O Palíndromo

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O Palíndromo omordnílaP o São Paulo, Junho de 2011

1ª Edição

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LINGUAGEM, TRABALHO E TECNOLOGIA - LTT “O Palíndromo é um marco da imprensa brasileira.” Samuel Wainer “Simples e inteligente” Samuel Titan Jr. “A revista mais importante dos últimos tempos.” Samuel Beckett


01 Editorial

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“Não se aprende, senhor, nas fantasias, sonhando, imaginando ou estudando, senão vendo, tratando e pelejando.” (Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto X, estrofe 153) Catar feijão João Cabral de Melo Neto 1. Catar feijão se limita com escrever: jogam-se os grãos na água do alguidar e as palavras na da folha de papel; e depois joga-se fora o que boiar. Certo, toda palavra boiará no papel, água congelada, por chumbo seu verbo: pois para catar feijão, soprar nele, e jogar fora o leve e oco, palha e eco. 2. Ora, nesse catar feijão, entra um risco: o de entre os grãos pesados entre um grão qualquer, pedra ou indigesto, um grão imastigável, de quebrar dente. Certo não, quanto ao catar palavras: a pedra dá à frase seu grão mais vivo: obstrui a leitura fluviante, flutual, açula a atenção, isca-a com o risco. (Em A educação pela pedra, 1966)

SUMÁRIO Editorial............................ 01 Painel do Leitor................ 03 Especial............................. 04 Sinal Verde......................... 10 Impressões........................ 11 Sinal Verde........................ 12 Na Mira............................. 13 Quadrinhos....................... 17 Capicuas............................. 18

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Copirraire Arthur Victor do Carmo, 2011 Capa e projeto gráfico: Arthur Victor do Carmo Orientação: Prof. Pedro Etec Albert Einstein Rua Nova Granada, 35 - Casa Verde CEP: 02522-050 - São Paulo - SP Telefone: 11 3966-0503 www.cv-einstein.com.br


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Editorial 02

O Palíndromo é uma publicação periodicamente esporádica. Os intervalos entre suas publicações dependem somente do bom humor do seu editor/produtor/faz-tudo (além, é claro, da sua situação financeira). A primeira edição desta tradicional revista traz todo tipo de besteira (Helleborus foetidus - espécie: angiospermas) que se pode imaginar. Vire a página e confira!


03 Painel do Leitor

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Resposta de F. Scott Fitzgerald a um jovem escritor:

“Você tem que vender seu coração, suas reações mais poderosas, e não apenas as pequenas coisas que o tocaram ligeiramente, as pequenas experiências que você poderá contar no jantar. Isso é especialmente verdadeiro quando você começa a escrever, quando não desenvolveu ainda os recursos com que prender os outros no papel, quando nada tem da técnica que leva tempo para aprender. Quando, em suma, você tem apenas emoções para vender. O amador, vendo que o profissional, depois de aprender tudo que podia em matéria de escrever, consegue pegar um assunto trivial, como as reações mais superficiais de três moças comuns, por exemplo, e dar-lhes encanto e graça – o amador pensa que ele ou ela pode fazer o mesmo. Mas o amador só consegue realizar sua habilidade de transferir emoções a outra pessoa através do expediente desesperado e radical de arrancar do coração a trágica história de seu primeiro amor, e expô-la nas páginas para que os outros vejam. Este, de qualquer forma, é o preço da admissão.”

“Alguém disse certa vez: um escritor que consegue olhar um pouco mais profundamente a sua própria alma e a alma dos outros, encontrando ali, graças a seu talento, coisas que ninguém jamais viu ou ousou dizer, aumenta com isso o âmbito da vida humana. Eis por que o escritor jovem, quando chega à encruzilhada do que dizer e do que não dizer, no que se refere a caráter e sentimento, é tentado a se deixar levar pelo já conhecido, admirado e aceito correntemente, pois escuta uma voz sussurrando dentro de si mesmo: ninguém se interessaria por este meu sentimento, este ato sem importância – portanto deve ser apenas peculiar a mim, não deve ser universal, nem interessante, nem mesmo certo. Mas se suas qualidades são poderosas – ou se ele tem sorte, como preferir – outra voz nessa encruzilhada o fará escrever tais coisas aparentemente insólitas e sem importância, e isso, nada mais, é o seu estilo, sua personalidade – eventualmente todo ele como artista. Aquilo que tentou jogar fora, ou que muito frequentemente jogou mesmo fora, vem a ser o toque de graça que o salvaria. Gertrude Stein tentou exprimir pensamento semelhante ao dizer – referindo-se mais à vida que às letras – que lutamos contra as nossas qualidades mais excepcionais até cerca dos 40 anos, quando então descobrimos, tarde demais, que elas compunham o nosso verdadeiro ser. Eram a parte mais íntima de nós mesmos, que devíamos ter nutrido e acalentado.”


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Especial 04

Língua + -agem Linguagem é todo e qualquer sistema de signos que serve como meio de troca de ideias ou sentimentos através de signos convencionados, sonoros, gráficos, gestuais, etc., podendo ser percebida pelos diversos órgãos dos sentidos, o que leva a distinguirem-se várias espécies ou tipos: visual, corporal, gestual, etc. Não se deve confundir os conceitos de linguagem e de língua (apesar de sua etimologia). Enquanto a linguagem diz respeito à capacidade ou faculdade de exercitar a comunicação, latente ou em ação ou exercício, a língua refere-se a um conjunto de palavras e expressões usadas por um povo, por uma nação, munidas de regras próprias (sua gramática). Noutra acepção (anátomo-fisiológica), linguagem é função cerebral que permite a qualquer ser humano adquirir e utilizar uma língua.

Origens A respeito das origens da linguagem humana, alguns estudiosos defendem a tese de que a linguagem desenvolveu-se a partir da comunicação gestual. Posteriormente: alterações no aparelho fonador passaram a poder produzir uma variedade de sons muito maior do que a dos demais primatas.

Funções Emotiva - a mensagem centra-se no "eu" do emissor, é carregada de subjetividade; Apelativa - o emissor atua sobre o receptor, a fim de que este assuma determinado comportamento; Metalinguística - função usada quando a língua explica a própria linguagem; Informativa - informa objetivamente o receptor de uma realidade, ou acontecimento; Fática - pretende conseguir e manter a atenção dos interlocutores; Poética - embeleza, enriquecendo a mensagem com figuras de estilo, palavras belas, expressivas, ritmos agradáveis, etc.

Silogismo Elementos da comunicação Emissor - emite, codifica a mensagem; Receptor - recebe, decodifica a mensagem; Mensagem - conteúdo transmitido pelo emissor; Código - conjunto de signos usado na transmissão e recepção da mensagem; Referente - contexto relacionado a emissor e receptor; Canal - meio pelo qual circula a mensagem.

Um silogismo (do grego antigo, “conexão de idéias”, “raciocínio”) é um termo filosófico com o qual Aristóteles designou a argumentação lógica perfeita, constituída de três proposições declarativas que se conectam de tal modo que a partir das duas primeiras, chamadas premissas, é possível deduzir uma conclusão. Um exemplo clássico de silogismo é o seguinte: Todo homem é mortal. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal.


05 Especial

Etimologia: derivado regressivo de trabalhar; verbo românico tripaliare; do latim tripal/um “instrumento de tortura”.

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Tripaliare (tripalium)

Antônio Houaiss, em seu dicionário, definiu a palavra “trabalho” como: 1. Conjunto de atividades, produtivas ou criativas, que o homem exerce para atingir determinado fim; 2. Atividade profissional regular, remunerada ou assalariada; 3. Exercício efetivo dessa atividade; 4. Local onde é exercida tal atividade; 5. Cuidado ou esmero empregado na feitura de uma obra; 6. Qualquer obra realizada (manual, artística, intelectual, etc.); empreendimento, realização; 7. Qualidade de execução, feitura, lavor; 8. Ação ou modo de executar uma tarefa, de manejar um instrumento; 9. Tarefa a cumprir; serviço; 10. Esforço incomum; luta, lida, faina; 11 . Aquilo que é ou se tornou uma obrigação ou responsabilidade de alguém; dever, encargo; 12. Ação progressiva e contínua exercida por elemento natural, e o efeito dessa ação; 13. Resultado útil do funcionamento de um aparelho, um maquinismo, um sistema, etc.; 14. Fenômeno orgânico que se opera no interior dos tecidos.


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Especial 06

Tekhnología Tecnologia (do grego τεχνη — “técnica, arte, ofício” e λογια — “estudo”) é um termo que envolve o conhecimento técnico e científico e as ferramentas, processos e materiais criados e/ ou utilizados a partir de tal conhecimento. Podemos classificar, dentre outros, a tecnologia de acordo com seus campos de estudo: • Ciências Aplicadas; • Arte e Linguagem; • Tecnologia da Informação; • Tecnologia Militar e Tecnologia de Defesa; • Tecnologia Doméstica ou Residencial; • Engenharia; • Tecnologia da Madeira; • Tecnologia Medicinal; • Tecnologia do Comércio; • Tecnologia Digital; • Tecnologia Educacional.


07 Especial

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LINGUAGEM, TRABALHO E TECNOLOGIA

Para este Especial sobre Linguagem, Trabalho e Tecnologia, O Palíndromo se moveu e foi atrás de diversos professores da disciplina para saber os diferentes pontos de vista sobre esta matéria tão comum e tão importante na formação de um profissional técnico. Consultamos, dentre outros, o professor da Casa (Etec Albert Einstein), Carlos Verdasca, a professora Maria Cristina, da Etec Carapicuiba e o professor Genildo Guedes, da Etec Carlos de Campos.

O Palíndromo - Dentro da grade curricular dos cursos técnicos qual é a real função da disciplina de LTT? Professor Carlos Verdasca - Enxergo como principal função da disciplina fazer uma breve revisão da língua portuguesa, sanando assim possíveis deficiências na linguagem do aluno para que ele venha a se tornar um profissional mais completo. PA - Sabemos que a disciplina é comum em cursos técnicos distintos, na sua opinião, é diferente lecionar a matéria para os alu​nos de C ​ omunicação Visual? Prof. CV - Se eu dissesse que não estaria mentindo, isso porque os alunos de comunicação visual estão mais voltados para o meio “artístico” do que as outras áreas (informática, administração, mecatrônica, etc.), assim dá para explorar mais os tipos de linguagem, a linguagem não-verbal, dá para ir além.


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Especial 08

LINGUAGEM, TRABALHO E TECNOLOGIA

PA - O Professor Carlos Verdasca nos disse que a disciplina de LTT é uma revisão geral da língua portuguesa, você concorda com essa colocação? Se concorda, qual é a príncipal dificuldade do aluno que pretende se tornar um técnico? Professora Maria Cristina - Concordo inteiramente, muitas vezes acaba para nós, professores, nas aulas de LTT, ter que ensinar o que já devia ter sido passado para o aluno lá trás, no ensino fundamental ou médio. A principal dificuldade do aluno, é de analisar um texto por completo, analisando suas camadas, gêneros e veículos. Existem dificuldades também na hora de sintetizar todas as ideias num único elemento textual e na questão gramatical.

PA - É perceptível que os alunos de comunicação visual, até mesmo por conta do curso que escolheram, em geral, são melhores em expressar suas ideias e pensamentos por meio da linguagem nãoverbal, sendo que muitas vezes acabam deixando a escrita de lado. Até que ponto isso pode prejudicar o futuro ptofissional técnico da área? Professor Genildo Guedes - Isso pode prejudicar e muito um profissional da área, pois os meios de linguagem tem que se relacionar, não pode haver distinção entre eles, afinal, um complementa o outro. Assim, um bom profissional, deve não só dominar a parte imagética mas também a parte escrita da linguagem.


09 Especial

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LINGUAGEM, TRABALHO E TECNOLOGIA Função: Implementação das Técnicas de Produção Competências 1. Analisar textos técnicos/comerciais da área de comunicação visual por meio de indicadores linguísticos e de indicadores extralinguísticos. 2. Desenvolver textos técnicos aplicados à área de comunicação visual, de acordo com normas e convenções específicas. 3. Pesquisar e analisar informações da área de vestuário em diversas fontes convencionais e eletrônicas. 4. Definir procedimentos linguísticos que levem à qualidade nas atividades relacionadas com o público consumidor.

Habilidades 1. Utilizar recursos linguísticos de coerência e de coesão, visando atingir objetivos da comunicação comercial relativos à área de comunicação visual. 2.1. Utilizar instrumentos da leitura e da redação técnica, direcionadas à área de comunicação visual 2.2. Identificar e aplicar elementos de coerência e de coesão em artigos e em documentação técnico-administrativa relacionadas à área da comunicação visual. 2.3. Aplicar modelos de correspondência comercial aplicado à área de comunicação visual. 3.1. Selecionar e utilizar fontes de pesquisa convencionais e eletrônicas. 3.2. Aplicar conhecimentos e regras linguísticas na execução de pesquisas específicas, produção textual e relatórios técnicos da área de comunicação visual. 4.1. Comunicar-se com diferentes públicos. 4.2. Utilizar critérios que possibilitem o exercício da criatividade e constante atualização da área. 4.3. Utilizar a língua portuguesa como linguagem geradora de significações, que permita produzir textos a partir de diferentes idéias, relações e necessidades profissionais.

Bases Tecnológicas 1. Estudos de textos técnicos/comerciais aplicados à área de comunicação visual, através de: • Indicadores linguísticos: - vocabulário; - morfologia; - sintaxe; - semântica; - grafia; - pontuação; - acentuação, etc • Indicadores extralingüísticos: - efeito de sentido e contextos sócioculturais; modelos preestabelecidos de produção de texto 2. Conceitos de coerência e de coesão aplicadas à análise e a produção de textos técnicos específicos da área de comunicação visual: • ofícios; • memorandos; • comunicados; • cartas; • avisos; • declarações; • recibos; • carta-currículo; • curriculum vitae; • relatório técnico; • contrato; • memorial descritivo; • memorial de critérios; • técnicas de redação 3. Parâmetros de níveis de formalidade e de adequação de textos a diversas circunstâncias de comunicação. 4. Princípios de terminologia aplicados à área de comunicação visual: • glossário com nomes e origens dos termos utilizados pela área de comunicação visual. • apresentação de trabalhos de pesquisas; • orientações e normas linguísticas para a elaboração do trabalho para conclusão de curso


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Sinal Verde 10


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“Moça com Livro”, de Almeida Júnior

11 Impressões

No quadro “Moça com Livro”, de Almeida Júnior, notamos a presença em primeiro plano de uma mulher deitada com um livro, apoiando o rosto sobre seu braço. Vemos uma parte da grama na qual ela está deitada e notamos teu vestido muito claro, contrastando com o plano de fundo que é bastante escuro. Tua pele é quase do mesmo tom de seu vestido, muito clara, reforçando o contraste entre claro e escuro. O que nos chama mais atenção no quadro são os olhos - olhos redondos, verdes escuros, muito “vivos”, que estão olhando para o “nada”, estão distantes, pensativos. Ousamos dizer que o grande questionamento que o quadro traz é justamente sobre os olhos desta mulher. Não sabemos onde eles estão pousados. O que esta mulher estaria observando? E por quê? O livro que a teria deixado neste

estado? O livro seria o mote do olhar longínquo da moça? Surge-nos a vontade quase que instantânea de poder olhar para onde ela está olhando; o que pode ser qualquer coisa, ou, até mesmo, pode não ser nada; ela pode estar olhando para seu próprio interior. Perguntamosnos também, qual seria o livro com qual ela está deitada? Qual a real importância deste? Almeida Júnior é um influente pintor brasileiro principalmente por retratar em muitas de suas obras o caipira paulista, posicionando-se como precursor do Realismo no país. Em “Moça com Livro”, o artista demonstra o cotidiano da vida interiorana, aproxima-se da abordagem pictórica naturalista e, apesar do academicismo da obra, distancia-se das fórmulas generalistas da pintura academica, trazendo esta moça para dentro dos livros de história da arte brasileira.


Sinal Verde 12

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O Pai dos Burros - dicionário de lugares-comuns e frases feitas “Clichês, frases feitas, adesão a códigos de expressão e conduta convencionais e padronizados têm a função socialmente Linguagem castiça reconhevida de proteger-nos da realidade, ou seja, Linguagem chula da exigência de atenção do pensamento feita por todos os fatos e acontecimentos em virLinguagem de baixo calão tude de sua mera exigência. Se respondêssemos todo tempo a essa exigênLinguagem escorreita cia. Se respodêssemos todo o tempo a essa exigência, Linguagem rebuscada logo estaríamos exaustos.” O trabalho enobrece o homem Hannah Arendt

Ser escravo do trabalho Trabalho árduo Trabalho insano A mais avançada tecnologia Tecnologia de ponta “Eu gostaria que O pai dos burros, para além da advertência do poeta, fosse uma incitação à reciclagem criativa de expressões que só se gastaram por terem sido, um dia, luminosos lugares-incomuns, a partir daí repetidos até a exaustão semântica.

O Pai dos Burros Humberto Werneck Arquipélago Editorial 208 págs.

P. S. Arthur, este livro é também para quem adora usar lugares-comuns. Vai que o cara está perdendo algum por mera desinformação...” H. W.


13 Na Mira

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Na Mira: Humberto Werneck

Humberto Werneck é um múltiplo. Você deve conhecê-lo como jornalista, afinal, são mais de quarenta anos assinando textos em grandes veículos como Playboy, IstoÉ, Veja, Jornal da Tarde, etc. Não te soou familiar o nome? Então, talvez você o conheça como escritor – “O pai dos burros“, “O desatino da rapaziada“, “Pequenos fantasmas“? Nada? Você já deve ter lido algum livro prefaciado e organizado por ele – “Boa companhia: crônicas” ou “Ivan Angelo: coleção melhores crônicas“? Não ajudou? Deixe-me ver. Quem sabe você o conheça como biógrafo – “Tantas Palavras“, a respeito de Chico Buarque, e “O Santo Sujo“, sobre Jayme Ovalle? Ou, ainda, como participante de dois anos consecutivos da Festa Literária Internacional de Paraty, a famosa FLIP? Se ainda assim você acha que nunca ouviu esse nome, essa entrevista é uma oportunidade de conhecê-lo e, mais do que isso: acompanhá-lo. Atualmente, Werneck publica uma crônica semanal no caderno Metrópole do Estadão. O Palíndromo - A pergunta é clichê, mas precisa ser feita: a convergência de novas mídias e a importância com que a informação se espalha, hoje, na internet, é o primeiro real risco para os impressos (que sobreviveram ao rádio e TV)?

Humberto Werneck - Tenho pouca paciência com os arautos do apocalipse. Essa gente para quem é tudo como numa partida de futebol, em que para entrar um jogador algum outro tem que sair. Para insistir na imagem, não considero a hipótese de expulsão. A menos que a mídia impressa não saiba se adaptar ao novo ambiente. O que provavelmente acontecerá se não se voltar à razão de ser do jornalismo, que é a busca de informação de primeira mão e de primeira ordem. Leia-se: voltar à reportagem, hoje tão negligenciada. Imagino que o jornalismo tenha nascido no dia em que numa comunidade primitiva o pessoal pediu a um camarada para ir verificar que barulho era aquele no outro lado da montanha. O ofício se sofisticou, claro, acrescentou outras preocupações, mas fundamentalmente continua sendo isto: ir ali para ver o que se passa. E não se está indo. O jornalismo impresso estará ameaçado, além disso, a informação bem apurada não for bem tratada, sob a forma de um texto que além de substancioso e rigoroso tenha a capacidade de seduzir. Seduzir não é fazer charme, é estratégia de sobrevivência. Aquela história do sapo: ele salta não é por boniteza, mas por precisão, para não ser comido pela cobra. Já que o leitor é esquivo e volátil, quem quer ser lido tem que seduzir. Simplesmente jogar garrafa ao mar não funciona. Eu não tenho religião, mas tenho padroeira: Sheerazade, aquela moça que salvou o pescoço ao longo de 1.001 noites, não só com a qualidade de suas histórias, mas também com a maneira de contá-las ao sultão, com a magia do seu relato. Se alguém deixa pelo meio a leitura de um texto meu, significa que fui decapitado.


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Na Mira 14

PA - Qual a visão de um profissional que está há 40 anos na área (é isso, Humberto?) tem do atual panorama jornalístico brasileiro? PA - Especula-se muito sobre a imparcialidade do Jornalismo, o que, para muitos, é um mito. É possível fazer jornalismo imparcial? HW - A imparcialidade, assim como a objetividade, é algo que jamais se alcançará, já que tudo de nós vem filtrado pela subjetividade. O mesmo fato acontecido diante dos meus olhos e dos seus será contada de maneira diferente por um e por outro. Mas nem por isso um jornalismo deve desistir de buscar, o tempo todo, a imparcialidade e a objetividade. Quanto mais perto delas chegar, melhor – mais bem servido estará o leitor, o ouvinte ou o telespectador, que nos delegou a tarefa de lhe trazer as novidades. E não custa lembrar que é ele – e não o dono do jornal, nem o anunciante – que paga o salário do jornalista.

HW - Já são 42 anos de jornalismo, pois comecei no emblemático maio de 68. Sem nostalgia, me preocupam duas coisas em especial. Uma é o abandono da reportagem, de que já falei. Deixou de ser obrigação o repórter ir à rua, ao mundo, às pessoas, aos fatos. Por comodismo, preguiça ou alegada falta de meios materiais, muita gente prefere se bastar com a internet, no bem-bom refrigerado da redação. A internet é uma ferramenta maravilhosa, mas apenas isto, ela não pode ser tomada como um Bezerro de Ouro. Já propus dar o próximo Prêmio Esso de Reportagem ao Google… Outra coisa que me inquieta é a crescente partidarização no jornalismo, o uso da mídia para vender como informação o que na verdade é opinião. Por mais nobre que seja a causa, isso não é jornalismo, é propaganda.


15 Na Mira

PA - A internet democratizou a escrita. Hoje, com a facilidade dos blogs, todos podem publicar seus textos. Se por um lado podemos encontrar escritores medíocres que nem revisam ou peneiram seus textos, do outro despontam novos talentos. Qual sua opinião sobre isso? HW - Estamos assistindo a um saudável estouro da boiada. Em princípio, é muito bom que cada um possa escrever e pôr no ar sua palavra. Mas começo a me perguntar: quem lê tanto blog? O possível leitor talvez não esteja lendo, já que está, ele mesmo, escrevendo no seu blog… Falta leitor para tanto escritor. Até por isso, vai chegar um momento, se é que já não chegou, em que toda essa produção terá de passar por uma peneira, por um teste de qualidade – e não é difícil saber que bem pouca coisa vai resistir. Sempre foi assim, muito antes da internet. Drummond disse melhor do que eu, claro: “Passam gênios talvez sob as acácias…”

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PA - Momento Caras: dentre todas as pessoas que você já entrevistou, existe alguma que te surpreendeu com alguma sabedoria? Alguma que, depois da conversa, te fez parar para pensar. HW - Várias. Gilberto Gil, por exemplo. Além de músico excepcional, é um sábio. PA - Ainda na linha dos entrevistados, que não foram poucos, qual te fez passar o pior sufoco? Houve uns tantos. Por exemplo, um pedagogo mundialmente conhecido – não vou citar o nome, porque está morto. Ele ignorou quase todas as minhas perguntas, porque tinha pronta na cabeça uma entrevista, que foi desfiando, com voz mansa, episcopal, durante mais de duas horas, numa demonstração de que a arrogância pode se fingir de doçura. E eu estava numa situação em que não poderia me levantar e ir embora. PA - Ultimamente as pessoas têm discutido sobre uma possível regulamentação da profissão de escritor. O que você acha disso? HW - É falta de assunto. Coisa de burocratas. Se bobear, vem aí um ISPL (imposto sobre a produção literária).


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Na Mira 16

PA - Como nosso site engloba de tudo um pouco, gostaríamos que você listasse os 3 filmes, os 3 discos e os 3 livros que te marcaram profundamente. PA - Embora seu livro de contos não esteja no mercado, você recentemente publicou uma coletânea de crônicas, “O espalhador de passarinhos”. Quais as dicas que você passa pros jovens que gostariam de seguir essa trilha literária? HW - As mesmas dicas que, já burro velho, preciso dar a mim mesmo todos os dias. Algumas delas: aguçar a capacidade de ver o mundo, as pessoas, as pessoas e a vida com os cinco sentidos, e não só com o intelecto. Confiar na intuição. Desconfiar da inspiração e investir sempre na construção. Confiar no taco, mas desconfiar da facilidade diarréica com que as palavras tendem a escorrer de nossos dedos. Deixar que as coisas venham, sem matá-las no ar, mas não economizar no uso da tecla “delete”. Exigir que cada palavra, cada vírgula posta na tela e no papel seja capaz de justificar presença: “Eu estou aqui por isto e por aquilo, porque sou indispensável”. PA - E o que você tem lido, Humberto? HW - Acabo de ler duas ótimas biografias curtas, de Arthur Rimbaud e Marcel Proust, por Edmund White. Pela enésima vez, releio a poesia de Mário Faustino. Aliás, o que mais leio, cada vez mais, é poesia.

“Deixar que as coisas venham, sem matá-las no ar, mas não economizar no uso da tecla ‘delete’.”

HW - Filmes: “Cidadão Kane”; “Amarcord”; “Nós que nos amávamos tanto” Discos: “Ballads” (John Coltrane) ; “Transa” (Caetano Veloso); os “Noturnos” (de Chopin, por Nelson Freire). Mais unzinho? Aquele Gilberto Gil gravado em Londres no começo dos anos 70 Livros: “O encontro marcado” (Fernando Sabino); “O estrangeiro” (Albert Camus); “Claro enigma” (Carlos Drummond de Andrade). PA - É padrão do Artilharia encerrar as entrevistas com o Tiro Certeiro e a Medalha de Honra. Eu explico: o Tiro Certeiro você dá para alguma coisa, subjetiva ou não, que você acha que vai de mal a pior (ex.: fulano de tal, política, educação, editoras etc.), e a Medalha de Honra é a mesma coisa, só que pro lado positivo (algo que merece seus aplausos). HW - Tiro Certeiro: Até para rimar, tiro certeiro em herdeiro que explora mercenariamente a o bra de um artista, interpondo-se entre ela e o público. A mesma bala fará o favor de ricochetear e atingir também os personagens e parentes que dificultam o trabalho dos biógrafos. Medalha de Honra: Medalha de honra para umas empadinhas de galinha que a gente só encontra no eixo Rio-Belo Horizonte.

Material cedido pelo Artilharia Cultural Artilharia Cultural: é um site criado para informar e debater a Arte em seu mais amplo entendimento. Acompanhe o AC pelo @artilhariacult.


17 Quadrinhos

Baseado em fatos reais...

O Palテュndromo

EULLER PEIDテグ


Capicuas 18

O Palíndromo Capicua nº I APRENDIZADO

Fabrício Corsaletti

Aprender a ser sozinho além de toda melancolia não esperar nada das coisas nem de ninguém mas encantar-se com tudo o que é vivo e imprime um rastro fugaz o amor virá depois como um sacramento um produto de séculos de desamor, o homem que sou me angustia e não me deixa ver o dia ah um dia ainda virá? o dia em que serei de fato o dono de tudo o que em mim é nato

Capicua nº II

EU ERA VIRGEM

Eu era Virgem, não sou mais. Resolvi mudar. Cansei da minha virgindade. Não preciso ser virgem só porque nasci em agosto/setembro. Ser virgem é muito sem graça, é chato... Resolvi dar minha virgindade ao primeiro disposto a recebê-la. Um tempo depois, descobri que meu futuro será outro – e não gostei nada de saber do que me aguarda: Gêmeos. Preferiria ter continuado virgem, agi sem pensar. Parece que, ao contrário de certas coisas, signo não se escolhe.

Capicua nº III 76 CARACTERES É dia quente vermelho vermelho-quente inundando tudo é noite é morte.


Budapeste Fui dar em Budapeste graças a um pouso imprevisto, quando voava de Istambul a Frankfurt, com conexão para o Rio. A companhia ofereceu pernoite num hotel do aeroporto, e só de manhã nos informariam que o problema técnico, responsável por aquela escala, fora na verdade uma denuncia anônima de bomba a bordo. No entanto, espiando por alto o telejornal da meia-noite, eu já me intrigara ao reconhecer o avião da companhia alemã parado na pista do aeroporto local. Aumentei o volume, mas a locução era em húngaro, única língua do mundo que, segundo as más línguas, o diabo respeita. Apaguei a tevê, no Rio era sete da noite, boa hora para telefonar para casa; atendeu a secretária eletrônica, não deixei recado, nem faria sentido dizer: oi, querida, sou eu, estou em Budapeste, deu um bode no avião, um beijo.


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