido com certo desinteresse. A partir de agosto de 1869, Conceição voltou a ser um solitário. Não se sentia atraído pelas estruturas e formalidades eclesiásticas. Preferia continuar viajando e pregando, apesar da saúde cada vez mais precária. Nunca mais teve companheiros de estrada; nunca mais compareceu ao presbitério nem lhe prestou relatório. Tornou-se um estranho para os próprios amigos, que raramente sabiam onde ele se achava. Era afligido periodicamente por sérias crises de depressão, que foram, no dizer de um autor, o seu "espinho na carne". Em 21 de setembro de 1869, escreveu de São Paulo à irmã e ao cunhado dizendo-se doente "com umas feridas grandes e dolorosas" e impossibilitado de viajar. Em 6 de março de 1870 ministrou a Ceia na Igreja de São Paulo em companhia do Rev. McKee e no dia 14 oficiou no sepultamento do Rev. William D. Pitt. Em julho de 1872, esteve no Rio de Janeiro; em agosto e setembro foi visto em Queluz e depois em Caldas, Campanha e outros pontos de Minas; de outubro a dezembro andou por Areias e Mambucaba, no litoral de São Paulo. No primeiro semestre de 1873, esteve em Queluz, São Paulo, Rio de Janeiro, Piraí, Campo Belo e Caraguatatuba, entre outros locais. Tornou-se uma figura lendária nas estradas. Em muitos lugares, enfrentou tremendas perseguições e injúrias. Em Pindamonhangaba, um homem foi ouvi-lo para o insultar, mas a prédica versou sobre o Filho Pródigo, e ele chorava a ausência de um filho querido. Numa fazenda, o dono o interrompeu, perseguiu-o pela estrada com um chicote e açulou os cães contra ele, deixando-o gravemente ferido. Em 1872, na cidade de Campanha, foi apedrejado por uma turba e deixado como morto na estrada. O Rev. Conceição exerceu o seu ministério de maneira sacrificial e abnegada. Seu método era ir de vila em vila e de casa em casa, pregando, lendo e expondo a Bíblia. Vivia como um nômade, pregando em toda parte e experimentando toda sorte de privações, que lhe prejudicaram a saúde. Passava a noite em qualquer lugar que lhe oferecessem e, em sinal de reconhecimento,
servia de enfermeiro a algum doente ou prestava pequenos serviços, como varrer e lavar. Alimentava-se de maneira frugal e o seu único vestuário era o que lhe cobria o corpo. Nas longas peregrinações, ocupava as horas vagas escrevendo a lápis sermões, traduzindo artigos e fazendo anotações curiosas sobre tudo o que observava. Quando se demorava por algum tempo em algum local onde podia dispor de comodidade, passava a limpo os seus sermões, hinos, notas e traduções, empregando em tudo muito método, clareza e uma bela caligrafia. Todos esses papéis ele levava consigo embrulhados em um pano, até poder dar-lhes o destino apropriado, enviando uns aos amigos e outros à redação da Imprensa Evangélica. Tinha uma presença nobre e atraente, voz harmoniosa, grande eloquência e pureza de vida. O pouco que possuía, dava aos pobres. Na reunião do presbitério em agosto de 1873, decidiu-se que Conceição devia fixar residência no Rio de Janeiro para cuidar da saúde. Em dezembro, ele finalmente dirigiuse só e a pé para aquela cidade, onde o Rev. Blackford alugara uma casa aprazível em Santa Teresa para ele descansar. Perto de Piraí, indo à estação da via férrea, anoiteceu e ele buscou abrigo numa casa à beira da estrada. Um policial, vendo-o descalço e malvestido, o levou preso como indigente. Nos três dias que passou na prisão, gastou os seus últimos recursos, tendo de seguir a pé para a capital. Ao aproximar-se da cidade, às quatro horas da tarde do dia 24, caiu desfalecido à beira do caminho, na estrada da Pavuna. Foi levado para a enfermaria militar do Campinho, onde recebeu carinhosa assistência. Mudaram-lhe as roupas e lhe deram um caldo; só respondia com monossílabos e movimentos da cabeça. Pediu para "ficar só com Deus". Naquela madrugada, 25 de dezembro de 1873, o Rev. Conceição morreu enquanto dormia. O major Augusto Fausto de Souza, diretor da enfermaria militar, e o subdelegado Honório Gurgel do Amaral coordenaram os preparativos para o enterro. Ia ser sepultado como indigente quando chegou o futuro candidato ao ministério Cândido Joaquim de Mesquita, enviado pelo Rev. Blackford em busca de notícias. No mesmo dia, o Rev. Conceição foi sepultado condignamente no cemitério da matriz de Irajá. O bispo D. Pedro Maria de Lacerda soube do ocorrido e repreendeu com veemência os sacerdotes responsáveis pelo sepultamento, que alegaram não saber que se tratava do excomungado José Manoel da Conceição. Três anos mais tarde, antes de vencido o prazo legal de cinco anos, seus ossos foram exumados e transferidos para São Paulo, sendo sepultados ao lado do túmulo de Simonton, no Cemitério dos Protestantes. Sua lápide tem dois versículos que bem descrevem o seu ministério: "Não me envergonho do Evangelho de Cristo" (Rm 1.16) e "Me alegro nos sofrimentos por seu corpo, que é a igreja" (Cl 1.24). O diretor da enfermaria militar, major Fausto de Souza, anos depois veio a converter-se e escreveu uma biografia desse herói da fé, publicada na Imprensa Evangélica de janeiro e fevereiro de 1884, na forma de suplemento, sob o título "Expadre José Manoel da Conceição". Conceição deixou muitos filhos espirituais, cujos descendentes atuam até hoje na Igreja Presbiteriana do Brasil. Dois exemplos entre tantos, além dos Gouvêa e dos Cerqueira Leite, são as famílias Barbosa Martins (Rev. Wadislau Martins Gomes) e Campos (D. Aurora de Campos Kerr, Rev. Heber Carlos de Campos). Colaborou na Imprensa Evangélica com artigos e sermões, alguns dos quais foram reproduzidos em um suplemento do Brasil Presbiteriano em 1972, no sesquicentenário do seu nascimento ("A devoção doméstica", "A ilustração", "O evangelho", "O endurecimento do coração" e "A última ceia do Senhor"). Deixou também alguns hinos, dentre os quais "Amar-te, Jesus, e crer-te", "Oh! Se me fora possível", "Dou de mão à vaidade" e "Escreve tu com própria mão", o escrito "As exéquias de Abraão Lincoln, presidente dos Estados Unidos" (1865) e algumas cartas. Era versado em matemáticas e ciências físicas e naturais; conhecia francês, inglês, latim e alemão.
Em sua homenagem, a instituição fundada em 1928 pelo Rev. William A. Waddell em Jandira, nos arredores de São Paulo, recebeu o nome de Instituto José Manoel da Conceição, nome esse preservado atualmente no seminário presbiteriano situado no bairro do Campo Belo, na capital paulista. Em Votorantim, cidade próxima de Sorocaba, a igreja presbiteriana está em uma avenida que leva o seu nome, na qual também se encontra o seu busto. Como bem apontou o seu biógrafo, Rev. Boanerges Ribeiro, a maior contribuição do ex-sacerdote foi a proposta de um modelo brasileiro para a reforma da vida religiosa do seu país. Outro estudioso, Paul E. Pierson, um exmissionário no Brasil, também destacou as características de Conceição que o qualificavam para fazer uma síntese entre o cristianismo evangélico e a cultura brasileira, em contraste com os seus colegas estrangeiros e mesmo brasileiros. Alderi Souza de Matos Postado por Pastor Pedro às 16:50 3 comentários Marcadores: Rev. Conceição
Segunda-feira, 15 de Outubro de 2007 Aula 11 - HISTÓRICO DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL
Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro Atualmente existem no Brasil várias denominações de origem reformada ou calvinista. Entre elas incluem-se a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, a Igreja Presbiteriana Conservadora, a Igreja Presbiteriana Unida do Brasil e algumas igrejas criadas por imigrantes vindos da Europa continental, tais como suíços, holandeses e húngaros. No entanto, a maior e a mais antiga denominação reformada do país é a Igreja Presbiteriana de Brasil. Todavia, convém lembrar que já nos primeiros séculos da história de Brasil houve a presença de calvinistas no país. 1. Primórdios do movimento reformado no Brasil 1.1 A França Antártica Os primeiros calvinistas chegaram ao Brasil ainda no começo da sua história. No final de 1555, um grupo de franceses liderados por Nicolas Durand de Villegaignon instalouse em uma das ilhas da baía de Guanabara. Um ano e meio mais tarde, chegou à "França Antártica" um grupo de colonos e pastores reformados enviados pelo próprio João Calvino, em resposta a um pedido de Villegaignon. No dia 10 de março de 1557 esses evangélicos realizaram o primeiro culto protestante do Brasil e possivelmente do Novo Mundo. Eventualmente, surgiram desavenças teológicas entre Villegaignon e os calvinistas. Cinco deles foram presos e forçados a escrever uma declaração de suas
convicções. O resultado foi a bela "Confissão de Fé da Guanabara." Com base nessa declaração, três dos calvinistas foram executados e outro foi poupado por ser o único alfaiate da colónia. O quinto autor da confissão de fé, Jacques le Baleur, conseguiu fugir, mas eventualmente foi preso e, mais tarde, foi enforcado. Dentre os que conseguiram retornar para a França estava o sapateiro Jean de Léry, que mais tarde tornou-se pastor e escreveu a célebre obra “Viagem à Terra de Brasil” (1578). 1.2 O Brasil holandês A próxima tentativa de introdução do calvinismo no Brasil ocorreu em meados do século XVII através dos holandeses. No contexto da guerra contra a Espanha, a Companhia das Índias Ocidentais ocupou o nordeste brasileiro por vinte e quatro anos (1630-1654). O mais famoso governante do Brasil holandês foi o príncipe João Maurício de Nassau-Siegen, que aqui esteve apenas sete anos (1637-1644). Embora os residentes católicos e judeus tenham gozado de tolerância religiosa, a igreja oficial da colónia era a Igreja Reformada da Holanda, que realizou uma grande obra pastoral e missionária. Ao longo dos anos foram criadas 22 igrejas e congregações, dois presbitérios (Pernambuco e Paraíba) e até mesmo um sínodo, o Sínodo do Brasil (16421646). Além da assistência aos colonos europeus, a igreja reformada fez um notável trabalho missionário junto aos indígenas. Ao lado da pregação e do ensino, houve a preparação de um catecismo na língua nativa. Outros projetos incluíam a tradução das Escrituras e a ordenação de pastores indígenas, o que não chegou a efetivar-se. Com a expulsão dos holandeses, as igrejas nativas vieram a extinguir-se e, por um século e meio, desapareceram os vestígios do calvinismo no Brasil. 1.3 O protestantismo de imigração O protestantismo em geral e o presbiterianismo em particular só puderam estabelecer-se definitivamente no Brasil após a chegada da família real, em 1808. Em 1810, Portugal e Inglaterra firmaram um Tratado de Comércio e Navegação cujo artigo XII, pela primeira vez em nossa história, concedeu liberdade religiosa aos imigrantes protestantes. Logo, muitos deles começaram a chegar de diversas regiões da Europa, inclusive reformados franceses, suíços e alemães. Em 1827, por iniciativa do cônsul da Prússia, foi fundada no Rio de Janeiro a Comunidade Protestante Alemã-Francesa, congregando luteranos e calvinistas. Durante várias décadas, o calvinismo ficou restrito às comunidades imigrantes, sem atingir os brasileiros. Os poucos pastores reformados ou presbiterianos que por aqui passaram restringiram suas atividades religiosas aos estrangeiros. Tal foi o caso do Rev. James Cooley Fletcher, um pastor presbiteriano norte-americano que teve uma longa e frutífera ligação com o Brasil a partir de 1851. Ele deu assistência religiosa a marinheiros e imigrantes europeus, procurou aproximar o Brasil e os Estados Unidos nas áreas diplomática, comercial e cultural e escreveu o livro “O Brasil e os Brasileiros”, publicado em 1857. Através de seus contatos com políticos e intelectuais brasileiros, Fletcher contribuiu indiretamente para a introdução do protestantismo no Brasil. Foi por sua sugestão que o missionário congregacional inglês Robert Reid Kalley veio para o Brasil em 1855. Finalmente, o presbiterianismo foi implantado entre os brasileiros pelo Rev. Ashbel Green Simonton, que aqui chegou em 1859. 2. História da Igreja Presbiteriana do Brasil A história da Igreja Presbiteriana do Brasil divide-se em alguns períodos bem definidos. 2.1 Implantação (1859-1869)
O surgimento do presbiterianismo no Brasil resultou do pioneirismo e desprendimento do Rev. Ashbel Green Simonton (1833-1867). Nascido em West Hanover, na Pensilvânia, Simonton estudou no Colégio de Nova Jersey e inicialmente pensou em ser professor ou advogado. Alcançado por um reavivamento em 1855, fez a sua profissão de fé e pouco depois ingressou no Seminário de Princeton. Um sermão pregado por seu professor, o famoso teólogo Charles Hodge, levou-o a considerar o trabalho missionário no estrangeiro. Três anos depois, candidatou-se perante a Junta de Missões da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, citando o Brasil como campo de sua preferência. Dois meses após a sua ordenação, embarcou para o Brasil, chegando ao Rio de Janeiro em 12 de agosto de 1859, aos 26 anos de idade. Em abril de 1860, Simonton dirigiu o seu primeiro culto em português. Em janeiro de 1862, recebeu os primeiros conversos, sendo fundada a Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. No breve período em que viveu no Brasil, Simonton, auxiliado por alguns colegas, fundou o primeiro periódico evangélico do país (Imprensa Evangélica, 1864), criou o Presbitério do Rio de Janeiro (1865) e organizou um seminário (1867). O Rev. Ashbel Simonton morreu vitimado pela febre amarela aos 34 anos, em 1867 (sua esposa, Helen Murdoch, havia falecido três anos antes). Os principais colaboradores de Simonton, nesse período, foram seu cunhado Alexander L. Blackford, que em 1865 organizou as Igrejas de São Paulo e Brotas; Francis J. C. Schneider, que trabalhou entre os imigrantes alemães em Rio Claro, lecionou no seminário do Rio e foi missionário na Bahia; e George W. Chamberlain, grande evangelista e operoso pastor da Igreja de São Paulo. Os quatro únicos estudantes do "seminário primitivo" foram eficientes pastores: António Bandeira Trajano, Miguel Gonçalves Torres, Modesto Perestrelo Barros de Carvalhosa e António Pedro de Cerqueira Leite. Outras poucas igrejas organizadas no primeiro decênio foram as de Lorena, Borda da Mata (Pouso Alegre) e Sorocaba. O homem que mais contribuiu para a criação dessas e outras igrejas foi o notável Rev. José Manoel da Conceição (1822-1873), um exsacerdote que se tornou o primeiro brasileiro a ser ordenado ministro do evangelho (1865). Conceição visitou incansavelmente dezenas de vilas e cidades no interior de São Paulo, Vale do Paraíba e sul de Minas, pregando o evangelho da graça. 2.2 Consolidação (1869-1888) Simonton e seus companheiros eram todos da Igreja Presbiteriana do Norte dos Estados Unidos (PCUSA). Em 1869 chegaram os primeiros missionários da Igreja do Sul (PCUS): George Nash Morton e Edward Lane. Eles fixaram-se em Campinas, região onde residiam muitas famílias norte-americanas que vieram para o Brasil após a Guerra Civil no seu país (1861-1865). Em 1870, Morton e Lane fundaram a igreja de Campinas e, em 1873, o famoso, porém efêmero, Colégio Internacional. Os missionários da PCUS evangelizaram a região da Mogiana, o oeste de Minas, o Triângulo Mineiro e o sul de Goiás. O pioneiro em várias dessas regiões foi o incansável Rev. John Boyle, falecido em 1892. Os obreiros da PCUS também foram os pioneiros presbiterianos no nordeste e norte do Brasil (de Alagoas até a Amazônia). Os principais foram John Rockwell Smith, fundador da igreja do Recife (1878); DeLacey Wardlaw, pioneiro em Fortaleza; e o Dr. George W. Butler, o "médico amado" de Pernambuco. O mais conhecido dentre os primeiros pastores brasileiros do nordeste foi o Rev. Belmiro de Araújo César, patriarca de uma grande família presbiteriana. Enquanto isso, os missionários da Igreja do Norte dos Estados Unidos, auxiliados por novos colegas, davam continuidade ao seu trabalho. Seus principais campos eram Bahia
e Sergipe, onde atuou, além de Schneider e Blackford, o Rev. John Benjamin Kolb; Rio de Janeiro, que inaugurou seu templo em 1874, e Nova Friburgo, onde trabalhou o Rev. John M. Kyle; Paraná, cujos pioneiros foram Robert Lenington e George A. Landes; e especialmente São Paulo. Na capital paulista, o casal Chamberlain fundou em 1870 a Escola Americana, que mais tarde veio a ser o Mackenzie College, dirigido pelo educador Horace Manley Lane. No interior da província destacou-se o Rev. João Fernandes Dagama, português da Ilha da Madeira. No Rio Grande do Sul, trabalhou por algum tempo o Rev. Emanuel Vanorden, um judeu holandês. Entre os novos pastores "nacionais" desse período estavam Eduardo Carlos Pereira, José Zacarias de Miranda, Manuel António de Menezes, Delfino dos Anjos Teixeira, João Ribeiro de Carvalho Braga e Caetano Nogueira Júnior. As duas igrejas norte-americanas também enviaram ao Brasil algumas notáveis missionárias educadoras como Mary Parker Dascomb, Elmira Kuhl, Nannie Henderson e Charlotte Kemper. 2.3 Dissensão (1888-1903) Em setembro de 1888, foi organizado o Sínodo da Igreja Presbiteriana do Brasil, que assim tornou-se autônoma, desligando-se das igrejas-mães norte-americanas. O Sínodo compunha-se de três presbitérios (Rio de Janeiro, Campinas-Oeste de Minas e Pernambuco) e tinha vinte missionários, doze pastores nacionais e cerca de 60 igrejas. O primeiro moderador foi o veterano Rev. Blackford. O Sínodo criou o Seminário Presbiteriano, elegeu seus dois primeiros professores e dividiu o Presbitério de Campinas e Oeste de Minas em dois: São Paulo e Minas. Nesse período, a denominação expandiu-se grandemente, com muitos novos missionários, pastores brasileiros e igrejas locais. O Seminário começou a funcionar em Nova Friburgo no final de 1892 e, no início de 1895, transferiu-se para São Paulo, tendo à frente o Rev. John Rockwell Smith. O Mackenzie College, ou Colégio Protestante, foi criado em 1891, sendo seu primeiro presidente o Dr. Horace Manley Lane. Por causa da febre amarela, o Colégio Internacional foi transferido de Campinas para Lavras, e mais tarde veio a chamar-se Instituto Gammon, numa homenagem ao seu grande líder, o Rev. Samuel R. Gammon (1865-1928). A primeira escola evangélica do nordeste foi o Colégio Americano de Natal (1895), fundado por Katherine H. Porter, esposa do Rev. William C. Porter. Na mesma época, a cidade de Garanhuns começou a tornar-se um grande centro da obra presbiteriana. Além do trabalho evangelístico, foram lançadas as bases de duas importantes instituições educacionais: o Colégio Quinze de Novembro e o Seminário do Norte, hoje sediado em Recife. No final desse período, além de estar presente em todos os estados do nordeste, a Igreja Presbiteriana chegou ao Pará e ao Amazonas. No sul, foi iniciada a obra presbiteriana em Santa Catarina (São Francisco do Sul e Florianópolis). A igreja também iniciou a sua marcha vitoriosa no leste de Minas. O primeiro obreiro a residir em Alto Jequitibá foi o Rev. Matatias Gomes dos Santos (1901). As igrejas de São Paulo e do Rio de Janeiro passaram a ser pastoreadas por dois grandes líderes, respectivamente Eduardo Carlos Pereira (1888) e Álvaro Emídio G. dos Reis (1897). Infelizmente, os progressos desse período foram em parte ofuscados por uma grave crise que se abateu sobre a vida da igreja. Inicialmente, surgiu uma diferença de prioridades entre o Sínodo e a Junta de Missões de Nova York. O Sínodo queria apoio para a obra evangelística e para instalar o Seminário, ao passo que a Junta preferiu dar ênfase à obra educacional, principalmente através do Mackenzie College. Paralelamente, surgiram desentendimentos entre o pastor da Igreja Presbiteriana de São Paulo, Rev. Eduardo Carlos Pereira, e os líderes do Mackenzie, Horace M. Lane e
William A. Waddell. Com o passar do tempo, o Rev. Eduardo C. Pereira passou a tornar-se mais radical em suas posições, perdendo o apoio até mesmo de muitos dos seus colegas brasileiros. Como uma alternativa ao jornal do Rev. Eduardo, “O Estandarte”, o Rev. Álvaro Reis criou “O Puritano” em 1899. Em 1900 foi organizada a Igreja Presbiteriana Unida de São Paulo, que resultou da fusão de duas igrejas formadas por pessoas que haviam saído da igreja do Rev. Eduardo. Na mesrna época, um novo problema veio complicar ainda mais a situação: o debate acerca da maçonaria. Em março de 1902, Eduardo C. Pereira e seus partidários começaram a divulgar a sua Plataforma, com cinco tópicos sobre as questões missionária, educativa e maçônica. Após pouco mais de um ano de debates acalorados, a crise chegou ao seu lamentável desfecho em 31 de julho de 1903, durante a reunião do Sínodo. Após serem derrotados em suas propostas, Eduardo Carlos Pereira e seus colegas desligaram-se do Sínodo e formaram a Igreja Presbiteriana Independente. 2.4 Reconstituição (1903-1917) No início de agosto de 1903, os independentes organizaram o seu presbitério, com quinze presbíteros e sete pastores (Eduardo C. Pereira, Caetano Nogueira Jr., Bento Ferraz, Ernesto Luiz de Oliveira, Otoniel Mota, Alfredo Borges Teixeira e Vicente Temudo Lessa). Seguiu-se um triste período de divisões de comunidades, luta pela posse de propriedades, litígios judiciais. Uma pastoral do Presbitério Independente chegou a vedar aos sinodais a Ceia do Senhor. O período mais conflitivo estendeu-se até 1906. Nessa época, o Sínodo contava com 77 igrejas e cerca de 6500 membros; em 1907, os independentes tinham 56 igrejas e 4200 comungantes. O prédio do seminário, no bairro Higienópolis, foi ocupado sem solenidade em setembro de 1899. Os principais professores eram os Revs. John R. Smith e Erasmo Braga (este a partir de 1901); o membro mais destacado da diretoria era o Rev. Álvaro Reis. Em fevereiro de 1907, o seminário foi transferido para Campinas, ocupando a antiga propriedade do Colégio Internacional. A primeira turma de Campinas só se formou em 1912. Entre os formandos estavam Tancredo Costa, Herculano de Gouvêa Jr., Miguel Rizzo Jr. e Paschoal Luiz Pitta. Mais tarde viriam Guilherme Kerr, Jorge T. Goulart, Galdino Moreira e José Carlos Nogueira. A obra presbiteriana crescia em muitos lugares. A primeira cidade atingida no Leste de Minas foi Alto Jequitibá (Manhuaçu) e no Espírito Santo, São José do Calçado. Os primeiros pastores daqueles campos foram Matatias Gomes dos Santos, Aníbal Nora, Constâncio Omero Omegna e Samuel Barbosa. No Vale do Ribeira, o dinâmico evangelista Willes Roberto Banks continuava em atividade. A família Vassão daria grandes contribuições à igreja. Em 1907, o Sínodo dividiu-se em dois (Norte e Sul) e em 1910 foi organizada a Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana do Brasil. O moderador do último sínodo e instalador da Assembleia Geral foi o veterano Modesto Carvalhosa, ordenado 40 anos antes. A Assembleia Geral foi instalada na Igreja do Rio de Janeiro, e o Rev. Álvaro Reis foi eleito seu primeiro moderador. Os conciliares visitaram a Ilha de Villegaignon para lembrar os mártires calvinistas e comemorar o quarto centenário do nascimento de Calvino. Na época, a Igreja Presbiteriana do Brasil tinha 10 mil membros comungantes, outro tanto de menores e cerca de 150 igrejas em sete presbitérios. As demais denominações tinham os seguintes números - metodistas: 6 mil membros; independentes: 5 mil; batistas: 5 mil; e episcopais: cerca de mil. Em 1911, a IPB enviou a Portugal o seu primeiro missionário, Rev. João da Mota Sobrinho, que lá permaneceu até 1922.
Os missionários americanos continuavam em plena atividade. Devido a divergências quanto ao lugar da educação na obra missionária, a Missão Sul da PCUS dividiu-se em duas: Missão Leste (Lavras) e Missão Oeste (Campinas). O Rev. William Waddell fundou uma influente escola em Ponte Nova, Bahia. Pierce, um filho de Chamberlain, trabalhou na Bahia de 1899 a 1909. A obra presbiteriana no Mato Grosso começou nesse período: os pioneiros foram os missionários Franklin Graham (1913) e Filipe Landes (1915). Em 1917, foi aprovado o “Modus Operandi”, um acordo entre a igreja brasileira e as missões norte-americanas, pelo qual os missionários desligaram-se dos concílios da IPB, separando-se os campos nacionais (presbitérios) dos campos das missões. Em 1924, a Assembleia Geral reuniu-se pela primeira sem qualquer missionário como delegado de presbitério. 2.5 Cooperação (1917-1932) O maior líder presbiteriano desse período foi o Rev. Erasmo de Carvalho Braga (18771932), professor do Seminário e secretário da Assembleia Geral. Em 1916, participou com dois colegas do Congresso de Ação Cristã na América Latina, no Panamá. Poucos anos depois, tornou-se o dinâmico secretário da Comissão Brasileira de Cooperação, entidade que liderou um grande esforço cooperativo entre as igrejas evangélicas do Brasil na década de 1920. As principais áreas de cooperação foram literatura, educação cristã e educação teológica. Foi fundado no Rio de Janeiro o Seminário Unido, que existiu até 1932. Outros esforços cooperativos desse período foram: (1) Instituto José Manoel da Conceição, fundado pelo Rev. William A. Waddell na cidade de Jandira, perto de São Paulo (1928); visava preparar os jovens que depois seguiriam para o seminário. (2) Associação Evangélica de Catequese dos índios (1928), depois Missão Evangélica Caiuá: idealizada pelo Rev. Albert S. Maxwell e instalada em Dourados, Mato Grosso, num esforço cooperativo das igrejas presbiteriana, independente, metodista e episcopal. O Seminário de Campinas correu o risco de ser extinto por causa do Seminário Unido, mas finalmente superou a crise. Em 1921, o Seminário do Norte foi transferido para o Recife. As principais instituições educacionais das missões eram o Colégio Agnes Erskine, em Recife; Colégio 15 de Novembro (Garanhuns); Escola de Ponte Nova (Bahia); Colégio 2 de Julho (Salvador); Instituto Gammon (Lavras); Instituto Cristão (Castro) e principalmente o Mackenzie College. Os principais periódicos presbiterianos eram “O Puritano” e o “Norte Evangélico”. Em 1924, a Assembleia Geral encerrou o trabalho missionário em Lisboa. No mesmo ano, Erasmo Braga e alguns amigos fundaram a Sociedade Missionária Brasileira de Evangelização em Portugal, que enviou para aquele país o Rev. Paschoal Luiz Pitta e sua esposa Odete. O casal ali esteve por quinze anos (1925-1940), regressando ao Brasil devido à constante falta de recursos. Em 1921, morreu o Rev. António Bandeira Trajano. Com ele desapareceu a primeira geração de obreiros presbiterianos no Brasil, os da década de 1860. Outros obreiros falecidos nesse período foram: Eduardo Carlos Pereira (1923), Álvaro Reis (1925), Carlota Kemper (1927), Samuel Gammon (1928) e Erasmo Braga (1932). Além do seu trabalho na área religiosa, vários dos pioneiros presbiterianos deram valiosa contribuição de ordem intelectual e literária. Alguns autores e os livros que os celebrizaram são os seguintes: Modesto Carvalhosa (Escrituração Mercantil), António Trajano (Álgebra Elementar), Eduardo C. Pereira (Gramática Expositiva), Otoniel Motta (O Meu Idioma) e Erasmo Braga (Série Braga).
2.6 Organização (1932-1959) Nas décadas de 1930 a 1950, a IPB continuou a crescer e a aperfeiçoar a sua estrutura, criando entidades voltadas para o trabalho feminino, mocidade, missões nacionais e estrangeiras, literatura e ação social. O período terminou com a comemoração do centenário do presbiterianismo no Brasil. Nessa época, a igreja era constituída dos seguintes sínodos: (1) Setentrional: estendia-se de Alagoas até a Amazónia, estando o maior número de igrejas no Estado de Pernambuco; (2) Bahia-Sergipe: criado em 1950, quando o Presbitério Bahia-Sergipe, antigo campo da Missão Central, dividiu-se nos presbitérios de Salvador, Campo Formoso e Itabuna; (3) Minas-Espírito Santo: surgiu em 1946, abrangendo o leste de Minas e o Espírito Santo, a região de maior crescimento da igreja; (4] Central: formado em 1928, incluía o Estado do Rio de Janeiro, bem como o sul e o oeste de Minas Gerais; (5) Meridional: sínodo histórico (1910-47), abrangia São Paulo, Paraná e Santa Catarina; (6) Oeste do Brasil: fo formado em 1947, abrangendo todo o norte e oeste de São Paulo. No final da década de 50, foram entregues pelas missões os Presbitérios de Triângulo Mineiro, Goiás e Cuiabá. Nesse período, as missões norte-americanas continuaram o seu trabalho: (1) PCUS: (a) Missão Norte: atuou no nordeste, onde o principal obreiro foi o Rev. William Calvin Porter (†1939); o campo mais importante era o de Garanhuns, onde estavam o Colégio 15 de Novembro e o jornal Norte Evangélico; (b) Missão Leste: atuou no oeste de Minas e depois em Dourados, Mato Grosso, cuja igreja foi organizada em 1951. (c) Missão Oeste: concentrou-se mais no Triângulo Mineiro, onde o casal Edward e Mary Lane fundou em 1933 o Instituto Bíblico de Patrocínio. (2) PCUSA: (a) Missão Central: seus principais campos eram Ponte Nova/Itacira, a bacia de Rio São Francisco, o sul da Bahia e o norte de Minas; (b) Missão Sul: atuot no Paraná e Santa Catariana, fundindose com a Missão Central por volta de 1937. O Rev. Filipe Landes foi grande evangelista no Mato Grosso (norte e sul). Em Rio Verde, Goiás, atuou o Rev. Dr. Donald Gordon, que fundou um importante hospital. Trabalho feminino: as primeiras sociedades de senhoras surgiram en 1884-85 e as primeiras federações, na década de 1920. Os primeiros secretários gerais do trabalho feminino foram o Rev. Jorge T. Goulart e as sras. Genoveva Marchant, Blanche Lício, Cecília Siqueira e Nady Werner. O primeiro congresso nacional reuniu-se na I. P. Riachuelo, no Rio de Janeiro, em 1941; o segundo congresso realizou-se também no Rio em 1954. A SAF em Revista foi criada em 1954. Mocidade: algumas entidades precursoras foram a Associação Cristã de Moços (Myron Clark), o Esforço Cristão (Clara Hough) e a União Cristã de Estudantes do Brasil (Eduardo P. Magalhães). Benjamim Moraes Filho foi o primeiro secretário do trabalho da mocidade, em 1938. O primeiro congresso nacional reuniu-se em Jacarepaguá em 1946, quando foi criada a confederação. Entre os líderes da época estavam Francisco Alves, Jorge César Mota, Paulo César, Waldo César, Tércio Emerique, Gutemberg de Campos, Paulo Rizzo e Billy Gammon. Missões Nacionais: em 1940 foi organizada, na I. P. Unida, a Junta Mista de Missões Nacionais, com representantes da IPB e das missões norte-americanas. Entre os primeiros líderes estavam Coriolano de Assunção, Guilherme Kerr, Filipe Landes, Eduardo Lane, José Carlos Nogueira e Wilsor N. Lício. Até 1958, a Junta ocupou quinze regiões em todo o Brasil, com cerca de 150 locais de pregação. Em 1950 foi criada a Missão Presbiteriana da Amazônia. Missão em Portugal: os primeiros obreiros foram João da Mota Sobrinho (1911-1922) e Paschoal Luiz Pitta (1925-1940). Em 1944 a IPB assumiu o trabalho, e foi criada a Junta de Missões Estrangeiras, com o apoio das igrejas norte-americanas. Os primeiros
missionários foram Natanael Emerique, Aureliano Lino Pires, Natanael Beuttenmuller e Teófilo Carnier. Outras organizações: (a) Casa Editora: começou a ser organizada em 1945, no início da Campanha do Centenário, sob a liderança do Rev. Boanerges Ribeiro. A primeira sede foi instalada em dependências cedidas pela I. P Unida, na Rua Helvetia. (b) Orfanatos: em 1910, a Assembleia Geral planejou um orfanato para Lavras; em 1919, passou a funcionar em Valença, e em 1929 veio a ocupar uma propriedade da I. P. de Copacabana, em Jacarepaguá. O orfanato foi denominado Instituto Álvaro Reis. (c) Conselho Interpresbiteriano (CIP): foi criado em 1955 para superintender as relações da IPB com as missões e as juntas missionárias dos Estados Unidos. Tinha mais autoridade que o "modus operandi" de 1917, Outras igrejas: (a) Igreja Presbiteriana Independente: em 1957, foi criado o Supremo Concílio, com três sínodos, dez presbitérios, 189 igrejas, 105 pastores e cerca de 30 mil membros comungantes; O Estandarte continuou a ser o jornal oficial. No final dos anos 30 houve um conflito teológico. Em 1942, um grupo de intelectuais liberais (entre os quais o Rev. Eduardo P. Magalhães) retirou-se da IPI e formou a Igreja Cristã de São Paulo, (b) Igreja Presbiteriana Conservadora: foi fundada em 1940 pelos membros da Liga Conservadora da IPI. Em 1957, contava com mais de vinte igrejas em quatro estados e tinha um seminário. Seu órgão oficial é O Presbiteriano Conservador, (c) Igreja Presbiteriana Fundamentalista: foi fundada em 1956 pelo Rev. Israel Gueiros, pastor da 1a I. P. de Recife e ligado ao Concílio Internacional de Igrejas Cristãs (do líder fundamentalista norte-americano Cari Mclntire). Neste período, a IPB participou de vários movimentos cooperativos: Associação Evangélica Beneficente (fundada por Otoniel Mota em 1928), Associação Cristã de Beneficência Ebenézer (dirigida pelo Dr. Benjamin Hunnicutt), Missão Evangélica Caiuá, Instituto José Manoel da Conceição, Confederação Evangélica do Brasil (fundada em 1934), Sociedade Bíblica do Brasil, Centro Áudio-Visual Evangélico (CAVE, fundado em 1951) e Universidade Mackenzie, que seria transferida à IPB no início dos anos 60. Constituição da IPB: em 1924, foram aprovadas pequenas modificações no antigo Livro de Ordem adotado quando da criação do Sínodo, em 1888. Em 1937, entrou em vigor a nova Constituição da Igreja (os independentes haviam aprovado a sua três anos antes), sendo criado o Supremo Concílio. Houve protestos do norte contra alguns pontos: diaconato para ambos os sexos, "confirmação" em vez de "profissão de fé" e o nome "Igreja Cristã Presbiteriana". Em 1950, foi promulgada uma nova Constituição e no ano seguinte o Código de Disciplina e os Princípios de Liturgia. Estatística: em 1957, a IPB contava com seis sínodos, 41 presbitérios, 489 igrejas, 883 congregações, 369 ministros, 127 candidatos ao ministério, 89.741 membros comungantes e 71.650 não-comungantes. Os primeiros presidentes do Supremo Concílio foram os Revs. Guilherme Kerr, José Carlos Nogueira, Natanael Cortez, Benjamim Moraes Filho e José Borges dos Santos Júnior. A Campanha do Centenário foi lançada em 1946, tendo como objetivos: avivamento espiritual, expansão numérica, consolidação das instituições da igreja, afirmação da fé reformada e homenagem aos pioneiros. A Comissão Central do Centenário, organizada em 1948, enfrentou muitas dificuldades. Após 1950, a campanha ganhou ímpeto. A Comissão Unida do Centenário (IPB, IPI e Igreja Reformada Húngara) planejou uma grande campanha evangelística com a participação de Edwyn Orr e William Dunlap, que se estendeu por todo o país em 1952. Outras medidas foram a criação do Museu Presbiteriano, do Seminário do Centenário e do jornal Brasil Presbiteriano, resultante da fusão de O Puritano e Norte Evangélico (1958). A 18a Assembléia da Aliança
Presbiteriana Mundial reuniu-se em São Paulo de 27 de julho a 6 de agosto de 1959. O lema do centenário foi: "Um ano de gratidão por um século de bênçãos". Texto do Rev. Alderi Souza de Matos © Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper Postado por Pastor Pedro às 12:47 1 comentários Marcadores: Histórico da IPB
Terça-feira, 9 de Outubro de 2007 Aula 10 - SIMONTON e As Bases do Presbiterianismo no Brasil
Ao falarmos sobre Simonton e as bases do presbiterianismo no Brasil é preciso, inicialmente, fazer uma breve definição de termos. Historicamente três vocábulos têm sido aplicados ao movimento de que iremos tratar. O primeiro deles é o termo "Reformado". Além de sua acepção genérica, virtualmente sinônima de "protestante", o vocábulo "reformado" desde o século XVI passou a ser aplicado especificamente ao segundo movimento da Reforma Protestante. A primeira expressão do protestantismo foi o movimento de Lutero, iniciado na Alemanha em 1517. Alguns anos mais tarde, surgiu na Suíça um outro movimento, possuidor de grandes afinidades com o luteranismo, mas distinto deste em vários aspectos. Tal movimento teve como líder inicial o reformador Ulrico Zuínglio, sediado em Zurique, que morreu em 1531. Poucos anos depois, o movimento passou a ser liderado por uma figura de muito maior expressão que foi o francês João Calvino, o grande reformador de Genebra. Portanto, podemos definii como "reformado" stricto sensu o segundo movimento da Reforme Protestante do Século XVI, surgido na Suíça, e que teve como líderes iniciais Ulrico Zuínglio (na Suíça de língua alemã) e especialmente João Calvino (na Suíça de lingua francesa). Esse nome é preservado até hoje nas igrejas dessa tradição existentes no continente europeu (Igreja Reformada da França, da Suíça, da Holanda, da Hungria, da Roménia, e outras). O segundo termo historicamente associado ao movimento é "Calvinista". Tendo João Calvino sido o maior líder e articulador inicial do movimente reformado e tendo a sua vasta obra teológica influenciado decisivamente as posições fundamentais do movimento, o seu nome ficou permanentemente associado ao sistema de teologia e governo que caracterizam as igrejas reformadas. Calvino expôs a sua reflexão bíblica e teológica especialmente na sua obra magna, a Instituição da Religião Cristã, ou Institutas, e também em seus muitos comentários bíblicos, sermões, preleções e tratados. Seus seguidores desenvolveram e elaboraram com maiores detalhes o seu pensamento, sempre a partir dos pressupostos básicos propostos por ele. O terceiro vocábulo, aquele que nos interessa mais de perto, é "Presbiteriano". Esse termo surgiu no contexto das grandes lutas que marcaram a introdução do calvinismo
nas Ilhas Britânicas, notadamente na Escócia e na Inglaterra. Os reis ingleses eram partidários de uma estrutura eclesiástica episcopal, pois uma igreja governada por bispos nomeados pele coroa seria mais facilmente controlada pelo estado. O presbiterianismo representava uma proposta revolucionária, pois preconizava uma igreja governada por presbíteros docentes e regentes, eleitos pelos fiéis e reunidos em concílios. Significava, portanto, uma igreja mais independente da interferência e do controle do estado. Cabe notar que os conceitos de reformado, calvinista e presbiteriano assemelham-se a círculos concêntricos. Mais especificamente, o conceito de reformado e de calvinista é mais amplo que o de presbiteriano. Em outras palavras, todo presbiteriano é, em tese, reformado e calvinista, mas nem todo calvinista é presbiteriano. Existem outros grupos protestantes, como os congregacionais e alguns batistas, que subscrevem a teologia reformada, mas não adotam a forma de governo presbiteriana. A tese do presbiterianismo só foi vitoriosa na Inglaterra por uns poucos anos, na década de 1640, no contexto da guerra civil entre o rei Carlos I e o Parlamento. Nesse breve período, mediante convocação do Parlamento, a Assembleia de Westminster elaborou os grandes documentos doutrinários abraçados pela maioria dos reformados (a Confissão de Fé e os Catecismos de Westminster). Todavia, na Escócia, o sistema presbiteriano de governo eclesiástico foi adotado de maneira permanente e dali difundiu-se para outras partes do mundo, a começar pelos Estados Unidos. A partir do início do século dezessete, um grande número de escoceses presbiterianos passou a colonizar a região do norte da Irlanda conhecida corno Ulster. No século seguinte, milhares desses escocesesirlandeses emigraram para a América do Norte e foram eles e seus descendentes que vieram a constituir os principais formadores e integrantes da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos. Ashbel Green Simonton, o missionário fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil, era membro de uma das inúmeras famílias de origem escocesa-irlandesa que viviam no Estado da Pensilvânia. Simonton nasceu em 20 de janeiro de 1833 na localidade de West Hanover, no sul daquele estado. Era o filho mais novo do Dr. William Simonton, um médico que também abraçou a carreira política, tendo sido eleito duas vezes para o Congresso dos Estados Unidos. A mãe de Simonton, Martha Davis Snodgrass, era filha do Rev. James Snodgrass, que durante 58 anos foi pastor da Igreja Presbiteriana local. Após a morte do seu pai e do avô materno em 1846, Simonton, então com treze anos, e sua família mudaram-se para a cidade de Harrisburg, no mesmo estado, onde ele concluiu os estudos secundários. Desde cedo Simonton recebeu as melhores influências morais, intelectuais e espirituais da fé presbiteriana em que foi criado. Essas influências podem ser facilmente discernidas no Diário que escreveu a partir dos dezenove anos de idade. Após estudar na Academia de Harrisburg, Simonton ingressou no Colégio de Nova Jersey, fundado pelos presbiterianos em 1746, que mais tarde viria a ser a conceituada Universidade de Princeton. Um dos primeiros presidentes do Colégio fora o notável pastor e educador escocês John Witherspoon (1723-1794), o único ministro religioso a assinar a declaração de independência dos Estados Unidos, em 1776. Ao concluir os seus estudos em Princeton, em 1852, Simonton, então com dezenove anos, empreendeu uma longa viagem pelo sul dos Estados Unidos em busca de experiência na área do ensino. Por um ano e meio dirigiu uma academia para meninos em Starkville, no Mississipi. A detalhada descrição dessa viagem forma a parte inicial do seu interessante Diário, em que ele registra observações perspicazes sobre uma grande variedade de assuntos, desde suas próprias lutas interiores nas áreas vocacional e sentimental até suas reflexões sobre temas candentes da época, como a escravidão, os
problemas políticos e as tensões entre o norte e o sul do país. Voltando a Harrisburg em meados de 1854, Simonton debateu-se mais uma vez com o problema da escolha de uma carreira. Deixando de lado o interesse pelo magistério, optou pelo estudo do Direito, embora reconhecendo certas dificuldades éticas quanto ao exercício da advocacia. Uma das principais considerações que tinha em mente era que, qualquer que fosse a vocação a seguir, ele devia exercê-la com um forte senso de responsabilidade social. Essa preocupação é claramente vista em uma tocante passagem do seu Diário em que ele se preocupa com a situação dos pobres nas vésperas do Natal de 1854. Diz ele: "Neste inverno, provavelmente haverá mais sofrimentos entre as classes pobres do que jamais houve. Milhares de trabalhadores já foram despedidos nas cidades e nos aglomerados industriais; os aluguéis e a comida estão caros... o carvão custa mais que nunca. Se o inverno todo for tão severo como em dezembro, muita gente vai sofrer muito". Poucas semanas mais tarde, ao completar vinte e dois anos, Simonton preocupava-se por ainda não ter fixado o objetivo da sua existência. Em pouco tempo, tais dúvidas seriam dissipadas por um grande reavivamento religioso ocorrido em sua região. Há mais de um século, desde o tempo dos puritanos da Nova Inglaterra, o fenômeno dos avivamentos havia se tornado uma característica marcante do protestantismo norteamericano. Esses avivamentos, que surgiam periodicamente em diferentes lugares, geravam um grande interesse por questões de ordem espiritual em indivíduos, igrejas e comunidades inteiras. Em consequência de um fenómeno dessa natureza ocorrido em sua igreja, Simonton procurou tornar mais explícito o cristianismo evangélico que sempre fora parte importante do seu ambiente familiar e de toda a sua formação. Ele passou a ver a experiência religiosa como algo profundamente decisivo para a sua realização pessoal. Visto que a fé diz respeito aos fundamentos da existência humana e aos significados últimos da realidade, seria uma grande insensatez não devotar a essas questões uma profunda atenção. Durante um período de muitas lutas e questionamentos, ele assumiu publicamente o seu compromisso com Cristo, tornando-se membro da igreja que frequentava. Ao mesmo tempo, compreensivelmente, começou a sentir grande atração pela carreira religiosa. O fato de que, ao ser batizado ainda em criança, os seus pais o haviam dedicado a Deus para ser um pregador do Evangelho, foi também um poderoso incentivo. Assim, no final de junho de 1855, Simonton ingressou no Seminário de Princeton. Esse seminário havia sido fundado em 1812, nos moldes das melhores tradições calvinistas, a fim de dar uma sólida preparação intelectual e teológica aos futuros ministros presbiterianos. Ainda no primeiro semestre de estudos, Simonton ouviu uma pregação do Dr. Charles Hodge (1797-1878), eminente teólogo e professor do seminário, que o fez pensar seriamente na possibilidade de devotar-se à obra missionária no estrangeiro. Uma das principais consequências dos grandes reavivamentos norte-americanos havia sido um profundo interesse por missões, ou seja, a preocupação em levar a mensagem cristã a outros povos. A primeira entidade surgida nos Estados Unidos com essa finalidade foi a Junta Americana de Comissionados para Missões Estrangeiras, criada pelos congregacionais em 1810. Em 1837, os presbiterianos também criaram a sua própria Junta de Missões Estrangeiras, que eventualmente começou a atuar em diversas regiões da Ásia, África e América Latina. Inicialmente, Simonton parece ter considerado a Bolívia como provável campo de trabalho. Todavia, em novembro de 1858, ao candidatar-se formalmente para a obra missionária no exterior, citou o Brasil como o campo de sua preferência. Não sabemos o que o levou a decidir-se pelo Brasil, mas existe uma possibilidade que consideraremos
adiante. Simonton foi ordenado ao ministério presbiteriano em 14 de abril de 1859, conheceu o seu futuro cunhado e colega Alexander Latimer Blackford (1829-1890), e embarcou para o Brasil em 18 de junho, chegando ao Rio de Janeiro no dia 12 de agosto, há 148 anos atrás. A chegada de Simonton ao Brasil não marcou a primeira presença de reformados neste país. Em meados do século XVI, quando os franceses tentaram estabelecer na Baía da Guanabara a chamada França Antártica, o chefe da expedição, o vice-almirante Nicolas Durand de Villegaignon, buscando elevar o nível moral e espiritual da comunidade, escreveu ao próprio Calvino solicitando-lhe o envio de colonos reformados. Calvino e a Igreja Reformada de Genebra atenderam prontamente o pedido, enviando vários correligionários sob a liderança de dois pastores, que chegaram ao Rio de Janeiro no início de 1557. Pouco depois, surgiram desavenças entre Villegaignon e os calvinistas, que resultaram na expulsão deste últimos da pequena ilha em que a colónia fora instalada. Isso os colocou em contato com os tupinambás, a quem tentaram evangelizar. Eventualmente, o pequeno grupo regressou para a França, estando entre eles o sapateiro Jean de Léry, que veio a tornar-se um pastor e escreveu o célebre livro História de uma Viagem à Terra do Brasil, publicado em 1578. Quando o navio ameaçou naufragar, cinco reformados ofereceram-se para retornar ao continente, sendo imediatamente presos por ordem de Villegaignon. Obrigados a responder a uma série de perguntas teológicas, eles produziram a notável Confissão de Fé da Guanabara, com base na qual três deles foram executados. Dos demais, um foi poupado por ser o único alfaiate da colónia e o outro conseguiu fugir, sendo mais tarde preso e enforcado. Essa experiência, embora efêmera e fracassada, passou à história como o primeiro esforço missionário feito por protestantes no sentido de evangelizar povos pagãos. No século seguinte, houve nova presença reformada Brasil, dessa vez de modo muito mais marcante, quando os holandeses da Companhia das índias Ocidentais ocuparam o nordeste durante 24 anos (1630-54). A igreja reformada do Brasil holandês chegou a ter mais de vinte comunidades, dois presbitérios e um sínodo, sendo em tudo uma igreja presbiteriana, exceto no nome. Além de dar assistência religiosa aos colonos europeus, a igreja realizou uma importante obra missionária e beneficente junto aos silvícolas. Um aspecto muito significativo desse experimento foi o fato de que, especialmente durante a administração do príncipe João Maurício de Nassau-Siegen (1637-44), os holandeses concederam aos residentes católicos e judeus da colónia uma medida de liberdade religiosa até então inédita na América Latina. Com a expulsão dos holandeses, não houve qualquer presença expressiva de protestantes no cenário brasileiro durante um século e meio. Foi somente no início do século XIX, com a transferência da corte portuguesa para o Brasil, que o protestantismo começou a implantar-se definitivamente no país. O célebre Tratado de Comércio e Navegação, firmado entre Portugal e a Inglaterra em 1810, pela primeira vez tornou possível o exercício legal do culto evangélico no Brasil, com algumas restrições. Poucos anos mais tarde, com a independência e a necessidade de atrair imigrantes europeus, aumentou consideravelmente o ingresso de protestantes filiados a diferentes confissões. Dentre os primeiros imigrantes protestantes a se fixarem no Brasil em números expressivos, dois grupos se destacam: os anglicanos, a partir de 1808, e os luteranos, a partir de 1824. Todavia, desde o início também, começaram a chegar reformados de diferentes nacionalidades. Assim sendo, em junho de 1827 foi fundada no Rio de Janeiro, por iniciativa do cônsul da Prússia, a Comunidade Protestante Alemã-Francesa, uma igreja composta tanto de luteranos quanto de calvinistas franceses, alemães e suíços. Nas décadas seguintes, começaram a chegar ao Brasil protestantes movidos por uma
motivação diferente. Ao contrário dos imigrantes, que limitavam as suas atividades religiosas às suas próprias comunidades étnicas, a partir de 1835 surgiram missionários procedentes do hemisfério norte interessados em alcançar com a sua pregação os próprios brasileiros. Os primeiros deles foram metodistas e congregacionais. Essas duas modalidades de protestantismo são denominadas pelos estudiosos como "protestantismo de imigração" e "protestantismo missionário". Dois pastores norte-americanos destacaram-se nesse período: Danie Parish Kidder e James Cooley Fletcher. Kidder, um ministro metodista, residiu no Brasil de 1837 a 1840 e viajou extensamente pelo país distribuindo bíblias e fazendo importantes contatos com políticos e intelectuais liberais, como o regente Diogo Antônio Feijó. Em São Paulo, Kidder ofereceu ao governo da província Novos Testamentos para serem usados nas escolas públicas, mas sua oferta foi rejeitada por interferência do bispo local. Retornando para os Estados Unidos, ele escreveu a importante obra Reminiscências de Viagens e Permanência no Brasil, publicada em 1845. Um nome frequentemente associado com Kidder é o do pastor presbiteriano James C. Fletcher (1823-1901), que teve uma longa e frutífera ligação com o Brasil a partir de 1851. Embora Fletcher não tenha se envolvido diretamente com a evangelização dos brasileiros, limitando sua atuação religiosa às comunidades de imigrantes, seus esforços contribuíram em muito para a consolidação do protestantismo no Brasil. Ele tornou-se amigo do imperador D. Pedro II e de muitas figuras destacadas da sociedade brasileira, e lutou em favor da liberdade religiosa, da emancipação dos escravos e da imigração de protestantes. Fletcher planejou e executou uma exposição industrial americana no Rio de Janeiro, promoveu os métodos educacionais norte-americanos e acompanhou industriais e cientistas em visita ao Brasil. Eventualmente, ele tornou-se membro correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e, por mais de vinte anos, foi um incansável defensor dos interesses brasileiros na imprensa norte-americana. Outra importante contribuição de Fletcher foi o livro “O Brasil e os Brasileiros”, publicado em 1857, atualizando e ampliando a obra anterior escrita por Kidder. Esses livros tornaram-se clássicos (o de Fletcher chegou a nove edições) e despertaram grande interesse pelo Brasil entre os norte-americanos. Nessas obras, Kidder e Fletcher descreveram o Brasil como um país vasto, dotado de recursos extraordinários, porém prejudicado pele atraso econômico, pela falta de escolas e pela ignorância religiosa. A religião oficial não estava tendo êxito em educar o povo nos princípios éticos e espirituais do evangelho. Fazia-se necessário, portanto, para o progresso e a prosperidade do povo brasileiro que os norte-americanos lhes levassem a sua religião, os seus valores e os seus métodos educacionais. E aqui voltamos ao nosso personagem principal. É provável que Simonton tenha lido esses livros e daí tenha resultado o seu interesse pelo Brasil e pela situação espiritual dos brasileiros. Seja como for, quando chegou ao Rio de Janeiro há 148 anos, ele não deparou-se com um terreno totalmente por desbravar. A sua chegada havia sido precedida por algumas gerações de protestantes, cujos esforços facilitaram em muito o seu trabalho. Ele fo um pioneiro no sentido de implantar sólida e definitivamente em solo brasileiro o presbiterianismo, ao contrário das experiências temporárias anteriores. Com Simonton, pela primeira vez, o movimento reformado, calvinista e presbiteriano fincou raízes não somente no Brasil, mas entre os próprios brasileiros. Em virtude da falta de fluência na língua portuguesa, nos seus primeiros tempos no Brasil, Simonton limitou-se a proferir as suas prédicas em navios ancorados na Baía da Guanabara e em residências de estrangeiros. Logo travou contato com o Rev. Robert R. Kalley, um missionário escocês que chegara ao Brasil quatro anos antes e dera alguns importantes passos no sentido de ampliar a liberdade religiosa então existente. Em abril
de 1860, Simonton finalmente conseguiu dirigir o seu primeiro culto em português. Três meses mais tarde, chegaram valiosos reforços na pessoa do Rev. Alexander L Blackford e sua esposa Elizabeth, irmã de Simonton. No final do ano, Simonton fez uma longa viagem de reconhecimento pelo interior, passando por São Paulo, Sorocaba, Itapetininga, Itu e Campinas. Fez várias pregações, visitou ingleses e alemães, hospedou-se com liberais e conversou com sacerdotes. Ao descrever essa viagem, Simonton deixou um curioso testemunho sobre o choque cultural que experimentava. Na região de Itapetininga, ele passou algum tempo em uma fazenda cuja hospitalidade muito apreciou. Todavia, não pode deixar de notar a casa desmazelada e suja, sem assoalhos, com falta de janelas e portas, e os porcos, galinhas, cachorros, vacas, cavalos e mulas que entravam livremente. Diz ele: "Nunca vi família tão excelente, com suficientes recursos, viver tão mal. Escravos por toda a parte, uns atrapalhando os outros; tábuas abandonadas na serraria a 100 metros de distância; não consigo entender tanto descaso e negligência. Dia após dia, eu observava e me maravilhava do processo como se dirigia a empresa toda. Ao ver João Carlos [Nogueira], um dos brasileiros de coração mais bem formado, em outros aspectos um homem de bom senso, viver daquele modo, minha confiança no Brasil e nos brasileiros diminuiu". A partir de maio de 1861, o melhor domínio da língua permitiu que Simonton tivesse mais êxito em atrair interessados e ele manifestou a satisfação de finalmente poder anunciar a sua mensagem aos brasileiros (e portugueses) e ver os primeiros frutos. Finalmente, a 12 de janeiro de 1862 concretizou-se a primeira grande realização de Simonton, que foi a fundação da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. Naquele dia, estando presente um novo missionário recém-chegado, Francis J. C. Schneider, Simonton admitiu formalmente à igreja os seus dois primeiros membros, curiosamente ambos estrangeiros - um americano, agente da Companhia Singer de máquinas de costura, e um português. Que esse evento foi muito significativo, o próprio Simonton o atesta em seu Diário, onde, ao registrar o fato, concluiu: "Assim, organizamo-nos em igreja de Jesus Cristo no Brasil". Pouco tempo após a fundação da igreja, Simonton regressou aos Estados Unidos para gozar o seu primeiro e único "furlough", antecipando uma viagem que pretendia fazer no final do ano. Essa antecipação deveu-se principalmente ao estado de saúde da sua mãe. Ao chegar, Simonton soube que ela havia falecido recentemente e também afligiuse com os horrores da Guerra Civil. Falou sobre o seu trabalho em diversas igrejas, inclusive na maior igreja portuguesa de Jacksonville, Illinois, onde os fiéis encantaramse em ouvir um americano expressando-se tão bem em seu idioma. Em março de 1863, Simonton casou-se com Helen Murdoch e, quatro meses depois, o novo casal chegou ao Rio de Janeiro. Com o regresso de Simonton, o casal Blackford mudou-se para São Paulo, a fim de ali iniciar a obra presbiteriana. Em fins de junho de 1864, nove dias após o nascimento de sua filha, a esposa de Simonton faleceu em virtude de complicações resultantes do parto. No difícil período que se seguiu, Simonton contou com a companhia e a solidariedade de um jovem colega que viria a ser um dos mais notáveis missionários a trabalharem no Brasil - George Whitehill Chamberlain (1839-1902) - o futuro fundador da Escola Americana de São Paulo, com sua esposa Mary Annesley Chamberlain. No final desse dramático ano de 1864, dois importantes acontecimentos verificaram-se entre os presbiterianos do Rio de Janeiro. No dia 23 de outubro, o ex-sacerdote José Manoel da Conceição foi formalmente recebido como membro da igreja, após declarar publicamente a sua adesão à fé evangélica. Conceição havia sido pároco em várias cidades do interior de São Paulo e convivera com imigrantes protestantes. Sua ênfase às
Escrituras e outras posições consideradas pouco ortodoxas levaram seus colegas a apelidá-lo de "padre protestante". Os seus contatos com o Rev. Blackford finalmente o levaram a romper com a religião que, conforme afirmou, havia inspirado os melhores atos da sua vida. Essa importante adesão deu grande publicidade ao novo movimento. Dois dias após a profissão de fé de Conceição, ocorreu o lançamento da Imprensa Evangélica, o primeiro periódico protestante do Brasil, que haveria de circular por 28 anos. Esta, que foi a segunda grande contribuição de Simonton ao presbiterianismo brasileiro, estava dentro das melhores tradições do protestantismo - muito provavelmente a Reforma Religiosa do Século XVI não teria tido êxito não fosse a existência da imprensa. O jornal de Simonton era um órgão de propaganda evangélica que visava alcançar sobretudo as camadas mais cultas da população e teve boa aceitação junto a certos grupos, particularmente liberais, maçons e alguns membros do clero. Seus editoriais e artigos visavam comunicar as principais ênfases da fé evangélica, mostrar os benefícios éticos e sociais do protestantismo e comentar as questões políticas e religiosas mais salientes da época. O periódico também não se furtava à polêmica religiosa, travando vigorosos debates com o jornal católico O Apóstolo. Em 1865, surgiram outras duas comunidades presbiterianas no Brasil, ambas na Província de São Paulo. O Rev. Blackford organizou em março a igreja da capital, em um salão localizado junto ao Largo de São Bento, e em novembro outra igreja na distante vila de Brotas, a última paróquia do ex-padre Conceição. Surgia assim um novo fenômeno no nascente protestantismo brasileiro — a conversão de grandes famílias residentes no interior; no caso de Brotas, as famílias Gouvêa e Cerqueira Leite. Agora, com a existência de três comunidades, foi possível a Simonton e seus colegas dar mais um passo importante na institucionalização do presbiterianismo no Brasil — a criação de um presbitério ou federação regional de igrejas. O Presbitério do Rio de Janeiro, solenemente instalado no dia 16 de dezembro de 1865, na cidade de São Paulo, era composto por apenas três pequenas igrejas e três missionários estrangeiros, e ficou filiado ao Sínodo de Baltimore, da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos. O principal objetivo da criação desse concílio foi algo que ocorreu no dia seguinte no mesmo salão próximo ao Largo de São Bento — a ordenação de José Manoel da Conceição como pastor presbiteriano. Após Conceição pregar o seu sermão de prova, Blackford fez as perguntas constitucionais, e Simonton dirigiu ao novo colega uma mensagem de saudação baseada no texto da 2a Epístola de São Paulo aos Coríntios, capítulo 5, versículo 20: "De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus". Com isso, José Manoel da Conceição tornou-se o primeiro ministro evangélico brasileiro, dando início às suas famosas viagens missionárias pelo interior de São Paulo e sul de Minas que foram urna sementeira de futuras igrejas. Conceição notabilizou-se pelos seus métodos evangelísticos moderados, evitando ataques contra a religião católica e procurando identificar-se com as pessoas a quem pregava a sua mensagem e procurava servir com seus pequenos conhecimentos de medicina. Na segunda reunião do Presbitério do Rio de Janeiro, em julho de 1866, foi ordenado o jovem Chamberlain, que no mês seguinte retornou aos Estados Unidos para estudar teologia em Princeton. Ele haveria de voltar para o Brasil dois anos mais tarde, já casado com Mary Annesley, para iniciar o seu profícuo trabalho pastoral e educacional na capital paulista. No dia 31 de dezembro de 1866, Simonton fez o último registro no seu Diário, quase um ano antes da sua morte. Seu senso de devotamento ao ideal supremo da sua vida transparece nos últimas palavras que anotou: "Quem me dera um batismo de fogo que consumisse minhas escórias; quem me dera um coração totalmente
de Cristo". Enquanto isso, a pequena igreja de Simonton ia ganhando novas adesões. O aumento contínuo da congregação tornava necessárias acomodações cada vez mais amplas. Daí as frequentes mudanças de endereço: Rua do Ouvidor, Rua do Cano (atual Sete de Setembro) e Rua do Regente. Em abril de 1867, houve nova mudança, desta vez para o Campo de Santana, atual Praça da República. A igreja passou a ocupar os andares superiores de um prédio em cujo pavimento térreo funcionava uma cervejaria. A necessidade de mais espaço prendia-se a dois novos projetos de Simonton, ambos na área educacional — uma escola paroquial e um seminário. Desde a sua chegada ao Brasil, Simonton havia se empolgado com a idéia de uma escola em moldes americanos que servisse tanto à comunidade imigrante quanto os brasileiros. Chegou a convidar o seu irmão James para abrir a referida escola. James de fato veio, permaneceu no Brasil por vários anos (1861-65), lecionando a maior parte do tempo em Vassouras, mas a escola não foi aberta. Agora, no Campo de Santana, Simonton alegrava-se por ter espaço para uma pequena escola paroquial, que funcionava nos fundos do salão de cultos. Ainda mais importante foi a sua última contribuição para o presbiterianismo nacional, a criação do chamado "seminário primitivo". Desde que Calvino fundou a sua Academia de Genebra, em 1559, os reformados vinham se esforçando para proporcionar aos seus ministros uma sólida preparação académica nas áreas bíblica, teológica e pastoral. A própria Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos havia demonstrado essa preocupação ao criar instituições como o Colégio de Nova Jersey e o Seminário de Princeton. Simonton percebeu que a Igreja Presbiteriana do Brasil não poderia crescer e emancipar-se sem a preparação de líderes autóctones. Assim, no dia 14 de maio de 1867, tiveram início as aulas do Seminário do Rio de Janeiro, tendo como professores o próprio Simonton, seu colega Schneider e o pastor luterano Carlos Wagner. Essa modesta instituição teológica existiu por apenas três anos, mas formou os quatro primeiros pastores presbiterianos nacionais: António Bandeira Trajano, Miguel Gonçalves Torres, Modesto Perestrello de Barras Carvalhosa e António Pedro de Cerqueira Leite. No final de novembro de 1867, Simonton fez a sua última visita a São Paulo. Um dos principais motivos para essas visitas era ver a sua filhinha Helen, que estava sendo criada pela tia Elizabeth, a irmã de Simonton . Desta vez, porém, havia uma razão adicional — Simonton achava-se doente e esperava que a viagem e o clima salubre da capital paulista trouxessem melhoras à sua saúde. Ele frequentemente queixava-se em seu Diário das altas temperaturas do Rio de Janeiro e das frequentes epidemias de febre amarela e outras enfermidades. A chegada a São Paulo não trouxe o alívio desejado, e Simonton veio a falecer no dia 9 de dezembro de 1867, poucas semanas antes de completar 35 anos, sendo sepultado no Cemitério dos Protestantes, anexo ao Cemitério da Consolação. Até certo ponto, a obra de Simonton foi bastante limitada, especialmente em razão da brevidade da sua estadia no Brasil. Descontados o período inicial em que aprendeu o idioma e a sua longa viagem aos Estados Unidos, seu trabalho efetivo entre os brasileiros estendeu-se por pouco mais de seis anos. Além disso, a morte prematura da sua esposa foi um duro golpe do qual ele nunca recuperou-se plenamente. Por outro lado, levando-se em conta essas limitações, foi notável tudo o que ele conseguiu realizar. Vale relembrar as suas principais contribuições no sentido de lançar as bases do presbiterianismo no Brasil: 1. A fundação da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro (1862), a primeira comunidade reformada de língua portuguesa a ser estabelecida no Brasil (composta de brasileiros e portugueses).
2. A criação da Imprensa Evangélica (1864), o primeiro periódico evangélico de língua portuguesa a circular no Brasil. 3. A organização do Presbitério do Rio de Janeiro (1865). O presbitério é a instituição mais característica do sistema presbiteriano de governo, visto ser o órgão que ordena os ministros e supervisiona as igrejas locais. 4. O seu interesse pela educação, materializado na criação da escola paroquial anexa à igreja do Rio de Janeiro. 5. A sua preocupação com o treinamento de uma liderança presbiteriana nacional, traduzida na instalação do Seminário do Rio de Janeiro (1867), que formou os primeiros pastores de língua portuguesa. 6. O seu espírito tolerante e aberto, expresso no relacionamento próximo que teve com colegas de outras confissões evangélicas, como o congregacional Kalley e o luterano Wagner, e mesmo com sacerdotes da religião majoritária, com os quais dialogou frequentemente. 7. Seu interesse pela boa literatura evangélica no idioma pátrio. Além de seus editoriais e artigos na Imprensa Evangélica, escritos num português que faria inveja a muitos brasileiros, Simonton traduziu o Breve Catecismo de Westminster e outras obras, escreveu um comentário bíblico e deixou muitos sermões, alguns dos quais foram reunidos por seu cunhado Blackford e publicados nos Estados Unidos em 1868. 8. Sua visão de uma igreja que não devia isolar-se, mas inserir-se fortemente na sociedade, contribuindo decisivamente para o aperfeiçoamento ético, intelectual e espiritual dos indivíduos, das famílias e das instituições. 9. O desprendimento que demonstrou, deixando o conforto e a segurança da terra natal para dedicar a sua vida e esforços em benefício do povo brasileiro, continua a ser uma fonte de inspiração e motivação para os herdeiros do seu movimento. Texto de Alderí Souza de Matos © Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper Postado por Pastor Pedro às 09:41 0 comentários Marcadores: Simonton
Sexta-feira, 28 de Setembro de 2007 Aula 9 - A ortodoxia reformada
“A eleição é o propósito imutável de Deus, mediante o qual, antes da fundação do mundo e por pura graça, escolheu dentre toda a raça humana... a certo número de pessoas a serem redimidas em Cristo”. Sínodo de Dordrecht Durante o século dezessete, a tradição reformada estabeleceu o que a partir de então
seria sua ortodoxia. Isto se deu em duas assembléias solenes, cujos pronunciamentos foram vistos como a mais fiel expressão do calvinismo. Essas duas reuniões foram: o Sínodo de Dordrecht e a Assembleia de Westminster. A Controvérsia Arminiana e o Sínodo de Dordrecht Jacob Armínio era um distinto pastor e professor holandês, cuja formação teológica havia sido profundamente calvinista. De fato, boa parte de seus estudos ocorreram em Genebra, sob a direção de Teodoro de Beza, o sucessor de Calvino naquela cidade. Voltando à Holanda, ocupou um importante púlpito em Amsterdam e logo sua fama se tornou grande. Devido a essa fama e a seu prestígio como estudioso da Bíblia e da teologia, os dirigentes da igreja de Amsterdam lhe pediram que refutasse as opiniões do teólogo Dirck Koornhert, que havia atacado algumas das doutrinas calvinistas, particularmente, no que se referia à predestinação. Com o propósito de refutar a Koornhert, Armínio estudou seus escritos e dedicou-se a compará-los com as Escrituras, com a teologia dos primeiros séculos da igreja e com vários dos principais teólogos protestantes. Por fim, depois de profundas lutas de consciência, chegou à conclusão de que Koornhert tinha razão. Posto que em 1603 Armínio tornou-se professor de teologia da Universida¬de de Leyden, suas opiniões foram publicamente reveladas. Um colega da mesma universidade, Francisco Gomaro, era partidário extremista da predestinação e, portanto, o conflito era inevitável. Foi assim que Jacob Armínio, calvinista de boa qualidade, deu nome à doutrina que, a partir daí, seria vista como a antítese do calvinismo, o arminianismo. O principal ponto de desacordo entre Armínio e Gomaro não era se havia ou não predestinação. Ambos concordavam que as Escrituras falam de "predestinação". O que se debatia era mais a base dessa predestinação. Segundo Armínio, Deus predestinou aos eleitos porque sabia, de antemão, que teriam fé em Jesus Cristo. Segundo Gomaro, Deus predestinou a alguns a terem essa fé. Antes da criação do mundo, a vontade soberana de Deus determinou quem se salvaria e quem não. Armínio, por sua vez, deduzia que o grande decreto da predestinação era a determinação que Jesus Cristo seria o mediador entre Deus e os seres humanos. Esse era um decreto soberano, que não dependia da resposta humana. O decreto referente ao destino de cada indivíduo baseava-se não na vontade soberana de Deus, mas em seu conhecimento, o qual seria a resposta de cada pessoa ao oferecimento da salvação em Jesus Cristo. Em quase tudo mais, Armínio continuava calvinista. Sua doutrina da igreja e dos sacramentos, por exemplo, seguia as linhas gerais de Calvino. Portanto, ainda que, por fim, foram os opositores de Armínio os que tomaram para si o nome de "calvinistas", o fato é que toda a controvérsia aconteceu entre os seguidores de Calvino. Armínio morreu em 1609, mas o conflito não terminou com sua morte. Seu sucessor na cátedra de Leyden sustentava as mesmas opiniões e continuou a controvérsia com Gomaro. Às questões teológicas se somaram os interesses políticos e económicos. Todavia, debatia-se entre os holandeses qual deveria ser sua relação com a Espanha. A classe mercantil, que constituía uma verdadeira oligarquia, tinha interesse em manter boas relações com a Espanha, a qual contribuía com o comércio. Frente a isso, o clero calvinista sustentava que tais relações corromperiam a pureza doutrinária da igreja holandesa. Os que não participavam da prosperidade trazida pelo comércio eram, por assim dizer, as classes médias e baixas, embuídas de patriotismo, de calvinismo e de ressentimento contra os mercadores e que opunham-se a tais relacionamentos. Logo, a oligarquia fixou-se no grupo dos arminianos, e os seus
opositores adotaram as teses de Gomaro. Em 1610, o partido arminiano, produziu um documento de protesto, o Remonstrantia, em virtude do qual, a partir de então, deu-se-lhes o nome de "remonstrantes". Esse docu¬mento incluía cinco artigos que tratavam sobre as principais questões em disputa. O primeiro artigo define a predestinação em termos diferentes, pois declara que Deus determinou, antes da fundação do mundo, que os que se salvariam seriam os que cressem em Cristo. Não está claro se isso quer dizer, como havia ensinado Armínio, que Deus sabia quem haveria de crer e predestinou essas pessoas, ou se queria dizer, simplesmente, que Deus determinou a quem quer que cresse, que seria salvo (o que depois se chamou "o decreto aberto da predestinação"). Em todo caso, o parágrafo da Remonstrantia declara que isto é tudo o que se requer para a salvação, que "não é necessário, nem proveitoso elevar mais alto, nem penetrar mais profundamente". Portanto, a especulação acerca da causa do decreto da predestinação deve ser refutada. O segundo artigo afirma que Jesus Cristo morreu por todos os seres humanos, mesmo que só os crentes recebam os benefícios de sua paixão. O terceiro trata de rejeitar a acusação do pelagianismo de que os gomaristas faziam objeção aos arminianos. — O aluno recordará que o pelagianismo foi a doutrina a que se opôs Santo Agostinho, afirmando que o ser humano era capaz de fazer o bem por suas próprias forças. — Por isso declara que o ser humano nada de bom pode fazer por suas próprias forças e que requer a graça de Deus para poder fazer o bem. Entretanto o quarto artigo rebate a conclusão que tanto Agostinho como Calvino e Gomaro tiravam dessa doutrina, isto é, que a graça é irresistível. "No que se refere ao modo de operação desta graça, não é irresistível, posto que está escrito que muitos resistiriam ao Espírito Santo". Por último, o quinto artigo trata a respeito dos que creram em Jesus Cristo, se podem perder a graça ou não. Sobre isso, os gomaristas declaravam que a força da predestinação é tal que, os que foram predestinados a crer não podem perder a graça. A resposta dos arminianos neste ponto não é categórica, mas dizem, simplesmente, que é necessário que se lhes dêem melhores provas das Escrituras, antes que estejam dispostos a ensinar uma coisa ou outra. Uns poucos anos mais tarde, as circunstâncias políticas trabalharam drasticamente entre os arminianos. O príncipe Maurício de Nassau que, durante algum tempo não havia interferi¬do na disputa, tornou o partido dos calvinistas estritos. Johann van Oldenbarnevelt, o Barnevelt, que tinha dirigido o país nas negociações de uma trégua com a Espanha, e era partidário dos arminianos, foi encarcerado. Seu amigo, Hugo Grocio, um dos fundadores do direito internacional moderno, também foi aprisionado. Como parte dessa reação contra o partido mercantilista e contra o arminianismo, os estados gerais holandeses convocaram uma grande assembléia eclesiástica. Essa assembléia, que se conhece como "Sínodo de Dordrecht", reuniu-se desde novembro de 1618 até maio de 1619. O propósito dos estados gerais ao convocá-lo foi conseguir o apoio não somente dos calvinistas no país, mas também dos do resto da Europa. Por isso estenderam convites a outras igrejas reformadas, e um total de vinte e sete delegados apresentaram-se, desde a Grã-Bretanha, Suíça e Alemanha (os franceses não puderam assistir porque Luís XIII os proibiu). Os holandeses eram quase setenta, dos quais aproximadamente a metade eram ministros e professores de teologia, a quarta parte anciãos leigos e o resto membros dos Estados Gerais. As primeiras sessões do Sínodo trataram de diversos assuntos administrativos. Decretaram que se produziria uma nova tradução da Bíblia em holandês. Mas o propósito principal da Assembléia era condenar o arminianismo para, desse modo, conseguir o apoio do resto das igrejas reformadas nas brigas internas que dividiam a
Holanda. Portanto, os decretos do Sínodo de Dordrecht, no que se refere a teologia, eram dirigidos contra os arminianos. Ainda que a assembléia não tenha aceito as teses mais extremas de Gomaro (que era um dos seus membros), concordou com ele na necessidade de condenar o arminianismo. Os Cânones do Sínodo de Dordrecht promulgaram cinco doutrinas contra os arminianos e, a partir daí, essas doutrinas se fizeram parte fundamental do calvinismo ortodoxo. A primeira dessas doutrinas é a da eleição incondicional. Isso queria dizer que a eleição dos predestinados não se basea¬va no conhecimento que Deus tem do modo pelo qual cada um responderá ao oferecimento da salvação, senão unicamente no inescrutável beneplácito divino. O segundo dos princípios de Dordrecht afirma a limitada expiação. Os arminianos afirmavam que Jesus Cristo havia morrido por todo o gênero humano. Frente a eles, o Sínodo de Dordrecht declarou: ainda que o sacrifício de Cristo seja suficiente para toda a humanidade, Jesus Cristo morreu para salvar unicamente os eleitos. Em terceiro lugar, Dordrecht ainda afirmou que, embora reste no ser humano caído certo vestígio de luz natural, sua natureza foi corrompida de tal modo que essa luz não pode ser usada corretamente. Isto é certo, não somente ao que se refere ao conhecimento de Deus e à conversão, mas também no que se refere às coisas "civis" e "naturais". A quarta doutrina fundamental de Dordrecht é a da graça irresistível, a que já nos referimos anteriormente. Por último, o Sínodo afirmou a perseverança dos santos, ou seja, a doutrina segundo a qual os eleitos têm de perseverar na graça. Embora isto não seja obra sua, senão de Deus, servirá para dar-lhes confiança em sua salvação, firmeza no bem, ainda que vejam o poder do pecado atuando neles. Imediatamente, depois do Sínodo de Dordrecht, tomaram-se medidas contra os arminianos e seus partidários. Van Oldenbarnevelt foi executado e Hugo Grocio foi condenado à prisão perpétua — pouco depois, graças ao auxílio de sua esposa, conseguiu escapar escondido em um baú, supostamente cheio de livros. Quase uma centena de ministros de conviccões arminianas foi desterrada, e outros tantos foram privados de seus púlpitos. Os que insistiram em continuar pregando foram condenados a prisão perpétua. Os leigos que assistiam aos cultos arminianos corriam o perigo de terem que pagar pesadas multas. Para assegurar-se de que os mestres não ensinavam doutrinas arminianas, a eles também se exigiu aceitar formalmente as decisões de Dordrecht. Em alguns lugares chegou-se a exigir dos organistas uma decisão semelhante. Conta-se que um deles comentou que não sabia como tocar no órgão os cânones de Dordrecht. Maurício de Nassau morreu em 1625. A partir daí, acalmaram-se os rigores contra os arminianos, até que se começou a tolerá-los oficialmente em 1631. Logo organizaram suas próprias congregações, que subsistem até hoje. Mas o principal impacto do arminianismo não ocorreu através dessas igrejas holandesas senão por meio de outros grupos e movimentos (particularmente o metodismo), que abraçaram alguns de seus princípios. A Confissão de Westminster Ao tratar da Revolução Puritana, narramos os sucessos que levaram à convocação da Assembléia de Westminster e dissemos algo acerca das decisões desse corpo e do seu impacto no curso dos acontecimentos na Grã-Bretanha. Também mencionamos a Confissão de Westminster, produzida por essa assembléia em 1647. Todavia, deixamos toda discussão do conteúdo teológico desse documento para a presente aula, onde o veremos como o segundo exemplo do espírito da ortodoxia calvinista. A Confissão de Westminster é muito mais longa que os cânones de Dordrecht, pois nela
trata-se de muitos temas distintos. O primeiro capítulo aborda a questão da autoridade das Escrituras, que são o "juiz supremo" em toda controvérsia religiosa. Posto que nem toda a Bíblia é igualmente clara, "a regra infalível para a interpretação da Escritura é a Escritura mesmo", o que quer dizer que os textos obscuros devem ser interpretados à luz dos mais claros. Depois de expor a doutrina da Trindade, a Confissão passa a discutir "o decreto eterno de Deus" e começa afirmando que, desde a eternidade, Deus tinha determinado tudo quanto havia de suceder. Parte desse decreto diz que alguns seres humanos e alguns anjos foram predestinados para a vida eterna e outros para a morte eterna. Ainda mais, isto não se baseia de modo algum em que Deus sabia ou previra quem haveria de atuar de uma ou de outra maneira. Igualmente ao sínodo de Dordrecht, a Confissão de Westminster afirma que parte do resultado do pecado de Adão é: "esta corrupção original, que nos faz incapazes e inaptos e contrários a todo bem, inclinando-nos completamente para todo o mal". Afirma também a doutrina da expiação limitada ao declarar que Cristo salva a todos aqueles cuja redenção obteve. Depois do pecado, o ser humano perdeu toda liberdade de inclinar-se para a salvação e, portanto, este é o resultado do "chamado eficaz" mediante o qual Deus trabalha nos eleitos e "determina suas vontades para o bem". Esses eleitos são justificados quando o Espírito Santo, no momento propício, lhes aplica a obra de Cristo. A isto segue a santificação que, apesar de imperfeita nesta vida, é sem dúvida inevitável, pois a força santificadora do Espírito Santo prevalece nos predestinados. Tais pessoas "não podem cair do estado de graça de modo total nem final, mas, certamente, perseverarão nele e serão eternamente salvas". Segue-se a isso, uma longa série de capítulos acerca das questões que se debatiam na Inglaterra durante o período da revolução puritana, tais como o modo de guardar o dia do Senhor, se era legítimo prestar juramento, como devia organizar-se a igreja, e outros temas. Porém, o que nos importa aqui é mostrar o acordo entre a Confissão de Westminster e os cânones de Dordrecht, pois estes dois documentos são os pilares da ortodoxia calvinista a partir do século dezessete. O que antecede basta para mostrar o espírito e o conteúdo da ortodoxia calvinista dos séculos dezessete e dezoito. Di¬zendo ser fiel intérprete de Calvino, centralizava toda sua atenção sobre a doutrina da predestinação e outras questões relacionadas com ela, como o livre arbítrio, a graça irresistível, a depravação total do gênero humano e a perseverança dos santos. Desse modo, fazia da teologia do reformador de Genebra, um sistema rígido que o próprio Calvino, quem sabe, não teria reconhecido. Calvino havia descoberto em sua própria experiência o gozo liberador da justificação pela graça imerecida de Deus. Para ele, a doutrina da predestinação era um modo de expressar esse gozo e esse caráter imerecido da salvação. Mas em mãos de seus seguidores, tornou-se prova da ortodoxia e até do favor divino. Quase poderia se dizer, sem exagerar, que os calvinistas posteriores chegaram a confundir a dúvida acerca da predestinação com o fato de ser condenado. Postado por Pastor Pedro às 07:23 1 comentários Marcadores: ortodoxia Reformada
Segunda-feira, 24 de Setembro de 2007 Aula 8 - A ortodoxia luterana
< Martinho Lutero A reforma proposta e começada por Lutero era de caráter doutrinário e não meramente prático. Lutero criticava a corrupção que se havia tornado tão comum na vida da igreja. Mas esse não era o tema principal de seu conflito com a Igreja Romana. Esse conflito devia-se a razões teológicas que já vimos. Por isso, Lutero estava convencido de que a reta doutrina era de especial importância para a vida da igreja. Por outro lado, isso não queria dizer que todos teriam que pensar exatamente como ele. Durante vários anos, seu principal colaborador foi Felipe Melanchthon que discordava dele em muitos pontos. O próprio Lutero gostava de dizer que ele era como o lavrador que cortava as árvores e tirava as grandes pedras, e que Melanchthon vinha depois para arar e semear. De igual modo, ainda que posteriormente se tenha falado muito, e com razão, das diferenças entre Lutero e Calvino, o fato é que, quando o reformador alemão leu a primeira edição da Instituição da religião cristã, comentou muito favoravelmente sobre ela. Mas nem todos os luteranos tinham tal amplitude mental. Logo alguns deles começaram a insistir em um luteranismo estrito e cada vez mais rígido. No século dezesseis, isto deu lugar ao conflito entre "filipistas" e luteranos estritos e, no dezessete, à "ortodoxia luterana". Filipistas e luteranos estritos Depois da morte de Lutero, Melanchthon ocupou seu lugar como o principal intérprete da teologia luterana. Sua obra, Temas teológicos, veio a ser um dos principais textos para o estudo da teologia e foi publicada repetidamente, sempre com novas revisões por parte de seu autor. Mas havia quem pensasse que Melanchthon não representa¬va fielmente a teologia do falecido Reformador. O ponto fundamental de discrepância, dos quais derivavam os demais, era o espírito humanista do "Mestre Felipe" — como Lutero lhe chamava. Quando o Reformador rompeu com Erasmo e seu humanismo, Melanchthon continuou as relações cordiais com o ilustre erudito. Isso devia-se, em parte, ao espírito agradável do "mestre Felipe". Devia-se também ao fato de que Melanchthon não estava completamente de acordo com o tom radical de Lutero em seus ataques contra a "miserável razão". Por motivos semelhantes, Melanchthon, ao mesmo tempo que afirmava a justificação pela fé, insistia na necessidade das boas obras, ainda que não como meio de salvação, senão como resultado e testemunho dela.
O conflito entre "filipistas" e os luteranos estritos estourou em volta do ínterim de Augsburgo. Como vimos ao tratar sobre a Era dos reformadores, este foi um modo de conseguir a paz, ao menos temporariamente, entre católicos e luteranos. Nenhum dos luteranos acreditava que o ínterim era um grande documento. Mas a pressão imperial era grande e, por fim, os teólogos de Wittenberg, com Melanchthon liderando, consentiram assinar o ínterim de Leipzig, que era uma versão modificada do de Augsburgo. Os luteranos estritos que haviam se negado a assinar o ínterim mesmo frente a autoridade imperial, acusaram os "filipistas" de Wittenberg de haverem abandonado vários elementos da doutrina luterana. A resposta de Melanchthon estabelecia uma distinção entre os elementos essenciais do evangelho e os periféricos, aos que dava o nome grego de "adiáfora". O essencial não devia e nem podia ser abandonado sob nenhuma circunstância. O que era "adiáfora", sem deixar de ser importante, não era imprescindível. Logo, em uma situação como a que existia, justificava-se abandonar alguns elementos que eram secundários, a fim de salvaguardar a liberdade de continuar pregando e ensinando o essencial do Evangelho. A tudo isso os luteranos estritos, liderados por Matias Flacio, respondiam que, mesmo sendo certo que existam elementos periféricos de importância fundamental, existem também circunstâncias onde se requer uma clara confissão de fé. Nessas ocasiões, certos elementos que poderiam parecer secundários tornaram-se símbolos da mesma fé. Quem os abandona nega-se a confessar sua fé. Quem verdadeiramente quer dar o testemunho claro, que se requer, nega-se a abandonar esses elementos periféricos, temendo que tal abandono seja interpretado como uma capitulação. Ao aceitar o ínterim de Leipzig, os "filipistas", ainda que não tivessem feito outra coisa que ceder no periférico, negaram-se a confessar sua fé. A este conflito logo se ajuntaram outros. Os luteranos estritos acusavam os filipistas de darem demasiada importância à participação humana na salvação. Melanchthon, que nunca havia estado completamente de acordo com o que Lutero havia dito acerca do "arbítrio escravo", pouco a pouco foi concedendo maior importância ao arbítrio humano e, por fim, chegou a falar de uma colaboração entre o Espírito, a Palavra e a vontade humana. Frente a ele, os luteranos estritos enfatizavam a corrupção da natureza humana como consequência do pecado. Flacio chegou mesmo a dizer que a natureza do ser humano caído é corrupta. Logo os luteranos estritos começaram a acusar os filipistas de serem na realidade calvinistas e não luteranos. Um deles fez uma comparação entre Lutero e Calvino no que se refere ao sacramento da comunhão. Tratou de provar que muitos dos pretensos luteranos, na realidade eram calvinistas. Todas estas controvérsias (e outras que não mencionamos, mas de semelhante teor) levaram, por fim, à Fórmula de Concórdia de 1577. Na maior parte das questões debatidas, essa Fórmula tomava uma posição intermediária entre ambos os extremos. Assim, por exemplo, a Fórmula declara que é verdadeiro que haja certos elementos que não são essenciais ao evangelho, mas acrescenta que, em tempos de perseguição, não é lícito sequer abandonar esses elementos periféricos. No que se refe¬re à relação entre a predestinação e o livre arbítrio, a Fórmula adota também uma posição intermediária entre as de Melanchthon e Flacio. Mas, quanto à comunhão, a Fórmula seguiu o caminho do luteranismo estrito, dando a entender que não há diferença apreciável entre a posição de Zwinglio, que Lutero rebateu em Marburgo, e a de Calvino. O resultado disto foi que, a partir de então, uma das características essenciais do luteranismo foi sua doutrina acerca da presença de Cristo na comunhão, expressa em termos de sua oposição ao calvinismo.
A ortodoxia Enquanto o período anterior da Fórmula de Concórdia caracterizou-se pelas controvérsias entre os luteranos estritos e os "filipistas", as gerações seguintes se dedicaram a unir intimamente os ensinamentos de Lutero com os de Melanchthon. Esse já era o espírito da Fórmula e de seu principal arquiteto, o teólogo Martin Chemnitz — cuja teologia, ao mesmo tempo que aceitava a maior parte das proposições dos luteranos estritos, seguia uma metodologia semelhante a de Melanchthon. Para Chemnitz, o importante era reconciliar as diversas posições dentro do luteranismo e contornar seus pontos de divergências, tanto com o catolicismo como com outros ramos protestantes. A teologia que surgiu desse novo espírito chamou-se "escolasticismo protestante" e dominou o pensamento luterano durante o século dezessete e boa parte do dezoito. A principal característica do escolasticismo protestante foi sua ênfase no pensamento sistemático. Lutero nunca tratou de expor todo um sistema de teologia, nem sequer de desenvolver tal sistema. Melanchthon escreveu uma breve obra sistemática que logo gozou de grande estima. Mas os teólogos da escolástica protestante escreveram grandes obras sistemáticas que tanto por sua extensão como pelo detalhe de suas análises, podiam comparar-se às grandes sínteses da escolástica medieval. Por exemplo, a principal obra de João Gerhardt compreendia nove grandes volumes que, na edição seguinte, se tornaram vinte e três. Abraham Calov publicou, entre 1655 e 1677, uma teolo¬gia sistemática em doze volumes. Nessas obras, tentava-se tratar, ponto por ponto e ordenadamente, todas as questões teológicas imagináveis. Outra característica da escolástica protestante, e que a fa¬zia semelhante à medieval, era seu uso de Aristóteles. Lutero havia dito que, para ser teólogo, era necessário desfazerse de Aristóteles. Mas, pelo fim do século dezesseis, houve um desper¬tar do interesse pela filosofia aristotélica, e logo quase todos os teólogos luteranos estavam empenhados em expor a teologia de Lutero em formas da metafísica aristotélica. Ainda mais, alguns deles faziam uso das obras filosóficas dos jesuítas, que também tinham se dedicado a fazer sua teologia sobre a base de Aristóteles. Portanto, ao mesmo tempo que em conteúdo, a escolástica protestante opunha-se radicalmente ao catolicismo romano, em seu tom de metodologia se parecia muito com a teologia católica da época. A terceira razão porque a teologia luterana do século dezesseis recebeu o nome de "escolasticismo" é que foi o principal produto das escolas. Não se tratava já, como no século dezesseis, de uma teologia nascida da vida da igreja e dirigida para a pregação e cuidado pastoral, mas de uma teologia nasci¬da nas universidades e dirigida principalmente para outros teólogos. Ainda que a escolástica protestante tenha caído em desuso em fins do século dezoito, deixou dois legados importantes: sua doutrina da inspiração das Escrituras e seu espírito de rigidez confessional. Lutero nunca havia tratado, especificamente, sobre a inspiração das Escrituras. Naturalmente, estava convencido de que as Escrituras haviam sido inspiradas por Deus e que, portanto, eram a base de qualquer afirmação teológica. Mas nunca discutiu em que consistia a inspiração. Para ele, o importante não era o texto da Bíblia, mas a ação de Deus da qual esse texto dá testemunho. A Palavra de Deus é Jesus Cristo, a Bíblia é a Palavra de Deus porque nos leva a ele e nos dá testemunho dele. Mas os luteranos da escolástica protestante suscitaram a questão: Em que sentido a Bíblia é inspirada? A resposta da maioria deles foi que o Espírito Santo não só disse aos autores o que tinham de escrever, mas que também lhes ordenou que o escrevessem. Tal doutrina era importante para rebater o argumento em favor da tradição de alguns católicos, que diziam que os apóstolos comunicaram a seus discípulos algumas coisas por escrito e outras verbalmente. Se os apóstolos deixaram a seus discípulos ensinamentos orais ou
não, não importa, pois tais ensinamentos não seriam inspirados. O único inspirado é o que o Espírito disse aos apóstolos e profetas que escreveram. A outra pergunta que estes teólogos suscitaram com respei¬to à inspiração das Escrituras é: Até que ponto a individualidade de cada autor determinou o que escreveram? A resposta mais comum foi que os autores bíblicos não foram mais do que copistas ou secretários do Espírito Santo. O que escreveram foi, letra por letra, o que o Espírito lhes disse. Mas o Espírito conhecia a individualidade de cada autor e, portanto, ditou a cada um segundo sua própria personalidade e estilo. É por isso que as epístolas de Paulo, por exemplo, são distintas das de João. Tudo isso levou a uma ênfase na inspiração da Bíblia letra por letra. É interessante notar que, ao mesmo tempo que alguns teólogos afirmavam que a Vulgata (a tradução da Bíblia em Latim) tinha sido inspirada pelo Espírito Santo, havia teólogos luteranos que afirmavam que o Espírito Santo inspirou os rabinos que, durante a Idade Média, associaram as vogais ao texto hebraico (o texto original somente tinha consoantes). O espírito de rigidez confessional da escolástica protestante pode ser visto na controvérsia que ocorreu em torno da obra de Jorge Calixto. Jorge Calixto e seu "sincretismo" Jorge Calixto era um luterano sincero que estava convencido de que, mesmo sendo o luteranismo a melhor interpretação das Escrituras, isso não bastava para declarar que todos os demais eram hereges ou falsos cristãos. As controvérsias da época e, em particular, o modo como os cristãos de diversas confissões se atacavam mutuamente, lhe parecia uma negação do espírito do evangelho. Com efeito, era necessário buscar uma aproximação. Mas, ao mesmo tempo, tal aproximação não devia levar à negação do luteranismo. Com esse projeto em mente, Calixto estabeleceu uma distinção semelhante a de Melanchton entre o fundamental e o secundário. Tudo o que está nas Escrituras tem sido revelado por Deus, mas nem tudo tem igual importância. O fundamental e absolutamente necessário é o que se refere à salvação. Os demais são também importantes, pois são parte da revelação divina e, portanto, não podemos nos desinteressar deles. Porém, não é o fundamental. Em outras palavras, existe uma diferença entre a heresia e o erro. A heresia consiste em negar parte do que é essencial para a salvação. O erro consiste em negar algum outro aspecto da verdade revelada. Tanto a heresia como o erro são maus e devem ser evitados. Mas unicamente a heresia deve ser obstáculo para que tenhamos comunhão uns com os outros. Como saber o que é fundamental e o que não é? Para responder a esta questão, Calixto apela ao que ele chama "o consenso dos primeiros séculos". Durante os primeiros cinco séculos da vida da igreja, existiu certo consenso. Algumas posições foram condenadas como heréticas, e nós devemos fazer o mesmo. Não devemos declarar que algo, que não se encontra nos escritos desses primeiros séculos, é fundamental para a salvação. De outro modo, chegaríamos à conclusão de que ninguém se sal¬vou durante os primeiros séculos da vida da igreja. Isso não quer dizer que devemos crer unicamente no que se encontra nos escritos desses cinco primeiros séculos. Ao contrário, devemos crer em tudo o que se encontra nas Escrituras. Mas existem muitas coisas que se encontram nas Escrituras e não se encontram nos primeiros séculos da história da igreja. Tais coisas devem ser cridas. Quem nelas não crê, cai no erro. Assim sendo, não é herege. A doutrina da justificação pela fé é um exemplo disso. Essa doutrina encontra-se, indubitavelmente, nas Escrituras. No entanto, não forma parte da fé comum da igreja nos primeiros séculos. Em consequência, ainda que importante, não se exige de todos,
como quem nela não cresse fosse considerado herege. Ainda que Lutero tivesse razão, e devemos sustentar sua doutrina, isso não há de nos levar a declarar que os católicos são hereges. O mesmo há de se dizer com respeito à presença de Cristo na comunhão e os calvinistas. Apesar dos calvinistas estarem equivocados, não são hereges. Desse modo, Calixto esperava chegar a um maior entendi¬mento e aceitação mútua entre os cristãos de diversas confissões. Por isso o consideraram um dos precursores do movimento ecumênico. Entretanto, os defensores da ortodoxia luterana não estavam dispostos a aceitar as idéias de Calixto. Abraham Calov declarou, enfaticamente, que tudo quanto Deus havia revelado nas Escrituras era absolutamente necessário. Quem nega ou rejeita parte dela, por muito pequena ou insignificante que essa parte pareça, nega ou rejeita o próprio Deus. Outros teólogos, sem ir tão longe, diziam que, ao introduzir a questão do "consenso dos primeiros cinco séculos", Calixto havia voltado a dar à tradição o papel que Lutero lhe havia tirado. Logo, as idéias de Calixto passaram a chamar-se de "sincretismo" com o qual se dava a entender, falsamente, que Calixto dizia que se devia tomar um pouco de cada uma das confissões cristãs, ou que todas eram igualmente válidas. O único lugar onde o projeto de Calixto teve acolhida favorável foi na Polônia, onde o rei Ladislao IV tratou de colocá-las em prática, estabelecendo um diálogo entre teólogos de diversas confissões. Esse diálogo fracassou. O "sincretismo" de Calixto não teve maiores consequências positivas. Todavia, isso serve para ilustrar o modo como os teólogos ortodoxos de cada uma das principais confissões, iam se refugiando em suas posições, como se os únicos que mereciam o nome de cristãos fossem os que concordassem com eles em todos os detalhes de sua doutrina. Esse dogmatismo extremo, ao mesmo tempo que criava partidários decididos, dava lugar a dúvidas cada vez mais generalizadas a respeito da fé cristã ou, pelo menos, do valor da teologia. Postado por Pastor Pedro às 08:31 2 comentários Marcadores: Aula 8
Segunda-feira, 17 de Setembro de 2007 Aula 7 - A ortodoxia católica
Ao final do Concílio de Trento, no ano de 1563, havia-se fixado o que seria a ortodoxia católica durante os próximos quatro séculos. Além disso, havia-se promulgado todo um programa de reforma. Mas, tanto essa ortodoxia como essas refor¬mas não precisavam de opositores às fileiras católicas. Por um lado, o programa tridentino baseava-se na centralização do poder em torno da pessoa do papa. Isso ia contra os interesses dos governos seculares, particularmente das monarquias, que, precisamente nesta época pretendiam fazer-se mais absolutas. Por outro lado, não faltavam prelados para quem a vida austera e as reformas dos costumes propostos pelo Concílio, constituíam-se num sacrifício inaceitável. Por último, havia os que pensavam que, em seu entusiasmo de
condenar as teses protestantes, os teólogos tridentinos exageraram e que, portanto, era necessário recuperar algumas das antigas teses de Santo Agostinho sobre a superioridade da graça na salvação humana. O galicanismo e a oposição ao poder do papado Um dos principais pontos do programa da retorna colocado pelo Concílio de Trento, foi a centralização do poder eclesiástico. O Concílio mesmo teve que ser convocado porque o pa¬pado precisava da autoridade necessária para responder aos desa¬fios do protestantismo. Mas o resultado das deliberações conciliares foi um intento de devolver aos papas a autoridade que haviam tido no apogeu do seu poderio, durante o que chamamos a "Era dos Altos Ideais". Assim, o papado que no início das deli¬berações do Concílio, precisava de prestígio e autoridade, ficou encarregado de dirigir a vida de toda igreja. Mas essas decisões por parte do Concílio coincidiram e chocaram-se com outros processos políticos que estavam ocorrendo. Era a época do absolutismo real. Já temos visto as opi¬niões que tinham James l e Carlos II acerca das prerrogativas dos reis. Semelhantes idéias circulavam na Espanha, Áustria e França, onde tinham melhor êxito. A isto, unia-se o crescente sentimento nacionalista que levava muitos a pensar que o papa não tinha razão para mistura-se nos assuntos de seus países. Esse sentimento nacionalista, que tratava de limitar os poderes do papa, recebeu o nome de "galicanismo" (de "Galia", o antigo nome da França), porque foi na França que recebeu maior força. Frente a isso, levantou-se o partido dos "ultramontanos", nome dado àqueles que sustentavam que o centro de autoridade eclesiástica encontrava-se em Roma, "mas além dos montes" (os Alpes). Como vimos anteriormente, durante as últimas décadas an¬tes da Reforma, o papado existiu sob a sombra do trono francês, que havia conseguido numerosas concessões no que dizia respeito à vida eclesiástica francesa. Prontamente, chamou-se tais con¬cessões de "As Liberdades da Igreja Galicana", por defendê-las com fervor patriótico. Em consequência, os franceses eram católicos à sua maneira, como se pode ver quando Henrique IV, apesar de estar excomungado por Roma, foi feito rei e o clero católico retirou a excomunhão sem consultar o papa. Estes sentimentos galicanos dificultavam a aplicação dos decretos tridentinos dentro do território francês. Ainda que o próprio Henrique IV, através de uma série de negociações com Roma, se comprometesse a promulgá-los no país, o Parlamento e boa parte do clero opuseram-se, e o Concílio não chegou a ter validade na França. Em 1615, cinco anos depois do assassinato de Henrique IV, os decretos do Concílio ainda não haviam sido promulgados pelo governo francês e o clero nacional decidiu fazê-lo por conta própria. Ainda que isto pudesse ser feito, porque neste momento boa parte do clero inclinava-se para o ultramontanismo, o próprio fato de que foi o clero francês que decidiu acerca da validade do decreto do Concílio em seu país, daria depois mais argumentos aos defensores das "liberdades galicanas". O galicanismo tinha, por assim dizer, dois ramos. Havia quem defendesse as "liberdades galicanas" por sentimentos nacionalistas, enquanto outros o faziam porque estavam con¬vencidos de que a autoridade eclesiástica residia nos bispos, e não no papa. Mas ambas as posições convinham para a coroa, que não vacilou em animar os sentimentos galicanos, nem em opor-se ao ultramontanismo, às vezes, a força. Em outras partes da Europa católica, houve movimentos parecidos com o galicanismo. Destes, o mais importante foi o "febronianismo", que se baseava nas idéias expostas por Justino Febrônio em sua obra “O estado da igreja e o poder legítimo do pontífice romano”. Este livro, publicado em 1673, deu nova vida às antigas idéias conciliaristas.
Segundo Febrônio, a igreja é a comunidade dos fiéis, e a eles corresponde o poder em última instância. Mas os bispos, como representantes dos fiéis, são os que foram chamados para governar a igreja. Logo, um concílio universal de bispos tem maior autoridade do que o papa, que, em todo caso, não pode interferir nos assuntos de outras igrejas, a não ser na cidade de Roma. A idéia da jurisdição universal do papa, baseia-se em falsas decretais, um documento espúrio que não merece crédito algum. Clemente XIII condenou o escrito de Febrônio logo que publicado, mas, apesar disso, as idéias que nele se expressavam, rapidamente ganharam popularidade. Muitos viam no febronianismo uma possibilidade de voltar a reunir católicos e protestantes, à base de um concílio universal que não estivesse domi¬nado pelos elementos papistas. Outros o apoiavam e o difundiam porque era compatível com o crescente sentimento nacionalista e negava ao papado jurisdição sobre os diversos reinos independentes. Na Alemanha, não faltaram opulentos bispos que eram, ao mesmo tempo, senhores seculares de suas dioceses e para quem o febronismo era um modo de evitar que se lhes impusessem reformas decretadas em Trento. Na corte de Viena, o febronianismo tomou um caráter particular. Ali, o imperador José II utilizou esta doutrina para apoiar um plano de governo que fazia da igreja instrumento seu. José II era um dos príncipes ilustres que apareceram no século XVIII e que se lançaram num programa de reformas nos campos da economia, política e educação. Para levar a cabo seus projetos, este imperador necessitava da igreja, mas não de uma igreja dominada pelo espírito tridentino, que lhe parecia obscurantista e intolerante. Ao contrário, o Imperador desejava poder contar com uma igreja culta. Por isso, encarregou-se da educação do clero, aboliu muitos mosteiros que lhe pareciam instrumentos papais e com os fundos assim obtidos, fundou novas igrejas e fez com que as paróquias rurais tivessem ministros aptos. Outros governantes mostravam-se inclinados a seguir o exemplo do imperador José. Por isso, a igreja romana que havia condenado o febronianismo em 1764, condenou o josefismo em 1794. Não foram tais condenações, e sim a Revolução Francesa, de que nos ocuparemos mais tarde, que pôs fim ao galicanismo e a outros movimentos afins. Entretanto, o poder papal havia sofrido outro rude golpe na dissolução da ordem dos jesuítas. Essa ordem, fundada precisamente com o propósito que fora, como um exército nas mãos do papado, não era bem vista pelos soberanos absolutistas que governavam durante boa parte do século XVIIl. Já vimos como foram os jesuítas os que incitaram vários príncipes católicos alemães a lançarem-se no curso que, por fim, levou à Guerra dos Trinta Anos. O desastre causado por esta guerra, o espírito indiferentista em matéria religiosa que ia se posicionando na Europa, e os interesses dos reis, conspiraram para pôr fim à Sociedade de Jesus. Em particular, esta ordem era mal vista pela casa de Bourbon, pois, repetidamente, havia dado mostras de favorecer a sua rival, a Casa de Áustria. Portanto, o sol dos Bourbons foi chegando ao seu zênite e o da Áustria ao seu ocaso. A situação dos jesuítas foi ficando cada vez mais precária. Em 1758, aconteceu um atentado contra José l, rei de Portugal, e acusaram os jesuítas de estarem envolvidos na conspiração. O resultado foi que, no ano seguinte, a Sociedade de Jesus foi expulsa de Portugal e suas colónias, enquanto que a coroa se apoderava de seus abundantes bens. Na França, devido em parte à inimizade da favorita do Rei, Madame Pompadour, a Sociedade de Jesus foi extinta em 1764. Três anos mais tarde os jesuítas foram expulsos da Espanha e suas colónias pelo ilustre rei Carlos III. Já temos narrado as consequências que isto acarretou para a igreja na América. Nesse mesmo ano de 1767, Fernando IV, de Nápoles, filho de Carlos III, seguiu o exemplo de seu pai. Tudo isto levou a um esforço conjunto por parte dos Bourbons para desfazer-se dos
jesuítas, não só em seus domínios co¬mo em todo o mundo. Em princípios de 1769, os embaixadores bourbônicos em Roma apresentaram ao papa Clemente III uma resolução conjunta na qual requeriam a dissolução da Sociedade de Jesus. Mas o Papa sofreu uma hemorragia cerebral, (alguns dizem que em consequência do desgosto causado por este docu¬mento) e morreu poucos dias após. O novo papa, Clemente XIV, tratou de resistir à pressão dos Bourbons. Mas, no final, cedeu e, em 1773, a Sociedade de Jesus foi dissolvida por ordem do Papa. Exceto na Prússia e na Rússia Branca, cujos soberanos tinham suas razões para não acatarem o mandato papal, a Sociedade de Jesus deixou de existir, e o papado perdeu, assim, seu instrumento mais forte e fiel. O galicanismo, o febronianismo, o josefismo e o desaparecimento dos jesuítas mostraram que durante esta época de dogmas e de dúvidas, ao mesmo tempo em que os papas insistiam, cada vez mais, em sua jurisdição universal, na realidade iam perdendo seu poder e autoridade. 0 Jansenismo O Concílio de Trento havia condenado categoricamente as proposições de Lutero e Calvino, acerca da graça e da predestinação. Mas havia quem temesse que uma interpretação extrema das decisões desse concílio pudesse vir a contradizer os ensinos do grande mestre Santo Agostinho, acerca desses temas. Portanto, desde o fim do século XVI, particularmente nas universidades de Salamanca e Louvain, suscitaram-se disputas sobre a graça, predestinação e o livre arbítrio. Em Salamanca, a discussão logo tornou-se um conflito entre dominicanos e jesuítas. O jesuíta Luis de Molina havia publicado em Lisboa um livro: “Da concordância entre o livre arbítrio e os dons da graça”. Desse modo, a aceitação da graça não se deve a predestinação, senão ao contrário. Domingos Bânez, professor de Salamanca e um dos mais respeitados teólogos da época, declarou que o que Molina propunha era contrário aos ensinos de Agostinho, e que, portanto, devia ser condenado. Prontamente, os jesuítas se reuniram em redor das teses de Molina, e os dominicanos em torno das de Bânez. Em Valladolid, onde ambas as ordens tinham importantes centros, houve dois debates que não conseguiram grande coisa — exceto que, no segundo, por pouco não ocorreu um motim. Cada grupo acusou ao outro ante a Inquisição Espanhola e esta, julgando-se incapaz de pronunciar uma decisão, encaminhou a questão a Roma. O Papa, no tempo Clemente VIII, tratou de resolver a questão proibindo toda discussão do assunto e pedindo o conselho das principais faculdades de teologia. Os dominicanos insistiam em que as teses de Molina contradiziam tanto a Santo Agostinho, como a São Tomé e, portanto, deviam ser condenadas como heréticas, enquanto que a deles simplesmente repetiam o que os grandes mestres da igreja haviam dito e, portanto, não deviam nem podiam ser proibidas. O Papa, convencido de que os dominicanos tinham razão, dispunha-se a condenar Molina, quando os jesuítas e o Rei da Espanha lhe aconselharam maior cautela. Clemente presidiu, então, outra série de discussões que lhe deram maior tempo para o assunto. Conscientes de que o Papa inclinava-se para os dominicanos, os jesuítas da Universidadede Alcalá começaram a semear dúvidas acerca da autoridade do papado. Na morte de Clemente, a discussão continuava. Depois do brevíssimo pontificado de Leão X l, o novo papa PauIo V decidiu que o melhor era evitar qualquer condenação, declarando que nem os dominica¬nos nem os jesuítas estavam ensinando falsas doutrinas. Além disso, proibiu-os de continuarem se acusando mutuamente de heresia (porque os jesuftas diziam que os dominicanos eram calvinistas e os dominicanos acusavam os jesuítas de serem pelagianos). Contudo, as tensões entre jesuítas e
dominicanos, que esta controvér¬sia acalentou, continuaram por longo tempo. As controvérsias na Universidade de Louvam tiveram maiores repercussões. Ali, o teólogo Miguel Bayo propôs teses muito semelhantes às de Agostinho. Segundo ele, o pecado humano é tal que nossa própria natureza ficou corrompida, senão totalmente, ao menos o suficiente para que não possamos, por nós mesmos, voltarmos para Deus. O arbítrio do ser humano pecador não pode produzir senão o mal, portanto, é incapaz de con¬verter-se a Deus, sem que antes a graça divina o traga para o bem. Tais opiniões, que sem dúvida se encontram nas obras de Santo Agostinho, aproximavam-se demasiadamente das de Calvino para que pudessem passar inadvertidamente. Em 1567, Pio V condenou setenta e nove proposições tomadas das obras de Bayo. Este as repudiou e aceitou o decreto papal, mas continuou ensinando uma versão ligeiramente distinta de tais teses condenadas. Assim, doze anos mais tarde, Gregório XIII voltou a condenar seus ensinos. Apesar da oposição papal, a faculdade teológica de Louvain continuava apoiando a Bayo, a quem fez chanceler da universidade. Quando o jesuíta Lesio atacou as teses de Bayo, a universidade respondeu declarando que Lesio era pelagiano. Os jesuítas responderam chamando a Bayo e aos seus de calvinistas. Como no caso da Espanha, por último as autoridades trataram de acalmar o conflito simplesmente ordenando que cada grupo deixasse de atacar o outro. Mas tal solução não podia perdurar. As opiniões de Bayo, apesar de já terem sido condenadas por Roma em 1567 e 1579, continuavam circulando em Louvain, e não faltava quem as ensinasse desde a cátedra, ainda que de modo sutil. Assim, a controvérsia estava sempre pronta a explodir de novo. Essa explosão ocorreu várias décadas mais tarde, em torno de Cornélio Jansen, bispo de Ypres, na Bélgica e, antes, professor de Louvain. Em 1640, publicou-se, postumamente, a volumosa obra de Jansenio, “Agostinho”, que causou grande agitação. A obra em si não pretendia ser mais que um estudo e exposição dos ensinamentos do grande bispo de Hipona. Mas, o que Jansen propunha com ela, era mostrar que Agostinho havia ensinado a primazia e a necessidade da graça de um modo que não con¬cordava com as doutrinas comumente aceitas pela igreja — propostas principalmente pelos jesuítas. Esta era uma tarefa a que Jansen havia se consagrado secretamente, anos antes, para a qual se propunha a ler e reler todas as obras de Agostinho, tantas vezes quantas fossem necessárias. Portanto, seu livro apresentava argumentos contundentes com os quais confirmavam sua interpretação de Agostinho e não podia, senão, causar sérias controvérsias. De fato, “Agostinho”, de Jansen, era parte de todo um programa de reformas da igreja. Vários anos antes, Jansen tinha discutido este programa com seu amigo João Ambrósio Duvergier, mais conhecido como "São Cirano", por ser abade do mosteiro deste nome. Ambos haviam chegado à conclusão de que a igreja necessitava de uma reforma fundamental e que, parte dessa reforma, devia consistir em uma redescoberta das doutrinas de Santo Agostinho acerca da graça e da predestinação. De acordo com o ponto de vista de Jansen e São Cirano, durante a Idade Média, a igreja havia perdido de vista a mensagem da graça imerecida de Deus e, em data mais recente, em meio de sua polêmica contra o protestantismo, simplesmente havia insistido em seus erros medievais. Estes dois amigos juramentaram-se para levar a igreja a uma redescoberta da primazia da graça e do sentido do evangelho, que, quando se lê, vê-se à luz dessa primazia. Não eram, nem queriam ser protestantes. Mas estavam conscientes de que seu programa de reforma era tal que, se não se cuidassem, os condenariam como protestantes. Por isso, durante longo tempo mantiveram uma correspondência na qual ocultavam seus propósitos, mediante um código secreto. Assim, por exemplo, o cardeal Richelieu era "Purpurato" e os protestantes eram chamados de "pepinos".
Durante esses anos de trabalho em secreto, São Cirano ocupou-se em estabelecer os contatos que lhe abriram caminho para a proposta reforma. Jansen se dedicou a desenvolver as bases teológicas do movimento. Por isso, enquanto Jansen lia e relia as obras de Agostinho dezenas de vezes, São Cirano ia se abrindo em direção aos círculos mais influentes da França. O principal ponto de apoio de São Cirano foi a abadia de Port Royal, nos arredores de Paris. Essa abadia, debaixo da direção da Madre Angélica, havia conquistado o respeito das pes¬soas mais religiosas da capital francesa. A própria Madre Angélica tinha sido colocada no convento com a idade de oito anos. Aos onze, no mesmo dia em que recebeu a primeira comunhão, foi feita abadesa. Essa nomeação, feita à base da posição social da família de Angélica, nos dá uma idéia do nível a que havia descido a vida monástica em Port Royal e outras casas semelhantes. Mas, seis anos mais tarde, ao escutar um sermão de um pregador que por lá passou, Madre Angélica decidiu reformar seus costumes e os do convento cujo cuidado lhe haviam designado. Começou levando uma vida distinta, à qual, prontamen¬te, se juntaram outras monjas. Por fim, Port Royal começou a ter uma fama como centro de piedade e devoção, ao qual se dirigiam muitas pessoas de inquietudes religiosas. Uns anos antes da publicação de “Agostinho”, o abade São Cirano havia feito seus primeiros contatos com Port Royal e com Antoine Arnauld, irmão da abadesa. Pouco a pouco, foi ganhando ascendência sobre o mosteiro e sobre o círculo religioso que se havia formado em redor dele mesmo, ao qual pertenciam várias famílias de alta estirpe. A fama de São Cirano cresceu deste então junto a de Port Royal. Os mesmos elementos de inquietudes religiosas que iam ao convento tomaram o ardente abade por conselheiro e diretor espiritual. Sob sua inspiração, várias pessoas abandonaram sua antiga vida e foram viver como "ermitãos", nos arredores de Paris. Além disso, São Cirano e seus seguidores fundaram toda uma série de "pequenas escolas", cujo propósito fundamental era formar o caráter dos discípulos, o que contrastava com a educação de tipo autoritário das escolas da época — em particular dos jesuítas, que logo tiveram razões para se oporem a São Cirano e aos seus. Entretanto, o fato de que São Cirano ganhava vários adeptos, lhe criava também sérias inimizades. Os jesuítas viam em suas escolas uma crítica e uma ameaça à deles. Além disso, era a época de máximo poderio do cardeal Richelieu, para quem todo excesso de zelo religioso era uma ameaça à integridade do Estado. Por razões semelhantes às que o levaram a opor-se aos huguenotes, Richelieu via com receio o crescente círculo que se formava em torno de São Cirano. Por algum tempo, tratou de ganhar o abade. Este não dava mostras de querer se aliar ao primeiro ministro, porém, pelo contrário, atreveu-se a criticá-lo. Por fim, Richelieu ordenou que São Cirano fosse detido e levado ao castelo de Vincennes, onde passou os cinco anos seguintes. Uma semana antes de ser detido São Cirano, Jansen havia morrido. Portanto, sua projetada reforma parecia haver-se abortado. Na prisão, ainda que lhe tratassem bem e lhe permitissem continuar escrevendo a seus amigos e seguidores, São Cirano chegou a duvidar da causa a que havia consagrado vários anos. Assim estavam as coisas, quando se publicou “Agostinho”, de Jansen, dois anos depois da morte de seu autor. A obra de Jansen era um ataque às doutrinas sobre a graça e a predestinação, que já mencionamos, quando nos referimos a Luís de Molina. Frente a tais opiniões sustentadas pelos demais jesuítas, Jansen apela à autoridade de Santo Agostinho. Segundo esse santo ve¬nerado, o ser humano, depois da queda, não tem liberdade para não pecar. Como foi criado, originalmente, a possuía. Porém, a queda de tal modo corrompeu sua liberdade que, agora, em seu estado natural, somente é livre para pecar. O humano pecador não tem forças nem vontade para olhar para Deus e,
portanto, ama a si mesmo, ama as criaturas com o amor que devia reservar-se unicamente ao Criador. O livre arbítrio do pecador é, na realidade, escravo do pecado e necessita ser libertado pela graça divina. Sem essa graça, nada de bom podemos fazer. Essa graça é, como seu nome o diz, absolutamente gratuita. Nada podemos fazer para merecê-la (pois ao contrário, estaríamos dizendo que nosso arbítrio pecador pode fazer o bem). Como graça imerecida, é dom de Deus. E é soberana e irresistível, não porque force a vontade, mas porque trabalha dentro da vontade de tal modo que a leva a desejar o bem. Em consequência, a salvação depen¬de de predestinação, pois Deus predestinou a uns para a salvação, enquanto que os outros continuam sendo parte dessa "massa de condenação" que é a humanidade depois do pecado. A salvação e a condenação não dependem, em última instância, da vontade humana, mas da predestinação divina que faz os eleitos receberem o dom da graça, e os réprobos, carecendo desse dom, seguem como parte da "massa de condenação". Sem dúvida, tudo isto havia sido ensinado por Santo Agostinho, e o livro de Jansen oferecia abundantes provas. Mas também era certo que o que Jansen atribuía ao venerado bispo do século quarto se parecia muito com o que Calvino e seus seguidores haviam proposto em data muito mais recente. Em sua obra, Jansen tratava de mostrar que suas doutrinas eram distintas das de Calvino. Mas seus argumentos não eram suficientes e, em todo caso, baseavam-se em distinções bastante sutis. Uma vez mais, os jesuítas foram os mais vigorosos defensores da ortodoxia tridentina na frente das supostas inovações dos que insis¬tiam na primazia da graça. Atrás de uma longa série de gestões, conseguiram que várias das teses de Jansen fossem condenadas pelo papa Urbano VIII em 1643. Enquanto tudo isto acontecia, o abade de São Cirano continuava prisioneiro. Após o momento de fraqueza inicial, quando duvidou da causa a que se havia consagrado, tomou a pena e, mediante uma abundante correspondência, conseguiu manter vivo o movimento que se havia formado ao redor de sua pessoa. À sua indubitável sinceridade e habilidade se somaram agora a auréola de mártir que muitos lhe atribuíam. Em 1643, no mesmo ano em que Urbano condenou as teses de Jansen, Mazarino, que tinha sucedido ao falecido Richelieu, colocou em liberdade São Cirano. Seus partidários o receberam com mostras de extraordinária alegria, dando graças a Deus por sua libertação. Por sua vez, o abade dedicou-se a continuar sua obra e a escrever contra o protestantismo, quem sabe para acalmar a inquietude de quem visse semelhanças entre as doutrinas de Jansen e de Calvino. Ainda que este círculo, que se formou ao redor de Port Royal e do abade de São Cirano, fosse partidário das teses de Jansen, durante os anos transcorridos desde a publicação de “Agostinho”, o centro da controvérsia havia mudado. A princípio, tratava-se das questões acerca da relação entre a graça e o livre arbítrio, em consequência da doutrina da predestinação. O "jansenismo" parisiense, apesar de sustentar a posição doutrinária de Jansen, havia se tornado um movimento mais prático. Tratava-se, principalmente, de um centro de resistência contra a lassidão que parecia reinar na vida moral e devota. Em particular, os jansenistas de Port Royal opunham-se ao "probabilismo" proposto por alguns jesuítas. Segundo o probabilismo, em um caso onde haviam várias alternativas de ação, todas elas eram aceitáveis sempre que tivessem alguma possibilidade de serem corretas, por mais remota que essa possibilidade parecesse. O probabilismo permitia aos confessores as suas penitências ainda que não estivessem de acordo com suas ações. Ao mesmo tempo, era muito difícil manter qualquer rigor moral, pois sempre era possível achar razões pelas quais as ações podiam justificar-se. Frente a este, os jansenistas do círculo de São Cirano opunham um firme sentido da disciplina. É por isso que alguém chegou a
dizer que as monjas de Port Royal eram "puras como anjos e orgulhosas como demónios". O abade de São Cirano morreu pouco depois de sua libertação. Mas deixou atrás de si, como chefe do partido jansenista, Antoine Arnauld, irmão da Madre Angélica. Era a época em que as autoridades, tanto eclesiásticas, como reais, tomaram medidas contra o jansenismo. Arnauld defendeu-se mais como advogado do que teólogo, e sua defesa foi tal que se chegou a chamá-lo de "O grande Arnauld". Porém, o campeão do jansenis¬mo, nesta segunda época, foi o filósofo Blaise Pascal. Pascal havia dado mostras de gênio desde muito jovem, particularmente nos campos da matemática e da física. Aos trinta e um anos de idade, oito antes de sua morte, converteu-se ao jansenismo. Para ele aquilo foi uma profunda experiência religiosa e basta ler seus escritos a partir dessa data para perceber que se tratava de um homem de profunda sensibilidade, para quem a questão de sua relação com Deus era de primeira importância. Quando a faculdade teológica da Sorbona condenou Arnauld, Pascal publicou anonimamente a primeira de suas Epístolas Provinciais, nas quais atacava os jesuítas e os demais adversários do jansenismo, com fino humor e profunda perspicácia teológica. Entre 1656 e 1657, apareceram dezoito dessas "epístolas", supostamente dirigidas aos jesuítas de Paris por um habitante das províncias. Seu êxito foi completo. Fala-se que até Mazarino, mesmo sendo inimigo dos jansenistas, não pôde conter o riso ao ler a primeira delas. Por todas as partes as pessoas riam dos jesuítas e seu partido. As múltiplas tentativas de refutar as Epístolas provinciais eram tão inferiores a elas, que se tornavam motivo de zombaria e desprezo. As Epístolas provinciais foram acrescentadas ao índice de livros proibidos pela igreja romana. Pascal, após publicar as primeiras dezoito, escreveu outras que ficaram inéditas. Mas a opinião pública se inclinava de tal modo para os jansenistas que as autoridades tiveram que recuar em seu empenho de destrui-los. A pressão que fora exercida algum tempo sobre Port Royal, amenizou. As "pequenas escolas" dos jansenistas, que haviam sido fechadas pelo governo, voltaram a abrir suas portas. O Jansenismo parecia estar na moda entre os aristocratas, muitos dos quais se declaravam seus partidários. Contudo, os elementos de oposição também eram fortes. O Rei, na ocasião Luís XIV, estava disposto a seguir o conselho que Mazarino lhe havia dado antes de morrer, no sentido de que não tolerasse esse movimento que ameaçava voltar como nova seita. Logo começou a reação anti-jansenista. A assembléia do clero condenou o movimento. Tomou medidas para assegu¬rar-se de que todos os clérigos afirmavam essa condenação. As monjas de Port Royal foram dispersadas. Nem as monjas, nem alguns dos bispos jansenistas estavam dispostos a retratar-se. Apesar de seu galicanismo, Luís XIV solicitou a ajuda do papa Alexandre VII, que ordenou a todos os membros do clero que repudiassem o jansenismo. Os jansenistas debatiam entre si se deviam resistir, ou submeter-se, quando Alexandre morreu. Seu sucessor, Clemente IX, era pessoa de espírito conciliador e preferiu seguir a rota das discussões e negociações, à da condenação. Assim, chegou-se a um acordo precário. As monjas de Port Royal puderam regressar a seu convento. Isto aconteceu em 1669, e durante todo o final desse século, o jansenismo continou existindo dentro do seio do catolicismo romano, fazendo-se forte nele. Antoine Arnauld e Port Royal voltaram a ocupar um lugar proeminente na vida religiosa da França. Inocêncio XI, eleito papa em 1676, manifestou-se contra as teses probabilistas dos jesuítas, que foram condenadas. A Sociedade de Jesus foi posta nas mãos de pessoas de espírito mais rigoroso. E até se comentou de tornar cardeal a Arnauld. Próximo ao final do século, a situação começou a mudar. As monjas de Port Royal
foram proibidas de aceitar noviças, com o que estaria o convento condenado a morrer. Pouco deois, Arnauld acreditou estar em perigo e partiu para os Países Baixos, onde morreu em 1694. Seus sucessores, como dirigentes do movimento, logo se viram envolvidos em amargas controvérsias com alguns dos mais destacados teólogos da época. Luís XIV, tornava-se mais intolerante com o correr dos anos, vol¬tando a tomar medidas contra os jansenistas e conseguindo que o papa Clemente XI os condenasse. O partido anti-jansenista voltou sua fúria sobre as monjas de Port Royal. Nesse convento que havia se tornado símbolo do movimento, não ficaram mais que vinte e duas monjas, pois sendo-lhes proibido receber noviças, as mais velhas tinham mor¬rido. Quando se lhes ordenou que declarasse sua obediência ao decreto papal firmado num documento contra o jansenismo, o fizeram com reservas, o que constou no próprio documento. Por fim, no final de 1709, a polícia apoderou-se do convento e dispersou as monjas anciãs, levando-as à força a diversos conventos. No ano seguinte, por ordem real, o mesmo convento foi destruído. Mas as pessoas seguiam em peregrinações ao cemitério e o Rei ordenou que também o campo santo fosse arrasado. Segundo contam os pardidários do jansenismo, enquan¬to os coveiros desenterravam os corpos, os cachorros brigavam pelos restos que ainda não se tinham corrompido de todo. A tudo isto se somou o papa Clemente XI, que, em 1713, mediante a bula Unigénitas, condenou categoricamente o janse¬nismo e seus chefes. Ao que parece, havia-se dado o golpe de morte ao movimento. Mas o jansenismo continuou existindo e até floresceu. Não se tratava agora, como no princípio, de uma doutrina acerca da graça. Tampouco era, como nos melhores tempos de Port Royal, um chamado à disciplina moral e religiosa. Era bem mais um partido político que começou a formar alianças com o galicanismo. Luís XIV morreu em 1715 e, durante o reinado seguinte, foram se unindo ao partido jansenista diversos elementos que pouco tinham a ver com as doutrinas originais. Alguns membros do baixo clero se fizeram jansenistas como um modo de protestar contra a opulência e a tirania de seus superiores. A eles se associaram aqueles que se opunham à autoridade romana e viam na condenação do jansenismo uma violação da "antigas liberdades da igreja galicana". Pouco a pouco, o movimento foi atraindo a outros que, por diversas razões, opunham-se à religião estabelecida. Ao mesmo tempo, apareceu dentro do movimento uma ala que empenhava-se para recuperar o espírito perdido. Por fim, e ainda que condenado repetidamente, o movimento desapareceu, não por causa de tais condenações, mas por sua própria desintegração interna. Postado por Pastor Pedro às 13:36 1 comentários Marcadores: ordodoxia católica
Segunda-feira, 10 de Setembro de 2007 A REVOLUÇÃO PURITANA
A Assembléia de Westminster Aula 6 “O magistrado civil não pode tomar para si a administração da Palavra e dos Sacramentos... Tem, sim, a autoridade e obrigação de ver que se conservem em toda a Igreja a unidade e a paz, que a verdade de Deus seja mantida pura e íntegra, que todas as heresias e blasfémias sejam tiradas e que todas as corrupções e abusos no culto sejam reparados e evitados”. Confissão de Westminster Vimos anteriormente a história do cristianismo na Inglaterra até o reinado de Isabel e vimos também como essa rainha conseguiu estabelecer um equilíbrio entre os elementos conservadores, que desejavam reter, tanto quanto fosse possível, das antigas práticas católicas e dos protestantes de tendências calvinistas, para quem era necessário que toda vida e a organização da igreja se ajustassem ao que criam serem as normas bíblicas. Na vida de Isabel, esse equilíbrio conseguiu manter-se. Mas as tensões existentes na situação se manifestaram, repetidamente, e só a mão forte da Rainha e de seus ministros pôde pôr-lhes fim. James I Isabel morreu em 1603, sem deixar descendência e, em suas últimas instruções, indicou que seu sucessor devia ser o fi¬lho de Maria Stuart, James que já governava na Escócia. A transição aconteceu sem maiores dificuldades, e assim começou a reinar na Inglaterra a casa dos Stuart. Todavia, James (o primeiro rei desse nome na Inglaterra, mas o sexto da Escócia) tinha que enfrentar grandes dificuldades. Primeiramente, os ingleses sempre o consideraram estrangeiro. O plano do Rei de unir ambos os reinos, ainda que depois tenha dado resultado, de início lhe criou inimigos tanto na Inglaterra como na Escócia. Ao mesmo tempo, as sólidas bases em que Isabel havia fundado o comércio começavam a dar frutos, e isso lhe dava maior fama na classe mercantil e burguesa. Mas a política de James, tanto no campo internacional como no interno, não era do agrado dessa classe que esperava que a coroa estabelecesse uma ordem internacional que a favorecesse, ainda que não estivesse disposta a sacrificar-se em prol dessa ordem. Um exemplo característico desse conflito pode ser visto no caso da Guerra dos Trinta Anos, onde, como vimos, a participação (ou melhor, a falta de participação) da Inglaterra foi vergonhosa. Deles se queixavam os comerciantes ingleses, em sua maioria
protestantes, para quem o curso da guerra parecia uma ameaça, tanto à sua religião como a seus bolsos. Mas, ao mesmo tempo, seus representantes no Parlamento negavam-se a aprovar os impostos necessários para intervir decisivamente nos conflitos que aconteciam na Alemanha. Por esta e outras causas, durante todo o reinado de James e de seu filho sucessor, Carlos l, foi aumentando a oposição à coroa por parte daqueles protestantes que pensavam que a Reforma não havia se expandido suficientemente na Inglaterra, e que isso devia-se em boa medida à política dos reis e seus conselheiros. Estes protestantes radicais não estavam organizados em um só grupo e, portanto, é difícil descrevê-los com exatidão. O nome que se lhes deu foi o de "puritanos", porque insistiam na necessidade de regressar à pura religião bíblica. Ainda que nem todos concordassem em alguns detalhes, no geral os puritanos opunham-se a muitos elementos do culto tradicional que a Igreja Anglicana havia conservado. Entre esses elementos estavam o uso da cruz no culto, certas vestimentas sacerdotais e a questão da comunhão ser celebrada em uma mesa ou em um altar, a qual implicava em diversas interpretações do sentido da comunhão e levava a longas discussões acerca de onde deveria ser colocada essa mesa ou altar. Ao mesmo tempo, os puritanos insistiam na necessidade de levar uma vida sóbria, segundo os mandamentos bíblicos. Sua oposição a boa parte do culto oficial relacionava-se com a pompa que fazia parte dele, pois, para eles, todo luxo ou ostentação devia ser evitado. Muitos insistiam na necessidade de guardar o Dia do Senhor, dedicando-se exclusivamente aos exercícios religiosos e à prática da caridade. Ainda que uns poucos fossem "sabatistas", estes guardavam o sábado, a imensa maioria guardava o domingo. Sem se oporem absolutamente ao uso do álcool, pois muitos deles bebiam com moderação, criticava-se a embriaguez de alguns ministros. O teatro, o qual frequentavam, apresentava gracejos de duplo sentido, os esportes que se celebravam no Dia do Senhor e, em geral, os costumes licenciosos, eram objeto especial de seus ataques. Muitos dos puritanos opunham-se ao episcopado, dizendo que os bispos, pelo menos como existiam em sua época, eram uma invenção posterior à Bíblia, onde a igreja era governada de outro modo. Os mais moderados simplesmente diziam que, na Bíblia, se falava de diversos modos de governar a igreja e que, portanto, o episcopado, ainda que pudesse ser bom, não era "de direito divino", isto é, não era parte necessária da Igreja, como o Novo Testamento a descrevia. Outros insistiam em que a igreja do Novo Testamento governava-se mediante "presbitérios", isto é, grupos de anciãos, e que tal governo era necessário em uma igreja verdadeiramente bíblica. Outros afirmavam a independência de cada congregação e, portanto, passou-se a chamar-lhes "independentes". Entre estes últimos — além dos "sabatistas" - havia quem cresse que o batismo devia reservar-se aos adultos e, portanto, receberam o nome de "batistas". Ainda que todos estes grupos não concordassem entre si, no geral inspiravam-se em ideias de Calvino, Zwinglio e demais reformadores suíços. Posteriormente, alguns dos mais radicais se inspiraram também nos anabatistas do Continente. Entretanto, na igreja oficial acontecia uma evolução paralela, mas em sentido contrário. O equilíbrio isabelino havia se aperfeiçoado, estabelecendo-se uma igreja cuja teologia era um calvinismo moderado e, não obstante, conservava em seu culto todos os elementos tradicionais que não se chocavam diretamente com sua nova teologia. Mais adiante, falaremos do Sínodo do Dordrecht, onde se reuniram calvinistas de diversos países para determinar o que, desde então, seria a ortodoxia reformada. A esse Sínodo assistiram delegados da Igreja da Inglaterra que, com isso, se declarou parte da fraternidade internacional das igrejas calvinistas. Mas o acerto isabelino não podia
perdurar. Para defender o culto tradicional, logo se começou a abandonar alguns dos princípios calvinistas. Alguns dos mais importantes teólogos da igreja oficial sentiam-se tão surpreendidos pela beleza do culto que pareciam prestar pouca atenção à necessidade de ajustá-lo à fé bíblica. Rapidamente, alguns puritanos começaram a temer que se organizasse um movimento para retornar ao romanismo. Tudo isto existia já em embrião, quando James I herdou a coroa de Isabel. A partir daí, os conflitos que já estavam latentes se fariam cada vez mais violentos. Os puritanos temiam o novo soberano, James, filho da católica Maria Stuart. Apesar de tais suspeitas, James não favoreceu aos católicos, que, desde o princípio de seu reinado, solicitaram varias concessões, sem maiores resultados. Seu ideal era a monarquia absoluta que existia na França e que, na Escócia, os presbiterianos não o haviam permitido implantar. Possivelmente, em razão desses conflitos com o presbiterianismo escocês, James estava convencido da necessidade de apoiar o episcopado para ter uma base desustentação. Segundo o próprio Rei dizia, "sem bispos não há rei". O caráter pessoal de James contribuiu para o seu próprio desprestígio. Era homossexual e seus favoritos gozavam de enormes privilégios em sua corte e em seu governo. Ao mesmo tempo que queria ser rei absoluto, oscilava entre uma rigidez caprichosa e uma debilidade covarde. Ainda que manejasse suas finanças honradamente, era pródigo em gastos desnecessários e, frequentemente, faltavam fundos para os projetos de primeira necessidade. Deu títulos e poderes a seus amigos com uma liberalidade que ofendia aqueles que haviam servido a coroa por longo tempo. E muitos desses amigos mostravam-se incapazes de enfrentar as responsabilidades colocadas sobre eles. James tratou de seguir uma política religiosa semelhante a de Isabel. Os únicos que foram perseguidos com certa constância foram os anabatistas, cujas idéias políticas lhe causavam terror. Os católicos eram vistos como pessoas leais ao Papa e, portanto, como possíveis traidores. Mas, se o papa reconhecia o direito de James de reinar e condenava o regicídio, que alguns católicos extremistas propunham, o Rei estava disposto a tolerar os católicos em seus reinos. Quanto aos presbiterianos, o Rei inclinava-se a tolerá-los e a até fazer-lhes algumas concessões. Mas, não podia abandonar o sistema episcopal de governo, pois estava convencido (e era certo) que os bispos estavam entre os mais decididos e úteis defensores da coroa. Durante todo reinado de James, foi aumentando a inimizade entre a alta hierarquia da igreja oficial e os puritanos. Em 1604, Bancroft, o arcebispo de Canterbury, fez aprovar uma série de cânones em que se afirmava que a hierarquia dos bispos era uma instituição de origem divina, sem a qual não podia haver verdadeira igreja. Tal afirmação implicava num retrocesso das igrejas protestantes do Continente, muitas das quais não tinham bispos e, portanto, foram vistas pelos puritanos como o princípio de um processo destinado a reintroduzir o romanismo na Inglaterra. Além disso, vários dos 141 cânones aprovados a pedido do Arcebispo eram dirigidos contra os puritanos. O Parlamento estava em sessão, pois James teve que convocá-lo para que aprovasse uma série de impostos que o tesouro real necessitava. Mas, particularmente, na Câmara Baixa ou dos Comuns, havia muitos puritanos que se somaram a outras pessoas de semelhante convicção, para apelar ao Rei. James convocou uma conferência, que se reuniu em Hampton Court, que ele mesmo presidiu. Quando um dos puritanos referiu-se de passagem a um "presbitério", o Rei declarou que "um presbitério se harmoniza tanto com a monarquia como Deus se harmoniza com o Diabo". Todo intento de chegar a um acordo fracassou, e o único resultado daquela conferência foi a nova tradução da Bíblia que apareceu em 1611 e que se conhece como "Versão King James". A partir de então, manifestou-se uma crescente inimizade entre a Câmara dos Comuns e os elementos mais resistentes do episcopado. Estes se aliaram à coroa, afirmando que
tanto os bispos como os reis exerciam suas funções por direito divino. Em 1606, aprovou-se uma série de cânones ainda mais repressivos que os anteriores. O Parlamento respondeu atacando, não diretamente ao Rei e ao Arcebispo, senão aos mais imprudentes entre seus defensores. Por último, durante o reinado seguinte, o conflito levaria à guerra civil. Entretanto, em fins de 1605, produziu-se a famosa "Conspiração da Pólvora". No ano anterior, havia-se ditado uma lei repressora contra os católicos, sob o pretexto de que eram leais ao papa e não ao trono. A mesma lei decretava penas maiores, mas o interesse do Estado era quebrar o poder dos católicos e recolher fundos e, portanto, muitos condenados viram-se obrigados a pagar fortes multas, ou perderiam seus bens. Em todo caso, alguns dos católicos chegaram à conclusão de que era necessário desfazer-se do Rei. Um deles alugou uma adega que se estendia sob o local onde se reunia o Parlamento. O plano era introduzir nela barris de pólvora como se fossem de vinho, e fazê-los voar quando o Rei estivesse abrindo a sessão seguinte da Assembleia. Desse modo, pereceriam o soberano e boa parte dos puritanos do Parlamento. Mas a trama foi descoberta. Os principais conspiradores e muitos outros cuja participação no complô não se comprovou, foram executados. Em algumas partes do país, houve perseguição aos católicos. O próprio Rei parece ter tratado de distinguir entre os culpados e os inocentes. Mas não deixou de aproveitar a ocasião para que se impusessem mais multas e confiscações. Assim, houve milhares de católicos encarcerados. Através dos conflitos dos seus primeiros anos de reinado, James tratou de governar sem o Parlamento. Mas somente essa assembleia tinha direito de determinar novos impostos e, por fim, em 1614, o Rei viu-se obrigado a convocá-la novamente, pois sua situação financeira era desesperadora. As novas eleições resultaram numa Câmara dos Comuns, ainda menos disposta que a anterior a dobrar-se ao Rei e aos bispos e, portanto, James a dissolveu e tratou de dar uma solução aumentando aquelas taxas que tinha direito a impor e solicitando empréstimos dos nobres e dos bispos. Estourou, então, a Guerra dos Trinta Anos. O eleitor do Palatinado, Federico, havia aceitado a coroa da Boêmia, contando com o apoio de James, que era seu sogro. Mas o Rei da Inglaterra não veio em seu auxílio, e muitos protestantes, para quem Federico era um herói, concluíram que James era um covarde e um traidor. O mínimo que o Rei poderia fazer era apoiar economicamente os protestantes da Alemanha, mas, como dissemos, carecia de fundos e não podia recebê-los sem o acordo do Parlamento. Por fim, em 1621, o Rei convocou novamente esse corpo legislativo, com a esperança de que, em vista das necessidades dos protestantes alemães, apro¬vassem os impostos necessários. Contudo, ao tempo em que James convocava o Parlamento, fazia também esforços para casar seu filho Carlos com uma infanta da Espanha. A possibilidade de tal aliança com a Casa de Áustria era um escândalo para os puritanos do Parlamento, que aprovaram pequenas somas e logo passaram a apresentar seus agravos ante a coroa. Irritado, o Rei encarcerou vários dos dirigentes dos Comuns e declarou dissolvida a legislatura. O projetado matrimónio não chegou a concretizar-se e, em 1624, James voltou a convocar o Parlamento, para ter que dissolvê-lo no ano seguinte, sem ter conseguido os subsídios que a coroa necessitava. Pouco tempo depois, o Rei morreu e o sucedeu seu filho, Carlos. Carlos I O novo rei era tão partidário da monarquia absoluta como o havia sido seu pai, e por isso logo se chocou com o Parlamento. Este mostrava-se desconfiado, porque atrás do
fracasso da última proposta de casamento, Carlos havia se casado com a princesa Henriqueta Maria, irmã de Luis XIII, da França. Como parte das negociações desse matrimónio, haviam sido feitas várias concessões aos católicos ingleses, e havia sido prometido à nova rainha e a seu séquito, que poderiam continuar praticando sua religião. Muitos dos puritanos viam em tais concessões o regresso da idolatria ao país e queixavam-se de que agora a apostasia tinha apoio no palácio real. Logo houve quem compa¬rasse a Rainha com Jezabel, todavia, somente em círculos privados. Carlos herdou de seu pai os conflitos com o Parlamento em matéria religiosa. Pouco antes de morrer, James havia posto fim às pregações dos puritanos, decretando que era permitido pregar somente em certas oportunidades e sobre certos tópicos. Além disso, em 1618, promulgou o Código dos Desportes, que devia ser lido em todas as igrejas, e que rebatia a tese dos puri¬tanos sobre o modo de guardar o Dia do Senhor. Todos os receios entre o Parlamento e a coroa manifestaram-se no processo de Richard Montague. Este era um forte adversário dos puritanos, contra os quais publicou vários livros em tom mordaz e depreciativo. Era também defensor do direito divino dos reis. Em função da publicação de um dos seus livros mais ofensivos contra o Parlamento, a Câmara dos Comuns exigiu o seu comparecimento diante dela, instaurou processo e o condenou a prisão e multa. Mas o Rei Carlos I, oportunamente, livrou-o da condenação, nomeando-o seu capelão. O Parla¬mento irritou-se e, prontamente, sua hostilidade dirigiu-se ao Duque de Buckingham, ministro da coroa, a quem se falava de processar por delito de alta traição. O Rei declarou dissolvida a Assembleia Parlamentar. Mas, igualmente ao seu pai, que o precedeu, necessitava de fundos que unicamente o Parlamento podia votar. Muitos dos bispos correram em sua ajuda, e houve numerosas pregações acerca da necessidade de se apoiar o Rei. Mas os fundos iam-se escasseando, e o soberano teve que recorrer a medidas cada vez mais coercivas. O partido dos bispos declarou-se favorável às teses mais exageradas sobre os direitos dos reis. O Arcebispo de Canterbury, que tratava de tomar medidas conciliatórias frente aos puritanos, viu-se privado de quase todos os seus poderes, concedidos pelo Rei a uma comissão sob a presidência de William Laud, um dos mais decididos adversários do puritanismo. Repetidamente, por falta de fundos, o Rei convocou o Parlamento. Mas sempre se viu obrigado a declará-lo dissolvido, pois a Câmara dos Comuns insistia em tratar dos pontos de conflito antes de votar os fundos que o trono requeria. Aos maiores partidários da Câmara dos Comuns, Carlos nomeou lordes, com o que os apartou da posição em que podiam prestar-lhe maior apoio. A Câmara Baixa, desprovida dos realistas mais decididos, foi se tornando cada vez mais radical. Entretanto, muitos dos velhos lordes, ofendidos pelas honras dadas aos novos mem¬bros da Câmara dos Lordes, apartaram-se também da causa do Rei. Quando, em 1629, o Rei declarou dissolvido o terceiro Parlamento do seu reinado, estava disposto a governar sem esta assembleia legislativa e voltou a convocá-la somente onze anos mais tarde. Esses onze anos de governo pessoal de Carlos l foram uma época de prosperidade para as classes elevadas do país. Porém, a alta dos preços foi muito mais rápida que a dos salários e, portanto, a maioria da população sentiu-se cada vez mais oprimida pela ordem existente. Para obter os fundos de que necessitava, Carlos fazia concessões aos poderosos, que, por sua vez, oprimiam aos pobres. Ainda que o rei desse mostra de interesse por eles e tomasse algumas medidas para aliviar sua situação, o fato era que a ordem social e política causavam mais desgraças que as fra¬cas medidas do rei não podiam reparar. Cada vez mais e particularmente nas regiões industriais, o Rei e os bispos, que apoiavam sua causa dando-lhe aprovação religiosa, eram vistos como inimigos do povo.
Ao mesmo tempo, os puritanos que atacavam os excessos da coroa e dos bispos, ganhavam popularidade. Em 1633, William Laud foi feito arcebispo de Canterbury. Era um homem cuidadoso com a beleza do culto e convencido de que o bem estar social requeria uma igreja monolítica. Suas medidas contra os puritanos foram cada vez mais cruéis, e não faltaram penas de morte nem mutilações ordenadas por ele. Carlos cometeu o erro de dar-lhe plenos poderes sobre a Escócia, on¬de Laud tratou de impor a liturgia e outros elementos da Igreja Anglicana. Isto deu motivo a um motim, que logo se tornou rebelião. Quando a Assembleia Geral da Escócia quis limitar o poder dos bispos, as autoridades reais a declararam dissolvida. Mas a Assembleia negou-se a obedecer a ordem real e respondeu decla¬rando nulo o episcopado e reorganizando a Igreja da Escócia sobre bases mais calvinistas e presbiterianas. Dada a atitude da Assembleia Geral da Escócia, a guerra era inevitável. O Rei necessitava de exércitos e de fundos para sustentá-la e, portanto, decidiu apelar ao seus súditos irlandeses, entre os quais o catolicismo e os sentimentos anticalvinistas eram fortes. Para isso, contou com o apoio da Rainha que continuava católica. Mas tais medidas serviram somente para criar laços entre os calvinistas escoceses e os puritanos ingleses. O resultado foi que, quando o Rei convocou o Parlamento inglês para que votasse fundos para a guerra contra os rebeldes escoceses, viu-se obrigado a dissolvê-lo em poucos dias de reunião. Este foi o chamado "Parlamento Curto" de 1640. Animados por tais acontecimentos, os escoceses invadiram o território inglês e, diante deles, as tropas do Rei bateram em reti¬rada. Uma vez mais, ao Rei não lhe restou outro remédio senão convocar novamente o Parlamento. Essa assembleia legislativa, que começou suas sessões em novembro de 1640, receberia de¬pois o nome de "Parlamento Longo" e seria de grande importância para a história da Inglaterra. O Parlamento Longo Os últimos anos antes da convocação dessa nova assembleia, tinham trazido dificuldades económicas. Os desajustes sociais e económicos, que antes haviam prejudicado unicamente os pobres e os trabalhadores, começaram a afetar também os co¬merciantes e industriais. Logo, quando ocorreram as eleições para o Parlamento, a maioria representava o descontentamento com a coroa, tanto por razões económicas como por motivos religiosos. E isso acontecia, não apenas com os comuns, mas também com os lordes, que, em tempos recentes, haviam-se unido à nova classe burguesa em empresas mercantis. O novo Parlamento, imediatamente, mostrou-se mais resistente que os anteriores. O Rei o tinha convocado para que votasse fundos que permitissem organizar um exército e expulsar do território inglês os rebeldes escoceses. Mas os parlamentares sabiam que o seu poder devia-se precisamente à presença desses escoceses em solo inglês e não se mostravam dispostos a resolver essa situação com muita rapidez. Primeiro, preocuparam-se em tomar medidas contra os que, em anos recentes, haviam tentado destruir o puritanismo. As vítimas do arcebispo Laud, que ainda viviam, foram postas em liberdade e receberam indenizações. Lorde Strafford, um dos ministros mais fiéis ao Rei, foi processado e condenado à morte sem que o soberano fizesse muita coisa para salvá-lo. Depois, o Parlamento tratou de assegurar-se que suas medidas teriam valor permanente. Em maio de 1641, aprovou uma lei segundo a qual a assembleia não podia ser dissolvida pelo Rei, sem a anuência de seus membros. Ainda que tal lei o privas¬se de muitos de seus poderes, Carlos fez pouco por evitá-la, pois tinha decidido resolver suas
dificuldades mediante uma série de intrigas que não cabe relatar aqui. Quando, por fim, o Parlamento começou a tomar medidas para arrecadar os fundos necessários para expulsar os escoceses, soube-se que Carlos estava se aliando a eles. Mas os escoceses, que eram calvinistas, sa¬biam que o parlamento inglês lhes era muito mais favorável do que o Rei e, por isso, as empresas do soberano fracassaram. Pela mesma época, os católicos irlandeses rebelaram-se e não faltou no Parlamento quem acusasse a Rainha de animar a insurreição. Em vista da duplicidade, tanto real como suposta dos soberanos, os protestantes mais radicais uniram-se em um grupo decidido a limitar mais o poder da coroa. Os bispos, como membros da Câmara dos Lordes, eram o principal apoio de Carlos no Parlamento. Mas a Câmara dos Comuns iniciou processo contra vários deles. Quando os bispos intentaram participar das reuniões do Parlamento, o povo de Londres amotinouse e os impediu o acesso na Assembleia. Animados por tais êxitos, os radicais entre os puritanos anunciaram que preparavam um processo contra a Rainha, a quem acusavam de ter causado as desordens na Irlanda. Essas medidas extremas começaram a produzir uma reação contra os puritanos. Entre os lordes, muitos pensavam que era hora de restaurar a normalidade. Provavelmente, se Carlos tives¬se sido mais comedido e paciente, o tempo lhe daria a vitória. Mas o Rei "perdeu as estribeiras". Acusou ante a Câmara dos Lordes, os principais chefes dos Comuns, mas a câmara alta rebateu a acusação. Quando o Rei ordenou a detenção dos acusados, os parlamentares se negaram a entregá-los. No dia seguinte, um contingente militar enviado pelo Rei para deter os acusados, encontrou os que tinham fugido e buscado refúgio em Londres, de onde voltaram a se reunir para continuar suas sessões. Desde então, o chefe dos rebeldes, John Pym, governava como "rei sem coroa". Perdida a capital, o Rei retirou-se a seus palácios de Hampton Court e Windsor. A Câmara dos Comuns propôs, então, uma lei que excluía os bispos da Câmara dos Lordes. Tal lei vingou, o rei não pôde por reparos, e os prelados foram expulsos. Desse modo, começa¬va um processo que iria excluindo do Parlamento os elementos opostos ao puritanismo e que, portanto, daria à assembleia um caráter cada vez mais radical. Por fim, o Parlamento deliberou que se recrutasse uma milícia. Posto que estas tropas estariam sob o comando do Parlamento, e não do Rei, este decidiu que havia chegado o momento de tomar açâo decisiva. Reuniu as tropas que pôde, desfraldou seu estandarte e preparou-se para lutar contra as milícias parlamentares. Os conflitos entre a coroa e o Parlamento haviam levado, por fim, à guerra civil. A Guerra Civil Tanto o Rei como o Parlamento se dedicaram, imediatamente, ao recrutamento de suas tropas. Carlos encontrou seu principal apoio entre os nobres. O Parlamento, por sua parte, recrutou seus soldados entre as classes que mais haviam sofrido durante os últimos anos. Os trabalhadores e os desempregados foram o grosso desse exército, ao que se somaram os comerciantes. A força de Carlos estava principalmente na cavalaria, corpo tradicionalmente recrutado entre a nobreza. A do Parlamento estava na infantaria e na frota marítima, para o qual o comércio era importante. A princípio, os exércitos rivais se limitaram a marchas e contra-marchas, que não produziram mais que algumas conten¬das. Entretanto, cada partido buscava outros pontos de apoio. Como era de se esperar, os parlamentares se achegaram aos esco¬ceses. Isso, por sua vez, obrigou a Carlos buscar ajuda entre os católicos irlandeses. Essas atitudes por parte do Rei, sem dúvida, resultaram em seu prejuízo, pois as diversas facções entre os puritanos uniram-se ante a ameaça de uma intervenção católica.
Em seus esforços de aproximar-se dos escoceses, o Parlamento viu-se obrigado a tomar medidas que o levavam rumo ao presbíterianismo. Esse tipo de organização eclesiástica que prevalecia na Escócia, não era bem vista por todos os ingleses. Ademais, embora muitos acreditassem que o episcopado era parte necessária da igreja, havia outros que preferiam um governo eclesiástico do tipo congregacional — os "independentes". A maioria parece haver pensado que, ainda que o episcopado não se opusesse necessariamente às Escrituras, constituía-se no principal aliado da monarquia e, portanto, era necessário aboli-lo. Segundo alguém disse: "os que odeiam os bispos, os odeiam mais que ao Diabo, e os que gostam deles, gostam menos que sua comida". Posteriormente, o episcopado foi abolido, em parte porque era partidário do Rei, em parte por razões teológicas e, em parte, porque, confiscando suas rendas, o Parlamento podia obter fundos sem criar novos impostos. Entretanto, o Parlamento convocou uma assembleia de teólogos para o aconselhar em matéria religiosa. Esta é a famosa Assembléia de Westminster, que continha, além de cento e vinte e um ministros e trinta leigos nomeados pelo Parlamento, oito comissários escoceses. Visto que os escoceses representavam, naquele momento, o mais forte exército que existia na Grã-Bretanha, o valor de seus comissários na Assembleia foi decisivo. Mais para frente, teremos oportunidade de voltar ao conteúdo teológico da Assembléia de Westminster, cuja Confissão veio a ser um dos principais documentos da ortodoxia calvinista. Rapidamente, basta assinalar que, embora alguns de seus membros fossem independentes, e outros se inclinassem frente ao episcopado, logo a Assembleia dediciu-se a favor da forma presbiteriana de governo eclesiástico e a recomendou ao Parlamento que a estabelecera. Esse corpo, no qual havia bom número de independentes, não tendia, a princípio, dirigir-se ao presbiterianismo. Mas a marcha da guerra obrigou-o a formar com os escoceses uma Solene Liga e Pacto, que o comprometia a dirigir a organização da igreja para o presbiterianismo. Este foi estabelecido em 1644 e, no ano seguinte, o arcebispo Laud foi executado por ordem do Parlamento. Tudo isso deu tempo aos puritanos para formarem seu próprio exército, com o qual enfrentariam o do Rei. Foi nessa época que recebeu proeminência o puritano Oliver Cromwell. Este era um homem relativamente acomodado, descendente de um dos conselheiros de Henrique VIII. Uns poucos anos antes, havia abraçado o puritanismo e era um assíduo estudioso da Bíblia. Para ele, toda decisão, tanto política como pessoal, devia ser tomada indagando-se seriamente qual a vontade de Deus. Por isso, ainda que frequentemente vacilasse antes de tomar uma decisão, uma vez decidido, mostrava-se inflexível em seu rumo. Não era orador, nem pessoa dada aos sofismas políticos. Mas a profundidade e firmeza de suas convicções, logo lhe atraíram o respeito dos demais puritanos. Até o começo da guerra civil, não havia tido mais participações nos conflitos de seu tempo do que algumas intervenções nos debates da Câmara dos Comuns, da qual era membro. Ao ver que os acontecimentos levavam à luta armada, Cromwell regressou às suas terras onde recrutou um pequeno contingente de cavalaria. Estava convencido de que a principal arma do Rei era sua cavalaria, e que o Parlamento tinha necessidade de um corpo semelhante. Seus soldados se inflamaram com o zelo de seu chefe e, prontamente, aquele núcleo tornou-se um grande corpo de cavalaria. Para eles, e depois para boa parte do exército parlamentário, o que estava ocorrendo era uma guerra santa. Antes de marchar para o combate, liam as Escrituras e oravam, e depois cantavam salmos em meio à luta. Repetidamente, derrotaram os realistas que foram, por fim, aniquilados na batalha de Naseby. Todavia, aquela batalha teve consequências piores para o Rei, pois os rebeldes tornaram-se donos do acampamento real onde se apoderaram de documentos que
provavam que Carlos havia negociado com os irlandeses e com outros para fazer desembarcar na Inglaterra tropas católicas e estrangeiras. Desde então, começou a crescer o partido dos que propugnavam a deposição do Rei. Em meio a seus infortúnios, Carlos decidiu recorrer a seus súditos escoceses, pensando ganhá-los com diversas promessas. Mas os escoceses o fizeram prisioneiro e, através de uma série de negociações, o entregaram ao Parlamento. Parecia, assim, que a guerra civil havia terminado. Os puritanos haviam prevalecido sobre o partido dos bispos e do Rei, e se dedicaram a implantar suas reformas. Promulgaram-se leis ordenando que se dedicasse o Dia do Senhor aos exercícios religiosos, e se legislou também acerca dos costumes e dos passa¬tempos frívolos. Assim, houve quem se queixasse de uma ditadu¬ra puritana. Mas os puritanos, unidos quando se tratava de opor-se ao Rei e aos bispos, viram sua unidade desvanecer-se tão rápido como se fizeram vencedores. Em síntese, havia dois partidos: o dos presbiterianos, que contava com a maioria do Parlamento, advogava por uma igreja nacional e uniforme, porém constituída, não segundo os princípios episcopais, mas segundo os do presbiterianismo; e os independentes, particularmente numerosos no exército, pertenciam a diversas seitas, cada qual com o seu ponto de vista. Mas todos os independentes concordavam em que não devia haver uma igreja uniforme para todo o país e que se devia permitir que cada grupo seguisse seu curso, ou sua forma de governo, independentemente dos demais, sempre que não violassem os princípios bíblicos, nem ofendessem a moral. Ambos os partidos concordavam em desfazer-se dos bispos e em limitar o poder do Rei. Mas, uma vez cumprido esse pro¬pósito, seus programas eram tão distintos que tinham que se chocar. Tudo isto deu lugar a crescentes tensões entre o exército, em sua maioria independente, e o Parlamento que buscava a uniformidade mediante a fórmula presbiteriana. Em 1646, o Parlamento tratou de despedir o exército, mas este negou-se a de¬bandar. Em meio ao conflito, adquiriram força no exército movimentos tais como os da "Quinta Monarquia", os "niveladores", e outros, muitos dos quais diziam que o Senhor estava pronto a retornar e que era necessário transformar a ordem social, estabelecendo justiça e equidade. Isso produziu maior intransigência por parte do Parlamento, que temia que a desordem causada pela guerra civil levasse ao caos. E o exército começou a dizer que, uma vez que nele havia uma representação mais ampla do povo, era ele, e não o Parlamento, quem podia falar em nome do povo. Assim estavam as coisas, quando o Rei fugiu e começou a negociar com os escoceses, com os parlamentares e com o exército, fazendo a todos promessas que se contradiziam. Por fim, chegou com os escoceses a um acordo, mediante o qual se comprometia a estabelecer o presbiterianismo em ambos os reinos (Escócia e Inglaterra), em troca de que lhe devolveriam o trono que parecia perdido. Mas, ao mesmo tempo, continuava negociando com o Parlamento. O resultado foi que, tão logo o exército conseguiu vencer os escoceses (agosto de 1648), dirigiu sua fúria tanto contra o Rei como contra o Parlamento. Em dezembro desse mesmo ano de 1648, o exército arrebatou do Parlamento a pessoa do Rei. Uns poucos dias mais tarde, começou uma limpeza no Parlamento por parte do exército. Quarenta e cinco parlamentares foram detidos, e quase o dobro desse número ficou proibido de assistir às sessões. Dos restantes, vários se negaram a tormar parte de um corpo tão mutilado. Ao que restou, seus adversários deram o nome de "Os Restos do Parlamento" (Rump Parliament). Esse Parlamento foi aquele que, poucos dias mais tarde, iniciou o processo contra Carlos, a quem acusava de alta trai¬ção e de haver sumido do país, na guerra civil. Os
catorze lordes que se atreveram a assistir a sessão da Câmara Alta, no dia que se apresentou o processo contra o Rei, negaram-se unanimemente a dar-lhe andamento. Mas a Câmara dos Comuns, simplesmente, continou o processo, e Carlos, que recusou defender-se porque seus supostos juizes não tinham jurisdição legal, foi decapitado a 30 de janeiro de 1649. O Protetorado Os escoceses, temerosos por perderem sua independência, apressaram-se em reconhecer como rei Carlos II, filho do falecido rei. Os irlandeses, por seu lado, aproveitaram as circunstâncias para se rebelarem. Dentro da própria Inglaterra, os independentes se dividiam cada vez mais. Entre os mais radicais, apareceu o movimento dos diggers (escavadores), cujo profeta propunha uma nova ordem social onde havia um direito univer¬sal, não só à liberdade e ao sufrágio, mas também à propriedade. Tais pregações também atemorizavam as classes mercantis que, até pouco antes, haviam sido um elemento importante na opo¬sição ao Rei. Os presbiterianos, por seu lado, insistiam em seu empenho de impor seu sistema de governo e sua forma de culto em toda a igreja da Inglaterra. O caos ameaçava apossar-se do país. Foi em meio a tais circunstâncias que Cromwell tomou as rédeas do Estado. Ainda que não tivesse participado da limpeza do Parlamento, depois a aprovou e, em nome de "Os Restos do Parlamento", aniquilou primeiro a rebelião irlandesa e, logo em seguida, o pequeno monarca que havia aparecido na Escócia. Derrotado, Carlos II refugiou-se no continente. Mas tudo isso não resolvia o problema de um Parlamento que havia continua¬do por longo tempo, e cujo remanescente não representava verdadeiramente o povo. Quando esse Parlamento decidiu perpetuar-se no poder mediante um projeto de lei, Cromwell se apresentou na sala das sessões, retirou, aos poucos, deputados que ficaram e fechou o edifício com chave. Desse modo, e ao que parece contra sua própria vontade, Cromwell tornou-se árbitro supremo dos destinos do país. Durante vários meses, buscou o modo de voltar à legalidade com o título de Protetor. Segundo o Instrumento de governo, que servia de carta fundamental da nova ordem, o Protetor governaria com a assistência de um Parlamento que representaria a Inglaterra, Escócia e Irlanda. Mas, na realidade, estes dois últimos países tinham uma representação ínfima e, em todo caso, era o Protetor quem governava verdadeiramente. Cromwell dedicou-se inteiramente a um programa de reforma tanto na igreja como no governo. Sua política religiosa foi relativamente tolerante devido ao ambiente da época. Ainda que ele mesmo tivesse idéias independentes, tratou de criar um sistema eclesiástico em que coubiam tanto os independentes como os presbiterianos, os batistas e, até, alguns partidários moderados do regime episcopal. Como bom puritano, empenhou-se, além disso, num programa de reformar os costumes e logo ter leis sobre o Dia do Senhor, sobre as corridas de cavalos, as brigas de galos, o teatro, e outras atividades. No campo econômico, o governo de Cromwell favoreceu a classe média em prejuízo particular a dos magnatas, mas também, em certa medida, a dos mais pobres. Entre ambos os extremos, foi crescendo a oposição ao Protetorado e as saudades da monarquia. No campo político, Cromwell teve bom êxito, enquanto conseguiu dominar o país durante sua vida. Mas seus sonhos de criar uma república estável fracassaram. Igualmente aos reis James e Carlos, que lhe antecederam, foi-lhe difícil governar em harmonia com o Parlamento — apesar de que, quando seus partidários não gostaram do que havia sido eleito, proibiram a muitos de seus opositores ocupar seus lugares, de
modo que o que existiu foi um novo "resto de Parlamento". Convencidos da impossibilidade de manter o Protetorado, os parlamentares chegaram a oferecer a coroa a Cromwell. Mas este se negou, talvez por escrúpulos pessoais, ou por agudeza política. Em todo caso, a necessidade de chegar a considerar tal extremo mostra até que ponto tornou-se difícil instalar a república. Em 1658, pouco antes de morrer, Cromwell indicou que seu sucessor devia ser seu filho Ricardo. Ainda que este tenha herdado o título de seu pai, precisava de seus dotes, e logo o país viu-se à beira de uma nova guerra civil. Traído e levado entre o Parlamento e o exército, Ricardo Cromwell renunciou ao protetorado e retirou-se para a vida privada. A Restauração O fracasso do Protetorado não deixava outra alternativa a não ser a restauração da monarquia. O general Monck, que estava no comando de uma ala do exército, marchou sobre Londres e convocou um novo Parlamento ao qual deviam assistir também os lordes. Quando essa assembleia se reuniu, começaram as negociações com Carlos II que foi restaurado ao trono, depois de ter recebido as garantias necessárias. A restauração dos Stuart trouxe uma onda de reação contra os puritanos. Ainda que o próprio Carlos a princípio quisesse dar um lugar aos presbiterianos na igreja nacional, o Parlamento mostrou-se inclinado para o anglicanismo tradicional. Além de voltar a instaurar o episcopado e o Livro de Oração Comum, o novo governo ditou leis contra os dissidentes, para quem já não havia lugar na igreja oficial. Proibiram-se os cultos que seguiam outro ritual do que o determinado pelo governo. E os ministros que não o aceitavam eram proíbidosde pregar. Essas leis e outras de semelhante tom não conseguiram destruir a multidão de mo¬vimentos que surgiram na Inglaterra. Simplesmente, os colocaram a margem da Igreja oficial onde a maioria continuou existindo, até que voltaram a tolerá-los, já perto do final do século. Na Escócia, a restauração da monarquia teve consequências ainda mais severas. Esse país era fortemente presbiteriano e ago¬ra, por decreto real, sua igreja fora reorganizada e colocada debaixo de um regime episcopal. Os ministros presbiterianos foram privados de seus direitos e foram substituídos por pessoas de persuasão episcopal. Prontamente, aconteceram motins e rebeliões, e o arcebispo supremo da Escócia, James Sharp, foi assassinado. Com o apoio dos ingleses, os elementos realistas esmagaram as rebeliões, cruelmente afogadas em sangue. Carlos II declarou-se católico no leito de morte, confirmando as piores suspeitas dos puritanos perseguidos. Seu irmão e sucessor, James II, era católico e estava dedidido a restaurar o catolicismo romano como a religião oficial de seus reinos. Na Inglaterra, tratou de abrir o caminho ao catolicismo decretando a tolerância religiosa. Em sua visão, esperava ganhar com isso o apoio dos grupos dissidentes. Mas o sentimento anticatólico entre tais grupos era tal que se negaram a aceitar o edito de tolerância, ainda que os beneficiasse grandemente. Na Escócia, todavia, as condições eram piores. James II (o sétimo rei com esse nome na Escócia) decretou pena de morte para quem assis¬tisse cultos não autorizados e colocou boa parte dos assuntos do país nas mãos dos católicos. Como na Inglaterra, tratou de decretar a tolerância para com os católicos. Mas os presbiterianos escoceses, tampouco a aceitaram. Depois de três anos debaixo de James II, os ingleses se rebelaram e convidaram a Guilherme, Príncipe de Orange, e sua esposa Maria, a ocupar o trono. Guilherme desembarcou na Inglaterra em 1688, e James fugiu para a França. Na Escócia, o partido de James subsistiu por alguns meses. Mas, no ano seguin¬te, Guilherme e Maria também foram proclamados soberanos desse país. A política religiosa de Guilherme e Maria foi, no geral, tolerante. Na Inglaterra, deu-se liberdade de culto a toda pessoa que
assinasse os Trinta e nove artigos de 1562 e que jurasse fidelidade aos soberanos. Na Escócia, o presbiterianismo foi feito a religião oficial do Estado e a Confissão de Westminster, sua norma doutrinária. Como em tantos outros países (já vimos os casos da França e da Alemanha), todas estas lutas por motivos confessionistas, levaram muitos à conclusão de que as questões doutrinárias não mereciam tanto sangue, nem tanta contenda. Logo, ainda que o resultado na área política tenha sido uma maior tolerância, isso foi possível graças à crescente indiferença em matéria religiosa. Uma vez mais, as amargas lutas sobre o dogma acabaram na dúvida. A história do puritanismo, não obstante, não ficaria completa se não nos referíssemos, mesmo que brevemente, as suas duas grandes figuras literárias: João Bunyan e João Milton. A mais importante obra do primeiro, geralmente conhecida sob o título O Peregrino converteu-se em um dos livros de devoção mais lidos e, portanto, serviu para levar a semente puritana aos mais afastados rincões. Milton, por sua vez, é considerado um dos mais notáveis poetas da literatura inglesa, e seu Paraíso Perdido conta-se entre as obras mestras dessa literatura. Ambos, Bunyan e Milton, continuaram proclamando a mensagem puritana através das gerações. Postado por Pastor Pedro às 12:29 0 comentários Marcadores: Aula 6 Postagens mais antigas Assinar: Postagens (Atom)
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