UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Sテグ PAULO - SP
INTERVENÇÕES EM ÁREAS URBANAS CRÍTICAS: ESTRATÉGIAS PROJETUAIS EM FAVELAS
BEATRIZ MAGALHÃES VASCONCELLOS 2014
Agradecimentos especiais aos meus pais, Álvaro e Lucianne; aos professores orientadores Julio Vieira e Guilherme Motta e a equipe social da favela de Paraisópolis.
SUMÁRIO
• Capítulo 1 - Breve histórico e conceitos da favela - Como surgiram as áreas urbanas críticas? Como surgiram as favelas? - Classificação dos diferentes tipos de assentamentos • Resumo - Mas,o que realmente são as favelas? - Favelas: espaços fragmentados, labirínticos e rizomáticos - Paola • Introdução, Objetivo, Metodologia Berenstein Jacques • Capítulo 2 - Principais programas revitalização e urban• Capítulo 1 - Breve histórico de e conceitos da favela ização de favelas no Brasil - Como surgiram as áreas críticas? - Características e histórico deurbanas programas de intervenção em áreas Como surgiram as favelas? críticas nas cidades de Rj e Sp - Mas,oprojetuais: que realmente são as favelas? - Estratégias Objetivos e desafios Favelas: espaços fragmentados, labirínticos e rizomáticos - Favela-bairro no Rio de Janeiro Paola Berenstein Jacques - RenovaSp - Estratégias conceituais: Horizontalidades e Verticalidades - Mil• Capítulo 2 - Principais programas de revitalização ton Santos e urbanização de favelas no Brasil - Estratégias conceituais: Áreas urbanas críticas e terceiro território - Hector Vigliecca - Características e breve histórico de programas de intervenção em áreas críticas urbanas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro - Estratégias projetuais: Objetivos e desafios • Capítulo 3 - Estudos dede caso - Favela-bairro no Rio Janeiro - Paraisópolis MMBB - RenovaSp - Paraisópolis - Hector Vigliecca - Estratégias conceituais: Horizontalidades e Verticalidades - NovoMilton SantoSantos Amaro V - Hector Vigliecca - Acupuntura urbana, bairro La Morán - Enlace Arquitectura - Estratégias conceituais: Áreas urbanas críticas e terceiro teritório Hector Vigliecca - Study of definition for the transformation of Favela -Frederic Druot Architecture - Célula Urbana - Bauhaus Dessau Foundation
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12 - 16 17 - 20 21 - 25
30 - 38 39 - 40 41 - 44 45 - 49 50 - 51 52 - 53
• Capítulo 3 - Estudos de caso 58 - 61 62 - 65 66 - 69 70 - 73
- Paraisópolis - MMBB - Novo Santo Amaro V - Hector Vigliecca - Acupuntura urbana, bairro La Morán - Enlace Arquitectura - Study of definition for the transformation of Favela Frederic Druot Architecture • Capítulo 4 - Proposta projetual
78 - 80 - Histórico e formação da Favela de Paraisópolis 81 - 85 - Paraisópolis hoje (dados e estatísticas) 86 - 88 - Reconhecimento e levantamento da área 89 - 92 - Questionário aplicado: O que falta na favela de Paraisópolis? 93 - 101- Projeto: Revitalização das margens do córrego Antonico Habitação como elemento articulador de diferentes usos • Conclusão 102 104 - 107• Referências Bibliográficas 108 - 109• Anexos
• Resumo Esse trabalho aborda a questão da formação de áreas urbanas críticas, focando nas favelas das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, e apresenta quais estratégias foram tomadas em relação a elas até os dia de hoje, apontando a evolução na forma de tratar e encarar tais regiões. Além de explicar medidas e tomadas projetuais da atualidade resultantes da análise, estudo minucioso e aceitação das Favelas como parte da cidade. Tais estratégias são referência e base para o projeto de graduação aqui apresentado que visa reurbanizar e revitalizar as margens do córrego Antonico na Favela de Paraisópolis junto com a introdução de Habitação de Interesse Social para as pessoas que já moram nessa parcela degradada da cidade. Palavras chave: Favelas, áreas urbanas críticas, habitação, revitalização, reurbanização.
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INTRODUÇÃO
A questão da moradia no Brasil é uma das mais desafiadoras e preocupantes, principalmente a partir de 1950 com o aumento populacional desenfreado em zonas urbanas causado pelo êxodo rural e exclusão social. Milhares de pessoas ou vivem afastadas dos centros urbanos onde trabalham por não poderem pagar por uma habitação nesses quadrantes; ou moram em condições precárias, áreas de preservação e risco sujeitas a remoções e tragédias. Elas vivem um cotidiano dramático com longas jornadas de locomoção, falta de apoio do Poder Público e muitas incertezas. As políticas adotadas até então não contribuiram para um crescimento de território saudável e estratégico, principalmente quando se trata de habitação coletiva, em massa, social. Algumas pessoas até têm uma moradia, mas a qualidade de vida proporcionada é duvidosa e desencadeia outros fatores como gentrificação, alugueis ilegais e esquemas criminosos. Aceitando tal cenário de fracasso, as estratégias atuais começaram a enfrentar as áreas urbanas críticas já adensadas de uma nova maneira. Tais assentamentos deixaram de ser considerados como passageiros e como um problema que deve ser totalmente removido e reformulado e começaram a ser analizados e estudados. Esse processo e evolução é aqui abordado. Afinal, a chamada cidade informal, só por essa denominação, já é entendida como diferente
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Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
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ou oposta a cidade formal. Mas quais são suas características? Como funcionam, se organizam e crescem? Quais são suas potencialidades? Quais são seus problemas e pontos fracos? Quem mora nessas cidades? Como tirar partido e proveito do que já foi construído pelos moradores? O que esses cidadãos precisam e gostariam de ter? Esse trabalho foca no estudo e entendimento das favelas a partir de diferentes ângulos e apresenta estratégias de intervenções urbanas diversas que aceitaram as comunidades como parte da cidade, tentando integrá-las e respeitá-las, além de propiciarem melhor qualidade de vida as pessoas que lá moram. Vale ressaltar que qualquer tipo de intervenção feita nessas áreas deve ser estudada e aplicada dentro de uma estratégia que envolva não somente questões de Urbanismo e Arquitetura; Mas também questões sociais, políticas e econômicas. O trabalho em grupo, bem amarrado, que dialoga com as outras vertentes e as suporta é fundamental para resolver o que precisa ser resolvido e driblar as dificuldades naturais das áreas urbanas críticas. Por isso, a aproximação e estudo minucioso e constante das Favelas e do que aconteceu, acontece e é proposto para elas é essencial e primordial para qualquer tipo de projeto. Esse é o objetivo desse trabalho: entender o processo de formação e a dinâmica das Favelas. Além de registrar diferentes percepções sobre as mesmas, seja por autores ou arquitetos nacionais e internacionais, que apresentam uma aproximação e reconhecimento de território mais íntimo e respeitador (etapa fundamental para intervir nessas situações). Coletando, dessa forma, estratégias projetuais e conceitos atuais e apropriados que possam ser usados como referência e ferramenta arquitetônica e social na atuação desses assentamentos. Tornando-
Introdução
os cada vez mais parte integrante e atuante da cidade como um todo sem que percam suas características e potencialidades originais. Arquitetos e Urbanistas vem ganhando cada vez mais espaço e força nesses tipos de revitalização e podem sim não somente contribuir para a construção de espaços físicos e virtuais de qualidade, que gerem integração, convívio, infraestrutura e bem estar respeitando o contexto e principalmente as pessoas; Mas também podem complementar os tantos outros projetos em torno de uma Favela. Essa pesquisa apresenta estratégias e propostas com tais objetivos. As informações aqui abordadas são fruto de uma pesquisa bibliográfica de documentos afins. Através da análise desse material, tornou-se mais evidente a necessidade de um contato muito próximo com os moradores das favelas e, por essa razão, uma pesquisa em campo em Paraisópolis, São Paulo também foi realizada com o objetivo de conhecer melhor e ouvir essas pessoas. Fazer com que elas tenham espaço e voz. A equipe de assistentes sociais de Paraisópolis contribui para que essa pesquisa fosse realizada, apoiando e acompanhando as visitas em loco. No primeiro capítulo há uma abordagem de aproximação com as favelas no geral, que são contextualizadas, explicadas e conceituadas por diferentes autores e visões consequentemente. O capítulo dois trata do histórico dos programas de intervenção em áreas críticas no Rio de Janeiro e em São Paulo até meados de 1990 e suas consequentes falhas além dos principais programas de revitalização de favelas da atualidade. Apontando como o modo de abordagem em tais territórios foi mudando gradativamente e hoje em dia é objeto de estudo e propostas no mundo inteiro.
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Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
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Os estudos de caso são abordados no terceiro capítulo e contêm análise de quatro propostas de intervenção e revitalização de favelas, sendo três delas de arquitetos internacionais. E apesar da mescla de visões e conceitos, em todas elas o aspecto social influencia diretamente a arquitetura. As referências apresentam problemáticas e pontos levados em consideração que deram diretrizes para o desenvolvimento do projeto apresentado ao fim deste documento. Sendo de extrema relevância para o desenvolvimento desse trabalho. Por fim, no último capítulo, a favela de Paraisópolis, local da intervenção e projeto desenvolvido, é abordada mais de perto e explicada. A pesquisa em campo feita será exposta nessa etapa do trabalho. Por fim, a proposta projetual é apresentada em suas duas fases: a da revitalização do córrego Antonico e suas margens e do programa sugerido no local, focando na parte de habitação.
Introdução
CAPÍTULO 1 - BREVE HISTÓRICO E CONCEITOS DA FAVELA
“É como o gengibre ou a mandioca, que crescem sobre a terra e cujas raízes ramificam-se livremente; espalha-se como a hera e brota como o mato, derrama-se como a lava de um vulcão e se move como um bando de ratos.” “Pode ser rompido ou interrompido em qualquer parte, mas sempre recomeça em uma conexão que pode dar-se em qualquer ponto. (...) caso se rompa, não cessa de reconstruir-se. Trata-se, então, de linhas de territorialização e de fuga, de direções mutantes, como é o crescimento da erva daninha; um referente que não cessa de constituir-se e de desaparecer; um processo que não cessa de estender-se, interromper-se e começar de novo.”(MONTANER, 2009 Pg. 181)
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
• Como surgiram as áreas urbanas críticas? Como surgiram as favelas? Em 1889 com a proclamação da República, os administradores da cidade do Rio de Janeiro queriam apagar qualquer vestígio do período colonial. Os cortiços habitados por escravos libertos e outros desabrigados foram removidos e, desde então, os morros centrais da cidade começaram a ser ocupados. Antes de receberem o nome de favela, tais assentamentos eram denominados “bairros africanos” por abrigarem negros e ex escravos. Já nessa época, os pobres eram obrigados a deixar áreas centrais e a viverem nos suburbios para darem lugares a novas avenidas, infra estrutura, entre outros. Enfim, para modernizar as zonas nobres da cidade. Após a vitória na Guerra de Canudos na Bahia que ocorreu entre 1896 e 1897, os soldados do exército brasileiro regressaram ao Rio de Janeiro. Sem receber o devido salário, os soldados instalaramse provisoriamente em alguns morros da cidade, juntamente com outros desabrigados. Sem verba para a construção de casas, o governo autorizou a construção de casas de madeira nos morros da cidade. A partir daí, os morros recém-habitados ficaram conhecidos como Morro da Favela, em referência à uma planta típica da caatinga extremamente resistente a seca chamada “favela”, originária dos morros onde os soldados viveram durante o período da guerra na Bahia. Em 1900 os morros de Providência, Santo Antônio, dos Telégrafos e Mangueira já estavam ocupados. 1
Ocupação do morro da Providência depois da Guerra de Canudos
Na América Latina, os Programas de Ajuste Estrutural (PAE), muitas vezes implementados por ditaduras militares, desestabilizaram a 12
1 http://portalafrobrasil.blogspot.com.br/2012/10/o-surgimento-das-favelas-no-brasil.html
fonte: http://literatura.atarde.uol.com.br/?p=533
“Amontoados” - Instalação com pedras portuguesas pintadas, Alex Brasil
A adoção do Neoliberalismo - apoio à uma maior liberalização econômica, privatização, livre-comércio, mercados abertos, a desregulamentação, e reduções nos gastos do governo a fim de reforçar o papel do setor privado na economia - , principalmente após a Segunda Guerra Mundial, também teve muita influência no processo de super urbanização das cidades que, principalmente nos países de Terceiro Mundo, foram desvinculados do crescimento e desenvolvimento propriamente dito. Mesmo com a queda do salário real, da alta dos preços e da disparada do desemprego urbano entre 1980 e 1990, a urbanização dos países em desenvolvimento continuaram e ritmo muito veloz. Segundo Mike Davis em seu livro Planeta Favela:
Capítulo 1: Breve histórico e conceitos da favela
economia rural e arrasaram o emprego e a habitação urbanos. Em 1970, as teorias “foquistas” guevaristas (inspiradas por Che Guevara, consistiam em criar focos de revolução no mundo para enfraquecer o imperialismo) de rebelião rural ainda se adequavam a uma realidade continental em que a pobreza do campo (75 milhões de pobres) ofuscava a das cidades (44 milhões). No entanto, no final da década de 1980, a imensa maioria dos pobres (115 milhões em 1990) morava em colonias e villas miseria urbanas, em vez de fazendas ou aldeias (80 milhões). Na verdade, em toda a América Latina a década de 1980 “aprofundou os vales e elevou os picos da topografia social mais contrastada do mundo”. 2
“O crescimento da população urbana, apesar do crescimento econômico urbano zerado ou negativo, é a face extrema do que alguns pesquisadores rotularam de “superurbanização”. É apenas uma das várias ladeiras inesperadas para as quais a ordem mundial neoliberal empurrou a urbanização do milênio.” (DAVIS, 2006 Pg.195) fonte: http://deniseludwig.blogspot.com.
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DAVIS, 2006
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Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
As forças globais que “empurram” as pessoas para fora do campo parecem manter a urbanização mesmo quando a “atração” da cidade é enfraquecida drasticamente pelo endividamento e pela depressão de 1920. Ao mesmo tempo, o rápido crescimento urbano no contexto do ajuste estrutural, da desvalorização da moeda e da redução do Estado foi a receita inevitável da produção em massa de favelas. “Paralelamente, por toda parte os pobres urbanos são forçados a habitar terrenos perigosos e nada apropriados para a construção – encostas muito íngremes, margens de rios e alagados. Do mesmo modo, instalam-se à sombra mortal de refinarias, indústrias químicas, depósitos de lixo tóxico ou à margem de ferrovias e auto-estradas. Em conseqüência, a pobreza “construiu” um problema de desastre urbano. “ (DAVIS, 2006 Pg.202) “Em vez de serem um foco de crescimento e prosperidade, as cidades tornaram-se o depósito de lixo de um excedente de população que trabalha nos setores informais de comércio e serviços, sem especialização, desprotegido e com baixos salários”. “O crescimento d[este] setor informal”, declaram sem rodeios, “é [...] resultado direto da liberalização.” (DAVIS, 2006 Pg.208/209)
Resumindo, a formação das áreas urbanas críticas se deu principalmente por dois fatores: a exclusão social e o êxodo rural seguido da super urbanização das cidades. Apesar de bem semelhantes, as áreas críticas são formadas por diferentes tipos de assentamentos classificados conforme forma de uso do espaço, renda das famílias e condições sanitárias.
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Segundo o sistema de informação para habitação social os diferentes tipos de assentamentos são definidos:
- Cortiços: definidos pela lei Municipal n° 10928/91(Lei Moura) como: “a unidade usada como moradia coletiva multifamiliar, apresentando total ou parcialmente as seguintes características: constituído por uma ou mais edificações em um mesmo lote urbano, subdividida em vários cômodos alugados, subalugados ou cedidos a qualquer título; várias funções exercidas no mesmo cômodo; acesso e uso comum dos espaços não edificados e instalações sanitárias; circulação e infraestrutura, no geral, precárias, e superlotação de pessoas”.
Capítulo 1: Breve histórico e conceitos da favela
- Loteamentos irregulares: são feitos principalmente em terrenos predominantemente particulares adquiridos por algum tipo de comercialização. Pode abranger todas as faixas de renda familiar, no entanto, para ser considerado como objeto da política habitacional de interesse social o chefe de família deve ter renda média mensal de até seis salários mínimos. Como característica apresentam ocupação técnica e jurídica irregular.
- Favelas: ocupação de áreas públicas ou privadas. Predominantemente desordenadas, com infraestrutura e autoconstruções precárias feitas por famílias de baixa renda e socialmente vulneráveis. Hoje, mais de 1 bilhão de pessoas no mundo vivem em favelas. A expectativa e que esse número gire em torno de 1,5 bi nos próximos 50 anos. No Brasil é estimado que cerca de 11 milhões de pessoas moram em ocupações informais, e só na cidade de São Paulo são mais de 3 milhões espalhadas em aproximadamente 1.000 favelas. Segundo dados da ONU o número de favelados cresce 25 milhões anualmente em todo o mundo. 3
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Revista monolito n° 7
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16 Paraisópolis - foto tirada pela autora
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LIVREMENTE; ESPALHASE como a hera e brota como o mato, DERRAMA-SE como a lava de um vulcão e se move como um bando de ratos.”
“PODE SER ROMPIDO ou INTERROMPIDO em qualquer parte, MAS SEMPRE RECOMEÇA em uma conexão que pode dar-se em qualquer ponto. (...) caso se rompa, NÃO CESSA DE RECONSTRUIR-SE. Trata-se, então, de LINHAS
DE TERRITORIALIZAÇÃO e DE FUGA, de DIREÇÕES MUTANTES, como é o crescimento da erva daninha; um referente que NÃO
CESSA DE CONSTITUIRSE e DE DESAPARECER; um processo que não cessa de ESTENDER-SE, INTERROMPER-SE e COMEÇAR DE NOVO.” (MONTANER, 2009 Pg. 181)
• Mas, o que realmente são as favelas? Conforme Mike Davis citou em seu livro Planeta Favela, a primeira definição conhecida e publicada da palavra inglesa slum foi no Vocabulary of the flash language (Vocabulário da linguagem vulgar) publicado pela primeira vez em 1819 pelo inglês James Hardy Vaux na Austrália, cuja definição era a mesma da palavra racket, ou, comércio criminoso. Porém, nas décadas de 1830 e 1840, os pobres já moravam em slums, em vez de praticá-los. Uma geração mais tarde, slums foram identificadas na América e na Índia, sob a descrição de um lugar pitoresco e “sabidamente provinciano”. Alguns reformadores, incluindo Charles Booth que documentava a vida da classe proletariada em Londres no final do século 19, caracterizavam as slums por um “amálgama de habitações dilapidadas, excesso de população, pobreza e vício”. É claro que para os liberais do século 19 a dimensão moral era fundamental, e esses territórios eram considerados, acima de tudo, “um lugar onde o “resíduo” social apodrecia num esplendor imoral e quase sempre turbulento”.
Capítulo 1: Breve histórico e conceitos da favela
“É como o gengibre ou a mandioca, que CRESCEM SOBRE A TERRA e cujas raízes RAMIFICAM-SE
Mais pra frente, a definição clássica de slums ficou como: excesso de população, habitações pobres ou informais, acesso inadequado a água potável e esgoto sanitário e insegurança da posse da terra. x1 No Brasil, conforme visto anteriormente, os territórios dos morros com características similares as das slums, ficaram conhecidos como favelas. Para o sociólogo Maurício Libânio, antes mesmo da popularização do nome favela, estes locais já existiam:
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“É uma condição de moradia expressa pelas camadas mais necessitadas da população, por falta de política habitacional. Desde a época do Brasil colonial, as populações escravas moravam em senzalas ou mocambos. O nome foi evoluindo até os dias de hoje.”4
Na Revista Lotus international 143: Learning from Favelas (Aprendendo a partir das Favelas), conforme descrito por diversos autores, favelas não seguem um único padrão: elas podem estar em encostas ou terrenos planos; podem ser cheias de gente ou ter uma densidade baixa; podem ter um desenho urbano ortogonal ou caminhos sinuosos. Mas enquanto a combinação desses elementos pode vir em diferentes formas, as favelas compartilham de uma série de características urbanas.
JR Art, Favela Morro Da Providencia, Rio de Janeiro; August 2008
A primeira e talvez mais saliente é a predominância de áreas privadas em relação a áreas públicas. Compreensível pois tanto as necessidades de moradia quanto a topografia, sem desenho de quadra definido, determinam o padrão de cada assentamento. A segunda é a ambiguidade dos espaços públicos usados para circulação, recreação e encontro devido a falta de definição formal de uso. A grave consequência é que frequentemente o lado do uso público de fato fica compromissado. O dimensionamento impróprio das ruas, geralmente associado a um layout pobre principalmente nas áreas de encosta onde o relevo é tão acentuado que o acesso de veículos é impossível, é a terceira constante. Esse conjunto de fatores é crucial pois dá origem a um setor urbano: com acesso inadequado aos equipamentos e residências;
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4 http://portalafrobrasil.blogspot.com.br/2012/10/o-surgimento-das-favelas-no-brasil.html
Foto: JR / Agence Vu’ / Blobcg)
Zachary Aders, arquiteto e urbanista americano que trabalhou na gestão de águas em uma favela em São Paulo e é especialista em agricultura urbana, afirma que existe uma combinação interessante entre o contraste histórico e o moderno da expressão vernácula nas favelas. O fluxo de imigrantes das áreas rurais para os centros urbanos e a facilidade de construção permitiram um desenvolvimento mais rápido. Os alicerces, geralmente concreto armado e/ou tijolo, são construídos com base nas necessidades específicas do usuário, que participa diretamente do processo de construção. Apesar das condições estarem longe do desejável, existe uma noção exagerada da pobreza e miséria da favela. Enquanto classes de baixa renda ocupam as favelas, a maioria dos habitantes tem emprego e ganha perto de cinco salários mínimos. 6
Capítulo 1: Breve histórico e conceitos da favela
falta de conexão apropriada com a malha da cidade ao redor; onde é difícil trazer serviços públicos; e onde a percepção do espaço é confusa. Além dos problemas acima citados que poderosamente compõem o tecido urbano e são de uma natureza morfológica, funcional e simbólica, outras inconveniências gerais são comuns a quase todas as favelas: infraestrutura insuficiente, especialmente saneamento; equipamentos públicos precários ou não existentes, e status de propriedade indeterminado. 5
“A densidade permite uma utilização efetiva dos recursos e espaços. Um tecido urbano compacto também estimula a interação social, reforçando a criação de redes. Esses aspectos positivos de densidade devem melhorar as condições de vida, apesar das restrições relativas a falta de espaços abertos.” (ADERS, Zachary) 7 5 6 7
texto traduzido pela autora: Revista Lotus international 143, 2010 pg. 65 BRILLEMBOURG, FRANÇA, ZACARIAS, KLUMPNER, 2010 BRILLEMBOURG, FRANÇA, ZACARIAS, KLUMPNER, 2010 cit. pg. 13
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Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
A Favela, no entanto, não é meramente um objeto empírico ou um container de processos e efeitos sociais. Mas sim um objeto discursivo, uma vez material e imaginário, que tem efeitos teóricos significativos. (texto traduzido pela autora. Revista Lotus
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Paraisópolis. Foto: Alex Almeida
international 143, 2010 pg. 14)
“É importante entender que as favelas foram construídas como uma reação a exclusão social e a segregação espacial e se tornaram ao mesmo tempo, uma alternativa de autoproteção para seus milhares de moradores.” (FRANÇA, 2010 Pg.11)
“(...)a favela tem sido estudada e analisada por suas qualidades negativas e dentro de uma concepção errônea, que compara seus padrões de construção e habitabilidade com os modelos ideais, clássicos e tradicionais da cidade desejada.” (FRANÇA, 2010 Pg.11)
No entanto há, felizmente, estudiosos que não seguiram a linha de raciocínio acima citada. É o caso da autora Paola Berenstein Jacques que, em seu livro “A Estética da Ginga”, afirma logo na introdução que o objetivo é estudar a não arquitetura já que as favelas são construídas por não arquitetos. “A hipótese principal é a de que as favelas tem uma estética própria”. E para demonstrá-la três figuras conceituais são utilizadas: o Fragmento, o Labirinto e o Rizoma. “Além de fazerem parte do nosso patrimônio cultural e artístico, as favelas vão se formando mediante um processo arquitetônico e urbanístico, vernáculo singular, que não somente difere do dispositivo projetual tradicional da arquitetura e urbanismo eruditos -seria mesmo o seu oposto-, mas também se investe de uma estética própria, com características peculiares, completamente diferente da estética da cidade dita informal.” (JACQUES, 2011 Pg.17)
Capítulo 1: Breve histórico e conceitos da favela
• Fragmento, Labirinto e Rizoma - Paola Berenstein Jacques
“Por que não buscar respeitar a especificidade da favela, tentando aprender com a sua complexidade cultural e riqueza formal?” (JACQUES, 2011 Pg.17)
- Fragmento 8: O conceito de fragmento está diretamente ligado ao abrigo, a moradia e ao barraco, já que os mesmos são primeiramente construídos com fragmentos, ou seja, com restos de materiais achados ao acaso. Essa primeira casa tem como principal objetivo abrigar uma família e geralmente é muito precária.
8 JACQUES, 2011 Pg.25-27
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Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
“Nunca há projeto preliminar para a construção de um barraco. Os materiais recolhidos e reagrupados são o ponto de partida da construção, que vai depender diretamente do acaso dos achados, da descoberta de sobras interessantes.” (JACQUES, 2011 Pg.17)
No aspecto formal, a construção é forçosamente fragmentada. Conforme o abrigo vai evoluindo, as peças e os pedaços menores vão sendo substituídos por maiores. Até que no seu último estado de evolução (casa em alvenaria), já não é formalmente tão fragmentado, no entanto não deixa de ser fragmentário pois a casa continua evoluindo. Os abrigos se transformam continuamente em uma favela. As construções numa favela -e, consequentemente, a própria favela - jamais ficam de todo concluídas. (...) “pois sempre haverá melhorias ou ampliações a fazer”. A prática construtiva dos arquitetos favelados é a bricolagem que tem a ver com o acaso e a incompletude. Eles jamais vão direto a um ojetivo ou a totalidade; Eles agem “segundo uma prática fragmentária, dando voltas e contornos, numa atividade não planificada e empírica. (...) uma arquitetura do acaso (...) uma arquitetura sem projeto”. “O bricoleur favelado quer um abrigo, cuja forma definitiva lhe escapa. Trabalha com fragmentos e de modo também fragmentário. (...) seu objetivo maior é abrigar sua família”. E dessa forma, sua maneira de viver é muito mais próxima da ideia de abrigar do que de habitar. Com o tempo, “já que a noção de “se tornar” faz parte do provisório, o abrigo pode vir a se tornar habitação.” (JACQUES, 2011 Pg.29/30)
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O labirinto da favela não é fixo ou acabado. Ele está sempre sendo feito; é um tecido maleável que “segue o movimento dos corpos”. Ao se fazer um trabalho sobre ou nas favelas, é necessária a utilização de fotos aéreas que devem sempre ser atualizadas. “É do alto que se pode ver a situação geral num dado momento”. “O processo labiríntico do espaço urbano espontâneo difere profundamente do espaço urbano planificado dos arquitetos urbanistas.” (JACQUES, 2011 Pg.69)
Capítulo 1: Breve histórico e conceitos da favela
- Labirinto 9: Saindo da escala do abrigo e entrando na escala do conjunto de abrigos, na escala do espaço deixado entre os abrigos, chega-se as ruelas e becos. Espaço esse efetivamente labiríntico.
Na favela labirinto, suas grandes redes coletivas se transformam perpetuamente, o que torna quase impossível o desenho de “um mapa definitivo, que fixe no tempo um processo espacial inacabado e aberto de um labirinto não projetado”. Não é possível captar o labirinto favela em apenas um olhar, principalmente quando se está dentro dele perdido. Porém, ao se tratar de uma favela de morro, ou favela piramidal, é mais facil se achar e sair já que basta apenas descer. “É entrando na cidade planejada que se sai da favela. Subir é muito mais difícil”. “Antes de ser forma, o Labirinto é um estado sensorial. Antes de ser espaço, é um caminho. Antes de ser, deve tornar-se Labirinto.”(JACQUES, 2011 Pg.69) 9 JACQUES, 2011 Pg.67-69
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Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
- Rizoma 10: Já o conceito de rizoma está diretamente ligado ao crescimento; a formação de territórios urbanos. “O crescimento das favelas assemelha-se ao do mato que cresce nos terrenos baldios das cidades”. Da mesma forma que o mato nasce discretamente nas bordas e rapidamente ocupa o terreno por inteiro, as favelas ocupam um terreno vazio. Geralmente, as ocupações dos favelados é um trabalho em grupo feito durante a noite enquanto a cidade formal dorme. A ocupação iniciada pelas bordas gera uma situação contrária a da cidade formal. A periferia das favelas é normalmente mais valorizada do que o centro. Ou seja, as favelas são acêntricas. “A periferia, a linha que separa a favela do restante da cidade, tornase o centro simbólico que se desloca. Os abrigos surgem em meio a cidade, em espaços públicos inutilizados ou espaços caros demais para construir, formando microterritórios no interior de outros maiores. Ao mesmo tempo, a capacidade de desterritorialização das favelas é impressionante. Se em um dia a favela é arrasada, seja qual for o motivo, no dia seguinte já renasce em outro lugar. E mesmo hoje em dia nas favelas mais consolidadas, elas continuam a ir além dos seus limites através de ligações estabelecidas com a cidade formal. Ligações essas determinadas pela autora como “subterrâneas” por serem mais sutis. É uma ligação feita através das relações individuais como por exemplo dos moradores da favela que trabalham nas casas dos bairros formais.
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JACQUES, 2011 Pg.107-109
“A cidade projetada - a cidade-árvore, como a árvore e o pensamento em árvore - está fortemente enraizada num sistema-raiz, imagem da ordem; a cidade não completamente projetada, a cidade-arbusto, funciona como um sistema-radícula mais complexo; e a favela, a cidade sem projeto, a cidade-mato, segue o sistema-rizoma.” (JACQUES, 2011 Pg.111) “A estética resultante da experiência desses espaços fragmentados, labirínticos e rizomáticos é, consequentemente, uma estética espacial do movimento, ou melhor, do espaço-movimento.” (JACQUES, 2011 Epílogo)
Capítulo 1: Breve histórico e conceitos da favela
“A ocupação das favelas se faz, portanto, em três níveis: ocupação propriamente dita de terrenos vagos na cidade; deslocamentos de favelas na cidade; relações dos favelados com a cidade formal. Esses três níveis de ocupação e de desenvolvimento seguem a lógica do mato, em oposição a lógica da árvore e do arbusto das cidades convencionais (lógica piramidal).” (JACQUES, 2011 Pg.111)
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CAPÍTULO 2 - PRINCIPAIS PROGRAMAS DE REVITALIZAÇÃO E URBANIZAÇÃO DE FAVELAS NO BRASIL
“Anteriormente vistas como o reflexo e o espelho de uma sociedade desigual, as favelas são hoje reconhecidas por sua diversidade social, o que pode ser a chave das soluções dos problemas urbanos.” (FRANÇA, 2010 Pg.11)
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
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• Características e histórico de programas de intervenção em áreas críticas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro Para entender as características das políticas habitacionais e urbanas adotadas, algumas condições da socieade brasileira precisam ser resgatadas incluindo a postura e tomada de decisões perante as favelas com o objetivo de cituar a condição do mundo urbano no Brasil e como o Estado exerceu a construção do território nas cidades. Com o fortalecimento das Indústrias, morar em São Paulo por exemplo, foi por algum momento associado ao trabalho. “Morar na cidade significava trabalhar formalmente na cidade.” A construção desse território teve influências da Habitação coletiva. Nos anos de1920, era visível que as condições sociais do Brasil muito se distanciavam das condições de produção. Enquanto isso, o Movimento Moderno é o consolidador internacional da discussão sobre habitações na constituição das cidades industriais. 1 Paralelamente, a preocupação do poder público com a nova forma de moradia informal instalada nas grandes cidades só aconteceu em meados da década de 20 do século passado. O arquiteto francês Alfred Agache apresentou ao governo carioca um plano de urbanização e embelezamento que propunha a transferência dos moradores das favelas por motivos sociais, estéticos e hierárquicos. A ideia de que as comunidades precisavam ser eliminadas permaneceu e como consequência muitas favelas foram removidas nesse período fazendo com que as pessoas se instalassem cada vez mais em regiões periféricas. 2 1 RUBANO, 2010 2 http://portalafrobrasil.blogspot.com.br/2012/10/o-surgimento-das-favelas-no-brasil.html
Operários - Tarsila do Amaral 1933
fonte: http://images.slideplayer.com.br/3/393802/ slides/slide_19.jpg
No entanto, a “forma” do Estado moderno brasileiro não se sustentou por muito tempo. E logo transformou uma das “equações modernas para habitação coletiva” em uma das mais trágicas experiências de produção de moradia em massa, associada a extensão do território urbano.” (RUBANO, 2010 Pg.4)
Em 1937 foi proibida a construção de novas favelas ou mesmo a melhoria das que já existiam. A lei vigorou até a década de 70. O Código de Obras desse mesmo ano refere-se as favelas como “aberrações”. Próximo ao ano de 1940, o Prefeito da cidade do Rio de Janeiro Henrique Dodsworth as denominou como um problema de saúde pública. Entre 1950 e 1960, com o aumento da população nas cidades, problemas como saneamento básico e infraestrutura agravaram ainda mais a questão do déficit de habitação. O processo de urbanização foi naquela década uma das principais discussões públicas. Em 1960 o Morro de Santo Antônio no Rio, foi destruído para a construção do Aterro do Flamengo. Até 1965, 30 mil pessoas haviam sido retiradas das favelas cariocas. O auge da política da remoção ocorreu entre 1968 e 1975 quando 176 mil pessoas foram levadas para 35 mil unidades habitacionais.
Capítulo 2: Principais programas de revitalização e urbanização de favelas no Brasil
A partir de 1930, a arquitetura moderna brasileira toma um novo rumo no sentido de que pode ser uma forma de apresentação e representação. A habitação, nesse momento, está associada a idéia de desenvolvimento. A arquitetura se torna uma imagem que mostra o futuro do país, mesmo com a falta de avanço industrial e tecnológico do presente. A medida foi incorporar formas de morar - já propostas na Europa - sem enfrentar as reais condições urbanas e de produção. “O Estado se modernizava pela forma e não pelo real conteúdo”.
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O documentário chamado “Remoção”, dirigido por Luiz Antonio Pilar e Anderson Quack, retrata através de depoimentos e imagens o processo de remoção de favelas da Zona Sul do Rio na década de 1960 que deram origem aos conjuntos habitacionais Vila Aliança, Kennedy e Esperança, e também às Cidades de Deus e Alta.
fonte: http://cinemacao.com/wp-content/uploads/2014/06/Remoção_cartaz_poster.jpg
Capítulo 2: Principais programas de revitalização e urbanização de favelas no Brasil
fonte: http://cinemacao.com/wp-content/uploads/2014/06/Remoção_imagem.jpg
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Capítulo 2: Principais programas de revitalização e urbanização de favelas no Brasil fonte: http://oglobo.globo.com/rio/bairros/ historia-viva-dos-morros-do-rio-11253710
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O Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e o Banco Nacional de Habitação (BNH) adotaram políticas com foco central em grandes conjuntos habitacionais localizados, em sua maioria, distantes das áreas centrais. 3 “A ação do Estado vai desencadear territórios habitacionais, utilizando-se da máxima abstração (distorcida herança moderna) “permitida” ao tema da cidade e da moradia: áreas periféricas vão se estender sem conexões, sem urbanidade, sem projeto arquitetônico, sem espaço público, inconscientes da crítica a esse modelo, já totalmente formatada (Europa, EUA) nos anos do pós guerra.” (RUBANO, 2010 Pg.5)
Em 1972, cerca de 20% das favelas do Rio de Janeiro haviam sido eliminadas, o que não impediu que outras continuassem surgindo devido ao êxodo rural do Brasil, que levou trabalhadores da zona rural para a zona urbana e sem ter onde viver, foram se instalando pelas áreas mais pobres. Em 1974 o governo suspendeu o plano de erradicação, mas nenhuma outra política foi adotada e as comunidades ficaram sujeitas ao abandono. 4 Com a crise econômica dos anos 1980, culminada pela extinção do BNH, os programas de habitação da época foram interrompidos. Penalizando ainda mais as famílias sem capacidade de acesso ao mercado imobiliário. 3 O processo de construção de território nas cidades se traduz em uma vontade ordenadora que falhou. As arquiteturas como parte visível dessa estrutura desejada foram feitas em pontos isolados e na
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3 VÁRIOS COLABORADORES, 2008 4 http://portalafrobrasil.blogspot.com.br/2012/10/o-surgimento-das-favelas-no-brasil.html
fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/10.109/50
Mesmo assim, ainda no começo da década de 1980, algumas experiências de urbanização de favelas surgiram isoladamente. O objetivo era manter as famílias nos locais de moradia e implantar infraestrutura básica, como esgoto, drenagem, acesso viário entre outros. Tais experiências começaram a ser implantadas no Rio de Janeiro onde os problemas das favelas tinham mais destaque. No final da década de 1980, o governo do Estado de São Paulo e a Prefeitura do Município elaboraram um programa cujo principal objetivo é o saneamento ambiental da bacia hidrográfica de Guarapiranga. Uma das ações propostas era a recuperação urbana dos assentamentos precários ali localizados. Com isso, o tema Urbanização de favelas passa a responder por uma parcela expressiva do plano de recuperação da bacia.
Capítulo 2: Principais programas de revitalização e urbanização de favelas no Brasil
maioria das vezes em um contexto desigual. Cidades grandes - como São Paulo - refletem em seu território o atual modo de realização do capital: financeirização; que apresenta não somente a construção estratégica de territórios tipo que hospedam a ação temporária das empresas, mas também espaços que a população pobre ocupa e que geralmente estão fora das lógicas organizativas utilitárias da cidade. 5
O Programa Guarapiranga é considerado o primeiro programa de urbanização de favelas de grande escala e muitas lições já foram aprendidas dessa época. 3 • Principais programas de revitalização e urbanização de favelas no Brasil e seus desafios 5
RUBANO, 2010
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Com as primeiras urbanizações de favelas na década de 80 do século XX, foi possível aprender quão importante a implantação de espaços públicos que permitem a integração com a vizinhança é. Já naquela época era claro como era viável reestruturar esses espaços físicos mantendo os investimentos já feitos pelos moradores ao mesmo tempo. A partir desse momento, as ações de urbanização de favelas foram entendidas como componente das estratégias de combate a pobreza. Além de reduzirem a desigualdade, o impacto no bem estar e qualidade de vida foi relevante. 6
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“A urbanização de favelas passou a ser um dos componentes da política habitacional no município, pois as ações do programa contribuíram para melhorar o estoque de soluções habitacionais acessíveis as famílias de baixa renda, que não têm acesso ao crédito formal.” (VÁRIOS COLABORADORES, 2008 Pg.18)
Em 1996, na Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos - Habitat II, foi consolidado um plano internacional de ações centrado na busca do desenvolvimento social e da erradicação da pobreza. As decisões tomadas nessa conferência são um marco para afirmação de novos conceitos de políticas públicas, especialmente política habitacional. E é a partir desse momento que o conceito de urbanização de favelas como componente estrutural das políticas habitacionais é consolidado. 6
VÁRIOS COLABORADORES, 2008
1) Direito a cidade; fonte: http://vadebike.org/wp-content/uploads/2011/09/aline.jpg
2) Moradia digna “conforme definição estabelecida no Plano Diretor Estratégico (PDE), compreende-se aquela que garante ao morador a segurança na posse e ainda dispõe de instalações sanitárias adequadas, que garanta as condições de habitabilidade, e que seja atendida por serviços públicos essenciais, entre eles: água, esgoto, energia elétrica, iluminação pública, coleta de lixo, pavimentação e transporte coletivo, com acesso aos equipamentos sociais básicos” (PDE, art. 79§ unico). No entanto, atingir tais objetivos no contexto em questão envolve outros pontos que devem ser considerados. Além do conjunto de déficits relacionados a infraestrutura, acessibilidade, disponibilidade de equipamentos e serviços públicos, há algumas metas: - Qualificação dos espaços públicos, permitindo a integração com os bairros vizinhos e dando reconhecimento para a área como um novo bairro. o acesso às qualidades e benefícios reconhecíveis até então apenas na cidade formal, eleva os moradores a uma nova condição de cidadania.
fonte: http://www.imagens.usp.br/wp-content/ uploads/06102014moradiaspfotomarcossantos006.jpg
Capítulo 2: Principais programas de revitalização e urbanização de favelas no Brasil
• Estratégias projetuais Objetivos x Desafios: Pode-se dizer que há dois objetivos básicos e urgentes relacionados a urbanização de favelas 6:
- Áreas de convivência geradas pela articulação de espaços e equipamentos públicos. - Identificação das características, expectativas e demandas dos
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Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
moradores através de intenso trabalho de acompanhamento social realizado junto as comunidades. - Análise individualizada de cada situação, já que os assentamentos são determinados pelas características da área apropriada. Os problemas se revelam com tanta variedade que a elaboração de um único módulo não se aplica. As soluções devem ser produzidas sob medida. - Evitar o processo de gentrificação, fortalecendo o sentimento de identidade dos moradores com o espaço, incentivando a permanência dos mesmos e garantindo a continuidade dos investimentos realizados na construção das moradias. - Minimizar “os impactos trazidos pelo constante “fazer” dos moradores das favelas” mantendo o tempo entre elaboração dos projetos e o início das obras menor o possível. “Esse tipo de intervenção tem como principal objetivo a construção de espaços públicos de qualidade que respeitem as preexistências ambientais e culturais e que provoquem, sobretudo, a diluição das fronteiras urbanísticas e simbólicas entre a área antes marginal e o bairro formal.” (SECRETARIA DE HABITAÇÃO, 2008 Pg.19)
Na última década, a problemática que envolve o cenário urbano nas favelas, foi exposta e aberta para profissionais diversos afim de estudar e propor suas idéais. Esse passo já mostra como a abordagem da situação já vem sendo feita de forma consciente e muito mais interessante. A seguir, dois exemplos de ações tomadas nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro respectivamente. 40
Trata-se de um projeto da Prefeitura do Rio de Janeiro lançado em 1993 (época em que o arquiteto Luiz Paulo Conde foi prefeito da cidade), que em parceria com empresas privadas, tinha como principal objetivo integrar as favelas aos bairros formais. Com isso, diversas reformas em mais de 150 comunidades foram desenvolvidas.7 A seleção das favelas a receber as intervenções e primeiras obras, foi feita a partir do tamanho dos assentamentos (pequenas, médias e grandes). As comunidades médias de entre 500 e 2.500 lares, que em conjunto representavam 40% dos moradores de favela em toda a cidade, seriam as primeiras beneficiadas. Dentre esse grupo, as comunidades foram analisadas e classificadas por dificuldade de construção no local. A partir daí, os 40 lugares mais viáveis foram escolhidos e, dentre estes, 16 foram selecionados pelo Prefeito e Subprefeitos para receberem os primeiros projetos. Houve um concurso aberto de arquitetura entre empresas privadas Para desenvolvimento dos projetos específicos. O governo trabalhou com o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) para selecionar os vencedores. O Favela-Bairro foi sem dúvidas um salto em relação as antigas intervenções estatais em favelas, e, agora após alguns anos, é possível observar melhor os resultados concretos de suas conquistas.
Capítulo 2: Principais programas de revitalização e urbanização de favelas no Brasil
• Favela-bairro - Rio de Janeiro
- Primeira fase do programa (1995-2000): 38 favelas receberam melhorias (incluindo favelas beneficiadas por programas paralelos, como o Favela Bairrinho para comunidades com menos de 500 lares, e Grandes Favelas, para comunidades com mais de 2.500 lares). 7 http://rioonwatch.org.br/?p=5042
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Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
- Segunda fase do programa (2000-2005): urbanização de outras 62 favelas e 24 loteamentos irregulares. O desenvolvimento da segunda fase do programa se expandiu na inclusão de creches e centros de informática, oferecendo treinamento em higiene e desenvolvimento da comunidade e até algumas titulações de propriedade.
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- Até 2008: 168 favelas e loteamentos alcançados. Algumas avaliações do programa Favela-Bairro elogiaram o caráter inovador do projeto. Em 2005, na sede do BID foi realizado o aniversário de dez anos do programa, reconhecendo-o como “o mais ambicioso programa de urbanizações em favelas no mundo”. Marcelo Burgos, historiador especializado em favelas e coordenador do Departamento de Sociologia da PUC-Rio, escreveu em 2005 que ele tinha “grande esperança que o programa levaria a uma revitalização e maior capacitação de organização política nas favelas”, acrescentando que “a luta pelos direitos tinha encontrado um importante aliado no programa Favela-Bairro”. 8 No mesmo ano, um estudo quantitativo do BID mostrou que em 37 comunidades servidas pela primeira fase do programa houve um aumento significativo no acesso à água e saneamento, em comparação com outras comunidades que não foram atendidas pelo programa. No entanto, também foi constatado que os projetos de saneamento não impactaram o índice de mortalidade infantil devido à doenças transmitidas por vetores, e tampouco causaram um acréscimo nos alugueis nas comunidades servidas pelo programa, considerando o aumento de renda dos bairros vizinhos. Esse estudo deixou claro que “o objetivo do programa Favela-Bairro é abordar os resultados da falta de habitação na cidade a preços acessíveis e BURGOS, 1998
Segundo Janice Perlman: “Favela-Bairro foi um passo corajoso na direção certa, mas não foi ‘o ideal’. Não houve uma avaliação das melhores práticas, somente práticas que foram melhores que outras em um determinado tempo e lugar. Quando uma ideia inovadora alcança o nível de implementação e começa a ser rotina, suas contradições internas viram novos desafios a serem abordados.” 10 Antes e depois: Acesso à favela Fubá-Campinho
Capítulo 2: Principais programas de revitalização e urbanização de favelas no Brasil
não tratar, em primeiro lugar, das condições que forçam as pessoas a viverem em condições informais. O assunto sobre o que leva as pessoas à morar nesses assentamento deve ser abordado no futuro, como deve-se também acrescentar o acesso à serviços sociais para o aprimoramento do programa de urbanização. 9
fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br/imagem/como-e-Abre.jpg 9 http://rioonwatch.org.br/?p=5042 10 PERLMAN, 2010
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Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
Antes e depois: Jardim Primavera
fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/05.019/3326
Mesmo assim, o programa representou a rotinização de programas de urbanização direcionados às favelas como parte da política oficial da cidade e a adição de serviços sociais na segunda fase do programa foi uma indicação das tendências dos programas de urbanização seguintes. Entre 2005 e 2008, os projetos estavam atrasados e sem fundo, com muitos abandonos por parte dos empreiteiros devido as dificuldades das condições de trabalho. Logo depois, no entanto, esses projetos em atraso teriam uma nova fonte de financiamento e um novo nome, o do Morar Carioca.
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Trata-se de um concurso realizado pela Prefeitura de São Paulo em parceria com o Instituto dos Arquitetos do Brasil em 2011 que conclamou arquitetos brasileiros para urbanizar favelas e loteamentos irregulares em toda a cidade. O objetivo era selecionar 22 propostas de urbanização de 209 favelas e loteamentos irregulares, totalizando o maior volume de obras (55.642.278m²) dedicado a urbanização de áreas precárias. Inédito também foi o valor do prêmio, um total de R$ 58 milhões, aí incluído o valor do contrato, dividido entre as propostas eleitas. 11 Os projetos implantaram sistemas de água, esgoto, iluminação, paisagismo, vias, drenagem, além de espaços públicos e novas unidades habitacionais nos 22 Perímetros de Ação Integrada (P.A.I) determinados pela Secretaria Municipal de Habitação depois de aprofundado estudo para que esses locais se transformem em novos bairros da cidade. 12 Essa foi a primeira vez que a arquitetura se torna protagonista de uma intervenção urbana desta dimensão, pois os escritórios vencedores tem domínio na coordenação de equipes e no gerenciamento de consórcios. Hoje em dia os projetos estão em andamento e alguns deles em execução.
11 http://renovasp.habisp.inf.br/concurso/info/press_release 12 http://arquiteturascontemporaneas.wordpress.com/2013/03/19/revista-monolito-2/
Capítulo 2: Principais programas de revitalização e urbanização de favelas no Brasil
• Renova Sp - São Paulo
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46 fonte: http://renovasp.habisp.inf.brdo-rio-11253710
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
Na Revista Monolito n° 7, alguns projetos foram selecionados dentre os vencedores. A seguir, alguns exemplos:
Monica Drucker, Ruben Otero e Ciro Piriondi Cabuçu de Baixo 12 (2011/_)
Capítulo 2: Principais programas de revitalização e urbanização de favelas no Brasil
Na primeira etapa do concurso, as equipes participantes apresentaram quatro pranchas A3 e deveriam trabalhar em dois campos diferentes: 1) Em uma área urbana, resolvendo questões de infraestrutura, drenagem, espaços públicos entre outros; 2) Propor conjuntos habitacionais para três mesmas situações: André de Almeida, Antonio Sampaio e Nicolo Pietro. Em cinco regiões, não houveram vencedores e por esse motivo uma nova competição foi prevista para 2012.
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Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
Libeskindllovet Arquitetos e Jansana, de la Villa, de Paauw, Arquitectes Água Vermelha 2 (2011/_)
fonte: http://concursosdeprojeto.files.wordpress.com/2011/08/renova-sp-c3a1guavermelha-2-1c2ba-lugar-031.jpg?w=1162
fonte: http://concursosdeprojeto.org/2011/08/page/3/
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fonte: http://concursosdeprojeto.org/2011/08/31/concurso-renova-sp-grupo-1-cabucu-de-baixo-5-01/
Capítulo 2: Principais programas de revitalização e urbanização de favelas no Brasil
MAS Urban Design ETH Zurique e MSA * PMA Cabuçu de Baixo 5 (2011/_)
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Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
• Estratégias conceituais Além de estratégias projetuais, muitos autores ao estudar o território das favelas, apresentam conceitos derivados dessas análises e alguns até o colocam em prática. Serão abordados os conceitos de dois autores: Milton Santos e Hector Vigliecca respectivamente. - Horizontalidades e Verticalidades - Milton Santos Um dos maiores desafios enfrentados em intervenções nas favelas é a questão do uso no território. Quem mora em favelas tem uma ligação muito forte com o lugar; com o espaço. “O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer aquilo que nos pertence”. (SANTOS, 1996)
No livro “A natureza do espaço”, o autor diz que ao lado e sobre os arranjos espaciais há fluxos reguladores que podem ser admitidos em pelo menos dois recortes: Horizontalidades e Verticalidades. Tendo o primeiro uma cooperação mais limitada e o segundo uma cooperação mais ampla. As cidades são o ponto de intersecção desses dois recortes. Enquanto as verticalidades, estruturadas na rigidez e disciplina, regem o funcionamento global da sociedade e da economia, as horizontalidades são os lugares da contrafinalidade, da cegueira e da descoberta, da complacência e da revolta. Atualmente, as regiões são caracterizadas por solidariedades organizacionais baseadas em racionalidades de origens distantes. A incorporação dessas normas externas desintegram as solidariedades
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Por outro lado, o autor também afirma que os espaçoa podem (e devem) se fortalecer horizontalmente através de ações locais “que ampliem a coesão da sociedade civil, a serviço do interesse coletivo.” “O espaço se dá ao conjunto dos homens que nele se exercem como um conjunto de virtualidades de valor desigual, cujo uso tem de ser disputado a cada instante, em função da força de cada um.” (SANTOS, 1996 Pg. 317)
A cidade grande, vista como um espaço banal onde tudo e todos podem se instalar, conviver e prosperar, também é um lugar de confronto entre organização e espontaneidade. E é aqui que os desafios para intervir em um espaço teoricamente “errado” como a favela ficam evidentes. A favela é composta por pessoas extremamente ligadas ao lugar, de ações e reações espontâneas totalmente adaptadas ao local. Por isso, nós, arquitetos, precisamos respeitar tais pré existências e potencializar as horizontalidades pertencentes desses tipos de território. Caso o contrário, o resultado pode ser uma alienação do homem em relação ao espaço.
Capítulo 2: Principais programas de revitalização e urbanização de favelas no Brasil
locais, ocorrendo a perda da capacidade de gestão da vida local. Essa tensão local é causada por diversos fatores: comércio internacional, demandas das grandes indústrias, necessidade de abastecimento metropolitano, entre outros. Como Milton Santos citou, a consequência é a desordem aos subespaços em que essas verticalidades se instalaram, criando uma “ordem” para benefício próprio.
“Quando o homem se defronta com um espaco que não ajudou a criar, cuja história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de uma vigorosa alienação.” (SANTOS, 1996 Pg. 328) 51
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
- Áreas urbanas críticas e terceiro território - Hector Vigliecca 13 O arquiteto Hector Vigliecca é um dos mais atuantes na revitalização de favelas nos últimos tempos. Ele e sua equipe apresentam propostas onde há uma clara tentativa de construir um território urbano, e arquitetura decorrente. Reais possibilidades de habitar coletivamente a cidade. Além de acredita no projeto como instrumento de investigação e uma possibilidade de interpretação, onde não há modelo e sim, observação dos agrupamentos urbanos. Ele definiu alguns conceitos a partir de seus estudos e análises referentes a questão da Habitação no país e a intervenções em áreas consolidades. Dois deles foram escolhidos. O primeiro por descrever sinteticamente o cenário crítico da Habitação no país e as medidas tomadas por décadas a respeito. O segundo por resumir uma estratégia e diretriz base para se intervir em territórios urbanos críticos, no caso, favelas. - Áreas urbanas críticas: “momentos nessas cidades que não têm mais a menor condição de serem reinventados: nem pela “forma” moderna, nem pela hipótese de ação aparentemente comprometida com a quantidade, mas devastadora do Estado que, sem enfrentar problemas estruturais (...) condena a população pobre à não cidade.” - Terceiro território: “uma nova estrutura, que se intersecta à existente, pode estabelecer uma unidade que, simultaneamente valoriza, estimula e dá sentido a essa outro morfologia, que surge, sem destruir nem excluir o existente.” (VIGLIECCA, 2005 texto para a 6°. Bienal de Arquitetura)
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RUBANO, 2010
Segundo Hector e sua equipe, ao enfrentar tal tipo de território, deve haver uma reformulação da leitura do mesmo. Pois anteriormente “as favelas eram vistas como situações transitórias de moradia na cidade, depois como áreas que demandavam urbanização básica (água e luz) porque seriam definitivas, e mais recentemente como áreas a serem conectadas mais francamente as estruturas da cidade, pela trama viária e pelo espaço público”.
Capítulo 2: Principais programas de revitalização e urbanização de favelas no Brasil
Tais definições se assemelham muito as estratégias projetuais citadas anteriormente nesse trabalho. E são resultado de uma investigação e consequente interpretação íntima desses territórios.
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CAPÍTULO 3 - ESTUDOS DE CASO
“Isso que é urbanismo. Você começa por um único apartamento e pergunta de uma maneira sistemática se há tudo que o indivíduo precisa.” (DRUOT, Frederic)
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
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•
Projeto Urbano Córrego do Antonico, Paraisópolis-SP MMBB Arquitetos (Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton Braga) 2009
DADOS: •Área de intervenção / desapropriação = 37.713 m²
A escolha dessa referência se deu por três principais motivos. O primeiro deles é a localização: nas margens do córrego Antonico que é o mesmo terreno de intervenção do projeto apresentado no Capítulo 4. O segundo motivo é pela enfatização do desafio de como tratar a questão dos espaços abertos uma vez que os mesmos podem ser invadidos futuramente. E por fim, pelo motivo da equipe tentar resgatar a relação do indivíduo com a água.
•Nº de desapropriações
Esse projeto urbano está inserido no Programa de Urbanização de Favelas promovido pela Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo. Em geral, o programa engloba um conjunto de obras de infraestrutura urbana, equipamentos sociais e novas habitações.
•Área de habitações propostas
A remoção das habitações irregulares sobre ou nas margens do córrego será necessária para promover a drenagem do curso d´água e a reconfiguração das áreas livres. No entanto, assim como qualquer intervenção feita em favelas, “a principal questão a se enfrentar é a manutenção futura dos espaços abertos, evitando novas ocupações irregulares”. Mesmo assim, a equipe do MMBB acredita que o projeto é um dos principais instrumentos para a promoção da urbanidade do novo bairro. A estratégia é articular duas esferas: reconceituar o sistema de drenagem e construir formas de imaginário popular atuantes sobre o espaço. A primeira visa reconciliar a relação das pessoas e da favela com a água. O objetivo é criar um sistema de drenagem que atenda
= 698 unidades
•Área de faixa de expansão = 2.350 m²
•Área de interesse coletivo = 591 m²
= 9.456 m²
•Nº
de unidades propostas = 128
habitacionais
•Área edifício de equipamentos e serviços = 2.498 m²
CapĂtulo 3: Estudos de caso fonte: http://www.mmbb.com.br/projects/details/68/4
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tanto as questões técnicas de saneamento básico quanto as questões de urbanidades ligadas ao córrego. Segundo as diretrizes vigentes no Estado de São Paulo para elaboração de novos sistemas de drenagem, o tamponamento de rios e córregos é impedido. Contudo, a solução adotada por muitos engenheiros, até o momento, de aprofundar a calha do córrego, acaba deixando o fluxo d´água longe do contato visual e do chão onde as pessoas de fato estão. Por isso, a solução adotada para o córrego do Antonico foi deixar um fluxo mantido na surpefície que receberá tratamento adequado para contato com as pessoas e o outro em uma galeria subterrânea em casos de cheias possibilitando o controle de vazões quando necessário. A segunda estratégia visa criar uma centralidade linear pois ao longo do córrego, além da ciclofaixa ligada a futura estação do metrô e da exclusividade para pedestres e carros apenas de serviços, será disponibilzada uma faixa de 1,70 metros para as casas que dão face a esse eixo. O objetivo é que as casas se transformem e ampliem criando novos comércios e serviços. Ou seja, possibilitará geração das economias locais. Como dito anteriormente, o desafio é criar um sentimento de domínio público. As pessoas precisam se sentir pertencentes ao lugar e que o lugar, ao ar livre ou não, pertença a elas. Os arquitetos acreditam que se evocarem a cultura da praia urbana, os resultados serão positivos. “Pois reconhecemos que, na praia urbana, as formas expontâneas de negociação do uso do espaço tornam a coexistência ativa e desejável. Nela, encontramos uma das mais potentes estruturas espaciais das cidades brasileiras que é o calçadão, espaço de mediação entre as áreas destinadas ao ócio e as áreas destinadas à vida habitual da cidade.” (Depoimento dado pelo MMBB no dia 12.02.2012 no site http:// www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/12.134/4239)
VISÃO DA AUTORA:
•Busca da relação do indivíduo com a água •Busca do sentimento domínio público
de
•Programa variado
•Nº de desapropriações
(698 unidades) x Nº de unidades habitacionais propostas (128)
•Área abertas muito extensas
CapĂtulo 3: Estudos de caso fonte: www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/12.134/4239
fonte: www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/12.134/4239
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Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
•
Parque Novo Santo Amaro V, Represa do Guarapiranga - SP DADOS: Vigliecca e Associados 2009-2012 •Área da comunidade = 152.000m2
Conforme enfatizado no texto “Uma ação na cidade: Urbanização em áreas Urbanas críticas”, a equipe procura enfrentar a cidade real e rejeitar formalismos heroicos. Esta é a principal razão da escolha desta referência. A unidade habitacional funciona como uma estrutura embrião que articula todas as atividades e os espaços públicos, além das áreas de comércio e serviço. No caso do projeto Parque Novo Santo Amaro 5, a área de fundo de vale era prioridade, por ser de alto risco devido a desabamentos e erosões além de estar dentro de uma zona de proteção aos mananciais com declive acentuado. Cerca de 200 famílias tiveram que ser retiradas para implantação da proposta. O projeto tem como diretriz criar um eixo central verde ao longo do curso d´água existente onde todas as intervenções serão estruturadas. Além de qualificar a área, os equipamentos de lazer e educação reforçam o sentimento de identidade dos moradores por serem pontos de atração. Estrategicamente posicionados nas extremidades do parque linear, estimulam a circulação das pessoas garantindo a segurança e a dinâmica do lugar e dificultando o processo de ocupação espontâneo. DADOS: •Área do terreno = 54.000m2 •Área construída = 13.500m2 •Nº
de unidades habitacionais propostas = 200 (50 e 64m2)
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fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/225/enfrentar-a-cidade-real-um-parque-com-espelho-dagua-274606-1.aspx
fonte: Revista Summa 127 - Enfrentando a cidade real
Capítulo 3: Estudos de caso
Em um dos extremos está o campo de futebol, o clube, a associação de moradores e a escola Estadual José Phorphyrio da Paz. Do outro lado, cercados por uma densa massa arbórea, há patamares e bancos assentados no relevo, pista de skate, playground e Anfiteatros abertos que garatem a vivacidade do local. A travessia sobre o vale é feita por duas passarelas metálicas atirantadas.
63
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
Os conjuntos habitacionais, localizados ao longo do espelho d´água, têm entrada tanto pela rua do eixo central como pela a rua oficial do entorno. Essa decisão foi tomada para incentivar a manutenção de ambas as áreas. As unidades de habitação variam de 50m² a 64m² e podem ser de um pavimento ou duplex.
64
fonte: http://www.vigliecca.com.br/pt-BR/projects/novo-santo-amaro-v
“Acreditamos que a reprodução da habitação deve valorizar a variedade e a identidade, alcançadas através de um relacionamento de respeito à geografia e de solidariedade ao existente.” (http://www.vigliecca.com.br/pt-BR/projects/novo-santo-amaro-v)
VISÃO DA AUTORA:
•Unidade habitacional estrutura embrião •Requalificação existente •Estratégia o processo espontânea
da que de
como
estrutura dificulta ocupação
•Busca de uma dinâmica local
•Acessibilidade
CapĂtulo 3: Estudos de caso fonte: Revista Summa 127 - Enfrentando a cidade real
fonte: Revista Monolito n° 16
65
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
66
•
Acupuntura urbana, bairro La Morán - Caracas, Venezuela Enlace Arquitectura 2011
DADOS: •Área da comunidade = 154.000m2
Além de problemas como falta de segurança, violência entre os jovens e gravidez precoce, a comunidade de 8.000 habitantes chamada La Morán em Caracacas vem sendo muito afetada pelos riscos ambientais. Conforme dito por José Tomás Franco, na publicação do dia 15 de fevereiro de 2014 no site archdaily. com.br, os problemas dessa comunidade estão relacionados com a falta de oportunidades e uso improdutivo do tempo. Por essa razão, há muitos projetos focados no saneamento e recuperação do ambiente para proporcionar espaços públicos de convívio, trabalho e participação da população em risco, principalmente os jovens. A escolha dessa referência se dá pela similaridade dos problemas emergenciais que a comunidade de Paraisópolis também tem.
fonte: http://www.archdaily.com.br/br/01176595/acupuntura-urbana-busca-requalificar-o-bairro-la-moran-em-caracas-venezuela
1. Recuperação do morro La Cañonera através da canalização das águas e paisagismo da área.
fonte: http://www2.enlacearquitectura.net/ inicio/proyectos/?proy=1106&desp=1170
fonte: http://www2.enlacearquitectura.net/ inicio/proyectos/?proy=1106&desp=1170
A contaminação do morro ocasionou uma situação de risco evidenciada pelas doenças e alergias que as crianças do local têm. A proposta é trabalhar em conjunto com a comunidade, mostrandolhes o valor e a importância de um ambiente sadio e criando uma consciência cidadã. Paralelo ao morro foi projetado um sistema de coleta de esgoto de fácil acesso que se conecta a cada uma das residências. A topografia do próprio morro servirá como um sistema de transporte das águas da chuva e no seu entorno serão criadas áreas verdes com paisagismo que consolide seu comportamento natural e acolha a comunidade com espaços públicos iluminados, sinalizados e com mobiliário urbano.
Capítulo 3: Estudos de caso
A intervenção e recuperação de La Morán incluem dois projetos gerais:
67
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
2. Projeto de tratamento dos resíduos sólidos que abrange o processo de coleta dos resíduos, seu armazenamento e posteriormente sua venda em um Centro de Reciclagem projetado na Avenida Morán. Relacionado a questão do lixo, o projeto também inclui a recuperação de lixões clandestinos em espaços públicos como parques infantis e praças.
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fonte: http://www.archdaily.com.br/br/01-176595/acupuntura-urbana-busca-requalificar-o-bairro-la-moran-em-caracas-venezuela
A contaminação acontece pois existem poucos pontos de coleta. Além do mais, o acesso dos caminhões de lixo é dificultado devido a péssima rede viária. Cada habitante precisa levar seu lixo até os recipientes que estão longe, fazendo com que, tanto pela conveniência quanto pelo cansaço, acabam sendo formados depósitos ilegais de lixo mais próximos.
fonte: http://www.archdaily.com.br/br/01176595/acupuntura-urbana-busca-requalificar-o-bairro-la-moran-em-caracas-venezuela
•Busca por espaços públicos •Participação da população •Combate a contaminação •Busca por programas que geram oportunidades para os próprios moradores
•Acessibilidade
Considerando que 70% do volume de lixo diário pode ser reutilizado, uma alternativa encontrada pelos arquitetos foi a reciclagem. Por isso a construção de um centro de reciclagem como citado acima. O centro será operado por uma cooperativa de jovens sustentada pela renda gerada através da venda dos materiais e da contribuição monetária que cada membro da comunidade deverá pagar. A função da cooperativa é coletar os resíduos recicláveis de cada residência e levá-los até o centro, evitando a formação de novos depósitos informais.
Capítulo 3: Estudos de caso
VISÃO DA AUTORA:
A conversão dos aterros sanitários em espaços públicos acabará com a contaminação do ambiente que afeta a qualidade e dignidade de vida dos moradores. A solução proposta se chama “rota do lixo”, projetada junto com a comunidade. Ao longo dela há recipientes diferenciados entre resíduos orgânicos e recicláveis que serão esvaziados diariamente pelos jovens brigadistas remunerados da comunidade. O projeto também contempla uma Sala Multiuso e uma quadra de basquete que é envolvida por um elemento leve e tensionado, oferecendo uma estrutura porosa e aberta e permitindo que seja vigiada pela própria comunidade.
fonte: http://www.archdaily.com.br/br/01-176595/acupuntura-urbana-busca-requalificar-o-bairro-la-moran-em-caracas-venezuela
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Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
•
Study of definition for the transformation of Favela Favela da Rocinha, RJ Frederic Druot Architecture 2010
Frederic Druot aplica uma metodologia em muitos de seus projetos, sejam eles em Paris ou nas favelas: bater na porta de cada indivíduo para no fim revisar e ter uma situação urbana geral. E, segundo ele, “isso que é urbanismo. Você começa por um único apartamento e pergunta de uma maneira sistemática se há tudo que o indivíduo precisa. Há luz natural suficiente? Há fluidez? Há espaço suficiente para a família se sentar confortavelmente em volta de uma mesa para jantar? É fácil pegar o elevador? A caixa de escadas é bem iluminada? O ponto de ônibus mais próximo, é realmente próximo? Há uma padaria nas redondezas? Essas são, no entanto, perguntas bestas que os urbanistas nunca perguntam. Assim como nos anos 60, eles simplesmente traçam as ruas e as complementam com prédios como se fossem cubos de açucar. O que está faltando é lógica e uma abordagem tridimensional onde as questões são analizadas de diferentes ângulos incluindo os menos evidentes.” (DRUOT, Frederic)
O objetivo do projeto é melhorar a condição de moradia dos habitantes, revalorizar a paisagem, organizar as conexões e serviços além de tornar autônoma a produção de energia. Como ponto de partida, Druot analiza e faz diagnósticos da dinâmica e construções existentes de uma seção vista em corte de um terreno acentuado da Favela da Rocinha no Rio de Janeiro, Brasil.
70
DADOS: •Área da superfície projetada = 161.000m2
•Área verde = 26.500m2 •Nº de habitantes = 7300 a 8700 •Área por habitante = 13,9 a 16,6m2
O, FAVELA ROCINHA the transformation of Favela
fonte: Lotus international 143: Learning from Favelas
Capítulo 3: Estudos de caso
OT ARCHITECTURE
O processo, divido em fases aplicadas gentilmente, implica na criação de novos terraços, na demolição e reciclagem das casas que influenciam na inserção dessas varandas e, ao mesmo tempo, na extensão e adaptação das unidades remanescentes a nova estrutura articuladora. O material resultante das demolições será reciclado e reaproveitado nas futuras construções. Segundo o arquiteto, essa estrutra leve permitirá maior eficiência das áreas úteis e consequentemente menos exploração abusiva do terreno. Oferecendo uma melhor implementação de atividades públicas e melhor infraestrutura.
ent
71
Optimization of the existing frames: conservation, transformation, recycling, adaptation, extensions.
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
Uma cooperativa de meios permite o desenvolvimento de uma autonomia energética baseada na reciclagem de resíduos (biogas e eletricidade) e na recuperação de águas da chuva. Ao oferecer mais áreas habitáveis, melhor ventilação e iluminação, conforto e qualidade visual, o projeto é uma alternativa radical em relação a situação de caos em promiscuidade.
•Relação direta moradores
com
os
•Busca oferecer melhor qualidade de vida e autonomia nas estruturas já existentes •Inserção de articuladora
uma
estrutura
•Vasta área de varandas/circulação
fonte: http://www.druot.net/Book-Rio-Rocinha-Favela-EN.pdf
“Never demolishing, subtracting or replacing things, but always adding, transforming and utilising them.” (Plus. Large scale housing development. An exceptional case)
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VISÃO DA AUTORA:
“Nunca demolir, subtrair ou substituir coisas, mas sempre adicionar, transformar e utilizá-las.” (tradução feita pela autora)
REDERIC DRUOT ARCHITECTURE
IO DE JANEIRO, FAVELA ROCINHA REDERIC DRUOT udy of definition for the ARCHITECTURE transformation of Favela
IO DE JANEIRO, FAVELA ROCINHA
RIO DE JANEIRO, FAVELA ROCINHA Study of definition for the transformation of Favela
CapĂtulo 3: Estudos de caso
udy of definition for the transformation of Favela
FREDERIC DRUOT ARCHITECTURE
fonte: http://www.druot.net/Book-Rio-Rocinha-Favela-EN.pdf
A street in Rocinha before transformation
A street in Rocinha before transformation
Plan of principle: adaptation of the plates to existing, extensions or surfaces new
Plan of principle: adaptation of the plates to existing, extensions or surfaces new
Transformation after diagnosis: improvements, extensions, and new terraces and balconies Transformation after diagnosis: improvements, extensions, and new terraces and balconies
fonte: http://www.druot.net/Book-Rio-Rocinha-Favela-EN.pdf
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CAPÍTULO 4 - PROPOSTA PROJETUAL
“A Favela é tomada como um rizoma no qual se introduzem pontos e linhas que, ao interpretar sua estrutura oculta, potencializam sua melhoria e seu saneamento, sob uma condição imprescindível: a intervenção e a aceitação, por parte dos próprios moradores, que assumem como suas todas as transformações introduzidas.” (MONTANER, 2009 Pg. 185)
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
• Histórico e formação da Favela de Paraisópolis Linha do tempo:
1940
1954
1921: A área fazia parte da Fazenda do Morumbi e foi loteada pela União Mútua Companhia Construtora e Crédito Popular S.A em quadras de 100x200 metros, lotes de 500m² totalizando 2.200 lotes e ruas com 10 metros de largura. Porém a infraestrutura não foi implantada por inteiro e muitos aquisitores desses lotes nunca tomaram posse de fato e nem pagaram os devidos tributos. 1950: Consequentemente a região ficou abandonada tornando-se um convite para a ocupação informal. O processo começou com famílias japonesas que transformaram a área em pequenas chácaras além de atuarem como grileiros.
78
1960: O cenário se resumia a roças, poucas casas, alguns bares e gado bovino. No entanto, nos arredores a implementação de bairros de alto padrão como o Morumbi e os cemitérios Gethsemani e Morumbi valorizaram a área. Além do mais, nesta época houve a abertura de vias de acesso, como a Avenida Giovanni Gronchi as ruas foram oficializadas pela Lei nº 7.180 (ARR 2514). Ainda na década de 60, foi elaborado o primeiro Plano de Desenvolvimento Integrado de Santo Amaro, que propunha a declaração da área como utilidade pública, visando uma posterior urbanização. Porém, tudo ficou no papel.
CapĂtulo 4: Proposta projetual
1968
1977
fonte:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/paraisopolis/historia/index.php?p=4385
1987
1994 79
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
2000
2007
1970: Barracos de madeira já podiam ser vistos espalhados pela região. E a ocupação das áreas vizinhas a Paraisópolis chamadas Jardim Colombo e Porto Seguro, começou. 1972: A lei de Zoneamento na qual a ocupação ficou restrita a habitação unifamiliar e de uso misto por lote foi aprovada, dando margem a continuidade da expansão dos assentamentos. De 1974 a 1980: Intensificação da ocupação da 2013 área. fonte:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/ paraisopolis/historia/index.php?p=4385
1980: Acelereção do processo migratório devido a facilidade de emprego, principalmente na área da construção civil, gerada pelo crescimento da região.
80
1990: Aumento populacional consequente da migração de moradores de favelas próximas extintas pela Prefeitura. Nesta ocasião as áreas Grotão e Grotinho são adensadas.
Capítulo 4: Proposta projetual
• Paraisópolis hoje (dados e estatísticas)
81
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
Nome
Distrito
Subprefeitura Regional Propriedade Ano ocupação
Paraisópolis Vila Andrade Campo Limpo *fonte: www.habisp.inf.br
ZEIS 1
82
Sul
Municipal
1960
Áre
822.7
739,4
Nº de pessoas
Nº Total de Lotes Nº de Imóveis Residenciais Não Residenciais
45.694
9.236
17.141
14.538
2.603
fonte:http://www.brasilpost.com.br/renato-meirelles/a-nova-favela-brasileira_b_4914148.html
Renato Meirelles, presidente do Data Popular, publicou no dia 07/03/2014 o texto “A nova favela brasileira” no site brasilpost.com.br.
Capítulo 4: Proposta projetual
ea
Sheet1
Ele, junto de Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas (C.U.F.A.), traduziram em números o conhecimento adquirido em mais de uma década conversando com brasileiros que moram em favelas e Sheet1 o que ouviram de 2 mil moradores de favelas de todo o Brasil no último mês. Fonteº Hagaplan¯Sondotécnica – 2005
CARACTERIZAÇÃO DOS IMÓVEIS Distribuição dos imóveis residenciais segundo número de cômodos n° de cômodos
n° de casas
%
1 2 3 4 5 acima de 6 sem info. total
1604 4522 3172 2775 850 394 1221 14538
11,03 31,10 21,82 19,09 5,85 2,71 8,40 100,00
Distribuição dos imóveis residenciais segundo material construtivo material construtivo alvenaria madeira papelão/ plástico outro sem info. total
n° de casas
%
12114 1202
83,34 8,26
34
0,23
4 1184 14538
0,03 8,14 100,00
Distribuição dos domicílios segundo distribuição do lixo destino do
O objetivo é mapear a visão de mundo, padrões de consumo, medos e sonhos destas pessoas que juntas formariam o quinto maior estado do país. Qualidade de vida: 73% consideram violento o local onde vivem; 59% afirmam que moradores de favelas sofrem preconceito; 29% já se sentiram discriminados; 81% gostam de viver na favela onde estão; 62% declaram ter orgulho de pertencer à comunidade onde moram; 2/3 não gostariam de sair da favela para morar em outro bairro; A expectativa é de que a favela continue melhorando: para o próximo ano, apenas 16% acham que a favela onde moram vai ficar mais violenta e 76% acreditam ela vá melhorar.
83
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
outro sem info. total
4 1184 14538
0,03 8,14 100,00
Segurança (para o próximo ano):
Distribuição dos domicílios segundo distribuição do lixo destino do lixo
n° de casas
%
5892
40,53
4160
28,62
22
0,15
63
0,43
queimando local próximo
6
0,04
outro não sabe sem info. total
485 51 3859 14538
3,34 0,35 26,54 100,00
coletado pela PMSP lixeiracoletiva/ caçamba
jogado no córrego jogado em terreno vazio
16% acham que a favela onde moram vai ficar mais violenta; 76% acreditam que ela vá melhorar; Renda: Hoje, a renda dos moradores de favelas chega a R$ 63 bilhões por ano. 47% dos moradores de favela já têm televisores de LED / LCD / plasma em suas casas, 28% têm TV por assinatura; 53% já passaram fome;
Distribuição dos domicílios segundo ocorrência de enchentes enchente
n° de casas
%
não ocorre ocorre sem info. total
12762 600 1176 14538
87,78 4,13 8,09 100,00
Expectativas: 76% dizem que a vida melhorou no último ano; 93% que a vida vai melhorar no próximo ano;
Hoje, a renda dos moradores de favelas chega a R$ 63 bilhões por ano. O volume, extraordinário, equivale quase à soma do consumo do Paraguai e da Bolívia juntos. A intenção de compra de produtos eletrônicos, como tablets e notebooks, passam dos milhares. 47% dos moradores de favela já têm televisores de LED / LCD / plasma em suas casas e 28% têm TV por assinatura. É um consumo pujante, mas que ainda obriga muitos consumidores a descer o morro para concretizar sua compra, pois nem sempre encontram lojas na vizinhança que atendam às suas necessidades e desejos. Page 1
84
Estes poucos números são apenas a ponta do iceberg de oportunidades trazidos pela primeira pesquisa Radiografia das Favelas Brasileiras do instituto Data Favela. Uma iniciativa que pretende ir muito além de mostrar este bilionário nicho de consumo. Grande parte dos moradores de favela vivenciaram um passado onde eram deixados de lado quando se pensava em consumo (para se ter uma ideia, 53% já passaram fome). Hoje, grande parte dos moradores de
Capítulo 4: Proposta projetual
favelas ingressou no mercado de consumo - mas ainda são poucas as empresas que sabem se aproximar desse novo consumidor. O que ele espera é uma empresa parceira. Parceira nas suas conquistas e na sua melhora de vida (76% dizem que a vida melhorou no último ano e 93% que a vida vai melhorar no próximo ano) e parceira no seu dia-a-dia. “Ser parceiro da favela não é desbravar sozinho esse horizonte de possibilidades de vendas, mas olhar para esses novos consumidores despido de preconceitos. Ser parceiros é dividir com eles essa oportunidade, gerando emprego e renda locais e apoiando, efetivamente, a melhora de vida que os moradores das favelas têm tanto orgulho de nos contar”.
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Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
• Reconhecimento e levantamento da área
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fonte:http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/paraisopolis/historia/index.php?p=4385
A favela de Paraisópolis, localizada no sudoeste de São Paulo, é uma das maiores favelas do país. Começou a ser construída no começo da década de 60 e hoje em dia tem aproximadamente 45.000 habitantes. Paraisópolis é uma favela consolidade. Em geral, os moradores têm uma condição de vida regular a boa. Vale lembrar que o cenário em questão é único e os parâmetros de comparação e análise são particulares a essa situação. Estamos falando de assentamentos irregulares e não podemos compará-los diretamente a unidades da chamada “cidade formal”. Ou seja, quando se fala que a condição de vida das pessoas que lá vivem é boa por exemplo, significa que a unidade habitacional é feita de algum material sólido (tijolo cerâmico em sua maioria), é relativamente segura, com acesso a água e eletricidade, é ventilada e acessível. Significa também que as pessoas moram perto do trabalho e tem acesso ao transporte público e equipamentos com facilidade. No entanto, é difícil estabelecer regras. Afinal, não há muitas nesse quesito no ambiente de uma favela. Por outro lado, cada favela é única e tem sua própria dinâmica e lógica. Além do mais, os habitantes são, de uma maneira geral, satisfeitos e felizes. Tanto, que não viveriam em outro lugar mesmo com todas as irregularidades. Até porque há inúmeros projetos sociais, culturais, urbanos e arquitetônicos desenvolvidos especialmente para a favela em questão. E muitos já estão em prática.
No entanto, ainda há muito a se fazer: a área da intervenção está degradada e em péssima condição. Mesmo assim, é muito difícil desabrigar a região.
Capítulo 4: Proposta projetual
Quadras de intervenção:
fotos da autora - 27.02.2014
87
fotos da autora - 27.02.2014
88 Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
Conforme visto nos capítulos anteriores e nas referências apresentadas, o contato com os moradores faz parte do processo de intervenção e reurbanização de áreas críticas urbanas já adensadas. É mais uma ferramenta de levantamento e de reconhecimento da região. Apesar do tamanho da comunidade de Paraisópolis e da rapidez com que as coisas mudam nesse tipo de território, o objetivo dessa etapa do trabalho é criar uma leitura mais pessoal não somente do terreno e suas condições mas também das pessoas. Tal abordagem é essencial no desenvolvimento de uma arquitetura que desperte um sentimento de pertencimento e identidade aos moradores além de oferecer o que simplesmente eles mesmos julgam importante e necessário. Mais importante ainda, é a formação de uma visão pessoal em relação ao local onde se deseja intervir; É o começo de uma relação em parceria, que deixa ambos os lados mais a vontade para opinar e propor idéias.
Capítulo 4: Proposta projetual
• Questionário aplicado: O que falta na favela de Paraisópolis?
Cerca de 30 pessoas foram entrevistadas. Todas elas moram hoje em dia ao longo do córrego Antonico, onde há moradias de todos os tipos, partes bem consolidadas e outras muito degradadas. Quando autorizado pelo entrevistado e quando possível, uma foto do estabelecimento foi tirada para estabelecer uma relação da condição da moradia com a resposta da pergunta chave: O que falta na comunidade de Paraisópolis? Na maioria das vezes, as pessoas ficaram desconfiadas ou não demonstraram muito interesse no começo. Mas conforme a conversa ia desenrolando, a postura delas mudou.
89
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
As perguntas foram desenvolvidas pela autora em conjunto com a equipe social de Paraisópolis: 1) Qual seu primeiro nome? 2) Quantos anos você tem? 3) Sexo 4) Está trabalhando? Onde? 5) Qual o meio de transporte utilizado? 6) Há quanto tempo você mora na comunidade de Paraisópolis? 7) Do que você mais gosta na comunidade? 8) Do que você menos gosta na comunidade? 9) Na sua opinião, o que falta na comunidade de Paraisópolis? 10) O que você espera do Poder Público? 11) Como você acha que pode contribuir para a comunidade?
90
Obs.: A transcrição das entrevistas está na parte de anexos desse trabalho.
Abaixo, o resultado da experiência e na sequência os aspectos positivos e negativos segundo avaliação da autora em relação as respostas. • Faixa etária dos entrevistados: 16 a 59 anos • 65% são do sexo Masculino • 55% dos entrevistados não trabalha 35% trabalha na própria comunidade 10% trabalham fora da comunidade • O principal meio de transporte, quando utilizado, é o ônibus 20% dos entrevistados não utliza meio de transporte 20% utiliza carro ou moto
VISÃO DA AUTORA:
• União e tarefas em equipe muito presente nas respostas, inclusive na hora de responder o questionário
Capítulo 4: Proposta projetual
Essa mudança de postura dos entrevistados durantes a conversa foi um aspecto positivo. As pessoas gostaram de responder pois o questionário é de total interesse delas. Em alguns casos, amigos, conhecidos e pessoas ao redor, se juntavam e opinavam em conjunto. Essa reação espontânea da população já foi um dado coletado interessante.
• Os pontos positivos citados estão bem equilibrados em relação a fatores externos (Einstein, AMA, etc) e a fatores inerentes da própria dinâmica da favela (proximidade, pessoas, comércio) • Dinâmica da favela praticamente auto suficiente. As pessoas se “resolvem” por lá mesmo
• 35% dos entrevistados moram desde que nasceram ou desde muito pequenos em Paraisópolis (apenas 14% dessas pessoas não gostam de nada na comunidade) 55% mora a pelo menos metade da vida em Paraisópolis • 15% dos entrevistados não gostam de nada ou quase nada na favela 15% alegam gostar de tudo
91
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
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VISÃO DA AUTORA:
40% citam o Einstein, AMA e o Posto de Saúde como o que mais gostam • 45% dos entrevistados citaram o comércio, a proximidade, a paz, o sossego e as pessoas como o que mais gostam na comunidade
• Alta taxa de desemprego
• 45% citaram a questão do esgosto a céu aberto, da sujeira e dos alagamentos como o que menos gostam na favela de Paraisópolis 10% citou a falta de segurança (“bandidagem”)
• Comodidade muito presente na vida das pessoas. Não esperam nada e não podem contribuir com nada • Apesar de ser uma das favelas com mais projetos propostos e em andamento, a questão básica de infra estrutura básica ainda é uma urgência para a maioria dos entrevistados • Educação foi solicitada e citada
muito
• 50% disse que o que falta na comunidade é infra estrutura urbana 35% citou a falta de equipamentos públicos (Lazer, educação, Igreja, Base de apoio) • 35% dos entrevistados espera mais agilidade do Poder Público 30% não espera nada do Poder Público (Reciclagem, iluminação, moradia digna, transporte, escolas, urbanização, oportunidade) • 20% contribuiria para a comunidade ajudando o próximo e formando grupos 25% não sabe como contribuir para a comunidade 20% diz não contribuir por falta de respeito ou oportunidade 30% contribuiria com ONGs e trabalho voluntário 5% acredita que o voto consciente é a melhor forma de contribuir Conclusão: Através dessa pesquisa de campo, foi possível direcionar e priorizar algumas atitudes a serem tomadas. A questão da infra estrutura, saneamento básico, equipamentos públicos, educação e geração de oportunidades ficaram gritantes e servem como diretriz projetual sem dúvida alguma. O resultado de uma maneira geral foi muito rico e positivo, contribuindo para a etapa de aproximação com as pessoas.
Os fluxos e a conectividade dentro de uma favela são muito intensos e presentes no dia a dia dos moradores. Apesar de criarem situações insalubres ou perigosas em algumas ocasiões, fortalecem as atividades sociais e a idéia de continuidade; de fluxo.
Capítulo 4: Proposta projetual
Paraisópolis hoje: Ao analisar a dinâmica das favelas no quesito mobilidade, uma característica é comum a todas elas: o labirinto. Ele é desenhado e definido pelas construções feitas pelos próprios moradores e não tem um desenho fixo. É quase como que um espaço residual, porém muito ricos e importantes.
Área de intervenção: A área de intervenção é de aproximadamente 42.100 metros quadrados. Exatamente na área de risco onde, infelizmente, uma boa porcentagem da população vive. É o caso de algumas quadras localizadas nas margens do córrego Antonico que corta a favela. As pessoas que lá moram arriscam suas vidas diariamente. Os barracos são construídos em cima de entulho e são feitos de restos de materiais e madeira. O risco de incêndio e desabamentos é altíssimo. Sem contar as frequentes enchentes que trazem junto com o esgoto, doenças e causam muita tragédia. Hoje em dia a metragem quadrada por pessoa é de 5,7. Para implantar o projeto, cerca de 5.000 pessoas precisam ser realocadas. Mas na própria favela há edifícios para aluguel social que podem abrigar essas pessoas durante as obras e o objetivo é que essas mesmas pessoas voltem a morar nesta área.
93
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
94
Implantação: A implantação foi desenvolvida primeiramente através de vazios adaptados ao relevo do terreno que é bem acentuado. E por essa razão, a implantação é a peça fundamental da proposta já que dá diretrizes e guia o projeto como um todo. Esses vazios são praças públicas paralelas e perpendiculares ao curso d’água que extendem a revitalização do córrego, oferecem espaços de convivência e permitem o cruzamento livre entre os edifícios. Tal “preocupação” em criar esses espaços surgiu justamente do convívio já presente no dia a dia das favelas que é muito forte. Os moradores usam o espaço que for pra jogar bola e cartas, dançar, trabalhar e bater um papo, mesmo que seja numa mesinha espremida na calçada. Essa potencialidade é uma das muitas maravilhas na dinâmica de uma favela e por essa razão, deve ser preservada e incentivada. Fixos x Fluxos: Milton Santos desenvolve o conceito de vazio, o chamando de “fluxos”, ou seja, onde a vida social acontece. Os cheios, são chamados por ele de “fixos”. Milton defende que os cheios devem disponibilizar uma dinâmica de fluxos. E esse conceito é fortemente aplicado nesse projeto. A intervenção preserva o caráter rizomático típico de uma favela, retomando a idéia de labirinto mas mantendo as visuais e oferecendo mais espaço para infraestrutura. É importante manter esse novo espaço disponível e visível a toda a comunidade. A questão dos espaços de convivência, das visuais, da ligação com o entorno e da proposta de atividades em grupo e espaços híbridos visa criar uma identidade com os moradores; um sentimento de pertencimento. Com isso, o espaço é zelado e preservado e paralelamente vai absorvendo as características trazidas pelos habitantes pouco a pouco.
Ao mesmo tempo que se deve oferecer a população habitação apropriada, é de extrema importância construir uma estratégia projetual que mantenha as pessoas morando ali. Se os moradores não aceitarem ou simplesmente não gostarem da proposta, eles alugam seu apartamento e invadem outro lugar. Essa é a razão pela qual o contexto deve ser respeitado e uma conexão, ou melhor, um sentimento de identidade entre morador e moradia/cidade deve ser estabelecido.
Capítulo 4: Proposta projetual
Desafios projetuais: Os principais desafios ao intervir em uma área como esta são, entre outros, evitar a gentrificação e atender a demanda de habitação (que é muito alta em todo o país) respeitando o existente.
Projeto: O projeto é dividido em duas etapas: Revitalização do córrego e suas margens e Habitação social. Apesar da descrição “etapa”, as intervenções são fortemente ligadas e não poderiam existir individualmente. Uma depende da outra e precisam ser implantadas paralelamente. O ponto de partida foi estabelecer uma relação do projeto com o córrego e a favela ao mesmo tempo. A idéia é criar uma arquitetura que cria fluxos e passagens, tornando a margem revitalizada do córrego acessível e visível a todos. O córrego, apesar de canalizado, terá seu curso natural mantido com as margens cobertas de vegetação, pedras brutas e gabião. O objetivo é deixar a água no dia a dia das pessoas mantendo seu curso na visual da escala humana. Pontes e conexões sobre o córrego são locadas com pouco distância entre si para incentivar o fluxo e a conectividade dos dois lados. Os edifícios tem uso residencial predominante pois, conforme dito anteriormente, já existem muitas propostas institucionais e culturais para a região. E a questão da habitação, da moradia, é urgente e muito forte. A forma das edificações em si é resultado da definição dos vazios. Além de unidades habitacionais, o eixo de intervenção abriga comércios e serviços anexados de coberturas diversas, duas áreas alagáveis que são respectivamente uma arena e uma pista de skate com mobiliário urbano, parques e equipamento público. O objetivo é devolver as pessoas as comodidades que elas já tinham a agregar elementos pertinentes.
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DADOS DO PROJETO: - ÁREA DE INTERVENÇÃO: 42.100M² SENDO: RUA
34 % HABITAÇÃO (33 EDIFÍCIOS) 7,0 % COMÉRCIO E SERVIÇO 6,5 % PARQUE 6,5 % CÓRREGO 6,0 % PISICINÕES 20 % ÁREAS DE CONVÍVIO E EQUIPAMENTOS 20 % CIRCULAÇÃO
HABITAÇÃO
A. PÚBLICA
PARQUE
ÁREA ALAGÁVEL - PISTA DE SKATE
MOBILIÁRIO CÓRREGO
PARQUE
CALÇADA
FAVELA
RUA MANOEL ANTÔNIO PINTO
RUA PASQUALE GUALLUPI
CORTE AMPLIAÇÃO 1 ESC. 1:250
- APROXIMADAMENTE 2440 PESSOAS - APROXIMADAMENTE 555 UNIDADES - 12m2 (PRIVADOS) / PESSOA
AMPLIAÇÃO 1 ESC. 1:250
FAVELA
RUA/CALÇADA
HABITAÇÃO
QUADRA FOCO
COMÉRCIO CÓRREGO
EQUIPAMENTO PÚBLICO
A. PÚBLICA
RUA
RUA ITAJUBAQUARA
RUA RODOLF LUTZE
CORTE AMPLIAÇÃO 2 ESC. 1:250
DADOS DO PROJETO: - ÁREA DE INTERVENÇÃO: 42.100M² SENDO:
AMPLIAÇÃO 2 ESC. 1:250
RUA HERBERT SPENCER RUA
HABITAÇÃO
PARQUE
CÓRREGO
ARENA
PARQUE
A. PÚBLICA
HABITAÇÃO
FAVELA
34 % HABITAÇÃO (33 EDIFÍCIOS) 7,0 % COMÉRCIO E SERVIÇO 6,5 % PARQUE 6,5 % CÓRREGO 6,0 % PISICINÕES 20 % ÁREAS DE CONVÍVIO E EQUIPAMENTOS 20 % CIRCULAÇÃO - APROXIMADAMENTE 2440 PESSOAS - APROXIMADAMENTE 555 UNIDADES - 12m2 (PRIVADOS) / PESSOA No entanto, vale ressaltar que o foco desse projeto não é a unidade habitacional por si só. Mas as áreas de convívio que, por sua vez, servem como interação com a cidade informal e formal e são, ao mesmo tempo, continuação das habitações. Elas aparecem em diversas maneiras e tamanhos; surpreendem quem caminha entre os edifícios, alargam as ruas pontualmente e criam clareiras em diferentes atmosferas. Seja ao se sentar a margem do córrego, ou fazer um churrasco com os amigos em uma das praças. Mesmo dentro dos edifícios há pequenos lugares como bancos e hortas que podem incentivar uma conversa ou um encontro.
AMPLIAÇÃO 3 ESC. 1:250 VISTA SUPERIOR ESC. 1:750
CORTE AMPLIAÇÃO 3 ESC. 1:250
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE TFG II - ATIVIDADE 2 - PROF. GUILHERME MOTTA ALUNA: BEATRIZ MAGALHÃES VASCONCELLOS - 309.64288 - F121 05.11.2014
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
No entanto, vale ressaltar que o foco desse projeto não é a unidade habitacional por si só. Mas as áreas de convívio que, por sua vez, servem como interação com a cidade informal e formal e são, ao mesmo tempo, continuação das habitações. Elas aparecem em diversas maneiras e tamanhos; surpreendem quem caminha entre os edifícios, alargam as ruas pontualmente e criam clareiras em diferentes atmosferas. Seja ao se sentar a margem do córrego, ou fazer um churrasco com os amigos em uma das praças. Mesmo dentro dos edifícios há pequenos lugares como bancos e hortas que podem incentivar uma conversa ou um encontro. Unidade Habitacional: Os prédios de até três andares mais térreo são estruturados por alvenaria estrutural apoiadas em um embasamento de concreto armado que possibilita que os edifícios estejam elevados do solo cerca de 60cm para terem melhor ventilação e evitarem a humidade muito presente nos solos próximos a cursos d´água. Tanto o eixo da circulação vertical quanto o da circulação horizontal criam corredores de ar potencializando a circulação cruzada. As coberturas, além de captarem água das chuvas que abastecem as hortas localizadas nas extremidades do corredor central, são de uso dos moradores e são conectadas através de passarelas umas com as outras. Há quatro tipologias básicas diferentes para os edifícios, mas cada uma se adapta ao declive e a localização, podendo ter mais ou menos andares; ter cobertura pública ou não e em alguns casos, podem estar em contato direto com o nível da rua e das praças por serem as unidades acessíveis a pessoas com mobilidade reduzida. Os apartamentos variam de 28 a 57 metros quadrados, totalizando aproximadamente 930 unidades. A idéia é abrigar desde de pequenas famílias (duas pessoas), até famílias com 5 pessoas. A fachada é composta de alguns elementos vazados, principalmente cobogós, oferecendo privacidade e circulação do ar ao mesmo tempo. Um jogo feito com as diferentes tipologias dos apartamentos cria uma dinâmica na fachada e ajuda no sombreamento.
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Brises: Todas as janelas e portas possuem bandeira móvel que vão até a laje para complementarem a ventilação e insolação. Onde há incidência direta de raios solares, as bandeiras móveis podem virar um brise que o próprio morador controla manualmente. Durante o inverno fica fechado e aumento a entrada de luz solar, e durante o verão pode ser aberto criando um sombreamento e estimulando a circulação do ar.
Capítulo 4: Proposta projetual
Horta Urbana: As hortas urbanas localizadas nas extremidades da circulação horizontal são feitas de um composto orgânico onde com apenas 15cm é possível plantar hortaliças por exemplo. Apesar de pequenas, a idéia é que os moradores assumam o cuidado das mesmas e façam dessa atividade mais uma oportunidade de convívio e socialização. Além de ser um lazer e passa tempo.
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A
CORTE DETALHE
RUA
ÁREA PÚBLICA
PARQUE
ARENA
CÓRREGO
PARQUE
ARENA
A. PÚBLICA
HABITAÇÃO
RUA
FAVELA
AMPLIAÇÃO AP. 28 E 57M2 ESC. 1:50
CORTE AA ESC. 1:200 RUA
HABITAÇÃO
PARQUE
ARENA CÓRREGO
ARENA
PARQUE
A. PÚBLICA
HABITAÇÃO
CALÇADA
HORTA URBANA As hortas urbanas localizadas nas extremidades da circulação horizontal são feitas de um composto orgânico onde com apenas 15cm é possível plantar hortaliças por exemplo. Apesar de pequenas, a idéia é que os moradores assumam o cuidado das mesmas e façam dessa atividade mais uma oportunidade de convívio e socialização. Além de ser um lazer e passa tempo.
FAVELA
EDIFÍCIO FOCO
B
B
CORTE BB ESC. 1:200 TIPOLOGIAS
AMPLIAÇÃO
UNIDADES HABITACIONAIS
Os prédios de até três andares mais térreo são estruturados por alvenaria estrutural apoiadas em um embasamento de concreto armado que possibilita que os edifícios estejam elevados do solo cerca de 60cm para terem melhor ventilação e evitarem a humidade muito presente nos solos próximos a cursos d´água. Tanto o eixo da circulação vertical quanto o da circulação horizontal criam corredores de ar potencializando a circulação cruzada. As coberturas, além de captarem água das chuvas que abastecem as hortas localizadas nas extremidades do corredor central, são de uso dos moradores e são conectadas através de passarelas umas com as outras. Há quatro tipologias básicas diferentes para os edifícios, mas cada uma se adapta ao declive e a localização, podendo ter mais ou menos andares; ter cobertura pública ou não e em alguns casos, podem estar em contato direto com o nível da rua e das praças por serem as unidades acessíveis a pessoas com mobilidade reduzida.
BRISES Todas as janelas e portas possuem bandeira móvel que vão até a laje para complementarem a ventilação e insolação. Onde há incidência direta de raios solares, as bandeiras móveis podem virar um brise que o próprio morador controla manualmente. Durante o inverno fica fechado e aumento a entrada de luz solar, e durante o verão pode ser aberto criando um sombreamento e estimulando a circulação do ar.
VISTA 1 SEM ESCALA
ESTUDO INSOLAÇÃO - VELUX
VISTA 2 SEM ESCALA
A
Os apartamentos variam de 28 a 57 metros quadrados, totalizando aproximadamente 555 unidades. A idéia é abrigar desde de pequenas famílias (duas pessoas), até famílias com 5 pessoas.
IMPLANTAÇÃO - QUADRA FOCO ESC. 1:200
A fachada é composta de alguns elementos vazados, principalmente cobogós, oferecendo privacidade e circulação do ar ao mesmo tempo. Um jogo feito com as diferentes tipologias dos apartamentos cria uma dinâmica na fachada e ajuda no sombreamento.
VISTA 3 SEM ESCALA
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE TFG II - ATIVIDADE 2 - PROF. GUILHERME MOTTA ALUNA: BEATRIZ MAGALHÃES VASCONCELLOS - 309.64288 - F121 05.11.2014
Intervenções em áreas urbanas críticas: Estratégias projetuais em favelas
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• Conclusão: As informações aqui expostas introduziram o assunto “intervir em áreas urbanas críticas” e resumem o trabalho de equipes e profissionais engajados nessa causa. A experiência foi muito interessante e ressaltou a importância de trabalharmos com áreas urbanas já adensadas. Cada vez mais precisamos encarar terrenos e situações com um histórico e contexto muito presentes, tornando a etapa de análise e estudo de território muito relevante. O desenvolvimento dessa pesquisa foi muito importante para a elaboração do exercício projetual. As estratégias e conceitos apresentados guiaram o andamento do projeto. Os estudos de caso, mostraram diferentes aspectos a serem levados em consideração em cada tipo de intervenção, oferecendo um repercutório de ações práticas e conscientes. O resultado foi a junção de referências, análise de erros e acertos do que já foi feito e da própria visão da autora em relação a área de intervenção. A pesquisa de campo e as visitas exercerem um papel muito importante na concepção dos conceitos e partidos. É claro que não chegamos a total domínio nesses tipos de intervenção, mas a inquietudo de querer ajudar o próximo, criar espaços saudáveis e uma cidade conectada e para todos, é o primeiro passo para tomada de decisões mais apropriadas a realidade do nosso país.
Conclus達o
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRILLEMBOURG, Alfredo; FRANÇA, Elisabete; ZACARIAS, Elton ; KLUMPNER, Hubert São Paulo Projetos de Urbanização de Favelas. São Paulo: HABI – Superintendência de Habitação Popular/Secretaria Municipal de Habitação, 2010. 1°edição. BURGOS, Marcelo Baumann “Dos Parques Proletários ao Favela-Bairro: as políticas públicas nas favelas do Rio de Janeiro”. In: Zaluar, Alba; Alvito, Marcos (Orgs.). Um século de favela. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. DAVIS, Mike Planeta Favela. São Paulo :Boitempo editorial, 2006 HEIDEGGER, Martin Introdução à metafísica.Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978. JACQUES, Paola Berenstein Estética da Ginga: A arquitetura das favelas através da obra de Helio Oiticica. Rio de Janeiro: Casa da Palavra 4°edição, 2011. MONTANER, Josep Maria Sistemas arquitetônicos contemporâneos. Barcelona: Gustavo Gil, 2009 PERLMAN, Janice. Favela: Four Decades of Living on the Edge in Rio de Janeiro. New York: Oxford University Press, 2010. PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO Habitação de interesse social em São Paulo: desafios e novos instrumentos de gestão. São Paulo: Cities Alliance, 2008 RUBANO, Lizete Maria, FEHR, Lucas, Recamán, Luiz, MOREIRA, Felipe, OLLERTZ, Aline, LUNETTA, Carolina, VENZON, Julia Uma ação na cidade: Urbanização em áreas urbanas críticas. São Paulo, 2010 SANTOS, Milton A natureza do Espaço. São Paulo: Edusp ,1996 105
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http://rioonwatch.org.br/?p=5042 (acessado em 21/08/14)
ANEXOS (a inserir)
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