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Qwertyuiopasdfghjklzxcvbn mqwertyuiopasdfghjklzxcvbn mqwertyuiopasdfghjklzxcvbn mqwertyuiopasdfghjklzxcvbn mqwertyuiopasdfghjklzxcvbn mqwertyuiopasdfghjklzxcvbn Retrato Escrito mqwertyuiopasdfghjklzxcvbn Dalton Paulo Kossoski

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Ficha Catalográfica KOSSOSKI, Dalton Paulo. Retrato Escrito (2021: Ponta Grossa, PR). 88 p. il. ; p&b. Diagramação: Matusalem Vozivoda Revisão: Márcia Filipak


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Sumário PREFÁCIO.................................................................................................

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CAPÍTULO I ..............................................................................................

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CAPÍTULO II .............................................................................................

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CAPÍTULO III ........................................................................................

46

CAPÍTULO IV .........................................................................................

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CAPÍTULO V .........................................................................................

52

CAPÍTULO VI ........................................................................................

57

CAPÍTULO VII .......................................................................................

58

CAPÍTULO VIII .....................................................................................

73

CAPÍTULO IX ........................................................................................

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CAPÍTULO X .........................................................................................

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CAPÍTULO XI .........................................................................................

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CAPÍTULO XII .......................................................................................

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POSFÁCIO.............................................................................................

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AGRADECIMENTO.................................................................................

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Prefácio lá, Meu nome é Dalton Paulo Kossoski. Nasci em 11 de janeiro de 1985 com hidrocefalia. Os médicos de Ponta Grossa não conseguiram detectar a minha doença nem formular um diagnóstico preciso. Por isso, com apenas 11 dias de vida, os meus pais, Antônio e Lídia, me levaram à Curitiba para ser operado no hospital Nossa Senhora das Graças. Os cirurgiões, então, começaram a operação. Abriram minha cabeça procurando a “raiz do problema”. Uma junta médica, liderada pelo Dr. Sérgio Antoniuk, trabalhou nisso durante muito tempo. Meus pais, tensos na sala de espera. Ao final da cirurgia, os médicos puseram dentro da minha cabeça uma válvula, que serviu para drenar toda a água do cérebro. É um mecanismo que começa nesse dreno, com uma mangueirinha descendo até o meu estômago. Os médicos realizaram a cirurgia com sucesso! A ideia de fazer uma autobiografia nasceu quando meu vô morreu. Todos os parentes estavam reunidos no velório e a tia Luciana me disse que eu deveria escrever a história da minha vida: contar sobre a cirurgia e a minha superação dia a dia. O projeto “autobiografia”, então, surgiu em 2009, quando eu terminei o curso da faculdade. Eu já vi e vivi muitas coisas, já experimentei várias sensações e, a sugestão da tia Luciana no funeral do vô Pedro, foi o empurrãozinho que eu precisava pra começar a pensar em pôr num livro todas as minhas experiências. Depois daquilo, fiquei ainda uns anos amadurecendo essa ideia “em banho-maria” até colocá-la em prática. Decidi escrever a história da minha vida para mostrar às pessoas como tem sido a minha trajetória, as aventuras que experimentei por aí. Espero que você goste do que vai encontrar nas próximas páginas. Apesar da doença, eu cresci, frequentei a escola e estou me desenvolvendo pessoal e profissionalmente – na verdade, eu não tenho mais essa doença! Sou feliz, porque tenho meus pais e muitos amigos que me apoiam aonde quer que eu vá e o que quer que eu faça. Eu tenho uma válvula instalada dentro de mim, mas isso não impede o meu relacionamento com as pessoas que amo. Vi o preconceito no modo como alguns indivíduos não souberam

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lidar comigo e isso me magoou grandemente. Mas, “águas passadas”! Vou vivendo a minha vida alegremente, gosto de ler, de escutar música, tocar guitarra e de ter minha família e amigos sempre por perto. Já conheci muita gente: os colegas da escola, da faculdade e do trabalho e todos me receberam muito bem e me ajudaram nas tarefas que eu não conseguia executar sozinho. A mãe me levou por uns anos a uma clínica para fazer fisioterapia e os exercícios fortaleceram meus braços e pernas. A Clínica Pontagrossense foi um dos lugares onde fiz esses exercícios de fortalecimento. Eu ia até lá com as outras pessoas que precisavam de fisioterapia, na ambulância do seu Miguel. Durante as viagens, nós conversávamos sobre vários assuntos. Um dia, um vizinho me deu de presente um jogo de dominó bem bonito, numa caixa azul, chique, fechada com botão. Como diz meu pai: “Coisa fina!”, e nem era meu aniversário! A esposa dele vendeu pra mim uma bicicleta ergométrica para eu fazer exercícios em casa, quando o contrato da prefeitura com o transporte da clínica acabou. Mas a Lídia ainda me levava à fisioterapia. Eu era bem novo, minhas pernas ainda não eram firmes para andar e a mãe me carregava no colo. Dalton era uma “criança de colo” até os 13 anos! Ela me levava a pé para a clínica. Até que um dia, andando comigo nos braços, ela caiu na calçada. Machucou feio o joelho. Depois, em casa, é que ela foi ver a gravidade, o joelho ficou uma “bola” e arroxou a perna. Mas quando ela foi ao médico tratar o ferimento, passou uma pomada no local e o joelho foi voltando ao normal com o tempo. Ela não reclamou da dor no dia da queda, mas eu disse “Ai!” A mãe achou estranho, quem caiu foi ela e quem reclamou de dor fui eu. Chegando à clínica, nem peguei nos exercícios. A mãe quis que o médico me examinasse. Ele chegou perto de mim, olhou bem dentro do meu olho (a parte branca dos meus olhos estava começando a ficar amarela...) e disse: “Olha, mãe, eu não sou especialista, mas acho que seu filho está com hepatite”. Naquela vez eu não fiz exercício, o fisioterapeuta avisou rapidamente ao motorista que me levasse ao hospital a fim de ser examinado por um especialista. Nos dias que se seguiram, eu fui ficando cada vez mais amarelo, sem vontade de assistir TV, só queria ficar deitado. A mãe colocou um colchão na sala. Alimentavame só daqueles docinhos de abóbora em formato de coração e tomava chá VOLTAR AO SUMÁRIO

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de picão. Também comia bastante fígado, no almoço e na janta, pra “repor” forças ao meu que estava fragilizado devido à doença. Só fiquei barrigudo. Imagine: magrinho e barrigudo! O picão era uma plantinha da qual a mãe nunca tinha ouvido falar, mas o Danilo a ajudou, indicando um terreno perto de casa onde cresciam muitas dessas plantas. No meu banho a mãe derramava água na banheira e um monte de picões. Pra evitar o contágio entre meus familiares, eu usava tudo separado: garfo, copo, prato, guardanapo, toalha de rosto e toalha de banho. A mãe lavava tudo ou jogava fora depois do meu uso, até o lençol de cama que ficava todo amarelado no dia seguinte à uma noite de sono. “Sorte” que me deu hepatite num período de férias, de janeiro a fevereiro. Quando as aulas recomeçaram já estava totalmente curado. Mas antes de frequentar a clínica do Dr. Carlos, esse era o nome do médico da Clínica Pontagrossense, eu ia a outro lugar fazer fisioterapia. Quando era bem menor, conheci a Dra. Sílvia, seu sócio e o consultório deles: uma casa cor-de-rosa grande. A mãe, eu, e o Danilo íamos lá de ônibus, na mesma viagem que a gente conheceu a Carla e a família dela. Num primeiro momento naquela casa, fui entregue às mãos do sócio da doutora pra ele estimular as minhas perninhas com exercícios. Não gostei muito da cara do sujeito. Era um japonês. Não lembro o nome dele. Ele me pegava e começava a mexer comigo, sem dar um agrado, até sem jeito com a criancinha, sei lá! Eu tinha trauma de ver pessoa de roupa branca, me assustava muito. Começava a chorar e ele me entregava à mãe que me ninava e balançava pra me acalmar. Uma porção de vezes isso se repetiu até que o japonês desistiu de tentar fazer exercícios em mim. E me entregou pra moça loira de olhos azuis. Daí eu já gostei. Porque ela soube lidar comigo, me pegava no colo todo dia antes de começar a sessão de exercícios. Levava até uma sala cheia de doces. Oferecia-me um pirulito. Dizia que não era pra chupar na hora, só quando terminasse a fisioterapia. Eu ficava segurando o doce enquanto a “tia Sílvia” exercitava as minhas pernas. O Danilo gostava de ir a essa clínica conosco porque, enquanto eu ficava com a fisioterapeuta, ele montava quebra-cabeças de madeira numa sala daquela casa. Sou alegre, extrovertido, gosto de passear e amo o meu trabalho!

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Capítulo I ntes de falar dos meus anos de escola, no ensino regular, eu quero falar dos meus tempos de APACD. Na Associação de Pais e Amigos das Crianças Deficientes, eu passei um bom tempo da minha vida. Gostava muito das tias. Depois de um tempo conhecendo a Nice, chegou lá pra trabalhar outra mulher que também se chamava Nice. Eu, pra diferenciar uma da outra, chamava-as de tia Nice 1 (a que trabalhava lá há mais tempo) e tia Nice 2 (que era a recém-chegada). Nessa instituição eu tinha aulas com a tia Sônia e outras professoras. As tias Nice e Ivone ajudavam a levar as crianças ao banheiro e ao refeitório, na hora do almoço e do lanche da tarde. Fisioterapia para as crianças, psicóloga, dentista e ortopedista. Era muito bom ter todos esses profissionais por perto. Tive uma infância boa. Danilo, meu irmão e meus outros amigos me ajudando sempre que necessário. Na escola, eu também tinha muitos colegas que me auxiliavam. Na Vila Vendrami, onde morávamos, a mãe quis me matricular no colégio em que o Danilo estudava. A diretora disse à mãe que eu precisaria frequentar uma classe especial, e disse mais: que o Instituto de Educação oferecia o ensino voltado à crianças deficientes. Um pouco antes disso na APACD, as “tias” Sônia, Ivone e Nice falaram a mesma coisa – que eu já tinha passado muito tempo lá (dos 11 meses aos 8 anos de idade) e que eu teria que estudar em outro lugar. Foi assim que, depois de procurar, sem sucesso, vaga pra mim na escola em que o Danilo estava, acabei sendo matriculado no I.E. Na 8ª série, acostumei a chamar a escola apenas pela sigla. Fui me desenvolvendo cada vez mais nos estudos e fazendo uma porção de amigos enquanto estive no I.E. O Instituto é bem grande. Os professores, muito competentes. Aprendi muitas coisas lá, não só os ensinamentos deles, mas também com a socialização dos amigos da turma. Quando estava no primário, havia uma parede com porta separando essa primeira fase escolar do “ginásio”. Engraçado: naquele tempo, pensava que essa palavra denominava somente um “ginásio de esportes”. Ou então, que na segunda fase escolar só existia

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aula de Educação Física... Dá até pra dizer que eram duas escolas em uma, pois o primário tinha sua própria diretora e vice. Uma delas se chamava Anelize. Não lembro o nome da outra funcionária. Enquanto o diretor Josué e o seu vice comandavam a “outra escola”. Passada a fase primária, ingressei no ginásio, conheci o diretor Josué: um homem simpático, mas era “linha dura” com os piás malandros que ficavam pelos corredores, mesmo depois de ouvirmos o sinal tocar, anunciando o início de mais uma aula. Ele os advertia: “o quê que vocês estão fazendo fora da sala? O sinal já tocou! Já pra dentro!” O zelador Osvaldo, que recolhia as carteirinhas de todos os alunos na entrada e devolvia na saída, as salas de vídeo, para onde alguns mestres nos levavam assistir filmes, laboratórios e biblioteca. O saguão da APACD era bem espaçoso. Tinha uma parede ampla toda coberta por um quadro que mostrava muitas árvores, uma floresta densa. Eu achava bonito, gostava muito de ficar vendo aquele painel, aquela imagem me transmitia uma paz e um desejo de estar no meio daquela floresta. Até que as funcionárias levavam as crianças através dos corredores que se abriam dos dois lados daquele painel de floresta para chegarmos às salas de aula. A APACD é bem grande, tinha piscina, sala de Informática e uma oficina nos fundos. A área da piscina era legal, eu via pela janela do corredor, tinha umas espreguiçadeiras em volta, só que, que eu me lembre, eu nunca nadei naquela piscina, ela estava sempre coberta com uma lona. Eu e as outras crianças visitávamos a oficina do seu Leônidas todo dia, ou toda semana. Eu não lembro bem com que regularidade as tias nos levavam até lá. Eu mexia com argila, apertando-a como se fosse massinha de modelar. Não lembro o que eu moldava com a argila. Talvez ficasse apertando-a como um exercício pra fortalecer os músculos das mãos, sem modelar nada específico. Via os trabalhos de artesanato pendurados nas paredes. Quando estava na APACD e até anos depois da minha saída de lá, usava botas ortopédicas produzidas naquela oficina. O seu Leônidas fazia os calçados que vinham com palmilhas. Calçados especiais pra endireitar os meus pés tortos. A mãe ia lá toda vez que era preciso aumentar o número do sapato. O Danilo dizia “botas de ferro” porque aquilo era superpesado. Voltei àquele lugar muito tempo depois na comemoração pela Semana Dalton Paulo Kossoski

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do Deficiente pra contar sobre a minha vida, a minha profissão e a minha superação, quando trabalhava como professor. A palestra foi no auditório. As mães dos alunos assistiram junto com seus filhos. A psicóloga da instituição estava discursando quando eu entrei. Depois que terminou de falar, ela sentou-se perto das mães de alunos pra ouvir o que eu tinha a contar. Foi muito bom aquele encontro. Foi emocionante aquele momento, revisitar depois de décadas a primeira instituição de ensino que frequentei. Agora, na condição de palestrante, eu estava ali, recebendo a atenção do público. Uma coisa importantíssima pra mim!

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Capítulo II ive uma professora na UEPG, da disciplina de Literatura Brasileira, que disse uma vez, “é nos momentos difíceis que a gente produz mais”. Ela contava pra minha turma como foi o processo de escrita do seu Trabalho de Conclusão de Curso, quando a mãe dela estava doente no hospital. A professora Marly – do tempo da minha faculdade – é muito legal. Nas aulas de Literatura Brasileira, ela sempre contava algo mais do que apenas o tema da aula, que era o momento literário em que um determinado escritor vivia. Esse “algo mais” não era sobre literatura. Era só uma história pra distrair um pouco do tema principal que a professora ensinava. Uma reflexão sobre o casamento. Uma demonstração de como as pessoas são e como a vida é. Dizia a professora Marly que, no casamento, o homem se casa com a mulher e a mulher se casa com o homem. Mas, além disso, ela se casa com a própria cerimônia! Passa um bom tempo folheando as “revistas de noivas” para escolher entre os vários modelos de vestido o qual irá usar no casamento. Escolhe também o tipo de bolo e os ornamentos para enfeitar a igreja. Enfim, é assim que a noiva procede no dia mais feliz da sua vida... Todos os professores que me deram aula na UEPG foram ótimos. Eu gostava do modo como ministravam as aulas e organizavam cada tema a ser estudado, mas também aprendi a admirar a pessoa por trás de cada um desses profissionais. Talvez seja por isso que o setor do curso de Letras se chama de Ciências Humanas: porque o caráter humano anda lado a lado com o caráter profissional do indivíduo. O professor Bira também era excelente e me acompanhou nos quatro anos do curso. Eu o escolhi como orientador do meu TCC. Mas, por que já estou escrevendo sobre os meus tempos de faculdade, dando um salto temporal, ao invés de seguir a minha autobiografia de forma cronológica? Ah, sim, eu dizia sobre o contexto em que a ideia pra essa história nasceu e, fazendo um paralelo com o drama pessoal de uma professora, acabei falando sobre outro professor, o Bira. E assim, um assunto puxou o outro... Bem, voltando a escrever de forma cronológica...

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A minha primeira professora no Instituto de Educação, Maria Rita, foi uma segunda mãe pra mim. Quando nem existia ainda uma lei que falasse sobre inclusão, ela aceitou prontamente um aluno deficiente físico na sua turma de ensino regular. A professora já tinha outro aluno, o Marcos, deficiente auditivo a quem ela também dava aula numa outra escola. Ela me levava no colo da sala de aula ao banheiro e ao recreio. Às vezes, se comunicava com o Marcos em LIBRAS (Língua Brasileira dos Sinais), pedindo a ele que me pegasse no colo. Quando os meus outros coleguinhas disputavam, quase entravam no tapa mesmo, pra ver quem ia me ajudar e ela sempre ganhava as discussões. Mas, um dia o Isaías, que tinha a minha idade na época, 9 anos, resolveu me pegar no colo. Resultado: nós dois caímos no chão. Ele por cima de mim e eu levei a pior. Bati o queixo no piso. Quase quebrei a mandíbula. Meu queixo ficou bem roxo. Depois da queda, nós voltamos à sala de aula, como se nada tivesse acontecido. A professora não notou o meu queixo machucado e continuou a lecionar tranquilamente. Quando a minha mãe foi me buscar na escola e viu meu queixo, cuja coloração já tinha passado do roxo ao preto, ela me perguntou o que tinha acontecido. “Eu caí”, falei. A mãe disse: “E você não chorou?” E eu respondi: “Não. Eu sou homem. Homem não chora!” Mas, hoje em dia eu sei que homem chora sim, pra demonstrar sentimentos. Não há nada de errado nisso. É que naquela época eu só tinha 9 anos e não sabia nada da vida... No Instituto de Educação, ainda no primário, depois do episódio do queixo quase quebrado, passei por várias outras situações, menos dolorosas dessa vez. Durante essa fase primária da minha vida escolar, eu já fui “esquecido” muitas vezes no pátio da escola pelos colegas. Quando tocava o sinal para o recreio, eles saíam da sala conduzidos pela professora, iam lanchar e depois brincar. Quem me ajudava a chegar até o pátio me colocava sentado num dos bancos e eu comia o lanche. Depois, eu ficava observando a minha turma correr pelo pátio, jogar bola, três-marias ou amarelinha. E já dava o sinal de retorno às salas de aula. Os meus colegas voltavam para a sala e... me abandonavam! Só depois de todo mundo acomodado em suas carteiras, prestes a retomar os estudos, alguém perguntava “Cadê o Dalton?!” E lá ia a professora em minha busca, me encontrava sentado no mesmo lugar onde os meus colegas haviam me deixado. Eu não me queixava. Pelo tempo VOLTAR AO SUMÁRIO

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que eu ficava no pátio, dava pra eu comer e repetir o lanche. Mas eu não reclamava porque eu gostava desses minutos a mais antes de voltar à sala de aula... olhava com curiosidade aquele espaço amplo do pátio: num canto, um balcão atrás do qual uma “tia” vendia doces que a criançada comprava, a “tia do sinal”, que andava de lá pra cá, satisfeita consigo mesma, após cumprir o seu dever diário, o de balançar o instrumento que lhe fazia conhecida. Era uma estrutura de mais ou menos 10 centímetros, um reluzente sino dourado de (eu imaginava) 5 centímetros acoplado a um bastão de madeira de igual comprimento. E a “tia” Sirlei, era esse o nome dela, agitava aquele sino com vigor, tanto na hora das crianças irem ao pátio quanto na hora em que o recreio terminava. Eu ficava admirado com aquilo. Vi e vivi muitas coisas interessantes na escola. Certa vez em que, na inocência dos meus 11 anos (3ª série), eu me enamorei de uma colega de sala. Cheguei em casa e disse pra mãe que eu tinha uma namorada, disse o nome da menina, Emanuele. A mãe argumentou que eu era muito novo pra pensar em namorar e, por enquanto, pelo longo período que se estendeu do primário até o 2º grau, eu só deveria pensar em estudar e “minhas únicas namoradas” seriam os cadernos e os livros. De fato, as capas dos meus cadernos no Ensino Médio mostravam fotos de atrizes da TV: Luana Piovani, Adriane Galisteu, Sabrina Parlatore, Ana Paula Arósio, e outas famosas e lindas da época. O período do 1º ao 2º grau não foi tão longo, pois eu fiz a “Correção de Fluxo”, matando dois coelhos com uma cajadada só, vencendo quatro anos em apenas dois. Assim, eu estudei 5ª e 6ª série num ano e 7ª e 8ª no ano seguinte. Acho que a Correção de Fluxo existiu por um curto período, ou só pelos dois anos que eu participei porque depois eu não ouvi mais falar disso. Eu tinha uma certa vagareza em copiar as matérias que as professoras passavam no quadro. Por essa razão, na época da Correção de Fluxo, eu recebia fichas com a matéria impressa. Só precisava colá-las no meu caderno e estudar. Mais tarde, já no Ensino Médio, 2º grau, a Larissa, uma colega da turma, percebendo a minha demora em escrever o conteúdo das aulas no caderno, resolveu me ajudar: todo dia, no fim da aula, ela perguntava se eu tinha conseguido copiar tudo. Eu dizia que não e ela terminava pra mim. Tocava o sinal, a professora entrava na sala, eu começava a copiar a matéria, emprestava Dalton Paulo Kossoski

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meu caderno pra Larissa e ela me ajudava. Os professores também cooperavam: eram eles que, de início, pediam pra menina copiar o resto da matéria pra mim, faltando 10 minutos pra aula acabar. Com o tempo, a Larissa não precisava mais da sugestão de algum professor: assim que o sinal tocava, era só eu tirar o meu caderno da mochila e a minha colega já pedia emprestado. Copiava tudo no caderno dela e depois passava a matéria no meu. Quando terminava, me entregava um caderno com letras desenhadas, um texto todo enfeitado, um “C” repleto de voltas, um “S” cheio de curvas, tanto que demorava um pouco pra eu perceber que letra era... Pegava o caderno de volta, agradecia a amiga e admirava sua rapidez em passar a matéria no seu caderno e depois no meu, faltando poucos minutos pra terminar a aula. Era bonito de ver a amizade que os colegas de turma do Instituto de Educação me dedicavam... Três amigos que me marcaram nesse tempo foram a Larissa Bairros, a Maria Gisele e o Luís Antônio. A Maria Gisele se revezava, às vezes, com a Larissa para copiar a matéria das aulas no meu caderno. O Luís tocava violão e, toda sexta-feira depois do recreio, como as duas últimas aulas eram “vagas”, formava-se uma roda de cadeiras em torno do cantor da turma. E ele animava os colegas com suas músicas. A gente escutava o Luís tocar e cantar, cantávamos junto, até a minha mãe ir me buscar. Esse era o nosso sarau. Era muito bom! Desse tempo, também me lembro da Luciane Martins. Ela era outra boa amiga que ajudava a passar no meu caderno o assunto das aulas. Somos grandes amigos e fizemos faculdade na mesma época, eu de Letras e a Luciane de Geografia. A Luciane era uma amiga de turma muito especial. Ela conversava bastante comigo na hora do recreio. Nós também trocávamos ideias antes do sinal da primeira aula, assim que a gente entrava na nossa sala. Uma vez, era no inverno, ela pegou em minhas mãos e – sentindo-as frias – me emprestou suas luvas pra usar durante a aula naquele dia. Parece até que me deu um par que tinha sobrando. Mas as luvas eram “sem dedos”, moda feminina da época. Não me acertei com elas! O tecido só cobria as palmas e justamente as partes mais geladas das minhas mãos eram as que ficavam expostas! Pra mim aquele design não serviu. Depois do Ensino Médio, nunca mais tive notícias do Luís Antônio VOLTAR AO SUMÁRIO

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Padilha... Ainda tenho contato com a Larissa que mora e trabalha no Mato Grosso do Sul e com a Maria Gisele que deve morar em Ponta Grossa, por meio do Facebook. Os meus colegas eram todos muito legais, não só os que eu citei. O Danilo disse uma vez que Luís Antônio Padilha parece nome de personagem de novela mexicana. O Luís veio aqui em casa uma vez e fez comigo um trabalho de Física, pra uma Feira de Ciências na escola. Meu pai, eletricista aposentado, nos ajudou no projeto de montar um motorzinho elétrico. Quanto ao nome do meu amigo, o Danilo disse aquilo que está escrito no começo do parágrafo, influenciado por um canal de TV que passava sempre, e ainda passa, “novelas importadas” do México. Assim, ele achava que os nomes dos personagens da obra televisiva soavam parecidos com o nome do meu amigo. Outra pessoa excelente que conheci no Instituto de Educação foi o professor Ricardo. Eu estava ansioso por começar a aprender Inglês. Estava na 4ª série e já perguntava pra minha mãe quando iria começar a aprender a língua estrangeira. Ela disse: “No ano que vem você vai aprender Inglês”. Dito e feito! Na 5ª série iniciei os meus estudos de língua estrangeira com um dos melhores professores que eu já tive! Todo dia ele entrava na sala, escrevia no quadro um versículo da Bíblia em inglês e depois passava à matéria: a letra de uma música pra gente traduzir. Eu me lembro da trilha sonora do Rei Leão que ele passou, a composição do Elton John. Quando tocava o sinal de término da aula, o prof. Ricardo ficava conversando com a turma na porta da nossa sala até a chegada do próximo professor. A professora Aparecida ensinou Inglês no ano seguinte, também por meio de letras de músicas. Alguns professores do I.E. eu reencontrei anos depois como meus colegas de profissão, como a Ivana Lascosk, que dava aula de Educação Artística na minha escola e era professora de História no colégio Espírito Santo. A Ana Maria Czelusniak, era professora de Português, tanto numa escola quanto na outra. E a professora Cida, que eu vi anos depois do Instituto numa outra escola onde eu trabalhava. No IE, o professor Ricardo nos passou a tradução de Imagine, canção do John Lennon. A turma foi levada à sala de vídeo pra assistir Titanic. Dalton Paulo Kossoski

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As meninas amaram a historia de amor, mas os piás não gostaram muito. Em outra aula ele estava lendo com a gente um texto sobre chimpanzés e a inteligência desses animais. Explicava, como a figura que acompanhava o texto mostrava, que pra caçar formigas, o animal lambuza um graveto com mel e o coloca dentro do formigueiro. Os insetos grudam nele e assim o macaco os caça. O professor disse, então, que o animal é tão inteligente porque o seu DNA é 98% parecido com o humano. A professora Aparecida nos ajudava a traduzir as letras da Madonna e da Celine Dion. Aliás, essa é a cantora da música do filme Titanic. E nos falou sobre o livro Viagens de Guliver, de Jonathan Swift. A professora Ana Maria, desculpe, mas eu não lembro muito bem dos temas de suas aulas, tantos anos já se passaram... Sei que um dia ela disse que algumas pessoas a chamavam de Xuxa, porque ela é loira de olhos azuis. Lembro-me de fazer um exercício (será que foi na aula dela?) no qual eu escrevi a bula para um remédio inventado, o Daltônico. Ou Dal Tônico. Um fortificante. Terminei o 2º grau e a mãe disse que já dava, então, pra eu parar de estudar. Já tinha concluído o Ensino Médio mesmo! Mas eu não parei, quis continuar estudando. O Danilo fez vestibular e estava na faculdade, por que eu não poderia? Esse foi o meu argumento pra mãe. Fiz o vestibular a primeira vez sem preparação nenhuma, só pra ver como é que funcionava o concurso, as provas. A segunda vez, eu já tinha estudado as apostilas do cursinho do Danilo do colégio Marista. Já fui melhor nas provas. Mas, a terceira vez que eu ia fazer vestibular, minha mãe contou pra dona Carmen, vizinha, e a Kauana, filha dela, se ofereceu para ajudar. Ela me emprestou as apostilas de quando tinha feito cursinho no SEPAM. Uma pilha de 12 livros com todas as matérias pra eu estudar. Eu estudava muitas horas por dia. Lia, não só as três matérias que constavam das provas do curso que eu queria, mas estudava todas as outras também. O esforço valeu a pena! Passei na 3ª vez e comecei o curso de Letras Português / Inglês. Tinha umas matérias difíceis, outras mais fáceis, mas a despeito da minha deficiência, eu tirei tudo de letra! Desculpem o trocadilho. O pai me levava pra fazer o vestibular. Depois o Danilo me levava de carro pra faculdade no 1º ano do curso e o pai, do 2º ano em diante. VOLTAR AO SUMÁRIO

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Ao mesmo tempo em que eu fazia o curso de graduação na UEPG, me matriculei num curso particular de inglês no CCAA. Não que a professora Anna Helena da universidade não ensinasse bem, não é isso. Ela foi uma ótima professora. Só que eu quis passar pelo inglês do CCAA também. Lugar legal, a parede do saguão coberta de certificados internacionais dos professores. Lá eu fiz seis meses de curso com o prof. Adriano Cogo. Uma escola bem interativa, gostei! O Danilo estudava junto comigo. Ao final de seis meses de estudo, o Danilo teve que parar com o CCAA porque o trabalho dele no Jornal da Manhã estava muito puxado. Eu dei um tempo no curso particular de inglês e fiquei só com a faculdade. Depois de alguns anos, voltei ao CCAA, na turma da profª Consuelo. Aulas interessantes, com vídeos (situations) para os alunos aprenderem melhor, testes orais, e outros recursos. A professora Consuelo passava uma história pra gente, pausava o vídeo depois de cada fala do personagem, fazia cada aluno repetir. O material didático era um textbook, livro com os diálogos que a gente assistia na sala de aula, um workbook, (livro de tarefas de casa e um CD com os diálogos. A cada dois meses a professora recolhia as folhas da tarefa que a gente destacava do livro e entregava e ela dava a nota. Fácil pra mim era fazer a tarefa. Difícil era destacar as folhas, pois o livro tinha uns grampos de plástico que as juntavam. Isso compunha o workbook. A professora me ajudava na tarefa de remover aqueles grampos compridos, recolher as páginas de exercícios e depois recolocar aqueles grampos presos nos dois lados do livro, na capa e na contracapa. Que trabalho engenhoso! As aulas no CCAA eram excelentes! Na universidade a professora Maísa ministrava a disciplina de Didática e me ensinou os fundamentos de como ser professor. Ela me deu aula só no primeiro ano de Letras, senti um pouco a falta dos seus ensinamentos nos outros anos. Por exemplo, ela não ensinou a turma a preencher o Livro de Chamada. A parte burocrática do trabalho do professor. Só quando eu cheguei às escolas, fui aprender a preencher o Livro de Chamada na prática. A mãe escrevia nele pra mim porque a minha coordenação motora não ajudava. Eram quadradinhos bem pequenininhos pra marcar C, para a presença do aluno, ou F, para a falta. Eu não sei o porquê era “C” e não “P” para “Presença”. A profª Maísa ensinou muitas coisas em 2006. Ensinou sobre avaliação, Dalton Paulo Kossoski

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passou pra turma um vídeo sobre a Escola da Ponte, em Portugal – uma escola onde os alunos ajudam na organização dos espaços – e fez a gente montar o Livro da Vida. Recortes dos momentos mais marcantes de cada um naquele ano. Foi então que eu conheci o portfólio, onde eu iria montar o dito Livro. A professora mostrou outros Livros como modelo da turma de Pedagogia para a qual ela dava aula também. Depois fui pondo mãos à obra: durante o ano de 2006, ia juntando textos de revistas, outros eu mesmo escrevia e colocava nos sacos plásticos que eram as páginas do Livro. Eu tinha xerocado uma entrevista do Gabriel Chalita, naquela época Secretário de Educação de São Paulo. A entrevista era da revista Nova Escola, no tempo em que eu comprava essas revistas no mercado e gostava muito. Outra entrevista que li na Nova Escola com outra personalidade, também guardei no portfólio. A tia Lúcia mora num terreno grande no Guaragi. A casa dela é grande também. Num domingo, a família Kossoski foi à casa da v e a gente “subiu” lá na casa da tia Lúcia, que é perto. A casa estava cheia de parentes: da parte da tia Lúcia, a vó, a mãe, a tia Luci, eu e o Danilo. Da parte do tio Renato, irmãos, irmãs, sobrinhos e sobrinhas dele. Uma delas me chamou a atenção: uma menina de uns 9 anos, chamada Alana. Depois de mais ou menos uma hora que eu estava na casa da tia, lendo um livro, ela se aproximou de mim, me cumprimentou, perguntou o que eu estava fazendo e eu disse: “Vamos fazer assim: você lê um parágrafo, eu leio o outro, você lê o outro...” E assim fizemos por um longo tempo. Foi um exercício interessante aquele. A leitura compartilhada de um livro. Esse episódio da minha vida se transformou num texto que eu escrevi – Minha aluna Alana – e virou mais uma página do meu Livro da Vida. Acho que essa foi a minha primeira experiência como professor, quando eu não era nem formado ainda... Na verdade, foi minha “aluna” a me ensinar alguma coisa, foi ela quem ditou as regras quando disse: “Vamos fazer assim...”, direcionando o exercício. Eu apenas ensinava o significado de algumas palavras que ela não sabia e apareciam no texto de vez em quando. Uma menina muito inteligente aquela! Outra página do meu Livro da Vida foi a ficha técnica de um filme chamado O sorriso de Monalisa. Não lembro se assisti a esse filme que é VOLTAR AO SUMÁRIO

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sobre uma professora de História da Arte. Acho que não assisti, só gostei do tema mesmo, por isso eu coloquei o resumo no livro. A professora Maísa era muito joia. No ano seguinte, 2007, ela organizou com outra professora os Colóquios de Didática. Palestras sobre o tema Educação que aconteciam uma vez por semana à noite, na UEPG. O pai, depois do meu primeiro ano de faculdade, comprou mais portfólios. Assim, eu tinha mais pastas pra organizar os assuntos das outras aulas. Literatura Brasileira, Portuguesa, Americana, Inglesa, bem como outras disciplinas, cada uma tinha a sua pasta. Depois da faculdade, demorei três anos para começar a trabalhar. Tinha 27 anos quando me juntei aos colegas de profissão. No ambiente escolar eu não era mais aluno. Agora era professor e era respeitado como tal. Professores e pedagogas me viam como um igual no meio do corpo docente. Não fiquei “me achando”, mas senti orgulho de mim mesmo, um estudante (d)eficiente, chegar a ser professor, só com muito esforço e coragem. E com o apoio dos pais. Eu me senti realizado. Pelo meu profissionalismo, respeitava e me fazia respeitar. Eu era chamado de Senhor, de Professor, teacher, como eu ensinei aos meus alunos, já que eu lecionava Inglês e até de Mestre. Alegremente trabalhava junto a meus pupilos, chegava na sala de aula puxando um carrinho onde tinha notebook e pen-drive com os assuntos das aulas gravados. Essa foi minha rotina durante 2 anos e 10 meses. Quem também se sentiu muito feliz com minha profissão foi a mãe. Ela sempre quis ser professora, só que ela queria dar aula pra crianças pequenas, primário. A minha formação permitia dar aulas da 5ª série em diante. Mas, mesmo assim, a minha mãe se sentiu realizada em mim. Ela me ajudava nas aulas, passava a matéria no quadro e ficava dentro da sala junto aos alunos, ajudando-os nas dificuldades que tinham com o Inglês para escreverem as palavras do quadro no caderno. O pai se sentiu realizado no Danilo. O meu irmão se formou em Jornalismo, ou Comunicação Social, na UEPG. Toda vez que acontece alguma coisa na cidade, seja um acidente de carro, um incêndio ou outra ocorrência que o Danilo ainda não noticiou, o pai pega o celular dele e liga pro meu irmão, avisando-o do ocorrido. O pai tem esse espírito jornalístico. O Danilo é Dalton Paulo Kossoski

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jornalista e chargista. Desenha desde criança e atualmente cria charges nas edições de fim de semana do jornal Diário dos Campos. Sempre está criando situações originais para as tirinhas do seu personagem Catraca. Quando era criança, o Danilo confeccionou a roupa do Capitão-Coragem e desenhou as histórias em quadrinhos do herói, seus arqui-inimigos: o Rato Atômico e o palhaço Zumba. Ficaram bem legais as HQs finalizadas naquela época. O pai é muito inteligente. Ensina, de vez em quando, pra mim e pro Danilo algumas palavras em ucraniano, por causa da descendência da família. Os pais da vó Vitória, mãe dele, eram da Ucrânia. Ele também é engraçado. A minha sobrinha, de quem eu falarei mais tarde, se chama Melissa. Depois que ela nasceu, o pai ainda demorou um tempão pra decorar o nome dela. Os amigos dele perguntavam o nome da menina e ele não sabia responder. Um dia ele prestou atenção na marca do filtro de café: Melita. Daí ele contou pra mãe todo faceiro que já sabia o nome da menina graças à embalagem do filtro de café. Outro dia a mãe encomendou um armário pra cozinha pela internet. A Priscila, minha cunhada, ajudou na compra. A mercadoria viria de longe, do Espírito Santo. Eu falei pro pai pra ele prestar atenção a partir daquele momento nas ligações no celular, recebidas com DDD 27. Ele falou que já sabia do número porque era o mesmo da placa do meu carro. É assim que, às vezes, ele faz analogias interessantes... Eu não sei se o meu avô paterno, também chamado de Pedro como o pai da minha mãe, gostava de pescar, só sei que o meu pai gosta. Gosta não, ele adora! Todo fim de semana, ele nos leva ao Guaragi e vai ao rio Tibagi pescar. Vô Pedro Kossoski era sapateiro, mas com ele eu não convivi, pois ele morreu bem antes de eu nascer. Sei contar mais sobre a vó Vitória. A vó tinha no jardim da casa dela uma roseira. Ela gostava muito daquelas flores e, uma vez, eu, a mãe, o Danilo e a vó Vitória posamos pra foto ao lado daquela roseira. O pai “bateu” a foto. Acho legal, nos livros que eu leio, quando a página de agradecimentos vem depois de terminada a história. Aqui o plano era o mesmo, só que, à medida que escrevo, eu já vou agradecendo às pessoas que fizeram parte de cada “aventura” da minha vida. É pra não me esquecer de fazer todos os agradecimentos depois... VOLTAR AO SUMÁRIO

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Este livro é, em parte metalinguístico porque eu também falo das minhas experiências literárias lendo livros, primeiro nas aulas da professora de Literatura Brasileira, Marly, na UEPG. Depois, no decorrer da vida, fui lendo cada vez mais. Uma das minhas tias, como já escrevi, me incentivou a escrever essa autobiografia. O pianista pontagrossense Newton Schner Jr. me incentivou, quando eu li, anos atrás, sua autobiografia Notas de um novo lar. Esse artista me presenteou, certa vez, com um livro de um filósofo norteamericano chamado Henry David Thoreau (Walden ou A vida nos bosques), que também me impulsionou a publicar a história da minha vida. Eu li o livro em inglês. A minha família é composta do pai, da mãe, do meu irmão Danilo e de mim. Eu tenho também duas irmãs adotivas ou “de criação”: a Edna Cristina Dias de Oliveira e a Ana Carla Passos. Nós conhecemos a Carlinha há mais de 25 anos, a bordo de um ônibus, quando a mãe me levava para uma sessão de fisioterapia. Estávamos eu, ela e o Danilo indo até a clínica e, em dado momento, o veículo parou e uma família subiu. A dona Margarida, a Carla, (a menininha devia ter 2 anos) e as irmãs: Telma e Eliane, já adolescentes. Ela apresentou a família dela e eu, que devia ter 4 ou 5 anos naquela época, apresentei a minha. Toda a família da Carla é muito simpática – tem ainda o marido da dona Margarida, seu Luís e o outro filho, Luisinho. Somos grandes amigos desde aquela viagem de ônibus. Morávamos na mesma vila Vendrami e a dona Margarida levava a filha quase todo dia para nos visitar. Nós três – eu, o Danilo e a Ana Carla – brincávamos juntos sempre, assistíamos TV e nos divertíamos bastante. Fazíamos acampamento na sala: a mãe puxava as cortinas em cima do sofá e a gente ficava lá atrás. Nosso programa de TV favorito era a TV Colosso, um programa apresentado por cachorros... Quando estava na APACD, também assistia a esse programa quando as tias me levavam ao refeitório com as outras crianças na hora do almoço. Bem, nessa hora que alguma tia ligava a TV do refeitório, o programa dos cachorros já estava terminando pra dar lugar ao jornal do meio-dia. Às vezes, em casa, a gente prestava atenção em alguma novela. Um dia, passava na televisão uma reapresentação de Irmãos Coragem. Dalton Paulo Kossoski

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Nós, no meio de uma brincadeira (o processo de criação de um super-herói. Só faltava dar-lhe um nome), paramos em frente à TV e o título da novela nos deu a ideia. Capitão-Coragem – assim o herói ficou sendo chamado. Antes da decisão, houve uma pequena discussão: o Danilo queria um nome e eu queria que o herói se chamasse Vingador-Mascarado. Sugeri esse nome para o novo personagem porque o achava poderoso, bem forte. “Vingador” porque teria o poder de vingar-se dos planos dos vilões. Mas o veredito mesmo foi dado pela novela. Ficou decidido o nome Capitão-Coragem e o Danilo fez para o super-herói uma máscara recortada a partir da tampa de uma caixa de sapato. Colocou nela dois pedacinhos de embalagem do bombom Sonho de Valsa pra simular a visão de raio X do herói. Quem o encarnava era eu mesmo. Vesti o personagem: máscara de papelão e capa de pano. Depois o Danilo começou a desenhar histórias em quadrinhos desse personagem. O desenvolvimento desse super-herói foi rápido, o automóvel do Capitão-Coragem, seus arqui-inimigos, alguns aparatos pra enfrentar esses vilões e a cidade onde as HQs se desenrolavam: Cartoon City. Fiquei bem feliz em interpretar esse super-herói. Ainda mais porque ele carregava a palavra “coragem” no nome. Um sentimento de bravura tomou conta de mim, como acontece com os personagens da TV, quando saem em defesa de suas cidades contra os seus inimigos. Nós assistíamos Batman, Superhomem e o Danilo, influenciado por este último, desenhava o Super-boy e o Hiper-boy em seu caderno. Logo chegou a vez de outra novela nos influenciar: O Rei do Gado. Nós tínhamos um rádio toca-fitas em casa e, ao ver algumas cenas da novela, a Carla teve uma ideia: fazer uma paródia. E ela, a roteirista-mirim, começou a escrever. Acho que ela já tinha uns 8 ou 10 anos, por aí... A Carla, então, disse que eu e o Danilo seríamos os atores. Nós aceitamos e ela, além de ter escrito a trama iria atuar também. Assim, o trabalho ficou bem distribuído: os papéis femininos para a Carla e os papéis masculinos para o Danilo e pra mim. Ela era Lavanda, Luana, na novela original, trabalhava num canavial, cortando cana. A personagem, na nossa paródia, cortava canos de tubulação de PVC... Gravamos a nossa novela em fitas-cassete, ou K7, como vinha escrito na embalagem das fitas. A única coisa que usávamos da novela da TV VOLTAR AO SUMÁRIO

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foi a trilha sonora de abertura. O resto foi pura originalidade de três crianças em pleno processo criativo. As gravações renderam muitas gargalhadas dos atores-mirins e dos nossos pais. O título da nossa radionovela era O Rei Cagado. A trama original tinha as famílias italianas rivais Berdinazi e Mezenga. A versão parodiada também contava com os fazendeiros inimigos. O enredo que a gente montou tinha todos os personagens da obra televisiva, adaptando os nomes. Era muito engraçado fazer as gravações. Nós nos divertimos bastante em todas as “cenas”! A história que passava na TV tinha a empregada do Mezenga, a mulher se chamava Judite. Nós tínhamos Jadite, empregada de um dos donos de fazenda. Um dia, ele estava no banheiro e gritando pra mulher: “Jadite! Jadite! Eu tô no banheiro, preciso me limpar, mas acabou o papel-higiênico!” E ela respondeu: “Calma, patrão! Já tô indo com um novo rolo”. Foi só gargalhada durante a produção dessa trama. Quando morávamos lá na vila Curitiba, a tia Luci ia sempre nos visitar. Ela levava brinquedos e doces para mim e para o meu irmão. Nessa época, que a tia nos paparicava, ela ainda não tinha filhos. Por isso, me pegava no colo e era só festa quando chegava em casa. Daí ela ficou grávida e eu fiquei enciumado, pois não teria mais a exclusividade das carícias da tia Luci. Chorei e ela tentava me explicar que não podia mais me pegar no colo por causa do barrigão. O Danilo aceitou numa boa. Só eu que fiz tempestade em copo d’água. Chorei e me enchi de raiva. Mas, depois que a Edna nasceu, eu tinha um ano e meio. Muito pequeno, ainda emburrado, tive que me acostumar à ideia, dar boas-vindas a mais um membro da família. Com o tempo, o Danilo e eu já incluíamos a Edna nas nossas brincadeiras em casa. Comecei a tratar minha prima como irmã, então, minha “irmã adotiva”. A Carla e a Edna, eu as chamo de irmãs adotivas porque era pra eu ter uma irmã de sangue. Minha mãe, no fim dos anos 70, deu à luz uma menina que foi batizada como Aurora Cristina Kossoski. Mas a Aurorinha só viveu cinco meses. Uma gripe forte que por pouco não evoluiu para pneumonia, acabou tirando da mãe o bebê. Mas a vida é generosa: ela me tirou essa, que seria minha irmã biológica, mas me apresentou duas outras meninas que eu adotei para a família. A minha infância foi muito boa lá na Vila Vendrami. Tinha muitas árvores Dalton Paulo Kossoski

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ao lado da casa, um galinheiro e, a partir dali uma pequena inclinação do terreno coberta de grama. Era divertido quando o Danilo e eu sentávamos perto do galinheiro, no topo daquela elevação do terreno. A gente, deitandose, literalmente rolava ladeira abaixo. Era muito legal, mas ficávamos ardidos depois, porque a grama grudava na pele e pinicava... Só um bom banho pra tirar a ardência da pele... Toda vez que a família Kossoski ia ao Guaragi na casa da vó, eu, meu irmão e todos os primos nos divertíamos muito. Os outros primos também iam lá em casa na vila Vendrami. E assim a gente se revezava: o Danilo, eu, a Renata, o Júnior, a Edna, o Lúcio, e os outros. Guaragi é um lugar legal, não só pra brincar e conversar com os parentes, mas também ficar “de varde”: respirar o ar puro do interior, ouvir o canto dos passarinhos, andar pelas ruas do Distrito. Sim, Guaragi não é uma cidade, é um pequeno lugar, nem tem tamanho pra ser uma cidade, é um distrito de Ponta Grossa. Além de encontrar os primos, outra coisa que eu adorava ao chegar ao Guaragi era ver o vô Pedro, pai da minha mãe. Sempre que o carro da família Kossoski estacionava, o meu vô estava sentado num banco na frente da casa dele, conversando com outro parente. Na maioria das vezes, um tio da minha mãe, que morava perto. No Guaragi, as pessoas moram perto umas das outras, lugar pequeno é assim, todo mundo conhece todo mundo. A gente chegava, pedia bença pro vô, bença pra outra pessoa que estava conversando com ele e a gente entrava na casa dele. Cumprimentávamos a vó Julieta e conversa vai, conversa vem. Na casa dos meus avós maternos eu tomava vinho. Nos fins de semana, íamos pra lá e assim que eu sentava numa cadeira na varanda, ele me convidava a tomar vinho. Como a garrafa já estava na mesa e ele já estava com um copo na mão, ele tomava sua dose e me servia no mesmo copo. Mas, depois de ver essa cena se repetindo algumas vezes, o vô me servindo vinho no copo dele, a vó pegava no armário da cozinha um copo limpo pra mim, “porque não presta” ela dizia “beber no mesmo copo!” O vô Pedro tinha uma carroça e dois cavalos. Eu lembro de uma única vez que eu passeei na carroça dele. Foi numa manhã em que ele ia buscar um porco assado pro almoço... Foi uma festa, a carroça encheu com um monte de primos e lá fomos nós. VOLTAR AO SUMÁRIO

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Aquilo foi a alegria da criançada! O vô Pedro era uma pessoa muito legal. Além de me convidar para tomar um golinho de vinho antes do almoço e antes do jantar, ele contava causos, histórias de assombração típicas entre os moradores da zona rural das cidades. Infelizmente eu não me lembro de nenhuma história arrepiante que ele sabia contar. Quando ele era mais jovem, então com os filhos pequenos, também contava as histórias do Pedro Malasarte para divertir as crianças. Tirava sarro, brincava com todos os netos. Tinha mais de 80 anos, mas o espírito jovem. Certa vez, um pouco irritado (mas só de brincadeira) com a Larissa, minha prima mais nova, ele disse para ela – o que depois me ficou de ensinamento – “Você não é amendoim, mas torra!” É que ela chegava na casa do vô e ficava passando a mão no cabelo dele. Fios fininhos que ela gostava de alisar durante alguns minutos. Até que ele, cansado da massagem capilar, pronunciava a “semelhança” da menina com o amendoim. Mas ela não ficava braba, pois sabia que era brincadeira, só parava o que estava fazendo, de boas. Eu estava lendo Grande Sertão: Veredas, lá no Guaragi – sempre levo comigo um livro quando vou para a casa dos meus avós. O vô, sentado em sua poltrona, viu o título do meu livro, o nome do autor, João Guimarães Rosa, e falou: “Esse cara era muito famoso! A gente ouvia falar muito dele quando estávamos no Rio de Janeiro.” O vô Pedro serviu no Exército na época da 2ª Guerra Mundial. Só que ele não foi guerrear fora do país. Ele tinha um modo especial de “prever” o tempo. Além de ver o céu escuro, com cara de chuva, sofria de dor no joelho. Então, às vezes, com céu carrancudo, o vô sentado num sofá na varanda, anunciava: “Meu joelho tá doendo. Vai chover!” Era batata, dali a menos de um minuto, começava a desabar água. Assim, ele fazia a previsão do tempo baseando-se em sua dor física. Engraçado que ele nunca foi capaz de curar a própria dor, mas sabia curar os males das outras pessoas... Eu era testemunha ocular. Visitantes iam à casa do vô Pedro em busca de cura para um nervo “embolado”, um dedo “destroncado”, um braço quebrado e outros males. Homens, mulheres e até crianças com essas deformidades à procura de Dalton Paulo Kossoski

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atendimento e o vô curava todos. A pessoa chegava, contava – e mostrava – o problema, o “médico” examinava e tratava. O visitante sentava-se numa cadeira e o vô começava a massagear e dava uns puxões no dedo destroncado ou mexia para um lado e outro o braço doído da pessoa, até colocá-los no lugar de volta. Em poucos minutos, o paciente sentia a melhora, agradecia e ia embora sem o mal que o afligira na chegada. O vô Pedro era tão generoso e tinha um coração muito bom, assim como a vó. Ele era muito bom, inteligente, brincalhão e dava gargalhadas de chacoalhar o barrigão... Essas são as lembranças mais doces que eu guardo do meu vozinho. Ele morreu aos 83 anos ou, como a minha vó gosta de especificar, “83 e meio!” Porque ele fazia aniversário em junho e morreu em dezembro de 2009. O Pedro de Souza Oliveira foi um homem esforçado e trabalhador, desde muito cedo. Quando era moço, já começou a “fazer a roça” pra sua família, enfrentando as dificuldades daquele tempo. A mãe, Adelaide, ficou triste e apreensiva quando ele foi convocado a se alistar no exército. Ele se dava bem com todos e, quando já era casado, sua sogra o ajudava no que fosse preciso. Eu acho (eu nunca perguntei isso a ele) que o vô era descendente de italianos por causa do seu gosto por vinho. A vó, eu sei que descende de italianos e russos. Italiana porque a vó gosta de fazer nhoque. O sangue russo é por causa da mãe dela, a vó Nita, que era de pele bem branquinha e olhos azuis. A vó Julieta também é muito divertida, boa pessoa e companheira. Ela gosta de agradar aos netos e bisnetos. No natal, a casa da vó sempre enche de gente. Meus tios, tias, primos, filhos dos primos, suas esposas e filhos... mais ou menos 40 pessoas. E a vó recebe a todos de coração e braços abertos com muita alegria! A varanda da casa fica lotada para comemorar o dia 25 de dezembro e fazer a revelação do Amigo Secreto entre os familiares. O sorteio é feito na semana do aniversário da vó Julieta. E o almoço de domingo é outra oportunidade de reunir toda a “parentada”. A vó cozinha muito bem. As comidas servidas sempre lhe rendem elogios. E sempre tem sobremesa: salada de fruta ou sorvete, comprado no restaurante do tio Lauri, pai da Renata. Ela usa banha pra cozinhar, óleo só às vezes. Sempre à mesa tem uma fartura de comida: arroz, feijão, batata, batata doce, carne, macarrão. Às vezes carne de frango, outras vezes carne de porco. E no lanche da tarde VOLTAR AO SUMÁRIO

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a gente come pão com banha, mandioca, bolinho de polvilho, nos fins de semana que a gente vai ao Guaragi. A vó, além de ser carinhosa, amiga e companheira, tem uma memória impressionante. Ela conta histórias passadas há tantos anos, sobre a sua mãe, a vó Nita, que se chamava Ana Maria. Não sei o porquê desse apelido “Nita”, histórias sobre sua vó, que também se chamava Julieta, do vô Carlos, marido dela e sobre outras pessoas de épocas passadas. E eu, a minha mãe e o Danilo ficamos escutando essas narrativas com o maior interesse. Ela conta que, uma vez quando era mais jovem, viajando na carroceria de um caminhão, ela ia à cerimônia do velório de uma mulher que tinha morrido em uma localidade e a vó passou a viagem inteira com a morta repousando em seu colo durante o transporte até o lugar pra velar o corpo. Chegando à casa dela, o corpo foi colocado em cima da mesa da cozinha, ainda não existia caixão, as pessoas mandavam fabricar um na hora. O corpo na mesa esticado, ali o velório aconteceu. Um dos irmãos da vó ajudou a fazer o caixão. Um dia antes da morte, a mulher havia pedido à vó pra fazer-lhe “uma blusinha vermelha” porque ela queria “passear no dia seguinte...” A vó gosta de ouvir rádio, assistir TV e sabe os nomes da maioria dos apresentadores de telejornais. Ela olha o nome da pessoa que aparece na tela e já decora. Da próxima vez que a mesma pessoa aparece apresentando o programa, a vó diz o nome dela. “Esse é o Carlos Nascimento, né Dalton?” – ela fala, esperando que eu confirme. “Não sei vó...” – eu respondo, às vezes porque eu não sei mesmo o nome de quem está no comando do telejornal, mas outras vezes eu sei e fico quieto só pra ver se ela acerta. E ela acerta todas as vezes. Parabéns pra ela! A vó Julieta é muito esperta! A tia Luci mora com a vó. Assiste TV comigo ou melhor, eu assisto TV com ela, já que fico na casa dela. Ela trabalhava na escola do Guaragi como merendeira. Mas a mãe diz que ela podia ser professora, porque nas horas vagas fazia artesanato. Ela continua fazendo artesanato, agora que é aposentada. Cola-quente, E.V.A, fitas coloridas fazem parte do seu material de trabalho. Além disso, ela recicla garrafas, latas e caixas de leite, usandoas no artesanato. A respeito das brincadeiras de infância dos meus primos, a mãe conversa com a tia Luci e a tia sempre faz o seguinte comentário: “...e Dalton Paulo Kossoski

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a criançada nunca deixava o Dalton de fora. Não o discriminavam por ser deficiente. Sempre o incluíam nas brincadeiras”. Eu só fico escutando e gosto muito quando a tia arremata a conversa com essa opinião. Tia Luci toda vez que vai à praia já tem parada certa! Ela fica hospedada na casa da sua amiga Dirceia C. Viok. A tia gosta muito de posar na casa dessa amiga. A Dirceia também é conhecida do Cláudio e da Sílvia, meus primos. Quando eu era criança, no terreno da vó existia um chiqueiro do tempo em que ela criava porcos. Era uma construção de madeira que estava desativada. A Edna, eu e o Danilo brincávamos ali de casinha, tinha uma placa de carro em cima da porta. Era o número da casa. Umas latas em prateleiras lá dentro. A Edna fingia fazer comida naquelas latas. Ela era a mãe da família, o Danilo era o pai e eu, o filho. Ô tempo bom... A vó Nita, minha bisavó, morava perto da casa da vó Julieta. Para chegar até a casa da minha bisavó, que eu me acostumei a chamar de vó, não sei por que, a gente passava uma cerca que dava acesso a um pátio aberto com galinhas que andavam pra lá e pra cá, ciscando a terra. E a vó Nita nos recebia em sua casa sempre com um sorriso no rosto e a boa disposição, oferendo um pote cheio de balas a mim, à mãe e ao Danilo. A vó Nita viveu até os 95 anos! Ela tomava chimarrão e escutava um rádio de pilha junto com um de seus filhos, que morava com ela, o tio João, que nesse caso era tio da minha mãe e meu tio em segundo grau... ou tio-avô, acho que é isso!. O tio João já morou sozinho, numa casa na mesma rua da minha vó. Fui visitá-lo um dia, junto com outros parentes. Entramos na cozinha, conversamos bastante e, como já era hora do lanche da tarde, ele foi tirando dos armários pacotes e mais pacotes de bolacha. Café. Suco. Ele encheu a mesa! Comemos um pouco e fomos embora. Esse meu “tio” já morreu, mas era uma pessoa boa e engraçada, igual à vó Julieta. Fazia piada com tudo e quando ele ria, seus olhos sumiam debaixo de espessas sobrancelhas. Eu gostava dessa característica nele. Um dia, ele mandou aparar esse excesso de pelos que tinha sobre os olhos. Ficou boa a mudança, mas eu preferia quando ele mantinha as sobrancelhas grossas, pelo efeito cômico que isso dava ao seu rosto. Eu tenho um monte de parentes diretos, os “de sangue” e um monte de primos, primas, tios, tias de segundo grau. Irmãos da vó, com quem tenho VOLTAR AO SUMÁRIO

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relação indireta, por exemplo, o tio José, que em outros tempos morou no Guaragi e atualmente morava em Palmeira. Ele visitava a vó sempre que dava certo, um dos netos o levava de carro. Um dos meus parentes de segundo grau que também já não está entre nós é o tio da minha mãe, tio Antônio. Morava perto da minha vó. Fui à casa dele e da tia Laura só uma, no máximo duas vezes. Fomos visitá-los eu, a minha mãe, a vó, a tia Luci e a Larissa. Eram legais o tio e a tia. Ficamos conversando um tempão. Quer dizer, conversamos só nós e ele. A tia, coitada, era meio surda, só nos cumprimentou quando chegamos e ficou quieta o tempo inteiro da visita. Uma irmã da vó que gostava de visitá-la é uma tia que também se chama Laura. Casada com um tio que também se chama João, eles iam lá na casa da vó Julieta de carona com um filho, neto, ou um vizinho e ficam lá conversando um bom tempo. Eles são muito joias. Muitos parentes meus já não existem mais. Tio José, de Palmeira, toda vez que chegava na casa da vó e via todas as visitas já reunidas na varanda, cumprimentava todo mundo. Me via e dizia: “Oh! O rapazinho tá aí também!” Eu gostava muito dele. Homenagem póstuma a ele, seu lugar é também entre os meus parentes que já se foram. Entre eles está a vó Vitória, mãe do meu pai. Ela morava na esquina da casa da vó Julieta. A vó Vitória era muito boa de coração, dava uma caixa de chocolates para o Danilo e para mim todo ano, na páscoa e no natal. Na casa dela, tinha, na cozinha, do lado do fogão a lenha, uma bacia no alto de uma armação de ferro. A vó enchia a bacia de água da chaleira onde lavávamos o rosto de manhã toda vez que a gente posava lá, ou toda vez que a gente chegava na casa da vó Vitória para visitá-la, vindos de Ponta Grossa. A bacia com água e sabonete ficava ao lado da porta da cozinha, assim que a gente entrava na casa, eu gostava da vó e de estar na casa dela, e dessa característica rústica de se lavar na bacia. Eu tinha 13 anos quando ela se foi... Ela, 79. Na casa da vó Vitória tinha um “quadro” de pano pra decorar a parede da cozinha. A cena mostrava animais: dois leões e um veado. Eu gostava daquela pintura, do pano bordado. Mais tarde, fiquei sabendo que o artista por trás do rascunho daquela bela pintura era o meu pai. Ele desenhava – e Dalton Paulo Kossoski

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desenha até agora – super bem. Ele não é desenhista nem pintor de profissão. Só faz arte às vezes, quando a Melissa está aqui em casa. Faz um desenho de pato no caderno dela. O pai trabalhava como eletricista e desenhava circuitos elétricos pra instalação em casas e prédios nas fábricas onde trabalhava. Vem daí a sua habilidade no desenho. Na casa da vó Julieta não tem bacia pra lavar o rosto, a gente lava na pia mesmo. Mas tem outra coisa curiosa: o interruptor de luz do banheiro fica do lado de fora da porta, na parede da cozinha. Às vezes, eu me confundo e vou procurar a “chave de luz” lá dentro. Mas daí eu já me lembro que ela fica fora do banheiro. Na cozinha tem vários objetos de decoração: uma sacola cheia de sacolas dentro (?!), um “papel de parede” que um dia foi uma toalha de mesa e agora está preso à parede por tachinhas, mas só cobre metade dela. Em cima da prateleira do rádio, quatro ou cinco latas pintadas com motivos natalinos, que eram embalagens de panetone dadas de presente à vó em natais passados. Agora, os recipientes contêm bolachas, farinha e outros alimentos. A sacola cheia de sacolas dentro é pra colher frutas, verduras e legumes do quintal. A tia Luci, a mãe ou algum neto que vai visitar a vó, pega uma sacola daquele “puxa-saco”, o nome do dispositivo, e vai ao quintal colher alguma coisa. A vó tem uma cadeira de balanço na varanda da casa. A cadeira é dela, mas quem mais se balança ali são os netos e os bisnetos. A vó só se senta, sem impulsionar a cadeira pra frente e pra trás, quando vai uma visita para conversar. Os filhos dela também. Ela ganhou a cadeira de balanço do tio Lauri, quando ele viajou pra Foz do Iguaçu com a família. A primeira vez que eu vi uma cadeira daquelas foi na casa do tio Nelson Conceição e da tia Glorinha. Eles vieram aqui em casa um dia e nos deram de presente uma enciclopédia de assuntos gerais, de A a Z. Essa coleção de 18 livros eu usava bastante e o Danilo também, quando a gente estudava no Instituto de Educação, pra fazer os trabalhos escolares escritos à mão em folhas de papel almaço, muito antes dos trabalhos digitados no computador que eu entregava na faculdade... A casa do tio Nelson era bem grande. Assim que nós entramos na casa dele eu vi a cadeira de balanço. Uma não, duas. Uma do tio e a outra da tia. VOLTAR AO SUMÁRIO

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Ele me disse: ”Quer se sentar nessa cadeira? Pode sentar e se balançar!” Eu gostei do balançar daquele móvel. Fiquei uns minutos ali, pra frente e pra trás. Depois me levantei e fui com a família e a convite do anfitrião explorar a casa. No dia em que a minha família foi lá fazer uma visita, eu tinha passado no vestibular, em 2005. Contamos isso ao tio e ele ficou bem feliz. Ele era professor e oficial do Exército. A casa era cheia de CDs e livros espalhados pelo sofá da sala. Chegamos lá na hora do almoço. Logo depois, a tia Glorinha pediu ao filho pra sair e comprar sorvete “pras visitas”. Comemos e ficamos um bom tempo na casa conversando com eles. O tio Nelson, como ficou sabendo que eu tinha passado no vestibular, me deu uns livros de Português, Gramática e Literatura, pra que eu usasse na carreira futura de professor. Ele também deu um livro escrito por ele mesmo, que autografou na hora. Também me deu alguns de literatura americana. Saímos de lá satisfeitos. Eu e o Danilo tínhamos o outro tio Nelson, Nelson Kossoski, irmão do pai. Ele vinha aqui em casa com a mulher. O tio e a tia Maria vinham domingo (quase toda semana), almoçavam aqui e ficavam boa parte da tarde conversando. E ele e a tia iam embora de ônibus no fim da tarde. Às vezes ele vinha sozinho. Eles já nos visitavam quando morávamos em outra vila onde passei minha infância. O tio fumava. Naquele tempo, na casa da Vendrami, ele, o Danilo e eu estávamos juntos na varanda. O tio com o cigarro na boca fazendo fumaça, notou que meu irmão o observava no seu prazer diário e ofereceu aquele rolinho de papel envolto com tabaco à criança. Meu irmão não aguentou com aquilo na boca, entrou em casa tossindo. Minha mãe foi acudi-lo e perguntou o que havia acontecido. Ele explicou e ela já foi brigar com o tio, esbravejando “Você deu cigarro pra criança?!” Ao que ele respondeu, como única justificativa: “O piá tava com vontade...” Eu não passei por essa experiência, ainda bem. Só víamos o tio Nelson “pitando” e antes daquele episódio que fez o Danilo tossir, ele e eu colocávamos dois lápis brancos na boca pra imitar o irmão do pai. O homem trabalhava revendendo relógios e outros objetos, montava sua banquinha numa esquina da cidade. Quando eu era criança, fui até a banquinha dele com a mãe e ela comprou um reloginho pra mim. Ficamos ali conversando Dalton Paulo Kossoski

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um tempo e nos despedimos. A nossa casa tinha vista pra um viaduto. Uma rodovia passava perto. Um dia, começou a trovejar anunciando chuva e o tio Nelson disse ao Danilo que aquele barulhão era por causa dos cavalos que passavam correndo no viaduto. O Danilo, na sua inocência, acreditou nas palavras dele. Nós compramos uma enciclopédia sobre fatos mundiais há anos no mercado. Os livros foram adquiridos um por mês até completarmos a coleção de 10 volumes. Seu título é Enciclopédia Geográfica Universal, os livros ainda estão aqui em casa e têm as mais variadas informações sobre todos os países do mundo, de A a Z. Assim que nós ganhamos esses livros eu comecei a estudá-los e ficava fascinado com as coisas que eu aprendia a respeito de determinado país. Nome oficial, capital, população, moeda etc. Depois que lia um livro referente a uma nação, pedia ao Danilo que me perguntasse quaisquer dados acerca daquela parte do mundo. Eu respondia certo, pois já tinha estudado bem. Meu irmão ficava surpreso. Decorava todos os países, desde os maiores como Brasil e China, até os minúsculos como Liechtenstein e Vaticano e seus fatos interessantes, resultado de muito afinco e persistência. É, se ao invés de Letras eu escolhesse o curso de Geografia na UEPG eu me daria bem... Só se no curso a professora me pedisse para dizer os países e capitais do mundo e deixasse o desenho dos mapas de lado. Quando ainda estudava no Instituto, a minha professora de Geografia, Rosilda, me falou que nesse curso superior os professores pedem aos alunos para que desenhem mapas “em escala” e aí eu já via que não me daria bem se quisesse fazer Geografia na Universidade. Escolhi o curso de Letras e fui muito feliz na minha escolha. Estudei, me graduei e passei a trabalhar. Em fevereiro de 2012 eu assinei contrato de trabalho com o CEEBJA UEPG. O Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos. É a “base de operações” dos professores que trabalham com essa modalidade educacional. Os professores são enviados, por meio do Centro, às escolas municipais. Foi assim que eu, o pai e a mãe ingressamos nesse mundo pedagógico. O pai dirigindo o carro para as vilas mais longínquas do centro da cidade. A mãe acompanhava para me ajudar dentro da escola e da sala de aula. Nas viagens de carro, conhecemos vários lugares Jardim VOLTAR AO SUMÁRIO

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Pontagrossense, Jardim Paraíso, Santa Mônica, Tânia Mara, vila Néri, e outros lugares do município. Uma escola em cada vila, esse era o nosso itinerário. Nas palavras do pai, nós éramos o “professor três-em-um”... Nós trocávamos de rota a cada três ou cinco meses que era o tempo da duração do meu trabalho numa vila. Dali, a gente partia pra outra. Sempre com disposição, mas às vezes com alguma dificuldade. Nas nossas viagens era inverno, frio, escuro, nada nos detinha na missão de chegar a uma escola e ensinar aos alunos. O pai ligava os faróis do carro e a gente ia com fé e coragem. A mãe ficava sempre ao meu lado na escola, ficava no corredor conversando com alguém ou fazendo crochê enquanto eu estava dentro da sala dando aula. Na viagem de volta, a gente fazia um lanche no carro: às vezes pão com mortadela e às vezes pipoca. Em casa ela preenchia pra mim o Livro de Chamada e me ajudava também quando eu tinha pilhas de provas e trabalhos a corrigir. Quando eu comecei a frequentar o CEEBJA, me sentia estranho. Perguntas surgiram na minha cabeça: “Por que eu estou vindo aqui? Quem são essas pessoas?” Professoras e pedagogas em seu local de trabalho, diretora e vicediretora da escola e as zeladoras. Logo fiquei sabendo o nome de todas elas. Minha estranheza em relação ao lugar só durou um dia, depois disso já me senti “em casa”, conheci as pedagogas Elizete e Leonice que, nas palavras da mãe, foram as madrinhas do meu primeiro emprego. Por isso, eu vi as duas não só como profissionais, mas também como minhas madrinhas mesmo, como parentes sem compartilhar laços de sangue. Elas iam semanalmente às APEDs, como as escolas eram denominadas – Ações Pedagógicas Descentralizadas - pra verificar o desempenho dos professores nas escolas e se precisavam de alguma coisa. Rosimery Ivanky Martins era da diretoria e Dilson, da secretaria. Como professor e como pessoa, no período em que dei aulas, ensinei mas também aprendi muito com os meus alunos da Educação de Jovens e Adultos. Nesse tempo, dei aulas em escolas municipais também na “sede”, onde fui professor substituto no lugar da Janete, uma professora que me deu aula de inglês na 5ª série. A Maria de Fátima foi outra pessoa que me ajudou com o material para eu usar no começo da minha carreira, no Jardim Pontagrossense. Lembro até hoje: foram uns textos e exercícios Dalton Paulo Kossoski

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sobre a família Addams. As aulas na escola eram de segunda à quinta das 18:30 às 21:50 e nas noites de sexta, aconteciam as reuniões na sede do CEEBJA. As pedagogas falavam que os professores deviam reservar os últimos 10 minutos de aula só pra conversar com os alunos: ouvir-lhes as angústias, as felicidades, ser um psicólogo àqueles rapazes e moças da EJA. Palavras da Elizete: “O professor deve ser um psicólogo para esses alunos. Eles são uma clientela especial, que chegam na escola cansados de um dia de trabalho e querem falar sobre suas dificuldades”. Assim, além de professor, eu fiquei amigo desses alunos. Guardo em casa no meu computador muitas fotos minhas junto a eles. Fotos da turma da Sabrina, do Diogo, do Antônio, da Sirlene, da Rosi, do Jardim Paraíso. Da Eliane, da Paulina, do Peterson – que eu chamava de Peter, para soar mais “americanizado”, - da Sandy, que não é a cantora, do Sérgio, do Santa Mônica. Da Raquel, do Alisson, da Margarete, do Orildo. do parque Nossa Senhora das Graças. Um dia, enquanto eu trabalhava na escola do Jardim Paraíso, uma das pedagogas do CEEBJA me apresentou o William, a quem ela também dava aula. Um menino cadeirante que estava desanimado e não queria estudar. A professora Gisela levou-o para me ver trabalhando na escola. Os pais foram junto com ele e conversaram com os meus pais. Conversa vai, conversa vem, minuto mais tarde, o menino já estava animado, vendo que uma pessoa deficiente pode, tanto estudar quanto trabalhar. Logo, ele saiu da sala de aula e foi ao corredor da escola, impulsionando sua cadeira de rodas a toda velocidade! Todo mundo ficou feliz: a professora do William, ele, seus pais, meus pais e eu. Ao vê-lo guiando rapidamente seu meio de transporte, eu disse a ele: “Ê! Tá pensando que isso aí é um carro de Fórmula 1?!” Passei um dos melhores momentos da minha vida sendo professor da EJA. Conheci, entre tantas pessoas, a professora Célia. Uma pessoa muito inteligente: formada em História, Artes, Filosofia... A Célia me chamava de “professor catedrático”, porque ela me via sendo ajudado pela mãe a puxar meu carrinho com os materiais de trabalho. Ela e minha mãe conversavam sobre a nossa rotina doméstica, preparar aulas, corrigir trabalhos e provas dos alunos. Daí ela falava “catedrático” porque, segundo ela, décadas atrás, todo professor tinha um ajudante. E era dono de uma cátedra ou cadeira, VOLTAR AO SUMÁRIO

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coisa importantíssima! Enquanto o professor trabalhava dentro da sala de aula dando aulas e avaliando o desempenho dos alunos, era tarefa desse auxiliar, na casa, planejar as aulas, preencher o Livro de Chamada e corrigir trabalhos e provas dos alunos. A profª Célia também já tinha viajado bastante pelo mundo. Uma noite de sexta-feira (as noites de sexta dos professores da EJA eram marcadas por reuniões pra falarmos sobre como tinha sido nossa semana nas escolas) ela mostrou para os colegas de profissão fotos de viagens que tinha feito pra Colômbia e pra Cuba, comentando sobre cada lugar visitado enquanto passava os slides. Foi uma noite muito especial aquela. Além de trabalharmos juntos na Educação de Jovens e Adultos, a gente se encontrou também trabalhando noutra instituição de ensino. Ah... Eu só tenho lembranças boas de quando eu dava aulas... Do CEEBJA e do ensino regular também. Da pedagoga Marilda, do colégio Espírito Santo. Do professor Osvaldo, que me chamava de “Mestre”. De todos os professores. Da pedagoga Lucimara, que trabalhava no CEEBJA e no CEEP, escola em que eu também lecionei. Da diretora Mari, do CEEBJA e dos diretores Fábio do colégio Becker e Silva e José Airton, Centro Estadual de Educação Profissional. Todos foram responsáveis pelo sucesso no desenvolvimento do meu trabalho. A todos os profissionais que conheci ao longo da minha trajetória, o meu “muito obrigado!”. Na “Semana Pedagógica” ou “Formação em Ação”, as quais meus colegas professores e eu planejávamos as aulas e a palestrante dava novas ideias para as nossas atividades em sala de aula, acontecia sempre em fevereiro. A “Formação” era no decorrer do ano: três ou quatro, ou mais, eu nunca contei, reuniões chamadas “Oficinas”. No fim do meu primeiro ano como professor, em novembro de 2012, eu participava de uma das minhas primeiras oficinas quando conheci a profª Denise Furtado Brunoski. Ela era a palestrante do dia, ou melhor, “oficineira”. Várias professoras encararam esse papel, mostrar uma apresentação Powerpoint a uma turma de 10 ou mais educadores, que por sua vez, levariam essas novidades aprendidas até suas salas de aula e as usariam com seus alunos. Em 2015, quando eu trabalhava na Biblioteca Municipal de Ponta Grossa, a professora Denise foi lá, conversou com a professora diretora Gisele e me Dalton Paulo Kossoski

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convidou a ir para o SESI ministrar uma palestra aos alunos dela, contando sobre minha vida e minha experiência profissional. Aceitei o convite e no dia marcado eu estava no Colégio SESI Internacional. Dias antes da minha ida ao SESI, montei uma apresentação no Powerpoint. Fiquei tão feliz e ansioso com a expectativa. Trabalhei na Biblioteca de manhã e à tarde aconteceria a palestra. No dia D, eu estava trabalhando de manhã sentindo alguma coisa dentro de mim. Uma agitação. Eram os hormônios se mexendo sem parar. E numa velocidade tremenda! O trio adrenalina, serotonina e endorfina. O primeiro, agindo aquela manhã, pedia que eu terminasse logo o serviço e queria que minhas pernas se movessem e me levassem ao destino da tarde o mais rápido possível. O hormônio hiperativo! Meu cérebro mandou a mensagem para que ele se aquietasse e esperasse eu terminar o trabalho. Funcionou: a adrenalina diminuiu os ânimos, mas continuou se movimentando silenciosamente dentro de mim. Ao meio-dia fui para casa almoçar. Senti a substituição da adrenalina pela serotonina. Esse hormônio também trabalhava a favor da minha agitação interna. Só que ele era agitado e mais calmo ao mesmo tempo. Ele me deu uma sensação mais prazerosa, que me fez esperar pelo início da palestra, agora mais perto, mais pacientemente. O terceiro hormônio, a endorfina, veio para acalmar de vez as coisas. Daí eu me senti anestesiado por dentro, mais relaxado. Estava em casa, só esperando a hora de sair para o colégio SESI Internacional. Montava minha apresentação no Powerpoint e, de repente, o trio hormonal adrenalina, serotonina e endorfina atacou, todos de uma vez, loucos com a proximidade da palestra. Com a agitação do meu corpo, faltavam poucos minutos para o trabalho da tarde e eu procurava alguma forma de extravasar toda aquela energia – queria gritar, correr, cantar. Liguei um vídeo do Metallica no YouTube®, grupo de rock pesado que eu gosto e que agradou aos meus hormônios também. Daí só restou a ação da adrenalina no meu corpo, cujos efeitos ainda sentia quando cheguei ao colégio, às 15 para as 4 da tarde. Fui recebido com cordialidade pela equipe pedagógica da escola e já comecei a conversar com os alunos da professora Denise. Entrei na sala e o VOLTAR AO SUMÁRIO

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pedagogo colocou o notebook na mesa e começou a ligar os cabos. Conectei o pen-drive e falei sobre a minha deficiência, superação e o meu trabalho. Foi grande a emoção de me apresentar aos alunos. Inesquecível! Creio que eles gostaram muito da minha presença porque se mostraram bastante cordiais. Fizeram silêncio durante a minha exposição, prestando atenção ao que eu dizia. Depois que terminei de falar, ainda ficaram um tempo conversando comigo. Perguntaram se gosto de ler, qual é o meu livro favorito e respondi que os meus preferidos são os de literatura brasileira e literatura estrangeira. Ao final desse papo, a professora da turma disse para cada aluno falar uma palavra em inglês, qualificando a palestra. Amazing (incrível), fascinating (fascinante), overcome (superação) foram algumas das palavras que eu ouvi daqueles adolescentes. Aquela foi uma das experiências mais marcantes da minha vida! Eu também já fui convidado para coordenar um Grupo de Estudo. Antes de assumir essa função, fui ver do que se tratava com a Sandrinha, chefe do PDE (Programa de Desenvolvimento da Educação) no NRE (Núcleo Regional de Educação). Ela me explicou como esse projeto funcionaria: que eu passaria a coordenar uma equipe de dez professores, em que teria que montar apresentações no Powerpoint me baseando em livros sobre os primeiros anos da educação no Brasil até os dias atuais. Teria também reuniões quinzenais no campus da UEPG. No começo fiquei apreensivo e tentei recusar a oferta dizendo que nunca tinha liderado um Grupo de Estudo ou qualquer outro projeto. Ela me fez ver como isso seria legal e acabei aceitando chefiar na minha escola, colégio Becker, o Pacto Nacional para o Fortalecimento do Ensino Médio. Do grupo que eu liderava faziam parte o diretor do colégio, Fábio Francisco da Silva, a vice-diretora Luiza Cristina Silva, a pedagoga Suely, a professora Denise Furtado Brunoski a qual, quando a conheci trabalhava no Núcleo, os professores Francisco Nogueira Sanches, Marie Cailleaux, Bernadete Broniski Brigolla, entre outros. Além do trabalho dentro da sala de aula, nas reuniões de 15 em 15 dias na universidade, conheci gente de várias cidades do Paraná – Palmeira, Castro, Telêmaco Borba e outras cidades. Só era mais difícil chegar até o prédio de cada reunião. A cada vez, era num Dalton Paulo Kossoski

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lugar diferente. Eu, o pai e a mãe íamos de carro ao campus, onde é tão simples se localizar quanto num labirinto. A gente demorava uns 15 a 20 minutos pra chegar ao local certo. Às vezes era no Bloco L, às vezes no Bloco M e às vezes no Bloco F. Um dia, pra nos guiar naquele labirinto de ruas que é o campus, nós precisamos da ajuda da Sandrinha. Ela foi na frente com o carro dela e nós atrás com o nosso. Quando era dia da reunião no campus, ela durava o dia inteiro, num sábado, e os professores trocavam ideias sobre como eram suas experiências do Pacto nas respectivas cidades. Eu não lembro se eu assumi o meu lugar no Pacto em 2012 ou 2013, mas foi uma boa vivência. Uma experiência edificante. Aí, um belo dia, tive que largar o emprego de professor porque numa escola o pessoal não aceitava que uma pessoa como eu trabalhasse dando aulas. A escola reclamou com o NRE e o órgão me chamou para “conversar”. Eu estava lecionando quando me avisaram que alguém ao telefone queria minha presença no NRE. Perguntei qual era o assunto, mas a pessoa que atendeu o telefone e me deu o aviso de que precisavam falar comigo não especificou. Eu só fiquei sabendo o motivo da reunião quando fui ao Núcleo pessoalmente. Cheguei com meus pais ao local indicado. A mulher só esperou que a gente se sentasse e já começou a falar que estava tudo errado sobre o auxílio que o pai e a mãe me davam no exercício da profissão. Eu não poderia continuar trabalhando se a mãe me ajudasse dentro da sala de aula. Expôs os seus argumentos. Nós ficamos só escutando ela dissertar sobre o que via como “problema”. Só absurdo! Eu ali, naquela sala, fui tratado com preconceito. Senti-me profundamente decepcionado pelo modo como aquela mulherzinha conduziu a reunião. Quando terminou de falar aqueles motivos descabidos, o pai perguntou se a mãe não podia mais entrar na escola comigo e me ajudar no trabalho, o próprio NRE não podia me fornecer um “auxiliar de professor”. A chefa disse “Não. A gente não pode”. Incoerência sobre incoerência: nem a mãe podia me ajudar e nem aquela instituição! A mãe, então, ficou proibida de entrar na escola. Ela e o pai passaram a me deixar no portão e um funcionário da escola me ajudava a andar pelo pátio até chegar à minha sala de aula. Outro instalava pra mim o Datashow e VOLTAR AO SUMÁRIO

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eu começava a minha aula. Fiquei sete meses naquela escola que me delatou para o NRE, onde a equipe pedagógica não se importava comigo, pra falar sobre meus sentimentos, tão diferente das outras instituições. Saí desse emprego em setembro de 2014 e em outubro daquele mesmo ano comecei a trabalhar na Biblioteca Pública, como Auxiliar de Bibliotecário. Conheci muitos amigos lá: Carlos, o chefe, que se formou em Biblioteconomia pela UEL. A Bruna, graduada pela universidade de Marília/SP. A professora Gisele, que eu já conhecia, porque havia me dado aula de Literatura Portuguesa na faculdade. Uma ótima pessoa. A Júlia, que cuida do Acervo Infantil. A Cleia e a Glacy – essas duas pessoas já se aposentaram há algum tempo. Tem também a Luiza, a Graziele, a Rosângela, a Roslaine, a Iranete, a Izabel que é a nossa zeladora “tia da limpeza”, a Valdirene, o Leandro e o Nilo – este último também se aposentou. A professora Gisele, depois de três anos que eu trabalhava na Biblioteca, foi transferida e agora trabalha noutro lugar, mas aqui mesmo na cidade. Quem ficou no lugar dela na Administração foi o Alfredo, o Allan e a Myrna. Quero dizer, o Alfredo ficou lá só um ano. Apenas o Allan e a Myrna, com a ajuda da Arlete, continuavam administrando o local. O Alfredo contratou as estagiárias Letiellen, Karla, Camila e Tamiris. Essa última ficou lá pouco tempo, depois de um ano achou outro emprego. Só as outras três estagiárias continuam com a gente, ajudando a organizar o acervo e a preparar os eventos que a gente oferece à população. A Arlete ficou na Administração um ano e pouco, voltando ao seu lugar na Fundação depois que terminou esse prazo. Na biblioteca, eu amadureci o meu lado artístico. Trabalho no meio dos livros e participo de atividades lúdicas. A gente recebe alunos de escolas municipais, estaduais e particulares para conhecer o nosso trabalho e ouvir as histórias que contamos. Conseguimos histórias no YouTube®, adaptamos (ou não) e apresentamos às crianças, aos adolescentes e adultos que vão lá se divertir com elas. Meus colegas de trabalho e eu temos histórias de fantoches, usamos outros bonecos, enfeites coloridos para contar e encantar o povo. Escolhemos a história, ensaiamos e depois apresentamos. É muito legal! Todos os meus amigos me acolheram muito bem. Eu me divirto muito ensaiando e depois apresentando histórias para a plateia. Além disso, meu trabalho é com os livros. No “Acervo de Dalton Paulo Kossoski

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Referência”, eu ajudava o Leandro e atendia as pessoas que iam lá fazer pesquisas. Já passei pelo setor de Administração catalogando os livros com o Carlos e a Bruna. Pelo Balcão de Atendimento, recepcionando as pessoas que entram no prédio à procura de obras literárias para emprestar, ou para “alugar”, como alguns já disseram, junto com a Luiza e a Rosângela. Perto do Balcão, fica o Guarda-Volumes, sob a responsabilidade da dona Iranete da Silva Falcão, que guarda mochilas e sacolas das pessoas que chegam pra fazer pesquisa nos andares superiores. Também já trabalhei no laboratório de restauração de livros, com a Valdirene. Quando eu mudei de emprego, depois da primeira semana na Biblioteca, fui convidado a ir ao colégio Espírito Santo para rever antigos colegas de docência. Eles me parabenizaram pela nova função. Amigos do “tempo de escola” que passaram por mim. Passei por eles e nunca vou esquecê-los. Agora, eu ainda vejo alguns livros didáticos porque a Biblioteca os recebe de doação e eu os incluo na lista do computador. O bom e velho Microsoft Excel. Pensei que não usaria mais esse programa depois que eu terminei o curso de informática, em 2004. Na biblioteca, vi que estava enganado... Livros de português, matemática, inglês, biologia, livros de várias áreas. Além de literatura brasileira e estrangeira. Trabalho agora no Acervo Geral, digitando os livros que chegam, no Excel. Aprendi, primeiro, a catalogar livros. Preencher a tabela no Sistema Pergamum: título, autor, número de páginas, ISBN, medidas da capa – sim, eu usava uma régua no setor de Administração - procurar uma imagem de capa na internet pra cadastrar no sistema e finalmente pôr o número do exemplar. Era divertido catalogar um livro, eu gostava! Acho que cheguei a comentar com os meus amigos que, naquele momento, eu não me limitava mais a ser só leitor, mas eu passava a conhecer, pelo menos em parte, os “segredos” da diagramação de uma obra literária. No laboratório de restauração, vi um instrumento usado para juntar as páginas de um livro. A Valdirene costurava as páginas das obras literárias que vinham “desconjuntadas”, passava cola nelas e elas ficavam novas em folha. A minha tarefa no laboratório era tirar o pó dos livros usando um pincel. Com a Valdirene também aprendi a Língua Brasileira de Sinais. Contei a ela que eu já sabia um pouco de LIBRAS, do tempo do meu primário. A primeira palavra que eu aprendi nessa língua foi VOLTAR AO SUMÁRIO

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o meu nome. Com a minha amiga aprendi mais um pouco. Apesar de não ser uma língua falada, é bem difícil porque é cheia de detalhes. Mas, fui pegando o jeito nas frases mais básicas. A Val, a Bruna, a Roslaine e a Luiza sabem se comunicar em LIBRAS. Além da ex-diretora, a professora Gisele. Nós, às vezes, recebemos alunos surdos para uma contação de história e eu já assisti minhas amigas colocarem seus conhecimentos à prova. No Acervo de Referência, o Leandro me mostrou como guardar as obras, em quais estantes. Enciclopédias, dicionários de inglês, espanhol, latim, tupi-guarani, e outros idiomas, medicina, autoajuda, segurança do trabalho, História do Paraná, de Ponta Grossa, livros e revistas de assuntos técnicos. Nesse setor, tem poucos livros de literatura. Literatura é no andar onde eu trabalho. Literatura infanto-juvenil. Leituras pra jovens e adolescentes. Gibis e mangás também, ao gosto do freguês! O Acervo Geral tem obras de filosofia, sociologia, química, física, religião e muitas outras. Entre esses dois conjuntos de estantes, ficam os computadores. Dois pros funcionários trabalharem – eu e a Rosângela – e mais dois pros clientes fazerem suas pesquisas ou trabalhos escolares. A Ângela, uma professora, vai lá com certa frequência. Um dia, ela se sentou na frente do computador e me pediu ajuda pra enviar o seu currículo a uma empresa. E eu, é claro, ajudei. Ela agradeceu e foi embora. Ela pedia ajuda, mas vendo a minha dificuldade em caminhar e que uso um andador, me dizia pra ficar no meu lugar e daí passar-lhe as orientações de como acessar um site pra fazer o que precisava. Mesmo assim, eu gostava de ir até a mesa da Ângela e prestar auxílio. Quando eu ainda trabalhava no setor de Referência, conheci o Oseias Iurk, que lecionava Educação Física. Sempre bem disposto e conversador. Uma vez conversamos sobre uma dúvida de futebol que eu tinha. Perguntei a ele: “Se um time só tem 11 jogadores, por que quando tem jogo na televisão, aparece, por exemplo, o 20 estampado na camisa de um deles?” Ele me explicou que esse é o número de inscrição do atleta no clube. Vivendo e aprendendo! O Oseias é alto, porte atlético, tinha uns 40 anos quando eu o conheci, andava sempre de tênis, calção e camiseta, roupas apropriadas pra um instrutor de Educação Física no exercício de sua profissão. Ele ia à Dalton Paulo Kossoski

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biblioteca pesquisar as regras de algum esporte e usá-las com seus alunos. Quando a chefia disse que eu mudaria de andar, do Acervo Referência pro Acervo Geral, eu fui faceiro na nova experiência. A Luiza Calixto trabalhava naquele lugar e me fez dar os primeiros passos no novo local de trabalho. Ela me ensinou a “ler” as etiquetas dos livros pra colocá-los em ordem nas estantes. Logo eu peguei o jeito de arrumação das obras literárias. Fiquei muito grato a ela por me ajudar. A Roslaine trabalhava ali com a Luiza, mas quando eu mudei de andar, passei a ficar no setor com a Rosângela. Conheci a Luiza quando a gente ia começar a trabalhar juntos. Em 2012, nós fomos à prefeitura para o cadastro no emprego. Bom, ela se cadastrou. Mas eu trabalhava como professor na rede estadual e não consegui assumir o emprego municipal. Tive que esperar mais dois anos pra isso acontecer. Dos meus colegas, a Luiza Calixto passou uns anos conosco e depois foi pra Santa Catarina. Passou num concurso público e foi trabalhar lá. A Valdirene, depois de anos em PG, viajou pra longe, ela está agora morando em Rondônia com a família. Lá na biblioteca, participo de eventos culturais, entre eles a FLICAMPOS (Feira Literária dos Campos Gerais). Uma vez o professor Bira, que me deu aula na faculdade e foi o orientador do meu TCC, compareceu à FLICAMPOS e pude revê-lo, depois de tantos anos. Na universidade, sob a orientação desse mestre, eu aprendi a musicalidade que existe na literatura. Primeiro, na sua breve passagem pela minha graduação, em Teoria Literária, ele ensinou o ritmo das poesias, textos musicais por excelência. Mas também, ele dizia, há música nos textos em prosa: crônicas, contos e romances. O prof. Dr. Bira veio depois me apresentar essa característica nos livros de João Guimarães Rosa. Eu o via durante o curso orientando outros acadêmicos que queriam escrever sobre esse autor. Gostava do jeito que guiava os alunos, do seu entusiasmo pelo assunto dos TCCs. Quando chegou a minha vez de ser orientado pelo prof. Bira, aproveitei muito a oportunidade, pois o meu guia foi muito animado. Divertido na questão musical da literatura, eu o admirava, respeitava. Ele me instruiu a usar um ritmo ao batucar os dedos na mesa, demonstrando a cadência do texto que eu tinha escolhido analisar. Quando eu terminei de redigir meu artigo, já impresso e encadernado, o tutor brincalhão disse: VOLTAR AO SUMÁRIO

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“Pronto, Dalton! Toma que o filho é teu!” Tamborilando com os dedos na mesa, segundo a sugestão do orientador, eu apresentei, em 2009, meu trabalho final do curso da graduação. Todos que assistiram gostaram muito. Meus colegas, a banca de professores que avaliaram meu artigo, os professores Bira, Marly de Literatura Brasileira e Cleideni de Literatura Estrangeira e meus pais. Na biblioteca, eu já vi muitos amigos, entre professores e ex-alunos que vão lá para fazer pesquisa num determinado livro. O professor Bira, por exemplo, encontrei quando foi fazer uma palestra sobre poesia. Fui lá assistir à apresentação do professor. Fiquei tão faceiro! “Feliz” ou “contente” não são palavras adequadas para descrever a alegria e satisfação de um pontagrossense em vê-lo. Contei-lhe que estou escrevendo a minha autobiografia. Ele me respondeu que sou muito novo ainda, posso viver muita coisa futuramente e sugeriu que eu esperasse mais alguns anos para, só depois começar a digitar a história da minha vida. “Mas, diria eu, veja só, professor-doutor Ubirajara Araujo Moreira, este livro, que é o resultado das minhas vivências e, apesar de ‘muito novo ainda’ já vivi muitas experiências e as trouxe a público nessa autobiografia!” Também, vejo entre os “clientes” que frequentam meu atual trabalho, exalunos como a Raquel (EJA – parque Nossa Senhora das Graças), a Cassiane (colégio Espírito Santo), o Vander (EJA – Escola Municipal Coronel Cláudio). A dona Marga Cominato é vizinha do meu local de trabalho, mora na esquina. Ela vai lá toda semana emprestar um livro. É fã das histórias de mistério da Agatha Christie, do Sydney Sheldon e de outros escritores. A vizinha escolhe o livro que quer, na maioria das vezes pede ajuda para localizá-lo na estante e conversa bastante com a gente sobre a sua vida, sobre a sua ocupação, fala sobre os filhos, conta que uma filha era pintora e foi também miss. Conta que ela mesma já foi miss nos tempos de juventude. A dona Marga é uma senhora muito simpática, é uma pintora que dá aulas de pintura e gosta muito de assistir filmes. Um dia foi à biblioteca com uma sacola cheia de DVDs pra me emprestar. Antes, ela tinha me perguntado se eu gostava de assistir filmes e quais os meus títulos preferidos. Levei os 5 ou 6 filmes pra assistir em casa. Gostei, muito bons! No dia de devolvê-los à Dalton Paulo Kossoski

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proprietária, eu pensei que ela iria ao meu trabalho pegar os DVDs de novo, pra me poupar o trabalho de levá-los até ela em sua casa. Foi justamente isso que aconteceu! Acabei o expediente aquele dia, pedi ao pai pra me levar à casa da vizinha e lá fomos até a casa cor-de-rosa da esquina entregar os “produtos” da dona Marga. Bati à porta e esperamos. Logo ela veio atender. Pegou a sacola, perguntou se eu gostei dos filmes e ficamos conversando no portão da casa. Ela nos convidou a entrar, ver os quadros dela e até tomar vinho. Mas já eram seis e pouco da tarde, anoitecendo, a gente não quis entrar e logo viemos embora. Eu ainda disse a ela que não precisava entrar pra ver os seus quadros, pois já via as pinturas quando a dona Marga fazia exposições na biblioteca. Em novembro de 2018 foi o aniversário de 78 anos da biblioteca. Todos foram trabalhar num sábado pra comemorar a nova idade da nossa instituição. A biblioteca é vizinha do Conservatório e Escola de Música, numa praça que respira cultura. Naquele lugar ficava, antes das construções da Biblioteca e da Escola de Música, uma fábrica onde o meu pai trabalhava. As indústrias Wagner. A fábrica era grande, ocupava todo o quarteirão que hoje dá lugar à praça. Ali os funcionários trabalhavam no beneficiamento de madeira, no tratamento de “placas”, ou compensados, como se diz atualmente e portas de madeira. Depois as peças eram enviadas para a área da construção civil, a fim de montar fôrmas para mexer cimento. Meu pai trabalhava nisso com seus colegas de indústria. Daquela empresa que foi demolida há muito tempo, só foi conservada a chaminé alta, “tombada” como patrimônio histórico, bem no meio do caminho entre a Biblioteca e a Escola de Música. Na esquina da praça, ainda resta o escritório da antiga fábrica, um predinho bege que o pai me mostrou uma vez quando me levou ao meu trabalho. Mas, voltando ao aniversário da biblioteca, alguns músicos foram lá tocar saxofone e encantar o público que veio assisti-los, as crianças da escola da frente e nós, adultos. Além deles, também se apresentaram uma pianista e uma violinista. Aquele sábado de novembro de 2018 foi muito especial! Sempre que ocorrem esses eventos na biblioteca, a equipe de TV Educativa da cidade vai lá para filmar. Além de ver o acontecimento ao vivo, depois eu assisto em casa. Eu também já cruzei a praça pra ir ao Conservatório Maestro Paulino VOLTAR AO SUMÁRIO

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muitas vezes. Conheci o diretor e pianista Douglas Passoni, o professor de violão Gilmar e outros funcionários da Escola de Música. Além de ter conhecido esse pessoal, eu já assisti lá a uma apresentação do Newton Schner Jr.. Quando estou no meu trabalho, andando perto da estante onde são guardados os livros da coleção Harry Potter, me lembro da Juliane Sokoloski Kreniski. Eu e o Danilo conhecemos a nossa prima Juliane quando éramos crianças e nossos pais iam visitar os pais dela. A gente brincava bastante no quarto dela enquanto nossos pais ficavam conversando na sala. A casa deles era grande. A sala e a cozinha eram enormes. Na varanda tinha uma gaiola pendurada com o papagaio de estimação da Juliane. O tio Júlio e a tia Cecília eram professores aposentados. Ele, de História. Ela, eu não lembro qual matéria ensinava. O tio tinha o anel de formatura dele – do tempo em que os pais dos formandos compravam anéis e eles os usavam na cerimônia. Eles conversavam conosco longamente sobre seus tempos de escola... Na varanda, tinha um jogo de sinuca e numa visita que nós fizemos, o tio Júlio convidou o Danilo para jogar, mas o meu irmão nunca tinha jogado sinuca antes e não foi muito bem-sucedido... Voltando a falar da paixão da menina pelos livros do Harry Potter. Ela tinha todos os livros da coleção em casa. Já tinha lido todos eles e assistido todos os filmes do bruxinho de Hogwarts. Quando ela vinha aqui em casa trazia os DVDs desse personagem pra assistir comigo e assim passar uma tarde conversando ou, quando os pais dela deixavam, ela posava. Um dia, ela chegou aqui em casa pra morar com a gente. Isso foi em 2008. A Juliane veio dividir o mesmo teto com a gente porque a tia Cecília tinha brigado com ela, expulsando a menina de casa, enviando-a, até mesmo, numa viagem forçada ao Uruguai com pouco dinheiro. Naquele país desconhecido, a menina foi trabalhar numa casa como empregada doméstica. Passou mais ou menos um mês naquela vida “no estrangeiro” Depois de viver esse tempo indesejado no Uruguai, de volta ao Brasil, veio “de mala e cuia” à nossa casa, com uma bagagem formada pelas suas roupas, tênis, os filmes do Harry Potter, pacotes de salgadinho e bolacha. Ela ficou morando com a gente por uns 7 ou 8 meses. Todo dia ela assistia comigo na sala um dos filmes da série do bruxo. Colocava Dalton Paulo Kossoski

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o disco no aparelho de DVD e eu assistia junto com ela. Era meio forçado, eu confesso, mas eu não dizia nada a ela. Assistia junto de boas. O que eu achava meio cansativo era a duração de cada filme – duas horas no mínimo! E depois que o primeiro terminava, tinha o segundo, depois o terceiro, depois o quarto e assim por diante, até chegar ao último. Mas também eram filmes de fantasia com elementos que eu gosto: magos, magia e criaturas fantásticas. Eu sou mais a trilogia Senhor dos Anéis, do que aquela... como se chama uma coleção de 8 filmes? (3 é trilogia, 4 é tetralogia, e daí?) A Juliane também gostava – e gosta ainda – da saga O Senhor dos Anéis. Além de assistir aos filmes, a gente brincava junto e dançava. Assistíamos também a vídeos na internet. Um dia, nós estávamos assistindo ao vídeo do Fantasma da Ópera e ela teve uma ideia: quis reproduzi-lo aqui em casa. Tirou uma capa preta comprida da mochila dela – eu não sei como nem porque ela tinha uma capa guardada na mochila. A gente ensaiou a letra da música. Depois de devidamente ensaiados, ela me vestiu com aquela capa preta. De uma folha de papel, ela recortou pra mim metade de uma máscara – como a que o personagem da peça usa. Quando eu estava fantasiado de Fantasma da Ópera, a Juliane e eu cantamos a música pra minha mãe, que achou tudo aquilo muito engraçado. E assim ficou pronta a nossa versão caseira tosca de um dos mais famosos musicais da Broadway! Além disso, ela gostava de sair, ir ao shopping encontrar os amigos. Ela brincava no shopping numa máquina que simulava passos de dança. Junto com os amigos, se divertia em jogos de RPG. Passou uns anos depois da maioridade morando em Ponta Grossa e depois que se casou foi morar em Piracicaba, São Paulo. Ela é casada, tem filhos e se diverte por lá quando tem um festival de Cosplay, daí vai com algum filho fantasiado de personagem de anime. Essa é outra coisa que ela gosta.

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Capítulo III epois que minha família se mudou da Vendrami fomos para a vila Leomar. Moramos numa casa alugada, perto da escola onde eu e o Danilo estudávamos, o Instituto de Educação. Eu adorava morar lá, naquele endereço nós ficamos dois anos. A casa do lado era de uma família cujo filho era baterista e a vizinha do outro lado, dona Maria, era mãe de outro membro da banda que tocava teclado, guitarra ou outro instrumento que não me lembro. Eles faziam um som legal. Toda noite, às 8 horas, começavam a ensaiar. Eu ficava escutando a música na varanda da minha casa, curtindo. O ensaio terminava às 10 em ponto. Foram esses shows que incentivaram meu sonho de, um dia, aprender a tocar guitarra e me tornar um grande guitarrista! Quando eu tinha 6 ou 7 anos, na outra casa ainda, o pai me deu uma guitarra de brinquedo, de plástico. Nunca tinha visto uma de verdade. Só fui comprar uma vinte anos depois, quando já trabalhava. Quando nos mudamos de casa e viemos da vila Leomar para a vila Oficinas, há mais de 20 anos, uma rua antes da nossa, tinha uma loja de jogos de fliperama, moda no fim do século XX. O Danilo gostava de entrar lá pra jogar um pouco, sempre que estávamos vindo da escola. A gente vinha a pé e antes de chegar em casa ele parava ali um pouco pra jogar fliperama. Com o tempo, aquele ponto de comércio se transformou numa loja de artigos pra festas infantis. Hoje, ali é uma pizzaria. Quando nos mudamos também tinha na rua de casa um açougue onde a mãe, às vezes, fazia compras. Ele ficava com sua neta no estabelecimento e enquanto a mãe ia comprar carne eu conversava com a menininha, trocava com ela figurinhas que vinham em balas, chicletes e pirulitos que o avô dela me dava. Hoje o açougue do seu Raicoski não existe mais, o “ponto” virou uma loja de materiais de construção que depois virou uma loja de estética. Atualmente é uma marcenaria ou loja de móveis rústicos de madeira. É o que anuncia a placa em frente: “Raízes Nobres: arte em madeira”. O dono do antigo açougue tinha problemas na família. Um dia, se envolveu numa briga com um dos filhos, Cláudio, e o matou. Cláudio era

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violento, usuário de drogas. E o seu Raicoski matou Cláudio para se defender, mas “acabou com a família...” Ainda no tempo em que a gente fazia a pé o trajeto da escola pra casa, nós conhecemos a dona Mara. Ela tinha um transporte escolar e era nossa vizinha. Ela disse que poderia levar a mãe e eu pra escola e depois nos trazia pra casa todos os dias. A mãe aceitou e, desde então, nós fazíamos esse caminho de van... Às vezes a dona Mara dirigia o carro e às vezes o motorista era o marido dela, o “seu” César. Para a escola, no veículo, também iam as filhas: a Cristina, a Celina, a Juliana e a Carina. Depois que eu terminei meus estudos no Instituto, acabou o contrato com o serviço de transporte escolar. Quando viemos à nossa atual casa, a gente brincava com os filhos dos vizinhos: William, João Maurício e Igor. Às vezes uns piás da rua aqui perto se juntavam às nossas brincadeiras. Nós tínhamos um rádio e a gente gravava nossas conversas, brincadeiras e outras baboseiras. Eu e o Danilo gostávamos muito de brincar com os vizinhos, o Danilo ligava o rádio e a gente ficava gravando na fita K7, ele escreveu um dia BABOSEIRAS e desenhou uma careta maluca na capa da fita... A mãe do João Mauricio – dona Lúcia – foi uma das primeiras vizinhas que conhecemos quando viemos pra cá. O William morava com ela naquela época, mas ela não é a mãe dele, é sua vó. Os filhos são, o João e a Adriana. Tudo gente boa, os vizinhos e os filhos deles. Os piás ficavam aqui em casa brincando comigo e com o Danilo ou ficavam na rua brincando até o anoitecer. Brincavam de futebol, riscavam um campo no asfalto e se divertiam, davam passagem aos carros que vinham e interrompiam, por vezes, o jogo, mas logo continuava o divertimento. Brincavam também de pipa ou outra coisa. Até a Adriana ir, a pedido da dona Lúcia, chamar o William e o João “pra dentro” da casa deles. Eu ficava olhando essas brincadeiras, dando risada de algumas coisas que os meninos falavam ou faziam. A mãe me levava até a cerca de casa pra conversar com a piazada sobre músicas que a gente gostava (do grupo de rock da época, Mamonas Assassinas) ou outros assuntos. O William, aqui em casa, fazia comigo uma versão do Show do Milhão, um programa de TV. Nós gostávamos também do tema OVNIs. O Danilo mais do que eu, VOLTAR AO SUMÁRIO

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porque ele guardava em casa revistas dedicadas a esse assunto. Meu irmão, o William e o João ficavam horas de olho no céu noturno a procura de discos voadores. Suspeitavam da movimentação rápida de uma estrela no meio de milhões de outros corpos celestes. Mas não tinham como saber realmente se esse ou aquele pontinho luminoso se mexendo rápido era realmente um disco voador. Eles só imaginavam essa possibilidade... Saudades daquele tempo. Agora os filhos já estão casados e morando com suas famílias. A dona Lúcia todo ano convida minha mãe e eu para o seu aniversário. A mãe vai com a dona Daia, outra vizinha. Fico em casa. A dona Lúcia sempre pergunta pra mãe “Por que não trouxe o Dalton junto?” Mas eu fico esperando em casa porque sei que a vizinha, toda vez, manda pela mãe um pedaço de bolo. Muito gostoso! Bolo de morango com pedaços de pêssego! A vizinha é uma ótima “doceira”! Quando nós éramos crianças, eu conheci a tia Vanda, irmã da dona Carmen, que é outra vizinha. Bem, ela só é tia propriamente dita da filha da dona Carmen. Mas, os outros meninos da vizinhança chamavam a Vanda de tia. E eles tinham um carinho especial por ela. Um dia a tia Vanda veio aqui em casa, era meu aniversário, se não me engano. A casa encheu de crianças: além do Danilo e de mim, a Kauana, filha da dona Carmen, o William, o Lucas, o João Maurício, a Adriana e a Juliane. Todo mundo foi para o meu quarto. Tia Vanda queria tirar uma foto de todos juntos e pediu pra que fizéssemos caretas. Fizemos como ela pediu e ela bateu a foto. É uma recordação que eu guardo aqui em casa. Às dez da manhã do dia 22 de dezembro de 2015, recebi uma mensagem do Danilo no meu celular, que dizia: “Parabéns, você é titio!” Estranhei, a princípio, a notícia. O número era do Danilo mesmo, então devia ser verdade. E já pensávamos, a mãe, o pai e eu em conhecer a Melissa. Naquela tarde, nós três nos arrumamos para sair e dar as boas-vindas ao mais novo membro da família Kossoski. Saímos de casa e fomos em direção ao hospital Unimed. Eu, confuso, ainda não tinha caído a ficha, perguntava a mim mesmo: “Por que estão me levando ao hospital? Eu não estou doente!” O Danilo, pai orgulhoso de primeira viagem, estava no saguão nos esperando. Depois de nos identificarmos na recepção, ele nos conduziu por corredores e rampas Dalton Paulo Kossoski

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que pareciam intermináveis, ainda mais porque eles viravam à esquerda e à direita. Após uma longa e cansativa subida, nós chegamos ao quarto onde a Priscila segurava no colo uma criaturinha minúscula chamada Melissa Galvão Kossoski. Eu ali, sentado numa cadeira de um quarto de hospital, a ficha começou a cair, ao ver aquela coisinha pequena sendo passada de mão em mão, de colo em colo. Todos queriam pegar. Comecei a me acostumar à ideia de ser tio. A criança tinha nascido naquela madrugada. Um milagre de natal um pouco antes do natal. Os meus pais – Antônio e Lídia – adoraram o novo papel que lhes cabe agora, o de ser avós. Os pais da Priscila – a dona Inês e o seu Clementino – também gostaram muito. O tempo passou, a Melissa está crescendo e se desenvolvendo. A Mel tem muitos brinquedos aqui em casa, ela brinca com os bonequinhos de plástico, massinha de modelar, gosta de assistir TV e jogar dominó. Nós brincamos com a Mel, contamos historinhas pra ela. Aqui em casa tem uma porção de livrinhos infantis. Conversamos muito. Falamos, eu, ela, e a vó Lídia, sobre as aulas dela, seus coleguinhas de escola. Também sobre os desenhos que ela gosta de assistir. Contamos como ela nasceu: bastante cabelo e bem preto. Ela era mais moreninha, mais parecida com a Priscila. À medida que foi crescendo, foi clareando a pele e o cabelo mais loiro. Ficou a cara do Danilo e da nossa família. A maior parte dos brinquedos que ela brinca hoje é do meu tempo de criança. Figurinhas que vinham em pacote de salgadinho, os tazos, resistiram ao tempo e agora fazem parte do acervo de diversões da Mel. A minha sobrinha também tem bonecas. É linda e inteligente. Brinca um pouco com cada brinquedo que tem à disposição. Já passeou na casa das vizinhas, na casa da bisavó Julieta e já foi até à Biblioteca para conhecer as minhas colegas de trabalho. Eu, o Danilo e a Priscila já fomos diversas vezes ao cinema. O meu irmão e a minha cunhada deixam a Mel aqui em casa para brincar com a vó Lídia e nós três vamos curtir um filme. Chegamos ao shopping Palladium, compramos, ou não, pipoca e lá vamos nós assistir uma história de ação, aventura ou uma animação. Outro lugar que eu gosto de visitar no shopping é a Livraria. Entrar por aquela porta é uma das minhas melhores sensações. Antes de sair de casa, faço planos de comprar um ou dois livros a cada vez. Mas, chegando lá, vejo aquela multidão de livros em estantes que quase chegam a tocar o teto, fico VOLTAR AO SUMÁRIO

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confuso e querendo levar para casa mais livros do que o planejado. Mas, me contento – a muito custo! – em comprar só um ou dois a cada vez que eu visito a Livraria. Em casa, eu tenho a minha biblioteca particular, com muitos livros. A maioria dos títulos foi comprada, só um ou outro ganho. Um amigo da faculdade, o Acácio Scos, veio aqui em casa uma vez e me deu um livro de poesias do Fernando Pessoa e me escreveu uma dedicatória na obra literária. Gostei muito, era meu aniversário quando ele me presenteou com o livro. Outro dia que ele veio me visitar trouxe um CD do AC / DC. O Acácio também já veio aqui em casa pra fazer um trabalho de Literatura para a faculdade. Vieram ele, o Vítor Carlos e o Osnei Calhares. Todos muito legais. Na UEPG, conversávamos sobre música e literatura. Ficávamos no corredor do Bloco B, “papeando” até a professora chegar. Eu, de Letras / Inglês. O Vítor, o Acácio e o Osnei de Letras / Espanhol. A coordenadora do curso reuniu a turma na mesma sala de aula porque, ao longo dos seis últimos meses do primeiro ano do curso, alguns dos meus colegas de Inglês foram abandonando por causa de assuntos pessoais ou profissionais – o Luam Clarindo, o Fernando Cestaro e o Rafael Golob. A turma de Inglês ficou muito pequena, só 7 colegas... Eu, a Maricy Pereira, a Gisele Schraier, a Francine Mariê, a Célia Chagas, a Verena Klausner, a Daniele Zampieri e a Silmara Almeida. Os “espanhóis” se juntaram a nós a partir do segundo ano, ficando um total de vinte e poucos colegas. Nós ficamos na mesma sala de aula até o fim do curso e fizemos nossa formatura juntos. Eu me dava bem com os piás, mas também tinha as meninas, Jaqueline Dutra, Samara Borges, Vanessa Verbosky, Jenifer Colares, Juliana França, Anny Grazielle e outras. A gente sempre se juntava para fazer trabalhos de Literatura Brasileira da profª Marly C. Soares e de Literatura Portuguesa da profª Gisele França e da Gisele Smaniotto – a matéria dela, a gente chamava só de “Seminários”, mas tinha um nome mais comprido: “Seminários Temáticos sobre a Realidade Escolar Brasileira”. Nós, os alunos de Letras / Inglês, nos separávamos dos de Letras / Espanhol quando eles tinham aula de Literatura Espanhola ou Latinoamericana. Tínhamos Literatura Americana ou Inglesa. No Estágio, em língua estrangeira de cada turma, a gente se dividia também. Dalton Paulo Kossoski

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Capítulo IV Nelza Mara Pallú era a minha professora de Estágio em Língua Inglesa. Ela acompanhava os estagiários em 2009 na escola onde planejávamos dar aula. Finalizado o plano de aula, era só aplicar. Mas, naquele ano, só a fase de “observação” da turma com a professora deles é que deu certo. Logo depois, quando a gente ia pôr os planos de aula em ação, veio um terrível surto de gripe (H1N1) e a professora da faculdade disse que o recomendado era não sair às escolas aplicar os planos de aula, com medo do vírus que circulava pelo ar. A minha prática de estágio foi na minha sala de aula na UEPG e eu dei uma aula com o tema Alice no país das maravilhas pra meus próprios colegas. A professora de Estágio Supervisionado em Língua Inglesa mora atualmente em outra cidade. Ela se mudou logo depois que me deu aula. Agora mora em Marechal Cândido Rondon e trabalha numa universidade naquela região. Em 2008, no Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa, aí sim deu certo sair às escolas e praticar!

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Capítulo V epois os meus amigos voltavam a se juntar comigo, o Acácio, o Vitão, o apelido que eu dei ao Vítor – e como ele era provavelmente conhecido entre os próprios colegas de sala - e o Osnei. Eles me falavam, na nossa costumeira conversa no corredor, antes da chegada de alguma professora, de autores como Fernando Pessoa, escritor português, Gabriel García Márquez, colombiano e Jorge Luís Borges, argentino. Os professores da faculdade instruíam os alunos a procurarem logo no 1º ano do curso um orientador para o TCC e não deixarem para última hora, no 4º ano de Letras. Depois de convidar uma professora no começo do meu curso e ela não pôde aceitar, eu falei com o Bira e ele disse sim à “missão”. Daí, toda semana depois da minha aula, nós nos encontrávamos pra discutir como fazer o Trabalho de Conclusão de Curso. Escolhi o escritor João Guimarães Rosa. Escolhido o assunto a ser trabalhado no meu TCC, o professor falava que eu tinha que “afunilar” o tema pra fazer o trabalho, pois trabalhar todos os aspectos do estilo literário dele ficaria uma coisa muita ampla. Fui estudando e moldando o trabalho seguindo as orientações do professor. Ao fim de 4 anos, em novembro de 2009, eu apresentava o meu artigo na Semana de Apresentação dos TCCs, com a honra de ter os meus pais na “plateia” da sala de aula que me assistia. Vi também as apresentações dos meus colegas, todas ficaram muito boas. O Osnei era na sala de aula uma pessoa muito centrada, de poucas palavras, estudava muito, lia até na hora do recreio e no intervalo das aulas. Quando o Acácio, o Vítor, eu e ele nos reuníamos pra conversar no corredor do bloco B da Universidade, ele mais ouvia nossa conversa do que emitia opinião. Quietão, um pouco envergonhado até. Enquanto a maior parte da turma tirou 8, 8,5 ou 9 (essa foi a minha nota), naquela Semana de Apresentação de TCCs, o Osnei com o trabalho dele conseguiu nota 10. Esse é o resultado da dedicação aos estudos do nosso amigo. A Sozângela – é assim mesmo o nome, com S no lugar do R – nos ensinou a Morfossintaxe do Português, processo de formação de palavras da nossa

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língua e muitos significados existentes em uma só palavra. Lembro-me bem do primeiro dia de aula: ela chegou na sala e escreveu no quadro “Mais vale na vida um cachorro amigo do que um amigo cachorro”. Assim, nós trabalhamos em 2006 as definições das palavras. Essa professora conduziu, animada e extrovertidamente, a sua disciplina. Quando ela ficou sabendo de um programa para dar aulas à Guarda Mirim, foi imediatamente falar sobre isso com a pessoa que coordenava a “Guarda”. A profª Sozângela nos orientou nesse projeto de dar aulas de Português àquela turma. No começo só ela ensinava aos adolescentes, mas depois precisou de ajuda e convidou a turma a dar essas aulas, que eram no campus da universidade. Fomos, então os professores daqueles meninos e meninas. Pus meu jaleco e mãos à obra! Não fui dar aula de Português sozinho, a Daniele Zampieri era minha parceira nesse objetivo. Meus colegas formaram as duplas e saíram ao campus nessa atividade. Uma dupla de professores por dia. Eu gostava muito de conviver com os amigos de Letras / Espanhol e Inglês. Gostava de fazer trabalho com eles, de apresentar ao resto da turma depois. Agora, todos os meus colegas da faculdade tornaram-se professores e lidam com a educação no dia a dia. Atualmente eu mantenho contato com todos via Facebook. No mesmo corredor onde nossas conversas se desenvolviam, também tinha a turma de Artes Visuais. A sala deles era bem ao lado da minha. Eu encontrava esses amigos e a gente conversava todos os dia na hora do recreio. A nossa conversa era sobre música e pintura. Quando eu estava tendo aula, ouvia-se trilha sonora de fundo, algum aluno tocando flauta ou piano. Eu viajava naquelas notas musicais enquanto a professora Marly lecionava sobre João Cabral de Melo Neto ou outro escritor. Foi na turma de Artes Visuais que conheci o Márcio Manfredini. Cabeludo que era ele, roqueiro, conversávamos sobre os grupos de rock que cada um gostava. Eu e ele nos encontramos de novo no ambiente profissional, ele dessa vez de cabelo curto, como professor, no colégio Becker e Silva ministrando aulas de Artes. Uma amiga minha é a dona Doroni Hilgenberg. Ela é prima da vó Julieta. É poetisa e mora no Amazonas. Viaja uma ou duas vezes por ano a Ponta Grossa e vai ao Guaragi também. Toda vez que a gente se encontra na casa VOLTAR AO SUMÁRIO

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da vó, nós conversamos sobre literatura, nossos gostos literários e sobre o trabalho do escritor. No fim da conversa ela, às vezes me dá um livro de poesias autografado. Ela é membro da Academia de Letras no estado dela e escreve textos belíssimos! Também da região amazônica interagi com um grupo de pessoas do Pará! Essas pessoas vieram a PG de passagem, atravessando o país, um grupo universitário que ia descendo o mapa em excursão até o Rio Grande do Sul. Eles estavam viajando àquele estado participar de um congresso de Agronomia, a faculdade deles. Chegaram ao Paraná e pararam no restaurante do tio Lauri, na entrada do Guaragi, pra almoçar. Nós estávamos lá, eu a mãe, a tia Luci e a vó e mais pessoas que moram naquele distrito quando eles chegaram. Simpáticos, conversaram comigo, com a minha família e venderam pra nós uns bombons de frutas da região deles – cupuaçu e açaí. Depois dessa interação, eles embarcaram de novo no ônibus e seguiram viagem. Um dia a Doroni, que veio a Ponta Grossa e passou aqui em casa, também trouxe desses bombons. E assim a vida segue: às vezes, saio de Ponta Grossa pra respirar novos ares, andar por outras terras. Às vezes fico na minha cidade e as pessoas de outros lugares vêm casualmente me encontrar aqui, como é o caso do grupo de paraenses. Já viajei com a minha família pra Prudentópolis, na Festa do Feijão, pra Porto Amazonas, na Festa da Maçã e pra Carambeí, ao Parque Histórico, visitar as casinhas da reprodução de uma vila holandesa. Já fomos em excursão pra Paranaguá, ver o Aquário Municipal. Na viagem até lá, sentindo a surdez momentânea da descida da Serra do Mar. Viajar é gostoso, tanto de ônibus, quanto de carro! De carro, eu, o pai, a mãe e o Danilo já fomos muitas vezes à praia. Uma vez, a gente convidou a Carla pra ir junto. Outra vez, a gente levou junto a Edna! A companhia delas na casa da praia foi inesquecível. Eu e o Danilo levamos nas viagens meu jogo de xadrez e um jogo da memória. E assim a gente passava os dias jogando na casa da praia, se divertindo quando lá fora chovia e não dava pra sair e aproveitar a areia e um banho de mar. A gente nunca saiu do Paraná. Meus pais quase foram morar em São Dalton Paulo Kossoski

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Paulo... Mas isso foi quando o pai e a mãe moravam em Porecatu, na fronteira do estado com São Paulo. Faz anos. No tempo em que eles eram ainda recém-casados. E o tempo passou... A Carla está casada com o Willian e tem um filho, o Pedro. Eles nos visitam às vezes. O Pedro é bem esperto. Um dia eles vieram com a dona Margarida, mãe da Carla, a Melissa estava aqui em casa. E as duas crianças, Pedro e Melissa se conheceram, gostaram da companhia uma da outra e ficaram brincando enquanto nós conversamos com a dona Margarida. A Edna se casou com o Osmário Moro Júnior e tem dois filhos, Gabriel Moro e Mariana Moro. Nós nos encontramos quase todo fim de semana que estamos no Guaragi. A Edna e o Júnior moram e trabalham em Curitiba, numa fábrica onde produzem estruturas de aço para construção de casas. A Edna é formada em Arquitetura e o Júnior é engenheiro mecânico. Quando eles vão ao Guaragi, almoçam na casa da vó, ficam um pouco por lá conversando com ela e os demais parentes. Eles trabalham muito, têm obras de casas no Guaragi e em Ponta Grossa. Quando a gente chegava no sítio o sr. Osmário nos recepcionava de braços abertos. Fazia churrasco pra gente nos aniversários das crianças. Seu filho o ajudava a assar a carne, linguiça ou pão de alho. O Júnior ia de caminhonete buscar a gente na casa da vó e a gente ia ao sítio pra festar. Um dia nós fomos convidados a pescar lá no sítio. Chegando ao lugar – eu, a mãe, a tia Luci e a vó Julieta. Encontramos o Júnior, a Edna, a Mariana e o Gabriel. O caseiro, o seu Osmário e o Júnior providenciaram as varas para todo mundo e então começamos a pescaria. Pescamos a manhã inteira e o resultado daquela pescaria foi à nossa mesa de almoço. Peixe frito. Delícia! Passar o dia no sítio São Francisco é ótimo. O terreno é muito grande com bastantes árvores e ar fresco. Um sítio que o pai do Júnior deixou quando se foi. Um dia, quando eu chegava à casa da dona Evelina, ela me contou que é formada em Letras também. Se bem me lembro, nós trocamos algumas palavras em Inglês... Ela é uma ótima pessoa e excelente anfitriã, assim como o marido dela era. A primeira vez que comecei a redigir esta história, eu ainda estudava no VOLTAR AO SUMÁRIO

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Instituto de Educação. Estava tudo ok na família, o vô ainda estava vivo, aliás muito bem de saúde. Não tinha argumento para começar a digitar a história da minha vida. Eu terminava os meus estudos na escola. Um dia, no “terceirão”, 3º ano do 2º grau, num sábado, tinha na escola o Dia do Protagonismo Juvenil. O professor Nilton entrou na sala na sexta-feira e avisou que, no dia seguinte ele queria ver todos nós na escola. Naquele sábado, passei o dia inteiro lá junto com meus colegas e os outros alunos da escola. Desde as 8 da manhã até as 5 da tarde. Fizemos um monte de coisas aquele dia. Eu e meus amigos assistimos a peças de teatro no auditório. Comemos lanche no refeitório. E o almoço. O diretor Josué vestiu um avental do Palmeiras na hora do lanche e fez uns hot dogs para nós. Não lembro se mais algum funcionário da escola o ajudou a cozinhar. Provavelmente o seu Osvaldo, o zelador. Daquele dia, eu tirei inspiração para fazer um texto, a minha autobiografia inventada. Todo mundo reunido no refeitório, de todas as salas de aula. Vi uma menina muito bonita, de outra turma. Disse isso pros meus colegas. Fui para casa e fiquei pensando nela. Não sabia o nome dela, mas em sonho a vi de novo, perguntei-lhe o nome e ela me disse: “Patrícia”. Isso ficou na minha mente e mais o cenário onde o encontro aconteceu. Esses foram os estímulos para eu escrever a história.

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Capítulo VI omecei o texto contando o meu encontro com a Patrícia. Incluí também os meus amigos do Instituto como personagens. Inventei que eu morava em um prédio de Ponta Grossa, um apartamento de frente com o da Patrícia. Logo, depois de várias visitas e conversas no corredor do prédio, nós engatamos um namoro e depois de um tempo nos casamos. Convidei todos os meus colegas da escola para a festa de casamento. Foi uma história com umas pitadas de surrealismo. Levei minha namorada ao cinema pra assistir Genesis II, um filme sobre um futuro pós-apocalíptico, o mundo sendo reconstruído no século XXXII! Depois de casado, levei a minha mulher pra morar comigo numa casa de oito lados, que tive uma vez num sonho. E a minha história continuou, até que ela meio que saiu do meu controle e sem querer coloquei um dos meus personagens na cadeia. A minha mãe, que acompanhou todo o processo de redação, disse que eu não deveria escrever aquilo. Nem argumentei, eu não tinha culpa, pois a história evoluiu sozinha e, quando percebi, um personagem já estava na cadeia. Mais um pouco e ele estava morto. Só apaguei a história do meu computador. O Danilo me disse uma vez que, quando ele desenha as tirinhas do Catraca para o jornal onde ele trabalha, o Diário dos Campos, o personagem, a certa altura da história, conduz o enredo sozinho. E o próprio autor das charges fica surpreso com o resultado.

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Capítulo VII as essa é a minha autobiografia verdadeira. Aquela foi só um passatempo. Eu sou bibliófilo, amante de livros, cinéfilo, amante de filmes e amante de música. Bibliófilo, claro, porque eu trabalho numa biblioteca. Uma vez, na família que se reúne todo ano na casa da vó pro amigo secreto, a Sílvia, uma prima, me deu de presente o livro número 2 de uma coleção de 5 livros. Daí fui á Livraria Curitiba comprar os outros livros e completar a coleção. A saga Percy Jackson e os olimpianos. Mitologia grega trazida até o século XXI. A continuação, outra coleção, Os heróis do Olimpo, também foi comprada naquela livraria. As histórias colocam o protagonista e seus amigos lutando contra monstros e outras forças do mal, depois de perceberem que são semideuses e têm poderes. Tudo começa quando os personagens se veem numa Nova York dominada por deuses e outras criaturas retiradas das mitologias da Grécia e Roma Antigas. Interessante o modo como o escritor, Rick Riordan, constrói as narrativas. Os personagens recebendo treinamento de luta no Acampamento Meio-Sangue, o nome do lugar significando que todos os campistas são fruto do relacionamento entre deuses e humanos. Os deuses aparecem usando celular, notebook ou outras tecnologias. Quando estudava no Instituto de Educação tinha que visitar toda semana a biblioteca da escola pra emprestar um livro. A mãe me levava até lá quando ia me buscar no fim da aula. Eu ficava ali entre os corredores, escolhendo o título que eu queria. Saía da biblioteca animado com o livro na mão e entrava na van da dona Mara. O professor Mauro, de Química, um dia me perguntou se eu gostava de ler. Então, ele me recomendou O homem que calculava, de Malba Tahan. Achei engraçado o nome do autor, achava que ele era estrangeiro, que era Mal Batahan. Mas, a verdade é que Malba Tahan não é o nome verdadeiro dele: é o pseudônimo. Mais tarde fui aprender que o nome do escritor é Júlio César e ele é brasileiro mesmo. Às vezes, quando tocava o sinal para a aula de Educação Física, os meus amigos me levavam junto ao ginásio de esportes da escola para vê-los jogar

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vôlei ou futebol. Ficava sentado na arquibancada de cimento vendo-os correndo pela quadra. Vibrando com o desempenho dos meus amigos mas, por outro lado “curtindo” uma solidão ao me ver sozinho naquela arquibancada grande. O professor Nilton sentava-se ao meu lado pra orientar seus alunos nas regras do jogo. Os bancos só enchiam mais de público quando era tempo de JEM – Jogos Estudantis Municipais. Aí sim, a plateia lotava de gente torcendo! Outras vezes, na hora da Educação Física, os amigos, antes de ir ao ginásio de esportes, me levavam até a biblioteca e puxavam uma cadeira para eu sentar junto a uma das estantes cheias de livros. Eles, então, iam para a aula. Eu ficava lá na biblioteca lendo um livro da coleção Vaga-lume ou uma revista Ciência Hoje das Crianças, durante os 50 minutos da aula da minha turma. Os dias de Educação Física significavam para mim muitas idas à biblioteca do Instituto de Educação. Estar no meio dos livros era a minha felicidade desde os tempos do ensino fundamental! O professor Nilton me ensinou a jogar xadrez. Tinha as peças e o tabuleiro. Enquanto os meus colegas se exercitavam no ginásio de esportes na quadra jogando bola, esse mestre me ensinava as regras daquele jogo de tabuleiro. Logo eu peguei o jeito e pedi pra minha mãe comprar um jogo de xadrez pra mim. Ela comprou no mercado e eu pude praticar em casa os ensinamentos recebidos do meu professor. Encontrei ainda muitas vezes esse professor depois que eu terminei os estudos no Instituto. Quando eu já trabalhava tinha que ir, a cada seis meses, ao auditório da escola para a distribuição de aula e ele estava lá. Era um senhor já, deveria estar aposentado, só que ainda era instrutor de Educação Física, pois ele dizia: “Se eu parar de trabalhar, eu morro!” E foi justamente isso que aconteceu; ele “morreu trabalhando”. As últimas vezes que o vi eu já trabalhava na Biblioteca. Ele ia lá com os alunos e ensinava xadrez a eles. Eu o via, contava que, quando estava na faculdade, fiz estágio no CEEBJA Paschoal. Ele dizia que Paschoal Sales Rosa era o nome do pai dele, que foi homenageado com o nome da escola. Aprendi muitas coisas com o prof. Nilton. Quando eu trabalhava como professor ia ao Instituto de Educação na época de votar nas eleições. Ou na distribuição de aula, como eu já contei. Daí eu via o zelador, seu Osvaldo, a professora Rosilda que cuidava da biblioteca da VOLTAR AO SUMÁRIO

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escola. No tempo em que era aluno a bibliotecária era a Maria Guilhermina e o diretor, Josué. Outras mulheres já cuidaram da biblioteca do Instituto no tempo que eu estudava, mas só sei o nome da Maria Guilhermina. Ah, tinha outra que se chamava Josefa. Sempre gostei de ler. Primeiro, indiretamente, quando nem era alfabetizado ainda e a mãe lia gibis pra mim e pro meu irmão na hora de dormir. Naquela longínqua época, só via os desenhos e imaginava o que estaria acontecendo na história. Fui crescendo e a primeira palavra que li foi TEXACO – o nome de um posto de gasolina que existia aqui em Ponta Grossa – na viagem de volta da APACD na Kombi do seu Ernani. O motorista ficou maravilhado com aquilo e quando parou a Kombi em frente de casa, falou pra mãe que eu já sabia ler. A mãe não ficou muito surpresa, já que ela estava me ensinando as primeiras letras. Quando fui matriculado na primeira série do primário, uma vez que terminou a aula, a professora disse que, na aula seguinte, iria ensinar coisa nova. No dia seguinte, me decepcionei. Cheguei em casa depois da escola e disse pra mãe: “Ah! A professora falou que hoje ela ia ensinar coisa nova. Mas ela ensinou o alfabeto! O alfabeto eu já sabia!” Nunca mais parei de ler e de escrever. Quando estava “na espera”, terminada a faculdade, aguardava a oportunidade do primeiro emprego, escrevia contos e crônicas para concursos lançados pela Prefeitura, por intermédio da então chamada Secretaria de Cultura. O que, anos depois, se transformou em Fundação de Cultura, para a qual eu trabalho atualmente. Quer dizer, a Biblioteca é ligada à Fundação. Participei com os amigos do trabalho de muitas coisas, além dos ensaios e apresentações lá no serviço. Já fui a uma escola de teatro e ao Centro de Cultura. Assisti apresentações do Newton Schner Jr., Músicas belíssimas tocadas ao piano. Entre as músicas, o Newton explicava o contexto em que cada composição tinha sido criada. Depois de uma ou duas horas de apresentação, o artista recebia do público uma salva de palmas de 10 minutos. Com os meus colegas de trabalho, na escola de teatro, conheci pessoas de muitos cantos do Brasil, em 2018. De São Paulo, de Minas Gerais, do nordeste e uma menina de Pernambuco que morava no Rio de Janeiro. Ou será do Rio de Janeiro que morava em Pernambuco? Não lembro mais... Dalton Paulo Kossoski

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Mas, foi bem legal aquele passeio! E a escola era grande: tinha umas salas que eram estúdios de ensaio, pátio e auditório.. Tudo bem organizado. Eu vi tudo aquilo e pensei: “Um dia eu ainda venho estudar aqui!” Quando cheguei, o Alfredo da biblioteca já estava lá recebendo as pessoas. Ele me apresentou a um cara de Minas Gerais. Ele disse: “Esse é o Dalton, nosso contador de histórias!” O mineiro quis que eu contasse uma história a ele. Mas ali, no susto, sem ensaiar, eu não pude contar nenhuma. Lá, eu fui junto com meus amigos até o auditório daquela escola assistir à apresentação de um grupo musical chamado Capim-limão. O trio cantou músicas caipiras e contou uns causos pra nós. Eu sempre estou lendo e escrevendo. Desde a minha alfabetização, eu leio. Jornais, revistas e livros. Já contei aqui que, sempre que vou ao Guaragi, levo um livro comigo. Posso ler no meio do barulho – quando a vó recebe visitas na varanda da casa dela e começa uma roda de chimarrão – que eu não ligo. Eu mergulho na aventura, me deixando levar pela imaginação. Só respondo alguma coisa que as pessoas à minha volta me perguntam. E depois, volto ao meu livro! Tenho a mania de ler dois livros ao mesmo tempo. Quando termino de ler uma obra literária, já tenho que começar outra. Então, tenho que ler um livro com outro do lado esperando ser aberto. Tenho um monte de marcadores de páginas que ficam no meio dos livros enquanto estou lendo e depois eles continuam guardados no meio das obras literárias quando as coloco na estante da minha biblioteca particular. Na falta de um marcador, vale pôr também entre as páginas um panfleto de propaganda. Aprecio muito o exercício da leitura: antes de começar a ler a história, leio a orelha do livro, a biografia do autor. Gosto de sentir o cheiro, o peso do volume em minhas mãos. Só então começo a ler a história. Leio e quando termino, releio se a história for muito boa. Já que eu trabalho numa biblioteca, um costume que eu não deixei de lado é o de emprestar livros. Antes, eu os emprestava na biblioteca da escola. Agora eu pego um livro pra ler no meu trabalho. O Newton é uma das pessoas mais incríveis que eu já conheci. Ele é um jovem pianista autodidata. No começo de sua carreira, ele gravava suas VOLTAR AO SUMÁRIO

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músicas de forma precária, em fitas cassete. Agora, ele é mais moderno, grava seus CDs na Europa. Passa um tempo divulgando o trabalho na Itália, na Rússia, na Alemanha e em outros países. Quando volta ao Brasil, é no Centro de Cultura que ele se apresenta. Vou assisti-lo, com o pai e a mãe. Além de assistir às apresentações do Newton Schner Jr., como amante da boa música, em 2012 eu comprei uma guitarra. Batizei-a de ExpériMétal. Daí eu comecei a ter aulas no YouTube® pra aprender a tocar. Aos poucos fui me aperfeiçoando. Pensei em assistir aulas no Conservatório de Música, na praça da Biblioteca, mas só com as lições do Cifra Club eu estou aprendendo as notas musicais e outras dicas de como ser músico. Comprei o meu instrumento musical em julho daquele ano, nas minhas férias. O pai me levou para escolher um modelo. Meses antes eu passava de carro na frente de uma loja de instrumentos musicais no caminho para o CEEBJA. Passava em frente da Musical Curitiba toda noite, escutando o som que saía da janela do segundo andar daquele prédio azul. Ficava maravilhado com aquilo, imaginava se fosse eu tocando ali, ensaiando... Até que entrei na loja. Vi a variedade de instrumentos: guitarras, violões, teclados, órgãos. Deliciei-me com um som ambiente: uma pessoa tocando violino no andar superior, instrutor ensinando ao aluno. Lembrei-me das histórias de Sherlock Holmes que tinha lido, contando que o hobby do detetive era tocar violino. Mas, voltando ao negócio que me levou à loja. Eu era inexperiente como músico, perguntei ao vendedor, ele me mostrou muitos modelos de guitarra. Analisei um, perguntei o preço, mas, das opções expostas na loja, só tinha instrumentos mais “profissionais”, pra quem já sabia tocar alguma coisa. Nada muito iniciante. Agradeci e fui embora. Foi na segunda loja visitada que eu fechei negócio! Comprei o meu instrumento e ganhei alguns acessórios: caixa de som, correia, a alça da guitarra, cabo pra ligar na tomada e palheta. Eu sou cinéfilo. Assisto a filmes no cinema e em casa também. Pedia pro Danilo alugar pra mim filmes na locadora de DVDs. Agora, a locação de DVDs não está mais na minha lista de pedidos ao Danilo. O meu aparelho de DVD nem uso mais com a mesma regularidade de antes. Agora, só assisto filmes no computador, na internet. Dalton Paulo Kossoski

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Nas primeiras vezes que escrevia essa história, dizia a algumas pessoas do meu círculo social quando iria terminar o texto. Mas, não faço isso mais porque eram só previsões furadas... Por exemplo, uma vez, tinha o meu blog e publiquei que iria concluir essa autobiografia em 2014 ou 2015. E quantos anos já se passaram desde então! Fazer a previsão de término desta história foi o meu primeiro erro. O segundo erro foi não ir gravando num pen-drive à medida que escrevia esse texto, da primeira vez. Já comecei a escrever a história da minha vida umas três ou quatro vezes. Acho que essa é a quinta. Só agora estou escrevendo e gravando no pen-drive para não perder o texto inteiro. A última vez que perdi uma boa quantidade de texto foi 20% distração e 80% luto. A Kellen, uma das filhas da dona Carmen, tinha morrido. Apesar de sua própria doença, a Kellen não media esforços para ajudar as outras mulheres internadas no mesmo hospital que ela, padecendo do mesmo mal. Tudo pra levantar a autoestima de suas “colegas de quarto”. Quando ela morreu, era como se um parente meu tivesse ido embora, uma irmã. Fiquei muito triste, uns dias antes eu tinha apagado boa parte do que eu tinha escrito. Fiquei sem escrever pelos dois ou três dias que se seguiram. Passado o período de luto, comecei a recuperar o trabalho perdido. A minha mãe já trabalhou como diarista na casa da dona Carmen. A mãe me levava junto para a casa da vizinha. A Kellen estudava para o vestibular. A mãe correndo na casa a fim de vencer o serviço doméstico. A menina lendo os livros via a mãe trabalhando sem parar e a chamava na sua hora de pausa dos estudos para fazer uma pausa no trabalho também. Ela ia estourar pipoca pra gente. Pipoca de chocolate que a mãe, a Kellen e eu comíamos. Era sempre assim: a mãe trabalhando, a filha da dona Carmen estudando, a pausa tinha que ter pipoca e era esse o nosso lanche diário. Depois desse “recreio”, nós voltávamos aos nossos afazeres: a mãe com seu trabalho pela casa, a irmã da Kauana com seus estudos do pré-vestibular e eu com o meu livro de colorir. Momentos deliciosos aqueles, por causa da pipoca de chocolate, especialidade culinária da Kellen, as horas que eu passava fazendo arte com meu livro na casa da vizinha e a companhia das filhas dela. A Kellen estudou com responsabilidade. Passou no vestibular, fez curso VOLTAR AO SUMÁRIO

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de Direito e até passou no exame da OAB. Exerceu a profissão de advogada por um tempo, mas parou quando ficou grávida de seu primeiro filho e anos depois ela adoeceu. Foi para o hospital, marido e filhos ficaram nervosos e apreensivos. Seu Chico, Francisco, o pai, dona Carmen e Kauana, também. Mas a própria Kellen, no seu momento mais difícil, se manteve firme! Ela foi solidária com as outras pacientes, aumentando-lhes a autoestima, “não deixando a peteca cair”. Sempre carregava um sorriso no rosto! Era linda, por dentro e por fora, era inteligente, feliz e gostava de ver as outras pessoas felizes também! Infelizmente, durou pouco tempo no hospital, desde o diagnóstico da doença até o trabalho voluntário de ajuda às outras pacientes. Dois anos. Depois desse tempo, ela morreu. Eu a vi pessoalmente poucas vezes, mais vezes só pelo Facebook, em fotos de viagens com o marido e até depois, no seu voluntariado pelo hospital. Fotos publicadas pela dona Carmen ou pela Kauana. Quando estava na escola, esperava, junto com a mãe, a dona Mara, a motorista da van escolar, que me levava de volta para casa. Anos depois, trabalhando na biblioteca, nós nos reencontramos. Ela é motorista da Fundação de Cultura. Eu e a mãe a chamávamos de Mara. O nome dela, agora trabalhando na Biblioteca, eu sei, é Maria. O outro motorista, o seu Renato, conheço também. O Marcelo, o jardineiro, ou o faz-tudo da Fundação é meu amigo também. O Rogério, do RH. O presidente da instituição. O atual – Alberto Portugal. O ex-presidente Fernando Durante, que infelizmente morreu de coronavírus. Mas foi um homem muito importante e ativo para a cultura de Ponta Grossa. E todas as outras pessoas do grupo de whatsapp da Fundação Municipal de Cultura. Já participei de muitos eventos na Biblioteca. Muitos carros param no estacionamento do prédio. E ônibus também. Uma vez, durante a FLICAMPOS, um ônibus estacionou. Mas não era um veículo comum. Era um ônibus-teatro – o Buzum! Uma casa de espetáculos sobre rodas. Com uma história diferente a cada 20 minutos, os artistas usavam fantoches ou outros recursos, como teatro de sombras, no desenvolvimento dos enredos, o Buzum se tornava um diferencial nas atrações da Feira Literária. A primeira vez que o ônibus estacionou perto do “prédio azul”, como a escritora Luísa Dalton Paulo Kossoski

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Cristina gosta de chamar o meu trabalho, só olhei pela janela aquele ônibus todo pintado por fora. Achei bonitos os desenhos que apareciam ali na lataria do veículo, desenhos que retratavam imagens que os espectadores do teatro viam nas histórias contadas lá dentro. No ano seguinte que o ônibus estava lá, entrei nele, sentei numa das poltronas e esperei o início do espetáculo. Assisti a história de amor de um homem das cavernas que atravessa os séculos. Vi outras histórias também, ao vivo no ônibus-teatro ou num gibi que o pessoal do projeto Buzum produziu e que tenho em casa. Nós também temos livros do projeto no acervo da Biblioteca. O ônibus do projeto percorre o Brasil divulgando a sua arte, não sei onde ele está agora. Deixou saudade! Também já vi muitos circos se instalarem nos fundos do meu local de trabalho. Toda vez que isso acontece, peço pro meu pai me levar ao circo no fim do expediente. As vezes que o circo se instalava perto do estacionamento foram muito divertidas! Primeiro, via pela janela do prédio os caminhões, camionetes e trailers chegando com os equipamentos para o circo; depois, a montagem das estruturas e por último, a lona principal. Depois era só comprar ingresso e se divertir com o espetáculo dos artistas circenses. Dentre as palestras e cursos realizados na Biblioteca, no fim de 2019, gostei muito da palestra da escritora Luísa Cristina dos Santos Fontes sobre o Dalton Trevisan. Um escritor curitibano. Vi o convite para esse evento no blog da biblioteca. Eu estava trabalhando no Acervo Geral quando a Myrna, minha chefe, me convidou para ver a palestra da Luísa. Só que, pelo que tinha lido no site, eu pensava que a escritora ia falar sobre o livro “Abismo de Rosas” que ela mesma havia escrito. Desci pra assistir a palestra. A palestrante me viu lá e, antes de iniciar a exposição, disse: “Ah! Então você veio por causa do Dalton...” Por coincidência o tema da palestra era o escritor de Curitiba. A Luísa falou sobre a troca de correspondências que ela manteve com o escritor. Foi muito interessante ouvi-la falando sobre o Dalton Trevisan! Foi legal conhecer os livros dele, “Abismo de Rosas”, entre outros, e o estilo de escrita do vampiro de Curitiba: o micro conto. O escritor recebeu esse apelido de “vampiro” porque é muito difícil vê-lo sair de casa pra conceder entrevistas ou uma simples conversa com amigos ao ar livre, à luz do sol. O que o faz ter a fama dos vampiros do cinema. VOLTAR AO SUMÁRIO

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Também no fim de 2019, 4 de Novembro, pra ser mais exato, aconteceu o Curso de Mediação de Leitura. Um momento muito gostoso que eu vivi e aproveitei junto aos meus colegas de trabalho. Uma troca de experiências que fiz, não só com eles, mas também com pessoas de bibliotecas de outras cidades do estado, Curitiba, Foz do Iguaçu e funcionárias de bibliotecas escolares aqui de Ponta Grossa. Rimos, contamos histórias um para o outro, o pessoal das outras cidades ficou conhecendo e gostaram do meu local de trabalho. Ali, naquele curso que durou três dias, nasceu uma belíssima amizade, pela intervenção das variadas brincadeiras que a Tatjane propôs. Eu adorei aquelas horas e horas passadas junto de profissionais que, por meio dessa interação se tornaram amigos para sempre! Gostei ainda mais pois, já no primeiro dia do curso, foi criado um grupo de whatsapp para fortalecer esse vínculo de amizade. Muito obrigado à equipe que participou do curso: Tatjane Garcia Albach, Marta Sienna, da Biblioteca Pública do Paraná em Curitiba, Célia Wille Bayer, Deise Aparecida Machado, Aguida Alves, Délia Francine Conte, Adriana dos Santos Inocêncio, Ana Gabriela de Freitas, Ana Patrícia, Julia Celis, Graziele Rodrigues, Roslaine Barbosa e Rosângela Oliveira, as cinco últimas, minhas colegas da Biblioteca Pública Municipal Professor Bruno Enei, de Ponta Grossa). Ao fim do curso, ainda conhecemos as escritoras Rosi Vilas Boas e Rima Awada Zahra, que bateram um papo com a gente sobre as coleções de livros que escreveram junto com uma terceira profissional, Cassiana Pizaia, que não pode ir à nossa biblioteca naquele dia 6 de Novembro por causa de outro compromisso. Depois de conversarmos, elas doaram à biblioteca o primeiro livro de uma coleção que haviam escrito. Fica aqui registrado o meu agradecimento a esse trio de autoras. A equipe organizadora do evento: Carlos Hernandez, Bruna Bonini, Alan Kardec e Myrna Kossatz, que fez a ponte entre todos nós. Gostei tanto desse encontro que, um mês e pouco depois, no Ano Novo de 2020, publiquei no Facebook um texto em que reunia todo mundo numa aventura marítima a bordo de um navio. Todos os amigos viajantes dos mares da literatura. Dalton Paulo Kossoski

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Em todo esse tempo que trabalho na biblioteca, fui visitado por muitos ex-alunos, o Vander, quando dei aula na vila Coronel Cláudio, a Raquel, parque Nossa Senhora das Graças e muitas outras pessoas de Ponta Grossa, Curitiba ou outra cidade. Ou outros estados também. Um dia apareceu por lá um cara de São Paulo, o Willians Lima. Um piá que tinha vindo a PG a procura de emprego de professor, que na pequena cidade de Sumaré estava difícil de achar. O Willians também desembarcou aqui movido pela curiosidade em conhecer a minha cidade. Ele foi à biblioteca, contou que gostou do lugar e das pessoas. Ele estava tão ansioso por viajar à cidade do interior do Paraná que, como me contou, ainda na cidade paulista, antes de embarcar, pensou consigo mesmo: “Eu ainda vou conhecer essa cidade...” E pesquisava informações sobre Ponta Grossa na internet. Chegando aqui, viu a cidade em festa de aniversário e em época de FLICAMPOS. Era o mês de Setembro. Se encantou pelo Parque Ambiental com seu letreiro EU AMO PONTA GROSSA. Todos nós funcionários da biblioteca conversamos bastante com Willians Lima, o visitante do estado vizinho. Ficamos muito amigos, ele viu alguns livros do nosso acervo, pediu umas indicações de leitura, admirou nossa cidade que tem biblioteca, shopping, disse que a cidade dele era tão pequena que não tinha nada disso, isto é, na época da visita que ele nos fez. Hoje em dia, Sumaré tem shopping e se desenvolveu muito mais. O rapaz ficou com pena quando teve que voltar a São Paulo. Não queria nos deixar... mas teve que voltar! Conseguiu emprego numa escola da sua cidade. Agora está trabalhando por lá. Ele gosta de fotografar a sua cidade e postar essas fotos no Facebook. É assim, virtualmente, que a gente continua mantendo contato. Eu me formei no curso de Letras. A faculdade me incentivou a seguir em frente com o gosto da leitura e dos renomados nomes da literatura. Um pouco antes de começar a trabalhar, escrevia contos para concursos municipais. A primeira vez que comecei a redigir essa autobiografia, era apenas um hobby, mais um passatempo, do que qualquer outra coisa. Era uma autobiografia na versão ficção. Porque eu ainda não tinha motivo para escrever sobre a realidade dos fatos que aconteceram em minha vida. Agora essa história virou uma obrigação moral e, por meio dela, eu agradeço todas as pessoas VOLTAR AO SUMÁRIO

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da minha família. Os amigos do trabalho. Os amigos que eu fiz durante essa caminhada: os escritores Renata Régis Florisbello, Róbison Benedito Chagas, Mário Sérgio de Melo. Membros da Academia de Letras dos Campos Gerais. Os professores Fábio Maurício Holzmann Maia e Silvana Zimmermann, um casal que conheci quando trabalhava nas escolas. Estou muito feliz de, já no começo da minha carreira de escritor, ter conhecido vocês. Muito feliz de partilhar as minhas experiências com os meus leitores em potencial. Muitos desses escritores da ALCG têm seus títulos publicados e guardados nas estantes do meu local de trabalho. Entre essas pessoas eu destaco o trabalho da Renata Régis Florisbello, cujo estilo literário me emocionou. Um dia, lendo em casa uma coletânea de crônicas que eu havia emprestado – O mistério da biblioteca – me deparei com um texto da autora citada. Comecei a ler Capim-limão, com o personagem principal Moisés. O pequeno Moisés e sua mãe me fizeram reviver a minha própria história. O menino tinha nascido com hidrocefalia e o desespero da mãe, de mãos atadas, sem saber o que fazer frente à evolução da doença do filho. Com a demora em tratar a doença, a cabeça, o crânio do Moisés foi aumentando de tamanho, inchando até não poder mais. Foi assim que eu me identifiquei com a crônica da Renata! A diferença entre nós é que o menino daquela história acabou morrendo e o menino dessa, Dalton Paulo Kossoski, passou por uma cirurgia e “viveu pra contar a história”. Essa aqui que você está lendo. Depois de ler aquele texto, eu enviei uma mensagem de agradecimento à minha amiga escritora. Sua companheira de Academia, a Luísa Cristina dos Santos Fontes, escreveu sobre a biblioteca, na mesma coletânea. Em seu texto o personagem visita o lugar. A Luísa então descreve a portaria do prédio, com a foto do patrono Bruno Enei emoldurada na parede, a luz que vem de fora sendo filtrada pelos vidros azuis, escolhe entre os livros do acervo um que lhe agrade e vai embora. Gostei muito de ler os dois textos, da Renata e da Luísa, bem como as outras crônicas daquele livro O mistério da biblioteca. Enviei uma mensagem de agradecimento à Luísa também. Agradeço também à minha primeira professora, Maria Rita, que me ensinou as primeiras letras no ensino regular do Instituto. A tia Sônia dos tempos da APACD, quem diria, eu fui reencontrar anos depois, era vizinha Dalton Paulo Kossoski

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de apartamento do meu irmão. A mãe, o pai e eu fomos visitar o Danilo, a Priscila e a Melissa diversas vezes. A tia Sônia ficou bem feliz de me rever um dia lá no apartamento do Danilo e fiquei muito feliz de revê-la também, depois de tanto tempo. A gente se reunia nos aniversários da Melissa, do Danilo, da Priscila ou quando não tinha festa nenhuma, quando dava vontade de fazer visita a eles, nós aqui de Oficinas íamos até o prédio em Uvaranas. O apartamento do Danilo era bem aconchegante! Nas paredes da sala, vários quadros com personagens de histórias em quadrinhos. Uma referência a Calvin e Haroldo, criação do cartunista Bill Waterson, num quadro onde se via a Melissa e o gato Bóris, o animal de estimação da família. Na estante, livros de HQs, uma miniatura do Batmóvel e um bonequinho do Catraca, personagem criado pelo Danilo, que vive muitas aventuras ao lado do seu mascote Tatu, nas charges do jornal onde o Danilo trabalha. O sofá confortável e na TV a gente assistia a um programa ou um desenho que a Melissa gosta e o Danilo grava no pen-drive. A Mel gosta tanto de ver os desenhos que, quando a gente ia lá na casa deles visitá-los, a menina tinha decorado tudo sobre a história que a gente ia assistir. E contava nas palavras dela: “Agora vai acontecer isso, depois o personagem vai fazer aquilo...” É assim toda vez que ela vem aqui em casa. Eu gravo um desenho pra assistirmos: eu, ela e a vó Lídia. Na minha vida, já encontrei muitas pessoas boas. O Sérgio Rogalski, irmão da minha prima Sílvia, é uma dessas pessoas. Eu o vi numa das escolas onde trabalhava. Ele foi convidado a dar uma palestra sobre seu trabalho. Um grupo de doze professores da escola assistiu numa manhã de sábado. Ele é massoterapeuta. Naquele momento da vida, eu passava uma fase difícil em outra escola. O Sérgio falava sobre a medicina oriental chinesa. O grupo que estava assistindo à exposição do Sérgio Rogalski fez um exercício de meditação. Todos nós fechamos os olhos. A meditação me fez tão bem! Me fez esquecer por 10 minutos os problemas que eu estava enfrentando. Na minha mente, fui loooonge... subi até o topo do monte Everest. Fiquei lá, de boas, por um tempo, deixei os meus problemas lá embaixo, no pé da montanha. O clima estava agradável lá em cima, na minha imaginação não existia a questão do ar rarefeito, dificuldade de respirar por causa da falta de oxigênio. O clima na sala de aula também ajudou: o Sérgio Rogalski VOLTAR AO SUMÁRIO

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colocou para tocar no rádio da escola uma música relaxante pouco antes de começar o exercício da meditação. Do lado de fora da sala, caía uma chuva calma, uma garoa, que também colaborou para o clima prazeroso daquela manhã de sábado. Saí da escola perto do meio-dia com o espírito leve, livre de preocupações. A palestra foi decisiva pra dar uma guinada na minha vida. Eu dava aula a três turmas e havia em cada sala 30 alunos, mais ou menos. Mas nem todos queriam prestar atenção às aulas. Ficavam fazendo bagunça ou conversando com os colegas. Quando eu entrava na sala de aula, eles demoravam a se acomodar nas carteiras: se amontoavam na porta e nem adiantava eu falar pra que se sentassem. Eu até gritava com a turma, tentando impor autoridade. A muito custo conseguia algum sucesso e aquelas crianças prestavam atenção à lição. Mas logo recomeçava a balbúrdia entre eles. Algumas crianças mais quietinhas na sala, mais dispostas a aprender inglês, reclamavam da algazarra dos colegas. Eu não podia controlá-los e nem contar com a ajuda da equipe pedagógica. Fui reclamar sobre isso com a professora Denise que a situação estava insuportável, mas ela me pediu pra aguentar um pouco mais a “barra” e continuar trabalhando lá. Naquele mesmo tempo fui chamado pela prefeitura. Recebi um e-mail do setor de RH, porque eu tinha passado num concurso municipal. Alguns dias depois, eu fui ao Núcleo Regional de Educação e assinei a carta de demissão pra assumir o novo emprego. E assim, me desligava daquela escola que me fazia mal. Só que com a saída de uma escola, me demitia também das outras instituições de ensino. Queria sair só de onde eu não estava satisfeito. Mas a demissão valeu pra todos os ambientes escolares... Sobre o meu trabalho na biblioteca, que foi e está sendo desenvolvido desde Outubro de 2014, eu já escrevi. Não tinha escrito ainda que vi, no meio de tantos livros, uma autobiografia. Passei perto da estante onde ele se encontra, peguei, folheei as primeiras páginas e pensei: esse livro servirá de inspiração à minha autobiografia. É a história de vida de uma moça que convive desde a adolescência com o vírus HIV, o da AIDS. Ela é paulista, vive super bem com seus amigos e trabalha. Entre os meus amigos e parentes, está a família do tio Lauri. Ele, a Dalton Paulo Kossoski

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tia Luciana e seus filhos, que são donos de um restaurante na entrada do Guaragi, iam nos visitar mais “direto” quando a gente morava na Vendrami. Nós também fomos visitá-los diversas vezes. Quando o Danilo e eu éramos crianças, o tio Lauri e sua família morava em Carambeí. Eles também moraram um tempo em Castrolanda, a gente ia lá na casa deles. A mãe conversava com a tia Luciana sobre receitas e crochê. Eu e o Danilo brincávamos com a Renata, o Júnior e o Lúcio, com mini games. Naquele tempo, o tio Lauri viajava frequentemente ao Paraguai e comprava jogos eletrônicos para os filhos. Eu e o Danilo jogávamos com eles, tínhamos vontade de ter esses jogos e o tio ia ao país vizinho e comprava os brinquedos pra gente também. Castrolanda é, na verdade, uma colônia dentro da cidade de Castro, construída por imigrantes. É bem charmosa a cidade com seus moinhos de vento e arquitetura das casas nos fazendo pensar que estamos na Europa... Boas paisagens pra tirar foto! Carambeí, a outra cidade em que eles já moraram, também têm moinhos. Reflexo da imigração holandesa na cidade. No meu tempo de criança, nós – minha família e a família da tia Luciana – tiramos muitas fotos, tendo os moinhos de vento como cenário. A família tem o restaurante Saborear. Negócio que tem dado muito certo, atrai muitos clientes dispostos a provar boa comida. Os donos do restaurante têm bastante trabalho por lá, graças a Deus. Quando o tio, a tia, o Júnior, a Renata e o Lúcio me encontram e quando o Danilo e a Priscila vão passear lá também na casa da vó Julieta, nós conversamos sobre a nossa infância, os videogames, os jogos de mini game, o Atari, nosso primeiro videogame na vila Vendrami, as visitas em Castrolanda e Carambeí. Quando eu e o Danilo éramos crianças na casa da vó, a gente queimava formigas ou as folhas amareladas que caíam das árvores na calçada. As folhas eram mais fáceis de queimar porque já estavam secas, se desfazendo. Sim, nós éramos malandros quando pequenos. Maquiavélicos até, ainda mais com as pobrezinhas das formigas. Com o sol a pino, em pleno meio-dia, com a ajuda de uma lupa, a gente direcionava um raio de sol bem em cima do bichinho e o via agonizando, até ele parar de se mexer... Outra diversão na casa da vó – mais saudável dessa vez – era a brincadeira VOLTAR AO SUMÁRIO

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de casinha com a Edna no chiqueiro do quintal. Essa eu já contei! Também tinha as brincadeiras dentro da casa da vó. Se enrolar nas cortinas na brincadeira de esconde-esconde, fazer nó nas cortinas da sala. A gente brincava de jogar bola dentro da casa. Uma vez estávamos brincando, eu, o Danilo e o Sandro, um dos filhos da tia Lúcia, de jogar bola num dos quartos da casa. Um jogava a bola pro outro. Ficamos lá um tempão jogando. Não lembro quem jogou a bola alto demais e quebrou a lâmpada! A tia Lúcia e o tio Renato têm quatro filhos: a Alessiane, a Alenize, a Aleara e o Sandro. Todos com a inicial do nome A. Bem, o nome do Sandro é Alessandro. A gente o chama de Sandro só pra ficar mais fácil! Eles também iam lá em casa na Vendrami e as crianças brincavam conosco. O tio Renato e a tia Lúcia moraram em Castrolanda, como a tia Luciana e o tio Lauri, antes de se mudarem pro Guaragi. Nesse distrito de Ponta Grossa, a tia Lúcia já morou numa casa em frente à casa da vó Julieta. Depois se mudaram de rua, a antiga casa virou subprefeitura e depois correio. O tio Renato é sanfoneiro. Toca para os netos ouvirem e eles gostam. O tio anima a família com as músicas. Ele é muito divertido! A família dele é grande, tem muitos irmãos, a casa dele enche nas festas, o espaço é enorme!

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Capítulo VIII m Janeiro de 2020, eu fiz uma promessa a mim mesmo. Eu só lia romances estrangeiros traduzidos do inglês, até então. Daí eu pensei comigo: já que eu sou formado em Letras Português / Inglês e sou bem fluente nessa língua, vou começar a ler livros da literatura estrangeira no idioma original. Foi o que fiz, o último romance traduzido que li foi O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. Na verdade, não lembro bem se foi esse ou O livreiro de Cabul... Bem, mas o fato é que, a partir daí, eu comecei a ler livros em inglês. O livro em inglês que eu queria ler, já procurava na internet pra comprar e começar a ler assim que eu terminasse o outro. Pesquisei o livro, achei no site de uma editora brasileira. Fiquei surpreso com o fato de uma editora no Brasil importar livros! E pedi ao pai pra pagar o boleto! Em pouco tempo, eu tinha nas mãos uma obra literária vinda do Reino Unido pra ler. The little Paris bookshop. O próximo romance que li foi The little breton bistro. A livraria mágica de Paris e O maravilhoso bistrô francês nas edições em português respectivamente. As histórias são muito boas. Elas são traduzidas do alemão para o inglês. A autora é alemã, Nina George é o nome dela. Adorei ler o primeiro livro. É sobre um homem que gerencia uma livraria dentro do seu barco. O segundo, sobre uma mulher que sai à procura do sentido da vida... E a Nina George escreve com uma sensibilidade que faz o leitor querer visitar as cidades francesas por onde os protagonistas passam. Pelo menos, essa foi a minha vontade ao ler os livros! Falando nisso, numa escritora alemã, lembrei que durante a faculdade fiz um curso de alemão. O nome da professora é Jeane Mons. Ela é brasileira e já viajou para a Alemanha algumas vezes! Foi numa dessas viagens que ela conheceu o marido Arnold. Eles se casaram e são felizes para sempre. Minha turma teve algumas opções de disciplinas extracurriculares pra escolher cursar na faculdade, no 2º ou no 3º ano de Letras. “Senão, vocês não vão conseguir se formar!” – alertava a pessoa que escrevia no quadro as

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opções que nós tínhamos. Eram quatro matérias e cada aluno deveria escolher dentre elas uma ou duas. Eu escolhi as que mais me agradavam – Gramática Normativa, com o prof. Paulo Rogério e Língua Alemã, com a profª Jeane Mons. A turma fez suas escolhas, mas também fez piada da situação porque as matérias se diziam optativas e a pessoa que nos fazia escolher também nos obrigava a isso, avisando: “Senão, vocês não vão conseguir se formar!” Essas duas coisas juntas deram à turma material para uma gozação. A turma comentou em segredo que as disciplinas eram, no final das contas, optativas-obrigativas. As minhas aulas da faculdade eram à tarde e as outras disciplinas começavam depois das 5 horas. Pelo menos o curso da professora Jeane, que durava uma hora por semana. Como alemão é um idioma difícil! Mas minha natureza curiosa quis que eu aprendesse outra língua estrangeira além do inglês. Fui, com a cara e a coragem, aprender a língua alemã. Não pode ser pior do que latim, que eu já tinha tido na grade curricular normal, eu pensava. Era ainda mais complicado! Traduzia os números, os dias da semana, os meses do ano e eu saía da UEPG às seis e meia. Fiz 1 ano do curso de alemão. Eu já tinha mesmo um minidicionário de alemão em casa, comprado anos antes. Parecia até que estava prevendo algo... O livrinho me ajudou muito nas traduções. Eu o chamo de Frankenstein porque, um dia o livro começou a se rasgar e partiu bem no meio depois de manuseado muitas vezes. Ele foi colado, remendado, com duas ou três fitas de durex. Nesse curso, fiz também amigos: o Adrian Clarindo, parente do Luam, que fez um pouco do curso de Letras comigo. Da família Clarindo, também conheço a Lucélia, que é contadora de histórias e tem um projeto aqui em Ponta Grossa chamado Bando da.leitura. Na sala de aula da Jeane Mons, além do Adrian, eu conheci a Carol Molina. Ela era namorada do Adrian. Se conheceram naquele tempo e hoje são casados. Do meu curso de Letras, só a Daniele Zampieri fazia aula de alemão junto comigo. Os outros colegas escolheram matérias diferentes dentre aquelas quatro optativas. Na aula de Gramática Normativa, o professor ensinava aos alunos a usar corretamente a língua portuguesa, a regência verbal, a regência nominal, a crase, e outros conteúdos da língua. O Paulo Rogério de Almeida, antes de ser meu professor, já tinha Dalton Paulo Kossoski

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dado aula pro Danilo, no curso de Jornalismo na universidade. E muitos professores que me deram aula antes, no Instituto de Educação também ensinaram meu irmão. A partir da minha 8ª série, o prof. Ricardo, de Inglês; o prof. Valdomiro, de Matemática; a professora Rosilda, de Geografia; a profª Marcy, de Biologia; a Reneia e o Carlos, ambos de Física. Em Biologia, depois de ter aula com a profª Marcy, quem me dava aula era a Giomara. Ela lecionava também Biologia Aplicada no laboratório da escola. Nessas aulas aprendia muitas coisas, via coisas diferentes: usava um microscópio, aprendi a classificar um animal de acordo com as regras de taxonomia, Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Gênero e Espécie, Cachorro é Canis lupus. Da família do lobo. Gato é Félix catus. Li sobre várias doenças, causadas por vírus ou bactérias. As aulas de Biologia Aplicada no laboratório eram muito interessantes! Muito obrigado por elas, Giomara Schibelsky. A Márcia Filipak é uma professora muito joia que me deu aula de Português. Lembro que um dia ela transformou a sala de aula num júri simulado. Todos os alunos viraram atores de um tribunal. Os papéis foram definidos: os advogados de acusação e de defesa, o júri, as testemunhas, o réu, o representante da prefeitura. O caso julgado na brincadeira era uma questão com o município de Ponta Grossa. O meirinho – aquele que diz, quando o advogado chama uma testemunha a depor: “jura dizer a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade com a graça de DEUS?” e o juiz, que era eu. E a professora instruía como o exercício deveria ser feito, de acordo com os filmes que têm uma cena de julgamento pra gente aprender a interpretar. Todos nós achamos muito divertido o tribunal de mentirinha. Aquele dia, eu só fiquei com a palma da mão doendo de tanto bater na mesa, pedindo “Ordem no tribunal!” porque não me deram um martelinho de madeira, daqueles que o juiz usa nos filmes. Foi emocionante! Teve até o recesso, que era a hora do recreio.

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Capítulo IX u escrevi aqui nesse livro que, bem antes de começar a trabalhar na biblioteca, eu fazia histórias pra concursos municipais. Em Abril ou Maio de 2018 escrevi uma poesia pra um concurso literário de São Paulo. Entrei por acaso no site, li o regulamento e resolvi participar! “Um concurso nacional é muito mais difícil de ganhar do que um concurso municipal da minha cidade”, eu pensava, “mas vai que eu tenho a sorte de ter um texto meu publicado...” Enviei pra eles a poesia que tinha escrito, mas sem muita esperança de ver meu texto publicado na antologia do concurso. O título do meu texto é As quatro estações. Aqui estão os versos iniciais:

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“A prima é Vera Dizem os mais brincalhões Ela traz flores e cores Pra encantar as multidões! Gerânios, margaridas, rosas, Vera vem com buquê na mão, Sorridente, de faces mimosas, Fazer a mais linda estação.” Aí, um mês mais tarde, recebi em casa um pacote com 5 ou 6 exemplares da antologia e, surpresa! A minha poesia estava lá! Fiquei tão faceiro, os meus olhos brilharam ao folhear as páginas de um dos exemplares vendo as poesias dos outros classificados. Levei os livros ao Guaragi e distribuí à tia Luciana e família, à tia Luci e a vó, à Edna e família. Também dei um livro à família do Danilo. Todos os exemplares foram autografados por mim e entregues aos meus amigos! O meu primeiro exercício de uma sessão de autógrafos, fazendo a dedicatória no livro de cada pessoa. Dalton Paulo Kossoski

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Capítulo X ico muito feliz quando vejo chegando na biblioteca um exaluno, um professor que eu conheci quando trabalhava em alguma escola ou a bibliotecária do Instituto. Eu converso com esses amigos que chegam ao meu trabalho e os apresento à Rosângela, que trabalha comigo no Acervo Geral. Não sei se algum dia vou voltar a ser professor... Às vezes penso nisso. Mas é muito trabalhoso lidar com tantos alunos, ainda mais sem um auxiliar pra ajudar o “professor catedrático” dentro da sala, na hora em que os alunos começam de muita algazarra! Ainda mais que, quando fui ao Núcleo porque uma escola reclamou de mim e reclamei dela, requisitei àquele órgão um “professor auxiliar” pra ficar comigo na sala de aula e organizar a turma na hora da lição. Mas, o Núcleo recusou o meu pedido. A chefe do NRE disse “Não”. As professoras Denise e Pâmela tentaram intervir, mas não teve jeito... A chefe foi irredutível! Lembro com saudade dos momentos vividos como prof. Dalton. Viajando de vila em vila, de escola em escola. Cada lugar, uma história nova com pessoas diferentes. Eu, a mãe e o pai ficamos recordando aqui em casa: As homenagens ao professor – não só pelo dia 15 de Outubro, mas porque era costume entre os alunos do CEEBJA, toda vez que eu me despedia de uma escola, a cada dois ou cinco meses. No último dia de aula tinha festinha da turma com comes e bebes. E depois vinham os presentes. No carinho dos alunos, o Mestre era “mimado”. Nas vilas por onde passava, não só eu ganhei presente, mas também os meus pais. Canecas, uma colcha pra mim e pra eles e outros enfeites pra pôr na estante de casa. Também nesse dia, dava uma lembrancinha pra cada aluno. Fazia brincadeiras com eles. Era bem bom! No CEEBJA tinha 10 ou 15 alunos por turma. O seu José era meu aluno mais velho de todos, 71 anos! Ele era gente boa e muito inteligente. Contava, com saudade, na sala de aula que ele, na juventude, tinha trabalhado como armador, ajudante de pedreiro. Numa aula, o assunto era as partes da casa. Quando cheguei na palavra yard, que significa “quintal” mas também

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se traduz como “jarda”, medida de comprimento mais usada nos Estados Unidos do que aqui no Brasil, ele comentou que, quando trabalhava como armador, ele fazia a medição de um terreno usando a jarda. Então levantou da carteira e começou a andar pela sala a passos largos, explicando o quanto uma jarda é quando convertida em metros. Mediu aquele espaço em tantas jardas, que significavam tantos metros. Aquele senhor que eu conheci na vila Néri era impressionante! Aprendi muito com ele. Era aí que os papéis de professor e aluno se confundiam. No ensino regular eu cuidava de 30 ou 40 adolescentes por sala de aula. Era mais “puxado” mas, mesmo assim, divertido! Quando cheguei pra trabalhar no colégio Espírito Santo, a primeira vez que pus os pés naquele lugar pra me registrar como funcionário, conheci a diretora Denise Tozetto. A mãe a conheceu quando a Denise era criança. Só não contava com a possibilidade de reencontrá-la, décadas mais tarde, agora dirigindo uma escola. A professora Ivana, a mãe também já conhecia dos tempos da fazenda onde elas se criaram. Comecei naquela escola trabalhando com uma turma de 5ª série. No ano seguinte, o meu trabalho lá aumentou: peguei três turmas de 8ª série e duas turmas de 9ª! Fui sorteado a trabalhar na nona série quando ainda fazia pouco tempo, um ano ou dois, que ela tinha sido integrada ao Ensino Fundamental. Por um longo tempo, o EF tinha só oito anos. No Centro Estadual de Educação Profissional, cada sala tinha quase 50 alunos! Ensinava a lição naquela escola e até comia com os alunos no refeitório. Gostava de me reunir com eles na hora da refeição. Um dia, o diretor José Airton me perguntou por que eu não ia à sala dos professores lanchar junto com os outros. A partir daí, na hora do recreio, eu lanchava na sala dos professores e deixava o refeitório só para os alunos. Comecei lecionando nas salas de aula, mas depois de um tempo, devido à minha deficiência, comecei a dar aulas no auditório que era grande, como todos os espaços naquela escola. Tinha sido um seminário, anos antes de se tornar instituição de ensino. Todo dia da aula de Inglês, a pedagoga Juliane Van Kan Boroviecz vinha pelo longo corredor pra abrir as portas do auditório pra mim. Aí dava aula pra 100 alunos, somando duas turmas do curso Técnico Dalton Paulo Kossoski

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em Eletromecânica e mais 60, duas turmas também do curso Técnico em Alimentos. Em Eletromecânica havia só meninos e a única menina era a representante da turma. Nos cursos Técnicos em Alimentos acontecia o contrário: só havia meninas, o único menino era o representante da turma. Fiquei dois anos nessa escola: primeiro trabalhando com essas turmas e no segundo ano, com os alunos de Técnico em Informática. Gostava de ficar naquele prédio, gostava da amizade com os alunos, com os outros professores, com as pedagogas dos cursos, com o diretor e com o vice. Do cheiro de café que eu sentia quando estava andando no corredor e passava perto das salas do curso Técnico em Cozinha ou Nutrição... Aquele prédio abriga duas instituições: o CEEP e o Colégio Colônia Dona Luiza, que leva o nome da vila. Eu o conheci um dia, andando pelos corredores com a mãe, quando a pedagoga da outra escola nos viu passeando por lá, numa hora em que eu não estava trabalhando. Ela disse, ao nos encontrar, que aquela era a outra escola. Não era mais o CEEP. A pedagoga Jaqueline morava aqui perto, na época em que eu estava naquela escola. Eu, o pai e a mãe nos encontramos com a família dela um dia num mercado da vila Oficinas, onde eu moro. Como professor de uma centena de alunos naquela escola, ouvia o desejo de um deles, o Gabriel Aparecido: ele queria ser piloto de avião! “De avião-caça, professor.” Ele me explicava. “Quero estudar numa escola de Aeronáutica depois que eu me formar aqui” Eu o incentivava, dizia que ele ia conseguir realizar esse sonho se estudasse bastante. Participei também com os alunos, numa manhã, de uma Feira de Profissões. Foi no teatro Pax, mesmo lugar que serviu para a cerimônia da minha formatura, contei isso aos alunos. Muitas opções de fábricas se apresentaram aos adolescentes: seus funcionários falando como e com o que trabalhavam, a fim de despertar o interesse do público em atuar em alguma “multinacional”. Indústrias como Continental, BR Foods e a Usina Hidrelétrica de Itaipu, em Foz do Iguaçu, apareceram. No ano seguinte à minha saída do Centro Estadual de Educação Profissional, eu fico sabendo da morte de um de meus alunos, o Júlio Küller. Morrendo de dó, ouvi a notícia no rádio e depois vi ainda no Facebook, a VOLTAR AO SUMÁRIO

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partida daquele rapaz, só 17 anos, inteligente e esforçado na sala de aula. Essas são as minhas memórias de anos atrás, do tempo em que era um professor. Memórias de tempos mais recentes também, agora que já trabalho na minha querida biblioteca. Eu só tenho a agradecer a cada pessoa que fez parte da minha caminhada e viu o meu sucesso! Professores, pedagogos, o curso de Pedagogia é muito mais procurado por mulheres, mas às vezes eu encontrava algum pedagogo nas minhas andanças por aí, como o da escola da vila Coronel Cláudio e o do curso Técnico em Informática, no CEEP, alunos e funcionários das escolas, as mulheres que cuidavam da limpeza de cada escola que conheci. O funcionário do CEEP, que era o faz-tudo, o André. Olha como o mundo é pequeno! É amigo do meu pai. Ele comprou a casa que o pai tinha na esquina da vó Julieta, onde a vó Vitória morou. Na escola, a gente se via à noite. Eu dei aula para o filho dele. As aulas da turma de Informática eram no período noturno. O André ficava no estacionamento ajudando os motoristas a acharem vaga pra estacionar os carros. E lembram-se da “minha aluna Alana”, a quem eu dei aula quando ela era criança, no sítio da tia Lúcia? Mundo pequeno dá nisso: anos depois, no curso de Informática no CEEP, eu reencontrei com ela na turma!

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Capítulo XI lguns dos meus parentes mais engraçados, mas que eu infelizmente não tive o prazer de conhecer, são: o vô Tonico (bisavô Antônio Inácio, marido da vó Nita), o tio Luiz, filho da vó que morreu em 1983. Ele deu a ela os primeiros netos, Cláudio e Keko e o vô Pedro Kossoski, marido da vó Vitória. O nome do Keko, um dos filhos do tio Luiz, é Cleverson. Depois veio um outro Cleverson na família, o marido da Alessiane. Daí chamamos o outro pelo apelido pra não confundir... Na verdade, o filho do tio Luiz ganhou o apelido quando era criança. Então, é claro, muito antes de a Alessiane começar a namorar... O Cláudio e a Sílvia, depois de anos morando em Ponta Grossa, no Cará-Cará, uma vila no caminho do Guaragi, decidiram descer a Serra e agora estão morando em Caiobá, no litoral do Paraná. O sonho deles sempre foi morar na praia. Quando a gente se encontrava no Guaragi e eles ainda moravam em PG, a Sílvia dizia que eles queriam viver na praia e ter um quiosque, pra vender suco, água-de-coco, qualquer coisa aos banhistas. Eles só não têm um quiosque ainda, mas estão bem, vivem num apartamento em Caiobá e trabalham fazendo faxina nos apartamentos dos outros. O Keko ainda mora no Cará-Cará com a família: a esposa Vanderleia e as filhas Nayra e Geovanna. A Larissa tem uma irmã chamada Luana. Minhas duas primas mais novas. A Luana se casou com o Elton. A Larissa ainda mora com os pais, tio Lucas e tia Sônia. Ela nasceu em 2000 e assim fica mais fácil calcular a sua idade, com aquele ano terminado em zero. No réveillon da virada do século teve o chamado bug do milênio. Um problema que afetaria os computadores do mundo inteiro! Só se falava nisso naquela época. Felizmente essa suspeita não se confirmou. Meu pai ficou no trabalho, de plantão, pra ver se as máquinas iriam apresentar algum defeito na virada do ano. Mas não deu em nada! O ano de 2000 começou sem maiores turbulências... A minha prima Larissa morava numa casa vizinha à da vó Julieta. Ia

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sempre à casa da vó, bastando pra isso atravessar uma pequena ponte e brincava bastante com o vô Pedro. A Larissa, depois de morar perto da vó Julieta, agora está em um condomínio em Ponta Grossa com os pais. A tia Nice, do tempo da APACD, mora no Guaragi. Eu a via quando posava na casa da vó. A Nice participava da procissão de via crucis toda Sexta-feira Santa. A romaria passava em frente à casa da vó Julieta e da tia Luci. Uma multidão de pessoas. Era uma aglomeração, coisa proibida atualmente. O ano de 2020 chegou fazendo barulho! Ou “chegou chegando” como dizemos por aqui. O rumor de uma doença que matava rapidamente começou na China. Num pulo, atravessou o mundo. Fez “história” e estragos na Itália, Espanha e Inglaterra, sucessivamente. Eu, em casa com minha família, assistia a tudo isso aterrorizado. Logo, o vírus – o coronavírus – ou COVID-19 como ficou conhecido, chegou ao Brasil. A ameaça surgiu na China em Dezembro de 2019 e o significado do nome CO=corona, VI=vírus e D=doença ou disease em inglês. Foi em Março que se instalou no país. O caos devastou tudo aqui. As pessoas ficaram com muito medo e fecharam seus pontos de comércio. Outras pessoas, clientes desses comerciantes, ficaram “presas” em casa com medo de sair e pegar a doença. Sair de casa, só se for para o estritamente necessário. Para sair, a pessoa deve usar um novo item da moda: a máscara. Feita em casa, com um tecido de camiseta velha ou outro qualquer, cobrindo boca e nariz e preso nas orelhas com elásticos. As escolas e universidades fecharam. 2020 não tem mais aula. Pelo menos, não presencial. Os governos dos estados começaram a transmitir as aulas pela televisão, pela internet e por aplicativo de celular. As pessoas estão chamando esse momento que estamos vivendo de “novo normal”. As pessoas ainda conversam quando saem às ruas. O som das palavras sai abafado através da máscara. Mas se entendem ainda que com algum esforço... Um ano perdido, esse 2020! Essa coisa do vírus destruindo tudo por onde passa parece roteiro de filme de ficção científica. E eu já assisti a muitos filmes assim. Um pouco antes dessa praga chegar aqui, vi um filme intitulado Maze Runner: a cura mortal, o qual já me assustou. Nunca pensei que podia passar Dalton Paulo Kossoski

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da ficção à realidade. Mas algumas vacinas já estão sendo desenvolvidas e a cura está mais perto! Logo, logo, vou poder voltar a trabalhar, retornando às minhas atividades na biblioteca, lidando com os livros e contando histórias com os meus amigos ao público de todas as idades, no teatro, interpretando os mais variados papéis. Aqui em Ponta Grossa a minha família gostava de visitar a tia Maria, tia do meu pai, desde quando eu era criança. Ela morava numa casa que eu achava diferente. Em duas partes. A gente seguia na calçada até chegar a elas. De um lado, ficavam quartos e banheiro, a primeira parte da casa. Daí, a calçada que a separava da segunda parte da casa, que compreendia: cozinha com um poço bem no meio, cadeiras e mesas, e uma sala com televisão. Quando criança, lembro de me encontrar e brincar ali com os primos Ana Burdak, Maria Luiza, Adriana e Marcos. Ia sempre àquela casa e gostava de ver a tia Maria e o tio Sérgio, o filho dela que morava junto. A tia Maria era irmã do vô Pedro Kossoski. Hoje em dia, aqueles meus primos trabalham e têm suas famílias. O Marcos é marceneiro e a Ana é artesã. A Maria Luiza e a Adriana eu não sei com o que ou onde trabalham. Quando eu e o Danilo éramos mais jovens, visitávamos os pais deles, o tio Guenho (Eugênio) e a tia Marli. Era muito bom, a gente passava um tempão na casa deles, conversando. Íamos também à casa do tio Gusto (Augusto) e a tia Nadir. Víamos os filhos, Gérson, Mônica, Elton e outros. Esses parentes, os tios Guenho e Gusto, são primos do meu pai. Uma vez, quando eu e o Danilo éramos crianças, nossas famílias foram juntas em um passeio até a Vila Velha. A “cidade de pedra”, como a atração turística é conhecida. Andamos entre as formações rochosas que lembram “a noiva”, “a proa de navio”, “a bota” e, a mais famosa, “a taça”, entre outras. Depois de um tempo nós paramos para um lanche. Quando começou a chover forte, os tios, suas esposas, o pai e a mãe correram para ajeitar de volta nos carros as coisas que tinham levado ao passeio. Nós, crianças, nos escondemos embaixo da mesa e esperamos até os adultos colocarem tudo nos veículos. Depois fomos embora. VOLTAR AO SUMÁRIO

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Eles também vinham aqui em casa. O tio Gusto chegou um dia com uma novidade para mostrar ao pai. Tinha acabado de ser lançado o celular apelidado “tijolão” por causa do tamanho do aparelho. O homem, todo empolgado, mostrou ao pai. Disse: “Olha, rapaz, esse telefone, além de fazer ligação, manda mensagem!” O tijolão foi ficando cada vez menor graças ao avanço tecnológico. Faz tempo que não vamos à casa deles, porque (1) a minha família é muito caseira e (2) agora tem a questão da pandemia. Escrevi anteriormente que 2020 foi um ano perdido? Sim e não. Sim, porque tudo está fechado, comércio, escolas e até praias. E o isolamento em casa é a regra. E não, porque esse isolamento está servindo pra eu dar uma boa adiantada nesse texto aqui. Até o ano passado, eu pegava o pen-drive pra escrever mais um pouco desse texto, acrescentando mais memórias a ele só de vez em quando, por causa do meu trabalho. Muitas coisas mudaram nesse “novo normal”. Em 2020, eu fazia e enviava pra biblioteca por whatsapp vídeos nos quais eu falava sobre os livros que tenho aqui em casa. É o chamado home office ou teletrabalho. A Tatjane, que visitou a biblioteca e deu à minha turma um curso de três dias, produzia lives na internet, nas quais ela entrevistava um escritor toda semana, no projeto Trilhas Literárias. Era bem legal, eu assistia as entrevistas toda quarta-feira, às 8 horas da noite. Era esse um dos meus programas semanais virtuais favoritos, desde que a pandemia se instalou por aqui. A dona Carmen, vizinha que morava em frente da minha casa, se mudou. Agora ela mora em Cornélio Procópio, a mesma cidade da filha Kauana. Sua antiga casa aqui em Ponta Grossa, do outro lado da rua, está sendo reformada pra receber os novos moradores. O Danilo não mora mais no apartamento descrito anteriormente. Ele mora agora perto de onde ele já morava antes de comprar o apartamento, em Uvaranas. A primeira casa que ele e a Priscila tiveram no Jardim Giana era pequena, confortável, um condomínio, bem legal. Tinha muitos condomínios naquela rua. A família do Danilo nunca saiu daqueles arredores. Estão morando numa rua perto de onde moravam antes. Os objetos que decoravam a estante no apartamento agora decoram a sua nova casa. Dalton Paulo Kossoski

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A Edna e o Júnior não moram mais em Curitiba. Por causa do vírus que tomou conta da capital do estado, a família se mudou pra mais perto do Guaragi e atualmente eles moram no sítio. Fecharam a fábrica em São José dos Pinhais, mandaram um pessoal embora. Ainda trabalham no ramo da construção metálica, só que agora com contingente reduzido. Felizmente, as pessoas que foram dispensadas logo acharam nova colocação no mercado de trabalho. Meu agradecimento a todos os parentes e amigos e, acima de tudo, eu agradeço a DEUS. Pois sem Ele, não seria o que sou hoje e não teria a oportunidade de conhecer tanta gente incrível que passou pela minha história! Meus pais tiveram papel principal na minha vida, porque foi o pai que me levou a Curitiba pra ser operado. A iniciativa veio dele depois que soube por um colega do trabalho que na capital tinha um neurocirurgião muito bom. Daí o pai e a mãe foram decididos pelas ruas daquela cidade até chegar ao hospital e me entregar nas mãos do Dr. Sérgio Antoniuk. Graças a DEUS e a eles eu vivi pra experimentar jornadas inigualáveis e inesquecíveis nessa grande aventura chamada VIDA. E assim, apesar do contexto complicado em que chegamos – essa pandemia do coronavírus – eu devo imensa gratidão porque a tia Luciana me deu a ideia de escrever esse texto. E aqui publico todas as minhas vivências, as pessoas que eu encontrei pelo caminho, as coisas que vi, os desafios que venci. Quando eu presenteei a tia com um livro de poesias com o meu texto do concurso promovido por São Paulo, ela me disse que depois de terminar de escrever essa autobiografia, eu deveria começar a redigir o segundo volume dessa história, a parte dois. Ela tinha dito isso meio em tom de brincadeira, mas eu vou levar a sugestão a sério! Então... Até lá!

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Capítulo XII

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FAMÍLIA: ÁRVORE GENEALÓGICA DESDE O PARENTE MAIS ANTIGO DE QUEM EU TENHO NOTÍCIA, GRAÇAS ÀS MEMÓRIAS DA MINHA VÓ E DA MINHA MÃE

(Bisa)vô Tonico se casa com (bisa)vó Nita, que deu à luz: Vó Julieta e seus irmãos. Vó Julieta se casou com vô Pedro e deu à luz: Minha mãe, tia Luci, tia Lúcia, tio Lucas, tio Lauri e tio Luiz. Tia Lúcia se casou com tio Renato e deu à luz: Alessiane, Alenize, Aleara e Alessandro. Depois eles se casaram e deram à tia Lúcia os netos. E à vó, bisnetos. Os filhos da Alessiane com Cleverson: Miguel, Victor, Rafael e Júlia. Da Alenize com Henrique: Hugo e Alexandre. Da Aleara com Sérgio: Guilherme e Gustavo. Do Alessandro com Elaine: Nataly e Rhuan. Tia Luci se casou (mas depois de uns anos se separou) e de à luz Edna. A Edna se casou com o Osmário Júnior e deu à luz Mariana e Gabriel. Tio Lauri se casou com a tia Luciana, que deu à luz: Renata, Lúcio e Júnior (Lauri Dias de Oliveira Jr.) O Lúcio se casou com a Dirleia, mas ainda não tiveram filhos. Tio Lucas se casou com a tia Sônia e ela deu à luz Larissa e a Luana. A Luana se casou com o Elton. Lídia se casou com Antônio e ela deu à luz Danilo e Dalton. Danilo se casou com Priscila e ela deu à luz Melissa. Dalton é o que escreve esse texto. Tio Luiz se casou e Lurdes deu à luz Cláudio e Keko. Keko se casou com Vanderleia que deu à luz Nayra e Geovanna. Cláudio se casou com Sílvia e os dois moram na praia. Agora só falta eles realizarem o sonho de ter um quiosque pra chamar de seu. Mas isso é só uma questão de tempo e dinheiro, quando juntarem bastante grana, poderão comprar o empreendimento. Dalton Paulo Kossoski

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MUDANÇAS DE SOBRENOME A família do meu pai tinha o sobrenome KUZOWSKY. Mas isso era ainda no tempo dos avós dele, não sei se paternos ou maternos, quando eles vieram da Ucrânia para o Brasil, na 2ª Guerra Mundial. Chegando aqui, registraram o sobrenome como KOSSOSKI substituindo algumas letras por outras. A família da mãe é Dias de Oliveira, a mãe era Lídia Dias de Oliveira, mas ficou Lídia Dias Kossoski quando se casou com o pai. A vó Nita era Ana Maria Dias da Silva. O nome completo da vó Julieta é Julieta Dias de Souza. Os dois únicos netos que herdaram esse sobrenome (só que invertido) são o Cláudio Luiz de Souza Dias e o Keko (Cleverson Luiz de Souza Dias). Mas a maior parte da família que mora no Guaragi usa o sobrenome Dias de Oliveira mesmo. A tia Lúcia usa o sobrenome Matias desde que se casou. As filhas do tio Lucas são Larissa de Lara de Oliveira e Luana de Lara de Oliveira. “Lara” por parte de mãe. Meu nome quase que foi Pedro, pra homenagear tanto o avô paterno quanto o materno. Essa era a vontade do pai, quando eu nasci. Eu já imaginei que legal seria se o meu nome completo fosse Pedro Kossoski Neto... Mas a mãe não quis! Ela queria que meu nome do meio fosse Dias, como o dela. Dessa vez o pai não quis! Fui batizado como Dalton Paulo Kossoski mesmo. Termino essa história com esperança! Boas novas sobre a vacina contra o coronavírus. Só que, por enquanto, são negociações de compra do “imunizante” entre os governos municipais, estaduais e federal. Especulações sobre o começo da vacinação aqui em Ponta Grossa, mas isso já é alguma coisa, uma luz no fim do túnel. Pra vislumbrar um horizonte livre do vírus de novo. E pra que as pessoas possam enfim respirar, livres da máscara, que foi o Acessório do Ano no planeta Terra. Merecia até um troféu...

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Retrato Escrito

Posfácio stamos em 2021. O Brasil já comprou lotes de vacinas de outros países. Com isso, a campanha de imunização iniciou. É um alívio, o começo do fim dessa pandemia que fez morada em terras brasileiras durante o ano inteiro. Finalmente a campanha de vacinação veio para o conforto do mundo! Muitas pessoas já foram vacinadas, mas as enfermeiras e médicos ainda têm bastante trabalho pela frente pra combater a doença. E assim o inquilino desagradável vai, pouco a pouco, indo embora até que enfim!

E

Agradecimento

A

gradeço por último, mas não menos importante a minha revisora. A pessoa que corrigiu esse livro, me ajudando a melhorá-lo. Sugerindo acréscimos ao trabalho, eliminando os “muitos eus” do texto para não ficar muito cansativo ao leitor (uma vez que essa é uma autobiografia, não precisava colocar o pronome pessoal toda hora para indicar que eu via, fazia ou experimentava tal coisa. Só no inicio da obra literária. E uma vez ou outra, ao longo da história). Com carinho e dedicação, ela leu o texto e fez as indicações necessárias onde era para eu mudar alguma coisa, melhorar uma frase ou tirar um sinal gráfico, vírgulas e parênteses. Corrigiu também problemas de regência verbal e nominal. Quando ela mesma modificava uma estrutura, me avisava e eu respondia se era aquilo que eu queria ou se era para deixar como estava antes da mudança. A minha relação com a revisora foi de muito aprendizado! Eu precisava mesmo que alguém fizesse a revisão da minha história, porque se eu a enviasse diretamente à editora, a história iria cheia de erros! Errinhos, já detalhados aqui, mas que eram bastante significativos. Assim, começou a interação escritor – revisora: eu escrevia o texto, enviava-lhe por e-mail e o texto retornava a mim com seus apontamentos sobre o que eu deveria modificar. Esse processo se repetiu uma, duas vezes até se transformar na versão que chega a você leitor. Dalton Paulo Kossoski

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