[TCC ARQUITETURA] CENTRO DE APOIO E ACOLHIMENTO PARA PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA | PARTE 2

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O espaço do habitar 3

Do Dicionário da Língua Portuguesa, habitar – do latim habitare – significa morar; permanecer em algum lugar; ter uma residência fixa. Nesse sentido, não há como falar em habitar sem vincular-se ao planejamento urbano, uma vez que este é responsável pelo ordenamento do solo.

A cidade, especialmente os espaços públicos são, ou pelo menos deveriam ser, palco da democracia e, sobretudo, locais de inclusão. Contudo, o que atualmente se vê em relação ao planejamento urbano é o desrespeito pela dimensão humana e a vida na cidade. Conforme exposto por Gehl (2013), a negligência se dá pela baixa prioridade do espaço público e as tendências do mercado voltadas aos edifícios individuais, sobretudo reforçadas pelo modernismo.

É fato que as estruturas urbanas influenciam no comportamento e funcionamento das cidades e, ao contrário do que vem sendo praticado, o planejamento urbano deveria ser feito para pessoas, pautado no respeito e dignidade humana, além de reaver a função social do espaço

As pessoas em situação de rua inventam seus próprios modos de habitar, já que não possuem acesso aos meios tradicionais de moradia, o que de acordo com Kasper (2006) seria o ‘habitar sem casa’ O conceito expresso por Mary Douglas (apud KASPER, 2006) aponta que o home é localizado no espaço, não necessariamente sendo um espaço fixo.

Desse modo, Kasper (2006) busca retratar um conceito de habitar que não dependa da casa, sem reduzi-lo somente a funções. Ela considera o habitar como um processo, sendo ele pautado por: apropriar-se de um espaço e torná-lo compatível com suas atividades; instalar-se e dispor seus objetos, por mínimos que sejam, no espaço limitado; incorporar as práticas e a dinâmica do sujeito. Aqui, a abordagem do habitar é centrada no corpo, não visto como portador de necessidades, mas como passível de adquirir hábitos.

A autora aponta que esses processos não independem uns dos outros, mas favorecem a criação de um território doméstico, independentemente de sua forma. Habitar implica na criação de uma ordem, portanto, nesta visão, esse processo não teria início com a construção de abrigos, mas sim a partir de uma domesticação do espaço e do tempo Todavia, cabe reforçar que é papel da moradia suprir as necessidades básicas do ser humano. Além disso, o acesso à moradia é um dos direitos garantidos pela Constituição Federal (1988).

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Diante disso, esse capítulo irá abordar a questão social da arquitetura, bem como o papel do arquiteto e urbanista perante a promoção de uma sociedade mais igualitária. Concomitantemente, serão retratadas algumas funções da ‘casa’ e sua relação com o estabelecimento da identidade do indivíduo, a fim de reforçar a importância de promover o acesso à moradia e à reinserção social da população em situação de rua. Ainda, serão trazidas algumas estratégias para tornar os ambientes mais flexíveis e agradáveis para que sejam convidativos aos usuários.

3.1 ARQUITETURA COMO INSTRUMENTO SOCIAL

Levando novamente em consideração os conceitos da Pirâmide de Maslow, compreende-se o quão vulnerável são as pessoas em situação de rua, uma vez que suas condições não satisfazem nem sequer as necessidades humanas primordiais, consideradas necessárias para a sobrevivência, como a garantia de abrigo, sono, comida, dentre outros. Nesse sentido, os espaços de acolhimento deveriam buscar restaurar a ideia de “casa lar”, isto é, um espaço para a (re)construção de valores e princípios, sendo a arquitetura um instrumento para propiciar tal feito.

A definição básica da casa pode ser interpretada como local para dormir, ressaltando a segurança, conforto e proteção de intempéries. O sonho é fundamental para o ser humano e para que ele ocorra é fundamental que haja segurança. Isso é explicado pelo fato do sono deixar a pessoa desamparada, necessitando de proteção. Até mesmo o morador de rua ao dormir, busca proteger ao menos sua cabeça como autopreservação. Ainda assim permanecem em estado de vigilância, como garantia de sua integridade (RABINOVICH, 1992).

A segunda função diz respeito à alimentação, o ato de preparar e digerir o alimento Por sua vez, o morador de rua, em sua maioria, não cozinha, mas ganha ou compra o alimento. A casa também detém a função social, onde a sala, agente principal deste, possui diversas variações; mas ao morador de rua não há expectativa de interação social (RABINOVICH, 1992).

Além destas também pode ser citada a higiene. Segundo Rabinovich (1992), as casas possuem banheiros para as necessidades fisiológicas e áreas de serviços para lavagem de seus pertences. Porém, para quem vive nas ruas, não há banheiro próprio, tão pouco abastecimento de água.

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Nesse contexto revela-se o hábito – uma ação ou comportamento que se repete com frequência; mania; costume –, podendo ser um ponto de contato entre o indivíduo e o social, além de um elo entre o corpo e o ambiente material. Até mesmo por suas etimologias aproximadas, o habitar comporta a exteriorização de hábitos de seus membros (KASPER, 2006)

A espontaneidade dos hábitos cotidianos está relacionada à arquitetura, já que o bem-estar e conforto são proporcionados pelo ambiente. A arquitetura programa o habitar, uma vez que o indivíduo utiliza a casa e suas coisas da maneira mais singela, estabelecendo uma ligação íntima e identitária.

Sobre isso, Alisson Smithson, arquiteta inglesa, desenvolveu, em 1993, alguns diagramas que expressam os pequenos prazeres da vida cotidiana do habitar (FERREIRA; SABOGAL, 2021), como ilustrado pela Figura 13, que representa o dormir e/ou cochilar confortavelmente; trabalhar ou estudar; assistir televisão ou simplesmente observar o dia pela janela; ver a luz do sol se espalhar pelos cômodos; ter fácil acesso aos seus bens e objetos e sentir a presença destes o tempo todo, entre outros.

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Figura 13 – Alguns prazeres cotidianos do habitar Fonte: SMITHSON (1993) apud FERREIRA e SABOGAL (2021).

Kasper (2006) explica ainda acerca da memória corporal, a íntima relação em que o sujeito desempenha com a vivência de sua 'primeira casa' – a casa natal. Diante disso, entende-se que quando o sujeito é deslocado de seu ambiente familiar, ele tem a tendência de reproduzi-lo, o máximo possível. Por outro lado, quando isso é negado a ele, ou seja, quando alojado em locais padronizados e sem a permissão de criação de uma identidade, o sentimento da permanência é associado a uma prisão, por tão desconfortável que o ambiente se torna. Portanto, o local de acolhimento não carrega somente a função de abrigar o corpo. Quando bem pensado, seus espaços podem abrigar do medo, da dor e da solidão, onde as pessoas refazem suas energias, alimentam-se de afeto e encontram o conforto e a esperança para recomeçar (KASPER, 2006).

3.2 O ACOLHER PELA ARQUITETURA

Tendo em vista que o público alvo deste estudo se refere a pessoas em extrema vulnerabilidade e com vínculos fragilizados, a promoção de ambientes humanizados com estratégias que os tornem agradáveis e afetivos é essencial para o estímulo da procura pelo acolhimento. Mas, infelizmente, o que acaba ocorrendo é que a maioria das instituições que promovem apoio e abrigo são instaladas em edificações comuns cedidas ou alugadas, o que as levam a improvisar a infraestrutura básica necessária para seu funcionamento. Sendo assim, não são projetadas para comportar um programa de que satisfaça suas particularidades. Nesse sentido, Kasper (2006) aponta que alguns dos motivos que levam o indivíduo a recusar o acolhimento são as rígidas regras de controle, além da imparcialidade e inflexibilidade dos ambientes, já que não permitem a promoção da identidade do usuário, minimamente que seja. Um dos entrevistados pelo autor retratou um aspecto importante de sua experiência, revelando que os usuários são tratados como meros números do sistema, em suas falas: "[...] era morando no albergue que se sentia realmente na rua, pois é posto para fora às 6-7 horas da manhã, tendo que ficar na rua sem nada, o dia todo” (KASPER, 2006, p. 211).

É preciso compreender que todo ambiente influencia o comportamento humano. Desse modo, os locais de acolhimento têm um enorme papel no processo de adaptação, visto que, segundo Moser (1998), a insatisfação do indivíduo com o

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seu ambiente pode ocasionar doenças físicas e mentais. Isto é explicado pela Psicologia Ambiental, cuja qual “[...] estuda a pessoa em seu contexto, tendo como tema central as inter-relações – e não somente as relações – entre a pessoa e o meio ambiente físico e social” (MOSER, 1998, p. 121).

Os conceitos da psicologia ambiental dizem respeito ao espaço físico e a dimensão temporal. O primeiro é relacionado a percepção, uma vez que o ser humano apresenta comportamentos diferentes em cada espaço em particular, já a dimensão temporal trata-se da relação do indivíduo com o tempo, ou seja, sua projeção do futuro e referência ao passado. Sendo assim, são estudadas estratégias de adaptação ao ambiente físico e construído a partir de varáveis que podem tornar o ambiente confortável ou desconfortável (MOSER, 1998).

Entretanto, a falta de humanismo que tem ocorrido nas últimas décadas negligencia o corpo e o sistema sensorial. Quando não há plasticidade nas edificações, perde-se a conexão com a linguagem e sabedoria do corpo (PALLASMAA, 2011).

A materialidade pode enriquecer a experiência do ser humano ao retratar a pátina do desgaste, principalmente tratando-se dos materiais naturais. Já as edificações que fazem uso de materiais industrializados são imparciais, podendo causar efeitos mentais devastadores já que o ser humano tem a necessidade mental de sentir as relações causadas pelo tempo. De encontro a isso, o quadro abaixo apresenta uma síntese destes aspectos apontados por Pallasma (2011).

Materialidade Efeitos

Naturais –

pedra; tijolo. Expressam sua idade e história; a pátina do tempo fornece experiências enriquecedoras.

Industrializados – metais esmaltados, plásticos sintéticos; chapas de vidro.

Superfícies inflexíveis e imparciais aos olhos, não transmitem sua essência material e sua idade. Quadro 5 – Efeitos do uso das materialidades nas construções Fonte: Elaborado pela autora (2021).

Pallasmaa (2011) afirma ainda que ambientes homogeneizados e inflexíveis podem também enfraquecer o senso de lugar Portanto, é preciso usufruir do apelo estético, seja de formas ou materiais, visto que a arquitetura é capaz de sensibilizar o indivíduo não apenas pela questão visual, mas através de diferentes técnicas envolvem todos os sentidos humanos, como o uso de luz, sombras, cores, texturas,

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madeira;

entre outros. Todos os sentidos humanos são extensões do tato e, pequenas soluções projetuais adotadas podem incorporá-lo. Como exemplo, o autor aponta:

As pedras distribuídas na grama de um jardim, para que pisemos sobre elas, são imagens e impressões de nossas pegadas. Quando abrimos uma porta, o corpo encontra o peso da porta; quando subimos uma escada, as pernas medem os degraus, a mão acaricia o corrimão e o corpo inteiro se move na diagonal e de modo marcante pelo espaço. (PALLASMAA, 2011, p. 60).

As cores também estimulam diferentes sentimentos e sensações no indivíduo, cada cor ou combinação de cores pode produzir muitos efeitos, que são causados não por gostos pessoais, mas sim por vivências comuns, reforçadas pelo simbolismo psicológico e tradição histórica (HELLER, 2013).

Cada uma das cores é autônoma, todas igualmente importantes. Ainda, os acordes cromáticos – consiste na combinação de duas a cinco cores que são mais frequentemente associadas a um determinado efeito comum – podem também caracterizar um sentimento, não apenas a cor principal isolada. Os efeitos das cores dependem do seu contexto, podendo uma mesma cor ser avaliada de maneira diferente dependendo de como é empregada (HELLER, 2013), mas em síntese, o quadro abaixo expressa as características comumente associadas a cada uma.

Cor Impressões causadas

Azul É a cor predileta de muitos; cor da simpatia, harmonia, inteligência e concentração; frio e passivo; possui efeito calmante; não deve ser usado em espaços de alimentação.

Vermelho

A cor mais intensa; oposta ao azul; simboliza desde o amor ao ódio; força, felicidade e perigo; atraente, ativo e dinâmico; em salas são mais aconchegantes que o azul.

Amarelo A cor mais contraditória; cor da atenção, recreação e espontaneidade; possui efeito lúdico quando combinado com laranja e vermelho.

Verde A cor mais calmante e mais agradável de ser observada por longos períodos; transmite sensações de segurança e esperança.

Laranja É exótica e penetrante; cor da recreação e sociabilidade; expressa a combinação de luz e calor.

Roxo Cor da magia; realeza; vaidade; associada a objetos industriais e artificiais.

Rosa Cor do charme; delicadeza; expressa sentimentalismo e romantismo.

Cinza É uma cor neutra; sentimento de poder e monumentalidade quando combinado com cores mais frias; deve-se ter cuidado por pode simbolizar a falta de sensibilidade.

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Marrom

Aconchegante quando usado em moradias; similitude com materiais naturais, como madeira e couro; nos quartos deve ser evitada a combinação com o preto, pois cria efeitos sombrios.

Branco Cor da inocência, simplicidade, higiene; em quartos de estadia temporária é desagradável, necessitando de toques coloridos.

Preto

Expressa sensação de autoridade, poder e elegância; ríspido e duro com cinza e azul; elegante com prata e branco; poderoso com ouro e vermelho; espaços pretos parecem menores do que os brancos; transforma todos os significados positivos de todas as cores cromáticas em seu oposto negativo.

Quadro 6 – Impressões causadas pelas cores mais comuns

Fonte: Elaborado pela autora (2021)

Outro aspecto passível de ser considerado é com relação a adaptabilidade e multifuncionalidade dos espaços. Tendo em vista que a sociedade e suas necessidades estão em constante mudança, a flexibilização é uma maneira de acompanhar esses acontecimentos, já que ambientes adaptáveis e/ou multiusos resultam na redução do programa de necessidades.

A adaptação do ambiente construído pode ocorrer de diferentes formas, como: através da modulação da estrutura; paredes leves e independentes; mobiliário atuante como divisória; entre outros. Estas alternativas fazem com que o indivíduo interaja com a composição dos espaços, principalmente quanto às alternativas articuláveis e móveis, dinamizando os usos de acordo com as necessidades

Um exemplo de adaptabilidade de ambientes se dá na instiuição Porto Educação, localizada em Curitiba, no estado do Paraná. Projetada em 2018 pelo escritório Numa Arquitetos, os espaços são reguláveis de acordo com a necessidade de cada momento. Assim, uma grande sala pode adaptar-se em salas independentes através da manipulação de divisórias móveis, que substituem o uso de paredes convencionais (Figuras 14 e 15).

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Figuras 14 e 15 – Exemplo de composição do layout de salas comuns e individuais Fonte: Numa Arquitetos (2018).
Obras correlatas 4

Este capítulo é destinado para análise de obras correlatas, cujo objetivo é embasar e fomentar o processo projetual a ser desenvolvido. Sendo assim, foram escolhidas três diferentes edificações, sendo duas com a tipologia de abrigo – The Bridge Homeless Assistance Center, no Texas, e Children's Home of the Future, na Dinamarca – e o último um centro comunitário – Espaço Alana, em São Paulo.

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Autoria Overland Partners Architects e Camargo Copeland Architects

Data Projeto 2005 | Construção 2008

Área construída 75.000 m²

Localização Dallas, Texas, EUA.

Categoria Arquitetura social; Centro de assistência para desabrigados.

Quadro 7 – Ficha Técnica do Centro Assistencial The Bridge Homeless

Fonte: Elaborado pela autora (2021)

Projetado em 2005 pelo escritório Overland Partners e concluído em 2008, o The Bridge Homeless Assistance Center (Figura 16) trata-se de um centro de assistência e apoio aos desabrigados da cidade de Dallas, no Texas. Reunindo diversos serviços no mesmo edifício, o local atende cerca de 1.200 pessoas diariamente de maneira ininterrupta, durante 24 horas Desde sua implantação, o centro de assistência têm favorecido melhorias notáveis para a região, revelando uma redução de mais de 50% do número de desabrigados (ARCHDAILY, 2011).

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THE BRIDGE HOMELESS ASSISTANCE CENTER The Bridge Homeless Assistance Center Figura 16 – Fachada do Centro de Assistência The Bridge Fonte: ArchDaily (2011)

O complexo se localiza na região central da cidade de Dallas, no estado do Texas-EUA, ao lado da importante Avenida Interestadual 30 (Figura 17) que interliga Dallas a outras cidades e estados. Além disso, a região conta com uma ampla rede de infraestrutura e equipamentos com uso comercial, empresarial e governamental. Entende-se que a implantação na região central se deu justamente pela facilidade de acesso do público alvo, visto que se trata de pessoas vulneráveis que se locomovem a pé o tempo todo (OVERLAND PARTNERS ARCHITECTURE, 2011).

De mesmo modo, como os próprios autores do projeto afirmam, a intenção era criar um ponto de visibilidade e valorização destes indivíduos ao invés de mascarar o problema do déficit de moradia, por esses motivos justificam-se a escolha do terreno.

Fonte: Google Maps (2021), adaptado pela autora (2021)

Sendo considerado como uma referência internacional em acolhimento à população em situação de rua, o centro assistencial já conquistou diversas premiações (OVERLAND PARTNERS ARCHITECTURE, 2011), entre elas:

• Medalha de Ouro do prêmio Rudy Bruner (2011);

• Prêmio Nacional de Habitação AIA (2009);

• Prêmio CLIDE para Desenvolvimento Especial (2009);

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Figura 17 – Localização do The Bridge Homeless Assistance Center

• Título Best Architectural Entry da Competição Internacional de Rebranding Homelessness (2010), concurso que mundialmente homenageia iniciativas e instituições de apoio a desabrigados.

Além disso, pela incorporação de alternativas sustentáveis, como um sistema de reciclagem da água, telhado verde e uso abundante de iluminação natural, o projeto recebeu a Certificação Prata LEED - Leadership in Energy & Environmental Design (ARCHDAILY, 2011; OVERLAND PARTNERS ARCHITECTURE, 2011).

Com base em análises, é possível aferir que a concepção do projeto foi pautada na humanização e valorização do senso de comunidade, transformando-o em um refúgio digno e seguro. Desse modo, o pátio central se expressa como o local mais representativo do complexo, já que todos os blocos são dispostos de maneira circundante a ele, além de ser um local imponente de convívio já que é destinado não somente aos abrigados, mas sim a toda comunidade local, contemplando inclusive um refeitório para visitantes, como mostra as figuras abaixo

O objetivo do centro assistencial é promover apoio à reinserção no mercado de trabalho e à vida social, portanto oferece variados atendimentos e serviços dentre habitação, alimentação, ensino e cuidados transitórios, contendo em seu programa de necessidades áreas de dormitórios femininos, masculinos e adaptados; pátio de alimentação; biblioteca; lavanderia; locais para recreação; abrigo para animais de estimação; escritórios jurídicos e de aconselhamento; além de instalações de treinamento e de apoio à saúde física e mental.

Conformado por cinco blocos, sendo quatro com apenas um pavimento e um bloco verticalizado, os alojamentos são divididos de acordo com os usos, sendo um

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Figuras 18 e 19 – Pátio central e refeitório Fonte: ArchDaily (2011); Overland Partners Architecture (2011).

bloco de recepção (01); um bloco comunitário (02); um pavilhão de dormitório livre e/ou temporário (03); bloco de refeições para residentes e visitantes (04); um bloco para serviços gerais e dormitórios fixos para estadia prolongada (05); além de jardins internos, sendo um principal para o público geral (06) e dois mais privados destinados aos residentes e funcionários (07/08); e, um estacionamento para funcionários ou apoio geral (09). O acesso principal ao complexo se dá pela via Park Ave, contendo também acessos secundários para abrigados e funcionários, de acordo com a figura abaixo.

Fonte: ArchDaily (2011), adaptado pela autora (2021)

O térreo é o pavimento que contempla o maior número de serviços distintos, setorizados através dos cinco blocos. Nota-se que os atendimentos destinados ao público geral se encontram próximo da entrada principal, facilitando o acesso, como

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Figura 20 – Esquema de implantação

o bloco frontal (01), que comporta a recepção, alguns escritórios jurídicos, biblioteca, auditório e cuidados femininos; também perto da entrada, se encontra o bloco de armazém (02), que serve para guardar os carrinhos de mão dos abrigados e outros objetos, bem como um canil para seus companheiros e sala de segurança; ao lado havia um armazém existente que foi utilizado e transformado em pavilhão dormitório (03), servindo como alternativa aos alojados para dormirem ao ar livre, já que é comum se sentirem desconfortáveis em dividir os quartos físicos quando estão em fase de adaptação; outro bloco que possui acesso à toda comunidade é o refeitório (06), nele são servidas refeições diárias com preços mais acessíveis para o público, além de também ter um ambiente próprio para refeição dos alojados, cozinha e depósitos, no mesmo bloco também há vestiários e oficina mecânica, que pode servir para conserto dos carrinhos de mão e outros itens; o último bloco é o único com três pavimentos, no térreo contempla áreas de apoio à saúde física e mental (07) e salas de ensino (08) aos abrigados, como analisado na Figura 21

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Figura 21 – Planta baixa do pavimento térreo Fonte: ArchDaily (2011), adaptado pela autora (2021).

O segundo pavimento contempla as áreas de atendimentos destinados especificamente aos abrigados, acessados e divididos a partir de um hall/lobby De um lado do bloco são localizados o ambiente de convívio para residentes (01), além dos dormitórios e vestiários de residentes fixos, separados entre femininos (02) e masculinos (03). Na outra extremidade encontram-se diversas salas individuais e coletivas para usos variados (04), conforme figura abaixo.

Já no terceiro pavimento localizam-se as áreas privativas, sendo a administração (01) e os ambientes de dormitórios de estadia provisória, divididos entre o uso feminino (02) e masculino (03), além de conter também alguns dormitórios adaptados para Pessoas com Deficiência – PCD (04), como identificado na Figura 23.

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Figura 22 – Planta baixa do 1º pavimento Fonte: ArchDaily (2011), adaptado pela autora (2021).

Fonte: ArchDaily (2011), adaptado pela autora (2021)

Mais especificamente quanto aos dormitórios, as unidades projetadas são semi-privativas, contendo divisórias de meia-parede em alvenaria (Figura 24), as quais proporcionam privacidade aos abrigados, mas também permite o controle dos funcionários, caso haja necessidade. Para cada abrigado, em seu alojamento, é destinada uma cama, armário e pequeno ambiente de estar (Figura 25), já os banheiros e vestiários são de uso comum.

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Figura 23 – Planta baixa do 2º pavimento Figuras 24 e 25 – Dormitórios semi-privativos Fonte: ArchDaily (2011)

Segundo os responsáveis pelo local, aqueles que procuram ajuda não são tratados como meros sem-teto, mas sim como clientes (ARCHDAILY, 2011). Aliás, a humanização também é percebida pelas janelas de vidro que, além de permitir que os dormitórios sejam iluminados constantemente, mantendo relação do interno com o externo, contém alguns textos gravados que foram escritos por pessoas que passaram pela unidade (Figuras 26 e 27), como espécie de motivação e homenagem.

A partir do analisado, entende-se a relevância deste centro assistencial como estudo de caso, uma vez que alguns pontos poderão nortear a proposta de implantação de projeto para a cidade de Maringá. Se tratando da mesma categoria de edificação, serão compatibilizados alguns parâmetros quanto ao programa de necessidades, bem como a setorização dos ambientes, além de retratar o aspecto da valorização humana e o senso de comunidade.

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Figuras 26 e 27 – Textos escritos nas janelas dos dormitórios Fonte: ArchDaily (2011)

4.2 CHILDREN’S HOME OF THE FUTURE

Children's Home of the Future

Autoria CEBRA Architecture

Data Projeto 2012 | Construção 2014

Área construída 1.500 m²

Localização Kerteminde, Dinamarca.

Categoria Arquitetura social; Casa de acolhimento para menores Quadro 8 – Ficha Técnica do Children's Home of the Future

Fonte: Elaborado pela autora (2021).

Localizado na cidade de Kerteminde, na Dinamarca, a Children’s Home of the Future (Figuras 28 e 29) é uma casa de acolhimento voltado para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Projetado pelo escritório dinamarquês CEBRA, o edifício, que funciona 24 horas diárias, contempla ambientes pedagógicos, recreativos e acolhedores que buscam fomentar as relações sociais e o senso de pertencimento das crianças fragilizadas Nesse sentido, o programa de necessidades contém, além das áreas comuns de dormitórios, refeitórios e afins, salas multiusos, servindo para leitura e tarefas, espaços para filmes, pintura, artesanato e eventos festivos (ARCHDAILY, 2015).

Figuras 28 e 29 – Fachada principal e posterior da Children’s Home

O terreno escolhido para implantação fica próximo a uma das principais rodovias da cidade (Figura 30), o que torna a instituição de fácil acesso, característica necessária para a tipologia da edificação. Próximo à região central, o bairro se caracteriza como residencial, contendo alguns equipamentos de apoio à comunidade e ao desenvolvimento das crianças, como creche e escola, espaços de lazer, centro comunitário, entre outros.

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Fonte: ArchDaily (2015)

Figura 30 – Localização do Children’s Home of the Future

O projeto da casa foi pensado através do conceito de uma arquitetura acolhedora, o objetivo era que as crianças a interpretassem como um lar ao invés de uma mera instituição. Portanto, todo o local se comporta com certa familiaridade de um ambiente caseiro (ARCHDAILY, 2015) O resultado se deve a solução plástica adotada, a qual baseou-se no formato tradicional da “casinha” com telhado duas águas.

A composição visual disposta de forma lúdica se torna um importante aspecto ao relacionar-se à adaptação infantil, já que são formas familiares ao seu imaginário. As variações espaciais foram dispostas de maneira flexível, alterando-se somente as escalas visuais dos blocos de acordo com o uso e a necessidade específica, criando um tom harmônico e divertido, como visto nas figuras abaixo.

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Fonte: Google Maps (2021), adaptado pela autora (2021). Figuras 31 e 32 – Esquemas de composição plástica dos blocos Fonte: ArchDaily (2015)

O abrigo é setorizado a partir de quatro blocos interligados e autônomos, como demonstra a Figura 33. Divididos de acordo com a faixa etária, a fim de valorizar o senso de pertencimento dos usuários, o bloco de crianças (01) fica localizado ao fundo do lote e com acesso direto ao playground por questões de segurança; as unidades centrais compõem as áreas administrativas/serviços (02) com o acesso principal voltado ao estacionamento, o que facilita o controle de entrada e saída de pessoas, além dos ambientes de uso comum (03) destinados a todos os acolhidos; já o bloco de adolescentes (04) é voltado para a rua, já que os mais velhos são incentivados a usufruir dos equipamentos da cidade, mantendo uma rotina comum para sua idade.

Fonte: Architizer, adaptado pela autora (2021)

Ao analisar o pavimento térreo da casa de acolhimento (Figura 34), fica claro a setorização dos ambientes entre os blocos. Nota-se que a ala destinada para crianças (01) contém suítes individuais equipadas com cama e mesa para estudos, o que permite que as crianças personalizem os quartos criando uma identidade; além de haver um refeitório, sala de estar, sala multiuso e uma pequena área de lavanderia. Ao lado tem-se alguns cômodos de funcionários (02) a fim de otimizar o

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Figura 33 – Esquema de implantação do abrigo

trabalho, de modo que estejam sempre próximos dos abrigados, assim a área contempla quatro suítes individuais, refeitório e lavanderia; próximo, logo na entrada principal, também se localizam salas administrativas, de serviços e salas multiusos (03); no outro bloco central, ficam as salas de uso comum a todos os abrigados (04), servindo para estar ou estudo. Por fim, a ala de adolescentes (05) é a que mais se difere, já que além de salas multiuso e lavandeira, contém apartamentos próprios equipados com dois quartos, sala de estar e jantar, cozinha e banheiro, um programa doméstico completo que incentiva o desenvolvimento da autonomia dos adolescentes.

Fonte: Architizer, adaptado pela autora (2021).

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Figura 34 – Planta baixa pavimento térreo

Já o pavimento superior (Figura 35) contém um setor privativo de funcionários (01) que permite maior intimidade além de terem uma “visão elevada” dos residentes, composto por dormitórios individuais, banheiros, refeitório e salas para lazer ou reuniões; uma área técnica e/ou de serviços (02); uma unidade conectora com salas recreativas e multiusos (03) destinada aos abrigados; além de outros dois apartamentos para adolescentes (04), cada um com dois quartos com cama de casal e sacada, banheiro, sala de estar/jantar e cozinha, que possivelmente são destinados aos usuários de maior idade.

Fonte: Architizer, adaptado pela autora (2021)

É importante ressaltar que os materiais utilizados também promovem o aconchego do acolhimento, principalmente pelo uso de azulejos e madeira que revelam a tatilidade da obra e, como defendido por Pallasmaa (2011), fornecem

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Figura 35 – Planta baixa primeiro pavimento

experiências enriquecedoras ao usuário. Além disso, a possiblidade de decoração dos ambientes multiusos permite que o usuário desenvolva noção de identidade e apropriação do espaço, como visto nas figuras a seguir.

Diante da análise, pode-se compreender como esta casa de acolhimento é pertinente como estudo de caso, mesmo que se trate de uma categoria diferente da proposta deste trabalho. Alguns pontos foram identificados como essencial para uma edificação da tipologia de abrigo, sendo eles: a preocupação com o bem-estar e estratégias de aconchego e adaptação do usuário, como a utilização de materiais táteis e a ocorrência de espaços multiusos e personalizáveis; a sensação de lazer transmitida pelo abrigo e ambientes que são acolhedores também aos funcionários; além da distribuição racional do programa e setorização por grupos de abrigados que, no caso da proposta, poderá se tratar da divisão por gênero e outros parâmetros.

4.3 ESPAÇO ALANA

Autoria Rodrigo Ohtake Arquitetura e Design

Data

Projeto 2014 | Construção 2015

Área construída 800 m²

Localização São Paulo, Brasil

Categoria Arquitetura social; Centro comunitário para jovens

Quadro 9 – Ficha Técnica do Espaço Alana

Fonte: Elaborado pela autora (2021)

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Figuras 36 e 37 – Tatilidade dos ambientes externos e internos Fonte: ArchDaily (2015) Espaço Alana

O Espaço Alana (Figuras 38 e 39) é um centro comunitário destinado para jovens de São Paulo, cujo objetivo é promover a socialização e acesso à cultura à população. De autoria do escritório de arquitetura Rodrigo Ohtake, o projeto foi encomendado pelo Instituto Alana, sendo esta uma ONG voltada para o desenvolvimento socioeducativo do público infanto-juvenil (ArchDaily, 2016)

O centro fica localizado na periferia do bairro Jardim Pantanal, no extremo leste da cidade e próximo ao rio Tietê (Figura 40), o que enfatiza ainda mais o caráter social da edificação, visto que atende a uma comunidade vulnerável, carente de equipamentos e infraestrutura pública.

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Figuras 38 e 39 – Espaço Alana Fonte: Rodrigo Ohtake (2015) Figura 40 – Localização do Espaço Alana Fonte: Google Maps (2021), adaptado pela autora (2021).

O programa foi criado em conjunto com a comunidade a fim de atender as necessidades de maneira satisfatória, contando com biblioteca, brinquedoteca, auditório, salas multiusos, cantina e entre outros (ARCHDAILY, 2016). A implantação do edifício se deu em um lote totalmente irregular, o que fez com que o projeto se adequasse linearmente ao terreno, utilizando-se de toda sua extensão

A tipologia de centro cultural exige um ambiente convidativo e acolhedor que permita a apropriação do público. Portanto, ao analisar a disposição do pavimento térreo (Figura 41), percebe-se a criação de uma praça aberta (01) logo na entrada como uma espécie de prolongamento da calçada, além de uma área coberta (02), que convida o transeunte a entrar e manifestar-se livremente; uma grande sala de ensaio (03), com depósito de instrumentos (04), também próximo à entrada, facilitando seu acesso em eventos e apresentações; ao lado, contém um depósito de limpeza (05), banheiros femininos e masculinos (06) e uma cantina (07); já a área técnica (08) fica reservada somente para acesso de funcionários. Por fim, a biblioteca (09), posicionada ao fundo do lote por ser mais silencioso, possui áreas para estudo com livros e computadores, além de um ambiente para catalogação (10) e lavabo de apoio (11).

Fonte: ArchDaily (2016), adaptado pela autora (2021).

Já o pavimento superior (Figura 42) comporta somente os ambientes necessários para o complemento do programa de necessidades, sendo uma grande sala destinada para administração e reuniões (01); duas salas livres de mobiliários

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Figura 41 – Planta baixa do pavimento térreo

que podem ser usadas como salas de música e atividades culturais (02); quatro salas equipadas com mesas e cadeiras para usufruto da comunidade, além de um jardim elevado (04), trazendo a presença de vegetação. Todos estes locados ao fundo do lote, deixando a marquise do pátio central livre de interferências, sendo este como um elemento estruturador.

A humanização também é percebida pela utilização de cores na composição dos ambientes, tanto nas paredes e pisos quanto em alguns mobiliários, tornando-os lúdicos e dinâmicos. As mais utilizadas foram o amarelo, laranja e o azul. As duas primeiras por expressarem sentimentos de atenção e recreação, já o azul reflete harmonia e concentração, o que explica seu uso na biblioteca, por exemplo, como observado nas figuras abaixo.

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Figura 42 – Planta baixa do primeiro pavimento Fonte: ArchDaily (2016), adaptado pela autora (2021). Figuras 43 e 44 – Utilização de cores nos ambientes Fonte: ArchDaily (2016).

Quanto ao sistema construtivo, utilizou-se de estrutura metálica, vedação de alvenaria convencional de tijolos e laje de concreto maciço, podendo ser motivado pela mão de obra local e custo dos materiais. Para o fechamento em vidro foram usados planos com caixilhos regulares, além da marquise feita com material translúcido, que favorecem a iluminação natural e a transparência da edificação, como visto na Figura 45. Ainda nos ambientes do pavimento superior, voltados para a face norte, um elemento de proteção, como um brise, foi adicionado nas janelas para impedir a incidência solar direta (Figura 46).

Cabe ressaltar que a composição construtiva proposta para o centro oferece soluções arrojadas e inovadoras ao passo em que preserva as características urbanas do local, o que permite o senso de pertencimento do público e faz com que o edifício se torne um ponto de referência para a comunidade. Diante disso, é possível compreender a relevância do Espaço Alana como um estudo de caso, visto que o projeto foi desenvolvido para atender uma parcela vulnerável da sociedade e os cuidados tomados para atendê-la são extremamente pertinentes para nortear o desenvolvimento da proposta deste trabalho. Dentre os aspectos estão as estratégias usadas para tornar o espaço convidativo, como a criação de uma praça para livre manifestação e espaços para expressão cultural e artística; utilização de cores para humanização e estímulo dos ambientes; além da preocupação quanto à materialidade e custo da obra.

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Figuras 45 e 46 – Iluminação e transparência do Espaço Alana Fonte: ArchDaily (2016).

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