Alberto Cruz - No centenário do nascimento 1920-1990

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ALBERTO CRUZ No centenรกrio do nascimento (arquiteto 1920-1990)


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Vista aérea da Vila do Caramulo, o lugar onde, no mesmo ano do nascimento de Alberto Cruz se constituía a Sociedade do Caramulo, que se encarregaria da construção de raiz de um dos mais importantes núcleos urbanos dedicados à cura da tuberculose. Ao projeto da incineradora da estância sanatorial assinado por Alberto Cruz no ano de 1949 sucederiam um conjunto muito significativo de outros projetos que no contexto deste projeto de investigação serão igualmente estudados e divulgados

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Alberto Cruz Exposição, Colóquio e Catálogo na celebração do centenário do seu nascimento É com particular gosto que o Iscte Instituto Universitário de Lisboa se associa à celebração do centenário do nascimento de Alberto Pereira da Cruz (1920-1990), arquiteto Português responsável por uma vasta obra, projetada e construída em Portugal e no estrangeiro. O dia 12 de novembro de 2020, a data do seu nascimento, foi escolhida pelo Iscte para anunciar publicamente o lançamento de um projeto de investigação coordenado pelo Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES-Iscte) em parceria com o Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design (CIAUD) da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, o Centro de Estudos de História Religiosa - CEHRUCP, da universidade Católica Portuguesa, o Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo (CEAU) da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, a Direção Geral do Património Cultural (DGPC), a Fundação Abel de Lacerda, e o Museu do Caramulo. Alberto Cruz nasceu a 12 de novembro de 1920 no Bairro da Cedofeita no Porto, cidade onde frequentou e concluiu, em 1943, o curso superior de Arquitetura na Escola de Belas-Artes e, dois anos mais tarde, o diploma de arquiteto. No concurso para obtenção do diploma de arquiteto (CODA), a prova final do curso de arquitetura das Escolas de Belas-Artes de Lisboa e Porto, desenvolveu o projeto de uma habitação unifamiliar no Estoril para uma filha de Fausto Figueiredo (1880-1950) iniciando aí a colaboração frutuosa com o grande impulsionador da obra de transformação da vila de Cascais e Estoril, o maior e mais infraestruturado complexo turístico do primeiro quartel do século XX em Portugal. Durante os anos de 1943 a 1945 colabora com o arquiteto Adelino Nunes (1903-1948), um autor que merecerá no contexto deste projeto especial atenção. Será em Cascais, o lugar onde deixou porventura a sua maior marca, assinando projetos tão emblemáticos quanto o Hotel Baía, o Hotel Cidadela, a ampliação e transformação das Arcadas do Estoril, a ampliação do Hotel Palácio, os apartamentos da Gandarinha entre tantas outras obras que aqui não poderíamos enumerar. Em 1944 Alberto Cruz ingressou na Direção-Geral dos Edifícios e

Monumentos Nacionais (DGEMN), sendo nomeado arquiteto do quadro permanente em 1947, atividade que compassava com o exercício da arquitetura a partir do seu atelier na Rua Vitor Cordon em Lisboa. Alberto Cruz era dez anos mais novo do que Francisco Keil do Amaral (1910-1975), com quem viria a projetar em 1957 a Feira das Indústrias Portuguesas de Lisboa. A influência de Keil do Amaral no seu trabalho, hipótese que associamos a esta investigação, estenderse-á a outras obras assinadas por si, relevando-se, de entre outras, os projetos para os mercados de Carcavelos e de Cascais. O nome de Alberto Cruz tem permanecido à margem da historiografia contemporânea Portuguesa, pese embora a atenção e cuidado que o Arquiteto José Manuel Fernandes lhe dedicou, tendo visitado, já após a sua morte, o atelier da Rua Victor Cordon, em Lisboa, visando a elaboração de um primeiro artigo de fundo sobre a sua obra, publicado na revista Monumentos, em 2004. É neste contexto que o Iscte Instituto Universitário de Lisboa assume a responsabilidade de assinalar e celebrar o centenário do nascimento de Alberto Cruz, coordenando um consórcio de investigação envolvendo várias universidades e instituições portuguesas, em torno de quatro objetivos: (i) o acolhimento do espólio de Alberto Cruz nas instalações do Iscte, bem como a coordenação da sua inventariação, descrição e digitalização; (ii) a organização de um colóquio internacional que reunirá e discutirá o contributo de vários especialistas em torno da relevância da sua obra; (iii) a realização de uma exposição estruturada a partir do espólio do autor, que integrará maquetas dos edifícios fundamentais da sua obra, bem como a apresentação de desenhos originais do seu arquivo, selecionados de entre os cerca de 500 projetos já listados; (iv) a edição e publicação de uma monografia, associada à exposição que se constitua como um guia a partir do qual se disponibilizará à comunidade da investigação, nas mais diversas áreas do saber, o legado do trabalho de um autor maior da arquitetura portuguesa.

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Mรกquina fotogrรกfica de Alberto Cruz 3e4

Pousada da Ria Fotografias de Alberto Cruz

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Hotel Alvor Praia Fotografia de Alberto Cruz

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O Arquiteto das Pessoas Carlos Barbosa da Cruz e Manuel Possolo Cruz Alberto Cruz, ou Beto, como gostava que o chamassem não era um homem de ribaltas, de mediatismo ou de exposição pública. Para isso terá contribuído, para além da sua maneira de ser, o nunca se ter envolvido muito, na arquitetura pública, no associativismo ou na política. Nem por isso, contudo, deixa de ser uma referência estética da sua geração e um talento, ao nível da obra de colegas seus com mais visibilidade. Neste ano, em que se assinalam os 100 anos do seu nascimento, é de elementar justiça, divulgar e apreciar o vasto legado edificado, que nos deixou. Mais do que paladino de escolas, tributário de correntes estéticas, visionário ou iconoclasta, Beto Cruz era um arquiteto de pessoas, dava materialidade ao sonho alheio, sabendo interpretar e passar ao desenho, uma solução arquitetónica harmoniosa e funcional para cada espaço a desenvolver, da casa a que sempre tinham aspirado, com um rasgo criativo que era a sua imagem de marca. Acreditando ele na obra enquanto construção, associada à sua longa experiência adquirida na DGEMN, impôs aos seus projetos características muito próprias, baseadas numa linguagem arquitetónica inconfundível, marcada pelo uso da pedra rústica em volumes ritmados, além de elementos em consola evidenciando as potencialidades do betão armado, própria de uma arquitetura moderna. Cascais foi o seu terreno de eleição, tendo aí deixado a sua assinatura em muitas e emblemáticas construções, algumas delas hoje infelizmente desfiguradas, como o edifício da Farmácia Cordeiro, ou mesmo demolidas, como o Hotel Cidadela, e outras, que felizmente ainda subsistem, realçando-se a ampliação do Hotel Palácio e Arcadas do Estoril, o Mercado de Cascais, para além de numerosas casas particulares, espalhadas por todo o concelho. No entanto, a sua obra estendeu-se por todo Portugal transparecendo por vezes a intemporalidade, que é a marca do seu talento, evidenciando aqui apenas alguns projetos, que se converteram em impressões identitárias da paisagem onde foram passados a pedra.

Em primeiro lugar, chama-se a atenção particular para a “Pousada da Ria de Aveiro”, na Murtosa, caracterizada esta intervenção pela serenidade e horizontalidade da sua arquitetura, neste caso transmitida através das suas varandas assentes em pilotis de pedra rústica, e debruçadas sobre a água, parecendo deste modo fazer levitar todo o volume desta unidade hoteleira. Trata-se de uma intervenção notável, no âmbito da segunda fase de construção do plano geral das novas pousadas. Em segundo lugar, se faz destacar todo o complexo edificado do Caramulo, sobressaindo o Museu e a Pousada de São Jerónimo, a que imprimiu um traço de modernidade funcional, e que se integra harmoniosamente na paisagem serrana onde foram construídos. Em terceiro lugar, o Hotel Grão Vasco, em Viseu, que sucessivas gerações da mesma família de proprietários têm preservado na sua forma original e que marca a plástica do centro urbano desta cidade. Por fim, uma das suas obras mais emblemáticas, o Hotel Alvor, no Algarve, porventura o primeiro grande hotel de praia, em Portugal. Implantado sobre a arriba, com uma forma ziguezagueante, consegue deste modo dar a todo o conjunto, uma leveza na sua relação espacial com o mar. Por outro lado, e a uma cota inferior, faz articular com a praia uma grande área de piscina, protegida dos ventos através de uma arcada, conseguindo deste modo e de uma forma exemplar, a hierarquização de todos os volumes de que é composta esta unidade hoteleira de luxo. No seu interior, quem experimentar descer a escadaria nobre do hotel e prestar atenção à sua estética, às soluções espaciais adotadas, ao arrojo discreto dos materiais, à elegância imaculada do conjunto, dará crédito ao traço inspirado de Beto Cruz. A retrospetiva que se pretende organizar dará a conhecer muitas outras obras do seu vastíssimo portfólio, escalonado por mais de quarenta anos de atividade profissional ininterrupta. Pode dizer-se, sem exagero, que Beto Cruz, marcou, com outros, os referenciais plásticos de uma geração.

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Mercado de Cascais Local: Cascais

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Museu do Caramulo Local: Caramulo

Data: 1952

Data: 1955 9

Pousada da Ria Local: Aveiro

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Feira das IndĂşstrias Portuguesas Local: Lisboa

Data: 1957

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Data: 1960


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Museu de Etnologia Local: Lisboa

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Apartamentos da Gandarinha Local: Cascais

Data: 1961

Data:

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Pousada de S. Jerónimo Local: Caramulo

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Hotel Baía Local: Cascais

Data: 1962

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Data: 1963


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Hotel Albatroz Local: Cascais

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Hotel Grão Vasco Local: Viseu

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Inapa Local: Setúbal

Data: 1963

Data: 1964

Data: 1964 17

Hotel Cidadela Local: Cascais

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Data: 1966


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Hotel Palรกcio e Arcadas do Estoril Local: Cascais

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Hotel Alvor Praia Local: Portimรฃo

Data: 1967

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Data Hotel: 1972 Data Arcadas: 1966


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Casa Ana Maria Lopes de Figueiredo Local: Caramulo

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Casa Eng. Francisco Nobre Guedes Local: Estoril

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Casa Eng. Alfredo Alves Local: Cascais

Casa António Figueiredo Local: Estoril

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Casa Dr. Raúl Almeida Capela Local: Lisboa

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Casa Maria Cândida Posser de Andrade Local: Estoril

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Casa Eng. Tito Lagos Local: Cascais

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Feira das IndĂşstrias Portuguesas 28

Pousada da Ria

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Feira das Indústrias Portuguesas

Pousada da Ria

(1957)

(1959-60)

A Feira das Indústrias Portuguesas localizada na Avenida da Índia e na Rua da Junqueira, foi um investimento da Associação Industrial Portuguesa e a Câmara Municipal de Lisboa com intenção de desenvolvimento industrial e económico. O edifício projetado pelos arquitetos Francisco Keil do Amaral e Alberto Cruz foi inaugurado a 26 de Maio de 1957, tendo a primeira apresentação da maqueta, ao Presidente do Conselho Nacional , do futuro edifício acontecido no ano de 1951. Após terem sido usados para a instalação da FIP (1949-1950) os pavilhões que haviam sido construídos na Praça do Império para a Exposição do Mundo Português (1940), foi necessário projetar a longo prazo um novo edifício com uma localização mais próxima do centro da cidade e mais fácil acesso, por forma a garantir o sucesso do investimento que pretendia potenciar a afluência do público. O edifício foi projetado para ser uma grande sala expositiva e de congressos, prevendo-se uma nave com cobertura de grandes dimensões e forma semicilíndrica, capaz de dar resposta a essa função, na qual eram conciliados os meios técnicos, plásticos e uma ponderação de custos para que a obra fosse viável, estável e executável. As condicionantes acústicas foram objeto de vários estudos, por forma a reduzir o ruído. As opções quanto aos materiais constituíram o principal enfoque da cobertura, sendo utilizadas chapas onduladas de fibrocimento, por forma a condicionar o som, tornando-o divergente. O edifício foi complementado pela eficiência dos acessos, circulações e apoios técnicos como reforço na viabilidade do uso. No nível superior foi criada uma nave menor e de galerias para uma maior variedade, movimento e flexibilidade às exposições. Em 1964 foi concluída a construção de um volume adjacente (na origem ligado ao núcleo inicial por uma ponte sobre pilares em V), com projeto dos mesmos arquitetos, destinado aos serviços da Associação Industrial Portuguesa. Mais tarde, o conjunto seria ampliado com a construção de dois novos pavilhões.

A Pousada da Ria foi construída em 1959 pelo Ministério das Obras Públicas, integrada na série “Beira-Mar” da segunda fase do plano geral das novas pousadas. Edificada segundo projeto de Alberto Cruz, implantou-se na margem poente do braço da Ria de Aveiro que se prolonga às cercanias de Ovar, numa saliência da margem com vista privilegiada sobre a ria. O edifício, tirando proveito da sua localização excecional, foi organizado em dois corpos, um principal paralelo à ria, com dois pisos em quase toda a sua extensão, onde se situaram as áreas principais da pousada, e um segundo, perpendicular ao primeiro, ocupado por áreas de serviço e outros espaços complementares. Um alpendre assinala o acesso principal à pousada, seguindo-se um espaçoso hall desenvolvido em dois planos, com comunicação direta aos quartos e às áreas sociais. Através de uma pequena escada situada sobre um espelho de água, encontra-se o bar, situado entre a sala de estar e a de jantar, espaços favorecidos por amplos vãos e um grande terraço debruçado sobre a ria. No piso superior, em situação de maior recato e intimidade, encontravam-se os dez quartos da pousada, dotados de terraços abertos ao panorama único da ria de Aveiro. Atualmente, a Pousada da Ria é gerida pelo grupo Pestana, tendo duplicado o número de quartos disponíveis.

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Hotel Cidadela

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Hotel BaĂ­a

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Hotel Cidadela

Hotel Baía

(1961-66)

(1962)

O Hotel Cidadela foi inaugurado na vila de Cascais no dia 1 de junho de 1966. José António Arantes Pedroso, proprietário de uma antiga propriedade de família, abandonada, foi o mentor da ideia da sua reconversão num equipamento hoteleiro, tendo convidado o arquiteto Alberto Cruz para a elaboração do projeto de arquitetura. O projeto deu entrada na Câmara Municipal de Cascais em 1961 e a sua construção teve início em maio de 1964. A 15 de junho de 1966 teve lugar a inauguração de um dos edifícios hoteleiros mais emblemáticos da vila de Cascais. Implantado ao longo da Avenida 25 de Abril o hotel foi estruturado em dois volumes contíguos, dispondo de 6 quartos duplos e 46 apartamentos de tipologias de 1, 2 e 3 quartos. Em 1972 o hotel é ampliado respondendo às possibilidades geradas pelo desenvolvimento do turismo, aumentando a sua oferta de alojamentos em 51 quartos com a construção de mais 3 pisos sobre o corpo Poente, projetado inicialmente com 3 níveis. Nos primeiros pisos do edifício concentravam-se um conjunto de serviços de apoio aos hóspedes: barbeiro, salão de cabeleireiro, duas tabacarias, restaurante com terraço, piscina e balneários. Ao longo dos anos 1980 e 1990 do século XX foi objeto de pequenas intervenções nos quartos, no restaurante, jardins e construída uma sala de reuniões, equipada, com capacidade para 100 pessoas. Sobre o futuro do Hotel Cidadela paira hoje a incerteza. O edifício foi vendido em 2017 a uma empresa de capital chinês, a qual iniciou obras de melhoramento em 2018, encerrando o hotel a 31 de outubro desse ano.

O Hotel Baía inaugurado a 17 de abril de 1962 foi desenhado por Alberto Cruz com a colaboração de Elísio Summavielle. A sua localização e relevância são, também, devedoras da grande operação de regeneração urbana de criação de um novo centro cívico e administrativo para a vila de Cascais. O desenho do novo espaço de representação da vila, aberto sobre a baía e sobre a praia dos Pescadores resultaria da articulação do Passeio D. Luís I, a Praça 5 de Outubro, a Avenida Dom Carlos I e o Cais dos Pescadores, bem como pela construção de um conjunto de edifícios desenhados no início da década de 1950: edifícios da lota, da Brigada Fiscal da GNR, os armazéns piscatórios e o edifício da Capitania. A renovação do novo centro direcional ficaria concluído, no entanto, apenas na década de 1960 com a construção do Hotel Baía «uma peça centralizadora e significante de toda a enseada de Cascais (…) um marco, em termos urbanos e de paisagem litoral, com a sua escala contida e integradora» assim definida por José Manuel Fernandes numa publicação sobre o autor, publicada na revista Monumentos em 2004. O Hotel Baía dispõe, na atualidade, de 113 quartos com varanda orientados na sua maioria para a baía, um piso de cobertura com piscina coberta e um bar/esplanada. No rés do chão uma extensa esplanada, com serviço de bar e cafetaria, dá vida ao passeio urbano. Neste piso concentram-se ainda espaços de restauração, e um conjunto de espaços multifuncionais, equipados, de reunião. De entre as obras de remodelação, sucessivas, de adaptação a um programa em mudança, releva-se pela sua importância a adição, questionável, em 1969, de mais um piso ao volume inicial.

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Hotel Alvor Praia 32

Alberto Cruz (1965) Hotel Alvor Praia

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Hotel Alvor Praia (1967) O Hotel Alvor Praia, em Portimão, é reconhecido como um ícone do turismo nacional e é uma das obras mais emblemáticas do arquiteto Alberto Cruz. O hotel fica situado na praia dos Três Irmãos e integra-se num conjunto turístico de luxo localizado a poucos quilómetros do centro da cidade. O projeto compreendia 215 quartos e suites, com um padrão elevado de luxo e conforto. Segundo o arquiteto Alberto Cruz (1967), a topografia do terreno foi determinante para a definição da forma do edifício, por forma a conciliar a vista panorâmica e as condicionantes do clima. Articulado em vários corpos, o edifício é implantado em patamares sobre a falésia, na primeira linha de costa, num diálogo permanente e intenso com a paisagem. Em planta, a construção desenvolvese longitudinalmente segundo uma linha poligonal aberta sobre o mar. envolvendo áreas exteriores que ficam, desse modo, protegidas dos ventos dominantes. O conjunto é constituído por um volume mais alto (quebrado pelo núcleo central de comunicações verticais), prolongado a Norte por um corpo longitudinal mais baixo (três andares); um terceiro volume com apenas dois pisos forma uma base alargada, do lado no mar. Acompanhando o desnível natural do terreno, a piscina de água salgada aquecida, com extensa esplanada, está implantada no piso inferior, onde se situam também sauna, snack-bar, grill e diversas instalações técnicas. Imediatamente acima, o andar nobre reúne os principais espaços de uso coletivo (sala de estar, incluindo áreas de leitura e de jogos, restaurante com sala para 400 pessoas e terraço exterior, cozinha geral e respetivos serviços de apoio) e alguns quartos (no corpo menor). Voltada para o lado de terra, a entrada

principal (com hall, receção, administração) abre-se no terceiro piso, maioritariamente ocupado por quartos, tal como os restantes andares acima desse. As suites localizam-se nos topos e a meio do corpo principal. Nos andares intermédios, os quartos voltados para o mar têm maiores dimensões; são menores e menos numerosos os que têm vista sobre a Serra de Monchique. Os quartos do piso mais elevado, com terraços mais amplos e vista privilegiada para o mar, tinham mobiliário de padrão superior. Nas palavras do arquiteto (Cruz, 1968), houve a preocupação de “integrar naturalmente [este edifício] na simplicidade das construções algarvias”, tomando para isso, no seu exterior, como “elemento predominante o reboco pintado de branco, em alternância com o azul escuro, por forma a obter a valorização de determinados volumes e diminuir ao mesmo tempo a luminosidade intensa”. As extensas áreas ajardinadas de enquadramento paisagístico do hotel foram concebidas pelo arquiteto paisagista Ribeiro Telles. Após as obras de remodelação em 2016, pelo Grupo Pestana, da traça original foi mantida a grande escadaria em mármore que nos conduz a um lago com acesso às zonas sociais. Os revestimentos exteriores são materiais de característica regional, tijoleira nos pavimentos, lajetas de calhau nos terraços e telha da região nas coberturas. Nas zonas interiores são utilizados o mármore, a madeira, a alcatifa. Os hóspedes podem usufruir do spa, das áreas de piscina, pátios e jardins exteriores, restaurantes, uma sala de espetáculos e eventos, uma loja, bar, ténis, golfe, e contemplar o panorama envolvente.

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Museu do Caramulo 1955

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Museu do Caramulo Paulo Martins Barata Homens viajados e cultos, os irmãos Lacerda quiseram extemporaneamente criar, com recursos e mínimos e indispensáveis, um museu local de grande qualidade; um núcleo suficientemente importante para tornar o Caramulo um destino cultural no mapa português. Como bons curadores sabiam que, independentemente da hábil gestão política de doações, a materialização física do Museu num objecto arquitetónico capaz de acolher com dignidade as colecções era um passo difícil mas determinante. A escolha recaiu sobre Alberto Cruz, um arquitecto que apesar da historiografia e crítica do seu tempo não lhe reconhecer rasgos de modernidade, era ainda de uma geração capaz de desenhar e conceber a arquitectura com o sentido de monumentalidade necessário à obra pública. Alberto Cruz, ex-funcionário da Direcção Geral dos Monumentos Nacionais, era também um arquitecto que, pela natureza das suas relações sociais, se habituara a construir com grande qualidade e para uma clientela predominantemente opulenta e conservadora. A esta o arquitecto respondia com um tipo de sensibilidade tectónica semelhante à dos seus contemporâneos italianos Piacentini, Muzio e Gardella. Porém, o estilo manifestamente classisista de Alberto Cruz não advêm, ao contrário do que se possa supor, do desconhecimento das novas concepções modernistas de que era contemporâneo, já que Cruz teria em 1957 feito uma prolongada viagem de estudo aos museus norte-americanos e brasileiros a convite do Ministério das Obras Públicas, para “instruir e documentar o futuro Museu de Etnologia da Cidade Universitária de Lisboa”, projecto que pela mesma altura o arquitecto teria sido incumbido. Não sendo certo que os irmãos Lacerda tivessem o distanciamento histórico-crítico necessário para compreender o problema da tipologia do “museu” enquanto edifício de representação, é possível que a sua rara sensibilidade lhes inspirasse

a escolha de um arquitecto que conhecesse ainda as regras de estilo da composição clássica; num fundo, um arquitecto que conseguisse produzir um museu no sentido canónico. Assim nasceu o edifício do Museu do Caramulo, que no seu quase ingénuo formalismo clássico informa melhor que qualquer pretensa estrutura modernista, o ethos deste equipamento cívico. Assim, o classissante e esbelto pórtico anuncia a entrada ao visitante recém chegado ao magnífico planalto onde se encontra implantado o museu. À priori, uma particularidade que terá certamente condicionado a implantação e a forma do edifício terá sido a reconstrução e reconstituição de um claustro oitocentista proveniente do Convento Franciscano da Fraga, em Sátão, que em 1954 Abel Lacerda adquiriu e salvou da destruição eminente. O claustro foi então transportado para o Caramulo peça por peça e ai remontado e restaurado com o necessário rigor e respeito pelos aparelhos de pedra, travejamentos e telhas; estas últimas nalguns casos negociadas com as gentes da serra, com telhas novas, em troca por velhas telhas rústicas. A partir desta preexistência, ainda que histórica e formalmente transladada para o Caramulo, Alberto Cruz entendeu usar o claustro à semelhança do impluvium das casas romanas de Pompeia (um pátio nuclear a céu aberto que recolhia a água das chuvas), e construir todo o sistema de salas de exposição em seu torno, criando um canónico quadrado com 55 metros de cada lado, do qual apenas o anteriormente referido pórtico de entrada sobressai. A aparente clareza desta planta corresponde em grande parte à própria simplicidade do programa do museu. No piso térreo, e com acesso a partir do vestíbulo, encontram-se localizados, os serviços administrativos, a cafetaria, a sala de exposições temporárias. in http://www.museu-caramulo.net/pt/content/1-o-museu/13arquitectura)

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Alberto Manuel Barbosa Pereira da Cruz (1920-1990)

Alberto Manuel Barbosa Pereira da Cruz (n.12/11/1920, m.1990) nasceu no Porto, no Bairro de Cedofeita, e formou-se no Curso Superior de Arquitetura da Escola de Belas-Artes do Porto, em 1943, tendo obtido o diploma de arquitecto em 1945, com a classificação de dezoito valores. Em 1944 ingressou na DGEMN, tendo sido nomeado arquitecto de terceira classe do quadro permanente, em 1947, na Direção de Serviços de Construção. Em 1955 recebeu louvor pela direção de obras das novas instalações da Embaixada de Portugal em Londres. Em 1970 pediu licença ilimitada, provavelmente para se dedicar inteiramente aos projetos importantes que a atividade privada lhe solicitava. Em 1986 apresentou-se na DGEMN, tendo sido aposentado em 1987. Fica-nos, da intervenção e obra global de Alberto Cruz, a noção de uma dedicação profissional profunda, e de uma energia intensa colocada nas sucessivas obras em que participou (o seu espólio regista mais de quinhentos projetos). Como tantos outros colegas seus contemporâneos (os ditos anos 1950-1960), confirmado no testemunho do seu filho, arquiteto Manuel Cruz, ele acreditava na obra como construção, dava menos importância aos trabalhos depois de edificados. Foi certamente um autor pragmático, virado para o lado prático da profissão. Por outro lado, há que evidenciar a sua enorme experiência de projeto e de construção, quer no quadro da obra pública, como funcionário do Estado, quer como profissional liberal. Possivelmente por influência do seu longo trabalho na DGEMN, Alberto Cruz desenvolveu uma linguagem arquitetural própria, de algum modo reconhecível em inúmeras obras, que poderíamos designar de “moderna com elementos tradicionais”, a qual aplicou largamente na maioria dos seus trabalhos. Alberto Cruz revelou-se um autor de vasta obra, tanto no quadro do seu trabalho para o Estado, como no de arquiteto em atelier privado. E, certamente, muito mais desconhecido, no seu tempo como hoje, do que mereceria, dada a coerência e a qualidade dos seus trabalhos ao longo de décadas. 23


Comissão Organizadora

Coordenação Científica

Bernardo Pizarro Miranda - CIES-Iscte João Paulo Martins - CIAUD FAUL João Alves da Cunha - CEHR-UCP Pedro Luz Pinto - DINÂMIA’CET-Iscte Marta Oliveira - CEAU FAUP

Centro de Investigação e Estudos de Sociologia

Bernardo Pizarro Miranda João Paulo Martins João Alves da Cunha Manuel Possolo Cruz Carlos Barbosa da Cruz Carlos Almada Cruz Sandra Samina Susana Rego Filipe Prudêncio

Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design

Fundação Abel de Lacerda


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