Do Real ao Potencial

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DO REAL AO POTENCIAL Pelo nosso pr贸prio jeito de caminhar.

Um livro do ENEJ para o MEJ

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DO REAL AO POTENCIAL Pelo nosso pr贸prio jeito de caminhar.


Do Real ao Potencial. Pelo nosso próprio jeito de caminhar. 1. ed. Porto Alegre: ENEJ, 2013. [2013] Todos os direitos desta edição reservados ao grupo do ENEJ Porto Alegre. Equipe de Programação Científica do ENEJ: Arthur Dambros arthurdambros15@gmail.com Álvaro Englert alvaroenglert@gmail.com Fábio Palma Pereira fabio@psjunior.com Gustavo Lembert da Cunha g.lembert@gdepoa.com Juliana Provenzi julianaprovenzi@gmail.com João Pedro Perdomo Dassoler jpdassoler@hotmail.com José Aurélio Bianchin josebianchin@falconi.com

Capa e Diagramação: Larissa Klein Mancia lalokm@gmail.com

Agradecimentos: Centésimo Tomás Susin dos Santos Tiago Barradas Morés Pizza Sessions Fábio Pradella Guilherme Lacerda

Impressão: Gráfica da UFRGS Impresso no Brasil 1ª edição julho de 2013.


sumário Prefácio......................................................................................................6 Introdução..................................................................................................8 NÃO OLHE PARA O LADO, OLHE PARA FRENTE..............................10 Uma história sobre educação. Educação?...........................................10 Uma história sobre saúde. Saúde?........................................................11 Prostituição da alma...............................................................................13 A culpa é do sistema!.............................................................................15 A culpa é do sistema?.............................................................................20 E o que o MEJ está fazendo para formar bons jogadores?...........23 Do real ao potencial...............................................................................29 Virando pipoca.........................................................................................33 O QUE TE FAZ SENTIR VIVO?.............................................................36 Significado = paixão + propósito.........................................................38 A melhor estratégia para o bom desempenho é seguir o coração.........................................................43 TRILHANDO O CAMINHO.....................................................................52 O jogo interior do ser............................................................................55 O jogo interior do conviver...................................................................66 TODOS SUBIMOS A MESMA MONTANHA.........................................76 Essa seria uma transformação verdadeira........................................77 Todos subimos a mesma montanha..................................................80 Como que seria repensar a nossa própria instituição, o MEJ?...................................................................84 Qual é o nosso negócio?......................................................................85 Quão boa é sua EJ?..............................................................................87 As consequências de focar nos resultados errados.......................89 Desenvolvendo a cultura do Movimento..........................................92 As pílulas estão em nossas mãos......................................................99


prefácio O que acontece nas ruas do Brasil e do mundo é apenas uma das manifestações de uma evolução significativa que vivemos. É um basta para um monte de incoerências. Os seguros não são seguros, a economia não é econômica, saímos de casa para comer comida caseira, o médico nos prefere doente do que saudável e um terço da população do mundo está deprimida, apesar de todo o progresso que tivemos. O “sistema” (mais sobre isso no livro) ficou velho. Ao mesmo tempo, muitas vezes quando dialogamos para resolver essas questões, entramos em conversas que não fazem mais tanto sentido para as situações de hoje. Há tempos o debate não é mais de esquerda ou direita, capitalismo ou comunismo, democracia ou não, 1º, 2º ou 3º setor. É tempo de nos desfazermos da forma como pensamos. Fomos robotizados na nossa educação e nas instituições às quais servimos. Fomos programados para não questionar, domesticados para sermos escravos entorpecidos que se definem através de um CV, condicionados à separação, ódio e medo. Julgamos quem somos pelas vozes que vêm de fora. Por essas e por outras, acabamos fazendo perguntas antigas em novos tempos. Para encontrar um novo rumo, começamos desacreditando em verdades absolutas que antes nos limitavam. A natureza do ser humano não é de individualismo, não queremos apenas o nosso bem, nosso destino não está nas mãos de alguém ou algo. Uma grande professora que nos tem mostrado isso ultimamente é a internet. Hoje vivemos conectados à rede de colaboração, compartilhamento e auxílio mútuo. Ao acessarmos uns aos outros imediatamente, produzirmos e disseminarmos conhecimento quase infinitamente, atuarmos e contribuirmos em plataformas de crowdsourcing/funding e livres, como o Catarse e tantas outras, estamos vendo que outros caminhos são possíveis. A internet não só nos conecta a pessoas mais rapidamente, mas serve como um outro meio para testarmos como é possível nos organizar, tomar decisões, trocar, aprender. O que essa experiência também nos ensina é que atuar com amor e intenções positivas é eficiente, abundante e divertido. É tempo de repensarmos e dialogarmos, entre muitos outros, os conceitos de liberdade, trabalho, felicidade, sonho, indivíduo e progresso. Esse livro é mais uma contribuição para o livre pensar, o livre agir e mais um alargador de 6


mentes para introduzir esse novo paradigma civilizatório. Nosso mundo clama por mudanças, nosso país e cidades passam por um momento histórico de mobilização, nós estamos cheios de oportunidades e com energia para concretizar. O ENEJ 2013 é um encontro ímpar para celebrarmos o surgimento desse ambiente empreendedor brasileiro que demonstra apetite para trabalhar em rede, de maneira aberta e horizontal e que pode contribuir muito para propor novos modelos. Aos que participam do evento e aos que leem esse livro, minha única recomendação é que estejam de coração aberto e cabeça vazia! Abraços,

Guilherme Lito Lito é sócio e animador de redes na LUZ Geração Empreendedora, além de sócio-fundador da Cocriare e da Hub Rio. “Somos aqueles por quem estávamos esperando” foi o título de sua palestra oferecida ao ENEJ 2013.

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introdução Do Real ao Potencial é produto de uma vontade de mudança. É a representação física de ideias e entendimentos que fomos desenvolvendo ao longo da nossa trajetória no Movimento Empresa Júnior (MEJ), que estão sendo transbordadas através das palavras que constituem esse livro. Estão sendo transbordadas porque achamos que as mensagens aqui contidas podem, de alguma forma, ajudar os empresários juniores a se desenvolverem, ajudando assim o Movimento na missão de “desenvolver empreendedores capazes de transformar o país”. Esperamos que as reflexões aqui contidas sejam estímulos a mudanças de entendimentos e de consciências. Mais do que a vontade de colhermos algum resultado de fato com o livro, mais do que vermos algum empresário Júnior sendo impactado por essas mensagens, mais do que vermos essas ideias e reflexões influenciando o MEJ, porém, o que nos motiva é o simples ato de falar, a sensação de ter feito o que achamos que precisava ser feito para que nossa trajetória no Movimento estivesse completa. Não gostaríamos de sair com a sensação de que lacunas ficaram em aberto, que poderíamos ter contribuído, mas não fizemos. Houve um incêndio na floresta e enquanto todos os bichos corriam apavorados, um pequeno beija-flor ia do rio para o incêndio levando gotinhas de água em seu bico. O leão, vendo aquilo, perguntou para o beija-flor: − Ô, beija-flor, você acha que vai conseguir apagar o incêndio sozinho? Então o beija-flor respondeu: − Eu não sei se vou conseguir, mas estou fazendo a minha parte.

Talvez sejamos o beija-flor, que no final tem pouca influência no resultado final. Mas também seremos o beija-flor no sentido de sabermos que estamos trabalhando pelo propósito correto, sejam lá quais forem as consequências desse trabalho. O livro é um livro escrito por empresários juniores, para empresários juniores, mas acreditamos que de modo algum ele se limita a esse público. Charles Watson, educador, formador de artistas e palestrante1, ensina conceitos universais sobre criatividade e desenvolvimento 8


humano através da arte. Nuno Cobra, autor e preparador físico, tendo Ayrton Senna como um de seus exalunos, diz que “chega ao cérebro pelo músculo e ao espírito pelo corpo”, usando o exercício físico como forma de educar. Timothy Gallwey escreveu um livro chamado “O Jogo Interior de Tênis”, que trouxe filosofias de desenvolvimento no esporte que influenciou tenistas, mas também influenciou educadores, médicos e homens de negócios, sendo hoje considerado o precursor do coaching corporativo e pessoal. As artes, o exercício físico e o jogo de tênis são planos de fundo para que reflexões que estão no universo humano sejam trabalhadas. Não somos artistas, educadores físicos ou profissionais do tênis, mas somos empresários juniores, e nesse livro utilizamos o Movimento Empresa Júnior como plano de fundo para transmitir conceitos que acreditamos ser universais e transponíveis a qualquer contexto e indivíduo. O autor desse livro sou eu. Não um eu associado a alguma pessoa, mas um eu associado a muitas pessoas. Eu sou quem escreve essas palavras, mas eu também sou aquele que propôs a temática do evento muito antes de quem escreve essas palavras entrar na equipe. Eu sou aquele que repensou esse conceito e mobilizou todos a se envolverem em prol desse objetivo, mas eu também sou aqueles que se permitiram ser motivados e se envolveram, comprando a ideia para fazer tudo isso acontecer. Eu sou quem trouxe os exemplos pessoais que ilustram o livro, mas eu também sou quem ajudou com contatos e ideias, quem incentivou e apoiou o projeto desde o inicio e quem leu e passou feedbacks para que o resultado fosse melhor. Essa equipe que está por trás da concepção e criação desse livro está aqui representada por essa primeira pessoa no singular. Eu não sou eu. Eu, na verdade, somos nós, que só não está sempre escrito no plural porque diversos dos exemplos e reflexões trazidas são pessoais. Arthur Dambros Eu fui um dos mestres de cerimônia do ENEJ 2013 e o responsável por escrever o livro “Do Real ao Potencial”. Fui escritor, e não autor, pois os autores são todos os eus envolvidos. Fui só mais um eu nessa história. 9


Capitulo 1

Não olhe par a o lado, olhe par a frente. “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia e, se não ousarmos fazêla, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.” (Fernando Pessoa)

UMA HISTÓRIA SOBRE EDUCAÇÃO. EDUCAÇÃO?2

Em meados de 1980, Mark White, governador do Texas pelo partido democrático se uniu com o bilionário H. Ross Perot para promover uma reforma educacional. White prometeu aumentar os salários dos professores em mais de 20%, mas para isso precisaria do suporte de legisladores. Não só dos legisladores: White também pediu a Perot para encabeçar uma força tarefa de mobilização dos grandes líderes empresariais. Prometeram, então, mais fundos às escolas e professores em troca de um modelo de negócios “eficiente e meritocrático”. Foram criados então testes padronizados para avaliar os alunos e, a partir disso, seriam avaliados os professores. Uma espécie de SMD (o Sistema de Medição de Desempenho, que agora se chama Programa de Excelência em Gestão, da Brasil Júnior) voltado às escolas públicas. Os professores então 10 -

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são recompensados com pagamento de bônus através de salário variável de acordo com desempenho. Ou então punidos, através de fundos negados, escolas fechadas, demissão de professores, etc. A senhora Dewey era, na época em que a reforma vigorava, professora da terceira série de uma escola pública americana chamada Beck Elementary School, no Texas, e estava sendo pressionada, assim como os demais professores, pelo diretor da Beck Elementary a elevar os índices de aprovação dos alunos nos high-stakes (os testes padronizados). A administração, e também a maioria dos professores, que ganhariam bônus com isso, estavam motivados a avançar no patamar de prestígio – mas para isso a meta era que 80% dos alunos passassem nos exames. A escola fez uma série de ações tendo em vista incentivar os professores a elevarem os resultados nos testes. A comunidade estava orgulhosa, pois a escola agora era mais prestigiada, devido ao ranking que a elevara. O administrador da escola era considerado um líder educacional no estado, pela façanha realizada. A cada reunião dos professores, o diretor anunciava com orgulho o ranking dos professores, de acordo com a porcentagem de seus alunos que haviam passado nos testes de benchmarking. Mas, além de tudo isso, teve outra ação que contribuiu para o “sucesso” da escola: a contratação de um consultor. Aqui a estratégia sugerida pelo consultor, e adotada pela escola, para atingir sua meta: “Pegue os últimos testes realizados e dividam os alunos em três categorias. Pinte de verde os nomes dos prodígios – ou seja, das crianças que estão indo consistentemente acima da média e que, com alto grau de confiança, irão passar no teste. Pinte de amarelo o grupo de alunos no nível de incerteza – aqueles que estão com pontuações próximas da média e que, com um esforço extra, conseguirão a nivelação mínima. Por fim, pinte de vermelho as crianças que não contam para os testes e as que definitivamente não têm perspectivas de passarem. Foquem, então, nas crianças de amarelo, pois são elas que prometem o maior retorno sobre o investimento.” UMA HISTÓRIA SOBRE SAÚDE. SAÚDE?3

Uma pesquisa foi feita com o intuito de estudar os impactos da profissionalização na gestão de instituições de saúde, e os resultados foram semelhantes. A cultura de negócios também foi instalada, e a linNÃO OLHE PARA O LADO, OLHE PARA FRENTE

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guagem dos negócios – análises de custo/benefício, administração do tempo, projeções e análises financeiras – virou a linguagem da medicina. Em um contexto de aumento de competitividade, muitos hospitais e clínicas profissionalizaram sua gestão de diversas formas. A contratação de gestores profissionais, a inserção, novamente, de um sistema “meritocrático” voltado a resultados, tendo em vista a eficiência e produtividade, foi instalado. Ao melhor estilo top-down, de derivar da estratégia da empresa as ações de cada área, os médicos também foram atingidos com base nos mesmos incentivos que seus gestores, tendo em vista o corte de custos, o aumento de clientes, a maximização do lucro e o crescimento da empresa. Os médicos agora eram remunerados de forma variável – recebiam comissão como porcentagem dos gastos de cada cliente. Como consequência de uma cultura de performance, muitos médicos passaram a restringir os horários dos pacientes (marcando consultas a cada trinta minutos), o que tornava a atividade muito mais lucrativa do que se passassem o mesmo tempo que antes eles gastavam conhecendo o paciente, entendendo o problema dele, aconselhando sobre o tratamento, investigando possíveis causas, ou até mesmo confortando os pacientes e seus familiares a respeito da situação. Isso passou a não ser mais central. “Não que eu tenha conscientemente mudado minhas rotinas, mas o dinheiro teve um poder forte de me induzir a distorcer a minha própria percepção das coisas. Não é exagero dizer que a mentalidade business penetrou cada aspecto da minha atividade médica.”, diz um médico. Como consequência evolutiva da mentalidade e cultura de negócios, profit-oriented (orientada ao lucro), e não purpose-oriented (orientada ao propósito), os médicos passaram a se encarar como empresários. Muitos, agora, eram donos dos próprios hospitais, de clínicas de cirurgias, exames e diagnósticos, de modo que cada paciente era de fato visto como potencial lucrativo. Não é de se surpreender que nos hospitais em que o pagamento variável era parte da cultura, os médicos marcavam mais consultas (e menores), e recomendavam muito mais exames para os pacientes, mesmo sem evidência de necessidade ou melhora no diagnóstico. Outros ainda faziam parcerias com empresas farmacêuticas, de modo que a venda das drogas para seus pacientes significava aumento de lucro para os médicos. Houve diversos casos divulgados de parceria entre médicos e indústria farmacêutica onde a indústria publicava artigos defendendo o uso de seus medicamentos, citandoo como benéfico e favorável ao uso, usando o nome dos médicos na autoria dos artigos para 12 -

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gerar credibilidade. Mas os textos não eram nem ao menos escritos pelos médicos – que simplesmente emprestavam seus nomes em uma situação de parceria entre empresas. Um último depoimento de um dos médicos entrevistados durante a pesquisa: “O mercado está criando uma grave e profunda ansiedade dentro das profissões. Entre os meus colegas sinto um vazio emocional criado pela consideração excessiva do dinheiro. A maioria dos médicos entrou em medicina pela estimulação intelectual ou pelo desejo de desenvolver relações com pacientes, não para maximizar os lucros. Existe uma sensação perceptiva de luto. Nós nos esforçamos por tanto tempo, fizemos tantos sacrifícios, e para quê? No final, o trabalho tornouse para muitos apenas isso um trabalho”. PROSTITUIÇÃO DA ALMA

Para aí. O que está acontecendo? Quando um consultor diz a professores para concentrar a atenção nas crianças com maior retorno sobre o investimento, e quando não se pode mais confiar na prática médica, algo está errado. Em algum lugar, tropeçamos pelo caminho. Quem colocaria suas filhas e filhos, irmãs e irmãos, primas e primos em uma escola dessas? Quantos se sentiriam confortáveis sabendo que segundos interesses dos médicos falam mais alto do que a promoção da saúde? Onde foi parar o professor que se preocupa com educar? Onde foi parar o médico que se preocupa com a saúde? Onde foram parar as instituições de ensino que realmente se preocupam com a educação? Onde foram parar as instituições de saúde que realmente se preocupam com a cura? Esses foram dois exemplos escolhidos para ilustrar uma ideia, mas os exemplos, infelizmente, não se restringem aos citados. A ideia aqui não é a crítica ao sistema educacional, tampouco aos profissionais das áreas citadas nos exemplos. Eles servem para ilustrar um ponto em comum que está por trás dos dois casos, e de inúmeros outros contextos: quando se insere um segundo motivo para se fazer as coisas, tendese a confundir o incentivo com o motivo principal. Segundos, terceiros, quartos e infinitos incentivos por todo lado, a consequência não podia NÃO OLHE PARA O LADO, OLHE PARA FRENTE

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ser outra: desvirtuações de propósito que chamam a atenção, que desmoralizam os profissionais e a própria profissão, que têm consequências tão ruins para a sociedade – que não mais confia no seu sistema educacional (e nos professores), no sistema de saúde (e nos médicos), nas empresas (e nos seus dirigentes), no governo (e nos governantes), etc. – quanto para os próprios profissionais, que se veem desvirtuados, vazios, como o depoimento do médico citado anteriormente. Rubem Alves, em sua crônica “Sobre política e jardinagem”4, coloca luz sobre essa questão: “Vocação, do latim vocare, quer dizer “chamado”. Vocação é um chamado interior de amor. [...]. Vocação é diferente de profissão. Na vocação, a pessoa encontra a felicidade na própria ação. Na profissão, o prazer se encontra não na ação, mas no ganho que dela se deriva. O profissional, somente o profissional, faz seu “fazer” não por amor a ele, mas por amor a algo fora dele: o salário, o ganho, o reconhecimento, o status, a vantagem. O homem movido pela vocação é um amante. O profissional, ao contrário, não ama a mulher, ele a usa por vantagem própria. Gigolô.” (Rubem Alves)

Em certo aspecto a desvirtuação do propósito é a perda da essência da atividade. As atividades perdem sua alma, as instituições perdem sua alma, as profissões perdem sua alma, e as pessoas perdem sua alma, e o termo gigolô é perfeito como analogia, uma vez que vender a essência, vender o chamado interior de amor, o motivador principal, em troca de motivos secundários, não deixa de ser uma prostituição da alma. Nesse aspecto, dois pontos são importantes de salientar. Primeiro, o quão pobre é ser um médico que só se preocupa com ganhar dinheiro. Não fazer por amor, mas pelas consequências – principalmente financeiras – da atividade descolore e murcha qualquer sentimento de prazer, tornando a profissão uma mera troca utilitária. É ruim para o próprio profissional agir assim, pois ele vai estar excluindo de sua vida profissional uma possível grande fonte de prazer, paixão e realização, pois trocou isso por motivos secundários. Mas tudo bem, cada um tem a liberdade para buscar o que quiser para sua vida. O problema é quando essa desvirtuação passa por cima da própria ética, e médicos começam a prescrever mais exames porque isso vai ser lucrativo, quando o empresário finge que não vê as externalidades negativas de sua empresa para poder ganhar sua bo14 -

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nificação, quando os professores ignoram os alunos “em amarelo”. Nesse caso, as consequências extrapolam o universo individual do profissional. Além de estar agindo de forma “errada” para si próprio, essa desvirtuação está causando consequências negativas para os outros. A CULPA É DO SISTEMA!

Tudo bem, todo mundo concorda que prescrever exames desnecessários para lucrar à custa dos pacientes é errado. Todo mundo concorda, também, que ignorar algumas crianças e priválas de uma boa educação só porque elas não representam “retorno sobre o investimento” também é errado. São casos claros de violação dos princípios da profissão, e os exemplos são estereotipados de propósito para passar essa ideia. Mas se estamos usando esses casos como exemplos, é porque eles ocorreram, e não foi um profissional ou um caso isolado. Por que eles ocorreram? Por que exemplos parecidos ainda acontecem? No livro de onde os exemplos foram tirados, o autor mostra casos em que, assim como a senhora Dewey e o médico que não estava satisfeito com o contexto de sua profissão, os profissionais se davam conta de que algo estava errado. Talvez não fosse proposital – talvez os professores simplesmente quisessem educar, mas o sistema os impelia a agir de uma forma contrária ao que queriam. Cabe a pergunta: será que a culpa é do sistema? Um exemplo hipotético talvez ajude a ilustrar a questão em termos práticos. Imaginemos um empresário. Dono de uma nova rede de artigos esportivos, ele iniciou a empresa com o intuito de fornecer artigos esportivos para cada perfil de atleta. O que faltava na concorrência era um atendimento personalizado – um atendente que lhe diga se a sua pisada é supinada ou pronada, que pergunte sobre suas lesões e os motivos da procura de um tênis, e que lhe ofereça um que seja adequado para a sua situação, e não o mais caro. Um atendente que conheça o esporte e possa lhe dar dicas a partir das suas demandas. Esse empresário sempre foi atleta, e diversas vezes se lesionou por usar equipamento inadequado, sempre dependendo de pesquisa própria para saber qual o melhor tênis, a melhor raquete a ser comprada. Por isso, a loja contratava atletas e dava treinamentos para eles poderem auxiliar os clientes, e estava indo bem com essa nova proposta. A empresa começou a crescer muito – os funcionários gostavam de trabalhar ali, os clientes confiavam na empresa, o mercado de artigos esportivos estava crescendo. O mercado de fitness NÃO OLHE PARA O LADO, OLHE PARA FRENTE

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ficava cada vez mais competitivo, e se julgou necessária a abertura de lojas em São Paulo, tanto para facilitar a logística quanto para desenvolver valor de marca no maior mercado do Brasil. Só que para isso ele precisava de dinheiro, e teve que buscar investidores externos. O financiamento era muito arriscado para uma empresa de pequeno porte, e a venda de participação societária foi a saída encontrada. Como ele veio a descobrir, o investimento não se dá por amor. Seus investidores nem ao menos eram atletas, mas viam potencial na empresa. Passaram a exigir retorno sobre o investimento, faziam reuniões que cobravam desempenho e ameaçavam tomar medidas caso as metas não fossem cumpridas. O que antes não era feito, por não ser considerada a coisa certa a ser feita, passou a ser feito com naturalidade: tênis que estavam encalhados em estoque tinham metas de indicação – mesmo se sua pisada fosse pronada, e o cliente tivesse pisada supinada. Os vendedores passaram a ter metas de vendas, e bonificações de acordo com suas vendas, o que diminuiu drasticamente o tempo que cada vendedor gastava conversando com o cliente. Se ele tem dores na coluna, tendinite no joelho, se pretende usar todos os dias ou apenas uma vez por semana o tênis, deixou de ser pauta séria das discussões. Até eram discutidas essas questões, mas agora elas não eram levadas em consideração como antes. A questão é: existem pressões externas que fazem você agir de uma forma que você não gostaria de agir. Se a sua empresa abre o capital, você passa a ter um conselho de administração que direciona a empresa. Se o que eles querem é retorno sobre o capital, seja lá como for, e se você não transferir a produção para a China e cortar 15% dos custos para bater a meta divulgada aos acionistas naquele semestre, você está fora. Mais cedo ou mais tarde você vai ter que comprar do fornecedor que você sabe que possui práticas das quais você não concorda, para se manter no jogo. Podemos observar os desvios de comportamento impostos pelo sistema em vários âmbitos, desde o menor e menos problemático até os de consequências grandes para a sociedade. Em janeiro de 2012 eu comprei uma bicicleta aqui em Porto Alegre. Inocente, e sem conhecer muito sobre bicicleta, fui à loja pesquisar o que seria melhor para mim. Expliquei o motivo da compra e o uso esperado para a minha bicicleta, e a vendedora me apresentou um modelo como indicação. Mil e quatrocentos reais. Questionei se o freio não devesse ser melhor, e ela concordou. Depois me mostrou outra, e depois outra, sempre sugerindo 16 -

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ser a mais indicada para mim. Um pequeno interesse demonstrado em umaem uma bicicleta mais cara vinha ela me convencer de que aquela era a melhor. No final acabei comprando uma de quase dois mil reais, que ela sugeriu ser a mais indicada para o meu caso. Tenho um vizinho, na faixa dos cinquenta anos, que possui uma bicicleta que deve custar aproximadamente oito mil reais. Ele usa para passear final de semana na Orla do Guaíba. Fiquei imaginando o vendedor convencendo ele de que uma Specialized Full Suspension de oito mil reais, que se usa para fazer trilhas pesadas, é o ideal para um aposentado que anda a quinze quilômetros por hora na Orla do Guaíba. Enfim, eu comprei a bicicleta mais cara sugerida por ela, para depois me arrepender descobrindo que ela não era necessária. De novo, o problema não é o exemplo em si, é sempre o que está por trás. São incentivos que desvirtuam o propósito. Eu não consigo confiar em vendedores de bicicleta, pois sei que eles ganham por comissão, e isso influencia na forma como eles lidam comigo. Se você for nessa loja comprar uma bicicleta de presente para o seu pai, mas você tem só novecentos reais para investir, eles vão tratálo com descaso, pois os vendedores são comissionados, possuem metas, e você é como as crianças em vermelho: não representa o melhor retorno sobre o investimento. Não duvido que a bicicleta que eu comprei, que a vendedora me indicou, estava encalhada e eles tinham como objetivo vender ela de uma vez por todas – assim como o exemplo dos tênis em estoque. Esses são exemplos pequenos, mas desvios éticos motivados por incentivos são vários. É difícil fazer a coisa “certa”, quando o sistema o incentiva, e às vezes até impõe, a fazer a coisa “errada”. Se você é professor e se preocupa com uma educação além do conhecimento – “gasta” tempo em aula ensinando os alunos a aceitarem a opinião dos outros, conciliando brigas entre colegas – como você vai se justificar? O diretor da escola talvez também se preocupe, mas ele só está lá no cargo porque é amigo do prefeito da cidade, e esse precisa que a escola aumente seu índice de alunos aprovados para poder mostrar os números nas próximas eleições. Ou seja: você vai ter que dividir os alunos em vermelho, amarelo e verde para então ignorar os vermelhos e verdes, pois são os em amarelo que trarão maior “retorno”. Afinal, se o professor não atingir os 80%, ele tanto perde o bônus financeiro quanto corre o risco de ser demitido. A culpa é do sistema. Se, pelo menos em alguns contextos, isso é verdade, então não é de se surpreender que “…in some fields, the more ‘psychopathic’ people are, NÃO OLHE PARA O LADO, OLHE PARA FRENTE

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the more likely they are to succeed”5 (Em alguns contextos, quanto mais ’psicopática’ a pessoa for, maiores são as chances de ela ter sucesso). Uma pesquisa revelou que a profissão com maior incidência de psicopatas é a de presidente de empresas – “A convincing study shows that business leaders and serial killers share a mindset”6 (Um estudo mostra de forma convincente que os líderes empresariais e assassinos em série compartilham uma mentalidade). Em segundo lugar, estão os advogados, seguidos pelos profissionais de mídia e vendedores. Professores estão na sétima posição com menor incidência de psicopatas. Imagine a quantidade dos exemplos que poderiam ser trazidos das demais profissões. Sempre ouvimos que algumas aptidões são importantes para o sucesso: proatividade, capacidade de pensar, de realizar, de lidar com opiniões divergentes e trabalhar em grupo. O que não ouvimos falar é que a capacidade de não se identificar com as pessoas, a ausência de empatia, de remorso, a racionalidade fria, também são características importantes para se atingir o sucesso em alguns campos. Afinal, é preciso baixíssimo grau de empatia para sugerir a exclusão dos alunos em verde e vermelho para educar com atenção apenas os amarelos. O filho do consultor está em um colégio particular, e provavelmente não é um dos excluídos. O consultor provavelmente nunca visitou a escola e nunca conheceu a realidade das crianças que nela estudam. Lá, a professora Dewey tinha uma aluna, a Natasha, que era uma aluna muito inteligente, mas que queria um apoio extra pois estava desenvolvendo um texto para um concurso literário. Ignorála, porque isso não faz parte dos testes padronizados? Outro aluno se chamava Peter, que entrou na escola no meio do ano letivo, pois a família teve que se mudar, pois seu pai conseguiu um emprego em uma indústria no outro lado da cidade, e por isso Peter não contava para os testes padronizados. Ignorálo? Como alguém pode sugerir uma coisa dessas? Como um governante, eleito pela sociedade, pode desviar verba destinada a um hospital público para si? O hospital que receberia a verba com estruturas precárias, pacientes esperando medicamentos por meses, filas e instalações que não suportam a demanda de doentes, falta de profissionais. Como, sabendo disso, alguém ainda consegue tirar o dinheiro que seria destinado à compra de medicamentos para controlar a pressão dos idosos que dependiam disso, para engordar sua conta corrente em duzentos mil reais7, para trocar sua BMW no final do ano? Como, se não uma extrema falta de sensibilidade e empatia? 18 -

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De novo, são exemplos estereotipados, mas abrindo os olhos podemos ver essas características no dia a dia. O sistema impõe um conceito de sucesso que, para atingilo, determinadas características ruins acabam sendo nutridas. Sim, os exemplos passam pelo consultor que sugere educação a alguns alunos em detrimento dos outros, governantes que, através de cooptação e troca de favores, fazem falcatruas financeiras. Mas eles se estendem ao vendedor que indica algo que sabe que não é o melhor para o cliente, para o CEO que escolhe com base no preço mesmo sabendo que o fornecedor sonega impostos ou mantém situações de trabalhos ruins, o estagiário que sabe disso mas é conivente, o engenheiro de alimentos que produz uma nova fórmula de bolacha recheada que sabe que contém químicos nocivos, a indústria farmacêutica que divulga o medo para poder vender medicamentos, o médico que vende seu nome para a indústria farmacêutica dizer que aquele medicamento é bom, mesmo sem saber se é de fato, o negociador que se aproveita de uma situação de fragilidade para se dar bem no negócio, enfim, os exemplos não param. Aqui, de novo, mais uma vez: Para aí. O que está acontecendo? Que conceito de sucesso é esse que, para atingilo, devemos guiar nossa carreira nutrindo esse tipo de característica? “’Mindlessness’ não é a mesma coisa que ignorância. É um estado mental inativo que se caracteriza pela dependência de distinções estabelecidas no passado. Quando as pessoas são ou estão ‘mindless’, elas estão presas em uma perspectiva rígida, insensível às maneiras pelas quais o significado muda, conforme mudanças sutis no contexto. O passado domina, e eles se comportam como autômatos sem saber, onde as regras e rotinas governam ao invés de orientar o que fazer. Essencialmente, elas congelam a sua compreensão e se tornam alheias a mudanças sutis que as levariam a agir de forma diferente, se elas ao menos estivessem cientes dessas mudanças. As pessoas também se tornam ‘mindless’ quando ouvem ou leem algo e o aceitam sem questionar.”8 (The Encyclopedia of Positive Psychology)

Aceitar as coisas sem questionar profundamente é seguir o caminho trilhado. Não tomar uma decisão já é tomar uma decisão. Não assumir autonomia por trilhar seu próprio caminho pessoal e profissioNÃO OLHE PARA O LADO, OLHE PARA FRENTE

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nal, buscando seu próprio conceito de sucesso, é decidir por trilhar o caminho normal de um conceito de sucesso que nos é imposto. Por mais fraca que seja a correnteza, quando você não se engaja ativamente para nadar para onde você quer chegar, você vai sempre ir com ela, e corre o risco de chegar onde não gostaria. Em um mundo onde a correnteza leva para lugares nos quais não queremos ir – contextos sem propósito, desvios de caráter, características ruins sendo incentivadas e nutridas – temos que aprender a nadar por nós mesmos, até que, com o esforço somado, a correnteza mude de direção. Mas será que o sistema é tão cruel assim? Será que o sistema tolhe valores, de fato, ou são os jogadores que se deixam tolher, aceitando o “como é” em detrimento de pensar e se posicionar em prol de “como deveria, ou poderia, ser”? A CULPA É DO SISTEMA?

Influenciar não é determinar. Por mais forte que seja a correnteza, ela não necessariamente ditará onde você vai parar. Nadar, levandoa em consideração, é sempre uma opção. Eduardo Giannetti9 explica que se pode entender a dinâmica do funcionamento da sociedade pensando nela como um jogo, e suas partes constituintes são as regras do jogo e a qualidade dos jogadores. As regras do jogo são o “sistema”, é o jogo tal como ele é, com suas influências, suas induções, suas formas de funcionar, suas regras, que todos temos que nos enquadrar. Essas regras do jogo influenciam na formação e na qualidade dos jogadores. Se as regras para o jogo do sucesso implicam em nutrir características “psicopáticas”, é dessa forma que elas influenciarão a formação das qualidades dos jogadores. Influência não determinística, porém. Na verdade, há uma causalidade circular, onde as regras do jogo influenciam na qualidade dos jogadores, e a qualidade dos jogadores influencia as regras do jogo. Mas não é circular como o ovo e a galinha. Não há sistema – regras do jogo – sem jogadores; mas há jogadores sem sistema. O sistema foi algo criado, e aí a influência mútua passou a existir. Sabe aquela frase “You’re not stuck in traffic. You’re traffic!” (Você não está preso no trânsito, você é o trânsito!)? Então, nós somos o sistema. Se o sistema é como é, ele é consequência dos jogadores que o jogam. Os jogadores vieram antes, o sistema foi a consequência. As regras do jogo têm o poder de influenciar, mas só os jogadores têm o poder de determinar. Não que o investidor vá investir por amor. Aliás, ruim interpre20 -

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tarmos “fazer por amor” com conotação negativa. Como se tivesse algo de errado, ou como se “por amor” não fosse justificativa suficiente para se fazer as coisas. Então vamos corrigir a frase colocando um “puro” na frente do amor, pois entendemos que amor por si só não paga as contas: não que o investidor vá investir por puro – e somente – amor, mas se ele ao menos fosse consciente dos meios, ao invés de olhar apenas para os fins, todo o exemplo do empresário do setor esportivo que queria ser bom, mas acabou sendo só bem sucedido, à custa de seus ideais, teria um final mais feliz. Se ele ao menos repensasse o propósito do ato de investir, talvez não objetivasse tão somente o crescimento do capital por si só. Se os vendedores da loja se opusessem a oferecer o que não concordam, isso também não aconteceria. Se o político se preocupasse com uma boa educação, mesmo que isso fosse custar sua próxima eleição, o sistema todo seria diferente e a escola poderia focar no aprendizado integral, e não em resultados para inglês ver, em umem um ranking que pouco diz sobre a qualidade da educação de fato. A senhora Dewey, professora da terceira série da escola pública americana Beck Elementary School, não admitiu a situação. Não dividiu os alunos e prestou atenção a todos eles. Esse foi o motivo pelo qual ela se tornou professora, e esse era o seu papel. Ela brigou em defesa da boa educação juntamente com outros professores, mesmo se isso implicasse abrir mão de seu salário variável. A professora Dewey foi tudo menos mindless, tendo a capacidade de analisar sua situação e enxergar qual é o certo a ser feito – em nome do propósito de sua atividade e de sua integridade como profissional. Ela caminhou para um sentido que o sistema não a empurrava para caminhar. Ela não se deixou influenciar. Ela nadou. Porque isso era o certo a ser feito. Ela teve capacidade de enxergar e peito para fazer o que é certo. Ela soube se questionar: “Para aí. O que está acontecendo?”. Ela foi sujeito de mudança. Se todos fizessem da mesma forma, não haveria sistema a culpar. Sobre ser um sujeito de mudança, sugerimos que digite no Youtube “Monopoly in Introspection”, e veja o vídeo publicado por Steve Zilinek. Esse é um trecho do documentário Zeitgeist – Moving Forward, e o texto é de autoria de John Ortberg. Segue a transcrição do discurso.

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“Now, my grandmother was a wonderful person. She taught me how to play the game Monopoly. She understood that the name of the game is to acquire. She would accumulate everything she could and eventually, she became the master of the board. And then she would always say the same thing to me. She would look at me and she would say: “One day, you’ll learn to play the game.” One summer, I played Monopoly almost every day, all day long. And that summer, I learned to play the game. I came to understand the only way to win is to make a total commitment to acquisition. I came to understand that money and possessions that’s the way that you keep score. And by the end of that summer, I was more ruthless than my grandmother. I was ready to bend the rules if I had to, to win that game. And I sat down with her to play that fall. I took everything she had. I watched her give her last dollar and quit in utter defeat. And then she had one more thing to teach me. Then she said: ‘Now it all goes back in the box. All those houses and hotels. All the railroads and utility companies… All that property and all that wonderful money… Now it all goes back in the box. None of it was really yours. You got all heated up about it for a while. But it was around a long time before you sat down at the board and it will be here after you’re gone: players come, players go. Houses and cars… Titles and clothes… Even your body.’ Because the fact is that everything I clutch and consume and hoard is going to go back in the box and I’m going to lose it all. So you have to ask yourself when you finally get the ultimate promotion when you have made the ultimate purchase when you buy the ultimate home when you have stored up financial security and climbed the ladder of success to the highest rung you can possibly climb it… and the thrill wears off and it will wear off Then what? How far do you have to walk down that road before you see where it leads? Surely you understand it will never be enough. So you have to ask yourself the question: never be enough. So you have to ask yourself the question: What matters?”10 (tradução em nota ao final do livro) (John Ortberg)

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O que precisamos no mundo de hoje é o mesmo que sempre precisamos e sempre vamos precisar: não são jogadores que simplesmente aprendem a jogar o jogo – que muitas vezes é um jogo que não faz sentido, sem propósito, que nutre valores errados, e se não formos “mindless”, perceberemos. Precisamos de jogadores como a professora Dewey. É transformando o interior de cada jogador, nutrindo hoje os valores que queremos ver no mundo amanhã, em nós mesmos, que estaremos contribuindo para uma transformação. A culpa não é do sistema. A transformação externa é consequência de uma transformação interna. Mudar o sistema – as regras do jogo – é uma consequência de mudar a qualidade dos jogadores. E quem serão os jogadores de amanhã? Nós, os empresários juniores de hoje. E o que o MEJ está fazendo para formar bons jogadores? E O QUE O MEJ ESTÁ FAZENDO PARA FORMAR BONS JOGADORES?

A pergunta é válida porque, afinal, a missão do Movimento é formar, hoje, os jogadores do amanhã. Claro que a diferença temporal é só didática, mas o nosso negócio é desenvolver pessoas; pessoas que mudarão o jogo. Desenvolver as “professoras Deweys” de cada área. Prestamos consultoria e atuamos com projetos pois a vivência prática é parte constituinte do nosso contexto de aprendizado. Quanto melhor formos na prestação de consultoria, melhor. Mas a consultoria é um meio que foi escolhido por nós, e não um fim. O objetivo da Empresa Júnior (EJ) não é diminuir os 15% de desperdício no processo do cliente que a contratou. O objetivo é desenvolver seus membros, tendo em vista o que esperamos de nós e dos nossos colegas de Movimento Júnior. Nesse sentido, somos um movimento de serviços empresariais, de consultoria, cada um na sua área. Mas a maior contribuição do Movimento é entregar para a sociedade cidadãos capacitados e conscientes. Esse resultado é muito maior que os 15% de desperdício que diminuímos. Nesse sentido, o grande propósito do MEJ é desenvolver pessoas, e é por isso que o MEJ é uma grande escola. Certo? Para responder a pergunta, contaremos outra história sobre educação: o surgimento do sistema educacional público nos USA, em umaem uma tradução livre das palavras de Alvin Toffler11.

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“No século 19, nos Estados Unidos, a maioria dos jovens era filho de fazendeiros e trabalhava no campo. Quando propuseram que os Estados Unidos instituíssem um sistema de educação pública para os jovens, os pais mais pobres falaram ‘não, nós não podemos permitir nossas crianças a irem às escolas, pois elas precisam trabalhar, se não morreremos de fome, pois não temos mãos suficientes para trabalhar no campo’. Então eles foram contra a educação pública. As pessoas que foram a favor eram os ricos. E quem fez o sistema público se tornar possível foram homens de negócios.” (Alvin Toffler, tradução livre)

Por que os homens de negócios empreenderam o sistema educacional público? Eram pessoas preocupadas com o desenvolvimento das crianças, preocupadas com a educação de fato? Não. Segue a explicação. “E no final do século 19, a comunidade de business raciocinou ‘quer saber? Todas essas crianças que vêm para as fábricas dos campos não são bons trabalhadores. Eles chegam atrasados, não se pode confiar neles, eles não trabalham duro, eles não são bons’. ‘O que precisamos’, eles falaram, e essas são as palavras que eles mesmos usaram, ‘é um sistema que crie disciplina industrial’, objetivando permitir o avanço da lucrativa industrialização do país.” (Alvin Toffler, tradução livre)

Era preciso que os trabalhadores soubessem ler “não coloque a mão na máquina”, que chegassem na hora, que respeitassem o patrão, que respeitassem os intervalos e que fizessem o seu trabalho de forma produtiva e sem reclamar. As escolas então reproduziam e simulavam o ambiente fabril, na busca pela formação de profissionais para o mercado de trabalho. Sinos entre as aulas, ônibus amarelo que levavam os alunos para as “fábricas” escolares, uso obrigatório de uniformes, professor como entidade patronal (o chefe), férias negociadas de dois meses para liberar os filhos para a colheita. Esse foi o propósito inicial da educação: doutrinar pessoas para enviar para o mercado de trabalho. Não foi educar, não foi desenvolver as potencialidades humanas das crianças. Foi doutrinálas. Dessa forma, o sistema que se diz “educacional” sempre foi submisso à economia, e não ao indivíduo e, como regra, continua assim até hoje. Atualmente 24 -

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se fala que as escolas precisam ensinar características distintas: incentivar a criatividade, o pensamento autônomo, a capacidade de trabalhar em equipe. Isso porque, atualmente, as empresas não mais precisam de homensboi. A automação e a “complexificação” dos problemas empresariais demanda outro tipo de trabalhador. Agora, portanto, se torna interessante ensinar as crianças a criarem, inovarem e pensarem. A lógica, porém, permanece a mesma. Do ponto de vista da educação pura – tendo o indivíduo como fim, e não meio – sempre precisamos desenvolver pensamento autônomo, criatividade e habilidades de convívio. Não é porque a demanda do mercado mudou a justificativa para educarmos dessa forma. Quer dizer que se, amanhã, as empresas não mais precisarem de seres pensantes, a educação deixará de ensinar nossas crianças a pensar, a questionar, a refletir, a criar? Esse foi, portanto, o propósito inicial do sistema público de “educação” americano, mas, infelizmente, com fortes resquícios contemporâneos: doutrinar pessoas para enviar para o mercado de trabalho. Portanto, dessa perspectiva, o MEJ é sim uma escola, e o MEJ, no geral, tende a desenvolver pessoas tanto quanto o sistema educacional público americano em seus primórdios também desenvolvia. Como um meio, para as demandas do mercado. No dia 26 de abril de 2013 saiu na The Epoch Times uma reportagem sobre o Movimento intitulada “Ano de comemoração do Movimento Empresa Júnior no Brasil”12. Na reportagem, em um dos trechos, entrevistaram um empresário Júnior que comentou que: “O grande objetivo do Movimento, quando ele surgiu na França, era dar uma experiência que a própria universidade não dava àqueles alunos, para que esses mesmos alunos pudessem, após formados, conquistar seu espaço no mercado”. (Epoch Times)

Nós vemos, em alguns aspectos, um MEJ submisso, adaptador e modelador às demandas do mercado. Também reproduzimos e simulamos “o que está lá fora”, “aqui dentro”. Só que imitar o ambiente que gostaríamos de mudar não é a melhor estratégia. Até porque vimos que tem muita coisa errada “lá fora”. O que estamos fazendo é “disciplinando industrialmente”, só que em uma era em que não mais precisamos de homensboi, mas outras habilidades são importantes. Inclusive, talvez, as de psicopata. A lógica é a mesma. NÃO OLHE PARA O LADO, OLHE PARA FRENTE

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Nós ficamos um pouco triste com isso. Não que seja errado formar profissionais para o mercado de trabalho. Claro que não, isso é ótimo. Isso faz parte. Precisamos aprender as regras do jogo tal como elas são, entender como as coisas funcionam e como desempenhar bem nesse contexto. Temos que conhecer a correnteza para melhor conseguirmos nadar para onde queremos. O problema é que perdemos um potencial de transformação muito, muito grande quando nosso propósito se resume e se limita a desenvolver em nós as habilidades que o mercado quer. Até porque nem sempre o que o mercado quer é o que nós queremos, ou talvez devêssemos querer. Nem sempre o que o mercado quer é o que nós queremos que o mercado queira. O pior de tudo é que somos nós mesmos que nos impomos esses limites. Somos nós mesmos que criamos as regras do jogo do MEJ, e a opção e o poder de determinar quem é o MEJ é toda nossa. Não podemos agir da mesma forma e com a mesma mentalidade. Temos que ser diferentes, mas acabamos sendo muito iguais. Empresas de mercado dependem de estruturas de controle do comportamento de seus funcionários. Por que controlam o horário de chegada dos funcionários, o horário de saída, o tempo do intervalo, a execução do trabalho? Uma relação de controle começa sempre com um ingrediente: desconfiança. Controlam porque não confiam. Não confiam, muito provavelmente, porque os empregados não fazem por merecer a confiança. Ao invés de percebermos isso, as causas do problema, onde a transformação reside, e a partir disso nutrirmos relações de confiança em nossas EJs, nós copiamos o mercado e criamos a mesma estrutura de controle. Tem EJ que tem cartãoponto. O que isso diz da qualidade dos jogadores que ela está formando e dos pressupostos implícitos de se ter um cartãoponto? Empresas de mercado dependem de incentivos externos para motivar os funcionários, tal como metas vinculadas a desempenho e remuneração psicológica para acariciar o ego dos funcionários em busca de prestígio. Incentivos, em muitos aspectos, são dados porque as pessoas não são intrinsecamente motivadas a fazer as coisas. Em um ambiente em que o trabalho é ruim, onde você não vê significado na sua existência dentro da empresa, onde sua motivação é o lucro no fim do mês, onde seu chefe o trata como um mero meio para os próprios interesses dele, o que infelizmente talvez seja a situação da maioria dos trabalhadores, é claro que a sua motivação se dará por incentivos externos. O bônus, a 26 -

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meta, o ranking, o salário, o currículo, o plano de carreira. Só que ao invés de nutrirmos um ambiente apaixonante, de significarmos o ambiente de trabalho, recorremos às mesmas ferramentas de dias de folga ou dinheiro para capacitação se metas forem atingidas, ou até o funcionário do mês, ranking de consultores, essas coisas. Como se o empresário Júnior, que entrou para se capacitar, precisasse de incentivos para se motivar a se capacitar. É como o professor que precisa de incentivos para educar, que ensina para subir no ranking de professores, na reunião da escola. Empresas de mercado enxergam as pessoas como recursos que devem ter um retorno sobre o investimento, de modo a atingir os resultados da empresa. Como as empresas de mercado têm, em sua maioria, o lucro como principal objetivo – até porque já vimos como funciona a dinâmica de investimentos, e que eles não se dão por amor – mensurar o sucesso de uma empresa é relativamente fácil. Resultados financeiros compõem a perspectiva dominante, e devem ser mensurados, assim como os demais influenciadores dos resultados financeiros – resultados de mercado, de processos internos e de aprendizado e crescimento, justamente as perspectivas do Balanced Scorecard (BSC). Só que ao invés de enxergarmos que no MEJ a lógica se inverte, que o aprendizado e a formação de pessoas não são só uma condição para um bom resultado, mas são justamente o resultado principal de uma empresa Júnior, ficamos rankeando nossas EJs pela sua “performance de mercado”, usando indicadores de perspectivas da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ), que obviamente desconhece os propósitos do Movimento Empresa Júnior. Transformação, nesses casos, não é ser o melhor gestor por incentivos externos, não é ser o melhor garantidor de resultados através de controle, não é a melhor utilização do capital humano das empresas em prol de resultados econômicos, crescimento do PIB e geração de empregos. Em última análise, isso não muda nada. Como Barry Schwartz salientou no vídeo de divulgação do ENEJ “não diz respeito ao crescimento econômico, e sim o desenvolvimento econômico de uma maneira que respeita todos os cidadãos e que realmente eleva o bemestar da sociedade”. A verdadeira mudança é criarmos organizações que se baseiem em relações de confiança entre empregado e empregador, entre empresa e cliente. A verdadeira mudança é criarmos ambientes apaixonantes, onde as pessoas gostem do que fazem e veem significado na sua vida profissional, de modo a não dependerem inteiramente de motivadores externos que minam, muitas vezes, o valor e a moral das atividades (como os NÃO OLHE PARA O LADO, OLHE PARA FRENTE

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exemplos do vendedor de bicicletas, dos médicos e professores). A verdadeira mudança é criarmos organizações que tenham alguma essência, algum propósito – aliás, essa sendo condição para criarmos ambientes apaixonantes e com significado. Todas essas mudanças, porém, não estão lá fora, nos indicadores econômicos e no mercado de empregos. Elas estão na consciência de cada um, na qualidade dos jogadores. O que queremos não é criticar as práticas em si – o uso ou não do BSC, o uso ou não de incentivos, o uso ou não de ferramentas de controle. Elas podem gerar discussões, sim. Inclusive, essas questões serão discutidas em maior profundidade no capítulo 4. Mas o que queremos mostrar é o que está por trás desses exemplos: pior do que replicar as mesmas práticas, é replicar a mesma mentalidade como não tivéssemos capacidade adaptativa à realidade do MEJ. Das duas uma: ou de fato não temos capacidade adaptativa, ou de fato não entendemos o propósito, a essência do Movimento, para poder avaliar a adaptação. Não é à toa que, como resultado das coisas que pensamos e das coisas que fazemos, o Movimento saia em veículos midiáticos sempre em canais sobre carreira, estágios, e sempre quem avalia o valor das EJs são consultores de RH, como se fosse a opinião deles que definisse nosso sucesso como EJ. No dia 4 de abril de 2010, saiu uma reportagem na Folha de São Paulo sobre o Movimento, intitulada “Experiência em Empresa Júnior é diferencial”13. Segue abaixo um trecho da reportagem. “Como já trabalharam em equipe e com clientes reais, explica Melina Graf, gerente de planejamento de carreiras da Ricardo Xavier Recursos Humanos, candidatos que passaram por uma empresa Júnior apresentam perfil mais preciso, mais voltado às demandas das empresas.” (Folha de São Paulo Experiência em Empresa Júnior é diferencial)

Como consequência, isso é ótimo. Como intenção, isso mostra o desvio de propósito no MEJ. Não é à toa que sejamos considerados, como saiu na Zero Hora sobre a PS Júnior, empresa júnior do curso de administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, um “Ensaio para a Vida Real”. Ensaio para a vida real era o título da matéria. Ensaio para a vida real. É isso que você considera que está fazendo aqui? Ensaiando para a vida real? O que você faz enquanto está na EJ, traba28 -

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lhando, e mesmo depois de sair dela, o tempo que fica pensando em casa e dedicado ao Movimento; o tempo gasto organizando ou participando de eventos; os momentos de reflexão e desenvolvimento que são proporcionados; os impactos que causamos em nós mesmos, nos nossos colegas de trabalho, nos nossos clientes; a postura e a seriedade com que encaramos essa nossa experiência de Movimento Júnior; acha justo sermos considerados um grande teatrinho para mercado de trabalho? É dessa forma que nós “desenvolvemos empreendedores capazes de transformar o país”14, a missão do Movimento? “Do ponto de vista das pessoas que estão no poder, a tarefa principal da educação sistemática é reproduzir a ideologia dominante.” (Paulo Freire)

Achamos que acabamos reproduzindo a ideologia dominante, ao invés de criarmos, no MEJ, as ideologias que gostaríamos que fossem as dominantes. Por mais frustrante que possa parecer, talvez a resposta seja sim. Talvez seja dessa forma que nós, hoje, “desenvolvemos empreendedores capazes de transformar o país”, e talvez, infelizmente, não seja um absurdo nos chamarem de ensaio para a vida real, pois é o que em muitos aspectos acaba acontecendo. DO REAL AO POTENCIAL

Mas NÃO! NÃO DEVERIA SER ASSIM! As empresas juniores não deveriam ser meros ensaios para a vida real e o MEJ não deveria ser um mero formador de bons profissionais para as demandas do mercado de trabalho. O desvio de propósito está lá no sistema educacional, lá nos professores que ignoraram alguns alunos em troca de bonificações, lá nos médicos que prescrevem medicamentos e realizaram consultas de follow-up desnecessárias pois lucram com isso, lá no investidor que corrompeu os valores da empresa, lá no político que agiu em prol da próxima eleição, ao invés de agir pelo bem da sociedade. O desvio de propósito está lá, mas também está aqui, dentro do Movimento Empresa Júnior. Uma vez ouvi de um empresário Júnior, falando sobre uma outra EJ: “Ah, meu, o problema é que eles são muito Júnior”. O que isso quer NÃO OLHE PARA O LADO, OLHE PARA FRENTE

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dizer? Quando falamos “eles são muito Júnior” com um sentido negativo, pejorativo, então é porque tem alguma coisa errada! Nosso conceito de uma boa EJ é uma EJ que menos se parece com uma empresa Júnior – tentamos esconder o “Júnior” – e mais e mais tenta se parecer com uma empresa “Sênior”, “de mercado”. Quando apresentamos a nossa Empresa Júnior para alguém que não conhece o Movimento, muitas vezes até falamos: “é igual uma empresa normal, de mercado, só que gerida por graduandos”. NÃO! NÃO É IGUAL UMA EMPRESA NORMAL, DE MERCADO. É, ou pelo menos deveria ser, muito mais que isso! É uma empresa Júnior! J-U-N-I-O-R. Gigante pela própria natureza. Sobre desenvolver um MEJ diferente é a proposta do ENEJ, sobre desenvolver uma mentalidade diferente é a proposta do ENEJ, sobre reentender que tipo de pessoa queremos formar no MEJ é a proposta do ENEJ, sobre reentender o próprio MEJ, a partir de tudo isso, é a proposta do ENEJ. A proposta do ENEJ é, principalmente, discutir um futuro potencial para o Movimento, é enxergar para além das fronteiras atuais que nos cercam e cercam o Movimento Júnior hoje, para que possamos ampliálas amanhã. Talvez um dia, se formos bons o suficiente para isso, conseguiremos ser tão originais e relevantes que não mais precisaremos nos vender em busca de “aparições na mídia” como indicador estratégico. Talvez nesse dia a mídia abra os olhos para nós. Talvez surjam reportagens na televisão, documentários e livros escritos sobre o Movimento que retratem a nossa verdadeira essência – a nossa essência. Talvez, nesse dia, não precisaremos mais nos preocupar tanto com empregabilidade e formação para o mercado de trabalho, pois ouviremos do próprio mercado de trabalho comentários como: “acho que vou contratar a empresa do fulano como fornecedora, porque descobri que ele foi empresário Júnior”. Talvez outro ainda diga “uma vez perguntei a um empresário amigo meu quem eu poderia contratar para a minha empresa, e ele respondeu ‘contrata um empresário Júnior, se você conseguir’”. Talvez nesse dia também nem nos importemos tanto com esse tipo de comentário, pois não será o mercado o detentor do poder de dizer se somos ou não somos bons. Nós mesmos teremos esse poder. Talvez nesse dia os próprios empresários juniores rejeitem trabalhar em empresas das quais não concordam com seus valores, empresas que 30 -

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receberão um “não, obrigado, mas não quero trabalhar com vocês”. Os empresários juniores, nesse dia, talvez não busquem mais as empresas, mas as empresas os busquem. Nesse momento, por que não, talvez chegaremos a um ponto onde, ao invés de querermos nos tornar e simular ao máximo as empresas “seniores”, “de mercado”, serão elas que estarão querendo conhecer mais, imitar e simular o ambiente de uma Empresa Júnior. Nesse dia, certamente, teremos orgulho de estampar em nossas camisetas o nome “Júnior”, ao invés de tirálo dos nomes das nossas empresas para “aumentar a receptividade do mercado”, algo que a PS Júnior quase fez na época em que eu trabalhava nela. Aí, nesse dia, talvez não sejamos mais considerados as pessoas da “consultoriazinha, que é igual uma consultoria normal, só que mais barata”. Não. Seremos o Movimento que forma seres humanos, que nutre o debate ideológico, que tenta, que inova, com originalidade suficiente para pensar diferente e capacidade suficiente para defender essas convicções. Talvez, nesse momento, nos tornaremos um exemplo. Exemplos de pessoas, profissionais e de Movimento. Não porque quiséssemos nos tornar o exemplo para os outros, mas porque buscando sermos os exemplos para nós mesmos, talvez a consequência disso seja um Movimento admirado e reconhecido. “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” (Eduardo Galeano)

O MEJ pode tudo isso, mas mais que o MEJ, cada empresário Júnior tem o domínio de suas próprias fronteiras, de seus próprios sonhos, de sua própria mentalidade, de seu próprio desenvolvimento, de suas próprias ações. Quem nós somos já é motivo para nos orgulharmos; quem nós podemos ser é motivo para sonharmos. Quais são nossos sonhos? Quais são nossas utopias? O que nos separa delas? O que é preciso mudar para caminharmos nessa direção?

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Tem uma cena, no filme Sociedade dos Poetas Mortos15, onde o professor leva seus alunos para o pátio e pede para que três deles comecem a caminhar, um atrás do outro. Eles começam cada um no seu ritmo, com a sua caminhada. Aos poucos, sem instruções ou ordenamentos, as passadas começam a se sincronizar, eles deixam de caminhar pura e simplesmente e passam a marchar em conjunto. Os pés direitos todos juntos, então os pés esquerdos. A mesma pressão sendo colocada em cada um dos pés, toda vez que a passada era dada, criava uma uniformidade de movimento e de som. Junto com o uníssono dos sapatos batendo no chão, os demais alunos que estavam a observar passaram a bater palmas toda vez que o sapato fazia barulho com a pisada. O professor interrompe a brincadeira, e diz o seguinte: “Esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda, direita. Não sei se perceberam, mas cada um começou caminhando do seu próprio jeito, no seu próprio passo, no seu próprio ritmo. Sr. Pitts [um dos alunos] estava bem devagar, ele sabia que caminharia bem, estava confiante. O Sr. Cameron, dava para perceber, estava pensando e hesitando: ‘estou fazendo certo? Talvez esteja. Eu sei. Talvez não. Não sei.’. O Sr. Overstreet, seguindo confiantemente os passos do que estava à frente. Mas não os coloquei para fazer isso com o intuito de ridicularizálos. Trouxe eles aqui para ilustrar a conformidade, a dificuldade de encontrarmos nossos ideais e os mantermos perante o julgamento dos outros. Vejo vocês e percebo, olhando nos olhos [se referindo aos alunos que estavam observando], que pensam ‘eu teria andado de uma outra forma’. Para vocês que pensam assim, perguntemse o porquê estavam todos aplaudindo, na mesma batida em que os outros caminhavam. Todos temos uma grande necessidade de aceitação, mas você deve acreditar que suas crenças são únicas, são suas, e por isso têm valor, mesmo que os outros as julguem estranhas, esquisitas, erradas. Robert Frost disse: ‘duas estradas divergiram na floresta e eu escolhi o caminho menos percorrido, e isso fez toda a diferença’. Quero que encontrem o seu próprio jeito de andar, agora. Seu próprio jeito de caminhar. Em qualquer direção, pelo motivo que quiserem, de qualquer jeito. Com orgulho, sendo ridículo ou não, mas do jeito que quiserem.” (Sociedade dos Poetas Mortos)

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Para caminharmos – e o termo “caminharmos” parece mais adequado agora, permitindo analogia com o “caminhar” do exemplo do filme – do real ao potencial, temos que entender o que separa esses dois universos. Entre o real e o potencial, existe uma decisão convicta de mudança, uma decisão convicta de que é possível. Ficar olhando para o mercado de trabalho, ficar se desenvolvendo a partir de o que os outros esperam, e não do que nós, lá no fundo, queremos para nós mesmos e para a sociedade, é o que chamamos de mindlessness. A cena do filme lança um apelo à necessidade de acharmos o nosso próprio jeito de caminhar, pelo caminho que escolhermos, na direção dos nossos sonhos e ideologias. Independência para pararmos de aplaudir o que não deveríamos aplaudir. Autonomia para sonharmos com um mundo diferente e percorremos esse caminho do nosso próprio jeito. Optar por nadar, e não somente se deixar levar pela correnteza. Mas nadar para onde? Qual é esse “nosso próprio jeito de caminhar”? Qual é o caminho que escolhemos? Quais são nossos sonhos e ideologias, como indivíduos e como Movimento? VIRANDO PIPOCA16

Um grão de pipoca é algo duro, não comestível, pequeno e feio, em espigas pequenas, se comparadas às dos milhos normais. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser o que acontece com ele depois que ele estoura. Um grão de pipoca não estourado já tem tudo, dentro dele, que ele precisa, para se tornar uma pipoca. Uma grão estourado vira pipoca, que é macia, salgadinha, saborosa e todos gostam de comer. A pipoca é tão legal que crianças adoram comêlas vendo filmes, ou enquanto brincam. Até o próprio ato de fazer a pipoca é divertido: vêlas estourar dentro da panela! O grão de milho mirrado, para virar pipoca, tem que deixar de querer ser o que ele não é: deixar de tentar ser um grão de milho normal. Ele não é um milho normal, ele é uma pipoca. Só que ele é uma pipoca que ainda não estourou, que ainda não passou pela transformação. É como uma semente. Uma semente já é uma árvore, só que é uma árvore que ainda não foi regada e cultivada. Mas, dentro da semente, já existe todas as propriedades para que ela se torne uma árvore. O grão de milho também já tem, dentro dele, tudo que ele precisa para se tornar uma pipoca. A semente precisa ser regada, para que ela floresça. O milho de pipoca também precisa passar pela sua transformação: a dificuldade do fogo da panela. NÃO OLHE PARA O LADO, OLHE PARA FRENTE

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Todos nós, como indivíduos, e o próprio Movimento Empresa Júnior, somos sementes não regadas e grãos de milho não estourados. Mas já temos o necessário para nos tornarmos lindas árvores e deliciosas pipocas. O que precisamos é enfrentar o fogo da panela, e deixar florescer o que já existe dentro de nós. Temos que estourar, como Movimento. Não podemos nos permitir sermos a pipoca não estourada, aquele grão duro que machuca os dentes, aquele grão que tinha tudo para se tornar uma pipoca, mas se enrijeceu nos próprios padrões. Há tempos na vida que são tempos de travessia, retomando a frase do Fernando Pessoa que abriu esse capítulo. “É o tempo da travessia e, se não ousarmos fazêla, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”. O grão ficou à margem de si mesmo, pois não ousou fazer a travessia. É um momento de travessia, “This is an essay about a travessia entre o real e o potenwhat it takes to create cial. Entre eles, existe um grande something remark able. degrau a ser escalado, e esse é um It is a plea for originality, momento em que podemos tomar passion, guts and daring. a decisão de aceitar esse degrau You cannot be remark able como um desafio para nós, como by following someone indivíduos, e nós, como Movielse who’s remark able” mento. Temos que bater no peito e (Seth Godin). “That’s why assumir essa responsabilidade. Só I hate benchmarking. Benchmarking is stupid” que, para isso, temos que aprender (Tom Peters). “We need to a nadar, a caminhar do nosso jeito. break out of a vicious Temos que parar de olhar para o cycle of competitive and lado e redescobrir a nossa essência, imitation” desenvolver uma nova consciência, (Chan Kim) dentro do Movimento Empresa Júnior, e aí passar a olhar para a frente! Não olhe para o lado, olhe para frente. Esse foi o título, e essa foi a lógica, da palestra magna do primeiro dia do evento, ministrada pela Perestroika. Só que, quando falamos em “transformar o mundo”, temos que antes transformar o Movimento, mas antes mesmo de transformar o Movimento, temos que transformar a nós mesmos. Se quisermos mudar, teremos que ser a mudança que queremos ver no mundo. Por isso, se quisermos mudar, teremos que parar de olhar para o lado, e passar a olhar para frente. Só que, antes de mesmo de olhar para frente, vamos olhar 34 -

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para dentro, e buscar a resposta para “Quem queremos ser e que “Quem olha par a for a tipo de pessoa queremos formar sonha, quem olha par a dentro desperta” no MEJ?” dentro de cada um de (Carl Jung) nós. A busca é conjunta, mas é individual. A pergunta não é: quem que querem que sejamos, ou quem que o mercado espera que sejamos. A pergunta de emancipação ideológica é: que jogo nós queremos jogar? Que tipo de jogador queremos formar? Quem queremos ser? Como queremos caminhar? Para onde vamos caminhar? É por isso que, a partir de agora, a imersão vai estar em nível de indivíduo, provocando reflexões para que cada um pense e passe a buscar essas respostas dentro de si (capítulos 2 e 3), pois só então, a partir disso, podemos repensar nossas Empresas Juniores e o Movimento Empresa Júnior (capítulo 4).

NÃO OLHE PARA O LADO, OLHE PARA FRENTE

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Capitulo 2

O que te faz sentir vivo? “Seja a mudança que você quer ver no mundo.” (Mahatma Gandhi)

Correndo o risco de parecer clichê, iniciamos o capítulo com a famosa frase do Gandhi: “Seja a mudança que você quer ver no mundo”. Acreditamos que não é à toa que a frase não é “façamos as mudanças que queremos ver no mundo”. Não é façamos. É sejamos. Pois ser vem antes de fazer. Ser é condição para o fazer. A mudança vem de dentro de nós, vai enchendo quem somos e eventualmente ela transbordará. Toda mudança intencional significativa implica em umem um nível forte de convicção de que o potencial pode ser real. Grandes movimentos inspiram cenários potenciais que são muitas vezes absurdos para quem não participa do movimento. Quem já leu sobre o Steve Jobs já deve ter visto a expressão “campo de distorção da realidade”17, a capacidade que ele tinha de envolver as pessoas nas suas próprias convicções. Engenheiros que mesmo considerando impossíveis as propostas de Jobs se envolviam nos projetos e desenvolviam tecnologias antes impensadas. Jobs faziaos acreditar que o impossível era possível, e então eventualmente o impossível era realizado. O campo de distorção de um movimento é uma consequência de vários campos de distorção dos indivíduos que pertencem ao movimento – que, juntos, sinergizamse e, somados, criam um movimento, um manifesto, uma mudança. O campo de distorção, como sendo uma 36 -

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fé em umem um potencial que pode ser real, nos faz caminhar. E nesse caminho transformamos o potencial no novo real. Só que ter uma fé convicta que nos move não é uma simples e fácil questão de escolha. “A razão orienta, mas não move”, explica Eduardo Giannetti18. Por quê? Pois, se analisarmos racionalmente, a mudança almejada é muitas vezes improvável ou até absurda. O campo de distorção da realidade, um dos drives que nos move e faz as coisas acontecerem, não é racional. Podemos até entendêlo, mas devemos sentilo para que ele se transforme em uma decisão e em uma fé convicta. Só que se precisamos sentir esse campo de distorção para que ele seja efetivo, onde ele começa? Líderes são os que conseguem criar esse campo de distorção da realidade a partir de uma fé que vem de dentro deles próprios, consequência de seus mais profundos desejos, intenções, propósitos, noções de responsabilidade. Um campo de distorção começa por enxergar um amanhã diferente do hoje, para então mergulhar em um acreditar convicto de que é possível. Um líder consegue criar em si mesmo um campo de distorção da realidade, e se autoinspira com isso. Eles são os exemplos, principalmente porque são os exemplos para si próprios. Ele se motiva por si mesmo, sem necessidade de incentivo externo. Ele se inspira por si mesmo, sem a necessidade de inspiração externa. Ele se enche de motivação e inspiração, e então elas transbordam, e criam um campo de distorção que faz as coisas acontecerem e arrastam pessoas que também acreditam naquilo. Eles são, antes de fazerem. Então eles transbordam o que eles são; e o improvável acontece. O potencial vira real. Por trás do campo de dis“Felicidade é quando o que torção da realidade, portanto, você pensa, o que você diz existe uma questão de sincronicie o que você faz estão dade. Sincronicidade entre quem em harmonia.” você é, o que você pensa, o que (Mahatma Ghandi) você fala e o que você faz. Você só consegue inspirar quando você transborda inspiração. Você só consegue fazer os outros acreditarem quando você transborda convicção. É por isso que a mudança está em âmbito de indivíduo. Transbordar significa que primeiro você tem que ter ser enchido. Aliás, se encher. E se encher significa estar alinhado – quem você é, o que você acredita, o que você fala e o que você faz. Você precisa ser verdadeiro consigo mesmo, para ser verdadeiro com os outros. Muitas empresas não criam campos de O QUE TE FAZ SENTIR VIVO?

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distorção nenhum em relação às suas visões e missões porque isso virou algo tão banalizado e superficial que nem quem os cria acredita de fato neles. Muitas vezes consultores de empresas são chamados – nós mesmos, muitas vezes, EJs da área de business – para criar esses lemas. Por vezes ainda buscamos as declarações de missão e visão a partir de uma análise de mercado, concebendo as que seriam mais comercialmente aceitas. Insanidade. Elas não vêm de dentro, e o que acontece é o que está aí: frases coladas nas paredes das empresas que pouco representam a essência dos fundadores e dos funcionários que nela trabalham. Um falar dessincronizado com o ser e o acreditar. Frases vazias. A razão permite a hipocrisia. A emoção não, pois a emoção vem de dentro. Quando o choro é sincero, ele faz chorar. Quando o riso é sincero, ele faz rir. “Todo jardim começa com uma história de amor, antes que qualquer árvore seja plantada ou um lago construído é preciso que eles tenham nascido dentro da alma. Quem não planta jardim por dentro, não planta jardins por fora e nem passeia por eles.” (Rubem Alves)

Quando você realmente acredita e transmite o que você acredita, você está em sincronismo consigo mesmo, e essa frequência vibracional é transmitida, porque você está inteiro e totalmente envolvido. Você se envolve com o que você faz, porque o que você faz é uma extrapolação de quem você é. Só que você só consegue esse nível de envolvimento quanto você faz o que você ama. Pois amar é envolverse. “Não pergunte o que o mundo precisa. Pergunte o que te faz sentir vivo, porque o que o mundo precisa é de pessoas que se sintam vivas!” (Documentário “Quem se importa”) SIGNIFICADO = PAIXÃO + PROPÓSITO.

Só que para amar o que fazemos, temos que enxergar um significado naquilo. Quer dizer, na verdade, amar o que se faz é uma forma de enxergarmos significado, pois desloca a justificativa da ação para a própria ação. Ninguém precisa justificar o porquê de fazer aulas de vio38 -

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lão, de praticar esportes ou de nutrir relacionamentos com as pessoas que amamos. Essas coisas não se justificam, porque elas são a própria justificativa: “o que se leva dessa vida é a vida que se leva”. Se eu gosto, se eu amo, se eu sinto prazer, está justificado, pelo menos para mim mesmo. Por isso, amar o que se faz é a própria justificativa para se fazer. Quando não amo o que faço, justifico para mim mesmo o que faço através de termos que estão fora da ação: todo mundo está fazendo, então deve fazer sentido; vai dar dinheiro, e todo mundo precisa ganhar dinheiro; vai melhorar meu currículo, e no futuro isso poderá ser bom para mim; meus amigos esperam que eu faça. A vida não tem um significado. Dar significado às coisas é uma necessidade humana para viver feliz. A gravidade, por exemplo. Ela foi compreendida por nós em determinado ponto da história. Mas a compreensão não fez a gravidade passar a existir – ela sempre esteve lá, queiramos ou não. Extermine do planeta todos os seres humanos e a gravidade continuará existindo. Ao contrário da gravidade, porém, tire do planeta os seres humanos e veja o que acontece com o “significado das coisas”. Ele some, pois é uma criação e uma necessidade subjetivas humana, e é por isso que o significado está em âmbito individual. Enxergar significado significa compatibilizar o que você faz com quem você é; enxergar significado é fazer o que vai ao encontro dos seus sonhos, dos seus objetivos de vida, dos seus desejos e interesses, do seu senso de responsabilização, do seu senso de o que é o certo a ser feito. “Cara, isso faz sentido para mim!”. Quando alguém diz isso, quer dizer que, de acordo com o que você entende e quer para sua vida, aquilo tem valor, tem relevância, e por isso tem significado. Devemos ser rigorosos com o que não faz sentido para nós. Fazer sentido é enxergar valor naquilo que está sento feito. Fazer sentido é quando você olha para trás, pensa nas coisas que fez e seu peito se enche. Fazer sentido é decidir que aquilo vale a pena, é o certo, é relevante, e que parte da minha vida vale a pena ser usada dessa forma. Faz sentido? Então... amar o que se faz, sentirse envolvido nas atividades das quais estamos realizando, é um fator que dá significado a elas. Só que tem outra coisa que contribui para dar significado às atividades, ao longo do tempo: o propósito. Mais cedo ou mais tarde, colocaremos nossa vida em perspectiva temporal, e nos questionaremos sobre quem temos sido e o que temos feito, e um senso de pertencimento a algo maior muitas vezes é necessário. O QUE TE FAZ SENTIR VIVO?

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“Aos 22 anos, eu decidi que chegaria à presidência de uma empresa no Brasil antes dos 40. Planejei a minha trajetória passo a passo, trabalhei com afinco e, aos 37 anos, eu cheguei lá. Experimentei o sabor da vitória, mas o que ficou foi a sensação de solidão, um estranho vazio e uma ansiedade que não me deixava conciliar o sono. Comecei a me perguntar: para que eu estou fazendo tudo isso? Por quê?” (Livro “Será que é possível?”, de Sérgio Chaia)

Sérgio Chaia colocou para si o objetivo de se tornar presidente de alguma grande empresa até os quarenta anos. Aos trinta e sete era o CEO da Nextel. Quando chegou lá, se perguntou: “tá, e aí? Isso é tudo?”, e teve que buscar um senso de propósito para sua carreira. “So this is it? I sold my soul for this? Washed my hands of that for this? I miss my mom and dad for this?” (Música “Some Nights”, da banda “Fun”)

Ao melhor estilo “cuidado com os seus sonhos, pois eles podem se tornar realidade”, os sonhos do Sérgio Chaia precisaram se concretizar para perceber que eles eram vazios. “How far you have to walk down that road, before you see where it leads?” (Quanto você ainda vai ter que percorrer desse caminho, até você perceber onde ele leva?), para quem se lembra do trecho do documentário Zeitgeist. O vazio preencheu seu peito e floresceu nele a necessidade de enxergar algo maior pelo qual viver. Esse algo maior se chama propósito. Qual é o nosso propósito? Ou, conforme questiona a música, em umaem uma outra estrofe: “What do I stand for?”. Aristóteles já falava da desvirtuação do télos nas profissões. Télos vem do grego, e significa propósito, o fim, o objetivo, o porquê de aquilo existir ou de aquela atividade estar sendo realizada. O propósito do professor é educar, desenvolver pessoas. O propósito do urbanista é projetar cidades tendo em vista o melhor convívio em sociedade. O propósito do médico é nutrir a saúde. O propósito do governante é gerir o sistema público em favor da melhor utilização dos recursos para a sociedade. Enfim, os propósitos são questionáveis e dependem da percepção e do entendimento do profissional, mas eles existem, devem ser discutidos e levados em consideração para que desvirtuações não aconteçam como nos exemplos do capítulo anterior – do sistema educacional, do sistema de saúde, do próprio MEJ. 40 -

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“[...] se você perguntar às pessoas qual é o propósito das empresas e dos negócios, todo mundo vai dizer ‘isso todo mundo sabe, é gerar lucros e maximizar o valor para o acionista’. Mas essa é uma resposta muito estranha, porque essa não seria a resposta que daríamos se perguntássemos qual é o propósito de um médico, que é promover a saúde, ou de um professor, que é educar as pessoas, ou o propósito de um advogado, ou de um arquiteto, ou de um engenheiro. Então por que é que a gente vem com essa resposta quando a pergunta é referente ao propósito do mundo dos negócios e das empresas? [...] É claro, eu preciso comer para viver, eu preciso respirar para viver, mas esse não é o propósito da minha vida – me alimentar, respirar. Eu tenho um propósito muito maior que isso na minha vida, que é buscar por significado e valor. O mundo empresarial não é diferente. É claro que as empresas precisam de lucro, mas elas precisam, mais que isso, de um propósito maior e mais profundo”. (John Mackey, CEO of Whole Foods Inc., em entrevista para o BigThink)

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centésimo Nós temos a responsabilidade de fazer o bem. Ponto. Foi essa consciência e essa ideia que nos uniu, que sustenta a empresa como algo de gigante importância em nossas vidas. Esta ideia juntou dois caras com paixões diferentes em um objetivo em comum. Um queria ter ideias, “viajar”, ser criativo e criar qualquer coisa que fosse inovadora e legal. O outro queria empreender, queria abrir um negócio e sentir na pele os riscos de tudo dar errado ou tudo dar certo. Mas nós dois sabíamos que, além das nossas paixões, nossa real satisfação só viria de uma maneira: ajudando o mundo a ser um lugar melhor. Precisávamos revestir nossas paixões com um senso de propósito. Então abrimos a Centésimo (www.centesimo.cc), uma empresa que ajuda outras empresas a fazer o bem. Criamos, planejamos e gerenciamos ações de impacto positivo para instituições privadas. A criatividade e o empreendedorismo a serviço do bem. Nossa primeira ação foi levar três deficientes visuais para uma velejada, buscando trazer sensações e experiências diferentes para eles. Foi uma ação pequena, mas grandiosa para nós. Grandiosa, pois foi gratificante ver a felicidade dos deficientes visuais ao fazer algo que nunca haviam sonhado em fazer. “Uma sensação boa, ‘tu sente’ o balanço, se sente livre, com o vento no rosto. Se ‘tu quiser’ dirigir uma moto, por exemplo, ‘tu não pode’ fazer, porque um deficiente visual não consegue. Mas ajudar a tripular um barco, por que não?”. Foi nesse tipo de resultado que nós vimos propósito no que estávamos fazendo. Essa experiência, aqueles sorrisos, ninguém pode nos tirar, mesmo que a empresa venha a acabar no futuro. Isso tudo faz muito sentido para nós. Agora, até uma planilha chata, até um contrato burocrático é feito com outra energia. Um pouco dessa energia, um pouco disso tudo é o que queremos levar à sociedade com as nossas ações. Não somente as ações em si, mas toda essa mentalidade por trás, em busca de uma sociedade mais do bem.

Tiago Barradas e Tomás Susin Sócios na Centésimo e empresários “pósjuniores”

O propósito está lá fora, nas profissões. Nos médicos e no sistema de saúde, nos professores e no sistema educacional, nos advogados e na justiça, nos empresários e no mundo dos negócios. Mas o propósito pode estar aqui dentro: o nosso propósito como ser humano. Há um 42 -

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provérbio que diz que os dois dias mais importantes da vida de cada pessoa são: o dia em que eu nasci; e o dia em que eu descobri o porquê eu nasci. Para descobrirmos nosso propósito, temos que estar em constante autoconhecimento, em umaem uma busca interior de constante autorreflexão, pois só assim distinguimos o que é profundo do que é supérfluo; só assim distinguimos o que queremos do que querem que queiramos; só assim distinguimos o que é sonho e o que é desejo incutido, só assim descobrimos nossas paixões. Vamos fazer somente o que, lá no fundo, sabemos que é o que deve ser feito. Vamos correr atrás somente daquilo que, lá no fundo, sabemos que vale a pena correr atrás. Vamos amar somente as coisas e as pessoas que, lá no fundo, queremos entregar o nosso amor. Lá no fundo, porque os sonhos da superfície não são nossos; nem são sonhos. Que cada um mergulhe no seu universo individual e subjetivo e busque seu próprio propósito, aquele propósito que dê significado para as nossas vidas, para que não precisemos chegar aos 37 anos e somente lá perceber que os sonhos que tínhamos eram vazios e superficiais. Sejamos cheios e relevantes. Buscar por significado é descobrir o que nos deixa apaixonado, e compatibilizar isso com um senso de propósito. A MELHOR ESTRATÉGIA PARA O BOM DESEMPENHO É SEGUIR O CORAÇÃO

Por enquanto, falamos de significado através da paixão e do propósito de uma perspectiva individual, do ponto de vista de uma vida feliz. Fazer o que se ama e o que nos dá senso de direção e propósito é uma das coisas que preenchem e dão sentido à vida. Mas não é “só” isso. Descobertas neurocientíficas vêm colocando luz cada vez mais na relação existente não somente entre paixão e felicidade, mas também entre paixão e desempenho19. Em 1950, os “centros de prazer” foram descobertos no nosso cérebro, no sistema límbico, mais precisamente – considerada pela comunidade científica a parte do cérebro responsável pelas emoções e pelo comportamento social. Dr. Robert Heath introduziu eletrodos na região e, sempre que eram ativados, os pacientes sentiam um prazer tão grande que muitos deles imploravam para que o doutor não os desligasse mesmo tendo terminada a experiência. Descobriuse que o centro de prazer faz parte do sistema de recompensas do cérebro. Quando estamos com muita fome, e comemos, nosso sistema de recompensa enche nosso O QUE TE FAZ SENTIR VIVO?

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cérebro de dopamina – que são os centros de prazer sendo ativados. Da próxima vez, nosso cérebro já aprende a antecipar o prazer, e quando estiver com fome você já vai imaginar o prazer que sentirá quando conseguir ingerir um alimento. Um incentivo biológico para saciar a fome e preservar a espécie. Na neurociência, há o pressuposto neuroplástico de que “neurons that fire together wire together”. Por isso, cada vez que você comer enquanto estiver com fome, seu cérebro liberará dopamina, que consolidará a relação entre comer e prazer. Quatro anos mais tarde, em 1954, James Olds e Peter Milner mostraram que ao inserirem eletrodos nos centros de prazer de animais enquanto os ensinavam determinadas tarefas, o aprendizado era muito mais rápido e fácil devido à sensação de prazer que recompensava o ato de aprendizado. Os animais aos quais eram ensinadas as tarefas sem que seus centros de prazer fossem ativados pelos eletrodos demoraram muito mais tempo para desempenhar aquelas atividades. Assim como se alimentar é incentivado pela sensação de prazer posterior, o ato de aprender é incentivado – e muito mais eficiente – quando há sensação de prazer relacionado. A dopamina liberada fixa, estrutural e fisicamente, as mudanças cerebrais que ocorreram durante o aprendizado. Mas na vida real não podemos inserir eletrodos para ativar os centros de prazer e fazer com que gostemos das atividades que desempenhamos, de modo que possamos nos tornar melhor com muito mais rapidez e facilidade. Quando os centros de prazer estão ativados, tudo que vivenciamos é prazeroso. Uma droga como a cocaína atua fazendo com que os centros de prazer fiquem mais “excitados”, mais propensos a serem ativados, de modo que “qualquer coisa” o ativa. Não é que a cocaína em si dê prazer. Ela aumenta a probabilidade de sentirmos prazer ao fazer com que o centro de prazer seja acionado com mais facilidade. Nesse estado, uma piada ruim nos faz rir, um vento no rosto nos faz refletir, um abraço de um amigo nos faz derramar uma lágrima de felicidade. Mas não são só drogas como a cocaína que induzem o centro de prazer a ser ativado com mais facilidade. Estar apaixonado também baixa o nível necessário para que o centro de prazer seja acionado. Dessa forma, a pessoa que está apaixonada – da mesma forma como a que está sob influência de drogas como a cocaína – fica muito mais sensível aos possíveis prazeres da vida. Centros de prazer mais facilmente ativados significa aprendizado facilitado e eficiente. Portanto, se não bastasse o prazer de estar fazendo algo que gosta muito, a pessoa que está apaixonada pelo que faz 44 -

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sente prazer quando em execução da sua atividade. Isso significa que a dopamina foi liberada através de centros de prazer que foram ativados, o que catalisa a consolidação dos aprendizados. A melhor estratégia para o bom desempenho é seguir o coração. A melhor estratégia para atingir o sucesso é esquecer ele e focar em fazer aquilo que amamos, pois o sucesso verdadeiro é consequencial, e não intencional. As pessoas que encontraram o caminho de suas paixões têm uma energia grande na fala, pois elas falam sobre aquilo que as empolgam. Todo mundo, em algum momento da vida, encontrou algum assunto que, quando começa a falar, não para mais. Interesse, curiosidade. Se formos conversar com um apaixonado pela advocacia, ele ficaria duas horas conversando sobre casos passados, dilemas da profissão, os próximos desafios que tem na carreira. Se formos falar com um montanhista, ele certamente tem um histórico das coisas mais legais que ele já fez, das deficiências dele que terão que ser treinadas, das próximas competições e do treinamento que está fazendo. Na advocacia e no montanhismo, mas também na física, no mundo dos negócios, em qualquer campo de atuação. Gente intensa, com uma frequência vibracional alta, é gente que encontrou interesses e atua dentro deles. O problema é que muita gente não encontrou um caminho vibrante para percorrer. Seus caminhos carecem de significado. Muitas vezes já perguntei a pessoas mais velhas sobre seus trabalhos, ou mesmo a pessoas mais jovens, sobre seus estágios e atividades profissionais, e não raro as respostas têm uma baixa vibração, meio frias, do tipo “ah, está legal, estou aprendendo algumas coisas úteis, é uma empresa boa, dá oportunidade de crescimento”. Uma amiga minha, e sei que todo mundo conhece pessoas assim, não gosta muito do que faz. As responsabilidades, o ambiente de trabalho, as atividades que deve cumprir não a satisfazem. Ela não fala do seu trabalho com a “boca cheia”, empolgada. O que a interessa, os aspectos da sua vida que ela extrai felicidade e realização, não estão nas 8h de trabalho diários. Seria ótimo se ela pudesse inserir eletrodos na cabeça de modo a passar a sentir prazer com essas atividades – além de mais feliz e satisfeita, ela aprenderia com muito mais rapidez e se tornaria uma pessoa com habilidades desenvolvidas, explorando melhor suas potencialidades. Só que nós não temos a opção de inserir eletrodos na cabeça para passarmos a gostar das atividades das quais não gostamos. Só que, tanto minha amiga quanto cada um de nós, podemos optar por O QUE TE FAZ SENTIR VIVO?

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trabalhar em coisas das quais amamos, das quais somos apaixonado, as quais nos fazem sentir vivos. O que acontece é que não é só a dopamina, substância responsável pela sensação de prazer que é liberada quando os centros de prazer são ativados, que é a explicação para isso. A atenção, a consciência, a presença, o envolvimento total, assim como a dopamina, ajuda a liberar substâncias que consolidam com mais facilidade mudanças no cérebro. É um tanto óbvio que, quando estamos 100% concentrados, com o total da atenção focada na atividade – na movimentação do mercado de ações, no arremesso de três pontos, no novo passo de dança que estamos aprendendo – o aprendizado é mais eficiente. O problema é que a atenção nunca vai estar total em uma atividade da qual você não ama e não vê significado para sua vida. “Os iogues indianos, em particular, reconheceram o poder do amor para superar as distrações da mente. O Bahkti Ioga ensina que o amor pelo objeto da concentração possibilita focalizar a atenção sem hesitar e, com o tempo, tornarse uno com esse objeto. [...] Concentração é o fascínio da mente. Quando existe amor, a mente é atraída de forma irresistível para o objeto do amor.” (The Inner Game of Tennis, pg. 95, Timothy Gallwey)

Já foi dito que, ao contrário do “chamado interior de amor” (o significado de vocação, nas palavras de Rubem Alves), o profissional, somente o profissional, faz as coisas por motivos externos. A cabeça dele está nos motivos externos, e não na atividade em si. Minha amiga estava quase sempre em outro lugar, enquanto estava no trabalho – pensando no salário, no final de semana, no estresse de ter que lidar com os clientes, no dia em que ela vai poder sair do emprego com um currículo melhor, na meta para ganhar bonificação. Isso se chama motivação extrínseca, a patologia do século 21 do mercado de trabalho, que drena a paixão das atividades. Ao contrário, a motivação intrínseca é quando o motivo da ação está dentro da própria ação: vocação. Autotelismo vem do grego auto – em si mesmo; e télos – propósito. Quando enxergamos o fim, o objetivo, da atividade, dentro da própria atividade, então estamos intrinsecamente motivado, pois a atividade é autotélica 20. Espero que esteja ficando clara a lógica por trás dos conceitos e exemplos: quando amamos o que fazemos, enxergamos a atividade como 46 -

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autotélica, o que nos permite ter um envolvimento – atenção – muito maior com ela; e sentimos prazer enquanto em realização da atividade, que significa ativação dos centros de prazer e liberação de dopamina no cérebro. Atenção e dopamina catalisam e consolidam os aprendizados. Devido ao fato de a atividade ser autotélica, e a motivação ser intrínseca, tendemos a estar com uma frequência muito maior exercendo as nossas potencialidades, porque vamos automaticamente nos exigir mais, persistir mais, enfrentar mais os desafios, dormir pensando no que estamos fazendo, e então não é de surpreender que, como consequência (e não intenção), tanto a nossa satisfação e realização como pessoa será maior quanto o nosso desempenho. É como o Fábio Porchat, ator e roteirista do Porta dos Fundos, respondeu para o Rafinha Bastos em entrevista: “minha resposta é bem Disney assim: é porque eu faço o que eu gosto e eu gosto do que eu faço. São duas coisas diferentes que acontecem e, para mim, por acaso, no final do mês eu ganho algum dinheiro.”21. Só que não, não é por acaso. Não é por acaso que grandes figuras que contribuíram de forma significativa para as suas áreas amavam o que faziam. As dez mil horas de esforço e treinamento necessários para atingir patamares de excelência dificilmente são alcançadas por pessoas que buscam apenas o resultado. A desistência é quase inevitável. Movidos a paixões e sonhos, essas figuras elevaram patamares nos negócios, nas ciências, nos esportes, na música, em todos os âmbitos. Quem gosta de basquete certamente conhece Shaquille O’Neal, um dos melhores pivôs que já jogaram na liga profissional americana. Quando Shaq saiu dos Los Angeles Lakers e trocou de time, os repórteres frequentemente questionavam sobre sua nova proposta salarial. Um dia, para um dos repórteres, Shaquille O’Neal respondeu: “I’m tired of hearing about money, money, money, money, money. […] I just want to play the game.”. Poderíamos achar que é fácil dizer isso ganhando milhões em um dos melhores times da NBA, mas é um pouco mais difícil sustentarmos esse ceticismo na época em que ele era um ninguém para o basquete. Tudo bem, Shaq tem 2m16cm, provavelmente com alguma genética propensa ao basquete, ou viveu em um contexto onde quicava bola desde os dois anos de idade. Ainda assim, a quantidade de americanos em situação parecida que nunca tiveram futuro algum no esporte é imensa. Shaquille O’Neal amava o basquete, e as probabilidades de ser bem sucedido como foi eram pouquíssimas. Se não gostasse profundamente do esporte, se a intenção fosse somente o dinheiro e o reconhecimento, ele provavelmente nunca teria se tornado O QUE TE FAZ SENTIR VIVO?

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jogador de basquete ou chegado onde chegou. Esse nível de desempenho não admite, como regra, pessoas extrinsecamente motivadas. No livro “Flow, the psychology of optimal experience”, Mihaly Csikszentmihalyi apresenta o conceito de Estado de Fluxo. O fluxo é um estado de intenso envolvimento na atividade – quando o dançarino está dançando, o montanhista está escalando, o jogador de basquete está arremessando, o professor está educando, o médico está diagnosticando, o físico está pesquisando – que distorce a percepção de tempo, desfaz a noção do “eu”, pois a consciência não está em você, mas na atividade, exige o máximo das habilidades para o momento, cria sensação de controle e ausência de pensamentos autodestrutivos. Enfim, é o estado de atenção total que os grandes profissionais de cada área atingem quando em execução de suas atividades. O Estado de Fluxo, como sendo um entendimento mais profundo de o que significa estar 100% envolvido e com atenção focada na atividade, já foi falado que favorece o aprendizado, de modo que nos tornamos cada vez melhores na atividade em questão, e o Fluxo é condicionado e propiciado quando amamos o que fazemos, a exemplo do Shaquille O’Neal. Mas existem exceções. “Eu detesto jogar tênis, e detesto de todo o meu coração. [...] Jogo tênis para viver, embora deteste esse esporte. Detesto o tênis com uma paixão secreta e sombria, e sempre detestei.” (Agassi – Autobiografia)

André Agassi odiava tênis. Difícil saber o porquê, pois não é explícita essa resposta na biografia, mas talvez não seja pelo esporte em si, mas sim por causa de todo o resto que o esporte carregava junto consigo. O fato de ter sido obrigado pelo pai a largar os estudos e a começar a treinar quando ainda era criança, a pressão dos patrocinadores, as expectativas de familiares, amigos e fãs, o nível de desgaste físico e mental exigido pelos treinadores durante os campeonatos, as inúmeras dores físicas – Agassi relata casos de dores extremamente severas nas costas – que sentia e tinha que aguentar para treinar e jogar os torneios. Odiando tudo isso, e talvez por tudo isso odiando também o próprio esporte que ele praticava, Agassi foi o número um do mundo no esporte em que praticou, sendo considerado pela crítica esportiva um dos melhores tenistas de todos os tempos e o melhor devolvedor de saques da história do esporte. O desempenho talvez abra exceções. Mas quanto ao sentimento 48 -

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de realização e felicidade relacionado, Agassi revela: “Pela manhã pegamos um Concorde até Paris, depois um avião particular até Palermo. Mal me instalo no Hotel quando o telefone toca. Perry [amigo do Agassi]. Na minha mão, diz ele, seguro a última classificação. Manda ver. Você... é o número 1! Derrubei Pete do topo da montanha. Depois de 82 semanas como número 1, Pete está me olhando de baixo para cima. Sou o 12º jogador de tênis a ser número 1 em duas décadas desde que começaram a manter atualização das classificações no computador. A segunda pessoa a me telefonar é um repórter. Digolhe que estou feliz com a classificação. É uma ótima sensação ser o melhor possível. É mentira. Isso não é nem um pouco o que estou sentindo. É como eu quero me sentir. É o que esperam que eu sinta, o que eu digo a mim mesmo para sentir. Mas, na verdade, não sinto nada.” (Agassi – Autobiografia)

Aquilo nada significava para ele. É o equivalente ao Sérgio Chaia chegando aos 37 anos, atingido seu objetivo e se perguntando: “tá, e aí, isso é tudo?”. No caso do Sérgio, a carência foi de propósito, principalmente. Caminhou, caminhou, talvez até tenha gostado do processo, mas chegou a lugar nenhum. Chegou à presidência da empresa, onde queria chegar, é verdade, mas viu que aquilo em nada significava para ele, por carecer de propósito. No caso do Agassi, a carência talvez tenha sido de paixão. O próprio caminhar foi duro, sofrido. Apesar disso, ele caminhou, e chegou ao topo do mundo, para perceber que não gostava do que fazia e não era lá que gostaria de estar. É claro que no mundo de hoje diversas coisas estão em jogo. Só que uma coisa é a consciência dos resultados da ação, outra, bem diferente, é o motivador pelo qual você faz o que você faz. Todos temos preocupações financeiras, por exemplo. Inclusive o Porchat e o Shaquille O’neal. Todo jogador de futebol vai se preocupar com ganhar o campeonato e elevar seu passe; todo empresário vai precisar lucrar na empresa, O QUE TE FAZ SENTIR VIVO?

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pagar suas contas; todo jogador profissional de tênis vai querer ser o melhor do mundo. Só que não podemos confundir a intenção principal com consequência. Quando a intenção são as consequências, a motivação é extrínseca. Quando a intenção é o propósito daquela própria atividade, a atividade é autotélica, a paixão é ingrediente dessa receita e a motivação é intrínseca. Felicidade e desempenho podem ser consequências esperadas. Parece ser clichê, e até “meio Disney”, como disse o Porchat, falar de paixão, de motivação intrínseca, de propósito, das “causas do sucesso”, de intenção e consequência. O fato é que é incrível a quantidade de pessoas na situação da minha amiga – que não se sentem vivas realizando as coisas que realizam. Não se sentem vivas porque não enxergam significado no que fazem, porque não gostam do que fazem, e por isso estão extrinsecamente motivadas, poucas vezes entrando em estados de fluxo que exigem dela o exercer de suas potencialidades, levando a resultados medíocres ou, quando mesmo assim o desempenho é alto e a pessoa atinge um sucesso ilusório – crescer na empresa, ganhar o título de melhor do mundo no tênis – a infelicidade e a falta de propósito e significado batem à porta. Falar dos outros é, na verdade, uma forma fácil de olharmos para nós mesmos. A minha amiga não existe. Ela não é ninguém, mas é todo mundo ao mesmo tempo. Ela somos nós. Se não hoje, em um futuro potencial. Para finalizar, vou retomar o que já foi falado, inclusive com as mesmas palavras: Para descobrirmos nosso propósito [bem como nossas paixões], temos que estar em constante autoconhecimento, em uma busca interior de constante autoreflexão, pois só assim distinguimos o que é profundo do que é supérfluo; só assim distinguimos o que queremos do que querem que queiramos; só assim distinguimos o que é sonho e o que é desejo incutido. Vamos fazer somente o que, lá no fundo, sabemos que é o que deve ser feito. Vamos correr atrás somente daquilo que, lá no fundo, sabemos que vale a pena correr atrás. Vamos amar somente as coisas e as pessoas que, lá no fundo, queremos entregar o nosso amor. Lá no fundo, porque os sonhos da superfície não são nossos; nem são sonhos.

Vamos descobrir o que tem “lá no fundo” de cada um de nós, e 50 -

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do Movimento Empresa Júnior. Descobrir o que nos faz sentir vivos, como indivíduos e como Movimento, para então tornar tanto as nossas vidas quanto o nosso Movimento apaixonadas e apaixonantes. Ah, e aí talvez sejamos reconhecidos. Como consequência.

O QUE TE FAZ SENTIR VIVO?

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Capitulo 3

Trilhando o caminho. “Cada jogo se compõe de duas partes: um jogo exterior e um jogo interior. O primeiro é jogado contra um adversário para superar obstáculos externos e atingir um objetivo igualmente fora de nós. O jogo interior se desenrola na mente do jogador e é jogado contra obstáculos como falta de concentração, nervosismo, ausênciade confiança em si mesmo, autocondenação – todos os hábitos da mente que inibem a excelência.” (The Inner Game of Tennis – Timothy Gallwey)

Enquanto Agassi vencia jogos e torneios, uma batalha diferente acontecia dentro dele. Uma batalha que ele tinha dificuldades de vencer. “Em pé diante do espelho do banheiro, observo meu rosto enquanto me seco com a toalha. Olhos vermelhos, barba grisalha crescida. Um rosto bem diferente do que eu tinha quando comecei a jogar. Mas também bem diferente do que vi no ano passado, neste mesmo espelho. Seja eu quem for, não sou o menino que começou esta odisseia, e nem o cara que há três meses anunciou que essa jornada estava chegando ao fim. Estou mais para uma raquete de tênis da qual já trocaram o grip três vezes, e as cordas sete – ainda se pode dizer que 52 -

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seja a mesma raquete? Em algum lugar desses olhos, porém, ainda consigo encontrar o menino que nem queria jogar tênis, que queria desistir, que por várias vezes desistiu mesmo. Vejo aquele menino de cabelos louros que detestava tênis e me pergunto o que ele pensaria deste homem calvo, que ainda detesta tênis, mas continua nas quadras. [...] Tomara que isso acabe. Não estou pronto para que isso acabe. [...] Bem baixinho, digo para mim mesmo: desista, Andre, apenas desista. Largue a raquete e saia desta quadra de uma vez, agora. [...] Mas eu não consigo fazer isso. Não só meu pai me perseguiria pela casa, me ameaçando com minha própria raquete, como alguma coisa dentro de mim, algum músculo lá no fundo de mim, não me deixa fazer isso. Eu detesto jogar tênis, detesto de todo o meu coração, mas continuo jogando, batendo bola todas as manhãs e todas as tardes, porque não tenho escolha. Não importa quanto eu queria parar, não consigo. Continuo implorando a mim mesmo para parar, mas sigo na quadra, e esse descompasso, essa contradição entre o que eu quero fazer e o que eu realmente faço, parece ser o centro da minha existência.” (Agassi – Autobiografia)

O tênis pouco significava para ele, mas era tudo que ele tinha, ou tudo que achava que tinha. Durante a biografia, Agassi revela que odiava o esporte e diversas vezes quis largar, mas como largar o esporte em que era o melhor do mundo? Como largar o tênis, sendo ele André Agassi? “Se isso é verdade, por que jogar? Não tenho competência para mais nada. Não sei fazer nenhuma outra coisa. O tênis é a única coisa para a qual estou qualificado. Além disso, meu pai teria um ataque se eu quisesse me dedicar a algo diferente.” (Agassi – Autobiografia)

Fabio Novo, Marcelo Cardoso, Eduardo Seidenthal, alguns dos palestrantes convidados do ENEJ, largaram aquilo que eles eram “acomodadamente bons” para poder fazer aquilo que era o certo a ser feito, aquilo que, lá no fundo, eles sabiam que deveriam estar fazendo. Eles conseguiram superar os obstáculos externos e internos que os separavam de suas paixões, de seus sonhos, e deram o passo de fé em direção TRILHANDO O CAMINHO

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à mudança, em direção à luz. Só que isso é muito difícil, e tendemos a criar desculpas e colocar barreiras em nós mesmos para evitar encarar essa transição – “não tenho competência para mais nada. Além disso, meu pai teria um ataque se eu quisesse me dedicar a algo diferente”. Os obstáculos que nos separam de nossa luz são, sim, situações de vida, mas são principalmente os obstáculos que nós colocamos para nós mesmos. Trilhar o caminho é sobre abrir a porta para o caminho dos nossos sonhos e percorrêlo, enfrentando os obstáculos quase sempre autoimpostos que enfrentaremos no processo. Quem viu o filme Coach Carter ouviu, em uma das cenas, um trecho do discurso do Mandela: “O nosso maior medo não é sermos inadequados. O nosso maior medo é sermos infinitamente poderosos. É a nossa própria luz, não a nossa escuridão, que nos amedronta. Sermos pequenos não engrandece o mundo. Não há nada de transcendente em sermos pequenos, pois assim os outros não se sentirão inseguros ao nosso lado. Todos estamos destinados a brilhar, como as crianças. Não apenas alguns de nós, mas todos. E, enquanto irradiamos a nossa admirável luz interior, inconscientemente estamos a permitir aos outros fazer o mesmo. E, quando nos libertarmos dos nossos próprios medos, a nossa presença automaticamente libertará os medos dos outros.” (Coach Carter, discurso do Nelson Mandela)

A luz são os nossos sonhos, e o que nos separa dela são as amarras dos nossos próprios medos. Quando vislumbramos o que queremos, no segundo seguinte vem nossa vozinha interior e diz: “mas você não vai conseguir”, “imagina a vergonha que você vai sentir se você fracassar”, “os outros não vão aprovar o que você está fazendo”, “você não é capaz”. Quem já pensou em uma coisa engraçada para falar, em um comentário para fazer para a turma, e deixou de contar a piada ou de fazer o comentário por algum timo de medo ou vergonha, deixou de brilhar sua luz, pois teve medo dela. Quem desistiu de empreender algum projeto, quem desistiu de dizer “eu te amo”, ou enviar aquela mensagem escrita duzentas vezes pelo Facebook ou celular, deixou de brilhar a sua luz, pois teve medo dela. “Mas e se...?”. Uma das atividades desse dia, no ENEJ, se chamou “Sentirse Livre”. Não é à toa, pois essas amarras internas que nós mesmos criamos são as que nos impedem de florescermos. São essas 54 -

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amarras que impedem que estouremos e viremos pipoca, que nos mantém como o grão de milho duro. Sentirse livre diz respeito a desatarmos nossos nós, enfrentarmos nossos medos, expandirmos nossas limitações, furarmos nossos próprios bloqueios, quebrarmos nossas armaduras e muros de proteção criados ao longo da vida. Arrebentar as amarras que nos enfiam em nossa mediocridade, arrebentar as amarras que nos clausuram em nossos medos, arrebentar as amarras que nos separam de viver nossos sonhos. É sobre parar de olhar para os desafios quase sempre inexistentes lá de fora, e olhar para os desafios quase sempre presentes aqui de dentro de cada um. Se os obstáculos que me separam da minha luz estão dentro de mim, e se sou eu mesmo que os coloco, em um processo de autossabotagem, como é que isso é possível? Como é que eu coloco obstáculos para mim mesmo? Talvez, então, tenha dois “eus” dentro de cada um. Aquele que vem e diz: “isso é muito legal, e eu quero muito isso para minha vida”. Aí vem o outro e diz: “sim, sim, mas e se você não conseguir, o que os outros vão pensar?”. Aquele que vem e diz: “estou infeliz jogando tênis, não é isso que eu quero, me ligam me parabenizando por ser o número um e eu não sinto a mínima alegria”. Aí vem o outro e diz: “fica quieto, cara, como que você vai parar de jogar tênis com toda a expectativa em cima de você? Deixa seus sonhos para depois, ou esquece eles”. O resultado desse jogo interior travado entre as duas vozes vai direcionar a forma como trilhamos o caminho das nossas vidas, pessoal e profissional. É basicamente sobre esse jogo interior que o capítulo trata. O JOGO INTERIOR DO SER

Em 1960, Timothy Gallwey era tenista e técnico do time de tênis de Harvard. Anos mais tarde, Gallwey imergiu no universo da meditação, onde encontrou capacidades de concentração e controle interno que melhoraram seu jogo e fundamentaram suas técnicas e sua filosofia a respeito de desenvolvimento pessoal e profissional. Em um de seus livros, The Inner Game of Tennis (O jogo interior de tênis), ele expõe alguns dos seus conceitos aplicados ao esporte, mas que vêm sendo amplamente utilizados no desenvolvimento de homens de negócios, educadores, profissionais da saúde. O conceito de jogo interior pode ser ilustrado a partir de um exemplo que ele mesmo expõe em seu livro. Gallwey estava se preparando para o seu segundo jogo de um TRILHANDO O CAMINHO

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determinado torneio que estava participando. Para o segundo jogo, não queria jogar como no primeiro – onde seus joelhos tremeram, sua mente não conseguia se concentrar e o nervosismo mantinha seu braço enrijecido. Seu próximo adversário era melhor que ele, e ele estava preocupado. Preocupado, imaginou os possíveis cenários: no pior, ele perdia de 60, 60, ia para casa, enfrentaria algumas perguntas de “e aí, como foi no torneio?” e teria que responder com sinceridade a derrota. Ouviria algumas palavras de consolo, os dias passariam e tudo voltaria ao normal. No melhor cenário, ganharia por 60, 60, a alegria duraria alguns dias e, com o tempo, tudo voltaria ao normal. “Mas então o que é que eu quero?”, se perguntou Gallwey. O que ele realmente queria, relata, “era superar o nervosismo que me impedia de jogar o máximo. Eu queria superar o obstáculo interno que havia me perseguido durante tanto tempo na minha vida. Eu queria ganhar o jogo interior”. “Tendo chegado a essa conclusão, sabendo o que eu realmente queria, dirigime à quadra com um novo senso de entusiasmo. No primeiro game, fiz três duplas faltas e perdi o meu saque, mas a partir daí senti uma nova certeza. Era como se uma grande pressão tivesse sido aliviada e eu estava lá, jogando com todas as energias sob o meu comando. No fim, eu não tinha conseguido superar o saque do meu adversário, mas eu não perdi mais o meu até o último game do segundo set. Eu havia perdido o jogo exterior, mas havia ganho o jogo que queria, o meu próprio jogo, e sentiame feliz. De fato, quando um amigo veio falar comigo depois do jogo e perguntou como me havia saído, tive a tentação de dizer ‘ganhei!’.” (O jogo interior de tênis, Timothy Gallwey)

Gallwey diz que foi naquele momento que ele reconheceu a existência do Jogo Interior e a sua importância. Ele ainda não sabia quais eram as regras desse novo jogo, nem exatamente qual era o seu objetivo, mas sentiu que envolvia algo mais do que ganhar um troféu. “The inner game of tennis is interesting because it asks what success is. For Gallwey, he turned out that winning the game is less important than overcoming his nervousness in the court. Playing to the best of his abilities without sabotaging his game with poor thinking – this, was victory. ‘People who 56 -

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look only for measurable success’, Gallwey says, ‘can have a one dimensional existence’. It’s possibly to go through life being so focused on external achievement, that you forget to appreciate the wonders of nature, neglect the love to those close to you, and never stop to reflect about your broader life purpose. You need to make a distinction between a compulsion to succeed for the sake of winning, and the desire for success that will enrich your life and those of others. As Gallwey puts ‘winning is overcoming obstacles to reach a goal, but the value in winning, is only as great as the value of the goal you reached’. In other words, the purpose of success is not necessarily the achievement of a goal, but the self knowledge that you gain and strive toward.”22. (vídeo do Youtube “The Inner Game of Tennis – (in a nutshell)”)

Entender o nosso jogo interior é deixar de prestar atenção no nosso jogo exterior, e passar a ser extremamente sincero consigo mesmo. Na vida, temos a tendência de reforçarmos nossos talentos, porque é através deles que desenvolvemos admiração, que a encontramos nosso espaço profissional, que nos sentimos útil. O problema é que o outro lado dessa moeda é a tendência de omitirmos, escondermos, nossas fraquezas, porque não queremos parecer fracos, não queremos parecer ruins, não queremos nos mostrar vulneráveis, pois nas nossas fraquezas estão as nossas vergonhas. “O que vão pensar de mim?”. Dessa forma escondemos e camuflamos nossas fraquezas, mas não só dos outros, de nós mesmos. Uma vez uma amiga minha me contou a história de um empresário, amigo dela, extremamente bem sucedido. Havia criado quatro ou cinco empresas, todas de sucesso, e já estava começando um outro projeto profissional. Minha amiga, conhecendo ele, disse que os projetos profissionais eram fugas em sua vida. Ele tinha limitações muito grandes de relacionamento pessoal e problemas na vida íntima que estavam prejudicando a relação dele com a família, inclusive com alguns problemas físicos e de saúde. Os problemas de relacionamento dele eram cada vez mais ignorados, pois era onde ele se sentia ferido, onde resolver o problema exigiria coragem, de modo que o campo profissional acabava sendo uma fuga. Era lá que ele conseguia ser alguém, era naquilo que ele era bom, mas aquela estava sendo a receita da sua infelicidade. Ele estava deixando de enfrentar os reais problemas de relacionamento que ele tiTRILHANDO O CAMINHO

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nha e as coisas que ele sabia que deveria resolver, mas não fazia isso e tentava preencher essa lacuna com sucessos profissionais. Insistia no jogo exterior. Por mais que ele possa gerar admiração por conseguir fazer coisas que outras pessoas têm muito medo, ou dificuldade de realizar, não interessa. Esse não é o jogo dele. Qual jogo ele estava jogando? Essa pergunta eu fiz para mim mesmo, em um momento logo após sair da empresa Júnior. Como primeiro contexto profissional sério, a PS Júnior foi o ambiente em que eu pude ser alguém, talvez pela primeira vez. Por “ser alguém”, quero dizer ser alguém que tem uma opinião, alguém que realiza um trabalho e vê o resultado dele nas outras pessoas, alguém que é julgado, criticado ou admirado. Me dediquei, me envolvi e me desenvolvi. Na empresa Júnior eu descobri talentos, e descobri também que, através deles, eu conseguia admiração. Fui consultor, gerente de projetos e diretor de projetos, e saí da empresa depois de um ano e meio de realizações. Só que, ao passo que tudo isso acontecia, eu tinha questões particulares – assim como o empresário, amigo da minha amiga, tinha as suas – que eu não resolvia. Eu tinha medo de resolvêlas, e não conseguia agir. Cada um tem os seus problemas, as suas dificuldades, os seus medos, bem como, do outro lado da mesma moeda, seus desejos, suas aspirações, suas paixões, suas vontades, seus sonhos. Seja o medo de se entregar a um relacionamento, a dificuldade de falar de suas emoções, a dificuldade de superar um evento passado, a vergonha por algum aspecto do seu corpo, a falta de autoconfiança, um relacionamento ruim com o pai, uma necessidade por reconhecimento ou por ser aceito, enfim. Eu tinha – e tenho – as minhas questões, e percebi que nunca tinha tido coragem de ir atrás para resolvêlas. Mas durante a PS eu ainda não estava percebendo que o meu desenvolvimento estava sendo torto, descompassado. Eu não percebia claramente que eu ia colocando a sujeira para baixo do tapete, sem olhar para ela e encarála. Fui perceber isso quando saí da empresa. Saí da empresa e tive que repensar a minha vida. Afinal, teria que responder a mim mesmo a pergunta: “tá, e agora?”. Então eu optei por sair da PS Júnior e fazer duas viagens. A primeira foi um mochilão de vinte e cinco dias pela Bolívia, Chile e Peru, sozinho. Depois, fiz um ciclomochilão (um mochilão de bicicleta) pelo Nordeste, onde percorri, ao longo de vinte e oito dias, de Aracaju a Natal, mil e cem quilômetros de bicicleta. Essa viagem eu também fiz sozinho por aproximadamente vinte, dos vinte e oito dias. Viagens sozinho lhe dão o tempo necessário 58 -

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para a introspecção. Tem um vídeo do TED, In Praise of Slowness, de Carl Honore, que ele diz que as pessoas se enchem de preocupações e coisas para fazer para justificar a si mesmo o fato de não estarem pensando nas coisas relevantes da vida – um senso de produtividade ilusório. É como a pessoa que não vai ao médico por medo de ser diagnosticado com alguma doença! Isso não faz sentido, pois não é ir ao médico que vai fazer com que você tenha ou não a doença. Ir ao médico só vai fazer com que você saiba se tem ela ou não. Ter medo de olhar para a sua própria vida não elimina os problemas, só os tira da consciência, momentaneamente! A introspecção é um refletir sincero sobre a vida que o expõe àquelas sujeiras que você foi escondendo de si mesmo ao longo “Facts do not cease to do tempo, e continua escondendo exist simply because diariamente. Ela exige sinceridade. they are ignored.” (Robert Fritz) Viajar sozinho possibilita muita introspecção, e durante as viagens duas coisas aconteceram simultaneamente, e eu percebi que estava jogando o jogo errado. A primeira coisa foi eu parar para pensar sobre mim e minha vida, e percebi que diversos dos problemas que eu carregava comigo – características que eu tinha que me faziam sofrer, que eu deveria trabalhar nelas – eu simplesmente ignorava, e não conseguia enfrentar. Como um tímido, com medo extremo de falar em público, que nunca conseguiu encarar um curso de oratória, eu também colocava a sujeira para debaixo do tapete, não conseguindo encarar as minhas questões. Ao mesmo tempo em que eu percebia isso em mim, durante as viagens, eu também ouvia várias vezes: “que coragem!”. Que coragem viajar sozinho para um lugar onde você não conhece nada e ninguém, que coragem viajar de bicicleta mal sabendo consertar um pneu furado, que coragem viajar sem planejamento. Por mais que as pessoas falassem que era um ato de coragem, eu não me sentia corajoso, e pensando sobre esse contraste eu percebi o porquê. Eu fiz ao longo minha trajetória na PS Júnior, e continuei fazendo com as viagens, aquelas coisas que os outros tinham medo, mas eu não. Nessa diferença eu acabei construindo a minha imagem, talvez, para alguns, e em alguns aspectos, uma imagem de corajoso – que fala em público, que faz viagens sozinho, que defende suas opiniões. Mas não tem nem um pouco de coragem em você fazer uma coisa que você não tem medo, e não interessa o que seja. Pode ser viajar de bicicleta, pode ser TRILHANDO O CAMINHO

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abrir quatro ou cinco empresas de sucesso – cada um tem seus talentos, cada um faz coisas melhor que os outros, pontos de admiração. Mas não era aí que residia o meu desafio, e não adiantava eu esconder isso de mim mesmo. Como coragem é enfrentar os seus próprios medos, os seus próprios desafios, e não os medos e desafios dos outros, não interessava se me achassem corajoso, pois o que eu estava sendo era um medroso sem coragem de enfrentar as minhas questões. Mais medroso ainda por esconder minhas fraquezas atrás das minhas fortalezas pois, como diz Brené Brown, em seu livro Daring Greatly e no seu vídeo para o TED The Power of Vulnerability, mostrarse vulnerável é um ato de coragem, e evitando me mostrar vulnerável eu não estava sendo corajoso. Esse é o gap da admiração. Eu agi nessa diferença – na diferença entre o que as pessoas consideram difícil e têm medo, mas que eu não considero tão difícil assim e consigo realizar. Nessa diferença eu me sentia alguém, eu conseguia ser bom. Porque é bom se sentir bom, e é ruim se sentir ruim – aos nossos olhos e aos olhos dos outros. Tudo isso inconscientemente, sem perceber. Mas eu não quero só ser bom, quero ser feliz, e para isso eu tinha que parar de jogar esse jogo exterior e olhar com sinceridade para mim mesmo e perguntar: qual jogo eu tenho que jogar? Eu deveria olhar para os meus medos e desafios e enfrentálos. Eu deveria olhar para os meus sonhos e aspirações e perseguilos. É como o empresário enfrentar seus problemas de relacionamento, sabendo que a solução deles não está na vida profissional. É como o Agassi enfrentar o seu medo de largar o esporte, pois não era isso que queria para sua vida. Então, a partir dessa consciência e dessa constatação, conseguimos ser sinceros com quem mais interessa: nós mesmos. Entendemos o nosso jogo interior, e a partir disso é conseguir jogálo. Conseguir superar as limitações, enfrentar nossas fraquezas, nossos medos, para ir em busca da nossa luz, em busca dos nossos sonhos. Mas como jogar o jogo interior? Como partir da constatação e ir para a ação? É extremamente difícil – afinal, se não fosse difícil, não teríamos acumulado essa sujeira ao longo do tempo, não teríamos isso como fraqueza, não teríamos permitido que essa situação nos fizesse sofrer por tanto tempo. Não estaríamos sonhando nossos sonhos, mas vivendo nossos sonhos, ou pelo menos vivendo o processo de trilhar o caminho de alcançálos. “Eu detesto jogar tênis, detesto de todo o meu coração, mas

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continuo jogando, batendo bola todas as manhãs e todas as tardes. [...] Não importa quanto eu queira parar, eu não consigo. Continuo implorando a mim mesmo para parar, mas sigo na quadra, e esse descompasso, essa contradição entre o que eu quero fazer e o que eu realmente faço, parece ser o centro da minha existência.” (Agassi – Autobiografia)

Nunca nos ensinaram a jogar esse jogo. Na escola não aprendemos a olhar para dentro e a lidar com nós mesmos. Aprendemos e estudamos a matemática, a geografia, o português, mas não conseguimos nem ao menos lidar com nossos medos e emoções. Aprendemos a calcular a área de um círculo mas, quando não entendemos o porquê de uma resposta, ficamos com vergonha de levantar a mão e perguntar para a professora. Que tipo de aprendizado é esse? Mais tarde, o mesmo medo de levantar a mão é o medo que o bloqueia de passar um feedback para um colega de trabalho, de expor seus sentimentos para a pessoa que você ama, de arriscar em algum projeto profissional, de largar a faculdade para ir fazer uma viagem. É o mesmo medo que o afasta dos seus sonhos e que o impede de superar suas fraquezas. Treinei judô dos meus dez aos meus doze anos de idade, aproximadamente. Na época, ganhei Gallwey comments that diversas medalhas e torneios. Eu almost every human até era bonzinho no judô – tinha activity involves both a técnica, treinava bastante, me the outer and the inner movimentava bem. Mas eu larguei game, […] and working in o esporte. Larguei falando para a your inner game is worth minha família que eu tinha perbecause, if you can improve dido o interesse. Perdido o inteyour concentr ation or be resse? Mentira minha. Eu tinha more relax under pressure, medo, falta de autoconfiança para for example, these skills are obviously benefit participar dos campeonatos. Semevery area of your life, pre ficava extremamente nervoso e, not merely the one you’ve não conseguindo superar o nervotr ained your mind for. sismo, preferi sair do esporte. Gallwey describes this as Eu ganhava no jogo exterior “unfreak ability”. – as medalhas. Mas perdia no jogo

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interior – deixei de trabalhar minha autoconfiança e desisti do esporte. Mais tarde, até meus quinze, a mesma coisa aconteceu com o basquete. Nos treinos, meus arremessos entravam. No jogo, não. Arremessava sem confiança. Isso quando eu arremessava, pois geralmente eu preferia passar a bola a fazer eu mesmo a minha jogada. Os mesmos bloqueios que me prejudicaram no judô me prejudicaram, mais tarde, no basquete, e com certeza me prejudicaram em diversos outros âmbitos da minha vida também, porque os bloqueios não estavam no judô, ou no basquete, mas em mim. E alguns desses bloqueios continuam em mim até hoje. O jogo interior é, portanto, a consciência inicial de se perguntar “qual é o meu jogo?”, de um olhar sincero para dentro de si e encontrar os caminhos a serem percorridos. É se conscientizar dos termos do capítulo anterior: descobrir paixões, sonhos e propósitos a serem perseguidos. Descobrir a nossa luz, e querer buscar ela. O jogo interior é uma conscientização a respeito “Gallwey premise is that das coisas que vão interferindo e through not being se colocando no nosso caminho, attached to the fruits que nos impossibilitam de buscar of victory, that is nossos sonhos, ou de resolver noswinning the trophy, you sos problemas. A briga é interna, par adoxically become free e as características que temos que to play the game by itself desenvolver – ou eliminar – estão in a more relaxed and dentro de nós mesmos. powerful state of mind. Jorge Paulo Lemann, um Through non attachment, winning is more likely. […] dos fundadores da AMBEV, faThat’s why the book had lou uma vez que “Sonhar grande helped to pave the way for e sonhar pequeno dão o mesmo today’s view that work trabalho, só que sonhar grande o should be a means of self liberta dos detalhes insignificanexpression in addition tes”. Mas não só isso, o que ele to be a merely way falou também foi que o que separa to making money.” o “pequeno sonhador” do “grande sonhador” são as “historinhas que ele conta para ele mesmo”. As historinhas de: você não é capaz, isso vai dar errado, isso nunca foi feito antes, você será julgado e terá sua imagem prejudicada, você..., enfim, autossabotagem. A palavra guarani significa guerreiro, sendo comumente utilizada pelo seu povo como sinônimo de “guerreiro interior”, aquele que luta consigo mesmo, para si mesmo. Nesse sentido, somos todos guaranis. 62 -

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Somos guaranis no sentido de conseguirmos admitir para nós mesmos o que nós queremos e o que nós precisamos. Somos guaranis no sentido de conseguirmos ir atrás daquilo que queremos e daquilo que precisamos. Exige esforço interior para permanecermos com nossas convicções quando o mundo nos julga ou não concorda. Exige esforço interno para ser a professora Dewey, que se opôs à situação do sistema educacional americano. Exige esforço interno ser agente de mudança, perseguir nossos sonhos, dizer não a caminhos preestabelecidos, ignorar ou lidar com expectativas em relação a nós mesmos, trilhar um caminho ainda não trilhado, arriscar em um projeto pessoal ou profissional, admitir um erro e uma fraqueza. Exige esforço interno nutrirmos ideologias e buscarmos viver com base nelas, ao invés de nos “desiludirmos” com a vida e nos rendermos ao caminho normal. Jorge Paulo Lemann não falou que o que separa o sonho grande do sonho pequeno é o conhecimento em técnicas de marketing e a capacidade de analisar o mercado. Isso provavelmente ajuda e pode ser até necessário, mas ele falou de aspectos pessoais, de aspectos internos. De ser, e não de saber. Isso pode parecer algo grandioso: determinar sonhos, escolher caminhos, passar pelos obstáculos da autossabotagem. Na prática, o jogo interior é um jogo de pequenas escolhas que geram comportamentos, todos os dias. O jogo interior está lá na hora em que você se indignou com o homem que jogou o resto do cigarro no chão, mas não teve coragem de falar com ele e pedir para que colocasse no lixo. O jogo interior está lá na hora em que você lembrou um contraponto em alguma discussão, mas ficou com medo de expor. O jogo interior está lá na hora de decidir fazer ou não aquele curso de oratória. O jogo interior está lá na hora que você pensou em chegar naquela guria na festa, mas ficou com vergonha e preferiu ficar com os amigos tomando cerveja. Mas o jogo interior está lá, também, na decisão entre continuar ou parar de jogar tênis, na decisão de largar ou não o emprego atual, na decisão de realizar ou não a viagem dos sonhos, de embarcar ou não no projeto profissional, de expor ou não nossas opiniões e convicções para os outros. O jogo está lá, nas grandes decisões, mas está aqui, no detalhe, no ordinário.

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pizza sessions Aqui no Sul, encontro de amigos é sempre desculpa para um churrasco. Só que o Fábio Pradella, sócio da Pizza Sessions, cliente da PS Junior, é vegetariano, e resolveu experimentar trocar o churrasco por pizzas. Churrasco de pizza, na verdade, pois a primeira pizza que eles fizeram foi feita na churrasqueira mesmo. Mas só a primeira, porque ela ficou ruim. Depois da primeira vez a paixão só foi aumentando, e também a qualidade das pizzas. Foi aumentando a ponto de pensar tornar isso sua forma de vida, investir na sua nova paixão, as pizzas vegetarianas. Só que a insegurança bateu à porta, “tanto que o dilema da minha vida era esse: eu gostava de pizzas e era vegetariano, e mesmo assim não conseguia largar o emprego que eu trabalhava”. Emprego, aliás, de forma irônica para um vegetariano, de trader em um frigorífico, negociando contratos de compra e venda de carne suína para o exterior. Corpo em um lugar, coração em outro. Mas a insegurança matou a ideia. “Tem esse momento de ‘o que eu vou fazer?’, que foi quando tive que tomar a atitude de sair do emprego. Quando vem esse momento é difícil, porque vem um monte de coisa na cabeça: agora não dá, preciso de dinheiro; não tenho tempo para pesquisar; o emprego nem é tão ruim assim; sei lá, ... ‘tu vai’ inventar quinhentas mil desculpas para não sair do emprego, assim como ‘tu vai’ arranjar quinhentas mil desculpas para não terminar um relacionamento que está muito ruim, ou para fazer qualquer coisa na tua vida. Só que essa transição de parar de dar desculpas para si e assumir a responsabilidade para mudar as coisas é muito, muito difícil. Eu fiquei um ano e meio no meu emprego sem saber o que fazer da vida, sem coragem para mexer na situação.” Mas a ideia ressuscitou quando Fábio encontrou Guilherme Lacerda, seu atual sócio, que provou a pizza e também se apaixonou. Juntos resolveram levar a coisa a sério. Fábio tomou a coragem de sair do emprego e a dupla organizou seu primeiro curso de pizza. Que não aconteceu, pois não teve nenhum inscrito. A segunda tentativa aconteceu, mesmo que com quatro alunos. Receberam a primeira proposta para fazerem pizzas em um aniversário, mas o cliente exigiu que tivessem sabores com carne. Inseguros, acabaram aceitando. Arrependeramse: “foi horrível. Não faz sentido eu servir uma coisa que eu não como, porque para mim, hoje, ser vegetariano é algo muito forte”. Prometeram que nunca mais abririam mão das convicções que tinham. “Não adianta ir lá e fazer uma SWOT de um mercado para nos dizer que ele não quer pizzas vegetarianas. Então nós não queremos esse mercado. Nós vamos lá fazer a nossa pizza vegetariana e vamos criar esse mercado, porque esse mercado aí

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não tem nada a ver com quem nós somos, com o que nós gostamos, com o que nós acreditamos. Aí a gente foi construindo o nosso caminho mesmo.” Logo depois da decisão, perderam clientes por isso. A cliente que contrataria para um evento desistiu depois de saber que não havia pizzas com carnes. Mas eles persistiram, e descobriram que “quando tu ‘põe’ energia naquilo que faz sentido para ti, com o tempo as pessoas começam a ver sentido também”. A partir daí a coisa foi só crescendo, e eles começaram a fazer coisas diferentes: filmes com pizzas, inglês com pizzas, curso de pizzas, pizzas em eventos, e assim a essência do Pizza Sessions começou a nascer. “Aí nós começamos a gostar muito, porque vimos que as pessoas gostavam dos cursos e dos eventos, e isso porque a gente gostava mais ainda de organizar essas coisas, e essa energia era transmitida, até porque se não gostássemos não aguentaríamos dar o quinto, o sexto curso. Só que eles são muito legais de fazer e cada curso é diferente e único, e os clientes foram percebendo isso com o tempo, porque o curso fica mais leve, o aprendizado fica divertido, a gente acaba contando piada sem querer, tudo acontece com fluidez. Tudo faz mais sentido ainda quando a gente vê que o que a gente fez, fez sentido para alguém. Quando alguém comenta que gostou demais, quando alguém faz amizades durante os eventos, quando alguém posta uma foto no Facebook feliz com a experiência. Há não muito tempo eu me perguntava se era mesmo esse o caminho que eu queria. Uma mistura de sentimentos tomava conta. Angústia por não aguentar um trabalho cansativo, sem graça e sem sentido algum para mim. Medo de largar o conhecido e se aventurar no incerto. Insegurança por querer algo que podia não fazer sentido para as outras pessoas. Mas fez sentido, fez muito sentido, e agradeço a mim mesmo por ter acreditado que um dia as pessoas iriam implorar por nossas pizzas sem carne! Esse é o caminho que eu quero”.

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Essa é a dinâmica do nosso jogo interior, aplicado às nossas decisões individuais e particulares de vida, em uma construção individual em busca das nossas potencialidades. Mas não é só de dilemas a respeito de o que é o melhor para nós que o nosso jogo interior é composto. Ele também se aplica às nossas decisões e comportamentos coletivos. O jogo interior aplicado ao ser passa a ser um jogo interior aplicado ao conviver. No fundo, o jogo interior diz respeito a todo dilema que temos em relação ao que consideramos ser o certo a ser feito (perante nós mesmos e perante os outros) e aquilo que de fato fazemos em relação a esse sentimento. Se precisamos de pessoas que joguem bem o jogo interior do ser para que possamos florescer as potencialidades de cada um, para que possamos trilhar os caminhos das nossas paixões e propósitos, para que possamos enfrentar nossos desafios, precisamos também de pessoas que joguem bem o jogo interior do conviver, e é sobre esse segundo aspecto do jogo interior que vamos comentar um pouco agora. O JOGO INTERIOR DO CONVIVER

O jogo interior do conviver é um jogo de dilemas morais. Dilemas morais estão em jogo quando um médico decide usar sua credibilidade para dar aval a um produto que ele nem conhece as origens, por dinheiro. Dilemas morais estão em jogo quando um professor ignora um aluno em detrimento de outro, para se beneficiar nos testes de avaliação. Dilemas morais estão em jogo quando um vendedor indica uma bicicleta que ele sabe que não é a adequada para o cliente, somente para bater a meta de vendas ou desovar um produto do estoque. Dilemas morais estão em jogo quando o investidor fecha os olhos para as consequências das ações que toma em prol da maximização do lucro, para retomar alguns dos exemplos que já foram comentados. Mas exemplos não faltam. Poderia falar de grandes questões éticas, de fraudes licitatórias, de marketing infantil, de desvios de dinheiro, de exploração de trabalho, de obsolescência programada, de manipulação de massas, de “fabricação de doenças” e marketing de medo para venda de remédios que não curam nada, de bancos americanos apostando contra os investimentos que eles mesmos orientam seus clientes a comprar. Infelizmente, exemplos não faltam. Só que o que importa não é a discussão do que está “lá fora”, mas do que se passa “aqui dentro” quando diante de um dilema moral. 66 -

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É fácil olhar em volta e descobrir situações de desvio de valores, mesmo sabendo que a moral é uma questão de julgamento e cada um tem a sua. Já foi falado que é mais fácil olhar para os outros, para fora, do que para nós mesmos, até porque o autojulgamento moral é enviesado. Mas não precisamos sair dos nossos próprios limites para enxergarmos exemplos. “Se você já comprou algo sem nota, para pagar menos, você tem um pouco de Renan Calheiros. Se você contrata seus funcionários e exige nota fiscal, em vez de pagar na carteira, com o objetivo de pagar menos imposto, você tem um pouco de Renan Calheiros. Se você recebeu troco a mais, e não devolveu depois de perceber o valor errado, você tem um pouco de Renan Calheiros. Se, na hora do checkout do hotel, você não se esforçou muito para lembrar o que consumiu na noite anterior porque ‘isso já está computado no valor da diária’, você tem um pouco de Renan Calheiros. [...] Todos os exemplos citados acima são verídicos, testemunhados por mim. Aconteceram com amigos, conhecidos, colegas de trabalho, familiares e até comigo mesmo. Muitas dessas coisas, como você deve ter se dado conta, não estão fora da lei. Mas, na minha visão, todas elas têm algum desvio de caráter. Acredito que o problema do Brasil, antes da corrupção que tanto condenamos nas capas da Veja, nas câmeras escondidas do Fantástico e nas reportagens do CQC, é a corrupção cometida por nós mesmos. Não sei de você. Mas, para mim, a diferença entre um cara que rouba toalha de hotel (outro caso que testemunhei) e um que rouba verba pública é, apenas, a dimensão. O crime em si é o mesmo. O modelo mental é o mesmo.” (“Todos nós temos um pouco de Renan Calheiros”, do blog da Perestroika 23.)

Caso tenhamos nos identificado com alguns desses exemplos, diz o texto, “...você tem um pouco de Renan Calheiros”. O que é que nós temos, afinal, que é parecido com o Renan Calheiros, que é parecido com os outros exemplos citados? Em outras palavras, qual é o problema comum de todos esses exemplos? TRILHANDO O CAMINHO

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“The ability to do the right thing, at the right time, for the right reason.” (a capacidade de fazer a coisa certa, no momento certo, pelos motivos certos) Essa é a interpretação de John Bradshow, em seu livro Reclaiming Virtue, para o conceito Aristotélico de phronesis, trazido para a língua inglesa como Practical Wisdom. Segundo Barry Schwartz, Practical Wisdom implica em “moral will and moral skill”, ou seja, a capacidade de perceber o que é o certo a ser feito, naquele momento, naquela decisão, naquela situação, e a vontade e capacidade de fazer o que de fato deve ser feito – trabalhar no entendimento e na consciência, transformar a consciência em decisão e a decisão em comportamento. Isso retoma o sincronismo que já foi comentado – entre o pensar, o falar e o fazer. Isso retoma, também, a nossa definição de jogo interior, que dizemos que é simplesmente “todo dilema que temos em relação ao que consideramos ser o certo a ser feito (perante nós mesmos e perante os outros) e aquilo que de fato fazemos em relação a esse sentimento”. O problema não é não se“The bad news is that guirmos a lei. O problema é não without wisdom, seguirmos aquilo que a sabemos brilliance isn’t enough. que deveríamos estar seguindo – It’s as likely to get you é não fazer aquilo que sabemos and other people into que deveríamos estar fazendo. O trouble as anything else.” julgamento moral é uma coisa, a (Barry Schwartz) legislação é outra. Infelizmente, no momento atual da nossa sociedade, o julgamento moral – o Practical Wisdom – vem sendo cada vez mais suprimido e erroneamente sendo substituído pela legislação: “se eu não estou descumprindo as leis, então está tudo certo”. Um professor meu uma vez comentou aos seus alunos, em tom de conselho (o que na minha visão é deprimente), que “o bom administrador tem que agir sempre nos limites da lei, em busca das brechas que o beneficiem”. A lei tem um motivo de existir – em algum momento, alguém não teve a capacidade de fazer a coisa certa. Em algum momento, alguém roubou, e o roubo foi proibido. Em algum momento, alguém adicionou areia ao cimento para construir com menor custo e poder lucrar mais, e aí foi criada uma regulamentação para limitar a quantidade de areia no concreto. Então, para se prevenir que demais pessoas ajam da forma considerada errada, criase uma regulamentação que diz o que é e o que 68 -

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não é o certo a ser feito. A lei é “Most people say that it is criada a partir de uma desconfianthe intellect which makes ça. O pressuposto implícito da lei a great scientist. They are é: já que, caso não existisse a lei, wrong: it is char acter” pessoas se aproveitariam dessa si(Albert Einstein) tuação para agir de má fé (roubar, adicionar areia ao cimento), então vamos legislar porque assim impomos o que é ou não o certo a ser feito, e obrigamos todos a agirem daquela forma por meio de coerção e punições. Com o tempo, para qualquer coisa, a solução é sempre: “então vamos criar uma lei proibindo isso”. Se não é proibir, até porque o Brasil é um dos países com o maior número de leis do mundo, a “solução” sugerida está no segundo ponto: punir com maior rigidez. Com o tempo, as pessoas foram se desresponsabilizando pelo seu julgamento moral e colocando na legislação esse encargo: “se eu não estou descumprindo as leis, então está tudo certo”. Mas, se a causa do surgimento da lei é a falta de caráter, e se a consequência da criação das leis é uma diminuição da necessidade de nutrir nosso caráter (Practical Wisdom), o problema não está sendo solucionado. No máximo, remediado. Isso porque a lei nunca substituirá o caráter, o julgamento moral, o practical wisdom, pois ela será sempre incompleta. É por isso que o pessoal da Perestroika comentou que “muitas dessas coisas, como você deve ter se dado conta, não estão fora da lei. Mas, na minha visão, todas elas têm algum desvio de caráter”. Para ilustrar um pouco a questão, esses dias um amigo meu tirou uma foto de um cartaz, colado em uma tabacaria, de autoria da empresa de tabacos Souza Cruz, onde dizia: “Venda proibida para menores de dezoito anos. Aqui tem responsabilidade social.”. Isso daria horas de discussão, mas vou me focar não na análise do fato em si, mas hipotetizar uma situação a partir disso. A Souza Cruz se diz socialmente responsável porque não vende para menores de dezoito anos. Um tanto óbvio, uma vez que é proibido vender para menores de dezoito anos. Fácil ser socialmente responsável quando se é obrigado a agir dessa forma. Um exemplo da legislação impondo uma moralidade. Mas e se, amanhã, um lobista da empresa conseguisse desaprovar a lei de maioridade para o fumo, e a venda para menores de dezoito fosse permitida? A empresa continuaria vendendo apenas para os maiores de dezoito anos – afinal, não é isso que ela considera ser socialmente responsável? Provavelmente, não. Provavelmente, venderiam para menores de dezoito anos. E tamTRILHANDO O CAMINHO

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bém investiriam em marketing infantil, para recriar uma imagem de cool ao aliar o cigarro a crianças populares e conseguir inserções de cigarros em filmes de Hollywood, caso isso também fosse permitido. Aliás, se os diretores da Souza Cruz seguissem o conselho do meu professor, é exatamente isso que eles de fato deveriam fazer. Parafraseando o último parágrafo do texto da Perestroika, “eu não sei vocês, mas, para mim, a diferença entre um cara que não devolveu o troco a mais que recebeu, o professor que divide os alunos e prioriza uns em detrimento dos outros para se beneficiar por isso, o governante que desvia dinheiro e o diretor de marketing da empresa de tabaco que incentivaria o consumo de cigarros em crianças, mas que por ser proibido se diz socialmente responsável por não fazêlo, é, apenas, a dimensão. O crime em si é o mesmo. O modelo mental é o mesmo”. O crime é um assalto à própria ética, mas que respinga consequências nas outras pessoas. O modelo mental é o mesmo: nenhum agiu da forma certa. Nenhum teve practical wisdom. E eu não digo isso analisando o comportamento deles com base nos meus valores, mas arrisco dizer que eles mesmos sabem, lá no fundo, que não fizeram a coisa certa, caso olhassem para si mesmo e se autoanalisassem. Alguns estudos a respei“A educação se divide em to do Nazismo mostraram que duas partes: a educação muitos dos nazistas realmente das habilidades acreditavam estar fazendo a coisa e a educação das certa. Acreditavam na purificação sensibilidades. da raça através da superioridade Sem a educação das ariana, e no benefício que isso trasensibilidades, todas as ria ao ser imposto para o mundo. habilidades são tolas Absurdo ou não de pensar, o fato e sem sentido.” é que talvez algumas daquelas (Rubem Alves) pessoas realmente quisessem agir da forma certa, e realmente considerassem o nazismo a forma certa de pensar e de agir. Essa é uma questão extremamente subjetiva, pois é muito influenciada por aspectos culturais – a subjetividade da moralidade. Existiam – e provavelmente ainda existem – povos canibais. Por aspectos culturais, eles não consideram diferente comer um humano a comer um vegetal. Nesse primeiro caso, a conscientização é o único caminho, e o que mais interessa é nutrir o real desejo de fazer a coisa certa: por mais que as opiniões a respeito de qual é a coisa certa possam variar. Queren70 -

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do agir da forma certa, a discussão, a reflexão, a conversa, são as formas de conscientização. Uma vez percebida a atrocidade como atrocidade, eu não mais me sujeito a nutrila. Talvez o empresário que pague uma miséria pela mão de obra em um país sem regulamentação trabalhista e em situação de miséria não se julgue fazendo um mal. “Por que eu pagaria mais? Afinal, com a minha ida a esse país eles, ao menos, têm algum trabalho e algum dinheiro!”. Aliás, esse foi outro “ensinamento” que tive em uma das aulas do curso de administração: a estratégia que leva ao sucesso, para aqueles empresários que gerenciam empresas que dependem de uma estrutura de custos baixíssimas (setores commoditizados) é buscar por países subdesenvolvidos, onde há fraca legislação trabalhista e uma situação de miséria que permita situações de trabalho semiescravo. Só para não ser injusto, nesse caso o professor apenas constatou o fato, mas não sugeriu que atuemos dessa forma. Mas também não sugeriu que não atuemos. Bom, mas de qualquer forma, pode ter gente que questione isso: “ué, eu acho certo fazer isso!”. Tudo bem, isso ilustra o primeiro ponto, que o problema está na conscientização. O que precisamos garantir é a vontade sincera de fazer o que é certo. Não um compromisso seu em relação a mim, ou um compromisso meu em relação a você, mas um compromisso nosso em relação a nós mesmos. O segundo ponto do problema é quando se sabe o que se deve fazer, mas mesmo assim não se faz. Estávamos discutindo em aula sobre Responsabilidade Social Corporativa, e o primeiro tópico da discussão era: “por que ser socialmente responsável?”, e o que estávamos discutindo era “se responsabilidade social corporativa era uma estratégia de diferenciação”. Só lembro que em determinado momento a professora estava buscando autores que afirmavam que ser socialmente responsável, no longo prazo, aumentaria os lucros. Eu não sabia se era só eu que não estava entendendo – buscar uma justificativa para ser socialmente responsável? Esses dias a capa da IstoÉ Dinheiro saiu com o título “A onda do capitalismo consciente”, e o subtítulo era “Saiba por que as companhias lucram mais quando tentam mudar o mundo para melhor e aprenda as lições de quem já embarcou nesse movimento”. Parece que as pessoas invertem as coisas, bem como já comentamos no capítulo anterior sobre intenção e motivadores versus consequências e resultados. TRILHANDO O CAMINHO

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O fato é que aquela discussão era irrelevante. Não importa se responsabilidade social corporativa é uma boa estratégia a longo prazo do ponto de vista da lucratividade, e não importa se o capitalismo consciente é a melhor maneira de aumentar os lucros. Tomara que sim, mas não vem ao caso. Não é por isso que deveríamos assumir a responsabilidade pelas consequências sociais das nossas empresas nem é por isso que deveríamos nos tornar conscientes no jogo do capitalismo. Seria como dizer que somos socialmente responsáveis por colocar um cartaz de venda proibida para menores de dezoito anos. É fácil agir “da forma certa” quando essa é a forma que mais nos beneficiamos. Mas e quando a RSC não for a melhor estratégia para o lucro a longo prazo? Quando a legislação liberar a venda para dezoito anos e eu me recusar a vender para as crianças significará perda de lucros potenciais? A pedagoga Telma Vinha “In looking for people ilustra muito bem essa questão, to hire, you look com um exemplo extremamente for three qualities: simples. Suponhamos que você integrity, intelligence, esteja viajando, sozinho, de carro, and energy. And if you de madrugada. Você bebeu duas don’t have the first, the other two will kill you.” cervejas e, apesar de estar total(Warren Buffet) mente consciente, sabe que está infringindo uma lei. Pelas tantas, você bate o carro em um outro veículo que se encontrava estacionado, e estraga um pouco a porta e o retrovisor. Você para e percebe que o carro que você bateu é um carro caro, provavelmente de uma pessoa que tem posses. Além disso, você percebe que você está totalmente sozinho na rua, de modo que sentimentos de medo, de “será que vão me pegar?”, “será que vão descobrir?”, não existem. Ninguém viu, ninguém vai saber. Como você deveria agir em uma situação dessas? É extremamente claro que um dos motivos para uma pessoa que sabe o que é o certo a ser feito não faça e não aja da forma que sabe que deveria agir é o benefício pessoal. O governante sabe que não deve roubar, mas desviando verba pública ele compra uma casa e um carro novos. A Souza Cruz sabe que não deveria vender cigarro para menores de dezoito anos (supondo que eles concordem com essa afirmação, tendo como base o cartaz que eles anunciam), mas talvez vendessem se isso aumentasse o valor da ação da empresa. A pergunta que a psicologia moral tem feito não é nem tanto se as pessoas seguem valor, mas se 72 -

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elas seguem em uma situação em que elas “só têm a perder” com isso. O certo a ser feito, no caso do carro, talvez fosse deixar um bilhete com nome e número do telefone, pedindo desculpas e desejando conversar para resolver. Talvez fosse ficar ali parado, esperando, até o dono do carro voltar. O que difere uma pessoa que age dessa forma, e deixa o bilhete, e outra que, por benefício próprio, simplesmente foge? O que difere o governante que se recusa a desviar dinheiro, e o que desvia para trocar de carro? O que difere a empresa que se recusa a vender cigarros para menores de dezoito anos porque considera isso errado, da empresa que vende e não está nem aí desde que isso maximize os lucros? O que difere o professor que divide os alunos para se beneficiar e aquele que abre mão dos possíveis benefícios para educar do modo que considera certo? Em outras palavras, uma vez que a pessoa sabe qual é o certo a ser feito, o que difere a que de fato age como deve agir e aquela que não age? A diferença são valores. Esses dias roubaram a minha bicicleta. Gostei de uma oferta que um homem tinha colocado em um brique do Facebook, e marquei de encontrar ele para analisar e, se eu gostasse, compraria. Era uma Caloi Supra usada, e eu tinha quase certeza que a bicicleta valia os quatrocentos reais que ele estava pedindo. Ela não valia muito mais que isso mas, certamente, não valia muito menos. Encontrei o vendedor, fiquei analisando a bicicleta e conversando com ele. Ele tinha vindo – de bicicleta, obviamente – de Águas Claras, que era uns quarenta quilômetros de onde a tínhamos combinado de nos encontrar. Umas duas horas pedalando. Tudo para poder me mostrar e tentar vender. Ele era claramente uma pessoa humilde, pelo modo de se vestir e de falar. Devia estar uns dez graus, e já estava escurecendo, e eu sabia que se eu não comprasse a bicicleta ele teria que voltar os quarenta quilômetros pedalando no frio. Em resumo, eu poderia dar uma contraproposta de uns cem reais que eu tenho quase certeza que ele aceitaria, só para não precisar voltar tudo. No fim, ofereci trezentos reais e fiquei com a bicicleta. Eu conto isso não para mostrar minha capacidade de julgamento moral. Longe disso, até porque também tenho exemplos dos quais não me orgulho, de momentos que fiz coisas que considero erradas. O que interessa do exemplo é o fato que eu poderia ter me aproveitado da situação dele para tirar vantagem disso. Só que eu teria me sentido mal se eu tivesse feito isso. Sentirse mal significa que por trás do seu julgamento existem valores. TRILHANDO O CAMINHO

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“Um principio, uma regra, ela só gera ação quando ela é revestida de afetividade. Quando ela se torna um valor para o sujeito. Por exemplo, tem uma pesquisa que mostrou que 92% dos executivos sabem que não se joga pilha comum no lixo doméstico. Acontece que só 2%, de fato, jogam no lixo certo. E aí foram descobrir por que, e é justamente porque eu tenho o conhecimento, mas quando eu jogo no lixo errado eu não me sinto mal por fazer isso. Eu não tenho nenhum sentimento associado a esse conhecimento. O valor é justamente isso: o valor é o investimento afetivo. Uma pessoa só perde o sono à noite porque ela se vê como alguém responsável, ela tem aquilo como valor. Então, justamente por ter aquilo como valor, quando ela tem ações coerentes com isso ela vai se sentir bem, e quando ela tem ações contrárias a isso ela tem uma sensação de inferioridade. Então um valor é uma norma, um princípio revestido de afetividade.” (Telma Vinha 24)

É preocupante quando um governador desvia verba pública superfaturando um estádio para a Copa do mundo. Mais preocupante que isso é saber que talvez ele nem ao menos se sentiu mal fazendo isso. Porque, afinal, a mesma ausência de valores que o faz “derrubar sem querer” um papel de bala no chão, que o faz jogar a pilha fora do lixo certo, que o faz bater no carro mas não deixar um bilhete se prontificando a pagar, que o faz cometer todas as pequenas “Renan Calheirisses” do texto da Perestroika, é o que faz os professores dividirem e priorizarem alunos, o empresário explorar mão de obra, o governante desviar verba, a fumageira fazer marketing infantil. Quando isso se torna generalizado, temos uma sociedade que destrói valores. Uma sociedade que destrói os valores necessários para julgarmos o que é o certo a ser feito e para agirmos de acordo com isso. Se vivemos uma crise, vivemos uma crise de valores. O que nos separa da nossa luz são obstáculos que nós mesmos nos colocamos. O que a precisamos para trilhar o caminho dos nossos sonhos, paixões e propósitos já está dentro de nós, basta nos conscientizarmos do nosso jogo e aprender a jogálo, arrebentando nossas amarras internas. Mas fazer o que é o certo a ser feito (perante nós mesmos e perante os outros) é difícil, muito difícil. Se fosse fácil, não nos autossabotaríamos. Precisamos aprender a jogar o jogo interior para descobrirmos nossas potencialidades, superarmos nossos medos, vivermos nossas 74 -

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vidas da melhor forma possível. Precisamos aprender esse jogo para que sejamos sábios em relação às nossas vidas, e para que sejamos sábios em relação às nossas escolhas e a consequências delas nas outras pessoas. Sábios, porque conhecimento não basta. Wisdom é a palavra que veio traduzida para o inglês, e practical wisdom é a virtude que precisamos nutrir em nós mesmos, para que consigamos escolher os caminhos corretos a serem percorridos, e a forma certa de trilhálos. Ao longo do capítulo eu trouxe alguns exemplos, tanto da minha vida pessoal quando de situações das quais eu concordo ou discordo. Concordar e discordar, é claro, variam de pessoa para pessoa, e os exemplos foram inevitavelmente enviesados de acordo com os meus valores e opiniões. Meu objetivo não é impor uma moralidade, não é dizer o que é e o que não é o certo a ser feito. Eu tenho minhas opiniões, com base nos meus valores, mas isso não vem tanto ao caso. A intenção é incentivar todo mundo a iniciar um processo sincero consigo mesmo de buscar querer agir da forma certa. Buscar perceber, se conscientizar, se questionar. Olhar com sinceridade para sua vida, pras suas ações. Buscar, realmente, sem paranoias ou obsessões, mas com vontade sincera, o certo a ser feito. Acredito que, se todos passarem a agir com base nessa nova perspectiva, diversos dos problemas do mundo estariam sendo solucionados. Arrisco a dizer que também seríamos uma sociedade muito mais feliz. Essa seria uma transformação verdadeira.

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Capitulo 4

Todos subimos a mesma montanha. “Portanto, do Fernandinho BeiraMar à Madre Teresa de Calcutá, todos nós vamos evoluir. Agora, o que faz com que cada um de nós evolua distintivamente? O que faz com que cada um de nós possa evoluir de forma diferente? Todos nós estamos subindo a mesma montanha, cada um de nós sobe por um lado, portanto a gente tem perspectivas diferentes, e essa é a beleza. Mas a montanha é a mesma.” (Marcelo Cardoso)

“Essa seria uma transformação verdadeira”. Foi com essa frase que terminamos o capítulo anterior. Essa seria uma transformação verdadeira, porque viria das causas dos problemas que temos. Viria de dentro. Trabalharia a qualidade dos jogadores. Muitas vezes, esperamos que a mudança “aconteça”, como se ela fosse um acontecimento externo, pois enxergamos só as consequências da transformação, e não a transformação em si. Só que a mudança interna não é um acontecimento a ser esperado – a mudança na qualidade dos jogadores muitas vezes é uma consciência, um desejo sincero, uma mudança nas lentes pelas quais enxergamos o mundo, uma convicção de não admitirmos mais determinados comportamentos. Essa é a transformação, e se alguém que leu isso até aqui, percebeu coisas que não havia percebido e decidiu mudar 76 -

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em aspectos que antes não teria mudado, a transformação está feita. As consequências dessa transformação virão aos poucos. ESSA SERIA UMA TRANSFORMAÇÃO VERDADEIRA

Inicio do ano, depois que voltei das férias de verão, resolvi sair do apartamento em que eu estava alugando. Quando você assina um contrato de aluguel, existem cláusulas que definem o estado do apartamento no momento em que você entrou nele, para que você devolva para o proprietário da mesma forma. Então fui ver essas cláusulas para entregar o apartamento conforme eu o tinha recebido. Descobri que deveria pintar as paredes, refazer o gesso do teto, ajeitar algumas fechaduras que havíamos estragado. Normal e justo. Fiz as reformas contratando um pintor e comprando materiais – tintas, fechaduras, gesso – de qualidade, e entreguei ao responsável pela vistoria. Não aceitaram receber o apartamento. “Esses grampos que estão aqui no teto, senhor”, disse o responsável pela vistoria, “não estão descritos no contrato, então vocês terão que tirálos”. “Esse Sinteko (material que reveste o chão) não está 100%, e vocês vão ter que trocar tudo, se não a gente não vai aceitar, porque no contrato diz que ele foi entregue novo”. O problema é que os grampos da parede não haviam sido colocados por nós. Os grampos já estavam no apartamento, apenas não haviam sido listados. O Sinteko, descobrimos após contratar alguém para ver isso, quando foi feito, logo antes de alugarmos o apartamento, foi feito de forma extremamente mal feita. Ao invés de terem lixado e colocado um produto de qualidade, não lixaram direito e apenas retocaram – provavelmente só para poder colocar “Sinteko novo” no contrato. O Sinteko, que deveria durar anos sem estragar, já estava estragado, e a imobiliária estava nos cobrando para fazer o serviço que eles mesmos deixaram de fazer. Inocentemente, não imaginei que a imobiliária se aproveitaria desse mecanismo legal para se aproveitar. Fiquei com raiva porque eu percebi que estavam se utilizando de um mecanismo legal para se aproveitarem da gente de forma desonesta. Na função de alugar um apartamento, mudando de cidade, com tantas coisas para resolver, nem sempre você consegue fiscalizar as cláusulas do contrato. Entendo o porquê de existirem essas proteções – provavelmente, se não existissem, as pessoas também se aproveitariam das imobiliárias. O problema é que eu não ia me aproveitar, e fiz o serviço com a qualidade esperada que fizessem para mim. Só que em uma situação TODOS SUBIMOS A MESMA MONTANHA

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dessas não há confiança. Eu falei para o fiscal “Olha só, eu pintei com Suvinil a parede, refiz o teto e tudo que foi pedido com qualidade, mas os grampos realmente já estavam ali quando entramos no apartamento e o Sinteko que vocês fizeram era horrível, e não é justo que tenhamos que pagar por isso”. Eles nem deram ouvidos, e não aceitaram o apartamento. Não há relação de confiança. Há mecanismos legais e formas de se beneficiar com eles. O problema é que isso é uma bola de neve. Lembro que pensei: “aé? É para nos apegarmos aos aspectos legais em benefício próprio, então?”, e contratei o pior e mais barato profissional para refazer o Sinteko, pois o contrato não estabelecia o nível de qualidade, apenas dizia que deveria estar “novo”. Pensei em tirar do apartamento algo que não estava especificado em contrato, ou estragar uma fiação elétrica, já que essa também não estava descrita. Tudo por uma questão de falta de confiança, consequência de pessoas que se aproveitaram da situação no passado e que transformaram nisso a realidade dos contratos de aluguel. Quase como ironia, quando eu havia conseguido finalmente entregar o apartamento após todo o estresse e uma promessa que eu nunca mais seria cliente daquela imobiliária, eles enviaram a conta do último mês com o valor errado. Sem perceber, paguei. Fui atrás dias depois e descobri o erro da imobiliária – havia pago quase quinhentos reais a mais do que o devido. Normalmente, qual seria o certo a ser feito? Em uma sociedade civilizada, o erro não haveria de ser proposital. Informaria os quinhentos reais de erro, receberia um pedido de desculpas, reembolso imediato, talvez alguma multa se assim a lei determinasse, e tudo bem. Mas, por tudo que aconteceu, fiquei com uma raiva tão grande que tive vontade de processálos e ir até o fim com a cobrança indevida e proibida – afinal, alguns meses antes, quando fui eu quem se esqueceu de pagar o aluguel, com atraso de dois dias apenas, eles me cobraram cento e quarenta reais de multa por isso. Por que contei toda essa história? Para questionar onde estão as causas e onde está a transformação verdadeira. Já foi falado um pouco sobre a origem das estruturas de controle de comportamento nas empresas, bem como o porquê de existir a legislação e mecanismos legais. Foi aprendendo a se proteger da falta de confiança que chegamos a uma situação como a descrita no exemplo da imobiliária. Foi partindo do pressuposto que “o outro é um filho da puta” que se chegou nessa si78 -

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tuação. Se nos preocupássemos mais com a construção de relações de confiança, um aspecto puro de qualidade dos jogadores, as regras do jogo seriam diferentes. Seríamos nós o tipo de cliente que a imobiliária gostaria de ter, e seriam as imobiliárias o tipo de empresa que gostaríamos de contratar. Talvez alguém do MEJ se conscientize e trabalhe em uma imobiliária buscando desenvolver essa cultura. Talvez todos nós nos conscientizemos e sejamos clientes da imobiliária dele fazendo por merecer essa confiança, retribuindo honestidade. Mecanismos legais funcionariam para organizar e definir moralidade quando o julgamento estiver em discordância, mas não seriam usados da forma como o são, espalhando falta de confiança e negatividade. Se os médicos seguissem a profissão por vocação, não venderiam seus nomes para apoiar a venda de medicamentos cegamente. Se tivessem a capacidade de fazer a coisa certa, não prescreveriam exames desnecessários para lucrar com isso. O gestor do hospital entenderia que “resultado” para um hospital é a promoção da saúde, e não imporia aos médicos um sistema de incentivos que distorcesse esse propósito. Os vendedores, se assim fossem, mereceriam nossa confiança na hora de indicar um tênis ou uma bicicleta na loja. Os políticos, se por vocação trabalhassem, não entrariam na política para manter um jogo de poderes em benefício próprio, não desviariam verbas ou trabalhariam em prol de resultados aparentes para garantir a próxima eleição, pois se sentiriam mal agindo dessa forma. Se buscarmos agir da forma correta, talvez os exemplos que nossos filhos terão quando estiverem no MEJ, buscando ser a transformação, sejam diferentes. Talvez as diversas Renan Calheirisses não sejam mais regra – pelo menos não para nós, não no nosso mundo. Talvez as manifestações que estão acontecendo, que tiveram os vinte centavos de aumento da passagem de ônibus como estopim, não estivessem precisando ocorrer dessa forma. Não precisariam ocorrer se o governo fizesse a coisa certa, se as empresas de ônibus trabalhassem com os propósitos corretos e de maneira ética. A manifestação é uma forma de impor moralidade para aqueles que, hoje, não a tem: o governo e as empresas licitadas de transporte (ou os governantes e os dirigentes das empresas de transporte, melhor dizendo). Talvez o Tribunal de Justiça do Trabalho não estaria cheio de processos de funcionários querendo se aproveitar de brechas na lei para vingar um mau trato que teve do chefe, ou o PROCON tivesse menos reclamações de clientes de imobiliárias que receberam cobranças indevidas. Com jogadores assim, o jogo seria TODOS SUBIMOS A MESMA MONTANHA

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muito melhor. Com cidadãos assim, a vida seria muito melhor, e isso independentemente do sistema econômico vigente, do sistema político, da qualidade e do rigor da legislação, porque os vícios do sistema têm origem nos vícios de quem joga ele. Imaginar uma mudança generalizada assim seria um utopismo, mas um utopismo nos termos e no sentido que utopia tem para Eduardo Galeano: ela serve talvez não para que a alcancemos, mas para nos fazer caminhar em direção a ela. Por mais distante que uma mudança pareça, mudanças de consciência acontecem. Se olharmos para o passado e observarmos os diversos paradigmas mentais que já foram transcendidos – mesmo que a nossa noção de evolução seja subjetiva e enviesada – podemos nutrir a esperança de ver um mundo diferente. Acho que foi Ricardo Semler quem uma vez escreveu que, no futuro, olharemos para trás com vergonha da situação atual em que nos encontramos, principalmente no mercado de trabalho, onde ainda se observa relações desumanas entre os recursos humanos, falta de confiança, preconceitos e machismo, desvirtuações de propósito, falta de noção ética (como chamar uma sociedade assim de civilizada?). Olharemos para essas coisas com tanto desprezo como olhamos para um passado quase não imaginável onde o Nazismo prevaleceu, onde a escravidão existiu. São consciências, são percepções, são permissões que damos e que geram comportamentos. Questionar “Para aí. O que está acontecendo?”, para então dizer “não” e agir conforme consideramos certo é uma questão de escolha. TODOS SUBIMOS A MESMA MONTANHA

O mais incrível é a simplicidade e a obviedade daquilo que deveria ser, e o mais assustador é o contraste entre essa obviedade do como deveria ser em comparação ao como é. Se refletirmos sobre os aspectos de fato relevantes para a nossa vida, que foi um pouco da proposta do livro até aqui, começaremos a perceber algumas coisas interessantes. Quando refletimos sobre nós mesmos, sobre nosso jogo interior, sobre quais são os nossos sonhos, quais são as nossas paixões, os nossos desejos, as nossas fraquezas e limitações, as origens dos nossos sofrimentos, quando observamos as dificuldades que temos de trilhar os caminhos que gostaríamos de trilhar, as amarras internas que nos prendem, começamos a enxergar “o outro” de uma maneira diferente. 80 -

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Por maior que seja o nosso universo individual, o que nos une é muito maior do que o que nos separa. Existe sete bilhões de pessoas no planeta. Sete bilhões de seres totalmente individuais, com seu próprio universo subjetivo, seus próprios sonhos e dificuldades, interesses, medos, padrões de comportamento, opiniões. Só que, acredito, se fôssemos perceber a origem dos sonhos, as causas dos medos, perceberíamos pessoas muito parecidas. No fundo, todo mundo procura por sentimentos e sensações muito parecidas. Se os sonhos permeiam sempre sentimentos de aceitação, de reconhecimento, de felicidade, de propósito e de sensação de ser alguém útil, de amar e de ser amado, os bloqueios nadam no oceano de medos todos muito parecidos. O medo de não ser bom o suficiente, o medo de o que vão pensar de nós, o medo de não ser aceito, o medo da solidão, o medo da própria luz. No fundo, estamos todos sob o mesmo sol, sob a mesma lua e buscando fazer dessa experiência algo que valha a pena. Jeremy Rifkin (The Empathic Civilisation) disse que estudos mostram indícios que, de fato, toda a raça humana possui a mesma descendência. É a história do Adão e Eva contada pela ciência. A árvore genealógica da humanidade começou com dois seres humanos, que procriaram e hoje têm uma família de sete bilhões de pessoas. Mesmo assim, a sociedade é do jeito que ela é. Mesmo buscando coisas parecidas, a gente se atrapalha, a gente se perde, a gente se pisa. Marcelo Cardoso, palestrante do último dia do evento, diz que, no fundo, estamos todos subindo a mesma montanha. Só que cada um vê a montanha por uma perspectiva diferente, limitada pelo local que estamos escalando ela. O problema disso é quando, limitados pela nossa perspectiva da montanha, não percebemos que a montanha é a mesma. Isso é um problema, pois a empatia se estende até onde está o nosso senso de união e pertencimento. Rifkin explica que a consciência empática foi alterada ao longo do tempo. No início, antes do surgimento das civilizações, os poucos seres humanos existentes se organizavam em tribos, e o grande abismo geográfico e a falta de comunicação e criação de um contexto comum as separavam faziam com que a empatia florescesse entre os membros das tribos, mas não entre as tribos. Uma ilusão de separação cria o abismo que a empatia não consegue transpor. Com o tempo, características que transcenderam a geografia criaram sentimentos de união entre crenças e ideologias. Os cristãos se solidarizavam por partilharem de uma crença em comum. Os judeus, os muçulmanos, da mesma forma, se consideravam parte de uma mesma família. A partir da TODOS SUBIMOS A MESMA MONTANHA

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revolução industrial, a noção de país foi desenvolvida, e sentimentos de nacionalismo criaram sentimentos de união. Os britânicos se perceberam como uma família, unidos pelo seu país. Os alemães, os brasileiros, os americanos, da mesma forma. “There’s no such thing as Germany. There’s no such thing as France. These are fictions. But they allow us to extend our families so we can have loyalties and identities. But if we have gone from empathy in blood ties, to empathy to religious and associations ties, to empathy based on national identification, is it really a big stretch to imagine a way that we can connect our empathy to a single race writ large in a single biosphere? Is it possible that we can extend our empathy to the entire human race, as an extended family? And to our fellow creatures, as part of our evolutionary family? And to biosphere, as our common community? If it’s even impossible to imagine that, than I can’t see how we are going to make it.” (Jeremy Rifkin 25, tradução em nota)

A noção de pertencimento a algo, de traços em comum, cria o espaço para o desenvolvimento da empatia, e é a empatia que permite a solidariedade e o desenvolvimento de valores de convívio, que são as bases dos nossos comportamentos e decisões individuais e coletivos. “Empathy is the invisible hand. Empathy is what allows us to stretch our sensibility with another, so we can call here with a larger social unit. To empathize is to civilize. To civilize is to empathize.”26 (tradução em nota) (Jeremy Rifkin)

Enquanto não enxergarmos uma montanha em comum entre nós, o sentimento de empatia terá dificuldades de florescer. “Imagine there’s no countries. It isn’t hard to do […] Imagine all the people. Living life in peace You may say. I’m a dreamer. But I’m not the only one I hope some day. You’ll join us. And the world will be as one.

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[…] A brotherhood of man. Imagine all the people Sharing all the world.”27 (tradução em nota) (John Lennon)

O que importa não é a concretude da imaginação, se ela pode ou não virar realidade, mas o próprio fato de imaginar. Se imaginamos isso, se queremos isso, se pensamos sobre isso, é porque desenvolvemos em nós um senso de pertencimento que possibilitou o florescimento da empatia, porque entendemos que estamos todos subindo a mesma montanha. Empatia que não nos permite passar por cima dos outros, pois nos sentiremos mal caso fizéssemos. Empatia que nos permitirá gerenciar nossas instituições de forma diferente, empatia que permitirá a criação da valores (princípios revestidos de afetividade, pois empatia é afetividade) que nutrirão os comportamentos e as características que gostaríamos de ver sendo nutridas na sociedade, em contraponto às características “psicopáticas” que tendemos a nutrir em alguns contextos. “We have to rethink the human narrative. If we are truly homoempathicus, then we need to bring out that core nature. Because if it doesn’t come out and it’s repressed by our parenting, our educational system, our business practices, our government, the secondary drives come: the nascisism, the materialism, the violence, the aggression. If we can have a global debate let us start here, which apparently you are doing: to begin rethinking human nature. To bring out our empathic sociability, so we can rethink the institutions of society and prepare the groundwork for the empathic civilization.”28 (tradução em nota) (Jeremy Rifkin)

Como quem estivesse falando para o Movimento Empresa Júnior, Jeremy Rifkin sugere que repensemos a narrativa humana, a forma como nossas instituições são gerenciadas, a partir de o que queremos como mudança, de o que entendemos por transformação. Se, na vida, estamos todos subindo a mesma montanha, o MEJ é um pedaço dessa montanha. Um pedaço que optamos por escalar em conjunto, um pedaço que tem um motivo de estar sendo escalado, e devemos entender essa união entre nós, empresários juniores, em prol de uma mudança significativa, algo que seja a nossa cara, que nos represente, que nos identifique, que nos orgulhe. Se não podemos definir como as instituições TODOS SUBIMOS A MESMA MONTANHA

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da sociedade são gerenciadas, podemos ao menos escolher como a nossa instituição – o Movimento Empresa Júnior, suas EJs, Federações e Confederações – são gerenciadas, e nisso dar o exemplo. Nós somos mil e trezentos congressistas que vieram ao Encontro Nacional de Empresas Juniores, e outros milhares pertencem ao mesmo Movimento. Se nutríssemos uma cultura que valorizasse os valores corretos, que desenvolvesse os comportamentos desejados, as consequências explodiriam na sociedade, em um processo de encher para transbordar. Como que seria repensar a nossa própria instituição, o MEJ? COMO QUE SERIA REPENSAR A NOSSA PRÓPRIA INSTITUIÇÃO, O MEJ?

Quando trouxemos, lá no primeiro capítulo, a noção de desvirtuação de propósito, com exemplos dos professores, dos médicos, dos empresários, dos políticos, trouxemos esse raciocínio para a realidade do MEJ, na tentativa de mostrar que, às vezes, aqui mesmo perdemos de vista a real essência do Movimento. Mostramos isso fazendo uma analogia com o sistema educacional público americano, e traçando um paralelo ao mostrar que o que acabamos fazendo é limitando as potencialidades do nosso Movimento na formação de profissionais para o mercado de trabalho. Essa quebra é condição para a mudança, uma vez que transformar significa que o amanhã deverá ser diferente do hoje. Se quisermos ser, amanhã, o que “o mercado” é hoje, a mudança é restrita. Assumindo a vontade de transformar, e a responsabilidade que isso carrega, deveríamos definir qual seria a nossa mudança. Quem é o Movimento Empresa Júnior, de que forma ele é transformador e que tipo de transformação queremos. Parar de olhar para o lado e passar a olhar para frente. Antes de olhar para frente, porém, sugerimos que a busca pela resposta viria de dentro de nós, através de um olhar interno. Olhando para dentro, e depois de dentro para fora, encontraríamos a resposta para que tipo de pessoa queremos ser no MEJ, quais características queremos nutrir e qual mudança queremos realizar. Buscamos por soluções para os problemas lá de fora, aqui dentro de cada um, e chegamos a respostas que permeiam o universo das paixões, vocações, motivações intrínsecas, propósitos. Ambientes apaixonados e ambientes apaixonantes, pessoas apaixonadas e pessoas apaixonantes. A noção de olhar para dentro, na busca sincera para a felicidade, onde as dificuldades e os desafios residem dentro de cada um. A noção 84 -

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de um grito de alerta à necessidade de um jogo interior voltado ao conviver, para nutrirmos a virtude de fazer o que é o certo, dando um senso de propósito para o nosso aprendizado. Practical wisdom é a sabedoria que vai além do conhecimento e dá esse senso de propósito, formando pessoas boas, e não só pessoas inteligentes. Por uma sociedade que nutre valores e por uma sociedade mais empática. São características, capacidades e habilidades, mas também são consciências, noções de responsabilidade e entendimentos. São muitas as coisas importantes, e com certeza não saturamos as respostas, mas podemos perceber que o indivíduo que queremos formar vai além do que superficialmente se entende por “desenvolvimento profissional”. A capacidade de realizar, a capacidade de dizer não, de seguir suas convicções mas também de questionar suas convicções, o caráter, a coragem, o empreendedorismo, a consciência coletiva, a autoreflexão, a busca por amor e propósito, a integridade, a construção de um conceito próprio de sucesso, o sentimento de união. Se é isso, e muito mais, que é importante, se é para esse caminho que queremos trilhar o nosso próprio desenvolvimento e se é mais ou menos por aí que entendemos o que seria um “empreendedor capaz de transformar o país”, qual é o entendimento necessário para que caminhemos nessa direção, como Movimento? QUAL É O NOSSO NEGÓCIO?

Talvez o primeiro entendimento que julgamos necessário para que um novo MEJ floresça seja o entendimento de seu propósito. Quando falamos em desenvolver em nós mesmos e em nutrir no Movimento características como as expostas acima e trazidas como reflexão ao longo do livro inteiro, fica claro que todas elas são consciências e habilidades humanas que a consultoria não garante. O que é necessário para desenvolver um bom consultor não é o que é necessário para desenvolver um ser humano transformador. A consultoria não basta. Ela é parte constituinte de um todo maior que ela. O nosso negócio diz respeito ao desenvolvimento de pessoas – daquele tipo de pessoa que discutimos até agora. A consultoria entra como um meio, como uma das formas escolhida por nós para que esse desenvolvimento aconteça. A vivência prática empresarial por meio da consultoria nos propicia conhecimentos e habilidades importantes, mas nunca é, sozinha, responsável pela formação do perfil Empresário Júnior desejado. TODOS SUBIMOS A MESMA MONTANHA

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As características que consideramos importantes até aqui poderiam ser desenvolvidas de várias formas. Quem já praticou algum esporte sabe dos desafios que ele proporciona, e do desenvolvimento que ocorre para quem o encara de forma séria. Um jogador de basquete enfrenta ao longo do percurso uma série de dilemas que vão além da técnica do esporte, das habilidades de drible e arremesso, do conhecimento das regras. Lidar com o impulso ao estrelismo, trabalhar a cooperação e a confiança nos colegas de time, entender o significado da competição e lidar com a rivalidade, superar a falta de autoconfiança, aprender a se concentrar e a jogar relaxado, lidar com situações de pressão, aprender a persistir, a trabalhar nas suas fraquezas, a lidar com a frustração e com a culpa, ou então a lidar com o sucesso. Tudo isso em nível individual, sem ao menos considerar a cultura de time criada. Um time disciplinado, um time que busca a excelência em tudo, um time que se preocupa uns com os outros, um time de jogadores que amem o time, um time que se respeita e se ajuda, um time que coloca o time acima das individualidades. Tudo isso ao passo que se trabalha para desenvolver qualidade técnica, para tomar as melhores decisões em quadra, para aperfeiçoar a movimentação na marcação, o aprimoramento das jogadas de ataque, o recrutamento de bons jogadores e, enfim, se trabalha para ganhar os jogos e ganhar os campeonatos. A consultoria é, para nós, o que o basquete é para os jogadores. Ser bom na consultoria é ter a técnica de arremesso, o conhecimento das regras, a habilidade do drible. O que isso diz sobre o ser humano por trás do consul“The problem with the tor? A consultoria é o jogo que American business people escolhemos jogar, e temos que jois that they want to be gar bem. Ao contrário do time de managers, not teachers” basquete, que provavelmente tem (The Toyota Way) como objetivo principal ganhar os campeonatos e o desenvolvimento humano é um meio para levar troféus para casa, no Movimento Júnior o desenvolvimento humano não é um meio para que consigamos prestar uma boa consultoria. Aqui, o desenvolvimento humano é o objetivo. Aqui, é a consultoria que é um dos meios escolhidos para que possamos desenvolver “nossos jogadores”. O Movimento Júnior é gigantesco e diversas áreas estão aqui representadas. Precisamos ser os melhores possíveis em física, em administração, em webdesign, em nutrição, em engenharia de produção, seja lá 86 -

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qual for a área da Empresa Júnior. Por trás do físico, do administrador, do webdesigner, do nutricionista, do engenheiro, porém, deve existir um ser humano, um ser humano que represente a mudança que o MEJ quer ser. As ferramentas que cada um possui para transformar mudam. A técnica muda, os conhecimentos mudam, as habilidades mudam. As ferramentas que cada um trouxe na mochila para escalar a montanha diferem um pouco, mas a montanha é a mesma: as consciências, os propósitos, os entendimentos, os valores do Empresário Júnior não se limitam às suas áreas, e esse perfil é o perfil transformador. QUÃO BOA É SUA EJ?

A partir do entendimento a respeito do propósito do MEJ vem o entendimento a respeito de como enxergamos “resultado” no Movimento. O que entendemos por “desempenho”? A pergunta que expõe essa questão é: quão boa é a sua EJ? Ninguém melhor do que o Sistema de Medição do Desempenho (SMD) para nos dizer o que é desempenho e como medilo. O SMD, que hoje foi transformado em Programa de Excelência em Gestão (PEG), se propõe a, como o próprio nome diz, mensurar o desempenho das empresas Júnior e rankeá-las de acordo com esse índice. Todo ano é divulgada “a melhor empresa Júnior”. Vamos para o mercado em busca das respostas, e as encontramos nas perspectivas da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ). Como o FNQ é voltado aos propósitos da empresa média, o objetivo é a eficiência em gestão, e “resultado” significa crescimento – financeiro, como perspectiva dominante – onde as pessoas são recursos. Recursos são meios, assim como os jogadores do time de basquete são meios para os troféus. Por isso eles são os indicadores de base, o que, no BSC, se chama de Aprendizado e Crescimento. Aí a linha causal só vai evoluindo, passando por processos internos, resultados de mercado, até desembocarem no fim organizacional, os resultados financeiros. O BSC é, inclusive, uma das ferramentas de maior uso pelas Empresas Juniores – aqueles que ainda não usam, pretendem. Tanto os indicadores derivados das perspectivas do FNQ quanto os indicadores base da metodologia de controle BSC enxergam resultado de uma forma, e o mensuram a partir dessa visão. Resultado, nesses casos sendo algo objetivo, é fácil de mensurar com linhas causais e indicadores, pois market-share, eficiência operacional e resultados financeiros não se discutem. TODOS SUBIMOS A MESMA MONTANHA

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Só que o fato de “mensurarmos desempenho” dessa forma, no MEJ, expõe uma incoerência. Não faz sentido. Por quê? Imaginemos uma situação. Meu pai trabalhou no campo durante grande parte da sua vida. Quando adulto, começou a trabalhar no oficio que tem até hoje: produzindo e vendendo maçãs. O negócio foi crescendo e hoje, fui convidado para entrar na gestão e profissionalizála. Vou assumir a presidência e convido você para vir comigo, para gerenciarmos os próximos passos da empresa, que já consta com diversos funcionários e vem crescendo na região Sul. Como que vamos gerenciar essa empresa para saber se está obtendo, e evoluindo, em termos de resultado? Podemos facilmente nos utilizar de perspectivas como as do BSC e criar indicadores, de acordo com nossa estratégia de crescimento, para saber se estamos indo bem. Podemos pegar indicadores como o número de maçãs colhidas por dia, por semana e por mês; podemos pegar o índice de maçãs boas em relação às maçãs podres, impróprias para a venda; podemos analisar o custo por maçã vendida; podemos mensurar nosso market-share no mercado de vendas de maçãs para atacado e o índice de satisfação dos clientes em relação à qualidade das nossas maçãs. Seria insanidade da nossa parte se mensurássemos a quantidade de bananas colhidas, a quantidade de bananas podres em relação às bananas boas e nosso market-share no mercado de bananas! Afinal, o negócio da nossa empresa é vender maçãs, e não bananas! Se nos propomos a vender mais e melhores maçãs, não faz sentido mensurarmos as bananas! É um exemplo tosco, propositalmente tosco na esperança que vocês se lembrem dele. O que isso tem a ver com o MEJ, e com a incoerência que comentamos? O que acaba acontecendo no Movimento é que nós, apesar de estarmos no negócio de maçãs (desenvolvimento de pessoas), acabamos mensurando as bananas (resultados de gestão e consultoria). Todo nosso aparato gerencial está voltado para o gerenciamento da eficiência de gestão, ao aprimoramento do processo de consultoria. O problema não é gerenciar a eficiência e a consultoria. O problema é não enxergar o que está além dela, e por trás dela, que é o que mais importa. Quando criamos um sistema de gestão, como o BSC, ou o SMD, é como se mapeássemos um determinado território. Temos, agora, um mapa, para poder gerenciar para onde estamos indo. Um mapa com perspectivas, objetivos, indicadores. O problema é que, com o tempo, passamos a olhar tanto para o mapa que acabamos confundindo mapa com território. Confundimos mapa com território a ponto de acharmos que 88 -

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os resultados de gestão e consultoria eram o todo, quando na verdade eram apenas parte constituinte de um objetivo maior e mais complexo. O mapa não representava o território. Nos focamos em aumentar os numerozinhos do BSC, em escalar na hierarquia do SMD, que acabamos esquecendo o nosso próprio desenvolvimento e o desenvolvimento das pessoas que trabalham conosco – ou relegando isso a uma mera consequência. Olhando demais para o indicador, para a meta, para o resultado de gestão, para a satisfação do cliente, para os processos gerenciais, para o funcionamento da empresa, acabamos nos esquecendo de que o objetivo do indicador não é bater a meta associada a ele, que o objetivo da EJ não é ser a melhor colocada no SMD, que ser bom em consultoria e gestão não garante o cumprimento do nosso propósito e que tudo isso está em função de uma ideologia maior, que não vem como mera consequência de gerenciar uma EJ eficiente. A questão é que temos que reentender, a partir da discussão a respeito de qual é o propósito do MEJ, o que significa “resultado” para nós. Se resultado significa desenvolver os membros, “desenvolver empreendedores capazes de transformar o país”, e se vimos que ser bom em consultoria não garante em sua totalidade a formação desse ser humano, estamos trocando as maçãs pelas bananas. O mapa que criamos não representa o território – o que mensuramos e gerenciamos está em desarmonia com o que queremos. Qual é o problema de enxergarmos resultado se restringindo aos aspectos de gestão e consultoria? AS CONSEQUÊNCIAS DE FOCAR NOS RESULTADOS ERRADOS

Foco em resultado, quando entendemos resultado da maneira que aqui estamos propondo como a errada, pode ser desastroso para o desenvolvimento dos membros. Quando gerenciamos nossas EJs cegos ao universo de questões relevantes que não estão mapeadas nos modelos de gestão que atualmente usamos para gerenciálas, invertemos meios com fins e prejudicamos o desenvolvimento dos nossos membros. Para exemplificar, vamos contar uma história a respeito de uma empresa de atendimento terceirizado ao consumidor (acho que a Zappos tem um case muito parecido). Para cada cliente que a contratava com o objetivo de terceirizar seu SAC, a empresa estudava as demandas, os problemas e os objetivos com os atendimentos. A partir disso, criava uma série de scritps, protocolos a serem seguidos que garantiriam TODOS SUBIMOS A MESMA MONTANHA

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o resultado esperado. Se o cliente quisesse cancelar o pedido, ele teria seu pedido cancelado bastando o atendente seguir o script destinado a “cancelamento de pedido”. O processo garantia o resultado, de modo que não dependia tanto da qualificação do atendente. Como “resultado” não era qualificar o atendente, mas sim atender ao cliente de forma que vá ao encontro dos interesses da empresa, o que é lógico e compreensível, podiase dizer que os resultados estavam aparecendo. O processo garantia. Essa empresa, porém, observou que os resultados estavam ficando estagnados, que o processo de atendimento era sempre o mesmo por parte de todas as empresas que trabalhavam nesse setor. Como tentativa, resolveu mudar a lógica dos atendimentos, diminuindo o peso dos scripts e aumentando o poder do atendente. A empresa mantinha scripts que não mais eram obrigados a ser seguidos. Agora, os protocolos eram um apoio para aqueles atendentes que ficassem na dúvida sobre como resolver o problema do cliente. Um auxílio ao aprendizado. Os atendentes agora eram livres para atender, mas alguns prérequisitos se tornaram necessários para que isso tudo funcionasse. A empresa deveria confiar nos seus atendentes, deveria confiar que eles de fato quisessem resolver os problemas dos clientes. A empresa disse que precisava confiar, pois só se dá liberdade a quem se confia. A empresa estabeleceu, em conjunto com seus funcionários, princípios a serem seguidos ao atender o cliente: buscar atender com simpatia, ajudar o cliente a resolver o problema dele, evitar a todo custo o confronto, mesmo quando o cliente estiver alterado ou claramente agindo de forma errada, esse tipo de coisa. O que aconteceu foi que, no início, os resultados foram ruins. Os atendentes eram acostumados a seguir ordens, e não a improvisar. Alguns deles não estavam nem aí para o atendimento, e atendiam de forma ruim, o que ocasionou em insatisfação por grande parte dos clientes. Com o tempo, os funcionários foram aprendendo, outros foram saindo da empresa por não se adaptarem às novas exigências. À medida que uma nova cultura foi se formando, os funcionários foram desenvolvendo capacidades de contornar situações, de improvisar diante de solicitações inesperadas, de manter a calma diante de um cliente nervoso. Com o tempo, o atendimento foi se personalizando, alguns atendentes contavam piadinhas, outros eram extremamente objetivos e diretos, outros conversavam sobre qualquer coisa com os clientes, sempre sentindo a melhor resposta do cliente, e assim a satisfação com o atendimento foi aumentando e hoje é mais elevada do que era anteriormente. 90 -

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Mas esse nem é o ponto. O ponto é que o “resultado” pode ser alcançado de várias formas. No primeiro caso, o resultado era garantido por meio do cumprimento dos processos, e não de uma mudança de comportamento. O resultado exis“Educação é o que resta tia, o desenvolvimento não. Após depois de ter esquecido a reformulação da empresa, o retudo que se aprendeu sultado passou a existir a partir de na escola” uma mudança de comportamento, (Einstein) de cultura, da empresa e dos funcionários. O aprendizado não foi contextual, mas individual, pois gerou mudança no indivíduo. Aquele atendente vai se portar ao telefone de forma diferente em qualquer âmbito, a partir de agora, pois ele se transformou no processo (mesmo que no exemplo dado, em uma questão banal como atender ao telefone e as características associadas a isso). Lembro que na PS Júnior algo semelhante aconteceu. Existia um contraste entre resultado e desenvolvimento de membros. A PS estava presente no ranking top 20 do SMD, com resultados de gestão crescente todos os anos. A satisfação dos clientes estava em ascensão, o número de projetos era maior que nossa capacidade de realizálos, nossos investimentos em capacitação eram os maiores. Tínhamos uma estrutura “exemplar” que garantia esses resultados.. Tínhamos um histórico de planos de marketing realizados, o que dava uma base forte para os planos de marketing que viessem a ser executados no futuro – da mesma forma para a maioria dos nossos outros produtos do portfólio. Tínhamos processos que garantiam o alinhamento com o cliente, que incluíam pósvenda, pósnãovenda e pósvenda 2. Tínhamos processos de gerenciamento financeiro, planos de ação voltados a bater as metas dos indicadores e das perspectivas do BSC, que gerenciava o planejamento estratégico. Tínhamos sistemas que garantiam o feedback entre as equipes periodicamente, e também entre as equipes e entre os cargos. Tínhamos tudo isso, e mesmo assim observávamos alguns comportamentos indesejáveis. Observávamos falta de interesse dos membros por assumir os cargos de direção. Observávamos a conformidade com que se faziam os projetos – uma vez que o modo como era feito já garantia uma satisfação alta – que gerou conformismo na busca por conhecimento e na capacidade de inovação. Observávamos conflitos entre membros e descasos com a empresa. Observávamos a necessidade de dar avisos e TODOS SUBIMOS A MESMA MONTANHA

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cobrar membros por questões de puro bom senso, como chegar no horário na sala da PS, como usar a vestimenta adequada em reuniões, como tirar o lixo da sala da empresa, algo que, por não existir um processo e um encarregado para isso, ninguém assumia a responsabilidade. Alguns membros estavam dependendo de processos, de imposições, de controle, viciados a uma estrutura processualizada que garantia “resultados” mas não desenvolvia o comportamento por trás deles. Por isso, não queríamos simplesmente obrigar alguém a tirar o lixo, pois isso não geraria uma mudança de comportamento. Isso seria uma capacitação ilusória, o equivalente a ensinar a executar os scripts. O que estava por trás era a desresponsabilização, e isso não seria solucionado com imposição (legislações, coerções, controle). Ou então poderíamos criar turnos e obrigações, talvez um sistema de cartão ponto que obrigasse os membros a estarem às 14h na sede da empresa. Até poderíamos, e o “resultado” seria obtido, mas a transformação não ocorreria, pois acreditamos que no desenvolvimento de pessoas não são os fins que justificam os meios, mas sim os meios que justificam os fins. É o comportamento, a consciência por trás da ação e do resultado que justifica o resultado. Nesse contraste pudemos perceber que algumas lógicas estavam sendo invertidas, pois tínhamos uma empresa teoricamente muito boa ao passo que também tínhamos questões comportamentais e culturais dos membros muito ruins. DESENVOLVENDO A CULTURA DO MOVIMENTO

Descobrimos que gerenciar uma EJ em que o foco é o desenvolvimento dos membros é muito mais do que gerenciar uma EJ prestando atenção em sua eficácia de gestão e prestação de consultoria. Descobrimos que gerenciar uma EJ em que o foco é o desenvolvimento dos membros é gerenciar uma EJ em que o foco é cultura. Cultura são características, crenças, valores e consciências compartilhados, que geram padrões de comportamento. Cultura é aquilo que a consultoria não alcança, é aquilo que o BSC não mensura, é aquilo que não aparece nos resultados do SMD. Quando nos referimos aos japoneses como metódicos, aos brasileiros como malandros, aos britânicos como pontuais, aos políticos como corruptos, essas são todas características culturais. Características culturais são características nutridas pelo contexto, que moldam o indivíduo. Ca92 -

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racterísticas culturais são características dos indivíduos, que moldam o contexto. Essas duas forças vão se sinergizando e criam um ambiente que valoriza e nutre determinadas crenças, consciências, características e valores, como consequência promovendo determinados comportamentos. Isso cria uma identidade nas pessoas que pertencem àquele grupo. Geralmente, grandes feitos são alcançados por um conjunto de pessoas que possuem uma cultura extremamente forte, e isso vai desde o time da seleção de vôlei masculino liderado pelo Bernardinho, passando pelas enormes conquistas do Nazismo, pela excelência do BOPE e pela competência em resultados da AmBev. Cada um deles possui entendimentos e consciências compartilhadas, valores e crenças que são nutridos e incentivados, de modo a atingirem padrões de comportamento desejados. Não é qualquer um que se encaixa nas qualificações de um policial do Batalhão de Operações Policiais Especiais, ou se adapta ao estilo de trabalho da AmBev. Só que não queremos ser como o pessoal do BOPE, tampouco ter uma cultura igual à da AmBev. No MEJ, e esse é um cuidado que devemos ter, o nosso entendimento de cultura é diferente do que uma empresa como a AmBev entende por cultura. A cultura da AmBev tem um fim, de maximizar os resultados da empresa, e a cultura que ela criou nutre os comportamentos esperados por eles para que esse fim seja atingido. Uma cultura de eficiência, de trabalho intenso, de foco nas metas das empresas. A cultura, para a AmBev, tem um objetivo que está fora dela. É como o time de basquete, que nutre uma cultura para ganhar os torneios, ou a empresa de SAC terceirizado, que nutre uma cultura de improviso, liberdade e confiança, para melhorar o atendimento ao consumidor. Mas no MEJ a lógica é diferente. Aqui o objetivo da cultura é a própria cultura. Aqui, a cultura é um fim em si mesma. Ela não é desenvolvida em prol de algum resultado – ela é o resultado. Se não queremos a cultura do BOPE, ou da AmBev, qual cultura queremos? No fundo, começamos querendo uma cultura de pessoas que se responsabilizassem pelas coisas. Não gostaríamos de ficar avisando sobre a vestimenta, sobre o lixo a ser tirado, sobre a data do relatório a ser entregue. Não gostaríamos de pessoas que precisam de imposições para fazer as coisas, que precisam ser fiscalizadas por falta de bom senso. Queremos nutrir um ambiente de pessoas autônomas. Isso seria resultado. Mas não só isso, gostaríamos de membros que se automotivassem, que não dependessem de incentivos para se desenvolverem. Não TODOS SUBIMOS A MESMA MONTANHA

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queríamos colocar metas de leitura, metas de horas em curso ou coisas assim, pois isso não garantiria nada. Gostaríamos de criar uma consciência em relação à necessidade de capacitação que gerasse um comportamento de busca pelo conhecimento. Gostaríamos de criar um ambiente apaixonante, para não precisarmos controlar se as pessoas chegariam no horário à empresa ou fariam o seu trabalho no prazo estipulado. Gostaríamos de um ambiente que promovesse o autodesenvolvimento, um ambiente de pessoas que se questionassem, que se ajudassem, que se preocupassem umas com as outras, porque sem isso de nada adiantariam os feedbacks 360º. Ao mesmo tempo, um ambiente de conflito: conflito de ideias, em prol de inovações, originalidade, discussões, possibilidades, planos, projetos. Intensidade. Gostaríamos também de dar um senso de propósito para a experiência de empresa Júnior, com membros que refletissem sobre o porquê dos aprendizados que recebem, sobre as responsabilidades que têm como ser humano, sobre a necessidade de desenvolvermos nosso caráter para buscar sermos não só pessoas inteligentes, mas pessoas sábias. Só que nada disso está no BSC ou no SMD, pois nada disso é consequência natural de uma boa consultoria prestada. Se nos preocupamos mesmo com desenvolver empreendedores capazes de transformar o país, se nos preocupamos mesmo com desenvolver um novo indivíduo no MEJ, com as características, consciências e valores comentados ao longo do livro, o modo como encaramos nossas empresas juniores deve ser alterado. O que importa, no final das contas? Existe um discurso do Robert Kennedy em que ele fala sobre o fracasso do PIB como indicador de sucesso de uma nação. Parafraseando Kennedy, adaptamos o discurso à realidade do Movimento. “Nossos números do Sistema de Medição de Desempenho nos apontam como uma das 20 melhores empresas juniores do Brasil. Mas nesses números estão embutidos métodos feitos para reconhecer os egos de que somos melhores nesse mês do que os outros e ferramentas que nos injetam disciplina forçada ao invés de trazerem mudanças de hábitos. Eles incluem os processos que mais burocratizam e afastam a diretoria dos membros do que tornam a gestão coesa. Incluem planos de ação para criar métricas mais precisas de avaliação de pessoas, 94 -

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quando são nossos próprios interesses de sermos promovidos que geram essas distorções que tentamos consertar. Inclui o nosso esforço para nos vender, o que muitas vezes consome a energia necessária para sermos cada vez melhores. Entretanto, o SMD não garante a união da nossa empresa, o caráter das nossas lideranças ou a qualidade das nossas decisões. Não inclui a força da nossa cooperação entre EJs ou a nossa vontade de transformar o mundo, a sinceridade das amizades entre nós formadas ou a profundidade do nosso autoconhecimento. Ele não mensura nosso talento ou nossa coragem, nossa sabedoria ou nosso aprendizado, nossa compaixão ou nossa devoção ao nosso país. Ele tem a ver com tudo, em suma, exceto com aquilo que faz com que a vida valha a pena. E ele pode nos dizer tudo sobre o MEJ, exceto o motivo pelo qual temos orgulho de ser empresários juniores.”

Quando conseguirmos olhar para as coisas que realmente interessam – e propomos que a melhor forma de fazer isso é olhando para dentro de si – e voltarmos o nosso desenvolvimento e o gerenciamento das nossas EJs para buscar nutrir essas características, estaremos começando a desenvolver uma cultura no Movimento Empresa Júnior. Uma cultura de transformação. Uma cultura que nasce de dentro, que vem de nós. Uma cultura que nos define e nos une, uma cultura de consciências, características, valores e crenças transformadoras em comum. O processo é coletivo, mas é individual. É individual porque a única forma de buscarmos resultados coletivos é trabalharmos nós mesmos, iniciarmos um processo interior de se desenvolver nas características que queremos nutrir. É coletivo, pois se todos entrarem nesse processo o Movimento se transformará. Difícil imaginar como seria o MEJ se adotássemos essa nova consciência, mas talvez consigamos imaginar algumas possibilidades. Vamos pensar sobre como são as EJs, as federações, os eventos, os projetos da Brasil Júnior hoje. Nossas empresas juniores acabam sendo todas parecidas, federações são todas parecidas e os eventos são todos parecidos. EJs com as mesmas estruturas, com os mesmos indicadores, com as mesmas mentalidades, iguais entre si e buscando ser iguais ao mercado. O que de diferente está acontecendo nas EJs? Quais são as coisas relevantes e diferentes que estamos testando nesse laboratório que são as empresas juniores? Quais são os pensamentos inovadores que esTODOS SUBIMOS A MESMA MONTANHA

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tão surgindo, as inquietudes, as ideias, os projetos originais? Pouca coisa. Um pouco disso gostaríamos de ter ouvido no MEJx, o momento para o empresário Júnior expor sua opinião. O que se vê é o que sempre se viu, raríssimas as exceções. Ricardo Semler já defendia que o sistema de gestão atual das empresas está falido, que tratamos funcionários como crianças que não podem ser confiados e não conseguem tomar decisões, com hierarquias e sistemas de controle herdados de uma cultura militar. Ele foi lá e mudou, tentou de uma forma diferente e se tornou um dos empresários brasileiros de maior reconhecimento no exterior. Ele foi lá e tentou. Ao contrário, parece que as nossas EJs continuam crescendo, em número e em tamanho. Mas continuam todas lá, iguais. Entra ano, sai ano, os assuntos nas rodas de discussão do MEJ são sempre os mesmos. Os eventos do MEJ acabam sendo muito parecidos também, até por determinações e necessidade de aprovações das ideias por parte da Brasil Júnior, que determinam uma série de coisas e tolhem um pouco a liberdade de criação (história do SAC). Sim, isso tem o lado bom, pois previne que o principal produto da Confederação seja um fracasso – garante o “resultado”. Mas garante mediocridade, limitando o potencial de um evento para os congressistas e para os organizadores. O que acaba acontecendo é que os eventos são muito parecidos, mudando um pouco a temática, o lugar em que é realizado e o tamanho. O modelo de evento é sempre o mesmo, as mesmas premiações, até os mesmos cases, nas mesmas categorias, no mesmo formato. A impressão que dá é que, se as coisas continuarem assim, e voltarmos em 2040 para ir a um evento do MEJ, ele vai estar muito parecido com o que é hoje, só que maior. O ponto com isso é mostrar o quão perene é o Movimento, em contraste ao “Movimento empreendedor”, forma como muitas vezes nos autojulgamos, e em contraste a como ele poderia ser! É claro que, mesmo muito parecidas em vários aspectos, existem diversas EJs que realizam coisas inovadoras, diversos empresários juniores brilhantes no Movimento, diversas federações que fazem um excelente trabalho e diversos eventos do MEJ que, com a ajuda da BJ (que não é pequena), são relevantes e impactantes. Claro que sim! A crítica não é para falarmos mal do hoje, mas é para contrastarmos com um possível amanhã. Podemos muito mais! Poderia ser um ambiente diferente, cheio de pensamentos novos, questionamentos, tentativas, reflexões. Uma EJ de administração, talvez, que não possua hierarquia, uma EJ de física que realize pesquisa apli96 -

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cada e se destaque no campo do desenvolvimento científico, uma EJ de engenharia de produção sem processos ou indicadores, uma EJ que diversifique a consultoria e invista com participação acionária e auxilie na gestão de empresas com propósitos inspiradores. Uma EJ que é também uma “incubadora de sonhos”, auxiliando alunos da universidade, ou até membros, ou pessoas de fora, a planejarem e a executarem seus projetos. Eventos do MEJ menos preocupados em “ser o maior”, mas sim em trazer mensagens que auxiliem na evolução do Movimento, para que o evento seja mais um meio pelo qual nos desenvolvemos e nos unimos. Mensagens pensadas, na tentativa de elevar o patamar do Movimento, de propor alguma discussão, de trazer algum conhecimento. Alguns, talvez, sem palestra alguma, sem programação científica alguma, voltados a, colaborativamente, realizar alguma coisa, protestar contra algo, exigir alguma coisa. Federações mobilizando EJs de seu Estado para a realização de projetos grandiosos em conjunto. Por que não organizar um TEDx Júnior, na tentativa de transbordar nossas reflexões de Movimento para a sociedade, por exemplo? Ou então escolher algum projeto de valor, algum empreendedor com alguma ideia que julgamos ser nobre e merecedora de ajuda, para fazer um trabalho conjunto para ver essa ideia acontecer. Ou parcerias entre as federações e escolas, onde os empresários juniores gerenciam grupos de empreendedorismo infantil e jovem. Enfim, essas não são sugestões. São ideias, hipóteses de coisas que poderiam acontecer em um futuro potencial do Movimento Empresa Júnior. Muitas dessas ideias talvez nem sejam boas, outras impossíveis de serem realizadas por questões legais (pelo menos por enquanto), e quase todas mais fáceis de falar do que de fazer. A mudança do Movimento não reside nisso, de qualquer forma. O fazer vem depois do ser. A questão não é se projetos conjuntos serão realizados, se empresas juniores sem hierarquias existirão, se eventos do MEJ sem palestra alguma e totalmente voltados à realização de algum projeto de três ou quatro dias de fato acontecerão. Mais importante que isso é o que deve estar por trás disso, caso essas coisas aconteçam. A ação é o transbordo de quem somos, de o que queremos, dos sonhos que estamos buscando. O que está por trás delas, a vibração, os valores compartilhados, a energia, a vontade de ser melhor e diferente, a originalidade que vem de dentro, e não do mercado. Isso, no fundo, é o que interessa. Essa, no fundo, é a transformação. Esse é o aspecto não visível, não mensurável. Só que é isso que importa. É a cultura que permeia quem somos e o que fazemos. TODOS SUBIMOS A MESMA MONTANHA

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É nutrindo a vontade de fazer o que é certo que desenvolvemos o caráter e a consciência coletiva. É nutrindo a originalidade, dando espaço para o pensamento próprio – nas EJs, nos eventos, abrindo discussões sobre as coisas relevantes do nosso país – que desenvolvemos a reflexão e a essência do Movimento. É nutrindo a realização, a tentativa e erro, dando liberdade para a ação e a tentativa individuais, com base nas intenções e valores corretos, que vamos desenvolver empreendedores. É nutrindo a preocupação com o desenvolvimento do colega ao lado que vamos desenvolver pessoas mais empáticas. É nutrindo sonhos e buscando projetos que deles se derivem que desenvolvemos ambientes apaixonantes e pessoas apaixonadas. É nutrindo a reflexão e o senso de propósito que desenvolvemos significado nas nossas empresas juniores. É nutrindo a liberdade e a confiança que desenvolveremos pessoas que as mereçam. É nutrindo o indivíduo que desenvolvemos as nossas potencialidades. Dessa forma, quando isso começar a acontecer, talvez comecemos a caminhar em direção àquele cenário projetado, utópico, do primeiro capítulo. Talvez nesse dia fôssemos os exemplos, talvez nesse dia o mercado e as empresas passassem a olhar para nós como um case a ser imitado. Talvez a mídia cobrisse nossos eventos. Documentários, filmes e livros fossem escritos. Talvez não mais saíssemos nos jornais como um mero formador de bons profissionais às demandas do mercado, pois talvez desenvolvêssemos uma cultura de características fortes, que vêm de dentro, que marca quem é o empresário Júnior. Uma identidade de consciências, entendimentos, crenças, características e valores compartilhados. Cultura que nos une, cultura que nos define, cultura que nos transforma. Uma cultura onde o “Júnior” é admirado, onde o “Júnior” é nutrido, estampado em nossas camisetas como diferencial, pois o “Júnior”, nesse momento, vai representar todas aquelas consciências, aqueles entendimentos, aqueles valores e características que compartilhamos, em prol da transformação. Uma cultura que não mais permitisse que nos rotulassem de um Movimento de consultoria, ou pior, “da consultoriazinha, igual uma empresa normal, só que gerida por graduandos e mais barata”. Nesse dia o Movimento Empresa Júnior será gigante pela própria natureza.

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AS PÍLULAS ESTÃO EM NOSSAS MÃOS

Talvez esse dia chegue, talvez não. Os resultados são visíveis no coletivo, mas o processo que os gera é individual. Não existe outra forma de chegarmos lá, a não ser cada um decidir por começar a trilhar esse caminho. Um caminho que exige novos entendimentos, que exige um processo reflexivo em relação a quem é o Movimento Empresa Júnior, a onde queremos chegar, a qual transformação gostaríamos de realizar e a qual é o nosso papel dentro disso. Na busca por essa essência, pelo nosso próprio caminhar, as respostas encontradas estão dentro do nosso universo individual. As características e valores que precisamos nutrir, o perfil de jogador que precisamos formar foi discutido ao longo do livro. Não tem como sabermos qual é a resposta, pois essa é um organismo vivo. Conforme vamos vivendo, vamos alterando nossas prioridades, nossos sensos de importância, nossa percepção sobre as coisas. Mais importante que delimitar as características de um modelo de empresário Júnior utópico a ser alcançado, é iniciarmos um processo de autodesenvolvimento. As características que precisamos desenvolver em nós mesmos e nos nossos colegas de Movimento se quisermos levar a sério o nosso propósito, que é desenvolver empreendedores capazes de transformar o país, vão muito além do que se entende por “desenvolvimento profissional”. Por irem muito além, elas exigem um novo entendimento a respeito do Movimento Empresa Júnior, do nosso propósito, do que é resultado para nós e do próprio papel da consultoria em nossas empresas, para não nos bitolarmos ao confundirmos o território com os mapas, que nem ao menos representam o território. Desenvolver pessoas é nutrir uma cultura exemplar, mas não exemplar para os outros, exemplar para nós mesmos. No filme Matrix, Morpheus se encontra com Neo para lhe explicar que o mundo no qual vive não é o mundo real e verdadeiro. Os humanos são meros escravos de um poderoso sistema de computadores que controla a mente humana. Morpheus (referência ao Deus dos Sonhos na mitologia grega) dá a possibilidade a Neo de escolher entre tomar a pílula azul ou a pílula vermelha. Tomando a pílula azul, Neo voltará a sua ilusória e superficial vida; se optar pela vermelha, conhecerá a verdade que está por detrás do mundo que a ele é apresentado. As pílulas representam, em metáfora à condição humana, o homem que se resigna de forma dogmática e aceita passivamente o que existe a sua volta, ou o TODOS SUBIMOS A MESMA MONTANHA

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homem que deseja se libertar e enfrentar o desafio que está diante de si. Entre o real e o potencial existe somente uma coisa: uma decisão convicta. Podemos optar pela pílula azul, por continuarmos do jeito que está, mas se assim for, sugerimos que mudemos a missão do Movimento para que ela seja coerente com a realidade. Algo como “desenvolvendo profissionais através da experiência empresarial”. Continuaremos gigantes, mas não pela própria natureza. Ou então podemos optar pela pílula vermelha, optar pela mudança, por percorrer o caminho do real ao potencial e fazermos florescer um novo Movimento Empresa Júnior. A decisão é coletiva, mas é individual. As pílulas estão em nossas mãos.

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palavr as finais Ao longo do livro, trazemos a nossa opinião, citamos outras pessoas, criticamos alguns aspectos, sugerimos mudanças, damos exemplos, e até arriscamos dizer o que é certo e o que é errado. Não queremos julgar, não queremos criticar, nem ser os responsáveis pela transformação. Queremos, como empresários juniores, um Movimento melhor, por uma sociedade melhor, por pessoas mais felizes, e esse é o nosso motivador. Não interessa quem falou, quem pensou, quem fez, quem divulgou, quem embasou, quem concordou. A mensagem está posta, e é ela que importa. Esperamos que essas folhas com pedaços de ideias escritas sejam mais um estímulo e ajudem a “desenvolver empreendedores capazes de transformar o país”. A mensagem está posta, mas não está completa. Não temos a intenção de saturar, de responder a totalidade – isso seria ingenuidade. Ingenuidade e burrice. Ingenuidade porque isso seria impossível e arrogante da nossa parte. Burrice porque não é de respostas que o MEJ precisa, mas de iniciar um diálogo, um debate, um percorrer de um novo caminho, e é isso que queremos. Muito mais do que trazer as respostas, queremos colocar reflexões na pauta, para iniciarmos um debate, iniciarmos uma conversa. A mensagem está posta, e ficaríamos muito felizes se ela continuasse a ser desenvolvida, incorporada e nutrida por cada um dos empresários juniores. Como no livro expomos as nossas ideias e opiniões, pode parecer que falamos com convicção, como se estivéssemos querendo dizer o que é certo e o que é errado, como se estivéssemos querendo ensinar alguma coisa para alguém. Garanto: não é o caso. Se falamos sobre a força, não é porque somos fortes, mas é porque descobrimos a força sendo fracos. Se falamos apontando erros, é porque fomos nós os erros que queremos evitar. Se falamos dando conselhos e sugestões, se falamos de busca por paixões, de propósito, de autodesenvolvimento, de melhorar no jogo interior, é porque falamos isso para quem mais tem que ouvir: nós mesmos. O livro não é um relato de quem chegou lá, e está mapeando o caminho. Ao contrário, o livro é um relato de alguém que está com o facão na mão tentando abrir e descobrir os caminhos a serem trilhados, e no processo erra, sofre, descobre e se descobre, frustra e se frustra. No fundo, falamos para nós mesmos, na tentativa de entendermos melhor esse novo caminho que gostaríamos de percorrer. Só que 101


falamos em voz alta, através desse livro, pois assim esperamos que essas reflexões excedam os nossos próprios limites e ajudem a causar reflexões nas outras pessoas. Assim, juntos, vamos nos ensinando e nos ajudando a trilhar esse novo caminho. Todos juntos, subindo a mesma montanha. A nossa montanha, da nossa forma, em prol dos nossos sonhos e de uma sociedade melhor. Equipe organizadora do ENEJ 2013.

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referências “Charles Watson é educador e palestrante, especializado no Processo Criativo / Problem Solving. Formado em Arte e Literatura pela Bath Academy / Bath University na Inglaterra, leciona na Escola de Artes Visuais do Parque Lage desde 1982. Suas numerosas conversas e entrevistas filmadas com criadores dentro e fora do Brasil deram início a uma extensa pesquisa sobre o processo criativo que hoje abrange várias disciplinas – ciência, negócios, literatura, música, filosofia e arte – focando nas similaridades encontradas na formulação de conceitos inovadores. Realiza palestras em empresas desde a década de 80, quando foi convidado a expor suas ideias para empresas como CocaCola, Shell, Deloitte Touche Tohmatsu e Arthur Andersen entre outras. Seu curso “O Processo Criativo”, fruto desta pesquisa interdisciplinar ao longo de 25 anos, é recomendado pela University of Arts London desde 2004. Além dessas atividades acadêmicas e educacionais, Charles é um entusiasmado construtor de veleiros.”(http://oprocessocriativo.blogspot.com.br/p/ curriculocharleswatson.html) 1

Uma história sobre educação – história extraída do livro “Practical Wisdom”, de Barry Schwartz. 2

Uma história sobre saúde – história extraída do livro “Practical Wisdom”, de Barry Schwartz. 3

“Sobre política e jardinagem” – Crônica extraída do livro “As melhores crônicas de Rubem Alves”, da editora Papirus. 4

Extraído do livro “The wisdom of psychopaths: what saints, spies, and serial killers can teach us about success”, de Kevin Dutton. 5

http://www.guardian.co.uk/books/2012/oct/07/wisdomofpsychopathskevinduttonreview 6

Caso extraído da edição 2263 da Revista Veja, em reportagem intitulada “O cruel teorema da saúde: O PMDB e o PT estão em guerra pelo comando dos hospitais federais no Rio de Janeiro. Para melhorar a vida 7

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dos pacientes? Não. Para fazer dinheiro à custa dos doentes. Peemedebistas querem arrecadar 4 milhões de reais por ano. Um assessor do ministro recebeu propina de 200 mil reais”, de Daniel Pereira e Hugo Marques. “Mindlessness is not the same thing as ignorance. It’s an inactive state of mind that is characterized by reliance on distinctions drawn in the past. When people are mindless, they are trapped in a rigid perspective, insensitive to the ways in which meaning changes depending on subtle changes in context. The past dominates, and they behave much like automatons without knowing it, where rules and routines govern rather than guide what they do. Essentially, they freeze their understanding and become oblivious to subtle changes that would have led them to act differently, if only they were aware of the changes. People also become mindless when they hear or read something and accept it without questioning it.” (The Encyclopedia of Positive Psychology) 8

Extraído do livro “Vícios privados, benefícios públicos?”, de Eduardo Giannetti da Fonseca. 9

“Minha avó era uma pessoa maravilhosa. Ela me ensinou a jogar o jogo chamado “Monopoly” (Monopólio, ou Banco Imobiliário). Ela entendeu que o nome do jogo é ‘adquirir’. Ela acumularia tudo que pudesse e, de repente, ela se tornaria a campeã do jogo. E então ela diria a mesma coisa para mim. Ela me olharia nos olhos e falaria: ‘um dia, você vai aprender a jogar o jogo’. Durante um verão, eu joguei ‘Monopoly’ quase todos os dias, o dia inteiro. Naquele verão, eu aprendi a jogar o jogo. O entendi que a única forma de ganhar e se comprometendo totalmente com a intenção de adquirir. Eu entendi que adquirir dinheiro e patrimônio é a maneira de avançar no jogo. No final daquele verão, eu estava mais impiedoso que a minha avó. Eu estava pronto para burlar as regras, se preciso fosse, para ganhar aquele jogo. Então, na primavera, eu sentei para jogar o jogo contra ela. Eu comprei tudo que ela tinha, eu a vi gastar seu último dólar e sair do jogo com derrota total. Então ela tinha uma coisa a mais para me ensinar. Ela falou: ‘Agora vai tudo de volta para a caixa. Todas essas casas e hotéis, todas as ferrovias e companhias adquiridas... toda essa propriedade, todo esse maravilhoso dinheiro... agora vai tudo de volta para caixa. Nada 10

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disso era realmente seu. Você manteve tudo isso aquecido por um tempo, mas isso já estava ali há muito tempo antes de você sentar aqui para jogar esse jogo, e vai permanecer aqui depois que você se for: jogadores vêm, jogadores vão. Casas e carros, títulos e roupas, até o seu corpo.”. Porque o fato é que tudo que eu consigo, adquiro, consumo e acumulo vai voltar para a caixa e eu vou perder tudo. Então você tem que se perguntar: quando você finalmente conseguir sua última promoção, quando tiver conseguido realizar a última compra, quando tiver comprado a última propriedade, quando tiver acumulado toda riqueza necessária e escalado a montanha do sucesso até o mais alto ponto que você pode escalar, e a emoção desaparecer – e ela vai desaparecer – e então, o que vai ser? Quanto você ainda vai ter que percorrer desse caminho, até você perceber onde ele leva? Claro que você entende que isso nunca vai ter fim, nunca vai ser suficiente. Então você tem que se fazer a pergunta: o que importa?” Tradução não literal, buscou apenas manter a ideia por trás das palavras. (http://www.youtube.com/watch?v=7NzMlbuhFjQ) Trecho extraído do Youtube, no vídeo “Alvin Toffler on Education”, postado por António Barbosa. Vídeo pode ser acessado pelo link http:// www.youtube.com/watch?v=04AhBnLk1s. 11

http://www.epochtimes.com.br/anodecomemoracaodomovimentoempresaJúniornobrasil/ 12

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http://www1.folha.uol.com.br/fsp/empregos/ce0404201004.htm

14

http://brasiljunior.org.br/site/brasiljunior/2

http://www.youtube.com/watch?v=tsPrAnYuFdc ou http://www. youtube.com/watch?v=SnAyr0kWRGE 15

A mensagem faz referência à crônica “A Pipoca”, de Rubem Alves, publicada no livro “As melhores crônicas de Rubem Alves”. 16

O termo é conhecido e usado em diversas fontes. A nossa fonte foi o livro “A Cabeça de Steve Jobs”, de Leander Kahney. 17

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Citação extraída do livro “AutoEngano”, de Eduardo Giannetti da Fonseca. Em partes do livro, o autor aprofunda o aspecto do autoengano que está por trás do campo de distorção da realidade, e a relação disso com liderança e grandes acontecimentos. 18

As informações trazidas a respeito da neurociência da paixão foram extraídas e adaptadas, a partir do nosso entendimento, do livro “The brain that changes itself – stories of personal triumph from the frontiers of brain science”, de Norman Doidge. 19

Os conceitos de autotelismo, motivação intrínseca e extrínseca são amplamente conhecidos. No nosso caso, tivemos acesso a eles, principalmente, através do educador e artista Charles Watson, bem como do livro “Motivação 3.0”, de Daniel Pink. 20

21

http://www.youtube.com/watch?v=Uavp2eGwZv4

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http://www.youtube.com/watch?v=SUdTxXkecr8

http://www.perestroika.com.br/todosnostemosumpoucoderenancalheiros/ 23

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http://www.youtube.com/watch?v=aAug5ZnHw4A

Trecho extraído do vídeo que pode ser acessado através do link: http://www.youtube.com/watch?v=l7AWnfFRc7g. Em tradução livre: “Não há tal coisa como a Alemanha. Não há tal coisa como a França. Estes são ficções, criações nossas. Mas elas permitem que a gente estenda nosso sentimento de pertencimento, para que possamos ter lealdades e identidades. Se o sentimento de empatia passou de laços de sangue entre membros de uma mesma tribo, à empatia por crenças em comum, à empatia com base em identificação nacionalista, será que é realmente um grande exagero imaginar uma maneira que possamos nos sentir conectados e pertencentes a toda raça humana e toda biosfera? É possível estendermos nossa empatia para toda a raça humana, como uma família? E aos nossos semelhantes, como parte de nossa família evolutiva? E à biosfera, como a nossa comunidade comum? Pois, se for realmente 25

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impossível de imaginarmos isso, então não vejo como a gente vai fazer isso.” Tradução não literal, buscou apenas manter a ideia por trás das palavras. “Empatia é a mão invisível. É ela que nos permite estender a nossa sensibilidade aos outros, de modo que possamos dizer que somos de fato uma unidade, pertencentes à mesma família. ‘Empatizar’ é civilizar. Civilizar é ‘empatizar’”. Tradução não literal, buscou apenas manter a ideia por trás das palavras. 26

“Imagine que não há países. Isso não é difícil de fazer. [...] Imagine todas as pessoas, vivendo a vida em paz. Você pode dizer que eu sou um sonhador. Mas eu não sou o único. Eu espero que um dia, você se junte a nós, para que o mundo possa ser um só. [...] Uma única família (a irmandade dos homens). Imagine todas as pessoas, dividindo todo o Planeta.” Tradução não literal, buscou apenas manter a ideia por trás das palavras. 27

“Precisamos repensar a história, a narrativa, humana. Se somos de fato seres empáticos, então a gente precisa trazer à tona essa natureza. Porque se ela não vier à tona, e for reprimida pela nossa criação, pelo nosso sistema educacional, pelo mundo dos negócios, pelo governo, segundos interesses serão desenvolvidos e nutridos: narcisismo, materialismo, violência e agressão. Se pudermos ter um debate global, vamos começar por aqui, que é o que aparentemente vocês estão fazendo: começar a repensar a natureza humana. Trazer à tona nossa ‘sociabilidade empática’ e preparar o terreno para uma civilização empática.” Tradução não literal, buscou apenas manter a ideia por trás das palavras. 28

Somos humanos, e eventualmente interpretamos errado alguns dos conteúdos dos quais a gente referencia. Podemos, também, ter nos esquecido de referenciar algumas das informações contidas no livro, e não verificamos a veracidade de tudo que foi falado e referenciado. Não tivemos nem tempo para isso, visto que a decisão de transformar essas ideias em livros se deu com pouquíssima antecedência ao evento. Por isso, nos perdoem se algo estiver errado. Não foi de propósito!

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Advertese aos curiosos que este livro foi impresso na Grรกfica da UFRGS em julho de 2013, em papel offset 75g/m 2, composto em tipologia Centaur, Maven Pro e Trajan Pro. 108



“Não pergunte o que o mundo precisa. Pergunte o que te faz sentir vivo, porque o que o mundo precisa é de pessoas que se sintam vivas!” (Documentário “Quem se importa”)

Pelo nosso próprio jeito de caminhar

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