A experiência relegiosa de Philip K. Dick

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A EXPERIENCIA RELIGIOSA Philip K. Dick era escritor de ficção científica. ele morreu em 1982, de forma repentina, vítima de um derrame. Seus livros quase sempre lidaram com a qualidade ilusória da realidade como a conhecemos. Em março de 1974, Dick viu aquilo que mais tarde descreveria como “uma visão do apocalipse” e passou o resto de sua vida tentando entender tal experiência. Seria o início de uma esquizofrenia aguda ou uma revelação genuinamente mística? ou, ainda seria o caso de perguntar, haveria alguma diferença?

Fullerton, Califórnia, março de 1974. “Extraí um dente do siso. eles Me deram uma quantidade tremenda de pentotal sódico. Voltei para casa morrendo de dor, mas não me receitaram nenhum remédio e, então, minha mulher ligou para a farmácia.”

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“sentia tanta dor que saí para receber a menina quando ela chegou. Ela usava o perfil de um peixe dourado em uma corrente ao redor do pescoço. o sol o atingia e ele brilhava, o que me deixou atordoado.”

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“ ‘O que isso quer dizer?’, perguntei a ela. A garota pegou o peixe radiante com a mão e disse: ‘É um símbolo usado pelos primeiros cristãos’. E então ela me entregou o pacote com o remédio.”

“Por algum motivo fui hipnotizado pelo peixe dourado brilhante. Esqueci da dor, do remédio, do motivo daquela garota estar ali. Fiquei apenas encarando o peixe.”

“Naquele momento, enquanto encarava o peixe brilhante e ouvia suas palavras, repentinamente senti o que mais tarde descobri chamar-se anamnese. Uma palavra grega que significa, literalmente, ‘a perda do esquecimento’.”

“Vi o mundo como era o mundo dos tempos dos cristãos apostólicos da Roma antiga, na época em que o símbolo do peixe ainda era usado.”

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“eu Me lembrei quem eu era e onde estava. Num instante, num piscar de olhos, tudo voltou. E não apenas me lembrava, eu via. A garota era uma cristã disfarçada e eu também. Vivíamos com medo de sermos descobertos pelos romanos. Tínhamos que nos comunicar em código. Ela havia acabado de me contar tudo isso. e era verdade.”

“só Durou alguns segundos. Entrei e tomei o remédio para a dor. estava com uma hemorragia. Sangrava muito e eu me sentia muito mal.”

“E então, um mês depois, aquilo começou a se infiltrar. Não havia como impedir. A transformação ocorrera e durou um ano… Eu via o mundo sob a ótica do apocalipse cristão.”

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“Não era uma realidade alternativa. Era algo que chamei de ‘constância transtemporal’. uma verdade eterna, como o mundo arquetípico de Platão, onde tudo era sempre aqui e agora. e tinha sido desse jeito porque deveria ser assim.” “Eu estava agindo normalmente. Não estava psicótico. Pude tocar meus negócios — na verdade, tocava-os melhor. Eu não estava na merda.”

“Não queria envolver minha esposa. Ela foi testemunha numa situação crucial, quando toda a informação sobre o defeito de nascença do nosso filho foi transferida para mim. Ela me viu sentado ali, ouvindo um disco dos Beatles no fonógrafo.”

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“Mas havia algum dinamismo, aquilo não era estático. o tempo existia, mas era um tipo de tempo diferente. Um tempo de sonho, onde ocorrem feitos históricos. Uma espécie de tempo mitológico, quando tudo assumia uma qualidade mitológica.”

“Aquilo invadiu a minha mente e tomou conta de meus centros motores, agindo e pensando por mim. Eu era apenas um espectador. Essa mente, totalmente desconhecida para mim, vinha equipada com um tremendo conhecimento técnico. Tinha lembranças datadas de dois mil anos atrás, sabia grego, hebraico, sânscrito… Parecia não haver nada que ela não soubesse.”

“Ela começou a colocar minha vida em ordem. Demitiu meu agente e meu editor. Minha esposa ficou impressionada com o fato de eu ter conseguido ganhar muito dinheiro muito rápido, devido à enorme pressão que essa mente exercia nas pessoas da minha área. Começamos a receber cheques de milhares de dólares. Dinheiro que me era devido.”

“Ele poderia ter morrido. estava sob perigo iminente. Era uma questão de tempo, apenas uma questão de tempo. Então eu estava sentado ali, ouvindo ‘Strawberry Fields Forever’ com meus olhos fechados quando, do nada, uma luz extraordinária me atingiu.”

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“Tudo que eu via era uma névoa rosa e a letra dos Beatles havia mudado completamente.”

“Eu literalmente vi a luz. Fui cegado e pensei: ‘deus, o que está acontecendo? Estou cego, minha cabeça dói, não consigo ver nada. Tudo que vejo é rosa.’ Uma imagem pós-fosfeno, como quando um flash de câmera dispara.”

“Eloi, a Eloi, lam i” an ba sa chth

“Saltei! Tess estava no outro quarto, trocando Christopher. entrei e disse: ‘Tess, ele tem um defeito de nascença que irá matá-lo! Temos que levá-lo ao médico.”

“Eu estava tão mal que não conseguia nem dirigir. então ela ligou para o médico e disse que era uma emergência.”

“Levamos ele ao cirurgião no dia seguinte e conseguimos agendar a cirurgia imediatamente. O cirurgião disse: ‘seu filho podia ter morrido a qualquer momento.’ ”

“Ela voltou uma hora depois, completamente pálida e Disse: ‘Ele tem mesmo uma hérnia no lado direito que desceu para a bolsa escrotal. Peguei o nome de um cirurgião, o médico disse que ele precisa ser operado imediatamente.”

“Mas isso foi só uma das coisas que aconteceram. Aconteceu muito mais. Essa foi só uma delas. Eu não estaria aqui sentado conversando com você hoje* se aquele fogo estranho e brilhante não tivesse aparecido e me acertado, atingindo paredes e atravessando as frestas das portas.”

*1981, entrevista com gregg rickman

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“Não há argumento racional que elucide o que era aquilo flutuando ao redor do meu quarto como o fogo de SantElmo e que, além do mais, pensava! Entrou na minha cabeça e me fez pensar! E não pensava o que pensamos.”

“Em uma das minhas experiências — era 1974 —, comprei um desses adesivos com o símbolo do peixe que vinha com letras gregas eo colei em minha janela.”

“olhava minhas anotações — já se passaram mais de sete anos e ainda faço anotações, tentando entender. Aquilo não pensava da forma como pensamos. Nós pensamos de forma digital, sintática, algoritmos inteiros, Aquilo não pensa em termos verbais. Pensa conceitos puros, sem palavras. Sabia sem precisar racionalizar. Transferiu conceitos para a minha mente que, em sete anos, ainda tento articular em palavras e que só agora me sinto capaz de reduzi-los.”

“um certo dia Eu estava sentado ali, até que a letra úpsilon, que se parece com um ípsilon maiúsculo, subitamente se tornou uma palmeira, o que fez abrir um mundo inteiramente mesopotâmico, no Oriente Médio...”

“Aquela personalidade tomou conta de mim gradualmente por um mês e então por cerca de um ano eu fui aquela outra pessoa. Era tão engraçado — eu conseguia captar seus pensamentos enquanto estava adormecendo. então, uma noite, captei pensamentos, que diziam: ‘Tem alguém mais na minha cabeça e ele está vivendo em um outro século’, se referindo a mim.”

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“Eu finalmente encontrei um modelo que foi sugerido por um professor amigo meu. Funcionava como um computador binário que trabalhava numa pulsação frenética de ‘liga’ e ‘desliga’. Não era uma mente como a que nós temos.”

“pensei: ‘Nem me fala! Posso dizer o mesmo!’ No início ele achou que ainda estivesse em Roma. Ele tinha entendido tudo errado. Ele achava que os romanos iriam encontrá-lo, que tínhamos que desenvolver códigos elaborados e coisas do tipo para escaparmos dos romanos.”

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“Ele tentou falar disso com a Tess, mas ela continuava dizendo: ‘não há romanos! Roma caiu 1600 anos atrás!’ ”

“Ele tinha a sensação de viver em um regime assassino — não apenas opressor, mas assassino! pensava que o cristianismo era uma religião ilegal. ele estava com medo de morrer por ser cristão, era isso que lhe assustava. A coisa mais extrema.”

“Acho que o espírito de Elias veio para mim em 1974. Aquele coração e espírito voltou para mim. Eu realmente acredito nisso, pois aconteceu na Páscoa Judaica. Havia uma espécie de espírito vigoroso em mim, , que não era eu e, ainda assim, era humano, ainda que fosse mais do que humano.”

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“ ‘Não, não!’, ele dizia, ‘olha, quando eu ponho o dedo num botão da minha camisa, isso quer dizer que estamos na presença de uma mente conservadora e nós não podemos conversar.’ ”

“Ele estava bem confuso pelas situações sociais ao seu redor. vivia tentando interpretar tudo em termos greco-romanos. Ele não conseguia controlar o carro, não entendia para que serviam os pedais e todo o resto. Então tive que parar de dirigir por um tempo.”

“Foi Tom Disch quem primeiro me sugeriu o que talvez poderia ser aquilo. Depois de ouvir a descrição da minha experiência no final de 1974, ele disse que parecia com o enthousiasmós * de Elias e eu gostei daquela ideia. Ela me pareceu agradável.”

*Enthousiasmós : A entrada dos deuses no indivíduo. receber o espírito santo

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“É como receber o espírito santo. Acho que poderia ser algo assim. Eu simplesmente poderia ser um cristão carismático. Não sei. apenas NÃO acho que seja o espírito santo. Acho que é Elias ou... O espírito de Deus. Bem, talvez SEJA o espírito santo. não sei. Como saberia? Digo, quem pode dizer que é um deles? Não há livros de referência que poderiam ser consultados para termos certeza.”

“Acredita-se que o espírito de Elias volta à Terra de tempos em tempos para se introduzir de novo entre os seres humanos. e eu meio que gosto dessa ideia. ela é repleta de significado para mim.”

“Só sei que algum tipo de espírito tomou conta de mim. E, por meio dele, pude solucionar problemas e preocupações, coisas que não conseguia fazer. ele Parecia ser capaz de discernir qualquer coisa que via.”

“na verdade, cortaram sua cabeça e, por acaso, sonhei com isso. Estava em uma masmorra romana e eles vieram e cortaram minha cabeça. Pegaram um cabo e me penduraram por ele. Sonhei com isso e essa era uma lembrança da minha vida. Eu era João Batista tendo minha cabeça decepada.”

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“Eu tenho uma fantasia grandiosa de que o espírito de Elias me possuiu e eu proferi profecias. Mas por quê?”

“Porque as profecias tinham de ser cumpridas: primeiro, que Elias voltou; segundo, que a boa nova seria revelada, e foi isso que João Batista fez por Jesus. E, ao fazer isso, desapareceu.”

“Eu lembro deles vindo em direção à cela, me pegando e cortando minha cabeça fora. Foi horrível. E você sabe o que fiz quando eles entraram? Eu os xinguei com toda a fúria que tinha. Eu não os amava de forma alguma. João era uma pessoa muito explosiva, bastante vulgar. ele Era Elias e era eu!”

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“Eu perguntei ao I Ching se de fato a ‘Parousia’ (a Segunda Vinda) estava acontecendo, se Cristo tinha voltado. Tirei ‘o escurecimento da luz’ e o seguinte verso, na única vez que o tirei:”

“A voz que eu ouvia, que eu chamava de ‘A voz de I.A.’* é a voz que Elias ouvia. Uma pequena voz estática, uma vozinha murmurante, Falando numa voz feminina. Eu a ouvia falar.” O tempo que você esperava chegou. Seu trabalho aqui está completo. O mundo final está aqui. Ele foi transplantado e está vivo!

O escurecimento da luz machuca na coxa esquerda. Ele ajuda com a força de um cavalo. Boa sorte.

* Inteligência Artificial “Aqui o senhor da luz está em um lugar subordinado e foi ferido pelo senhor das trevas, mas o ferimento não é fatal. É só um arranhão. Portanto, ele tenta com todas as suas forças salvar tudo que pode ser salvo. Há um bom presságio. Interpreto essas palavras como se dissessem que Cristo realmente voltou. O senhor da luz é o Cristo que veio para cá e subordinou a si mesmo. O salvador, percebe?”

“Em 1976, eu tentei me matar porque senti que o espírito de Elias havia me abandonado. Eu o senti sair e foi terrível. Não há nada pior no mundo, nenhum castigo maior do que conhecer Deus e deixar de conhecê-lo. As vozes pararam de falar comigo. Eu não me importava se estava vivo ou morto.”

“O senhor das trevas é muito forte. há adversários poderosos, que não abdicarão de seu interesse por poder voluntariamente. O poder deve ser tomado deles. Estamos em uma situação de crise que este planeta nunca viu antes. há lunáticos no poder, com a capacidade de explodi-lo. assim, se nos livrarmos desses, o planeta sobrevive e a ecosfera não é destruída.”

“Na essência, servi ao meu propósito em Fluam, Minhas Lágrimas, Disse o Policial (um dos livros em que há uma ‘cifra’, uma mensagem secreta profética destinada a um ‘povo específico’ e de que Dick não tinha conhecimento quando escreveu o livro em 1974). Eu me recuperei da tentativa de suicídio, mas se eu não houvesse me recuperado, tudo teria continuado sem mim.”

Eloi, Eloi, lama sabachthani!*

*Meu Deus, Meu Deus, por que me abandonaste?

Nos últimos meses de vida, Dick enfim localizou o que ele considerava ser o “Maitreya”, o mais provável candidato para ser o Cristo retornado. em meio a seu entusiasmo fervoroso, porém, sofreu um derrame e morreu após dezesseis dias, em 2 de março de 1982.

Fim

Boa parte do diálogo foi retirada de Philip K. Dick: The Last Testament ©1985, Gregg Rickman. Publicado pela Fragments West / The Valentine Press. Tradução: Alexandre Matias. Preparação e Letras: Studio DelRey

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