O Protocolo UniversitĂĄrio PortuguĂŞs: Coimbra, paradigma e referente
Artur Filipe dos Santos
O Protocolo Universitário paradigma e referente
Português:
Coimbra,
Artur Filipe dos Santos
A Vida de um estudante de Coimbra: Consciência da sua história Atualmente, tanto na Universidade de Coimbra, como nas demais universidades portuguesas, sobretudo aquelas que ainda fazem das práticas tradicionais da vida académica uma realidade, como a Universidade do Porto (universidade fundada a 22 de Março de 1911), Universidade do Minho (fundada a 11 de Agosto de 1973) ou ainda a Universidade de Lisboa (fundada em 1911 mas que, por fusão com a Universidade Técnica, foi refundada em 2013) discute-se a praticidade e as motivações que levam à manutenção, nos tempos que correm, de práticas que para muitos setores da sociedade portuguesa são vistas como “militaristas”, “medievais”, “reacionárias”, “fascistas” (Nunes, 2003). Certo é que todos os anos milhares de estudantes de Coimbra, vestidos de capa e batina reúnem-se para celebrar a vida universitária em manifestações académicas como a Latada (evento que decorre no início do ano-letivo universitário que visa dar a conhecer os novos alunos da academia à cidade de Coimbra), nas serenatas um pouco por todo o ano, culminando no ponto alto das comemorações coimbrãs que é a semana académica da Queima das Fitas, com os rituais ainda muito vivos da Serenata Monumental nas escadas da Sé Velha (construída no séc. XII), a Benção das Pastas, presidida pelo Bispo ou ainda o Cortejo, o Baile de Gala, inúmeros concertos de música erudita, festivais de tunas universitárias, entre outras. A estas práticas que passam muito por rituais de iniciação à vida estudantil, conhecidas como “Praxe”, não é alheio um certo sentimento de desconfiança, muito por culpa de más práticas que, ainda no passado muito recente, se verificavam e que passavam por exemplos graves de violência física e psicológica dos estudantes mais velhos para com os recém-chegados à academia, conhecidos por “caloiros”. Atualmente estas práticas, são, felizmente, muito residuais, tendo-se criado inclusivamente uma moldura penal para este tipo de situações e que
extravasavam o limite da autonomia prevista constitucionalmente de que gozam as universidades portuguesas: “As Universidades, pela Constituição da República, «gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo da adequada avaliação da qualidade do ensino» (Art.º 76, n.º 2).” (Serrano, 2011).
Tendo-se feito um digno esforço em separar praxe da verdadeira tradição plasmada nos ideais de vida universitária em grupo, através da profusão de valores culturais, científicos e de convivência em grupo, grande parte dos estudantes de Coimbra são ainda influenciados pelos estudantes mais velhos ou mesmo aqueles que já não o sendo, vivem, no limiar da saudade os tempos passados nos corredores das Faculdades ou nos serões vividos nas repúblicas. As Repúblicas (palavra de origem latina res publica “coisa pública”) coimbrãs, segundo Teresa Carreiro “tiveram origem no séc. XIV, quando o Rei D. Dinis, mandou edificar umas casas na zona de Almedina para albergar os estudantes da universidade, mediante pagamento” (Carreiro, 2004) guardam ainda hoje as memórias de gerações passadas e congregam as experiências dos estudantes de hoje, em mais de 12 repúblicas que ainda subsistem e espalhadas tanto pela alta e pela baixa. Mas não são apenas aqueles que vivem no seio da instituição fundada em 1290 pelo rei “Lavrador” que ajudam a construir nos atuais estudantes um sentido ou uma consciência da história da universidade que frequentam. Ao longo das gerações muita da tradição e dos rituais que os estudantes foram conhecendo foi-lhes passado, como se de lendas se tratassem, por tradição oral, pelos estudantes mais antigos, mas também, como refere António Manuel Nunes “e antigos estudantes para filhos e de futricas1 para caloiros, num processo onde intervinham barbeiros, alfaiates, taberneiros, engomadeiras, criadas domésticas, funcionários da UC e proprietárias de bordéis” (Nunes, 2003). O estudante atual está ciente no enorme simbolismo que as práticas ritualistas e as tradições ainda hoje vigentes na academia coimbrã e das marcas 1
“Futricas” são aspirantes a estudantes universitários. Alunos dos liceus que almejam um dia chegar à universidade.
que vão deixar ao longo de toda a sua vida episódios que vai vivenciar em conjunto com a sua geração. Muito provavelmente, estas tornar-se-ão pilares na sua atuação em sociedade e mesmo na sua atividade profissional, a partir do final do curso e o legado que irá deixar, quando um dia passar a filhos e netos a torrente de histórias vividas na universidade, muitas delas gravadas em verso nos inúmeros fados e baladas da despedida, ao som do “choro” da guitarra do cantor que vê terminar os seus amores e a sua juventude. A tudo isto e a juntar ao relevante acervo de edifícios históricos das atuais Faculdades, a Biblioteca Joanina (exemplo extraordinário da arquitetura e arte barroca e uma das mais ricas bibliotecas do Mundo) e Sala dos Capelos (ou Sala Grande dos Atos), Museu Machado de Castro, da restante alta da cidade, passando pelos antigos colégios da rua da Sofia, a UNESCO, classificou em junho de 2103 a Universidade de Coimbra como Património da Humanidade, no âmbito da 37ª Sessão do Comité para o Património Mundial, reunida em Phnon Penh, Camboja.
Sobrevivência dos Costumes Ancestrais Todos os dias do ano-letivo universitário os estudantes de Coimbra são “despertados” por um dos símbolos mais importantes da ancestralidade académica que ainda hoje impregna as gerações: o toque da Cabra, (oficialmente designado como “Sino Grande”) o mais simbólico dos quatro sinos da torre da Universidade de Coimbra. Localizado na face da torre virada para do rio, este icónico sino marca, desde 1733 (data da inauguração da torre, que se encontra junto ao Palácio Escolar, atual Faculdade de Direito, Paço Reitoral e Sala dos Capelos) o despertar e o recolher dos estudantes de Coimbra. Desde logo, no exercício material que representa o património edificado, podemos ver a prevalência dos usos e costumes de antigamente na vida académica dos estudantes atuais, conciliado com a ainda utilização, pela larga maioria dos membros da academia, do traje académico, conhecida como “capa e batina” (batina, colete e calças pretas camisa branca lisa, gravata preta lisa, de igual tecido da batina e calças, sapatos pretos de ponta arredondada e de sola e ainda longa capa preta, que pode ter, a partir do 2º ano, emblemas da
universidade, Faculdade, cidade ou país entre outros, tendo ainda como opcional a utilização de um gorro longo; nas raparigas casaco preto, saia preta, gravata preta do mesmo tecido que casaco e calças, camisa branca, sapatos pretos com tacão de tamanho regulamentado e ainda a tradicional capa preta, semelhante à dos rapazes. Refira-se que o traje feminino foi inventado nos liceus de Porto e Lisboa no início do séc. XX). Saliente-se a importância da capa no contexto do traje académico, tanto dos rapazes como das raparigas, já que cumpro um conjunto que passa desde a forma de utilização em luto (capa sem dobras, fechando igualmente as abas da batina ou do casaco, sonforme rapaz ou rapariga), rasganços e nós que guardam “como um diário” um amores que se teve durante a vida estudantil, ou ainda as dobras que se dão no topo da capa, junto ao pescoço, conforme o ano que se está a frequentar. Existem, inclusive, formas de se dobrar a capa indicando festa e ou cerimónia. A capa irá acompanhar o estudante ao longo da vida, seja ou não membro de uma tuna académica ou universitária, conforme regulamentos do Código da Praxe Académica das várias universidades portuguesas, podendo, em ocasiões especiais, envergá-la sem haver necessidade de vestir as restantes peças do traje. O atual traje académico dos estudantes de Coimbra (que, entretanto, foi adotado pelas restantes universidades portuguesas, mas que incluem algumas diferenças de academia para academia) inspira-se nas antigas vestes dos clérigos do séc. XVII (apesar da história do traje ser tão antigo como a fundação da própria universidade, isto é, 1290, primeiramente em Lisboa e após um período de migrações entre as duas cidades do centro do país, finalmente em Coimbra em 1537), sobressaindo a utilização da “loba”, um tipo de batina eclesiástica, de inspiração jesuíta, sem mangas, guarnecida na frente com duas filas de botões desde o pescoço até abaixo do joelho, juntamente com um calção, capa preta e barrete redondo ou com cantos. A “loba” era também utilizada pelos regentes das disciplinas lecionadas na universidade, os chamados “bedéis” ou “lentes”. A palavra “bedel” identifica atualmente os funcionários da universidade. Desde cedo a utilização do traje académico serviu para distinguir os membros da academia da restante sociedade coimbrã, de forma a reconhecerse facilmente “lente” ou estudante da universidade.
Existem interessantes simbologias referentes ao traje académico que juntam o religioso e o quase esotérico simbólico, como o sagrado feminino e que nos remetem para um passado da relação entre a igreja católica e a vida universitária, mas também a busca, pelos estudantes mais poéticos, do simbolismo, de um certo neo-paganismo clássico. Veja-se: “É de Praxe ter os botões do traje em número ímpar, os furos dos sapatos em número ímpar, os emblemas na capa em número ímpar, em suma, esta fixação pelo número ímpar vai ao ponto de não se dizer números pares e, em vez deles, dizer o número ímpar anterior mais 1. É uma particularidade, ou melhor, uma tradição, que encontra a sua melhor explicação nessa mesma influência que a Igreja teve na Universidade”. (Cerveira, 2016).
No que se refere aos atos, a abertura do Ano-letivo é um dos exemplos mais importantes dessa relação com a atual vivência da Universidade de Coimbra com o passado, a par da entrega das insígnias e da cerimónia de Doutoramento Honoris Causa. Estas cerimónias ocorrem no mais emblemático espaço da universidade, a Sala dos Capelos ou “Sala dos Grandes Actos” cuja configuração atual data do séc. XVII e são as mais dignas e ricas manifestações de protocolo e cerimonial no seio da academia Essa abertura, que acontece habitualmente entre a penúltima e a última semana de setembro, é iniciada por um cortejo académico, seguido do discurso por parte do Reitor da Universidade de Coimbra, Lição de Sapiência por parte de um professor catedrático convidado, habitualmente da própria instituição, a que se segue, finalmente, o discurso do presidente da Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra (representante dos estudantes da academia). Quanto à entrega das insígnias que conferem o grau de Doutor, é das mais prestigiantes da vida académica coimbrã, com a sua tradição a perder-se nos anais da história. A atual cerimónia, com sede na Sala dos Capelos, como assinalado anteriormente, decorre, em traços gerais, da seguinte forma: “Das diversas cerimónias que aí têm lugar destaca-se como primeira e mais emblemática a defesa de tese do Doutoramento, prova obrigatória para
a obtenção do grau de Doutor. O candidato deve apresentar-se devidamente trajado com o hábito talar (calça preta – ou saia, para as senhoras, batina, camisa branca, capa preta comprida e sapatos pretos) perante o júri, também envergando as vestes talares. Após a prova, o novo Doutor dirige-se de novo à Sala dos Capelos para solicitar ao Reitor as insígnias Doutorais: a Borla (pequeno chapéu que simboliza a inteligência) e o Capelo (pequena capa curta de seda e veludo que simboliza a ciência), ambos da cor correspondente à Faculdade que concedeu o grau académico. Esta cerimónia solene, designada por Imposição de Insígnias, conta com a presença de todos os Doutores da Universidade, que se apresentam com as insígnias. Presente na cerimónia está igualmente a charamela (pequena orquestra que ocupa o estrado de madeira, ao fundo da sala, do lado direito) que termina a cerimónia tocando o Hino Académico. Mas de todas as cerimónias da Universidade de Coimbra, a mais dignificante e a que celebra inclusivamente a história da mais antiga academia portuguesa é a cerimónia de Doutoramento Honoris Causa. Transcreve-se em seguida o protocolo desenvolvido aquando da cerimónia de Doutoramento Honoris Causa do ex-presidente da República Federal do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, que teve como assistentes Cavaco Silva e Dilma Roussef, à época presidentes de Portugal e Brasil respetivamente. A cerimónia decorreu a 30 de março de 2011 e que serve de súmula para todas as cerimónias do género: “No dia designado, são os Doutores e Estudantes convocados a capelo pelo toque do Sino Grande da torre da Universidade, que já na véspera anunciara a solenidade. Organiza-se o préstito2 na Biblioteca Joanina e dirige-se à Sala Grande dos Atos, por esta ordem: abre caminho a charamela3, tocando uma marcha apropriada; a seguir a guarda dos Archeiros, em grande uniforme, de alabardas erguidas; depois os Doutores, alinhados dois a dois, segundo a 2 3
Proocissão ou acompanhamento. Pequena orquestra de sopros que atua nos eventos oficiais da Universidade de Coimbra
hierarquia das Faculdades, e, dentro de cada, respeitando as precedências de antiguidade, os mais modernos à frente, todos de hábito talar 4 e insígnias Doutorais, a borla5 na cabeça: Ciências do Desporto e Educação Física, Psicologia e Ciências da Educação, Economia, Farmácia, Ciências e Tecnologia, Medicina, Direito e Letras; atrás dos Doutores seguem os oradores, caminhando entre eles o Apresentante; vêm depois os bedéis6, com o traje tradicional e entre eles o Pajem, conduzindo em salva de prata a borla, o anel e o livro para o Doutorando. Segue-se o secretário da Universidade, de hábito talar e bastão distintivo das suas funções. Após ele seguem o Reitor, o Doutorando e o Diretor da Faculdade a que o Doutorando pertence (o Doutorando vai entre o Reitor, à direita, e o Diretor da Faculdade à esquerda, trajando de capa e batina, capelo pelos ombros, mas sem borla, pois só no decorrer da cerimónia lhe será imposta); atrás do Prelado seguem os convidados especiais; vem por fim o guarda-mor à frente dos contínuos, todos com o traje tradicional. Atravessando o pátio da Universidade, sobe o préstito à Via Latina, previamente ornamentada com festões de louro, e dá entrada na Sala dos Grandes Atos. Avança o Préstito através da teia, na direção dos degraus do estreado de honra: aí chegado, os Doutores abrem alas para o Reitor e o Diretor da Faculdade subirem e ocuparem as suas cadeiras de espaldar, estofadas de cor verde (detrás delas a armação das sanefas é da cor igual à da Faculdade). O Doutorando e o apresentante instalam-se em baixo, na teia7, dando o apresentante a direita ao Doutorando; os oradores sobem ao estrado para ocuparem as suas cadeiras; os Doutores, ainda com a borla na cabeça, sobem aos Doutorais8, de um lado e de outro da sala, e dirigem-se aos seus lugares pela ordem tradicional das Faculdades e respeitando precedências de
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Espécie de batina inspirada nas vestes eclesiásticas Barrete doutoral, feito de fios de lã. 6 Do francês antigo bedel, hoje bedeau, empregado de uma igreja, do frâncico “bidil”, representante da autoridade). Antigamente era utilizado para se referir ao responsável de uma determina disciplina na universidade, sendo que atualmente identifica um funcionário da instituição universitária. 7 Espaço que antecede a escada que dá para o estrado onde se encontra o cadeiral reitoral na sala dos Capelos. 8 Espaço ou bancada composta por cadeiras destinadas aos Doutores que ladeiam o estrado central da Sala dos Capelos. 5
antiguidade entre si: à direita do Reitor Letras, Medicina, Farmácia, Ciências do Desporto e Educação Física, Psicologia e Ciências a Educação; à esquerda Direito, Ciências e Economia. Ajustados todos os lugares, o Reitor senta-se, tirando a borla, no que é imitado por todos os Doutores. Logo o Secretário pede vénia ao Reitor, toma o seu lugar e, depois de acomodado o público, manda calar a charamela; a seguir pede vénia ao Reitor, e dirige-se ao Doutorando que, convidado, se levanta, caminhando até ao primeiro degrau do estrado Reitoral, faz uma inclinação perante o Reitor e regressa ao seu lugar. Aí, de pé, lê «breve e elegante oração». Terminada ela, aproxima-se de novo do estrado, fazendo nova inclinação perante o Reitor, e vai sentar-se (toca a charamela). O Secretário, passados breves instantes, manda calar a charamela, dirige-se ao Reitor pede vénia e convida o Orador mais antigo a usar da palavra- No final do discurso toca a charamela. Repete-se pela mesma forma o convite ao segundo Orador, tocando igualmente a charamela no fim do discurso. (Os oradores, ao iniciarem os discursos e no termo deles, sempre que se dirijam ao Reitor, devem levantar-se e descobrir-se; de resto devem falar sentados e cobertos). O Secretário, depois de mandar calar a charamela, pede vénia ao Reitor e convida o Doutorando e o Apresentante a aproximarem-se do primeiro degrau. Aproximam-se os bedéis e formam um semicírculo. O Secretário, o Apresentante, o Doutorando e os Bedéis fazem uma vénia ao Reitor, subindo o Secretário, Apresentante e o Doutorando os degraus do estrado. O Pajem vai postar-se à esquerda do Diretor da Faculdade. O Doutorando coloca-se em frente do Reitor e o Apresentante fica à direita do Reitor de pé. O Reitor levanta-se e cobre-se bem como todos os Doutores permanecendo cobertos em quanto é conferido grau. O secretário vai buscar o livro com o formulário que abre perante o Reitor. Este pergunta: «Quid petis?» - respondendo-lhe o Doutorando: «Gradum doctoratus in praeclara [a Faculdade respetiva]». O Reitor, então, impondo as mãos sobre a cabeça do Doutorando, pronuncia «Ego… hujus almae Coninbriguensis Academiae Rector, creo te doctorem praeclae… Facultis in nomine e auctoritate ejusdem Acadamie. Et commito clarissimo domino Doctori… Patrono tuo, ut re insigniis doctoralisbus
decoret». O novo Doutor, acompanhado do secretário, aproxima-se então do Diretor da Faculdade. O Diretor da Faculdade explica, numa ligeira oração, o simbolismo da borla, do anel e do livro e coloca a borla na cabeça de novo Doutor. Nesta altura todos se descobrem. Começa a tocar a charamela. Os oradores vão ocupar os seus lugares nos Doutorais. O Apresentante se é Doutor vai também para o lugar que lhe compete na respetiva Faculdade; Caso contrário senta-se e nos bancos que ficam no topo da sala à direita e à esquerda do Reitor. Os bedéis retomam o seu lugar, com excepção do Bedel da Faculdade em que se realiza o Doutoramento; este sobe ao estrado e acompanha o secretário, o Diretor da Faculdade e o novo Doutor durante a cerimonia dos abraços.
O Diretor
apresenta o novo Doutor ao Reitor, que o abraça. Em seguida O novo Doutor, precedido do Diretor da Faculdade, do Secretário e do Bedel, dirige-se à bancada dos convidados especiais, que fica à direita do Reitor abraçando os que ali se encontrarem e passa ao Doutoral desse lado e dá um abraço a todos os Doutores. Descem os quatro ao fundo do Doutoral, voltam para o meio da sala, indo à direita o novo Doutor e o Diretor da Faculdade, à esquerda o Secretário e à frente o Bedel, sobem o estrado fazem vénia ao Reitor, E o novo Doutor, acompanhado sempre, vai então abraçar as pessoas que se encontram na bancada da esquerda e no Doutoral desse lado. (quando se aproxima de cada uma das Faculdades devem os respetivos Doutores erguerem-se em conjunto, e sentar-se só depois de dado um abraço a todos. Nessa altura o Diretor da Faculdade, voltando para trás, faz uma vénia de agradecimento). Terminados os abraços nos Doutorais, o Secretário convida então o novo Doutor a sentar-se na cadeira que fica entre a do Reitor e a do Diretor da Faculdade, a qual até o momento se conservou vaga. O novo Doutor senta-se e cobre-se (cala-se em seguida a charamela, que está a tocar desde o início da cerimónia dos abraços) O novo Doutor levantandose tirando a borda da cabeça profere a fórmula de agradecimento: «Nunc restat mhi agere gratias protot tantis-que beneficiis erga me collatis». Acabada esta, senta-se. Volta a charamela a fazer-se ouvir, e o novo Doutor, precedido do Diretor da Faculdade, do Secretário e do Bedel, vai tomar o seu lugar na respetiva Faculdade (o último). Feito isto, o Diretor senta-se também no lugar dos doutorais que lhe compete. O Secretário e o Bedel regressam aos seus
lugares. Chegado ao seu lugar, manda o Secretário calara a charamela; e logo a seguir manda tocar o hino académico, ouvido de pé. Terminado o mesmo, todos se sentam. Momentos depois, o secretário dirige-se ao Reitor, pede-lhe vénia e coloca-se-lhe à esquerda, um pouco atrás. O Reitor levanta-se e põe a borla, no que é imitado pelos Doutores, e, com um simples gesto, indica o fim da cerimónia. Reorganiza-se o préstito, com as seguintes modificações: o Diretor da Faculdade, os Oradores, o Novo Doutor, e o Apresentante, se for Doutor, tomam os seus lugares nas respetivas faculdades. O Reitor vai entre o Diretor da Faculdade de Letras, à direita, e o Diretor da Faculdade de Direito, à esquerda. O Apresentante, se não for Doutor, segue atrás do Reitor” (Serrano, 2011).
Abandonando a esfera mais solene da Universidade de Coimbra, cabe aos estudantes celebrar a vida académica com rituais seculares durante o ano e que passam pela já referida latada e as práticas de iniciação conhecidas como praxe (existindo inclusivamente um regulamento interno que rege esta prática conhecido como o “Código da Praxe”), culminando com a semana académica, conhecida como a Queima das Fitas, em maio. A Queima das Fitas surgiu no seguimento do Centenário da Sebenta 9, ocorrido em 1889, sendo que esta festa procurava recordar os anteriores centenários também da sebenta, com a realização de um cortejo humorístico (que ainda hoje faz parte da tradição), saraus culturais e garraiadas. Alguns anos mais tarde os pré-finalistas de Direito introduzem a tradição de queimar as fitas10 que se usavam desde o séc. XVII para abotoar as pastas dos estudantes, criando 9
Sebenta é um caderno sem linhas utilizado pelos estudantes no âmbito das disciplinas liceais e universitárias para escrever os apontamentos facultados pelo professor, 10 Os anos porque passam os estudantes de Coimbra e das demais academias portuguesas são marcados tanto no traje académico como na pasta universitária de símbolos de passagem, conhecidos como insígnias, que são recebidas aquando da cerimónia da “Imposição das Insígnias” que tem lugar no dia a seguir à Serenata Monumental: os “caloiros”, ou alunos do primeiro ano recebem a semente ao passar para o segundo ano e no início do ano recebiam a nabiça, ambos semelhantes a laços de lã comas cores do curso; os “segundo-anistas” recebem o grelo (fita de lã usada para fechar os livros e os cadernos, composto pelas cores do curso); os terceiro-anistas passam o grelo da pasta para a capa; o quartoanistas recebem as fitas (quatro fitas de terylene com as cores do curso e que são cozidas à pasta e que no momento da Serenata Monumental e na bênção das pastas são “soltas” ao vento, em jeito de “adeus à academia e à vida estudantil”; os finalistas recebem a cartola e a bengala.
desta forma um ato simbólico assenta no objetivo que já se encontrava a apenas um ano de distância: o fim do curso. Mas, de todas as atividades que marcam a semana da Queima das Fitas, a que mais se destaca pelo seu simbolismo e, porque não dizer, romantismo, é a Serenata Monumental, que junta a larga maioria dos estudantes da academia à volta da Sé velha de Coimbra e que procura recordar a tradição medieval de os estudantes cantarem às mulheres de Coimbra, conhecidas como as “Tricanas”. Ao som das guitarras (únicas no mundo, pela sua afinação, diferente da guitarra de Lisboa) e da voz cuidada dos cantores, ecoa a partir da meia-note o fado de Coimbra, uma das mais importantes expressões culturais da cidade de Coimbra, que, junto com o Vira, compõe a chamada “Canção de Coimbra”. No entanto as manifestações do Fado de Coimbra vão muito além da Serenata Monumental. Em qualquer viela ou junto ao Arco de Almedina (uma das portas que sobreviveu ao desmantelamento, a partir do séc. XVIII, da antiga muralha [ou cerca] que protegia a cidade, originalmente de construção romana e reforçada na Idade Média) ouve-se ainda o “lamento” das guitarras e as capas negras “traçadas” por amor. Atualmente o fado de Coimbra ouve-se nas restantes cidades universitárias, com o nome de fado académico, para além de ser já reconhecido pelo mundo inteiro, sobretudo entre os membros da diáspora portuguesa. Comum às restantes academias que sempre prezaram a música como forma de perpetuar a vida estudantil mesmo depois de terminado surgem-nos as tunas, outro vivo testemunho do passado que, à semelhança dos históricos “sopistas” os tunos de Coimbra eram também estudantes pobres que se reuniam e cantavam a troco de comida, vinho ou dinheiro. Hoje a grande maioria das faculdades alberga uma tuna e as várias academias promovem as suas tunas universitárias e são realizados vários festivais (alguns internacionais com presença de agrupamentos espanhóis ou da América do Sul) de tunas ao longo do ano. Apesar de nos dias de hoje quase se assemelharem a orquestras ligeiras, a realidade é que ainda conservam muito do espírito de antigamente e não é raro ver ainda tunas em ronda, a tocar pelas ruas de centros históricos, a troco de umas moedas para os “copos”.
Finalmente, um ritual de há séculos que ainda hoje se mantém é a prática do “Rasganço”, rito de passagem, que se caracteriza como sendo o último ato simbólico do estudante que agora termina o curso: “O rasganço é a última aventura praxística e académica de um estudante. Numa cidade em que a tradição não morre, ainda se cumpre o ritual de rasgar o traje
no
final
da
licenciatura.
O estudante chega ao Largo da Porta Férrea, trajado e embrulhado na capa. Quando os colegas o vêem, aproximam-se e começam a rasgar-lhes as vestes com unhas e dentes. No final, não resta quase nada. O recém-licenciado curvase, tenta esconder o corpo nu. Os colegas, que se riem, roubaram-lhe a capa. Por isso, o “doutor” corre, quase como veio ao mundo, para conseguir alcançar o que sobrou do rasganço. Depois de algumas voltas pelo largo, lá agarra a capa para se cobrir, perante o olhar divertido dos amigos e da família (…). Para alguns esta é a mais violenta praxe da Academia. Para outros, é a mais simbólica e a mais ansiada pelos estudantes da Universidade de Coimbra (UC). Seja como for, o rasganço é um ritual de libertação” (Brito, 2006). Alberto Sousa Lamy, na sua obra “A Academia de Coimbra” salienta: “A destruição das vestes académicas significará o corte com a situação anterior, da parte de uma pessoa que vai viver num mundo diferente. Apenas fica a capa, servindo ao mesmo tempo para cobrir o corpo nu e como recordação dos tempos de mocidade” (Lamy, 1990).
A Participação dos Estudantes nos atos solenes Tanto na Universidade de Coimbra como nas demais academias portuguesas, os estudantes são chamados a participar nas várias cerimoniais oficiais da Universidade, como por exemplo em actos solenes como a Sessão Solene de Abertura do Ano-Letivo, seja nas cerimónias de Doutoramento Honoris Causa, tomando assento na parte central da Sala dos Capelos ou no salão nobre de cada universidade.
Mesmo que, por alguma razão, os estudantes não possam estar presentes em massa, muitas vezes por questões de logística de espaço, está sempre presente, no que concerne à Universidade de Coimbra, o presidente da Associação Académica de Coimbra, órgão da academia que representa os estudantes.
A Rivalidade entre Coimbra e Lisboa: Competição e Orgulho Reza a história que a primeira universidade surgiu em Lisboa. Ao assinar o “Scientiae thesaurus mirabilis”, D. Dinis instituía a Universidade mais antiga do país e uma das mais antigas do mundo. Datado de 1290, o docu9mento dá origem ao Estudo Geral, reconhecido nesse mesmo ano pelo papa Nicolau IV. Começa a funcionar em Lisboa e após um período de migrações entre a capital e a cidade “à beira do Mondego” a que não foram alheias perturbações de ordem política ou militar (como a crise de sucessão do trono português de 1383/1385 e onde se destaca o cerco a Lisboa pelo reu João I de Castela), sendo transferida definitivamente para Coimbra somente em 1537, por ordem do rei D. João III. Durante séculos não houve qualquer rivalidade pois a Universidade de Lisboa (aur até 2013 era conhecida como a Universidade Clássica de Lisboa) só viria a ser fundada a 22 de março de 2011. A partir daí nasceu uma rivalidade com contornos inclusivamente políticos sobretudo entre as Faculdades de Direito e mais tarde de Medicina de ambas as intuições. Foram vários os presidentes, primeiros-ministros, ministros, deputados, governadores civis ou presidentes de câmara que se sentaram nas cadeiras da faculdade de Direito destas duas universidades, havendo ainda hoje a disputa sobre a qual prepara melhor o estudante para a barra dos tribunais. Mas esta rivalidade foi-se esbatendo, à medida que outras universidades foram sendo criadas, como a do Porto, também 1911, a do Minho, Aveiro e de Trás-os-Montes e Alto-Douro em 1973, Universidade do Algarve, em 1976, ou a Universidade da Beira Interior em 1986. As várias instituições, sobretudo as mais recentes, tiveram a capacidade de captar quadros decentes de grande qualidade, sendo que durante alguns anos
a Universidade de Coimbra sofreu um período de estagnação, mantendo o seu prestígio mais pelo peso da história do que o seu contributo no campo universitário ou de investigação. Depois da fusão da Universidade Clássica de Lisboa e a Universidade Técnica de Lisboa, a nova instituição, intitulada Universidade de Lisboa, tornouse a maior academia do país com mais de 45 mil alunos, quedando-se a Universidade de Coimbra com pouco mais de 24 mil alunos. Nos tempos que correm a verdadeira rivalidade é vivida entre a Universidade de Lisboa e a Universidade do Porto, esta com cerca de 30 mil estudantes e quase dois mil professores e considerada pelos mais importantes rankings internacionais como a melhor universidade do país e uma das 200 melhores do mundo, destacando-se sobretudo no campo da Medicina, da Engenharia e da Arquitetura.
O valor de Coimbra como marca de prestígio na vida civil do diplomado A marca Universidade de Coimbra ainda é sinónimo de diferenciação no momento de se comparar quadros futuros para contratação nas empresas, mas é sobretudo no sector jurídico que esse prestígio mais se faz sentir, já que a larga maioria dos advogados que se encontram nos grandes gabinetes e escritórios de advocacia são oriundos da Faculdade de Direito. Também a Medicina contribui para essa distinção social que representa um diploma obtido na Universidade de Coimbra, muito por via da reputação obtida pelos Hospitais da Universidade de Coimbra no campo da saúde, na formação de novos médicos e na investigação.
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