O Projeto de morte

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 6| nº 905 | Novembro | 2012 Apodi - RN

O PROJETO DA MORTE e a resistência das mulheres de Palmares Dona Ivonilda de Souza Oliveira tem 47 anos e uma história de sofrimento. Filha de agricultores, viu,por muita vezes, a precisão de perto. Quando ficou adulta e se casou, pouca coisa ficou diferente. Trabalhando numa associação, se virava para dar conta dos filhos enquanto o marido, seu Francisco Célio, queimava pedra nas caeiras de cal do sítio Soledade, zona rural de Apodi, no Rio Grande do Norte. Vida dura para quem trabalha e nunca vê resultado, mora de aluguel e depende da vontade dos outros. Mas a situação dessa família começou a mudar em 2000, quando foi selecionada como uma das moradoras da Agrovila Palmares, um assentamento da agricultura familiar construído na Chapada do Apodi, conquistado através Dona Ivonilda, seus filhos e seus netos da Força Sindical. Em pouco tempo, a amargura virou esperança e eles começaram uma vida nova. A família cresceu e a preocupação se transformou em oportunidade. Porém, depois de 12 anos, o medo voltou a bater na porta dessa gente. Os interesses do agronegócio falaram mais alto e o próprio governo está prestes a cometer mais uma injustiça com quem sempre foi injustiçado. Essa história começa em 1999, quando a Força Sindical escolheu 31 famílias para ocuparem uma área rural num prazo de 15 anos. Foram 45 dias de capacitação e mais de 90 pessoas disputando as áreas até que o resultado chegou: Ivonilda ficou entre as beneficiárias do projeto que tinha como propósito mudar a situação das pessoas pobres que queriam trabalhar. Cada um dos envolvidos ganhou uma terra com 12 hectares, uma casa com água e energia instaladas, uma televisão e uma bicicleta. Foi um verdadeiro recomeço. De posse da terra, as coisas passaram a melhorar, começando pela rotina de casa. Francisco Célio tinha problema com alcoolismo e, devido a tanto sofrimento, colocava em risco a tranquilidade de casa. Depois do projeto, o homem se renovou. Junto com dona Ivonilda ajeitaram a vida, começaram a produzir e até tiveram um terceiro filho. A área vazia ganhou um plantio e foi povoada por pequenos animais como ovelhas e cabras, depois eles conseguiram umas vaquinhas para o leite dos meninos. A casinha simples foi aumentada, o quintal seco ganhou cores e agora tem muita fruta, verdura e plantas medicinais. Goiaba, coco, manga, hortaliças, seriguela, acerola e outras variedades, nada disso eles compram Dona Maria da Conceição e duas dos seus três filhos na feira, basta abrir a porta da cozinha e colher. Para

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completar, se organizaram com outras oito famílias e montaram um aviário. Agora, além de tudo, ainda têm ovo de galinha caipira para completar a alimentação. A última grande conquista aconteceu faz dois anos. As 31 famílias da Agrovila Palmares receberam o título permanente das terras onde moram. O contrato com a Força Sindical que era de 15 anos foi rasgado e agora eles são verdadeiramente donos dos pequenos lotes. Porém, a alegria durou pouco. Há mais ou menos um ano, dona Ivonilda e seu Francisco trocaram a felicidade pelo medo. A ganância do agronegócio está querendo obrigar as famílias da Agrovila Palmares a abandonarem suas casas em nome de um perímetro Dona Antônia de Noronha, a Branca, e suas filhas irrigado que já nasce de forma errada. O projeto, patrocinado pelo governo federal, é cruel e injusto com pelo menos 600 famílias da Chapada do Apodi. Todo o potencial agrícola da região está prestes a ser entregue a grandes empresas do agronegócio, enquanto as famílias não terão outra alternativa se não se mudarem para a periferia da cidade ou voltarem a ser empregadas de grandes fazendeiros. Os recursos que deveriam ter sido usados para desenvolver o potencial da região a partir da agricultura familiar, serão despejados nas mãos dos que já possuem tudo, enquanto as pessoas mais carentes continuarão na pobreza. Assim como dona Ivonilda, o medo de voltar ao sofrimento está entrando na casa de dona Maria da Conceição, de 44 anos; de dona Antônia de Noronha Freire, de 45 anos, de dona Francisca Helena de Paiva, de 59 anos e de todas as outras pessoas que um dia deixaram de trabalhar para os outros e construíram seus próprios lares. Constantemente, homens do Departamento de Obras Contra as Secas (DNOCS) entram na comunidade espalhando o medo. As mulheres choram e os homens se fecham para não serem expulsos de suas próprias casas. Eles já se uniram e chegaram a trancar o portão da terra com cadeado para impedir que os técnicos fizessem a medição das terras. O Dnocs está oferecendo uma indenização, mas o dinheiro é tão pouco que não dá para comprar nem uma casa na cidade, que dirá outro pedaço de terra. Na esperança de impedir o pior, dona Ivonilda reuniu as mulheres e montou um grupo para se mobilizarem junto a diversas outras entidades e Movimentos Sociais contra essa decisão imposta pelos interesses dos grandes empresários. Até outro projeto para adequar o perímetro irrigado ao contexto atual foi apresentado, mas o governo tem tampado os ouvidos para o povo simples e todo o verde da Agrovila Palmares, as casas, os quintais produtivos e a felicidade das 31 famílias que já vivem ali há 12 anos, está a ponto de dar lugar a monocultura do melão e outras frutas cultivadas debaixo das toneladas de veneno. O governo diz que o projeto será a redenção da Chapada, mas é difícil convencer o povo do Apodi que está vendo suas famílias sendo expulsas de suas próprias casas sem qualquer direito de defesa. Grupo das mulheres de Agrovila Palmares que luta contra o projeto que quer expulsá-las de suas terras

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