Revista SAN. Primeira edição

Page 1

1ª Edição – 3 a 6 de novembro de 2015

Revista SAN Segurança Alimentar e Nutricional

Encontros temáticos debateram a segurança alimentar em 4 frentes Comida de verdade é in natura, é minimamente processada. Ministra Tereza Campello fala sobre a saída do Brasil do mapa da fome. Hebert de Souza, o Betinho, foi um herói na luta contra a fome e a miséria no Brasil. Sua trajetória virou filme.



Sumário 5 Apresentação 6

Narrativas do Brasil

8

Quatro encontros

10 Imagens dos encontros 12 Entrevista: Tereza Campello 15 Notas 16 Enquete: O que é comida de verdade? 18 Uma guia para a comida de verdade 20 Notoriedade Internacional 21 Perfil: Vandana Shiva 24 Entrevista: Arnoldo de Campos 25 Raízes do Brasil 26 Comida, diversão e arte 27 A esperança equilibrista 28 Vamos jogar? 29 Crônica: A gente quer comida (de verdade) 30 Artigo: Selvino Heck

Expediente

Revista SAN é uma publicação direcionada ao público da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Redação e edição Assessoria de Comunicação – Consea Coordenadora Michelle Andrade Jornalistas Beatriz Evaristo Carlos Eduardo Fonseca Marcelo Torres Estagiários Patricia Sousa Thiago Martins

Colaboração Ascom/MDS Ascom/Caisan CGFome/MRE Fotografia capa Carlos Eduardo Fonseca Diagramação Miguel Cunha Tiragem: 2.500 exemplares

Consea Palácio do Planalto, Anexo I, sala C2 Praça dos Três Poderes CEP: 70.150-900 – Brasília-DF Telefones: (61) 3411.2747/2746 Site: http://www.planalto.gov.br/consea E-mail: ascomconsea@presidencia.gov.br


5ª Conferência Nacional de

Segurança Alimentar e Nutricional

/segurancaalimentar


APRESENTAÇÃO O que é comida de verdade para os brasileiros e as brasileiras? O que (e por que) estamos ou não estamos comendo? Será que estamos nos alimentando bem? Será que estamos preservando nossos hábitos e costumes alimentares? Como estão os índices de desnutrição, sobrepeso e obesidade no Brasil? Estas e outras questões estarão presentes nos debates da 5ª Conferência Nacional e Segurança Alimentar e Nutricional, que será realizada de 3 a 6 de novembro, em Brasília. Depois de realizadas as etapas municipais, seguidas por regionais ou territoriais e de passar pelas 26 estaduais e a do Distrito Federal, agora chegou a vez da Conferência Nacional, o grande encontro, que vai reunir uma ampla diversidade, juntar as contribuições de todo o país, tudo num evento que simboliza e ao mesmo tempo celebra a pluralidade e a democracia participativa. A 5ª Conferência Nacional será realizada num contexto que, de um lado, apresenta avanços e conquistas e, de outro, desafios e ameaças de retrocesso. Se, por um lado, o Brasil melhorou significativamente os índices de segurança alimentar e nutricional, que redundou na saída do país do Mapa da Fome (segundo anunciou a FAO em 2014), por outro lado nos preocupam o avanço dos agrotóxicos, dos transgênicos e dos índices de sobrepeso e obesidade. Há que se lembrar, sempre, da situação de grupos sociais vulneráveis, entre eles os negros, quilombolas, indígenas e povos e comunidades tradicionais. Neste ano, participei dos quatro encontros temáticos preparatórios e de um bom número de conferências estaduais, e delas trouxe as marcas do entusiasmo e da esperança renovada, o que me leva a acreditar no pleno êxito da etapa nacional. Sejam todos(as) bem-vindos(as) à 5ª Conferência Nacional e Segurança Alimentar e Nutricional.

Maria Emília Pacheco Presidenta do Consea Foto: Divulgação/Consea


Narrativas Primeiro, foram as vozes nos municípios, lá onde tudo começa. Estas, por sua vez, se juntaram a outras e ecoaram por entre os territórios e regiões. E estes se encontraram nas etapas estaduais e fizeram os últimos ajustes nas propostas. Houve ainda quatro encontros temáticos – relacionando Segurança Alimentar e Nutricional com Amazônia, Água, Mulheres e Povos e Comunidades Tradicionais – até as ideias e propostas serem juntadas para o grande caldeirão do encontro nacional, que ocorre agora em novembro. “A riqueza dos relatórios [recebidos das conferências estaduais] é enorme e tem uma incrível diversidade, que é a maior fortuna do território e do povo brasileiro”, avalia a equipe que elaborou o Caderno de Debates da 5ª Conferência Nacional, formada por Marília Leão, Luciana Chermont Kaminski e Mariana Gomes. “Diversidade é sinônimo de pluralidade, multiplicidade, diferentes ângulos de visão ou de abordagem, heterogeneidade e variedade”, diz o documento. As vozes das conferências que chegam a Brasília trazem narrativas que concebem a comida de verdade como fruto de hábitos alimentares saudáveis, que respeitam tradições e que falam histórias da gente e da terra. Como disse a presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Maria Emília Pacheco, em algumas etapas estaduais: “Comida é patrimônio, comida não é mercadoria”. Segundo ela, a comida possui valor e simbologia que vão além do seu aspecto físico e material. “Falar de comida é falar de afeto, é falar de memória, é 6

falar de partilha”. As propostas das conferências estaduais e encontros temáticos estão reunidas e sistematizadas numa publicação chamada Caderno de Debates, que os participantes usarão nas discussões nos grupos de trabalho. Nesses grupos, serão discutidas questões como: o que é comida de verdade; quais foram os avanços; quais são os obstáculos; quem produz e onde/como se produz o alimento de verdade. As vozes que chegaram dos estados e dos encontros temáticos também revelam a luta pelos direitos territoriais e livre uso da biodiversidade, a democratização do acesso à terra e à água, o acesso aos mercados locais e aos meios de produção, as sementes e aos recursos naturais, o fortalecimento da produção, distribuição e do consumo local dos alimentos. “A riqueza dos relatórios é enorme e tem uma incrível diversidade, maior fortuna do território e do povo brasileiro”, avalia a equipe de relatoria. “Diversidade, além de pluralidade e heterogeneidade, também pode ser vista como união de contrários, intersecção de diferenças, ou ainda, tolerância mútua”, diz o documento. Segundo as relatoras, todas as propostas de alcance nacional foram aproveitadas sem cortes, sem exclusões. O documento reafirma que a Conferência Nacional é o órgão máximo do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Ela deve olhar para frente e apresentar novas propostas. Mas, para enxergar o futuro, é pre-


ciso olhar também para o presente e o passado. Este é o momento maior do diálogo social para o aprimoramento da Política e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. O Caderno de Debates registra: “É necessário lutar pela manutenção das conquistas, barrar o retrocesso, resistir às crises e ameaças e acreditar que as propostas que serão pactuadas na 5ª Conferência servirão ao fortalecimento da nossa democracia e das conexões entre o campo e a cidade, em defesa da comida de verdade no campo e na cidade, por direitos humanos e soberania alimentar”. A publicação também destaca os princípios lembrados nas conferências estaduais e nos encontros temáticos. Um deles diz que comida de verdade vem de sistemas alimentares socialmente e ambientalmente sustentáveis. E que as práticas tradicionais de produção agrícola familiar, camponesa, de povos e comunidades tradicionais e sistemas agroecológicos produzem comida de verdade para o campo e para a cidade. Registram que o ato de produzir, de escolher, de cozinhar e de compartilhar alimentos de verdade é um ato político.

Foto: Ana Nascimento/MDS

do Brasil

As narrativas saídas das conferências estaduais e encontros temáticos falam que a fome é a violação de um direito humano. Que as políticas públicas devem priorizar os mais vulneráveis, como os povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e populações urbanas em situação de miséria, segmentos da população negra e as famílias cuja pessoa de referência é mulher. Que a pobreza e fome andam juntas, possuem causas múltiplas e requerem políticas públicas articuladas entre diferentes setores. Que a produção agrícola familiar e camponesa tem papel central na produção da comida de verdade consumida pelo povo brasileiro. Que os agricultores familiares camponeses e os povos e comunidades tradicionais são os sujeitos de direito para as políticas de fortalecimento da produção familiar e agroecológia. Que a agrobiodiversidade é um bem comum da natureza e do povo brasileiro. As vozes que chegam ao grande encontro nacional sinalizam que uma política nacional de abastecimento alimentar é fundamental para a efetividade do Sisan, o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, uma demanda que já vem das quatro conferências anteriores. Comida de verdade, dizem as vozes do Brasil, deve ter preço justo e ser acessível a todos.

Foto: Ubirajara Machado/MDS

Lembram que o acesso à terra, ao território e ao livre uso da biodiversidade é condição básica para a realização do direito humano à alimentação adequada de grupos sociais rurais, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais. Que a soberania alimentar dos povos indígenas e das comunidades tradicionais rurais depende da demarcação e da regularização de suas terras e territórios.

Foto: Divulgação/Consea

Outro aspecto muito importante que os participantes dos eventos preparatórios enfatizaram é que a alimentação adequada e saudável é mais do que a mera ingestão de nutrientes, que ela vem principalmente de alimentos in natura e de sistemas socialmente e ambientalmente sustentáveis e que está associada a outros fatores. Por isso, o acesso a diferentes saberes e sabores amplia a autonomia das pessoas em suas escolhas alimentares. 7


Quatro encontros

Foto: Divulgação/Consea

Amazônia A cidade de Belém (PA) recebeu o primeiro encontro temático em junho de 2015. Indígenas, extrativistas, ribeirinhos, pescadores, populações negras e quilombolas, agricultores familiares, pesquisadores, movimentos sociais, povos de terreiro e de matriz africana estiveram reunidos para falar sobre suas experiências e preocupações com a preservação da região amazônica. Sobre o tema “Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional na Amazônia”, o encontro se propôs a aprofundar a compreensão sobre as especificidades dos sistemas alimentares na Amazônia e discutir os avanços, desafios e caminhos para construção da soberania e da segurança alimentar e nutricional da população urbana e dos povos da floresta e das águas. A carta política do encontro destaca que o modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil ameaça os sistemas alimentares da Amazônia. “Esses sistemas alimentares são hoje ameaçados por um modelo de desenvolvimento, adotado pelo Estado brasileiro, marcado pela expansão de monoculturas, pela concentração de terras, pela implantação de grandes projetos de infraestrutura, pela construção de barragens, pelo desmatamento e outras graves ofensas à sociobiodiversidade, além de ameaças aos direitos conquistados”, revela. 8

“Comida de verdade, na Amazônia, é entendida como patrimônio cultural e expressão de modos de vida tradicionais, onde têm grande relevância os laços de solidariedade e reciprocidade nas comunidades”, diz o documento. “É oriunda de sistemas alimentares caracterizados por uma biodiversidade extremamente rica, representada pelo valioso conhecimento tradicional de seus povos sobre as plantas comestíveis e medicinais, frutos, sementes, raízes, fauna silvestre e aquática e peixes”, completa. Mulheres Realizado em Porto Alegre (RS), o encontro abordou a atuação das mulheres na soberania e segurança alimentar e nutricional. Mulheres do campo, da floresta e das águas apresentaram suas experiências na produção de alimentos e os desafios enfrentados para garantir a saúde na mesa e a renda no campo. “Não há como avançar se não entendermos que as relações sociais de gênero, a superação na subordinação das mulheres e a emancipação das mulheres estão associadas à progressiva construção de soberania e segurança alimentar e nutricional”, disse a presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Maria Emília Pacheco, durante a abertura do en-


Amazônia, mulheres, água e comunidades tradicionais foram os temas escolhidos para os debates dos encontros preparatórios realizados nos meses que antecederam a 5ª Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional. Cerca de 600 representantes da sociedade civil e de governo de várias regiões do país participaram das discussões e da formulação das cartas políticas com propostas e recomendações para a atuação do poder público. contro temático. A representatividade das mulheres na garantia ao direito humano à alimentação adequada é expressiva no país. No Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), a participação das mulheres cresceu. Em 2009, elas representavam 21% dos fornecedores. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o número de fornecedoras subiu para 50% em 2014. Os dados mostram que, na região Nordeste, a participação feminina no PAA é de 60%. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em 93% das 14 milhões de famílias que recebem a transferência de renda, as mulheres são as responsáveis pela retirada do dinheiro. Entre as propostas que resultaram na carta política do encontro de mulheres, está o fortalecimento de políticas que contribuem para a “eliminação da desigualdade de gênero, etnia e raça, incluindo processos educacionais e de formação que desnaturalizem a divisão sexual do trabalho destinada exclusivamente às mulheres e construa novos paradigmas de responsabilidades compartilhadas entre homens e mulheres na esfera privada (cuidado e reprodução social) e na esfera pública (participação social e política)”.

Água O acesso da população à água de qualidade norteou os debates do encontro temático realizado em São Paulo (SP), em setembro. “Acesso e direito a água era agenda estratégica, mas agora é universal, pois a carência de água também está chegando a grandes aglomerados e no Sudeste”, disse a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello. O encontro se propôs a aprofundar a compreensão sobre a relação existente entre o direito humano à água e o direito humano à alimentação adequada, considerando os avanços realizados na promoção do acesso à água, no contexto das políticas de promoção da segurança alimentar e nutricional, e os desafios e caminhos para a garantia do acesso pleno à água, entendida como alimento primeiro e fundamental. “O território brasileiro contém cerca de 12% de toda a água doce do planeta. Ao todo, são 200 mil microbacias espalhadas em 12 regiões hidrográficas, como as bacias do São Francisco, do Paraná e a Amazônica (a mais extensa do mundo e 60% dela localizada no Brasil). É um enorme potencial hídrico, mas apesar da abundância, os 9


Imagens recursos hídricos brasileiros não são inesgotáveis e, além disso, estão distribuídos no território de forma desigual”, diz a carta política do encontro.

Água

Para evitar o desperdício de água no sistema de irrigação tradicional usado pelo agronegócio, o documento sugere que sejam desenvolvidas “políticas de uso racional da água para facilitar o aumento da produção da agricultura familiar e camponesa, como irrigação por aspersão ou por gotejamento e irrigação de salvação”. Populações negras, povos e comunidades tradicionais Em outubro, representantes de movimentos sociais e de governo estiveram reunidos em São Luís (MA) para debater os avanços e desafios na garantia do direito à alimentação adequada e saudável para população negra e povos e comunidades tradicionais no país. O Encontro Temático “Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional para População Negra e Povos e Comunidades Tradicionais” reuniu cerca de 180 participantes de todas as regiões do país. “O encontro serviu para discutir também a saída do Brasil do Mapa da Fome. O encontro também colocou na pauta a criação de Plano de Segurança Alimentar e Nutricional pensado para a população negra do campo e da cidade e para os povos e comunidades tradicionais e comunidades de matriz africana e povo de terreiro”, disse o conselheiro Edgard Moura. A nova lei da biodiversidade, a demarcação de terras, as políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, as práticas alimentares tradicionais e o racismo institucional foram alguns dos temas abordados nos debates. De acordo com o documento final do encontro, é preciso “garantir a regularização fundiária das terras tradicionais e de uso comunitário, respeitando os modos de vida dos povos e comunidades tradicionais”.

A carta política reflete a preocupação dos movimentos sociais com a soberania alimentar desses povos e propõe que seja garantido “o acesso às sementes tradicionais coletadas nos territórios de povos indígenas e conservadas nos Bancos de Germoplasma da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), reafirmando seus direitos sobre as sementes como patrimônio cultural. Além disso, efetivar faixas livres de transgênicos e agrotóxicos nas proximidades dos quilombolas e adotar a metodologia participativa, do Projeto Nova Cartografia Social, para a identificação de territórios tradicionais”.

10

Amazônia


dos encontros Populações negras, povos e comunidades tradicionais

Foto: Divulgação/Consea

Foto: Divulgação/Consea

Foto: Divulgação/Consea

Foto: Divulgação/Consea

Mulheres

11


Foto: Ana Nascimento/MDS

12


Brasil tem trajetória vitoriosa Ministra Tereza Campello fala sobre como o país colocou a agenda de segurança alimentar no centro das políticas públicas e saiu do Mapa Mundial da Fome

Ministra, a 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional terá como tema “Comida de verdade no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar”. O que a senhora entende por “comida de verdade”? Quando penso em comida de verdade, penso na comida que a minha avó fazia: arroz, feijão, couve-flor, verdura, berinjela. É nisso que penso quando alimento a minha filha: dar a ela a comida mais saudável, que é esse arrozinho, esse feijãozinho, carne, coisa fresca, feita em casa. E todo brasileiro tem direito a isso também, principalmente as crianças. É esse o debate que a conferência fará. O Brasil tem uma trajetória vitoriosa ao discutir segurança alimentar. Acho que a gente avançou muito quando construiu uma política de segurança alimentar que não se limitou somente a garantir que as famílias tivessem dinheiro para comprar comida. A gente tem um conceito de segurança alimentar e de soberania alimentar que é um conceito mais amplo e que consiste em a população ter acesso aos alimentos, ou seja, não só ter renda, mas ter alimentos disponíveis nos locais de venda, ter alimentos produzidos de forma saudável, além de garantir que a gente desperdice o mínimo de comida possível. A gente pegou todos os elementos e construiu uma política. Essa política está na Embrapa, na Conab, no Ministério da Saúde, nas políticas de nutrição, na merenda escolar, ela está no conjunto de políticas públicas do governo federal, dos Estados e dos municípios. Acho que essa conferência vai dar um salto ainda maior para que a gente complete a nossa grade de política de segurança alimentar e nutricional.

O Plano Plurianual de Investimentos para o período de 2016 a 2019, que o governo mandou ao Congresso, estabelece metas para ampliar a oferta e também o consumo de alimentos saudáveis. Qual é a estratégia do governo para isso? O Brasil acertou em colocar a agenda de segurança alimentar no centro das nossas preocupações em 2003. Naquela ocasião, a prioridade era acabar com a fome. Já aumentamos muito a produção de alimentos no Brasil, esse alimento de verdade, arroz, feijão, fruta, verduras e legumes, porque nós fortalecemos muito a agricultura familiar, ao construir uma política de compras públicas e ampliar o acesso a crédito e ao seguro. Neste momento, a agenda da segurança alimentar precisa enfrentar o desafio de combater a obesidade e o sobrepeso, um problema grave em países desenvolvidos e que também prejudica a saúde dos brasileiros. Uma pesquisa do Ministério da Saúde nas capitais brasileiras divulgada no ano passado apontou que 52,5% da população adulta está com excesso de peso; 17,9% dos adultos são obesos. O percentual de adultos que consomem frutas e hortaliças em cinco ou mais dias da semana é de apenas 36,5%. Uma outra pesquisa do IBGE, mais recente, mostra que quase um terço das crianças com menos de dois anos de idade já bebe refrigerante ou aqueles sucos artificiais, cheios de açúcar. E mais de 60% das crianças comem bolachas e bolos. Isso representa um consumo elevado de gordura também. O problema da segurança alimentar deixou de ser a desnutrição crônica e passa a ser enfrentar a obesidade e os problemas de saúde decorrentes dela. Em crianças e em adultos.

13


Para que a gente possa proteger essas famílias, proteger essas crianças, a gente precisa ampliar a oferta de alimentos, mas também construir políticas que conscientizem a população, por meio da educação alimentar. Precisamos de campanhas de informação para que a população saiba que fritura faz mal, que aumenta o risco de problemas cardíacos, de entupimento das veias, de problemas circulatórios. Tem muita criança hoje com diabetes, com pressão alta, coisa que a gente não tinha no Brasil 15, 20, 30 anos atrás. Estamos propondo um amplo pacto que envolva os governos federal, estaduais e municipais, que envolva as escolas, o setor privado, os setores ligados à comunicação para que a gente possa conscientizar a população e melhorar a oferta de alimento protegendo principalmente as crianças. Esse pacto caminhará junto com a manutenção de ações de uma agenda construída ao longo dos últimos anos. Sobre essa agenda, o relatório “O Estado da Alimentação e Agricultura” de 2015, divulgado em outubro pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), destaca programas sociais brasileiros como exemplos. Cita especificamente o Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA, o Bolsa Família e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Esse reconhecimento é importante. A FAO já vinha apontando o Brasil como exemplo. Em 2014, o país saiu do Mapa da Fome das Nações Unidas depois de reduzir em mais de 80% o percentual da população em condição de subalimentação. Para a FAO, isso foi resultado de um conjunto de políticas públicas que aumentou a renda da parcela mais pobre da população. E não foi só o Bolsa Família, que complementa a renda de quase 14 milhões de famílias no Brasil, foram os aumentos reais do salário mínimo e do emprego. Em 2014, a FAO também deu grande destaque para o programa de merenda escolar. Todos os dias, 43 milhões de crianças e jovens recebem alimentação nas escolas públicas. Isso equivale alimentar uma Argentina por dia. No relatório deste ano, houve uma menção específica ao Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA. A FAO diz que o Brasil foi o primeiro país a desenvolver uma estratégia de segurança alimentar que conecta a compra da produção dos agricultores familiares com a um programa institucional de compra de alimentos. Em 10 anos, o PAA comprou mais de 3 milhões de toneladas de alimentos de 200 mil famílias de agricultores. Isso significa que pudemos oferecer alimentos de melhor qualidade na merenda escolar, por exemplo, aumentando a renda dos agricultores familiares. Um estudo mostra que o rendimento dos agricultores mais pobres aumentou 88% acima da inflação durante o primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff _ e sem contar os benefícios do Bolsa Família. Os cortes no Orçamento, decorrentes do ajuste fiscal, estão prejudicando esses programas, ministra? Estamos passando por um momento importante, não só no Brasil, mas na economia mundial. E, de fato, o ajuste é uma necessidade hoje no país. Mas esse ajuste não pode prejudicar a população mais pobre. O orçamento para o Bolsa Família para o ano que vem está preservado. A merenda escolar está preservada. Alguns programas, como é o caso do PAA, tiveram uma redução no orçamento. Ao mesmo tempo, estamos construindo estratégicas para

que a gente possa continuar comprando da agricultura familiar garantindo as compras públicas. Antes, as cestas de alimentos que eram compradas pelo Ministério do Desenvolvimento Social não eram compradas exclusivamente da agricultura familiar, agora nós estamos comprando, ou seja, não é PAA, mas as compras de alimentos feitas pelo MDS agora são feitas pela agricultura familiar. Outro exemplo: as compras do Ministério da Defesa para os quartéis estão também sendo feitas da agricultura familiar. Isto mais do que compensará a redução que tivemos do orçamento do PAA. A senhora diria que o problema da fome foi resolvido no Brasil? O Brasil saiu do Mapa da Fome das Nações Unidas quando conseguiu reduzir o percentual da população passando fome a menos de 5%. Segundo a FAO, o Brasil tem 1,7% de sua população em situação de subalimentação. Para um país que tinha, há dez anos, 10% da população nessa situação, isso parece pouco. O Brasil avançou muito, mas ainda há muito a fazer. Não podemos descansar enquanto houver um brasileiro em situação de insegurança alimentar. Precisamos avançar e ampliar o acesso à alimentação saudável e avançar também no desenvolvimento de políticas específicas para públicos com características muito peculiares, como é o caso dos indígenas. O Brasil vive uma recessão. A senhora avalia que isso pode representar um risco de retrocesso nos avanços sociais que o país conquistou? É importante saber que, nesses momentos de crise, os gastos sociais são ainda mais importantes, programas de proteção à população de baixa renda. O Bolsa Família é um desses programas de proteção. O programa de cisternas é outro desses programas de proteção. O PAA é programa de proteção também. Então, a nossa rede de proteção foi fortalecida para além da aposentadoria, do Benefício de Proteção Continuada. Nos momentos de crise, esses programas são mais ainda necessários. É em um momento de crise que a população mais pobre e mais carente precisa do nosso apoio. É nesse momento que o Bolsa Família tem de continuar. Garantindo não apenas proteção para os mais pobres, mas permitindo também que a economia funcione melhor.

Saímos do Mapa da Fome e, hoje, a questão da alimentação saudável está no centro da pauta da política pública no Brasil todo.

14

Para encerrar, qual a mensagem a senhora gostaria de deixar aos participantes da Conferência? Acho que o Brasil tem muito a comemorar por ter optado por construir uma política de segurança alimentar e nutricional. Saímos do Mapa da Fome e, hoje, a questão da alimentação saudável está no centro da pauta da política pública no Brasil todo. Estamos iniciando a construção do nosso Sistema, que é o Sisan, o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional. Ele ainda é um sistema muito novo, está na sua fase inicial. Ele só será construído se contar com o apoio, a colaboração e a participação de todo mundo: os governos estaduais, municipais, federal, as entidades da sociedade civil. E só tem uma forma de a gente continuar avançando no Brasil: com transparência e com controle social. Os nossos conselhos de segurança alimentar e nutricional, o Consea Federal, dos estados e dos municípios têm de continuar ativos e participantes para que a gente avance cada vez mais, não apenas superando a desigualdade, mas melhorando a qualidade da alimentação da população.


Notas Destaques do MapaSAN 2015 serão lançados na 5ªCNSAN Em 2014, a primeira edição do Mapeamento de Segurança Alimentar e Nutricional (MapaSAN) teve 1.934 municípios cadastrados. Este ano, até o dia 14 de outubro (data de fechamento do relatório preliminar) 2.534 municípios já haviam registrado participação na pesquisa. Isso significa um crescimento do número de municípios participantes em 31%. Uma novidade no MapaSAN 2015 foi a inclusão de questões sobre Povos e Comunidades Tradicionais, público prioritário na agenda de atuação do governo federal; e sobre os equipamentos públicos de segurança alimentar como feiras, bancos de alimentos, Unidades de Apoio à Distribuição de Alimentos da Agricultura Familiar, restaurantes populares e cozinhas comunitárias, que poderão ser georreferenciados. Com os resultados do MapaSAN as prefeituras podem conhecer melhor as ações de segurança alimentar que estão sendo desenvolvidas no país. A pesquisa também é fundamental para o cidadão que, com essas informações, pode cobrar e fiscalizar a atuação dos gestores locais. A participação no MapaSAN é voluntária. A sensibilização dos municípios resulta do esforço coletivo e articulado entre as três esferas governamentais, sobretudo nos estados por meio das Câmaras Intersetoriais de Segurança Alimentar e Nutricional, em parceria com os Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional; e do apoio de entidades como a Associação Brasileira de Municípios, Confederação Nacional dos Municípios e Frente Nacional e Prefeitos. O relatório preliminar com os principais destaques do MapaSAN 2015 será lançado na 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, para subsidiar um dos eixos temáticos.

O PAA África: visões, limites, e caminhos futuros O PAA África é uma parceria do Governo brasileiro, do Reino Unido, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e o Programa Mundial de Alimentos (PMA) com Governos africanos. Inspirado no aprendizado do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) no Brasil, o programa implementa, desde 2012, pilotos de compras locais de alimentos da agricultura familiar para a alimentação escolar em cinco países: Etiópia, Malaui, Moçambique, Níger e Senegal. No Brasil, a participação da Sociedade Civil deu-se através do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) que tem acompanhado, através dos seus conselheiros, algumas das atividades de trocas de conhecimentos realizadas pelo PAA África, uma das componentes do Programa. Para o registro histórico deste importante envolvimento, foi lançado recentemente o estudo de caso “O PAA África e a participação da sociedade civil brasileira: visões, limites, e caminhos futuros”.

15


O que é comida de verdade? Gil Marcos,

presidente da Comissão de Presidentes de Conseas Estaduais “Todo cidadão tem direito a uma alimentação adequada, permanente e respeitando a sua determinada cultura. É respeitar a necessidade individual que cada um tem e é quando cada pessoa se sinta à vontade para se alimentar. Cada região do país tem seu cardápio alimentar diferenciado, mas todo respeitando uma máxima da alimentação que é nutrir a todos permanentemente. Comida de verdade também é que o cidadão tenha terra pra produzir seu alimento e vender o excedente. Isso é que é comida de verdade”.

Kátia Mendonça,

presidente do Consea Amapá “Para o norte, é a comida que podemos comer sem nenhum tipo de agrotóxico, com a garantia do direito humano à alimentação adequada. É a garantia de espaço e da cultura amapaense, nortista, onde comida de verdade é que todos comam e bebam com qualidade de vida para que a saúde seja bem considerada. É direito, é garantia e é proteção”.

16

Para Delso Oliveira, “Comida de verdade não é só quantidade. É qualidade! Não adianta me alimentar de milho, se esse milho vem contaminado de agrotóxico, se é transgênico, se não me dá garantias da procedência. E se o leite que tomo vem de uma vaca que ingeriu agrotóxicos? Então não é só encher a barriga. Não adianta me entupir de biscoitos de saquinhos... pois não sabemos nem direito o que vem no saquinho. O rótulo não informa direito. É possível hoje ver pessoas tomando refrigerante no café da manhã... isso enche a barriga, mas não alimenta. A nutrição de fato implica em considerar aspectos culturais e a qualidade do alimento”.


Comer. Rezar. Amar. Comida é patrimônio cultural. É acessório de crenças e religiões. É pretexto para juntar família, amigos, parceiros. E é muito mais, na visão de quem entende melhor do assunto: os conselheiros do Consea Nacional ;)

Olídia Lyra (mãe Torody) , Edgard Moura,

conselheiro do Consea Nacional “Comida de verdade é todo alimento feito respeitando as culturas e as tradições. Respeitando o seu local, suas crenças. Posso dizer que a água é uma comida, além de frutas, arroz, feijão, o pão... é aquilo que minha cultura e minha tradição reconhecem como alimento saudável e nutritivo”.

conselheira do Consea Nacional “Para nós, povos e comunidades tradicionais de matriz africana, o corpo é o altar dos nossos deuses. Então se a comida, a terra e a semente são saudáveis, os nossos deuses vão manter a conexão, a ancestralidade e a vida no dia-a-dia”.

Werner Fuchs,

conselheiro do Consea Nacional “É uma comida produzida com solidariedade. É produzida em conjunto. Ela expressa solidariedade e a interdependência entre as pessoas: área rural depende da área urbana e vice-versa. Essas são formas que constroem uma nação, uma forma de convívio e de dignidade humana. É uma forma em que pessoas se sentem dignificadas, têm um alimento saudável, de boa qualidade e produzido com esse sentimento de solidariedade”.

Eduardo Amaral Borges,

conselheiro do Consea Nacional “É aquela comida que representa o que é a cultura do brasileiro, do povo indígena, do quilombola, do extrativista, do agricultor... É aquela comida que sabemos sua origem, como é produzida, que efetivamente tenha o papel de nutrir pessoas, famílias, livre de aditivos e ingredientes industriais, mais próxima do natural e diversificada. Enfim, é a comida que é produzida com gosto. Que é produzida por pessoas que saibam para quem estão produzindo e saibam qual o bem que proporciona. Que é consumida por pessoas que saibam quem a produz e o papel delas na sociedade”.

17


Um guia para a comida de verdade Uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde e divulgada em abril deste ano revelou números preocupantes: 52,5% dos brasileiros adultos estão com sobrepeso e, destes, 17,9% já estão obesos. Os dados são da Pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), aplicada em 2014, ouvindo 41 mil pessoas nas 27 capitais brasileiras. Na sequência histórica da mesma pesquisa, os índices mostram números crescentes. O sobrepeso em 2006 era 42,6%, subiu para 50,8% em 2013 e chegou a 52,5% em 2014. Já a obesidade era de 11,8% em 2006, subiu para 17,5% em 2013 e passou a ser 17,9% no ano passado. Esses dados, inclusive, motivaram o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) a escolher como tema da 5ª Conferência Nacional a alimentação saudável. Por isso o lema do encontro é “Comida de verdade no campo e na cidade, por direitos e soberania alimentar”. De olho no problema – que é uma tendência mundial – o Ministério da Saúde atualizou e publicou no final do ano passado o Guia Alimentar Para a População Brasileira. A nova edição da publicação é resultado de um amplo processo de construção, contando inclusive com uma consulta pública que teve 3.125 contribuições, formuladas por 426 cidadãos e instituições. O Guia Alimentar, que dialoga diretamente com o lema da 5ª Conferência Nacional (“Comida de Verdade no campo e na cidade, por direitos e soberania alimentar”), traz contexto, informações e recomendações sobre os alimentos. O Consea, inclusive, teve participação ativa no processo, com críticas, sugestões e observações. As nutricionistas e professoras do Departamento de Nutrição da Universidade de Brasília (UnB), Anelise Rizzolo e Elisabetta Recine, que integram a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e o Consea, participaram da construção da publicação. 18


“Do ponto de vista populacional tivemos mudanças profundas na estrutura de renda e consumo e, por outro lado, a alimentação tem ocupado espaços importantes na mídia em geral com informações, em grande parte das vezes, limitadas, simplistas e que expressam poderosos conflitos de interesses”, disse a conselheira Elisabetta Recine. “Articular a dimensão individual com a coletiva, propor recomendações que também articulem o espaço do indivíduo com os fatores de determinação social da alimentação e diferenciar-se de uma reportagem descartável são vocações de um Guia Alimentar”, complementa. “O Guia Alimentar é o parâmetro norteador das diretrizes alimentares brasileiras”, afirmou Anelise Rizzolo. “Nele devem estar contempladas as múltiplas relações e condições que envolvem as escolhas alimentares, visando propor alternativas saudáveis, éticas, economicamente viáveis e sustentáveis para o sistema agroalimentar. É fundamental que o Guia dialogue com problemáticas geradoras de insegurança alimentar e nutricional, como o uso abusivo de agrotóxicos e a regulação da propaganda de alimentos ultraprocessados, sinalizando o papel das políticas públicas para seu enfrentamento”. De acordo com a presidenta do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional do Piauí (Consea-PI), Norma Sueli Alberto, “o Guia Alimentar da População Brasileira se propõe a orientar o consumo alimentar adequado e saudável, individual e coletivo, considerando os aspectos nutricionais, sanitários, culturais e de sustentabilidade ambiental e agro alimentar. Sua elaboração tem caráter técnico e científico e está embasada no histórico dos perfis epidemiológico, alimentar e nutricional da população brasileira. Uma abordagem dessa amplitude traz significativos elementos para a promoção e a adesão de práticas alimentares saudáveis, para a prevenção de doenças e para a segurança alimentar e nutricional no país”. A publicação é dividida em cinco capítulos. O primeiro aborda os princípios que nortearam a elaboração do documento e que justificam o tratamento abrangente dado à relação entre alimentação e saúde, levando em conta nutrientes, alimentos, combinações de alimentos, refeições e dimensões culturais e sociais das práticas alimentares. O segundo capítulo apresenta recomendações gerais sobre a escolha de alimentos, propondo, por exemplo, que a base da nossa alimentação sejam os alimentos in natura ou minimamente processados, variados e com origem vegetal. No terceiro capítulo são mostradas combinações saudáveis de alimentos em refeições. O quarto capítulo aborda o ato de comer e suas circunstâncias, como o tempo, o espaço e até mesmo a companhia. Já o quinto e último capítulo examina fatores que podem ser obstáculos para a adesão das pessoas às recomendações: informação, oferta, custo, habilidades culinárias, tempo e publicidade. Por fim, as recomendações são sintetizadas no quadro Dez Passos para uma Alimentação Adequada e Saudável. Guia Alimentar para a População Brasileira Publicação do Ministério da Saúde Onde encontrar: www.saude.com.br/bvs 19


Notoriedade internacional

Representantes de governos, organismos internacionais e movimentos sociais de todos os cantos do mundo participarão do Encontro Internacional, que antecede a 5ª Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional, nos dias 2 e 3 de novembro, em Brasília. São aguardados cerca de 150 participantes. O objetivo é compartilhar a experiência brasileira no desenvolvimento de programas e políticas públicas para garantir a segurança alimentar e nutricional no país. De acordo com o ex-presidente e conselheiro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Renato S. Maluf, “as políticas de segurança alimentar e nutricional adotadas no Brasil ganharam bastante notoriedade internacional, principalmente, com a difusão da estra-

tégia Fome Zero, uma agenda presidencial intensa e muito envolvimento das redes de sociedade civil”. O encontro será uma oportunidade para debater sobre a participação da sociedade civil em distintas instâncias vcomo o Mecanismo da Sociedade Civil do Comitê de Segurança Alimentar das Nações Unidas (CSA), a Reunião Especializada da Agricultura Familiar (Reaf) do Mercosul e o Conselho de Segurança Alimentar da CPLP, entre outros. “Nós do Consea temos compromisso com o fortalecimento da participação social em políticas de soberania e segurança alimentar e nutricional em todos os países com os quais o Brasil coopera”, explica o conselheiro Renato S. Maluf.

Olhar sobre o Consea

A atuação do Consea tem sido objeto de interesse de vários países. Delegações estrangeiras, em missão oficial no país, tem visitado o conselho para conhecer de perto como funciona a participação social no conselho e os programas em segurança alimentar e nutricional e de agricultura familiar desenvolvidas no Brasil. Nos últimos dois anos, o Consea recebeu as delegações de El Salvador, Filipinas, Egito, Colômbia, Reino Unido, Zâmbia, Etiópia, Angola, Índia, Bangladesh, Bolívia, Timor Leste, República Dominicana, Tunísia, Sudão e São Tomé e Príncipe. Representantes da África do Sul, México, Indonésia e Canadá também estiveram em reuniões plenárias do conselho como ouvintes. 20


Perfil

Vandana Shiva

A luta pela preservação da biodiversidade e pela defesa da soberania sobre as sementes e os alimentos é a marca do ativismo da indiana Vandana Shiva. Formada em Física e doutora em Teoria Quântica, ela iniciou pesquisas interdisciplinares em ciência, tecnologia e política ambiental, realizadas no Instituto Indiano de Ciência e no Instituto Indiano de Administração em Bangalore, Índia. Em 1982 Vandana Shiva fundou um instituto - a Fundação de Pesquisa para a Ciência, Tecnologia e Ecologia em Dehra Dun - dedicado à pesquisa independente e de alta qualidade para resolver as questões ecológicas e sociais mais significativas do nosso tempo, trabalhando em estreita parceria com as comunidades locais e movimentos sociais. Seguindo seus ideiais de construção de um novo mundo, onde as pessoas sejam livres para produzir e consumir alimentos saudáveis, em 1991 ela fundou Navdanya, um movimento nacional para proteger a diversidade e a integridade dos recursos vivos - especialmente sementes nativas - e promover a agricultura orgânica e o comércio justo. Nas últimas duas décadas, o movimento alcançou mais de 500 mil homens e mulheres do campo. Os esforços da Navdanya resultaram na conservação de mais de 3.000 variedades de arroz de toda a Índia e a organização estabeleceu 60 bancos de sementes em 16 estados em todo o país. Vandana Shiva tem contribuído de forma fundamental para mudar a prática e paradigmas de agricultura e alimentação. Além de seu ativismo, ela também atuou em grupos de peritos do governo sobre a legislação da biodiversidade e propriedade intelectual. Ela ajudou movimentos na África, Ásia, América Latina, Irlanda, Suíça e Áustria com suas campanhas contra a engenharia genética. Em 2003, quando os Estados Unidos iniciaram uma disputa contra a União Europeia para retirar as proibições e moratórias sobre culturas e alimentos geneticamente modificados, Vandana Shiva lançou uma campanha global sobre os transgênicos na Organização Mundial do Comércio (OMC). As contribuições para as questões de gênero são reconhecidas nacional e internacionalmente. Seu livro “Staying Alive” muda dramaticamente a percepção popular sobre as mulheres do Terceiro Mundo. Internacionalmente Vandana Shiva aconselha os governos em todo o mundo, e está atualmente trabalhando com o Governo do Butão para fazer o “Butão 100% orgânico”. Ela também está trabalhando com os governos da Toscana e Roma para criar um futuro agradável e de esperança para os jovens nestes tempos de crise. Fonte: http://vandanashiva.com

Marque na agenda Palestra Magna com Vandana Shiva Data: 03/11 (terça-feira) Local: Auditório Máster Horário: a partir das 16h30

21




Entrevista: Arnoldo de Campos

Brasil sem fome O Brasil que saiu Mapa Mundial da Fome, em 2014, que reduziu a mortalidade infantil e a desnutrição, mas que também precisa enfrentar a batalha contra a obesidade e o sobrepeso estará representado nos diálogos promovidos pela 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Na entrevista a seguir, o Secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Arnoldo de Campos, comenta sobre estes e outros temas. Confira. Qual a importância do processo de conferências para as políticas de SAN? Participação social, prestação de contas do governo, avaliação de políticas públicas, definição de novas prioridades, apresentação de críticas, sugestões e propostas. Tudo isso acontece ao mesmo tempo e ajuda o governo e a sociedade a conquistar mais avanços. A história da segurança alimentar e do combate a fome no Brasil é uma, antes da participação popular e outra muito melhor depois, com a participação da sociedade. Evoluímos muito juntos nessa caminhada e as conferências foram momentos muito importantes para pactuar rumos, definir prioridades conjuntas entre governo e sociedade. Por isso, nós que lutamos para continuar avançando e melhorando a vida do nosso povo, acreditamos neste ambiente de diálogo e, por isto, estamos ansiosos pela realização da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Quais as perspectivas que se abrem após a realização da Conferência Nacional? As expectativas são as melhores possíveis. Esperamos reafirmar antigos compromissos, como a promoção do acesso à alimentação, o combate à insegurança alimentar que ainda persiste em alguns grupos populacionais específicos. Já alcançamos bons resultados, que levaram o Brasil a sair do Mapa Mundial da Fome. Mas temos muito que fazer para que todas as famílias tenham garantido o seu direito humano à alimentação. Também queremos que surjam novas prioridades, como a promoção da alimentação saudável, o enfrentamento do excesso de peso. O Brasil entrou no mapa da obesidade. Temos que mudar isso. É preciso declarar guerra ao alimento de má qualidade e promover novos hábitos alimentares, com base em alimentos saudáveis, diversificados, valorizar a agricultura familiar, a produção saudável, agroecológica, orgânica, livre de agrotóxicos e contaminantes. Essa é a nossa nova batalha na área da segurança alimentar. Em quais agendas de governo a pauta “comida de verdade, no campo e na cidade” seguirá encontrando eco? Esperamos que essa seja a agenda principal dos próximos quatro anos. Temos que melhorar nossos indicadores na área de alimentação. O sobrepeso e a obesidade devem parar de crescer e precisamos reduzir as doenças crônicas não transmissíveis. Elas estão entre principais causas de morte no país e diretamente relacionadas às escolhas alimentares que fazemos. Queremos que sejam fortalecidas, qualificadas e ampliadas as políticas públicas que ajudam o Brasil a produzir mais comida de verdade, que contribuem para o abastecimento e para o acesso aos alimentos saudáveis e também para aquelas que ajudam os cidadãos a acessar informações sobre os alimentos que consomem. Esperamos que a 5ª Conferência ajude o governo e a sociedade a definir uma estratégia bem elaborada e consistente para seguirmos avançando como um dos países que melhor trata a questão da alimentação para sua população no mundo. 24

Foto: Ubirajara Machado/MDS


Raízes do Brasil

Encontro debate questões indígenas no campo da soberania e da segurança alimentar e nutricional

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Cerca de 60 representantes de comunidades indígenas de todas as regiões do país estarão reunidos na 5ª Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional, em Brasília. Para dar início aos debates, será realizado um encontro nos dias 2 e 3 de novembro. Os participantes poderão trocar experiências e discutir sobre a demarcação de terras, a produção de alimentos e o novo marco legal da biodiversidade. “Em todas as edições desse Encontro nas conferências nacionais anteriores, houve ampla mobilização que resultou na aprovação total das propostas relacionadas aos povos indígenas. Todo esse processo também fortalece a agenda indígena no campo do direito humano à alimentação adequada. Por isso, a realização desse Encontro já se tornou uma tradição bem-sucedida nas Conferências Nacionais de SAN”, explica a assessora técnica da Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), Mirlane Klimach Guimarães. Os últimos dados oficiais sobre a segurança alimentar e nutricional dos povos indígenas foram divulgados em 2010 pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Os resultados 1º Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas alertaram o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) para a necessidade de um debate mais aprofundado sobre os hábitos alimentares e garantia de direitos desses povos. Os números mostraram 32,7% das mulheres indígenas grávidas com anemia, reflexo da falta de uma alimentação adequada. Para o conselheiro Dourado Tapeba, a segurança alimentar dos povos indígenas depende da demarcação do território e de políticas para estimular a produção de alimen-

tos. “O Consea tem feito a sua parte com as exposições de motivos e as recomendações. Agora, falta o governo seguir as propostas aprovadas nas conferências”, afirma Dourado. De acordo com o Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro e Geográfico (IBGE) em 2010, 896.900 mil indígenas vivem no território brasileiro. A pesquisa também identificou 305 etnias diferentes. Do total de indígenas no Brasil, 36,2% residiam na área urbana e 63,8% na zona rural.

INDÍGENAS NO CONSEA Os povos indígenas estão representados por quatro entidades no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea): Dourado Tapeba, representando a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) Maria Auxiliadora Cordeiro da Silva, representando a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) Mario Karaí, representando a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul) Silvio Ortiz, representando o Conselho Aty Guasu Guarani-Kaiowa O conselho também mantém a Comissão Permanente de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Indígenas (CP6). 25


Betinho A Esperança Equilibrista

Comida, diversão e arte País: Brasil 2015 A Ano: 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional também terá uma proGênero: Documentário gramação artístico-cultural, com uma grade Classificação: Livre diversificada de atividades. Diferentes cenários, Direção: Victor Lopes do Brasil no conexpressões e singularidades Duração: 90 mine soberania alimentar e nutexto da segurança

los diversos e multiculturais. Queremos que, além de refletir coletivamente temas centrais para o debate ao longo da Conferência, os grupos conheçam e se reconheçam como brasileiros e integrantes de uma grande e linda nação”, explica a conselheira Anelise Rizzolo.

tricional serão apresentados em vídeos, filmes, cordel, contação de histórias, música e poesia. Serão exibidos os filmes “Muito Além do Peso” e e ativista, Hebert de na Souza, o Betinho, frágil, mas força dos grandes idealistas.po“Osaúde Veneno Está naaMesa 2”. Os participantes AsSociólogo atividades serão realizadas manhã de ter-tinha Lutou permanentemente contra as injustiças e a favor da vida. Liderou diversos movimentos sociais, derão assistir a vídeos curtos sobre soberania ça-feira (3), de 10h às 12h. mobilizando milhões de brasileiros a ajudar a mudar oalimentar rumo do país. e as diferentes dimensões da segu“O Brasil, com sua imensa extensão territorial, rança alimentar e nutricional. Haverá ainda um Fonte:um Divulgação reúne conjunto de valores, crenças, símbo- espaço para troca de receitas e sementes.

Muito Além do Peso País: Brasil Ano: 2012 Gênero: Documentário Classificação: Livre Direção: Estela Renner Duração: 84 min

O documentário mergulha no tema da obesidade infantil ao discutir por que 33% das crianças brasileiras pesam mais do que deviam. As respostas envolvem a indústria, a publicidade, o governo e a sociedade de modo geral. Com histórias reais e alarmantes, o filme promove uma discussão sobre a obesidade infantil no Brasil e no mundo. Fonte: Divulgação

O Veneno Está na Mesa 2 País: Brasil Ano: 2014 Gênero: Documentário Classificação: Livre Direção: Silvio Tendler Duração: 70 min

O Veneno Está Na Mesa 2 atualiza e avança na abordagem do modelo agrícola nacional atual e de suas consequências para a saúde pública. O filme apresenta experiências agroecológicas empreendidas em todo o Brasil, mostrando a existência de alternativas viáveis de produção de alimentos saudáveis, que respeitam a natureza, os trabalhadores rurais e os consumidores. Fonte: Divulgação

26


A esperança equilibrista “Quem tem fome tem pressa”. As palavras do sociólogo Hebert de Souza, o Betinho, marcaram a luta contra a fome e a miséria no país. Mesmo com a saúde fragilizada pela hemofilia e pela Aids, o humanista prevaleceu sobre as dificuldades pessoais. Ele defendia a urgência em resolver o problema dos mais necessitados. A trajetória do ativista social está retratada no documentário “Betinho: A Esperança Equilibrista”, com direção e roteiro do cineasta Victor Lopes, lançado em outubro. O filme foi eleito o melhor longa documentário por júri popular no Festival do Rio e será exibido durante a 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. A história de vida é contada pelo próprio sociólogo, pela família e pelos amigos. Betinho definia a própria vida como “uma sucessão infinita de sortes”. Militou contra a ditadura e se exilou no Chile. De volta ao país, trouxe na mala a saudade da comida brasileira e dos amigos. Retomou a luta contra as injustiças sociais, fundou a Ação da Cidadania e mobilizou milhões de pessoas contra a fome. Para o filho mais velho, Daniel Souza, o trecho mais marcante do documentário está no momento do adeus a Betinho. “No velório dele, onde vemos tantas pessoas de diferentes linhas políticas e de opiniões. Acho marcante ver como ele agregava todo mundo. Estavam lá a direita e a esquerda, diversas religiões, ONGs, governo, enfim, todos. Porque ele era essa ponte de diálogo na sociedade”, conta.

Daniel deu continuidade aos projetos do pai. Hoje é um dos representantes da Ação da Cidadania no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Ele acredita que o documentário pode ser uma inspiração na luta contra a desigualdade. “O Betinho, por todos os obstáculos que teve que enfrentar na vida, tinha tudo para ficar quieto num canto, reclamando da sorte. Mas fez o oposto. Nós, que não temos nenhum desses problemas - seja de saúde ou de perdas como ele teve - estamos esperando o quê para transformar o mundo?”

“Quem tem fome tem pressa.” Betinho

Betinho A Esperança Equilibrista País: Brasil Ano: 2015 Gênero: Documentário Classificação: Livre Direção: Victor Lopes Duração: 90 min Sociólogo e ativista, Hebert de Souza, o Betinho, tinha saúde frágil, mas a força dos grandes idealistas. Lutou permanentemente contra as injustiças e a favor da vida. Liderou diversos movimentos sociais, mobilizando milhões de brasileiros a ajudar a mudar o rumo do país. Fonte: Divulgação

Muito Além do Peso

27


Vamos jogar? O Consea Nacional lançou em outubro o jogo ‘Comida de verdade’, um pequeno Quiz sobre alimentação balanceada e responsável Disponível no endereço www. consea.com.br/jogo, o jogo é destinado a adolescentes e adultos. A intenção é que, com a prática no jogo, se aumente a consciência de quais alimentos são benéficos à saúde e quais elementos da alimentação são primordiais. O jogo foi criado no formato de Quiz, ou seja, perguntas e respostas, e funciona de forma bastante visual. O leiaute do jogo ‘Comida de verdade’ contou com a colaboração da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan). Já o som e os efeitos sonoros do jogo foram criados e produzidos pelos músicos brasilienses Fernando Jatobá e Esdras Nogueira, da banda Móveis Coloniais de Acaju. Para o secretário executivo do Consea, Marcelo Gonçalves, “esta-

mos oferecendo um jogo divertido para a população, mas de um assunto bastante sério. Alimentação é saúde, é patrimônio cultural, é estilo de vida. Enquanto nosso jogo fala de comida de verdade, há jogos famosos que tratam de guloseimas, o que estimula, de forma sutil, o público a adotar hábitos alimentares não saudáveis. Estamos começando a entender esse tipo de comunicação”. A ideia de criar o jogo surgiu na equipe de comunicação do Consea. O trabalho levou cerca de três meses para ser concluído, incluindo 600 imagens de alimentos diversos, selecionadas especialmente pela equipe com o auxílio de uma nutricionista. Foi programado em HTML5, o que permite que o ‘Comida de Verdade’ seja jogado em com-

putadores, tablets e smartphones. O jogo é de código livre, ou seja, com licenciamento aberto para que qualquer pessoa, do governo ou da sociedade civil, possa criar seu próprio jogo a partir deste disponível, desde que citada sua origem. De acordo com Michelle Andrade, coordenadora de comunicação do Consea Nacional, “quisemos oferecer produtos de comunicação que vão além do lugar-comum. Nossa intenção, afinal, é produzir decisões de consumo adequadas, saudáveis e responsáveis. Acreditamos que com o jogo, conseguiremos atingir o público mais jovem, tão vulnerável diante de estratégias de comunicação da indústria de alimentos ultraprocessados”.

ESCOLHA O NÍVEL QUE DESEJA JOGAR

Voltar

01

02

06

07

Fechar

03

04

05

08

09

10

QUAL DAS OPÇÕES É UM EXEMPLO DE COMIDA DE VERDADE?

Jogar

11 16

12 17

13 18

14 19

15 20

ESCOLHA O NÍVEL QUE DESEJA JOGAR

Voltar

01

02

03

04

05

06

07

08

09

10

11

12

13

14

15

16

17

18

19

20

5ª Conferência Nacional de

28

Segurança Alimentar e Nutricional


A gente quer comida (de verdade) Em “Morte e Vida Severina”, escrito entre 1954-1955, o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto falava da triste sina dos Severinos, aqueles homens que eram “condenados à morte de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia”. Já em 1984 o cantor e compositor baiano Caetano Veloso, na letra de Podres Poderes, denunciava, entre outras coisas, o fato de “morrer e matar de fome” serem gestos naturais. “Enquanto os homens exercem seus podres poderes/ Morrer e matar de fome, de raiva e de sede/ São tantas vezes/ Gestos naturais”. O tempo passou e, seis décadas após o poema de João Cabral e trinta anos após a música de Caetano, a ONU, por meio da FAO, informou ao mundo que o Brasil – com menos de 5% da população em insegurança alimentar grave - saiu do Mapa da Fome Mundial, uma grande conquista para um país onde, segundo o poeta, se “morria de fome um pouco por dia”. A conquista brasileira é fruto de um somatório de fatores, como as políticas de governo e de Estado em inclusão social e transferência de renda, a atuação da sociedade civil e a luta de brasileiras e brasileiros como Josué de Castro e Herbert de Souza, o Betinho. E se, hoje em dia, mais brasileiros e brasileiras passaram a comer, e a comer mais, é fato também que outros problemas surgiram, com as mudanças sociais e econômicas dos últimos tempos. Segundos pesquisas oficiais, mais de 50% da população adulta está com sobrepeso e a obesidade chega perto de 20%. Só para se ter uma ideia do problema, números oficias indicam que o Sistema Único de Saúde, o SUS, gasta quase meio bilhão de reais por ano no tratamento de doenças relacionadas à obesidade, as doenças crônicas não transmissíveis. Isso tudo sem contar outros impactos na economia. Pois é neste contexto que será realizada a 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, de 3 a 6 de novembro, em Brasília. E o lema não poderia ser mais oportuno: “Comida de Verdade no Campo e na Cidade, por direitos e soberania alimentar”. Um debate que nos levará a refletir sobre o que estamos e não estamos comendo. Em 2004 esteve em cartaz nos cinemas de todo o mundo o documentário “Super Size Me – a dieta do palhaço”, de Morgan Spurlock, que era o ator e o diretor. Ele passou um mês se alimentando três vezes por dia no McDonalds, a fim de mostrar os efeitos que esta escolha exerce sobre uma pessoa. Ao final da experiência, o ator-diretor engordou 11 quilogramas, ficou com uma fisionomia de doente e apresentou mudanças de humor, disfunção sexual e impacto sobre o fígado, precisando de mais de um ano para perder o peso adquirido. No Brasil, a Maria Farinha Produções e o Instituto Alana produziram o filme “Muito Além do Peso”, um contundente documentário sobre a obesidade infantil, que mostra hábitos alimentares de crianças e traz a opinião de especialistas no assunto. Apesar de muita gente achar que segurança alimentar e nutricional é tão somente “combate à fome”, o conceito é muito mais amplo do que se imagina. Não é só comer, não é só “matar” a fome. Estamos falando de alimentação adequada e saudável, livre de agrotóxicos e transgênicos, que não prejudique sua saúde nem o meio ambiente. O conceito de segurança alimentar e nutricional também prevê o respeito e a preservação dos hábitos alimentares (cultura alimentar) de um povo, de uma região, de uma comunidade, como, por exemplo, as tradições alimentares dos indígenas e dos povos e comunidades tradicionais, entre outros. Enfim, está na hora de pensarmos e repensarmos o que estamos comendo e o que não estamos comendo. Porque esperamos que fique no passado – e que não volte nunca mais – o tempo em que se morria de fome um pouco por dia (como no poema), um tempo em que morrer de fome era coisa natural (como diz na música). Lembrando de outra música, esta da banda Titãs, a gente não quer só comida, diversão e arte. A gente quer comida e saída para qualquer parte. Mas, sobretudo, a gente quer - e precisa - de comida de verdade, no campo e na cidade. Marcelo Torres é jornalista da Ascom/Consea 29


O ato de comer Por Selvino Heck*

“A alimentação e o ato de comer compõem parte importante da cultura de uma sociedade. Estão relacionados à identidade e ao sentimento de pertencimento social das pessoas e envolvem, ainda, aspectos relacionados ao tempo e à atenção dedicados a estas atividades, ao ambiente onde eles se dão, à partilha das refeições, ao conhecimento e informações disponíveis sobre alimentação, aos rituais e tradições e às possibilidades de escolha e acesso aos alimentos.”

e que está no centro do debate no Brasil, na América Latina e no mundo, o valor da democracia precisa ser afirmado em todos os momentos e espaços.

O ato de comer diz, conta, expressa o que é uma sociedade. “Nosso patrimônio alimentar é resultado do diálogo histórico entre culturas diversas como a dos povos indígenas, dos migrantes forçados da África e das populações migrantes portuguesa, espanhola, italiana, alemã e japonesa, entre outras. Somado a isso, os distintos biomas que compõem nosso país proporcionam uma valiosa sócio biodiversidade, expressa pela variedade de frutas, verduras, legumes, sementes oleaginosas, cereais e leguminosas, contribuindo não apenas com o nosso patrimônio culinário, mas também com uma imensa disponibilidade de variados nutrientes, essenciais para uma alimentação saudável”.

O direito à alimentação realiza-se quando há igualdade. Por isso, todas e todos, mulheres e homens, jovens, crianças e idosos devem ter acesso ao alimento como direito. É proibido alguém passar fome quando há igualdade econômica e social. Só existe fome quando a desigualdade existe e impera.

Os parágrafos acima fazem parte do Documento de Referência da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, a realizar-se em Brasília de 3 a 6 de novembro, cujo lema é “Comida de verdade no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar”. O ato de comer é político. Nestes tempos difíceis, até bicudos, onde ventos fortes ameaçam a democracia tão duramente conquistada na luta e na mobilização social

Sentamos à mesa para comer. Sentamos com a nossa família, a comunidade. Repartimos o que está sob nossos olhos. Todos comem o que e quanto querem. Não há diferença, não há privilégios. Ninguém é mais que ninguém. Ninguém é menos que ninguém.

Soberania alimentar é decidir sobre como e o que produzir; decidir sobre o que e quanto comer; sobre nossa vida e liberdade. É não deixar os outros mandarem nos nossos alimentos, portanto, sobre o nosso quintal ou a nossa roça. “Comida de verdade é, portanto, uma questão de soberania alimentar, pois se relaciona ao direito dos povos de decidir sobre o que e como produzir e consumir os alimentos”. Alimentos adequados e saudáveis, sem venenos, não transgênicos. Comida de verdade no campo e na cidade é cultura e vivência de valores. A Carta da Amazônia, aprovada no Encontro Temático Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional na Amazônia, acontecido em Belém, diz: “Comida de verdade na Amazônia é entendida como patrimônio cultural e expressão de modos de vida tradicionais, onde têm grande relevância os laços de solidariedade e reciprocidade nas comunidades. É oriunda de sistemas alimentares caracterizados por uma biodiversidade extremamente rica, representada pelo valioso conhecimento tradicional de seus povos sobre as plantas comestíveis e medicinais, frutos, sementes, raízes, fauna silvestre e aquática e peixes. A região amazônica é caracterizada pela riqueza de sua sócio biodiversidade”. A Carta do Encontro Temático das Mulheres, realizado em Porto Alegre, fala: “Destacamos a histórica atuação das mulheres – e, em especial, as indígenas, quilombolas e as negras – na preservação dos ecossistemas e das sementes locais e/ou crioulas, pois elas detêm um conhecimento vasto e tradicional sobre a biodiversidade”. Comida de verdade no campo e na cidade é democracia pura. Mas a democracia do ato de comer deve transbordar para a vida real de cada comunidade e para o cotidiano da sociedade. No diálogo e na participação social e popular, constroem-se políticas públicas que garantem ‘comida de verdade no campo e na cidade’. Constrói-se soberania, constroem-se direitos e igualdade, constrói-se democracia. *Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República e conselheiro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea)


5ª Conferência Nacional de

Segurança Alimentar e Nutricional


CUrtA cOmiDa dE vErdAde.

Compartilhe o que ĂŠ comida de verdade usando as hashtags: #5conferencia #comidadeverdade /segurancaalimentar


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.